UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS CURSO DE HISTÓRIA LICENCIATURA NIVALDO GERMANO DOS SANTOS ECLIPSE DOS PODERES: OS AGENTES DO ESTADO E DA IGREJA NO MARANHÃO SETECENTISTA São Luís 2011 NIVALDO GERMANO DOS SANTOS ECLIPSE DOS PODERES: Os Agentes do Estado e da Igreja no Maranhão Setecentista Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Federal do Maranhão, para obtenção do grau em Licenciatura em História. Orientadora: Profª Drª Antonia da Silva Mota São Luís 2011 Santos, Nivaldo Germano dos. Eclipse dos Poderes: Os Agentes do Estado e da Igreja no Maranhão Setecentista / Nivaldo Germano dos Santos. – 2011. 112 f. Impresso por computador (fotocópia). Orientadora: Antonia da Silva Mota Monografia (Graduação) – Universidade Federal do Maranhão, Curso de História, 2011. 1. Igreja Católica – História – Maranhão 2. Maranhão Colônia I. Título. CDU 272/273 (812.1).03 NIVALDO GERMANO DOS SANTOS ECLIPSE DOS PODERES: Os Agentes do Estado e da Igreja no Maranhão Setecentista Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Federal do Maranhão, para obtenção do grau em Licenciatura em História. Aprovada em __/__/2011 BANCA EXAMINADORA __________________________________________ Profª Drª Antonia da Silva Mota (Orientadora) (UFMA) __________________________________________ Profª Drª Pollyanna Gouveia Mendonça (UFMA) __________________________________________ Profª Drª Maria Izabel Barboza Morais de Oliveira (UFMA) Ao Deus Eterno Aos meus pais, Ivaldo Germano dos Santos e Maria Goreth dos Santos Agradecimentos Saibam quantos este público instrumento de Agradecimento virem, que no ano de nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de Dois Mil e Onze Anos, aos 30 dias do mês de junho do dito ano, nesta Cidade do Maranhão, eu, Nivaldo Germano dos Santos, autor, declaro reconhecer e dou fé à contribuição e importância das pessoas adiante nomeadas para a produção do presente trabalho monográfico. Isto porque considerando que os agradecimentos são parte fundamental de qualquer trabalho, é importante compartilhar todo sucesso nele obtido, por menor que seja. Agradeço, portanto, pela fundamental contribuição para a produção deste trabalho: Ao Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, por todas as coisas! Pois assim recomendam as Escrituras Sagradas judaico-cristãs (Carta aos Colossenses 3: 17/ Carta aos Tessalonicenses 5: 18). Deus seja louvado pela saúde, disposição intelectual e oportunidades alcançadas. Ao digníssimo senhor meu pai Ivaldo Germano dos Santos e à digníssima senhora minha mãe Maria Goreth dos Santos, pelo esforço com que se dedicaram diariamente ao longo destes 22 anos, a fim de me proporcionar uma boa vida e educação de qualidade. Ainda que muito me esforçasse, não saberia expressar de forma satisfatória a minha gratidão e o meu amor que a eles dedico. Não é da melhor maneira, mas o máximo que consigo fazer é ser motivo de orgulho para eles, através da minha vida, sempre procurando trilhar os caminhos mais dignos possíveis. À digníssima senhora minha avó paterna, Maria do Livramento dos Santos, pelas suas orações. A Danielly Millen Carvalho Ferreira, minha sobrinha-prima, pela fiel amizade, convivência e alegria que só me fizeram bem desde os primeiros anos de vida. In Memorian: ao digníssimo senhor meu avô materno Félix Ferreira dos Santos, por sempre me defender dos castigos impostos pelos meus pais devido às travessuras por mim cometidas na infância; ao digníssimo senhor meu avô paterno Sebastião Germano dos Santos, porque pelo seu grande espírito, ficaria orgulhoso desse momento, sem dúvida; ao meu querido irmão caçula Givaldo Germano dos Santos. Certamente eu teria crescido menos solitário, se sua ausência não tivesse se manifestado tão cedo, ainda nos primeiros anos de nossas vidas. A estes agradeço porque sua presença e ausência, cada uma no devido tempo, contribuíram para me formar enquanto pessoa e enquanto alguém que procura fazer o melhor. Porque quando daqui partirmos, não deixaremos nada além do nosso serviço para os nossos queridos. Aos demais familiares pelas sempre boas palavras de ânimo e bênção, principalmente aos meus tios José de Ribamar dos Santos e Maria dos Santos, Maria da Conceição Santos Ferreira e Iraneide do Livramento dos Santos pela torcida vibrante; a Maria dos Anjos Lopes Carvalho Ferreira; as minhas primas Davilene dos Santos Saldanha, Deusilene dos Santos Saldanha, Eleonora Livramento Carneiro e aos meus primos Dodival Ferreira dos Santos, Kleber Ferreira dos Santos, Alfredo Ferreira dos Santos e ainda a Wilton Bispo de Araújo. Todos pela eterna torcida que me oferecem. À ilustríssima senhora professora doutora e historiadora Antonia da Silva Mota pelo convite inicial que me fez para trabalhar no seu projeto de pesquisa, o que rendeu dois anos de orientação em iniciação científica, resultando neste trabalho. Ainda sou grato à mesma professora pela sempre disponibilidade e interesse irrestrito no meu desenvolvimento intelectual e pela sua valiosa amizade, que espero levar para a vida toda. Aos fiéis amigos do curso pela fundamental companhia. Levarei comigo a amizade de Késsia Sousa, Elias Ribeiro, Kate Soares e Ludmylla Fontenelle pelas piadas premeditadas e instantâneas, infames e engraçadas, tudo junto, mas não necessariamente nessa ordem; pela partilha da fé, pela parceria nas atividades; pelas boas sugestões que sempre fizeram nos meus textos, pelo incentivo nos estudos, enfim, pela parceria acadêmica e pessoal. Amizade que espero siga até o fim. Aos demais colegas de curso. Comigo levarei boas lembranças de Viviane Licá, Manoel Carvalho, David Dias, Daniele Martins, Philipe Azevedo, Fernanda Oliveira, Anna Rios e Rennata Santos, pela companhia acadêmica na discussão de variadas questões acerca de nossas pesquisas. Agradeço a Marcio Veloso pela paciência com meus problemas de ordem técnica superior com meu computador. De igual modo, foi bom conhecer e conviver em sala de aula durante quase quatro anos com Marliane Dutra, Eduardo Oliveira, Jéssica Simões, Josiléia Almeida, Dayanne dos Santos, Geordana Ramos, Luann Ferreira, Flávio Macedo, Auriely Maciel, Paulo Sérgio, colegas de turma, e ainda Rodrigo Sales, colega de curso de outro período pelas boas conversas e risadas nas horas vagas. A Camila Portela e Thiago Santos pela receptividade que me ofereceram quando participei do Grupo de Pesquisa de História da Religião e pela posterior amizade. Ao ilustríssimo senhor professor doutor Lyndon de Araújo Santos pela oportunidade concedida de participar com um capítulo na recente publicação da coletânea “Religião e Religiosidades no Maranhão”. À ilustríssima senhorita professora doutora Pollyanna Gouveia Mendonça pela contribuição na indicação de leituras importantes para refinar minha compreensão acerca de algumas questões expostas neste trabalho. Aos demais ilustríssimos professores do Departamento de História, Maria da Glória Guimarães Correia, Josenildo Pereira, Dorval Nascimento, Manoel Barros, Flávio Soares, Regina Faria, Washington Tourinho, dos quais fui aluno e tive a oportunidade de beber um pouco do seu conhecimento: pela boa vontade com que sempre me atenderam quando precisei tirar alguma dúvida ou pedir algum livro emprestado, e pelo exemplo de profissionais que se tornaram para mim, sempre empenhados na melhoria do curso de História desta universidade e pela eterna busca de conhecimento, tão necessário aos habitantes do mundo acadêmico. Aos meus amigos: Aurélio Rodrigues, com o qual cresci, e nesse processo em muito foi como um irmão para mim; Denise Miranda, com quem também cresci; Aneilde Araújo, uma cristã livre pensadora, dona de um espírito inquieto com muitas questões, mas sempre fiel em todas as coisas, e principalmente aos amigos; Marcelo Cunha, cuja amizade iniciada nos bancos de estudo do CNA se consolidou com o tempo... Aos três eu agradeço pela torcida sincera que me oferecem sempre. Aos professores da minha vida, que me viram crescer nas duas escolas onde estudei e ainda assim depois acompanharam meu desenvolvimento por um tempo até a perda de contato. No Ensino Fundamental foram eles: Georgina, professora na antiga 1ª série, Fátima na 2ª série, Ana na 3ª série, Goreth na 4ª série, Wilson (Língua Portuguesa e Literatura) da 5ª à 7ª série, Nazareth (Geografia) da 5ª à 8ª série, Carmenilde (HISTÓRIA), da 5ª à 8ª série e Márcia (Língua Portuguesa e Literatura) na 8ª série. No Ensino Médio, foram elas: Geysa (HISTÓRIA) no 2° ano e Kyania (Língua Portuguesa e Literatura) também no 2° ano, Portela (Sociologia) no 1° ano. Enquanto resgatava das distantes e sombrias regiões da memória o nome de cada um, ia escrevendo logo esse parágrafo, e fui acometido por um sentimento indescritível de saudade. Nunca os esqueci, apenas os guardei em algum lugar para hoje trazê- los ao reconhecimento, porque sempre deixaram claro o interesse que tinham no meu desenvolvimento intelectual, e mais do que isso, se esforçavam para eu só melhorar. Aos amigos do ensino médio, Márcia Mello, Cristiane Marques, Patrícia Marques e David Teixeira. Aos estagiários do CCH, Ana Carolina Carvalho, David Michel e Maria Sousa, pela amizade salutar. À ilustríssima senhora professora Drª Gisele Martins Venancio (UFF) pela dica temática de pesquisa sobre o Iluminismo e alguns livros emprestados sobre a temática pouco antes de me tornar orientando da professora Antonia, que terminou por encontrar plena importância no estudo do objeto de pesquisa sobre o qual me debrucei, o qual constitui este trabalho. Ao professor Dr° Gilson Ciaralho (UNB) pela imediata disponibilização de sua tese após contato feito via e-mail, importante também para ampliar os horizontes sobre alguns pontos da pesquisa. À Universidade Federal do Maranhão pela concessão de bolsa de iniciação científica vigente no período 2009/2010. À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Maranhão – FAPEMA, pela concessão de bolsa de iniciação científica vigente no período 2010/2011. Aos ilustríssimos e excelentíssimos senhores governadores, ouvidores e demais funcionários régios; bispos, vigários gerais e demais religiosos, personagens da história ora apresentada. Cerca de duzentos e cinquenta anos depois do período em que se encontraram, conviveram e brigaram surge este trabalho, para o qual são as peças da trama aqui montada. Demais disto, reverencio as suas memórias solenemente. À banca examinadora. “Porque na muita sabedoria há muito enfado; e o que aumenta em ciência, aumenta em trabalho. [...] E demais disto, filho meu, atenta: não há limites para fazer livros, e o muito estudar enfado é da carne.” (Eclesiastes 1: 18 / 12: 12) RESUMO Este trabalho analisa o comportamento público e a administração dos agentes do Estado e da Igreja Católica no Maranhão, durante o consulado pombalino (1750-1777). Para tanto, a pesquisa se sustentou em correspondências dos governadores e dos religiosos; e também baseada nos historiadores locais, de modo que é possível visualizar e compreender os interesses políticos e particulares, as ações e os embates entre os agentes de ambas as partes de modo dialético. Durante as administrações de Francisco Xavier de Mendonça Furtado (1751-1759) e Joaquim de Mello e Póvoas (1761-1778), ambos parentes do Marquês de Pombal (Secretário Plenipotenciário português), a jurisdição espiritual foi separada do poder temporal. Com a expulsão dos jesuítas, o cenário se perturbou e os ânimos se acenderam em brigas e disputas político-ideológicas sobre a jurisdição eclesiástica. Por um lado, os religiosos não aceitaram perder o controle das sociedades indígenas para o novo sistema de Vilas e Diretorias recém criado pelo Estado e, por outro, os governantes ampliaram seus poderes e passaram a interferir na jurisdição eclesiástica, tomando decisões que não lhes cabiam. O Bispo D. Frei Antonio de São José e o Vigário Geral Doutor Pedro Barbosa Canais reagiram, mas sofreram pesadas retaliações por parte do Ministro Pombal, que apoiava as ações dos seus prepostos na colônia. Palavras – chave: Administração Portuguesa, Igreja, Maranhão Colônia, Agentes. ABSTRACT This monograph analyses the public behavior and governance of the agents of Portuguese State and of the Catholic Church in Maranhão, during Pombal’s consulate (1750-1777). For this, research was based in correspondence of the governors and religious; and also based on local historians, to make possible we see and understand the political and private interests, actions and clashes between agents of both parties in a dialectical way. During the administrations of Francisco Xavier de Mendonça Furtado (1751-1759) and Joaquim de Mello e Póvoas (1761-1778), they both relatives of the Marquis of Pombal (Portuguese Plenipotentiary Secretary), the spiritual jurisdiction was separated from the temporal power. With the expulsion of the Jesuits, the scene was disturbed and tempers flared up in fights and political and ideological disputes over ecclesiastical jurisdiction. On the one hand, the priests didn’t accept losing control of indigenous societies to the new system of Places and Diretories newly created by State; on the other hand, the rulers expanded their powers and started to interfere in ecclesiastical jurisdiction, making decisions that didn’t fit themselves. Bishop D. Friar Antonio de São José and the Vicar General Dr. Pedro Barbosa Canais reacted against that, but they suffered heavy retaliation by the Minister Pombal, because he supported the actions of their agents in the colony. Keywords: Portuguese Administration, Church, Maranhão the colony, Agents. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ______________________________________________ 13 2. OS SERVIÇOS DE DEUS E DO REI ____________________________ 24 2.1. Agravos de Jurisdição ___________________________________________ 24 2.2. Vicissitudes Político-Administrativas no Governo do Maranhão __________30 2.3. A Riqueza das “Religiões”_______________________________________ 37 2.4. O Fim do “Protetorado Jesuíta” Sobre as Sociedades Nativas ____________ 43 3. CONFLITOS DE JURISDIÇÃO ESPIRITUAL E TEMPORAL______47 3.1. O Patrimônio dos Jesuítas e a Expulsão______________________________47 3.2. Os Agentes e os Bens Sequestrados _______________________________ 51 3.3. A Força de Trabalho Indígena Entre os Diretores e os Religiosos _________ 62 4. “OS PADRES INIMIGOS COMUNS DO ESTADO” _______________69 4.1. Escândalos e Disputas Político-Religiosas em São Luís _________________71 4.2. A “Excomunhão” do Governador e o Castigo do Bispo_________________76 4.3. “Imprudente, Arrebatado e Brigão”________________________________ 77 5. AS PESSOAS EM SEU TEMPO: CONCEITOS E CONCEPÇÕES___96 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ___________________________________ 106 REFERÊNCIAS 13 1. INTRODUÇÃO Assim como o Sol e a Lua dividem o mesmo céu, entre as suas jurisdições, o dia e a noite, e se movimentam nele com toda potência e glória aos olhos dos humanos, assim também a Igreja e o Estado se movimentaram ao longo da História Ocidental, aos olhos dos povos de cada nação específica, nas jurisdições espirituais e temporais.1 No contexto natural, o eclipse ocorre quando a Lua deixa o Sol para trás, ou seja, quando ofusca toda ou parte da luz solar. De início cabe destacar que Estado e Igreja estiveram juntos no processo de colonização da América e conflitos de jurisdições sempre existiram. Mas para entender um eclipse entre Estado e Igreja, como se pretende aqui, faz-se necessário traçar um breve comentário do relacionamento entre essas duas instituições de poder. Os ideólogos lusitanos dos setecentos eram adeptos da filosofia iluminista, pela crítica ao poder temporal da Igreja e em geral eram padres, ou da Congregação do Oratório ou adeptos do movimento disciplinar jansenista, que desejavam revitalizar a espiritualidade católica, muito confusa pelas questões temporais de que se ocupava. José Eduardo Franco aponta os principais pensadores que influenciaram a política Josefina, dentre os quais, distinguem-se D. Luís da Cunha, ex-agente do Estado, autor da ideia de que a pobreza de Portugal tinha origem na grande influência da Igreja Católica na política real, contida no seu Testamento Político2; o padre oratoriano Antonio Pereira de Figueiredo, o arquiteto das bases teóricas do regalismo pombalino, combatente da reforma católica tridentina, que argumentava que o poder divino dos reis prescindia da autoridade papal; ou seja, “o fim da concepção sacral da sociedade, típica do modelo da cristandade e estatui os princípios da sua secularização”3. Ainda Frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas, que idealizou a reforma do ensino superior nas Universidades de Évora e Coimbra, cuja inserção de cátedras laicas redirecionou os cursos de uma visão sacral para uma concepção natural e civil dos homens e da sociedade. Além desses nomes, também se destacam o abade Platel, cardeal Saldanha, frei 1 2 3 Na historiografia sobre a Época Moderna, que também encerra o Período Colonial, são conhecidas duas grandes obras que tem em seu título uma metáfora que usa elementos e fenômenos da natureza, “O Crepúsculo dos Grandes” de Nuno Monteiro e “O Sol e a Sombra” de Laura de Mello e Souza. Confessadamente inspirado nos dois, o título do presente trabalho monográfico pretende obter sucesso no uso da metáfora do eclipse, ainda que não alcance, como de fato não alcança o peso e a profundidade daquelas obras referenciais da História Moderna de Portugal e do Brasil Colônia. LARA. José Elias. “O Testamento Político de D. Luís da Cunha: uma proposta de ‘regeneração’ do reino lusitano.” – Dissertação de Mestrado, Maringá, 2007. O “Testamento Político de D. Luís da Cunha” está disponível na internet: <http://www.arqnet.pt/portal/portugal/documentos/dlc_testamento1.html> FRANCO, José Eduardo. Quem influenciou o marquês de Pombal? Ideólogos, idéias, mitos e a utopia da Europa do Progresso. Lisboa, 2006. Disponível em: < http://www.realgabinete.com.br/coloquio/3_coloquio_outubro/paginas/12.htm>. Acesso em 23/09/2009. 14 João de Mansilha e o bispo D. Miguel de Bulhões. Este último atuou no Grão-Pará e Maranhão. O iluminismo português apresentava-se, assim, católico, de cunho reformista do Estado e da Igreja. Mas a mudança do sentido das ideias sobre o poder e as formas de governar os povos teriam sido nulas se não fossem conjugadas com o espírito político-administrativo atuante de Sebastião José de Carvalho e Melo,4 nomeado secretário dos Negócios do Reino em 1750 (futuro Marquês de Pombal). Isto porque a política desenvolvida por aquele ministro (que havia sido indicado por D. Luís da Cunha e nele muito se inspirou) começou a ofuscar a política eclesiástica da Sé Romana em Portugal, promovendo uma Reforma da Igreja portuguesa. Isso não significa que se concebe a história aqui sob um viés personalista. Ou seja, considerar que todos os desenvolvimentos da história de Portugal naquele tempo resultaram daquele ministro, antes pelo contrário. Como argumentou Jorge Borges de Macedo, em seu verbete do Dicionário da História de Portugal: A historiografia personalista a respeito de Pombal acumula as referências à sua administração econômica, “quase sempre infeliz”, na expressão de João Lúcio de Azevedo. Questão, em nosso entender, mal posta, pois que se trata de uma situação geral cuja gênese e desenvolvimento estão fora da governação pombalina; e as soluções propostas por Pombal visavam salvar a coroa e o grande comércio das consequências econômicas dessa mesma crise.5 A governança pombalina se deu em meio às adversidades que emergiam nas várias esferas da sociedade portuguesa, nos assuntos políticos e econômicos nacionais e internacionais, nos variados níveis da hierarquia administrativa, etc. A política de Carvalho e Melo ainda segundo Macedo, se apresentou como “falta de sistematização, como que uma aplicação apressada (quase, diríamos, desorientada), sem outro critério que não fosse o da rapidez da montagem e a necessidade de produção rápida.”6 Assim, se o objetivo principal de Carvalho e Melo era recuperar o poder da Coroa Portuguesa, ele o fez eliminando os elementos que considerava prejudiciais, nesse caso, principalmente a centralidade papal. Sustentado no Regalismo, doutrina política que consistia na defesa da “supremacia do poder civil sobre o poder eclesiástico”, amplamente defendido por D. Luís da Cunha, o Secretário dos Negócios do Reino soube desenvolver uma atuação política que marcou a sua época e ficou na memória do seu povo. Segundo Zília Osório de Castro, deve-se considerar que: 4 Carvalho e Melo também era adepto do Iluminismo ou Racionalismo Ilustrado. O verbete de Jorge Borges de Macedo foi reproduzido como apêndice por Antonio Paim, no livro por este organizado, intitulado Pombal e a Cultura Brasileira, de 1982. Citado à p. 132. 6 Op. Cit. p. 132. 5 15 O regalismo pombalino caracteriza-se pelo seu caráter doutrinário, decorrente de uma teoria específica de poder, sacralizadora da soberania e identificadora do seu âmbito de jurisdição. Define-se assim a plenitude do poder régio face ao poder papal pela denúncia da ilegitimidade da jurisdição temporal de ambos e, ao mesmo tempo, apóia-se a reforma da Igreja como coadjuvante no processo de tornar efetiva essa mesma jurisdição.7 Assim, a Reforma da Igreja promovida pelo Ministério Pombalino ganhou legitimidade e prática. Conforme Borges Macedo argumentou também, uma das saídas políticas inventadas pelo secretário dos Negócios do Reino, era atribuir responsabilidade a certos atores sociais. Por exemplo, se valeu em grande medida do argumento de D. Luís da Cunha – do qual uma das justificativas para a pobreza de Portugal em meados dos setecentos era a livre atuação da Companhia de Jesus – forjando uma campanha antijesuítica, antes e depois da expulsão dessa ordem em 1759 dos domínios portugueses.8 Embora tenha sido a Companhia um “bode expiatório” nos termos de Macedo, toda a Igreja Católica sofreu, mais ou menos, a imposição do poder régio lusitano. Em 1760, Portugal rompeu com a Sé Romana, e os prelados diocesanos passaram a ser nomeados pelo Consulado Pombalino. José Pedro Paiva organiza um sentido para a ampliação do Regalismo, porque um Estado não poderia ser Absolutista e coexistir à luz do poder do Papa, pretensamente absoluto. Assim, as Reformas da Igreja portuguesa: [...] visavam contribuir para a criação de um Estado secular, apesar de católico, totalmente liberto da pressão ultramontana em questões de jurisdição e inequivocamente soberano face ao poder pontifício. Desejava-se ainda a subordinação da Igreja e do clero ao poder da Coroa, não autorizando qualquer interferência desta no poder temporal do rei. Pretendiase a subordinação do eclesiástico ao civil no domínio temporal, admitindo-se até a possibilidade de o próprio Estado inspecionar a ação espiritual da Igreja. No espírito de Pombal, a intervenção do Estado era um imperativo para por cobro às situações de exceções dos eclesiásticos, cujas imunidades e privilégios colocavam as suas pessoas e bens fora da jurisdição do Estado, o que não fazia qualquer sentido para um poder que se pretendia absoluto e independente.9 Desta forma, prevalecia o modelo episcopal, bispado local, que era muito mais fácil de controlar do que rivalizar com o poder universal do Papa. Assistiu-se ao poder do Estado português eclipsar o poder da Igreja Católica, no que se refere à Roma e por extensão, à nomeação e disposição da hierarquia eclesiástica submetida ao poder régio. Isto foi visível aos 7 8 9 CASTRO, Zília Osório. Os antecedentes do regalismo pombalino. O padre José Clemente. IN: POLÔNIA, Amélia; RIBEIRO, Jorge Martins; RAMOS, Luís A. Oliveira (Orgs.). Estudos em homenagem a João Francisco Marques. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Vol. I, 2001, p. 323-331. MACEDO, Op. cit. PAIVA, José Pedro. Os novos prelados Diocesanos Nomeados no Consulado Pombalino. In: PENÉLOPE, n° 25, 2001, pp. 41-63. 16 olhos de todos os que habitavam a Corte e as colônias, dentre as quais destaco o norte da América portuguesa, especificamente o Maranhão. Esta antiga região geográfica do Império Português é um local do qual se pode observar o eclipse do poder do Estado sobre o da Igreja. Entretanto, deve-se ressaltar que o que estava em jogo eram o poder e a legitimidade do Estado de atuar frente ao poder e legitimidade de que a Igreja dispunha em matérias temporais. Assim, o eclipse ocorre entre as esferas de poder estatais e eclesiásticas sobre o mundo português. Mas isso não se deu sem a atuação das pessoas que trabalhavam ou que estavam de um ou outro lado. Essa acepção ganha tendências relativamente distintas quando se observa que os ideólogos pombalinos eram padres regulares, que deveriam estar do lado do Papa e não do Rei. No sentido inverso, os agentes do Estado envolvidos nos assuntos políticos e administrativos em geral e no processo de Reforma da Igreja em particular, confessavam profunda devoção religiosa católica. Logo, de início descarta-se uma dicotomia rígida, embora nas linhas gerais ela seja importante. Conforme argumenta Macedo contra a “historiografia personalista” acerca do Marquês de Pombal: Mas, se o fato é verdadeiro, é preciso reconhecer que o não exerceu sozinho, nem agiu desprovido de apoio. Por isso, os atos do seu governo não podem ser considerados da sua exclusiva responsabilidade pessoal. Nem podemos esquecer, para os explicar e julgar, a época em que viveu, o ambiente histórico em que agiu, o Estado e o país em que exerceu a sua ação, entre grupos de interesses implacavelmente antagônicos, uns favoráveis, outros opostos à sua política econômica.10 Para além da sua “política econômica”, a qual Macedo reduz o Ministério de Pombal, é fundamental no seu argumento a máxima de que Pombal “o não exerceu sozinho”. Assim, os seus agentes e os seus opositores entram em cena e não são meros figurantes ou coadjuvantes. As “paixões particulares”, como o governador Joaquim de Mello e Póvoas classificou as atitudes dos funcionários régios no Maranhão, dentre os quais ele era um, marcaram profundamente o desenvolvimento das relações entre os agentes do Estado e da Igreja nesta região do Império Português. Por mais que os padres estivessem a serviço do Estado, alguns driblavam ou mesmo contestavam as ordens régias que ferissem, no seu entender, a Igreja a eles tão cara; ou ainda que os funcionários régios professassem profunda devoção religiosa, não hesitavam em arrumar problemas com aqueles que tinham o poder de excomungá-los. Ambos estavam 10 MACEDO, Op. cit. p. 135. 17 irremediavelmente distantes, pela diferença de cargos, de missão e, sobretudo, de jurisdição. Mas a distância teórica anulava-se completamente no contato imediato e cotidiano da administração colonial e complicava ainda mais porque o limite das jurisdições e, principalmente, da atuação destes agentes nas referidas jurisdições era algo muito impreciso. Além do mais, segundo Laura de Mello e Souza,11 a produção historiográfica recente tem demonstrado empiricamente que a ênfase nos casos particulares, que privilegiam ou os agentes ou as instituições, se mostra muito mais eficaz na compreensão substancial das relações diversas tecidas nos domínios portugueses. Dentre os agentes pombalinos, neste trabalho dois estão em destaque, seu meioirmão Francisco Xavier de Mendonça Furtado, governador do Grão-Pará e Maranhão entre 1751 e 1759, depois Secretário do Ultramar (1759-1770) e Joaquim de Mello e Póvoas, inicialmente governador da Capitania do Rio Negro 1759-1761 (atual Amazonas), e depois governador da Capitania do Maranhão durante 18 anos (1761-1779). Em um breve artigo12 explorei as relações familiares e as (muitas) linhas de contato existentes entre o poder governativo e o parentesco destes três personagens... Em linhas gerais, concluí que as relações familiares, por um lado permitiram a ascensão de Mendonça Furtado e de Mello e Póvoas aos cargos administrativos do Império Português, mediante o poder do primogênito da família, Carvalho e Melo, em benefício privado, e por outro, que a atuação destes parentes no Maranhão, favoreceu a implantação e aplicação da política pombalina, obtendo sucesso significativo, principalmente por ter produzido, em um período de média duração, uma transformação econômica e social da região, conforme as diretrizes da Metrópole. A política pombalina sempre foi vista como bem sucedida pela historiografia local, já considerada clássica. Em geral, uma visão econômica, assim como a de Jorge Macedo, mas nesse caso salvacionista do Maranhão, assim como pretendida naquela época para o próprio Portugal. Ainda em 1756, o governador Mendonça Furtado dizia que: “é sem dúvida que a nova Companhia [de Comércio do Grão-Pará e Maranhão] há de ser redenção deste Estado, 11 SOUZA, Laura de Mello e. O Sol e a Sombra: Política e Administração na América Portuguesa do Século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. 12 SANTOS, Nivaldo Germano dos. . A Família de V. Excia. Seja a Coisa Mais Importante e Escolhida... . In: 3º Encontro Internacional de História Colonial : cultura, poderes e sociabilidades no mundo atlântico (séc. XVXVIII), 2011, Recife. Encontro Internacional de História Colonial (3 : 2010 : Recife, PE), 2010. v. 1. p. 10751081. 18 principalmente quando os seus fins são tão interessantes, como o de vir trazer grande cópia de escravos, de regular o comércio [...]”13 Raimundo José de Sousa Gaioso, que viveu no Maranhão no século XIX, escreveu o célebre Compêndio Histórico-Político dos Princípios da Lavoura do Maranhão,14 e disse acerca da Companhia de Comercio que: Publicou-se em 1756 a criação de uma companhia geral com a denominação de Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, que promete mil vantagens aos seus habitantes, que membros de uma colônia nascente, não tinham ainda as possibilidades necessárias para se abalançarem-se aos riscos do mar, nem sofrerem empates nas diferentes transações a que quisessem aplicar a sua indústria. Uma produção de riquezas tão brilhante, uma exportação tão avultada no curto espaço de pouco mais de 40 anos, depois de uns princípios tão pequenos, pareciam ter do mundo a mesma duração. Uma capitania que se fez tão opulenta com o produto de dois gêneros somente, merecia vê-los gozar de uma franqueza, se não absoluta, ao menos que lhe não estancasse os seus progressos. César Marques diz que “a Companhia, porém promoveu a cultura destes dois últimos objetos [arroz e algodão], recebendo progressivamente maiores quantidades, particularmente do Maranhão, o que depois fez florescer ao ponto que hoje todos sabem.”15 Jerônimo de Viveiros disse que... “[...] a Companhia de Comércio transformou a nossa penúria em fartura, a nossa pobreza em riqueza. Deve-lhe o Maranhão o surto de progresso que desfrutou nos últimos anos do período colonial e que todos os historiadores consideram verdadeiramente notável.”16 Manuel Nunes Dias diz que “o Estado do Grão-Pará e Maranhão encontrou na Companhia novos alentos. A empresa imprimiu-lhe as energias necessárias ao seu rejuvenescimento, assegurando-lhe convivência com a Europa sequiosa de produtos tropicais.”17 13 MENDONÇA, Marcos Carneiro. A Amazônia na Era Pombalina. Brasília, Editora do Senado Federal. Tomo III, p. 68. 14 GAIOSO, Raimundo José de Sousa. Compêndio Histórico-Político dos Princípios da Lavoura do Maranhão. – Superintendência do Desenvolvimento do Maranhão. Rio de Janeiro, Editora, Livros do Mundo Inteiro, 1970. pp. 171,172 e 226. 15 MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico-geográfico da Província do Maranhão. Cia. Editora FonFon e Seleta. Rio de Janeiro, 1970. , p. 213. 16 VIVEIROS apud LIMA. História do Maranhão, a Colônia. São Luís, GEIA, 2006.. p. 454. 17 DIAS, Manuel Nunes. Fomento e Mercantilismo: a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (1755-1778). Belém – PA: Universidade Federal do Pará, 1970. 19 Mário Meireles, em seu estudo de cunho biográfico acerca do governador Mello e Póvoas – apesar de só ver progressos, vantagens e facilidades, ter escrito uma história personalista e romântica quanto aos destinos das coisas – apresentou um comentário bastante interesse, fio original do pensamento que fomentou essa investigação presente. A par do estímulo e ajuda trazidos pela Companhia, há de se ter em conta, sobretudo, a assistência e a garantia de apoio e proteção por parte do governo local, pois que Mello e Póvoas em nem um instante se deixaria ausente, omisso ou indiferente ao assunto. A ele, com a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão cujo período de vigência coincidiu, no tempo, com seu prolongado mandato, se deve que o povo, até então o mais pobre de toda a América..., o mais turbulento e o mais difícil de se governar, se fizesse, em um futuro que se fez muito breve, industrioso e subordinado.18 A ideia apresentada é que a Companhia de Comércio, como uma coisa que se movimenta sozinha, não teria sido capaz de promover o famigerado enriquecimento da região, se não fosse pela atuação dos agentes, responsáveis diretos pelo recebimento e execução das diretrizes pombalinas no Maranhão. Em outras palavras, os agentes foram essenciais no processo monopolizador do comércio local pela empresa, além de trabalharem em outros aspectos da Capitania para consolidar aquela política reformista como um todo. Demais disto, todos apontam para a Companhia de Comércio como um marco, de modo relativamente exagerado, sugerindo mesmo que não havia comércio, civilização ou qualquer outro “benefício” na região antes daquele período.19 Os recentes trabalhos da historiadora Antonia da Silva Mota, o livro “Família e Fortuna no Maranhão Colônia” (2006) e a tese de doutorado “A Dinâmica Colonial Portuguesa e as Redes de Poder Local na Capitania do Maranhão” (2007), procuraram discutir o impacto ou o sucesso desta política, com um tom mais racional, menos emocionado. Mota baseou-se em dados empíricos a partir de um amplo levantamento sistemático de informações quantitativas da realidade econômica das famílias daquela época, a partir de inventários post-mortem e testamentos. Mota procurou observar de dentro para fora o processo de enriquecimento pela qual a região passou, em contraposição à visão tradicional, constatando que não foi tão rápido como a historiografia considerada clássica disse, e que acreditava que antes da Companhia de Comércio a região era empobrecida, o que Mota 18 MEIRELES, Mario Martins. Melo e Póvoas: Governador e Capitão-General do Maranhão. São Luís: SIOGE, 1974. p. 83 e 93. 19 Uma voz destoante é Celso Furtado, muito embora não seja um historiador, mas economista. 20 constatou não ser verdade: havia sim produção de riqueza no Maranhão antes da Companhia de Comércio pombalina. De qualquer modo, temos um enquadramento, que em primeiro lugar toma-se o Consulado Pombalino como marco histórico importante para o Maranhão e em segundo, explora principalmente a dinâmica econômica produzida naquele período, com a implantação da Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão. Ressalte-se ainda que a ideia de Consulado ou Ministério Pombalino dissolve o personalismo histórico, porque evidencia um grupo de agentes envolvidos no processo. Como o argumento de Meireles é sugestivo quanto à atuação de um daqueles prepostos, o sobrinho de Pombal, torna-se plausível ampliar esse argumento para todos os outros prepostos e agentes, à medida que isso permite descortinar não apenas o cenário, mas revelar os personagens ativos da história em questão, sem os quais, ela não teria se desenvolvido como conhecemos. O presente trabalho, perscrutando os difíceis caminhos da história colonial do Maranhão, se detém no período pombalino, considerando-o sim um período importante na história local, mas sob outro viés que não o econômico. Em outras palavras, embora a política pombalina, aplicada pelos seus agentes, não tenha retirado o Maranhão de uma suposta pobreza, que era muito mais discursiva do que material, estes mesmos agentes foram responsáveis pela orquestração de um novo modelo social e, sobretudo, políticoadministrativo, se observada a reforma do governo em 1750. Sob orientação de Antonia da Silva Mota, Josimar Vieira da Cruz em sua monografia de graduação, apresentada ao Departamento de História da UFMA em 2009, “Sob os estigmas pombalinos...”, argumentou que havia muito mais uma “fertilidade de retóricas” do que uma “retórica de fertilidades”. Ou seja, a pobreza trilhava muito mais o âmbito do discurso político da Câmara de São Luís para adquirir mais privilégios da Coroa para a elite local, do que realmente manifesta no cotidiano. E isto se tornou uma espécie de ideologia, confirmada pelos contemporâneos da Companhia de Comércio, na segunda metade do século XVIII, a qual “salvou” o Maranhão da miséria. Esta ideia foi comprada pela historiografia “clássica” do Maranhão (César Marques, Jerônimo de Viveiros e Mário Meireles) que exaltou a todo custo o trabalho do ministério pombalino na região, principalmente por retirar da Companhia de Jesus a sua riqueza, transferindo-a para os cofres do Estado, ou Real Erário. Segundo o que chamou de “perspectiva de renovação”, tendo em vista os recentes trabalhos exaustivos de Nuno Monteiro sobre o sistema de recompensas dos governos 21 ultramarinos e de sua vinculação às famílias de tradição nobiliárquica20 e as pesquisas dos autores que trabalham com a vertente do Antigo Regime nos Trópicos, Laura de Mello e Souza argumenta o seguinte: Se a complexidade de questões levantadas pela análise do Império e da administração impõe não perder de vista o enquadramento teórico [...] os estudos mais recentes insistiram na importância de se estudar casos particulares, e creio que isto vale tanto para indivíduos (os agentes) quanto instituições (conselhos, tribunais, câmaras, secretarias). O consórcio entre empiria e teoria deve possibilitar o desenvolvimento de uma história renovada da política e da administração no Império Português em geral e da América Portuguesa em particular [...]21 Assim, a análise realizada ao longo do trabalho sobre a atuação destes agentes no processo de Reforma da Igreja no Maranhão, está sustentada em uma ampla documentação, levantada no Arquivo Histórico Ultramarino (Projeto Resgate), no Arquivo Público do Maranhão e em duas obras que contêm documentos relativos ao objeto deste trabalho, a saber, “A Amazônia na Era Pombalina” de Marcos Carneiro Mendonça e “Retratos do Maranhão Colonial”, compilada pela equipe técnica do Arquivo do Maranhão e publicada durante o governo de Jackson Lago. Toda esta documentação constitui-se das correspondências administrativas dos governadores e demais funcionários, cartas e ofícios régios, e também representações escritas pelos religiosos, cuja grafia optou-se por atualizar completamente na transcrição. As impressões obtidas foram confrontadas com as interpretações historiográficas hegemônicas, e muito particularmente, com a historiografia local, considerada clássica, sobretudo os trabalhos de Mario Meireles, porque também escreveu sobre a história da Igreja no Maranhão. Também, não foram esquecidos ou renegados os compêndios de história eclesiástica do Maranhão, escritos por padres, submetendo-os ao crivo ideológico, limpando a história das paixões eclesiásticas desses autores. Até porque, a relação com a religião não é um assunto negligenciado por nenhum daqueles historiadores e historiógrafos citados, mas colocada em segundo ou terceiro plano em relação à economia, quando na verdade, aqui é tomado como plano principal para entendimento daquele mesmo período histórico. Jorge Borges Macedo considerou a política pombalina como assistemática ou desorientada. Concebe-se aqui que não foi tão desastrada assim, mas montada e configurada 20 O sistema de recompensas se trata da articulação existente entre a Coroa portuguesa e as famílias de tradição nobiliárquicas, cuja maior parte estava arruinada. A partir do trabalho de seus membros nos governos ultramarinos, essas famílias recebiam mercês do rei, que incluam dons, títulos e, sobretudo, dinheiro. Assim, podia recuperar-se da decadência, ao mesmo tempo em que faziam exaltar o nome e o domínio d’EL-REY em todo o seu Império. 21 SOUZA, 2006. p. 74. 22 ao longo do tempo, conforme as necessidades imediatas e ao sabor das influências ideológicas que emergiam na Europa e das relações governativas desenvolvidas pelos agentes no Maranhão Colônia. Porém, não se pretende, aqui, construir biografias nem trajetórias administrativas, mas tão somente compreender parte da dinâmica político-administrativa do Maranhão na segunda metade do século XVIII. Nesse sentido, se trata muito mais de um trabalho sobre política e administração do que um trabalho sobre religião. Isso porque a análise não se deterá sobre os elementos e as dinâmicas da religião, mas sobre a oposição política oferecida por alguns padres ao governo dos agentes de Pombal. Isto porque notando o movimento geral da historiografia portuguesa visitada, Pombal fez e aconteceu, mas fica uma lacuna quanto àqueles que não se submeteram facilmente e para esta tarefa também se obriga este trabalho sobre o caso do Maranhão, cuja diferença de posição geográfica que apresenta dentro do Império Português permite observar o mesmo eclipse, mas visualizar outras formas e situações diferentes do Reino, com enfoque nos agentes do Estado e da Igreja. Tendo isso em vista, o texto foi dividido em quatro capítulos, mais a introdução e sãs considerações finais. O primeiro capítulo, intitulado “OS SERVIÇOS DE DEUS E DO REI”, trata inicialmente de uma situação confusa, envolvendo o Vigário Capitular e os ministros do rei no Maranhão, o governador e o Ouvidor Geral, porque um eclipse é antes de tudo, uma confusão entre o Sol e a Lua. Para compreender a confusão em questão, será necessário recuar no tempo para saber quando e como os primeiros agentes pombalinos, sobretudo seu meioirmão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, nomeado governador do Grão-Pará e Maranhão, atuaram em conjunto com os religiosos regulares. Tudo para o bom serviço de Deus e do Rei. Mas não demorou muito para os problemas surgirem e, em consonância com as questões do Reino, o governador e seus agentes começarem a desabilitar o poder temporal das ordens religiosas sobre as sociedades nativas, culminando com a expulsão dos jesuítas do Maranhão. Recuar no tempo torna o tempo da narrativa não linear, a partir do uso de um recurso literário chamado “analepse”. O segundo capítulo, intitulado “CONFLITOS DE JURISDIÇÃO ESPIRITUAL E TEMPORAL”, trata de alguns casos emblemáticos, que servem como exemplo para compreensão das tensões, entre os agentes pombalinos e os padres regulares, que emergiram após a expulsão da Companhia de Jesus, em grande medida pela posse dos bens confiscados, e principalmente pelo controle das aldeias indígenas. À frente da criação e resolução dos problemas que surgiram nesse período estavam o governador da Capitania do Maranhão Joaquim de Mello e Póvoas e o Bispo do Maranhão, D. Frei Antonio de São José. 23 O terceiro capítulo, intitulado “OS PADRES INIMIGOS COMUNS DO ESTADO”, trata da oposição e eminência dos funcionários régios sobre os padres regulares, chamados de inimigos do Estado pelo Rei. Aqui, o eclipse do poder do Estado sobre o poder da Igreja é evidente, porque observa as disputas ocorridas entre os agentes pombalinos e os padres regulares, principalmente o Bispo e o Vigário Capitular. Nesse capítulo ocorre na sequência da narrativa um recurso literário chamado “encaixe”, quando a história se encaixa no que estava sendo contado no início do primeiro capítulo. Somente tendo conhecido como se deu o início e o desenvolvimento do “eclipse dos poderes” no Maranhão, é que agora se poderá compreender a confusão mencionada no início do primeiro capítulo, porque permite visualizar o problema (eclipse) pelos antecedentes, e não por ele mesmo, o que seria muito difícil e impreciso. Assim, entendem-se as disputas e o desenlace da história. Se por um lado, considero a História como ciência e não mera literatura, por outro os recursos literários lhe revestem de um encanto peculiar. E por fim, o quarto capítulo, intitulado “AS PESSOAS EM SEU TEMPO: CONCEITOS E CONCEPÇÕES” remonta toda a narrativa que vinha sendo desenvolvida e analisada, a fim de amarrar e costurar esses pedaços de história, na tentativa de fazer esse trabalho ganhar um sentido mais claro. Portanto, saber que o Estado se sobrepôs à Igreja em Portugal no período pombalino é um ponto, e já bastante estudado pelos historiadores lusitanos, conforme algumas citações feitas anteriormente, a cuja interpretação agora é adicionada a metáfora do eclipse para expressar outro ponto, a forma como se deu esse processo ou qual sentido adquiriu na colônia. Construiu-se aqui uma trama de média duração, na qual estão envolvidos diversos agentes. Vejamos. 24 2. OS SERVIÇOS DE DEUS E DO REI “Deus não pôs os cetros nas mãos dos príncipes para que descansem, senão para trabalharem no bom governo dos seus reinos.” (D. Luís da Cunha) “[...] esta recomendação é das leis divinas e humanas; e sendo Vossa Excelência, o fiel executor de ambas, como bom católico e bom vassalo, fará nisso serviço a Deus e a El-Rey.” (Marquês de Pombal) A relação entre religião e política sempre foi muito estreita. Para o caso em questão, quando D. Luís da Cunha escreveu o seu Testamento Político, onde fez a observação contida na primeira epígrafe deste capítulo, sintetizou bem o preceito do poder divino dos reis, corrente na Época Moderna. Tratava-se de uma concessão direta, sem intermediários ou Papas – muito embora quando se operava a concessão de poderes do soberano para os governadores houvesse uma série de intermediários, principalmente os secretários de Estado; da mesma forma quando o Secretário dos Negócios do Reino, Sebastião José de Carvalho e Melo escreveu ao sobrinho Joaquim de Mello e Póvoas, quando passou ao governo da Capitania do Maranhão em 1761, recomendou que observasse bem o modo como conduziria sua administração, cujos objetivos eram honrar a Deus e a sua religião e ao Rei e seus serviços. Logo, é preciso ver como se deu a relação entre política e religião no Maranhão setecentista, especificamente na segunda metade daquela centúria, a partir da atuação dos agentes do Estado e da Igreja, sob a égide do Consulado Pombalino. 2.1. Agravos de Jurisdição Em 1769, o governador da Capitania do Maranhão, Joaquim de Mello e Póvoas, escreveu ao Secretário da Marinha e Ultramar, seu tio Francisco Xavier de Mendonça Furtado acerca de uma questão que envolvia o vigário geral e um cônego. O cenário era o seguinte. São Luís. Na tarde do domingo, dia 27 de novembro de 1768, já perto do por do sol, várias pessoas, abastadas ou remediadas, e também algumas ilustres autoridades civis e eclesiásticas se dirigiam para a Catedral da cidade, cujo templo era preenchido gradativamente, e ao início missa, havia “muita gente na Igreja”. Todos com o fiel propósito de participar do culto divino. Mas não foi exatamente isso que aconteceu. 25 Na presença de todo o povo, o reverendo Bernardo Beckman publicou do alto do púlpito da Sé um Expresso, por ordem do vigário capitular Doutor Pedro Barbosa Canais. A leitura do texto publicou contra o cônego João Pedro Gomes, dizendo que o mesmo Doutor Barbosa Canais “desacreditava totalmente todo o bom procedimento do padre”, acusado de “crime atrocíssimo”. Publicamente “infamado e desacreditado sem defesa alguma”, o padre João Pedro Gomes viu-se em uma difícil situação, para a qual, atônito, não conseguiu reagir de imediato. Aliás, qualquer reação violenta poderia agravar a sua honra diante dos fiéis. Mas por aquela publicação oral do referido texto ainda “pedia nela ultimamente aos fiéis que deprecassem e orassem a Deus, por ele Vigário Capitular, para que o ajudasse na batalha que presentemente tinha a Igreja no Maranhão”. Curiosamente, isto “foi motivo de riso e escárnio” no meio dos fiéis presentes, que usando de ironia, pronunciavam “uns aos outros, ‘vamos rezar, encomendando a Deus a batalha do Vigário Capitular.’” Por fim, o texto foi “rasgado, feito tudo em partes” e lançado na rua pelo mesmo vigário. Como havia “muita gente” naquela ocasião, os comentários diversos nos dias seguintes, tornaram notório o escândalo que se fez em dia dedicado a Deus, nas ruas da cidade e nas salas dos Ministros d’El-Rey. Inconformado com o descrédito público no qual caiu, o cônego João Pedro Gomes procurou achar providência para a sua situação, acusado de “crime atrocíssimo” por aquele vigário. Para tanto, encaminhou a causa ao então Ouvidor Geral da Capitania, Bruno Antonio de Cardoso e Meneses, que prontamente assinou um Auto de Agravo22 contra o mesmo Vigário, requerendo que ele desse traslado daquela Carta Pastoral que fez publicar na Catedral, para que de porte da mesma pudesse proceder ao processo contra o Vigário. Em resposta, este disse que não era costume dar traslado dos textos do Livro de Registro da Câmara Eclesiástica – nem seria possível, pois o original havia sido lançado em migalhas na porta da Igreja, e a cópia registrada, foi arrancada do referido livro de registros por ele mesmo, tornando impossível ao Ouvidor conhecer o conteúdo daquele documento, senão pelos relatos orais de que dispunha, nos quais não confiava; e isso nem era útil para o prosseguimento do processo, porque a causa deveria ser enviada ao rei. Este, por sua vez, deveria dar providência ao caso. Em vista disso, o governador Joaquim de Mello e Póvoas argumentou ao Secretário do Ultramar, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, que: 22 Um Auto de Agravo era realizado com base na interposição de um Recurso de Agravo ao Tribunal Régio, e era um tipo de denúncia contra alguém, acusado de usar de força e violência contra o denunciante. 26 Sua Majestade já foi servido repreender ao Bispo dessa Diocese D. Frei Thimotheo do Sacramento por carta de seis de março de mil seiscentos e noventa e nove por negar uns autos que da Junta da Coroa se pediam como se acusa no documento junto o que deu ocasião a se lhe ocuparem as temporalidades: o Ouvidor vendo que esse Vigário Capitular não só não quis dar o que lhe pedia a Junta da Coroa, mas para que em nenhum tempo o pudessem obrigar a isso, rasgou e arrancou as folhas do registro, e querendo [o Ouvidor] proceder com o mais maduro conselho e prudência que costuma, por ser caso novo, consultou os Ministros do Pará, para obrar com o seu parecer, ainda não recebeu respostas; e a mim me parece que só El-Rey Nosso Senhor poderá resolver o referido caso, e do mesmo Senhor espero as providências para atalhar a que para o futuro haja outro semelhante escândalo.23 É particularmente curiosa a intervenção discursiva do governador sobre o caso, principalmente por citar uma situação parecida ocorrida quase um século recuado do seu tempo, história que muito provavelmente lhe foi contada por algum morador antigo, ou de alguma forma registrada nos livros do governo. O vigário deveria ser punido não apenas por supostamente ter injuriado publicamente um conservo de religião e ofício, mas por destruir a prova do seu ato de injúria. Muito mais interessante é que aquele antigo caso mostra que não eram novas as brigas entre agentes e conflitos de atuação, devido limites de jurisdições. Porém, nesse novo caso há um diferencial, que é uma espécie de ideologia anticlerical iluminista, que influenciava diretamente o consulado pombalino e parecia influenciar indiretamente os agentes do Estado na colônia. É bem verdade que a política pombalina não era anticlerical, mas contrária ao poder temporal dos religiosos. Na falta de um termo melhor, foi usado este, no sentido de uma “espécie de” e não um “anticlericalismo” propriamente dito. Não se trata de atribuir esse “sentimento anticlerical” como algo onipresente ou compartilhado por todos os agentes régios, pois estou procurando apontar para um comportamento político de oposição oportunista, devido interesses pessoais, amparados nos interesses do Estado, entre os agentes que representam os poderes do Estado e da Igreja na colônia. Nesse sentido, bastava tão somente um religioso por qualquer obstáculo a um funcionário régio ou vice e versa para se iniciar uma confusão levada às últimas consequências. O termo “anticlerical” permanece impreciso para expressar essa ideia, mas o mantenho em uso, na falta de um termo melhor. No argumento do governador, um Bispo havia sido repreendido pelo rei por negar documentos importantes, mas não era raro que bispos e clérigos em geral fossem repreendidos ou mesmo punidos concretamente pelo poder régio. Esta prática tinha um nome, “regalismo”, 23 AHU – 1769, Cx. 43, D. 4246. 27 que pressupunha a eminência do poder régio sobre o poder papal; se manifestava e vinha se desenvolvendo desde há muito na península ibérica a partir do direito de Padroado estabelecido desde a Alta Idade Média pela Sé Romana nos domínios de Portugal e Castela, cujos soberanos passaram a ser chamados de “Sua Majestade Fidelíssima”. Neste caso, não parece que o governador tivesse uma conceituação formulada do que fosse o Padroado ou regalismo, mas conhecia a prática que assim se nomeia, e sobre a qual se posicionava favorável, pois tanto a antiguidade do regalismo desenvolvido na superfície do Padroado lusitano, quanto os casos citados (aquele do século XVII e este contemporâneo) pelo governador sugerem que os conflitos entre o poder do Rei e o poder do Papa, fossem grandes ou pequenos, eram uma realidade, sobre a qual surgiam e gravitavam relações de poder político e administrativo do Reino e em especial da colônia, cuja distância do centro tornava a resolução dos problemas desse tipo mais complicada ainda. Os protagonistas desse novo caso, como se vê, eram os funcionários régios e os padres, em situações em que o nível de autoridade decresce do rei e do papa para seus agentes régios e eclesiásticos. Todavia, essa ideia não sustenta necessariamente uma dicotomia, já que a causa presente começa no conflito entre dois padres. O governador notou ainda que a publicação do “Expresso” chamado de “Carta Pastoral” pelo vigário era “coisa estranha”, principalmente por ser contra um cônego da Catedral, que trabalhava junto com o próprio vigário Barbosa Canais no ofício do culto divino. A questão rolou durante um tempo na justiça de Sua Majestade, e o cônego João Pedro Gomes interpôs vários Agravos, todos registrados em Autos pelo Ouvidor e seguidos de argumentação do governador. Conhecer o conteúdo daquela Pastoral parece, até agora, impossível, senão as migalhas relatadas – assim como o próprio documento ficou. O autor destruiu o seu escrito: usou dois dos maiores poderes de que dispõem os letrados, um é escrever e o outro é apagar a história [escrita]; neste caso, uma pequena parte dela. Embora a ausência daquele texto tenha sido um problema para o Ouvidor pelo serviço que lhe competia, não é mais um problema hoje para o ofício da História, o problema é o que a sua breve existência significou naquela sociedade e isto é possível mediante o conhecimento dos diversos Autos de Agravo registrados pelo cônego contra o vigário. Principalmente porque o Vigário Dr. Barbosa Canais destruiu apenas uma cópia do documento, restando outra suposta cópia, que revelou diretamente ao Secretário Mendonça Furtado. Além do mais, implica algo muito maior do que 28 meramente conhecer o conteúdo de um documento, implica em compreender o motivo da sua escrita. Quem e quando são questões menores, mas nem por isso são negligenciadas. Em outras palavras, a busca não se restringe àquele documento, mas ao contexto no qual foi escrito e os atores nele envolvidos. Desta forma, é possível fazer algumas observações pertinentes. É interessante notar a ausência do bispo, cujo substituto é o Doutor Pedro Barbosa Canais, Vigário Capitular, aparente incitador desta confusão. Destaca-se ainda que o caso, mesmo sendo de cunho religioso, porque o objeto da disputa era religioso, a jurisdição à qual recorreu o cônego João Pedro Gomes foi régia ou estatal, e em momento algum recorreu à justiça eclesiástica, como de costume. O governador entrou pessoalmente na causa do cônego, cuja razão e nome da acusação de crime são importantes para se compreender a causa, sobretudo no que se refere à “batalha” a qual se referia o vigário, que travava na Igreja do Maranhão. Assim, importa conhecer que “batalha” era essa e porque o público fiel desdenhou da causa. Estas notas parecem convergir para um problema inicial: por que o conflito entre aqueles religiosos se desdobrou sob a justiça régia e não sob a justiça eclesiástica, visto ser um assunto interno? Aliás, a justiça eclesiástica estava completamente ausente nesse caso. Assim, o agravo de um padre sobre outro pode ser entendido como metáfora para uma jurisdição sobre a outra, a interferência da jurisdição estatal na jurisdição religiosa. Na busca por um indício do caso na historiografia regional, que inclui os compêndios de história eclesiástica do Maranhão feita por padres, se vê que se reserva um espaço muito reduzido, uma imagem muito pequena e pouca atividade para o Vigário Geral de nossa história, situando-o no lugar de um mero substituto do cargo de governador do Bispado, sem muitos, ou quase nenhum feito: O escolhido do Rei era o Dr. Pedro Barbosa Canais, que a carta régia de 25 de abril de 1767 apresentava ao Deão e ao Cabido como “pessoa muito do seu real agrado e que fosse nomeado Vigário Geral”. Mas, mostrou-se logo que não estava à altura de seu elevado cargo. Era imprudente, arrebatado e brigão; por qualquer coisa questionava. Foi assim que desaveio-se com o governador.24 O texto acima de D. Francisco de Paula e Silva é seguido de perto pela História Eclesiástica do Maranhão de D. Felipe Condurú Pacheco: [O Rei] mandou de Portugal para S. Luís o Dr. Pedro Barbosa Canais apresentar ao Cabido a Carta Régia de 5 de abril de 1767, como “pessoa muito do seu real agrado, para que fosse nomeado Vigário Geral”. Dentro 24 SILVA, D. Francisco de Paula e. Apontamentos para a história eclesiástica do Maranhão. Bahia: Typographia de S. Francisco, 1922. p. 136 29 em pouco o clérigo Canais provou “não estar à altura de seu elevado cargo”. Imprudente e brigão, “quis impor-se e malquistou-se com todo o mundo.”25 Acrescentando outras informações, o historiador maranhense Mário Martins Meireles, em seu livro sobre o governador Joaquim de Mello e Póvoas, aponta que: De Lisboa [...] foi mandado o Cônego Dr. Pedro Barbosa Canais que, conforme Carta Régia de 25 de abril de 1767 ao Cabido da Sé, “era muito do seu real agrado que na ausência do bispo fosse nomeado o referido Dr. Vigário Geral, visto ter confiança nas suas letras e virtudes”. Cedo, porém, se revelaria ele incapaz para o alto cargo e indigno da investidura porque dílo D. Francisco de Paula e Silva, era “imprudente, arrebatado e brigão”, e acrescenta César Marques, “sem respeitar a si mesmo”.26 Meireles reproduz Ipsis literis o mesmo trecho em outra obra, intitulada História da Arquidiocese de São Luís (1977). Com uma pequena divergência de datas entre as duas primeiras citações, o Doutor Pedro Barbosa Canais aparece como substituto no governo do bispado, classificado e reclassificado como inapto para o cargo a que foi nomeado pelo próprio Rei, e não pelo Bispo do Maranhão, como o costume do direito. A Pastoral que foi feita em migalhas é citada de relance por um dos autores, para justificar a descrença que os oficiais régios e até mesmos próprios familiares manifestavam quanto ao vigário.27 Mas o comportamento “imprudente” e “arrebato” de espírito do Vigário Geral parece estranho, não pelo cargo que ocupava, mas porque se observado à luz da configuração política em que atuou, torna-se, assim, motivo de suspeita de não ser mera ingenuidade do padre e muito menos “incapaz” a sua atuação. Vindo da Corte, nomeado pelo Rei, no ano décimo sétimo do consulado pombalino, Barbosa Canais não pode ter ignorado todos os acontecimentos recentes que haviam marcado a sua Igreja e religião, tendo sua jurisdição violada e o seu poder ofuscado pela política e administração desenvolvida pelo Marquês de Pombal no Império Português. Como substituto no governo do Bispado e classificado de imprudente e incapaz para o mesmo cargo, a historiografia reservou para ele pouco espaço e pouca visibilidade histórica. O conhecimento que se tem das relações políticas do Ministério Pombalino com a Igreja Católica parece indicar outra ideia, como suspeita: que não era um mero substituto nem 25 PACHECO, D. Felipe Condurú. História Eclesiástica do Maranhão. S.E.N.E.C. Departamento de Cultura. Maranhão, 1969. pp. 58 e 59. 26 MEIRELES. 1974, pp. 45 e 46 27 PACHECO. Op. cit. p. 59. 30 incapaz para o referido cargo. Por enquanto, essa história parece imprecisa e confusa. Por isso, a fim de compreendê-la substancialmente, é preciso recuar no tempo durante os referidos dezessete anos do ministério pombalino até então passados, sobretudo levando em conta a política e a administração desenvolvida na colônia americana portuguesa setentrional, especificamente a Capitania do Maranhão, com o apoio de uma documentação significativa. Isto é necessário para se responder àquelas últimas questões suscitadas sobre o escândalo provocado pela publicação da Pastoral – a cujo caso se retornará para conhecer o desenlace da história – e compreender o sentido do governo local em relação a Lisboa, realizado e desenvolvido pelos prepostos pombalinos,28 ou agentes do Estado e a situação dos religiosos naquela configuração político-administrativa. Em outras palavras, muitos pontos da história do governo do bispado pelo Dr. Barbosa Canais, ou mais especificamente da “batalha” por ele enfrentada nesse cargo tem a ver direta ou indiretamente com os acontecimentos recentes antes da sua nomeação para o Maranhão. Considero que por trás dessa breve confusão jurisdicional existe uma história muito maior, o verdadeiro objeto deste trabalho. 2.2. Vicissitudes Político-Administrativas no Governo do Maranhão O trono de D. José I foi inaugurado com uma primeira grande tarefa, a missão de demarcação do Tratado de Limites29 entre as Coroas de Portugal e de Castela, pendência do reinado de seu pai, D. João V. Seguindo uma das orientações de D. Luís da Cunha, em seu Testamento Político, o novo rei escolheu e nomeou Sebastião José de Carvalho em 1750, como Secretário dos Negócios do Reino. 28 Segundo o dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, “preposto” significa: 1. Aquele que dirige um serviço ou negócio por delegação da pessoa competente. 2. Bras. Representante delegado. Ou seja, um “preposto pombalino” pode ser considerado um agente de Estado especial, porque está a serviço direto do Marquês de Pombal, ou de sua política administrativa, com um objetivo específico a cumprir. Também se deve notar que é verdade que o termo “preposto” não possuía esse significado no século XVIII, porque segundo o dicionário Rafael Bluteau, “preposto” era uma espécie de guarda eclesiástico do coro, da Igreja, do ofício e do culto divino, ou seja, um cargo meramente religioso. Será utilizado aqui para designar aqueles agentes nomeados diretamente pelo consulado pombalino em vista de cumprir uma ação específica, segundo o atual significado do termo. Não se refere, portanto, aos demais agentes, ainda que nomeados no mesmo consulado, para cumprir as funções gerais e comuns de Estado. 29 Este tratado foi “[...] concluído em Madri no dia 16 de janeiro de 1750, entre o ministro da Espanha, D. José Carvalhal de Lancaster e o plenipotenciário de Portugal, D. Luís de Melo e Silva, [...] ratificado em Lisboa a 26 de janeiro do mesmo ano” (MARQUES, 1970, p. 339). Para entender os antecedentes desse Tratado, ver a dissertação de mestrado de Rafael Ale Rocha, capítulo 1, onde trata da política indigenista desenvolvida no período pós Tratado dos Limites, intitulada Oficiais índios na Amazônia Pombalina: sociedade, hierarquia e resistência (1751-1798). UFF, Niterói, 2009. 31 A fim de cumprir o Tratado dos Limites, celebrado entre as Coroas da Península Ibérica, Sebastião José de Carvalho e Melo conseguiu enviar seu irmão,30 Francisco Xavier de Mendonça Furtado para demarcar os limites da América Portuguesa setentrional em 1751, mas antes, El-Rey extinguiu o antigo Estado do Maranhão e Grão-Pará, com capital em São Luís e criou o Estado do Grão-Pará e Maranhão, transferindo a sede administrativa para a cidade de Belém. Uma mudança muito mais teórica do que prática, porque Mendonça Furtado era mencionado como governador do Maranhão em muitas cartas, e a Companhia de Comércio futuramente se instalaria em São Luís, muito mais estruturada do que Belém. Esta Resolução foi passada o mais rápido possível pelo Conselho Ultramarino.31 Isto era estratégico na delimitação dos territórios americanos entre a Coroa lusitana e a castelhana, para defesa de invasões das nações do norte da Europa nas terras amazônicas, tornando a região um ponto com especial atenção por parte da Coroa portuguesa.32 Em 22 de abril de 1751, o Secretário da Marinha e Ultramar, Diogo de Mendonça Corte-Real enviava ao então Presidente do Conselho, D. Estevão de Meneses (Marquês de Penalva) 33 um aviso para que remetesse a consulta baixada em 19 daquele mês “sobre a nomeação do governo da Capitania do Maranhão nas pessoas de Francisco Xavier de Mendonça e Luis de Vasconcelos”.34 A “reforma” do governo, como chamou Corte-Real, logo se executou. No dia 26 de junho de 1751 pelas 8 horas da manhã deram fundo na baía do Araçagi doze navios vindos de Lisboa em comboio, a que então chamava frota, comandados pela nau de guerra São José, de que era Capitão do Mar e Guerra Gonçalo Xavier de Barros Alvim, trazendo a seu bordo Francisco Xavier para o lugar já dito, e Luís de Vasconcelos Lobo para seu CapitãoMor, ou Governador das Capitanias do Maranhão e Piauí com patente de Coronel, pela Carta Régia de 2 de junho de 1751.35 Quando chegaram, Mendonça Furtado logo passou ao Grão-Pará, mas antes encontraram no governo do Bispado D. Frei Francisco de São Tiago, bispo desde 1747, com 30 É claro que as relações familiares falaram mais alto na escolha de alguém de confiança, porque Mendonça Furtado não era importante no Reino, mas seu irmão sim, e seu pai também, Francisco Luís da Cunha de Ataíde, Chanceler-Mor do Reino. 31 AHU – 1751 Cx. 32 D. 3251. 32 DIAS. Op. cit. 33 Este Diogo de Mendonça Corte-Real é filho do ex-secretário das Mercês, homônimo. O Marquês de Penalva era o 5° Conde de Tarouca. Portugal – Dicionário Histórico. Disponível em <http://www.arqnet.pt/dicionario/mendoncacrdiogo1.html> e em <http://www.arqnet.pt/dicionario/penalva1m.html> 34 AHU – 1751 Cx. 32 D. 3261. 35 MARQUES, 1970, p. 338 32 quem se deram muito bem. O bispo logo tomou providência para realizar as celebrações fúnebres da morte do rei D. João V e da ascensão de D. José I ao trono. [...] tomei por minha conta fazer a dita [...] com a maior pompa que me permitisse a pobreza da terra. E, com efeito, fazendo-se a essa em forma que algumas pessoas deste Reino a proferiram e outras que lá tinham, em 3 de setembro de tarde cantamos solenemente as vésperas, e no dia seguinte o ofício e missa de pontifical, com sermão e mais cerimônias que dispõem o Pontifical Romano; assistindo a tudo o Governador e o Senado e as quatro Religiões que há nesta cidade, os Ministros, e mais outros distintos que se achavam na terra, sendo todos convidados por mim em escritos particulares que lhes mandei. E no dia oitavo do mesmo mês próximo passado em ação de graças pela alegre aclamação e exaltação do Augustíssimo e Fidelíssimo Senhor D. José I ao Real Trono, cantei solenemente o Hino Te Deum Laudamus, com o mais que em semelhantes atos se costuma: e com a mesma solenidade cantei no mesmo dia Missa de Pontifical pelo feliz reinado de Sua Majestade.36 Porém, o governador Vasconcelos Lobo mal teve tempo de dar cumprimento a algumas ordens régias, como a de retirar alguns funcionários que não estavam honrando seus postos administrativos,37 substituindo-os por outros; fez uma longa análise da situação do governo do Maranhão, requerendo algumas companhias de infantaria para a Capitania e logo adoeceu de “desgosto”. Acabou morrendo na noite de 11 de dezembro 1752, em São Luís, nomeando como seu testamenteiro o governador Mendonça Furtado. César Marques (1970) conta em seu Dicionário Histórico do Maranhão que a culpa da morte do governador estava em seu amigo Lourenço Belfort,38 “que tinha a mania de querer passar por calculista”.39 O então Desembargador e Ouvidor Geral Manuel Sarmento chamou de “breve doença” a causa da morte repentina do Governador.40 Por aquele tempo, o bispo D. Frei Francisco de São Tiago adoeceu de “queixa grave” e oito dias depois da morte do governador, o bispo também faleceu. Novamente o 36 AHU – 1751, Cx. 32, D. 3282. César Marques nos conta em seu “Dicionário Histórico do Maranhão” quem eram aqueles agentes: “[...] em obediências às ordens régias que havia trazido fez prender o Almoxarife da Fazenda Real José Cardoso Delgado, o Provedor da Fazenda Faustino Fonseca de Freire e Melo, o Procurador da Coroa e Fazenda Silvestre da Silva Baldez, o Escrivão da mesma Manuel Lopo Silva e o Escrivão da Contadoria dos Contos José Serrão de Carvalho [...] Foram remetidos para Lisboa e presos na Cadeia do Limoeiro, e aí faleceram todos.” (1970: p. 338) 38 A atuação de Lourenço Belfort, irlandês naturalizado português, no Maranhão foi muito vasta e influente em várias esferas da sociedade colonial no Maranhão. Seu nome é recorrente na documentação setecentista do Maranhão. Isto gerou um patrimônio enorme, que foi dividido entre seus descendentes, que construíram uma verdadeira rede de famílias de elite na colônia, que atuaram do mesmo modo que seu patriarca, conforme a tese de doutorado da professora Antonia da Silva Mota, intitulada “A dinâmica colonial portuguesa e as redes de poder local na capitania do Maranhão” (2007) 39 Op. cit. p. 339. 40 AHU – 1753 Cx. 33 D. 3366. 37 33 Desembargador Manuel Sarmento foi o responsável por noticiar a morte de uma grande autoridade da Capitania ao Secretário da Marinha e Ultramar, Joaquim Miguel Lopes do Lavre:41 Adoecendo de queixa grave o Excelentíssimo Reverendíssimo Bispo deste Bispado D. Frei Francisco de São Tiago depois de experimentar vários remédios se resolveu por conselho dos que lhe assistiam a mudar de ares, porém conhecendo que não só lhe não faziam a um benefício, mas que a moléstia se lhe agravava determinou recolher-se a esta cidade; em meia viagem faleceu no dia 18 do mês de dezembro a bordo de uma canoa, que o conduzia, e nela ou em uma praia a que aportou foi aberto e embalsamado e chegou seu cadáver a esta cidade no dia 20 do dito mês com que foi sepultado, e é certo que com a sua falta ficou este Bispado com grande desamparo; o que participo a Vossa Excelência para ponha na presença de Sua Majestade.42 Mario Meireles nos diz ainda que: A seu crédito, no breve e atribulado mandato que exerceu, apontam-se, apenas, o ter sabido, ele pessoalmente, viver em boa paz com as autoridades régias e com suas ovelhas e o ter ordenado 25 novos sacerdotes – 9 seculares e 16 regulares.43 É claro que não se está atribuindo as mortes repentinas do governador e do bispo ao Desembargador, ou seus interesses, nem haveria espaço para essa discussão aqui, embora essas duas mortes em sequência das maiores autoridades da Capitania permaneçam como um caso curioso. Ele apenas cumpriu o seu papel. Por fim, esta notícia chegou ao Secretário Diogo de Mendonça Corte-Real, através do Governador do Grão-Pará, Mendonça Furtado, em carta de 26 de fevereiro de 1753, na qual dizia que: Aquela capitania se acha no último desamparo; necessita com a maior brevidade de um Governador, e Governador que não só seja soldado, mas que saiba da arrecadação da Fazenda Real; que cuide nas plantações, no comércio e em instruir aquela rude gente, e que finalmente se não lembre de sorte alguma do seu interesse particular.44 41 Entre 1751 e 1753, as cartas são dirigidas ao Secretário de Estado da Marinha e Ultramar, que segundo o sistema do Projeto Resgate, ora é Joaquim Miguel Lopes do Lavre, ora Diogo de Mendonça Corte Real, sendo que este depois aparece sozinho como responsável por aquela Secretaria. Então, Joaquim Miguel Lopes do Lavre passa a ser identificado como secretário do Conselho Ultramarino. Creio que essa confusão de nomes e cargos se deve ao fato de Lopes do Lavre ter sido Secretário da Marinha e Ultramar antes de Corte-Real, que o sucedeu. As datas correspondem a um período de “transição”, pelo menos para quem estava distante, porque não tinha notícia ainda das novas ocupações daqueles funcionários. 42 AHU – 1753 Cx. 33 D. 3363. 43 MEIRELES, Mario. História da Arquidiocese de São Luís do Maranhão, SIOGE, 1977, p. 135. 44 Carta da coleção A Amazônia na Era Pombalina, de Marcos Carneiro Mendonça. Tomo I, p. 435. Porém, o novo governador Lobato e Sousa contrariou levemente a ideia de não se lembrar do seu interesse particular, porque logo tratou de inserir seus filhos João Pereira Caldas e Gonçalo José Pereira Caldas nos postos de tenente-coronel e sargento-mor no Regimento de São Luís, conforme se vê em: Projeto Resgate – AHU – 1754 Cx. 35 D. 3471 / para a sala do governo: 1755 Cx. 35 D. 3510 34 Enquanto não se providenciava outro governador, passou ao governo da Capitania o Capitão-Comandante Severino Faria, segundo uma ação do Desembargador Manuel Sarmento.45 A falta de “autoridades superiores” gerou uma série de problemas administrativos, porque as pequenas autoridades e algumas pessoas importantes entraram em conflitos. Um exemplo destes envolvia o Desembargador Manuel Sarmento e a família Jansen Müller sobre a concessão do funcionamento de uma fábrica de serrar madeiras. Alguns padres também se envolveram em pequenos delitos, sendo punidos.46 Ainda em 1753, pela Carta Régia de 6 de agosto daquele ano era nomeado para o governo vacante o Brigadeiro Gonçalo Pereira de Lobato e Sousa,47 que tomou posse ainda no Pará em 4 de outubro; e logo passou ao governo do Maranhão, onde tratou de resolver e sanar a “decadência” em que se achava o governo da capitania. A partir daí, as ações políticoadministrativas passaram a ser mais coordenadas e menos acidentadas entre São Luís e Belém, e entre estas e Lisboa, principalmente porque em 1755 implantou-se a Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão,48 o que gerou uma integração melhor entre as regiões administrativas. A Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão foi resultado de alguns anos de trabalho e orquestração de sua estrutura e funcionamento, através da inicial petição da câmara municipal de São Luís, enviada em 1752, ao Governador e Capitão-General Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Fundada em 1755, a Companhia deu início ao tráfico intenso de escravos para o Maranhão, uma das principais comercializações e fontes de lucros da empresa. Os senhores locais tiveram a chance de ter a produção alargada com a compra de um grande contingente de mão de obra escrava, para trabalhar nas lavouras, especialmente de algodão, transformando o Maranhão, em alguns anos, no principal fornecedor deste artigo para a Revolução Industrial Inglesa que estava em ampla expansão, já que seu antigo fornecedor de algodão, as colônias inglesas do Sul na América do Norte, estavam em guerra de independência e suas plantações algodoeiras assoladas.49 45 AHU – 1753 Cx. 33 D. 3366. Ver também o Dicionário Histórico do Maranhão de César Marques, à página 339. 46 No Arquivo Histórico Ultramarino, a documentação que contém esses problemas referidos está localizada entre o número 3359 e 3924. 47 Ele agradeceu fervorosamente ao Secretário da Marinha, Diogo de Mendonça Corte-Real, pela mercê que recebera, em carta de 12 de outubro de 1753. AHU – 1753 Cx. 34 D. 3432 48 Segundo Carlos de Lima (2006: 454), a Companhia foi instalada na Rua da Estrela (Cândido Mendes), na esquina da travessa da Alfândega (Marcelino Almeida) em frente ao arsenal da Marinha, em São Luís. 49 A este respeito os trabalhos de mestrado e doutorado da historiadora Antonia da Silva Mota, o livro Família e Fortuna no Maranhão Colônia (2006), e a tese A Dinâmica Colonial Portuguesa e as Redes de Poder Local na 35 Mas estabelecido o governador, o bispo ainda não. D. Felipe Condurú Pacheco conta que o agostiniano D. Frei Antonio de São José, doutor em teologia foi confirmado pelo Papa Bento XV em 18 de julho de 1756 para ser o novo bispo do Maranhão, onde tomou posse por procuração passada ao cônego João Rodrigues Covette em 11 de abril de 1757. O novo bispo chegou a São Luís em 8 de setembro do mesmo ano, “recebido pelos diocesanos com festivos sinais de júbilo, obséquios de todas as autoridades e solenes pompas, como se fazia naqueles tempos, tomou as rédeas do governo [...]”.50 Contemporaneamente, disse o governador Mendonça Furtado que a sua ocupação com os problemas da demarcação o embaraçavam de “ir esperar” ao Bispo em São Luís, “e depois lhe tomar a bênção, dar-lhe os parabéns da felicidade da viagem e oferecer-lhe [...] fiel obediência.”51 Como não pôde fazê-lo pessoalmente, escreveu a breve carta para se justificar. D. Francisco de Paula e Silva, em seus Apontamentos para a História Eclesiástica do Maranhão diz que “o ano de 1758 parece ter corrido com certa calma; sabemos que durante ele, [o bispo] ordenou vinte e sete padres”.52 D. Frei Antonio de São José vinha nomeado pelo Papa, mas antes indicado pelo Secretário dos Negócios do Reino, que recomendava o novo bispo ao irmão e governador Mendonça Furtado, como um “grande letrado”, de “exemplares costumes” e que “leva por máxima conservar uma perfeita harmonia com os governadores, com os militares e com os ministros [...] antes de aparecer qualquer conflito de jurisdição.”53 Todavia, aquela “calma” mencionada por D. Francisco de Paula em sua obra logo seria perturbada pela junção dos devaneios de um suposto padre, a ambição de um lavrador e o desvio administrativo de dois funcionários régios. O bispo contou essa história “protagonizada” pelo padre José de Sousa Machado, em resumo ao então Secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Tomé Joaquim da Costa Corte-Real, da seguinte forma: Veio este clérigo de Pernambuco a cidade de São Luís e teve astúcia para persuadir enganosamente ao Ouvidor da Capitania Gaspar Gonçalves dos Reis práticas ocultas e promessas de segredo inviolável, que neste bispado nas partes do Iguará havia minas fecundíssimas de ouro. O juiz de Fora e Provedor da Fazenda Real Inácio Barbosa Canais de Abreu a quem o Ouvidor revelara o segredo quis também da sua parte enviar neste descobrimento da verdade das minas, ainda por meios menos conformes à Capitania do Maranhão (2007) tem sido dedicadas à temática do enriquecimento da região, observando esse processo a partir dos núcleos familiares, sobretudo de elite. 50 PACHECO. Op. cit. p. 31,32. 51 MENDONÇA, Marcos Carneiro. A Amazônia na Era Pombalina... Tomo III, p. 256. 52 SILVA. Op. cit. p. 126. 53 Parte daquela carta foi reproduzida por Mario Meireles em sua História da Arquidiocese de São Luís..., no capítulo onde narra os fatos da carreira de D. Antonio de São José, p. 148. 36 verdade, despindo-se da qualidade de Ministro, e fingindo-se um particular interessado, unido com Lourenço Belfort irlandês, quiseram persuadir ao clérigo, de quem já desconfiavam, que entrasse com ambos em um contrato clandestino para contraírem o ouro das sonhadas minas.54 Na casa de Lourenço Belfort, firmaram acordo, tanto o lavrador quanto os funcionários no intento de enganar ao clérigo, para ficar com todo o ouro, não sabendo eles que já estavam sendo enganados com uma notícia falsa. Belfort providenciou canoas, escravos e mantimentos para a jornada de descoberta; o clérigo ficou responsável por “descobrir com certeza o lugar do ouro”; e o juiz de fora pronto a manter em segredo esse projeto em relação ao governador e averiguar se este tinha notícia daquelas minas. Porém, logo essa história chegou aos ouvidos do governador e outros funcionários. “Aberta sindicância para apuração da verdade, e inclusive despachada uma expedição militar para a necessária localização do veio, apurou-se ser tudo mentira; e o pior – que José de Sousa Machado e José Vivardo não eram clérigos e sim dois embusteiros.”55 Traumatizado com o escândalo causado pela falsidade daquela notícia, o então Provedor do Real Erário, Inácio Baltasar Corrêa de Abreu morreu, porque segundo sua ordem o governo local gastou significativa soma naquela empreitada fracassada. Carlos de Lima tem um comentário anedótico sobre casos como esse, assim como aconteceu com o governador Vasconcelos Lobo. “É de estranhar que governadores e capitães-mores [...] pudessem ser tão sensíveis a erros tão simples, a ponto de acabrunhados, adoecerem e morrerem de puro arrependimento...!”56 O mesmo bispo que contou essa história em resumo ao Secretário da Marinha, foi o mesmo que pôs entraves na justiça régia para tentar encobrir o mal feito do suposto padre José de Sousa Machado, com grave consequência como a morte do Provedor. Um destes entraves foi tentar impedir a transferência do padre para Lisboa... e nesse episódio conseguiu tornar vãs as palavras do Secretário Carvalho e Melo sobre o seu zelo e harmonia com os governadores, criando um problema de jurisdição, muito embora ele alegasse que a jurisdição eclesiástica é que havia sido rompida pelos funcionários régios, quando explicou naquela mesma carta “[...] que sugeriram contra o clérigos os horrorosos vocábulos de sedicioso, revelioso [sic] e perturbador da paz, calando os conventículos para que foi convidado, tão indecentes a um Ministro [...]”. Aí, bispo e governador entraram em choque. 54 AHU – 1759 Cx. 39 D. 3813. MEIRELES, Mario. História da Arquidiocese de São Luís... p. 149. 56 LIMA. Op. cit. p. 456 e 457. 55 37 O padre ou embusteiro José de Sousa Machado foi condenado e preso pelo Juiz de Fora Inácio Barbosa Canais de Abreu, em uma longa sentença, enviada para o Secretário da Marinha.57 Apesar do choque entre as duas maiores autoridades da Capitania por causa de um mentiroso, porque ambas se arrogavam no direito de julgá-lo, cada qual segundo critérios próprios, tanto o governador quanto o bispo foram enfaticamente admoestados pela Coroa que, por fim, proibiu a descoberta de minas.58 2.3. A Riqueza das “Religiões” Francisco Xavier de Mendonça Furtado foi nomeado governador plenipotenciário e primeiro comissário para a conferência de demarcação de limites em 1753.59 Mas durante seu governo na colônia (1751-1759), enfrentou uma série de problemas estruturais, sobretudo o poder que as ordens religiosas mantinham sobre as sociedades nativas, pois na região era a mão de obra indígena motivo de riqueza na sua muita quantidade e principalmente motivo de pobreza na sua falta, devido à insuficiente quantidade de escravos africanos até então.60 Legitimados pela evangelização dos povos indígenas, os padres regulares, sobretudo os da Companhia de Jesus,61 mantinham os nativos sob um sistema de servidão, monopolizando a economia das drogas do sertão, atividade na qual a mão de obra indígena era largamente utilizada. Com isso, impediam não apenas os colonos de possuírem escravos em quantidade suficiente como também, e exatamente por isso, impediam o desenvolvimento econômico da região, ao mesmo tempo em que tinham seus cofres cada vez mais enriquecidos. Os padres inacianos, por exemplo, haviam construído um verdadeiro império temporal62 – muito maior do que o de outras ordens religiosas – e sua não colaboração no projeto de demarcação do território e no governo das conquistas do norte fomentou a oposição 57 AHU – 1759 Cx. 39 D. 3804. Essa proibição é um tanto descabida e paradoxal, porque na hipótese de alguém descobrir uma mina de verdade, seria preso como embusteiro, segundo carta régia de 19/01/1760. 59 MARQUES, 1970, p. 339. 60 Esse quadro mudou com a implantação da Companhia de Comércio em 1755, pois permitiu a entrada em grande quantidade de escravos africanos no Maranhão e em todo o norte da América Portuguesa. Luiz Felipe de Alencastro chama esse processo de “desencravamento” da Amazônia em O Trato dos Viventes (2000), p. 138. 61 Ordem Religiosa fundada pelo padre Inácio de Loyola em 1534. Os padres dessa ordem também são chamados de inacianos, em referência ao nome de seu líder-fundador. 62 RAYMUNDO. Letícia de Oliveira. O Estado do Grão-Pará e Maranhão na nova ordem política pombalina: A Companhia Geral do Maranhão e o Diretório dos Índios (1755-1757). – Relatório de Iniciação Científica. USP, 2005. 58 38 do governador Mendonça Furtado.63 Em suas cartas64 dirigidas ao irmão, o tom antijesuíta passou a aumentar expressivamente nos anos seguintes. Nas linhas gerais de todas as Letras enviadas por Mendonça Furtado ao irmão e Secretário do Reino, Carvalho e Melo, há três grandes interesses que se destacam: a liberdade dos índios e as novas modalidades de exploração do trabalho; a secularização das aldeias enquanto um mecanismo político e econômico; e o fomento à produção e ao comércio.65 Estes interesses se materializaram durante seu governo, o primeiro deles com a publicação da Lei de Liberdade dos Índios e o segundo com a Lei de Abolição do Poder Temporal dos Religiosos, ambas em 1755; o terceiro foi o mais avultado, a criação da Companhia de Comércio, ainda naquele ano. Dentre as várias correspondências uma merece destaque por conter uma ampla (embora considerada breve pelo autor) argumentação acerca da situação das sociedades nativas e do poder das “religiões”, denominação dada genericamente às ordens religiosas. O mais curioso é que ela é a primeira carta enviada pelo governador, oriunda da brevíssima experiência que teve na região, antes e pouco depois de tomar posse, mas já apresentava traços de muito [alegado] conhecimento da situação. Datada de 21 de novembro de 175166, a carta em questão traz em seu corpo de texto a localização e a dimensão da região governada, observando ainda a grande população nativa que nela habitava. De início, esta população estava ameaçada: Tem o sistema presente produzido tão contrários efeitos, que com grande mágoa assento e provo que não só se não tem convertido o gentio da terra, mas que, contrariamente, muitos cristãos tem não só tomado os costumes dos gentios, mas ainda têm seguido os seus, sendo maior lástima que até tenham entrado nesse número muitos eclesiásticos.67 O pretexto da piedade cristã foi central na sustentação dos argumentos que Mendonça Furtado emendou nas páginas seguintes. Esse estado de “efeitos contrários” verificado na região resultava da atuação dos religiosos regulares que passaram àquelas partes com a missão de salvar os gentios e civilizá-los. Não porque os padres fossem pouco eficientes, mas porque sua eficiência estava voltada para os interesses temporais e não 63 Inicialmente apontada por Boxer (2002), esta ideia constitui a tese defendida na monografia de Josimar Vieira da Cruz (2009) apresentada ao Depto. De História da Universidade Federal do Maranhão, intitulada “Sob os estigmas pombalinos: Uma imagem distorcida dos jesuítas do Maranhão seiscentista (1607-1661)”. 64 MENDONÇA, Marcos Carneiro. A Amazônia na Era Pombalina... 65 RAYMUNDO. Letícia de Oliveira. Op. cit. 66 MENDONÇA, Marcos Carneiro. A Amazônia na Era Pombalina..., Tomo I, pp. 109-126. 67 A Amazônia na Era Pombalina... Tomo I, p. 110. 39 espirituais como Mendonça Furtado dizia que deveria ser. A tarefa principal de que se ocupavam os religiosos era praticar o comércio, mas antes de chegar a este ponto, deixado por último porque considerado mais importante, o governador principiou por “historicizar” a questão. Como Vossa Excelência sabe, na forma do Regimento das Missões se entregou às Religiões, com o nome de que lhe davam, o governo espiritual e temporal, a total soberania de todos os gentios não se limitando ela só aos aldeanos, mas a todos os infelizes homens que nascem nestes sertões. Como este absoluto poder que eles arrogaram a si, debaixo do pretexto aparente de missionários, e em fraude da mesma lei lho deu, é tirano, não podia produzir outra coisa que violências, violências tão continuadas, e tão executadas, como referirei algumas.68 A primeira das violências era o poder detido pelos missionários sobre os nativos, para livrá-los da escravidão. Argumentando que esta espécie de “protetorado” que as ordens religiosas mantinham sobre as sociedades nativas teve início com a chegada do padre Antonio Vieira, como superior dos jesuítas no Maranhão em 1652. A partir daí, os religiosos passaram a deter o “monopólio” do “serviço dos índios, em total ruína das fazendas dos moradores e da conservação do Estado.” Questão amplamente tratada na historiografia, que opunha os colonos aos jesuítas pelo interesse nos nativos como mão de obra escrava. Desta questão, por exemplo, a revolta de Beckman no final do século XVII foi um marco importante, do qual Mendonça Furtado fez lembrança do governador Gomes Freire de Andrade, por restabelecer a ordem. Porém, esta ordem restabelecida significou confirmar nas mãos das ordens religiosas o poder sobre os nativos e sobre todo “o povo contido”. O Regimento das Missões de 21 de dezembro de 1686 autorizou a “soberania” e o “despotismo” das Religiões que, “esquecendo-se totalmente da sua obrigação”, que era cuidar e educar os povos nativos “no verdadeiro conhecimento da lei evangélica, na deformidade dos vícios e no santo temor de Deus”, passaram a se interessar e trabalhar em matérias temporais. Com o uso da língua geral, os regulares criaram alguns problemas como, por exemplo, passar a ideia de que existiam vários deuses (santos) porque não havia termos ou palavras suficientes na língua geral que comportasse todos os elementos da doutrinação católica. Isso terminava por impedir os moradores de se comunicarem com os nativos, obrigando-os a aprender e a falar a língua geral, de modo que quase ninguém se encontrava que falasse o português. Com o pretexto da doutrinação, os índios ficavam completamente 68 A Amazônia na Era Pombalina... Tomo I, p. 110 e 111. 40 submetidos ao poder dos padres, de modo que “esta aparente liberdade que sempre clamam as Religiões é o mais rigoroso cativeiro que se pode imaginar, como demonstrarei com a brevidade possível.”69 Os religiosos proibiam e usavam de todos os meios para impedir os nativos de trabalharem livremente, a soldo, com os senhores locais. Quando qualquer delito era constatado, o índio ou era “degredado” para outra fazenda onde era obrigado a (re)casar com quem o padre administrador escolhesse, ou então era açoitado no tronco. Desta forma, os regulares se convenceram de que todas as aldeias eram suas. Persuadiram-se as Religiões de que aquelas aldeias eram suas, porque são governadas por um missionário que nelas reside, o qual batiza, faz casamentos, dispensa nos impedimentos, administra absoluta e despoticamente todo o espiritual, sem que ao ordinário seja lícito conhecer das inumeráveis e repetidas desordens que nelas se fazem e de que podem atestar os prelados deste Estado com fatos certos e notórios. Administram mais com um governo absoluto e despótico todo o temporal, sem que das suas injustiças e violências haja para quem recorrer, porque no dito governo não há ordem ou forma de proceder, e em consequência não se admite apelação ou recurso para tribunal algum.[...] Finalmente, deram estes padres em um novo modo de governar uma tão grande república como esta, o qual não lembrou nunca aos maiores legisladores, qual é o de manterem estes largos povos em paz, quietação e justiça, sem mais leis ou polícia que o arbítrio de uns poucos padres, que o mais douto não sabe uma questão de teologia.70 (p. 117-118) Dos resultados dessa dominação, segundo Mendonça Furtado, há três principais: primeiro, que não se ouvia falar em Rei entre os regulares ou destes para os nativos, de modo que se as leis expedidas não favorecessem aos religiosos, entravam em confusão e nunca executavam nenhuma determinação; segundo, que “estes padres exercitam uma jurisdição real”, o que muito contrariava o Regimento das Missões, porque o governo temporal concedido significava fazer executar e não julgar ou legislar, como vinham fazendo; terceiro, que “os Regulares se viram senhores absolutos desta gente e das suas povoações.” No Regimento das Missões é dado a cada missionário 25 índios para seu serviço, à exceção dos pescadores e oficiais mecânicos; em 19 aldeias que nesta capitania71 têm os padres da Companhia, importam ainda, usando só do seu direito, em 475 homens que andam tralhando para eles, sem falar nos infinitos que têm nas suas fazendas [...] 69 A Amazônia na Era Pombalina... Tomo I, p. 115. A Amazônia na Era Pombalina... Tomo I, p. 117 e 118. 71 Pará. 70 41 Além de todos estes índios, acrescem mais para os serviços dos padres todos os que constituem as povoações, são as mais populosas, a que os padres da Companhia – do Carmo e das Mercês – chamam “Fazendas”, e os padres Capuchos “Doutrinas”, e somados todos passam de 12 000 homens, além das suas famílias, que andam continuamente adquirindo para as Religiões, tanto na droga dos sertões, como em todas as plantações que podem servir ao comércio de fora, e para o particular [...].72 Assim, controlando uma grande quantidade de mão de obra, sob o pretexto da missão evangelizadora, os religiosos regulares passaram ao controle do comércio regional. Com a ruína dos particulares (colonos e comerciantes) no trato das drogas do sertão promovido pelas “religiões”, o monopólio deste tipo de comércio, que era um dos principais na época, passou a ser uma realidade palpável. Ao estabelecer uma comparação com os valores cobrados em dízimos na terra e na entrada da Casa da Índia em Lisboa. Somando os 10% cobrados de saída na Alfândega local e os 50% de entrada na Casa da Índia, soma-se 60% do valor total da mercadoria transportada. Inversamente, somando os 4% de saída de Lisboa mais os 5% pagos à Mercearia em caso de produto do país (América) tem-se 9% do valor da mercadoria. Na entrada da Alfândega local, paga-se mais 10%, somando-se 19%. Somando-se as taxações, temos 79% do valor total da mercadoria transportada. Como os regulares, assim como não pagam direitos dos efeitos da terra também não pagam, com o pretexto das missões, nem o Consulado nem a Mercearia, em Lisboa, nem neste Estado a Alfândega, e como não pagam direitos em parte alguma, se demonstra por um verdadeiro cálculo que na balança do comércio vêm a ganhar padres 80 por 100 contra os seculares, e dele compreenderá Vossa Excelência o progresso que podem fazer os pobres negociantes quando têm contra si o Corpo Poderoso73 com 80 por 100 de ganhar certo no comércio contra eles.74 Para concluir o raciocínio do lucro obtido pela Companhia de Jesus contra os comerciantes comuns, o governador fez menção ao valor de 80 mil cruzados, angariados pelos jesuítas apenas naquele ano de 1751, recomendando que na Casa da Índia se fizesse as contas e se verificaria que tal movimento financeiro estava todo em nome das “religiões”. Assim, a argumentação de Mendonça Furtado elencava dois principais prejuízos promovidos pelos religiosos, a decadência do comércio local e as “sangrias” tributárias contra o Real Erário. “É preciso assentar que cada Religião [é] desta forma, em si mesma, uma República”. Cada Ordem Religiosa possuía um vasto “corpo de oficiais”, de modo que chegavam a rivalizar entre si. 72 A Amazônia na Era Pombalina... Tomo I, p. 119 Marcos Carneiro Mendonça explica em nota de roda-pé que Mendonça Furtado se referiu muitas vezes à Companhia de Jesus desta forma. 74 A Amazônia na Era Pombalina... Tomo I, p. 121 73 42 Como cada Religião destas aspira a ter o comércio universal deste Estado, não tratam de outra coisa mais do que ver o modo por que hão de arruinar umas às outras, valendo-se todas dos meios que as podem conduzir àquele fim. [...] Não se contentando Religião alguma com a quantidade de gente de que são senhoras, e parecendo-lhe que todos os que as outras têm lhe pertencem, entra neles todo o espírito da ambição, da inveja, e por consequência o da discórdia; não podendo absolutamente caber neles a dissimulação neste particular, rompem muitas vezes em imprudências escandalosas, não havendo parte alguma que seja privilegiada para eles deixarem de fazer estas demonstrações. Onde se juntam se atacam ordinariamente, não valendo a atenção e gravidade com que se deve estar em um Tribunal autorizado por Sua Majestade, para deixarem de insultar-se uns aos outros com palavras totalmente opostas à autoridade do lugar, e ao caráter não só de religiosos, mas de Ministros, que estão exercitando.75 Com estes pontos, o governador encerrou os argumentos de sua missiva ao irmão, Sebastião José de Carvalho e Melo, acrescentando tons românticos ao lugar, vasto, populoso e cuja gente foi dotada por Deus para aprender rápido tudo o que se quisesse ensinar, de modo que os interesses dos soberanos pudessem ser mais bem dirigidos fora do controle das religiões, mudando o quadro de pobreza local. O discurso de Mendonça Furtado muito se alinha ao que foi proposto por D. Luís da Cunha em seu Testamento Político de 1749, muito conhecido no seio da alta administração cortesã lisboeta. Embora não faça nenhuma menção àquele documento, Mendonça Furtado escreve como se estivesse testemunhando ou comprovando (por ver e relatar fatos de) algo de que já ouvira falar. Em linhas gerais, as ideias são as mesmas de D. Luís da Cunha. Havia pobreza nos domínios portugueses e há “religiões”, especialmente a Companhia de Jesus, atuando nestes domínios. Como a atuação da Companhia de Jesus extrapolava a jurisdição espiritual e atingia fortemente a esfera temporal do poder, principalmente no que diz respeito ao comércio e à geração de riquezas, isso contrastava claramente com a pobreza vivida ou idealizada no Maranhão. Por exemplo, em outra carta, Mendonça Furtado cita que uma das áreas que estavam sob controle dos jesuítas no Maranhão, mais de 40 fazendas na Comarca do Piauí, encontrava-se com as propriedades da Casa da Torre da Bahia.76. Em outras palavras, segundo o pensamento que foi se consolidando, eram os religiosos os culpados pela pobreza, porque as suas “religiões” detinham boa parte senão a maior parte da riqueza que deveria estar circulando livremente ou então sob tutela do Estado, pelo Real Erário. A riqueza das “religiões” havia sido construída a partir da mão de obra indígena. Parece óbvio que essa 75 76 A Amazônia na Era Pombalina... Tomo I, p. 125 MENDONÇA, Marcos Carneiro. “A Amazônia na Era Pombalina...” Tomo II, p. 190. 43 mesma mão de obra poderia produzir igual ou maior riqueza para o Estado. Esta ideia parece ter sido seguida e aplicada segundo alguns meios relativamente eficazes. Do lugar de onde estava e com a autoridade com que falava, terminou por influenciar o ministro Carvalho e Melo contra o poder dos jesuítas no norte da América portuguesa,77 principalmente porque os três interesses mais destacados do seu governo se materializaram na Lei de Liberdade dos Índios, Lei de Abolição do Poder Temporal e a implantação da Companhia de Comércio, tudo em 1755. Destes, a Companhia de Comércio se destinou a alterar o quadro da economia local, mas as duas leis tiveram um significativo papel políticoadministrativo, na reorientação dos poderes na colônia. 2.4. O Fim do “Protetorado Jesuíta” Sobre as Sociedades Nativas Jacob Gorender78 enquadra isso de que Mendonça Furtado tanto reclamava como “formas incompletas de escravidão”; os nativos eram “postos numa condição de tutela”. Em outras palavras, eram aparentemente livres, mas viviam sob o poder de terceiros, fossem os agentes do Estado ou da Igreja, nesse caso principalmente os jesuítas, durante séculos. No tocante à ideia de “protetorado”, aplicada em casos de um Estado ou País estar sob o domínio de outro, temos que a Companhia de Jesus era considerada um Estado dentro do Estado Português,79 ou uma “República” autônoma como chamou Mendonça Furtado,80 e monopolizava o controle da maioria das nações indígenas diversas que habitavam a América Portuguesa, especialmente setentrional, principalmente aquelas já “civilizadas”. Assim, a “liberdade” dos nativos consistia em não ter o direito pessoal de escolher a profissão, o cônjuge ou o lugar onde morar,81 porque a maioria das sociedades nativas ou nações indígenas estavam debaixo do poder e autoridade da Companhia de Jesus, mesmo preservando-se os seus “principais” (caciques e pajés). Se a observação se faz a partir do pensamento e comportamento dos sujeitos históricos estudados, a ideia de “protetorado” para esse caso é perfeitamente plausível. Sob o pretexto de proteger as sociedades nativas da escravidão, os padres da Companhia de Jesus exerciam uma espécie de tutela, ou como chamo aqui, “protetorado”. De 77 BOXER, Charles Ralph. O Império Marítimo Português 1415-1825. Tradução Anna Olga de Barros Barreto. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 199. 78 GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. São Paulo. Ática, 1980. p. 476. 79 LIMA. Op. cit. p. 447. 80 A Amazônia na Era Pombalina. Tomo I, p. 122. 81 Idem. pp. 114-116. 44 fato, sabe-se que essa aparente proteção na verdade submetia os nativos a um regime de trabalho na forma de servidão, principalmente na extração das drogas do sertão, um dos produtos mais importantes da economia colonial na região. Era contra esse sistema de proteção aparente que o governador Mendonça Furtado se posicionava, porque dizia que “esta aparente liberdade de que sempre clamam as Religiões é o mais rigoroso cativeiro que se pode imaginar [...]”.82 Sem contar que isso gerou brigas intermináveis e incontáveis entre os moradores e os religiosos. “À Coroa também interessava resolver o conflito entre colonos e jesuítas quanto à administração e a escravidão dos índios que se constituía como problema secular.”83 [...] o índio vinha sendo utilizado como escravo desde o início da colonização, nas mais diversas atividades exigidas ora pelos jesuítas ora pelos colonos. As missões jesuíticas se constituíam em verdadeiras unidades produtivas e os índios eram a principal força de trabalho, funcionando como escravos, ou de forma disfarçada, e sob forte exploração humana. Embora os jesuítas fossem insistentes na exigência da administração indígena, por trás disso havia o usufruto sem remuneração das atividades exigidas.84 A origem da riqueza das “religiões” estava no domínio que exerciam sobre a força de trabalho indígena. Ao passo que a pobreza dos moradores locais estava no impedimento de usarem da mão de obra nativa, quase inteiramente monopolizada. Esta era a ideia central em toda a questão. Porém, uma leitura superficial do conjunto de testamentos compilados no livro Cripto Maranhenses85 permite visualizar que a posse de escravos indígenas pelos civis era algo bem comum. A diferença é que as religiões possuíam números incomparáveis de indígenas em seu poder. Colocar toda essa mão de obra a serviço do Estado ou dos civis na forma do trabalho assalariado era fundamental para restabelecer aquele Estado, porque estava “arruinado”, segundo dizia Mendonça Furtado. Já Vossa Excelência está informado do grande poder dos regulares neste Estado, que o tal poder o tem arruinado, que os religiosos não imaginam senão o como o hão de acabar de precipitar, que não fazem caso de Rei, Tribunal, Governador ou casta alguma de Governo, ou Justiça, que se consideram soberanos e independentes, e que tudo isso é certo, constante, notório e evidente a todos os que vivem destas partes.86 Logo, temos que a publicação da liberdade dos indígenas instava sobre a sua capacidade produtiva, completamente drenada pelos regulares que, a partir disso, ergueram 82 MENDONÇA, Marcos Carneiro. Op. cit. Tomo I, p. 115. SOUSA, Francisco José Rodrigues de. Escravidão, Índios e Diretorias no Maranhão Colonial. Monografia de Graduação. São Luís – MA, UFMA, 2002. 84 SOUSA, Francisco José Rodrigues de. Op. cit. p. 18. 85 MOTA, Antonia da Silva; et al. Cripto Maranhenses e seu legado. São Paulo: Siciliano, 2001. 86 MENDONÇA, Marcos Carneiro. Op. cit. Tomo I, p. 203. 83 45 seu “império temporal” no antigo Estado do Maranhão. Para reverter esse quadro, transferindo a riqueza dos cofres da Igreja para os cofres do Estado – ou impedindo que a geração de riquezas fosse parar nos cofres eclesiásticos – “libertar” os índios daquela dominação era um passo importante naquele processo. Porém, esse passo não foi dado sem ser imediatamente seguido por outro, que era desautorizar os religiosos regulares do seu poder temporal. As Leis de Liberdade dos Índios e de Abolição do Poder Temporal dos Religiosos Regulares, publicadas em 1755 foram medidas tomadas em virtude da constante correspondência do governador, que insistia e argumentava em retirar dos padres a administração do trabalho dos nativos, mantendo-se, entretanto, a sua obrigação espiritual para com os mesmos.87 Porém, só foram publicadas na colônia no ano de 1757. O “atraso” na publicação das novas leis se deu, sobretudo, devido à resistência que os religiosos regulares criaram à notícia de sua existência. E mesmo depois de publicadas, o clima se tornou mais tenso ainda entre os governantes e os regulares. Estes passaram a fazer pregações88 nas aldeias, nas vilas e nas cidades contra o intento de liberdade dos indígenas e contra a Companhia de Comércio, por um lado responsável pela entrada de mão de obra africana na substituição da força de trabalho nativa89 e por outro, tirava o monopólio do comércio dos jesuítas, excluindo-os do processo econômico, porque seus poderes temporais já haviam sido abolidos e suas práticas comerciais proibidas. Com relação à escravidão indígena, mesmo os senhores tinham esperança que logo fosse revogada.90 A partir daí começou a ficar mais nítida a política pombalina e sua “autonomização do poder”91 real ou estatal frente ao poder papal ou eclesiástico na colônia. Porém, com a liberdade legalizada, os indígenas não puderam exercê-la plenamente, mas passaram ao 87 RAYMUNDO. Letícia de Oliveira. Op. cit. p. 3. No que se refere à oposição dos jesuítas à liberdade, ver MENDONÇA, Marcos Carneiro. A Amazônia na Era Pombalina... Tomo II, a carta da p. 405, e da p. 464 contra a Companhia de Comércio. No Tomo III, à página 292, Mendonça Furtado expõe a reação dos regulares à publicação das leis, e ainda à página 398 sobre a fundação de algumas vilas no lugar das antigas aldeias. 89 Os números de africanos trazidos para a escravidão no Maranhão, que antes de 1755 não passavam de 3000, no período da Companhia de Comércio (1755 em diante) passou para 25000 e depois para 35 mil e 48 mil no início do século XIX. 90 No que se refere à esperança dos moradores da revogação da lei que libertava seus escravos indígenas, ver MOTA, Antonia da Silva; et al. Cripto Maranhenses e seu legado. São Paulo: Siciliano, 2001, à p. 101, onde é mencionada a “Novíssima Lei de Liberdade dos índios” em 1758, três anos após sua redação e um ano após sua publicação. 91 FRANCO, 2006. 88 46 controle do Estado, através da criação do “Diretório dos Índios” e da fundação de Vilas no lugar das antigas aldeias organizadas pelos religiosos regulares, assunto tratado mais a frente. Sob a égide da “liberdade”, os indígenas “civilizados” foram submetidos a “novas modalidades de exploração do trabalho,”92 que eram sobretudo formas assalariadas, estabelecidas segundo tabelas bem definidas.93 Além do mais, a notícia de que os jesuítas punham obstáculos à execução do Tratado de Limites se tornou uma tecla sobre a qual Mendonça Furtado muito bateu, cujas notícias sempre participava ao governador do Maranhão, Gonçalo Pereira Lobato e Sousa, que atuou amplamente contra os jesuítas na capitania. Em carta de 18 de fevereiro de 1759, o governador do Maranhão participava ao capitão general ter conhecimento das “sediciosas maquinações” promovidas pelos padres inacianos de Portugal e da Espanha, dando conta ainda do atentado contra o rei, do qual os mesmos padres foram acusados. Estes assuntos, disse, “os que todos fiz espalhar [pela Capitania] na forma que Sua Majestade ordena”.94 O clima das rivalidades entre os religiosos e os governantes apenas aumentava, de modo que estes se sobreporiam àqueles, estes eclipsando a atuação dos poderes daqueles. Isto porque cada ação dos regulares contra a nova ordem política que se implantava ou qualquer desaprovação feita contra os ministros do rei ou os elementos daquele novo estado de ordem das coisas, contava um ponto a menos para os religiosos. Os principais eram os jesuítas, primeiro por serem os mais influentes na antiga ordem, e segundo, por serem os que mais puseram obstáculos às novidades administrativas do Grão-Pará e Maranhão que os prejudicavam diretamente. Dentre em pouco, os jesuítas seriam o “bode expiatório” de todos os males do Reino e da América Portuguesa, “consagrados ao sacrifício” ou declarados expulsos de Portugal e seus domínios pela Lei de 03 de setembro de 1759. 92 RAYMUNDO, Letícia Oliveira. Op. cit. p. 126. SOUSA, Francisco José Rodrigues de. Op. cit. p. 39. Neste trabalho, o autor expõe os detalhes da conclusão do Senado da Câmara de São Luís, que foi apresentada ao rei D. José I. 94 AHU – 1759 Cx. 39 D. 3796. 93 47 3. CONFLITOS DE JURISDIÇÃO ESPIRITUAL E TEMPORAL “A Real providência de Sua Majestade acudiu com a liberdade ao miserável cativeiro dos índios, com a separação das jurisdições espiritual e temporal; e a confusão do governo espiritual e temporal que tinham os regulares com o novo estabelecimento de muitas freguesias ao prejuízo que atentei tinha a jurisdição episcopal, com a criação de novas vilas e lugares às desordenadas aldeias. Com estas Reais disposições se arrancam não pequenas da decadência do Maranhão causada pelos injustos cativeiros, confusão de jurisdições, diminuição da Episcopal e proventos Reais.” (Bispo D. Frei Antonio de São José) Tendo em vista a exposição feita na primeira parte do trabalho, é possível argumentar que os serviços de Deus e do Rei, realizados pelos agentes da Igreja e do Estado se complementavam ou pelo menos se complementaram no início da administração pombalina, mas também conflitavam em interesses, fossem das instituições ou dos seus representantes. Quando estes conflitos se acirraram, vimos que os poderes estatais e eclesiásticos não poderiam mais se complementar, e um deles foi eclipsado ou reduzido à força. Como observou o bispo do Maranhão, D. Frei Antonio de São José, autor da epígrafe do começo deste capítulo, era do seu interesse ver reduzido o poder dos regulares sobre as sociedades nativas, porque não exercia qualquer autoridade sobre as aldeias controladas pelos jesuítas, quadro que mudou com a fundação das novas vilas de que faz menção no excerto acima transcrito. Tinha uma visão otimista da política de Sebastião José de Carvalho e Melo, porém, como se verá, ter concordado com a redução do poder temporal dos regulares não significou que ele concordou com a sua expulsão ou com todos os desenvolvimentos da administração local, depois daquele fato. 3.1. O Patrimônio dos Jesuítas e a Expulsão A riqueza das religiões, constatada por Mendonça Furtado era resultado de doações centenárias feitas à Igreja. Não apenas pessoas comuns faziam doações às ordens religiosas, como propriedades móveis e imóveis, ouro e escravos [nativos e/ou africanos], mas também o próprio rei. Isso indica que o poder de influência política e administrativa das ordens 48 religiosas (jesuítas, carmelitas, mercedários, franciscanos, etc.), era muito maior do que se pode imaginar. No caso dos fiéis, há um exemplo a citar. Trata-se do testamento do casal Pedro Dias e Apolônia Bustamante, que em meados do século XVIII deixaram à Companhia de Jesus uma légua de terras, situadas na Ilha do Maranhão, no sítio denominado Anindiba. Esta terra é oriunda de doação sesmarial95 Isto abre espaço para uma observação importante quanto à posse de terras. Segundo Antonia da Silva Mota: O que com certeza foi conseguido através de mercê régia transformava-se em propriedade de família, sendo avaliadas entre os bens do morto, podendo passar aos herdeiros ou ser vendida, arrendada etc. Nos testamentos é comum o registro das transações envolvendo terras, cujas origens foram doações sesmariais. O que foi conseguido através do privilégio, onde estava estabelecido que o titular apenas usufruiria do bem, repassando-o a seus descendentes, entrava no mercado favorecendo uns poucos.96 Por exemplo, as “religiões”. A referida doação ocorreu ainda dentro dos privilégios permitidos pelo próprio soberano. Neste caso, sabe-se que D. João IV (1604-1656), primeiro rei da dinastia de Bragança, relaxou uma das Ordenações do reino, que proibia a Igreja de possuir propriedades, em troca do reconhecimento de Roma à independência de Portugal no período da Restauração em 1640.97 Em 1720, por exemplo, o então governador Alexandre de Sousa Freire escreveu um inventário dos bens dos jesuítas, no qual relata que a Companhia de Jesus era dona de uma missão e cinco fazendas no Rio Pindaré, que rendiam anualmente 300 arrobas de casca de árvores, e 500 burros no mesmo período que produziam 2500 cabeças de lucro, e mais 60 bestas. Ainda nesta lista inclui-se o “famoso engenho”, chamado de São Bonifácio. No total dessas propriedades, Sousa Freire atribuiu, somando tudo, 3:090$000 réis (três contos e noventa mil réis). Acrescenta: Passando da terra firme para esta Ilha é sem dúvida possuem os ditos religiosos sendo a metade da Ilha intotum, não faltará muitas terras para a completar, nela tem aldeias populosíssimas fazendas a que [incompreensível] uma de São Brás e outra de Anindiba povoadas estas de muita escravaria misturada com gente forra por tal estilo que de nenhuma sorte é possível fenecerem estes [...] Tem mais os ditos religiosos umas salinas na mesma ilha contíguas a um sítio e defronte desta cidade a que chamam São Francisco 98 Esta propriedade tinha início nas salinas de São Francisco (atual bairro de mesmo nome), passando pelo Sítio dos Vinhais (atual bairro de mesmo nome) e Sítio de Anindiba (atual município de Paço do Lumiar) terminavam na praia do Araçagy (atual município de 95 CRUZ, Josimar Vieira da. “Sob os estigmas pombalinos”... p.103. MOTA, Antonia da Silva. A Dinâmica Colonial Portuguesa e As Redes de Poder Local... p. 43 97 SANTOS. Te Deum Laudamus... p. 64. 98 AHU – 1728 Cx. 16 D. 1712. 96 49 São José de Ribamar). Ou seja, a Companhia de Jesus era dona de toda a parte norte da Ilha do Maranhão. Na mesma Relação, dizia ainda que a Companhia de Jesus também possuía metade das terras da Vila de Alcântara, onde já haviam fundado um colégio, tal como em São Luís. Durante o generalato de Francisco Xavier de Mendonça Furtado no Grão-Pará (17511759), muito já se conhecia sobre a riqueza das “religiões”, sobretudo dos jesuítas. Em suas cartas dirigidas ao irmão, Marquês de Pombal, era constante a denúncia da grandeza dos bens das ordens religiosas, sobretudo da Companhia de Jesus, por exemplo: uma das áreas que estavam sob controle dos jesuítas no Maranhão, mais de 40 fazendas na Comarca do Piauí, encontrava-se com as propriedades da Casa da Torre da Bahia.99 Ainda segundo a historiadora Antonia Mota, durante o período pombalino as propriedades com léguas de terras não eram tão valorizadas. Essa valorização se acentuou no final do século XVIII, aumentando com o avanço do século XIX.100 Disto o Estado se valeu com a apropriação destas terras. Assim, a questão da pobreza no Maranhão colonial antes da intervenção pombalina não é mais algo que deva ser discutido, porque é óbvio que havia riqueza. O problema agora é saber nas mãos de quem estava concentrada, pelo menos na sua maior parte. Isto porque, como observou muito bem Josimar Vieira da Cruz em sua recente monografia de graduação, “Sob os estigmas pombalinos...”, em que trata da questão jesuítica, diz que havia muito mais uma “fertilidade de retóricas” do que uma “retórica de fertilidades”. Ou seja, a pobreza trilhava muito mais o âmbito do discurso político da Câmara de São Luís para adquirir mais privilégios da Coroa para a elite local, do que realmente manifesta no cotidiano.101 E isto se tornou uma espécie de ideologia, confirmada pelos contemporâneos da Companhia de Comércio, na segunda metade do século XVIII, a qual “salvou” o Maranhão da miséria. Esta ideia foi comprada pela historiografia “clássica” do Maranhão (César Marques, Jerônimo de Viveiros e Mário Meireles) que exaltou a todo custo o trabalho do ministério pombalino na região,102 principalmente por retirar da Companhia de Jesus a sua riqueza, transferindo-a para os cofres do Estado, ou Real Erário. No último ano do generalato de Mendonça Furtado na América, foi publicada a Lei de 03 de setembro de 1759, maquinada por Pombal e assinada pela Real Mão, que declarou os 99 MENDONÇA, Marcos Carneiro. “A Amazônia na Era Pombalina...” Tomo II, p. 190. MOTA, idem. 101 2009, p. 66. 102 MEIRELES, Mario Martins. “Melo e Póvoas...”, p. 77. Ver também MOTA, Antonia da Silva. “Família e Fortuna no Maranhão Colônia”. p. 32. 100 50 jesuítas proscritos, desnaturalizados e expulsos de Portugal e dos domínios ultramarinos. E a campanha política contra a Companhia de Jesus ganhou força, com a publicação de várias obras de cunho exaustivo, mas de conteúdo hoje considerado duvidoso e tendencioso,103 que pretendiam provar que a causa da pobreza de Portugal estava na ação independente da Companhia, braço direito e esquerdo da Sé Romana no mundo, tendo como consequência justificar a sua expulsão. Em outubro de 1758, o bispo do Pará, D. Miguel de Bulhões e Sousa,104 foi nomeado “Visitador e Reformador dos Jesuítas” na Capitania do Maranhão e do Grão-Pará. A sua atuação na região foi fundamental para o sucesso da expulsão dos jesuítas e o sequestro dos seus bens. Este Visitador foi nomeado pelo Cardeal Francisco Saldanha, este era aparentado do Marquês de Pombal. Saldanha foi nomeado pelo Papa como Reformador da Igreja portuguesa e da Companhia de Jesus. Mario Meireles conta em seu artigo biográfico sobre o governador Mello e Póvoas que o Bispo D. Antonio de São José, sabendo da expulsão dos jesuítas, e de que o Bispo Bulhões viria para São Luís para fazer executar pessoalmente as tarefas propostas quanto àqueles padres, fugiu para o interior da capitania porque se sentiu desmoralizado, muito embora não deixe transparecer frustração e indignação – e ela existia – , como se pode ver na epígrafe deste capítulo. Principalmente porque em sua Carta Pastoral de 20 de setembro de 1761, dizia acerca dos dízimos e a sua forma correta, contrária às “escandalosas e perniciosas doutrinas” dos jesuítas.105 Ou seja, era contra a dominação administração jesuíta, não contra a sua missão evangelizadora. Sobre a expulsão, dispomos de uma interessante versão da expulsão dos inacianos feita pelo bispo D. Francisco de Paula, autor dos Apontamentos para a História Eclesiástica do Maranhão: Chegada a ordem do Reino para a expulsão dos Padres, foram os Jesuítas do Pará empilhados com toda a brutalidade, como negros escravos, no porão de um navio e transportados para S. Luiz, onde cento e cinquenta desses desgraçados foram metidos a bordo de um barco. Outros dizem que os do Maranhão foram para o Pará com o Bispo D. Miguel de Bulhões. O certo é que esse bispo seguiu para Portugal no mesmo navio, e foi receber a paga de seus feitos, ocupando a Sé de Leiria; e embora durante o trajeto perecessem 103 Eram elas “Relação Abreviada” (1757), sobre os embates em torno do Tratado dos Limites, “Erros ímpios e sediciosos que os religiosos da Companhia de Jesus ensinaram aos réus, que foram justiçados, e pretenderam espalhar nos povos destes reinos” ((1759), “Dedução cronológica e analítica“ (1768), retrospecto histórico da ação da Companhia no Reino Português, “Compêndio Histórico do estado da universidade de Coimbra no tempo da invasão dos denominados jesuítas” (1771) e “Regimento Pombalino do Santo Ofício” (1774), acusando os jesuítas como responsáveis pelos males causados pela Inquisição. 104 Era bispo do Pará desde 14 de fevereiro de 1748, conforme diz PACHECO (1969: p.38). 105 AHU – 1761 Cx. 40 D. 3941. 51 quatro jesuítas, em consequência da má alimentação, encerramento e sede, assevera-se não ter ele mostrado o menor sinal de compaixão para homens cuja inocência e virtudes não lhes podiam ser desconhecidas! Remetidos para Lisboa como presos de Estado, foram encarcerados de modo que nunca mais se ouviu falar neles até a morte do Rei e queda de Pombal, sendo os que sobreviveram postos em liberdade depois de uma prisão de dezoito anos! 106 Em 8 de junho de 1760 se procedeu a uma rigorosa revista, e pouco mais de um mês depois nova vistoria nas casas dos padres, e no dia 13 de julho daquele ano foram todos embarcados para o Pará em dois navios, “Arrabida” e “Madre de Deus”.107 Em 11 de setembro foram novamente revistados e no dia seguinte embarcados para Lisboa. Durante a viagem, foram amontoados no porão do navio, dormindo no chão, com pouca comida e de má qualidade, bebendo da água que sobrava das galinhas, sofreram ainda uma tempestade em alto mar; por medo de morrer por um castigo divino, D. Miguel de Bulhões, o Visitador do GrãoPará e Maranhão, responsável pela expulsão dos jesuítas da região, lhes pediu perdão. Ao porto de Lisboa, quatro padres chegaram mortos. “Alguns, julgados mais criminosos, vão sofrer seus últimos anos de vida ‘nos horrendos cárceres do Azeitão e de São Julião’. Os demais 92 são transportados para Roma, onde pouco ainda lhes seria dado viver.”108 Este foi o fim dos jesuítas da América Portuguesa setentrional naquele tempo. Mas sua ausência gerou mais problemas, em vez de soluções como imaginava o ministro português. Os seus prepostos administrativos, ambiciosos e zelosos, conflitaram entre si e com os padres da Igreja do Maranhão sobre a administração e posse dos valores da riqueza da ex-ordem religiosa mais poderosa do Império Português. 3.2. Os Agentes e os Bens Sequestrados No caso da América Portuguesa o sequestro dos bens se deu ao mesmo tempo em que os padres eram desabilitados das suas missões, presos por crimes contra o Estado e enviados à Corte. Em 18 de junho de 1760 ordenava El-Rey ao novo governador e capitão general do Grão-Pará, Manuel Bernardo de Melo e Castro, para se proceder ao sequestro das propriedades que pertenciam aos padres da Companhia de Jesus, agora expulsos, a fim de que se evitassem roubos às mesmas, sendo o seu confisco útil para todos os moradores locais em 106 P. 134. MEIRELES, 1977, p. 156. 108 PACHECO, D. Felipe Condurú. “História Eclesiástica do Maranhão”. pp. 43,44. 107 52 geral e para o governo do Estado em particular. Esta ordem foi repassada ao governador da Capitania do Maranhão, Gonçalo Pereira Lobato e Sousa: [...] hei por bem que sem embargo das ordens interinamente expedidas pelo Vosso Antecessor respectivas a administração das sobreditas fazendas, que estas se rateem, e se repartam com junta, a que assistireis com o Bispo, Intendente Geral, Ouvidor, Juiz de Fora e Procurador da Câmara [...]109 A tarefa do sequestro110 recaiu principalmente sobre o Ouvidor Geral, Francisco Martins da Silva, que acompanhado de diversos oficiais e civis interessados nos bens, passaram às missões, onde os jesuítas construíram fazendas, engenhos, olarias e salinas. Dentre eles estavam o Desembargador Gaspar Gonçalves dos Reis, os oficiais Gregório de Meireles e Teodósio da Silva Rocha, e ainda Pedro da Cunha e José Gomes. Dos gastos parciais, 1:659$460 réis (um conto, seiscentos e cinquenta e nove mil, quatrocentos e sessenta réis) foram despendidos com a prisão e transporte dos jesuítas para o Pará, 240$000 reis pagos ao Ouvidor pelo trabalho, 62$500 aos dois oficiais e 21$450 aos outros dois homens que também ajudaram, sendo que Pedro da Cunha recebeu mais 3$700 pelas fechaduras do cofre criado especialmente para guardar o dinheiro líquido sequestrado, e depois dos rendimentos.111 Naquele momento as principais propriedades produtoras dos jesuítas passaram ao cuidado de administradores, geralmente oficiais régios, que eram responsáveis pela proteção e aumento dos rendimentos produzidos e responsabilizados pelos roubos, ou diminuições das rendas das propriedades. Neste caso eram abertos processos de devassa contra os mesmos. Sob o soldo que variava entre 130$000 e 150$000 réis ao ano, aqueles homens passaram desde 1760 ao controle do Engenho de São Bonifácio de Maracum (atualmente o município de Viana), Engenho de Munim Mirim, do qual foram administradores João de Azevedo (1762) e José Nunes (176-1764), a Fazenda de Amanajuê, da qual foi administrador Antonio de Sousa (1763), a Fazenda de Anindiba (atual Paço do Lumiar), Fazenda de São Brás, a Olaria de São Marcos (na atual praia de São Marcos, a Fazenda de Pericumã (Alcântara), Fazenda de Gerijó, Fazendas de Gado do Rio Mearim e Pindaré, e ainda as Fazendas de Iaveroca, do Turiaçu e das Aldeias Altas e da Vila de Alcântara. 109 AHU – 1760 Cx. 40 D. 3901. Entendo o “sequestro” como a primeira parte do processo de apropriação do Estado sobre os bens eclesiásticos jesuítas, que se encerrado com o confisco, quando não há mais possibilidade nenhuma dos bens retornarem aos antigos donos. 111 AHU – 1761 Cx. 40 D. 3926 / 1764 Cx. 41 D. 4072. 110 53 Logo se procedeu à rematação dos bens situados nas Aldeias Altas, que incluía as propriedades do Paranaíba e do Alegre, feita em 1760, sob a audiência do Ouvidor Francisco Martins, rendeu 1:436$915 réis. Dos bens rematados em Tapuitapera (Vila de Alcântara), entrou no cofre 292$950 réis, e das rematações feitas sobre alguns itens do seminário de São Luís, arrecadou-se 50$360. Porém, a rematação dos bens do colégio de São Luís somou a maior quantia, 1:979$740, sendo que ainda se vendeu várias casas a Domingos Antunes Pereira pelo valor de 1:350$000. Uns chãos da Praia Grande comprados por Francisco Gomes Lima, ao preço de 600$000 e outros a Francisco Antonio Domingues ao preço de 320$000. A Olaria de São Marcos foi comprada pelo capitão Teodoro Jansen, por 208$980 réis, valor inferior ao de um único escravo na época. Porém muitos descaminhos estavam se verificando na arrecadação do dinheiro liquidado pelos bens administrados ou vendidos.112 Enquanto se corria com as rematações, em 1761, era transferido da Capitania do Rio Negro, subalterna ao Grão-Pará para governar a igualmente subalterna Capitania do Maranhão, o sobrinho do ministro Sebastião José de Carvalho e Melo. Joaquim de Mello e Póvoas imediatamente mandou ao Escrivão João Mendes da Silva, passar uma relação da Receita e da Despesa que se fazia com o sequestro. Certifico aos Senhores, que a presente certidão virem, que na presença do Ilustríssimo Senhor Gonçalo Pereira Lobato e Sousa governador que foi desta Capitania, e do Desembargador Ouvidor Geral atual, Francisco Martins da Silva em nove do mês de julho deste presente ano de mil setecentos e sessenta e um, se fez auto de recenseamento geral de contas dos bens que foram dos Padres denominados jesuítas expulsos desta Capitania, ao Tesouro deles, Capitão Antonio da Rocha Araújo, de tudo o que se lhe havia carregado, tanto por lembrança, como do liquido em receita viva e despesa dos bens, e seus rendimentos, que importam em sete contos, e quarenta e sete mil e seiscentos, e quarenta e cinco réis................................................................................ Receita//7: 047$645. E sem outro haver despendido o dito Tesoureiro por mandados correntes, sete contos, e quarenta e sete mil oitocentos e cinco réis, o que tudo se despendeu no tempo do dito Ilustríssimo Senhor Gonçalo Pereira Lobato e Sousa.........................................................................Despesa // 7:047$805.113 Nota-se que a relação custo benefício apresentava um déficit incrível, os gastos superaram a arrecadação, e atingiam cifras milionárias. Logo o governador mandou ao Ouvidor Francisco Martins – a quem muito elogiava pelo empenho de executar a tarefa tão desgastante do sequestro – abrir processos de devassa contra todos os administradores, dos quais nenhum saiu culpado, o que o governador estranhou, principalmente porque pelas 112 113 AHU – 1764 Cx. 41 D. 4072 AHU – 1761 Cx. 40 D. 3975. 54 devassas encaminhadas mais tarde pelo novo Ouvidor, Bruno Antonio de Cardoso e Meneses,114 se verificou grandes “ladroeiras”. Pouco tempo depois, em nova conta, registrada ainda na mesma Relação acima citada, os números foram outros, cuja receita foi de 1: 458$135 réis e a despesa apenas 140$700, ficando líquido no “cofre dos rendimentos” 1:317$435 réis. Em carta de 20 de agosto de 1764, o governador argumentava que: Não me tenho descuidado de vigiar sobre os administradores, castigando aos que me persuado não fazem a sua obrigação, e tirando aos que por inertes não adiantam o rendimento das suas administrações, de sorte que todos tenho mudado, e unicamente se conserva ainda nas fazendas da Atotoya [sic] o capitão mor José do Couto Pereira, e nas Aldeias Altas Manoel Martins da Cruz, não porque esteja satisfeito com as suas administrações, mas porque não tenho quem para lá mande, e também porque destes me não constam ladroeiras.115 Devido à constante destituição dos administradores acusados de roubar os bens seqüestrados ou os rendimentos, poucos nomes sobraram nas listas das contas de Receita e Despesa de cada propriedade, ou seja, apenas os nomes dos honestos foram anotados. Porém, dois são notórios, José Meireles Maciel, administrador do Engenho de São Bonifácio e Gregório Meireles, administrador da fazenda do Pindaré. Contra os dois o governador Mello e Póvoas mandou abrir processo de devassa, sendo o caso concluído com a prisão de ambos.116 Porém, não eram os funcionários régios os únicos interessados nos bens dos jesuítas, os padres regulares também, dentre os quais se destaca o Bispo do Maranhão. Afinal de contas, ele era uma das autoridades da audiência do sequestro dos bens, conforme El-Rey havia determinado. Seja por zelo para não ver destruído o patrimônio de seus conservos de religião e ofício, seja por interesses pessoais, uma vez avisado da expulsão dos jesuítas, logo procurou arranjar argumentos e enviá-los a Francisco Xavier de Mendonça Furtado, agora já Secretário da Marinha e Ultramar. Primeiramente manifestando o cuidado que devia para o serviço do soberano: Por carta firmada pela Mão Real de Vossa Majestade vejo que será muito do serviço de Deus e do Real Agrado de Vossa Majestade que eu nomeie as pessoas mais idôneas para se encarregarem das igrejas, dos edifícios a elas 114 Apadrinhado de Paulo de Carvalho, Patriarca de Lisboa, irmão de Pombal e de Mendonça Furtado, e tio de Melo e Póvoas. 115 AHU – 1764 Cx. 41 D. 4072. 116 AHU – 1764 Cx. 41 D. 4068. 55 contíguos, ornamentos, alfaias dos altares, e sacristias das mesmas igrejas, que foram dos regulares da Companhia, para tudo se guardar com exato cuidado, conquanto Vossa Majestade recorre ao Santo Padre, para que determine as pias aplicações, que hão de fazer das coisas mencionadas.117 Na Carta assinada pela Real Mão de Vossa Majestade, e na cópia de outra também Real para o governador e capitão general deste Estado, vejo as providências, que Vossa Majestade foi servido dar sobre a execução da Lei escrita em Salvaterra de Magos de 25 de Fevereiro a respeito das aplicações dos bens por sua natureza seculares, que vagaram pela expulsão dos regulares da Companhia chamada de IESU, e meios de se fazerem as ditas aplicações com maior utilidade do serviço de Deus, de Vossa Majestade e do bem comum.118 Principalmente porque obteve a graça de receber a posse integral da biblioteca que pertenceu aos jesuítas.119 Depois passou às questões mais imediatas, sobre os bens eclesiásticos, o colégio, a igreja e a biblioteca: Em observância da Real determinação de Vossa Majestade pela Carta de onze de junho deste ano, expedi as ordens que foram necessárias para se unir o colégio de Nossa Senhora da Luz desta cidade, que foi dos regulares da Companhia chamada de Jesus com a sua Igreja, e sacristia, ornamentos e alfaias delas à Mesa Episcopal, aplicando o colégio para servir de Palácio aos Bispos na parte principal, e na menos principal para seminário eclesiástico dos mesmos Bispos, a Igreja para Catedral, os ornamentos e alfaias da mesma Igreja, e sacristia para servirem ao Culto Divino. [...] Pela verdadeiramente Real e Piedosa Providência que Vossa Majestade mostrou a favor dos Bispos desta Diocese, e sua Catedral rendo a Vossa Majestade as graças com o mais profundo reconhecimento, multiplicando-se os motivos, que sempre tive, como fiel vassalo, para pedir ardentemente a Deus pela Vida preciosíssima, e feliz estado de Vossa Majestade.120 Para a duração de tão distinto benefício, sendo preciso um exato cuidado, e diligência, principalmente neste clima, muito contrário à conservação dos livros me animo a representar, e pedir a Vossa Majestade seja servido ordenar, que se pague a um Bibliotecário, que nomeem os Bispos, fiel, cuidadoso, e, se puder ser, com alguma notícia, como se costuma nas livrarias públicas, para procurar o bom trato dos livros, ajudar os estudiosos, e impedir os danos, e descaminhos, que terão os ditos livros ficando expostos não só à curiosidade, mas também à cobiça vulgar, se não houver pessoa vigilante, que os defenda.121 Com isso, a velha Catedral foi derrubada e a Igreja dos Jesuítas passou a servir como o novo templo episcopal da Cidade. Porém, esse caso não passou sem perturbação. O Bispo exigiu que o governador mandasse resgatar todo o material que pudesse ser aproveitado, telhas e madeiras, porque estas lhe pertenciam. O Governador Mello e Póvoas, vendo que se 117 AHU – 1760, Cx. 40, D. 3889. AHU – 1761, Cx. 40, D. 3963. 119 AHU – 1761, Cx. 40, D. 3940. 120 AHU – 1761, Cx. 40, D. 3973. 121 AHU – 1761, Cx. 40, D. 3974. 118 56 tratava de uma questão pessoal, considerou que não era lícito mandar fazê-lo às custas do governo, recomendando que o religioso o fizesse, desagradando ao Bispo.122 Com igual argumento de zelo pelo culto divino, o prelado da Matriz de Alcântara requereu ao governador Melo e Póvoas a doação dos ornamentos e alfaias da igreja jesuíta daquela vila para a sua igreja, que segundo argumentava, estava pobre e necessitada. Porém, o governador não lhe fez a mercê esperada, antes replicou dizendo que aquela igreja não podia se reclamar de pobreza, porque ser a matriz da vila mais rica de toda a Capitania, e com pouco esforço, algumas doações dos senhores que lá moravam se resolveria as necessidades imediatas de que o prelado reclamava. Mas um ponto que muito provavelmente foi fulcral na decisão negativa do governador quanto ao pedido daquele padre, é devido o argumento mal feito de devoção a São Pedro de Alcântara, Nossa Senhora do Pilar e São Francisco Xavier, o que Melo e Póvoas notou como “estranho” não haver uma imagem sequer de nenhum desses santos naquela igreja, sendo sua devoção tão tradicional. Isto deixa transparecer que o governador insinuou, com a elegância devida, ser falsa a devoção, mas verdadeiro o interesse pessoal sobre aqueles ornamentos de grande valor, sendo doados ao Convento do Carmo, ordem religiosa da qual o governador era devoto à santa padroeira.123 As telhas e o madeirame da casa dos jesuítas em Alcântara foram usados para reconstrução do Palácio dos Governadores.124 Na continuação da administração dos bens confiscados, o governador Joaquim de Melo e Póvoas mandou fazer em cada ano listas de Receita e Despesas, em que eram registradas as produções das fazendas e demais propriedades, e feitas sob rigor matemático, mas não sem erros, cujos administradores deveriam apresentar a exata quantidade de produtos, o preço pelo qual foram vendidos, o dinheiro bruto e líquido arrecadado. Assim os itens listados de tudo o que se produzia e consumia naquelas propriedades, eram: açúcar, aguardente, mel, cacau, galinhas, ovos, pacovas (bananas), algodão bruto e rolos de pano, farinha, botijões, aço, enxofre, sabão, sal, pimenta, potes, ferro, pólvora, chumbo, hóstias e vinho para as missas, facas, breu, azeite, carnes, milho, escravos e medicamentos para estes, arroz, cera, feijão, favas, tapioca, tabaco, jerimuns, vinagre, cobre, telhas, tijolos e louças, couros, gergelim, queijos, carrapato para fazer azeite, sebo, adubos, bois e vacas, potros e cavalos, manteiga e sola, e ainda os salários do administrador e do padre capelão. 122 MEIRELES, 1977, p. 150. AHU – 1764 Cx. 41 D. 4075. 124 MEIRELES, 1974, p. 63. 123 57 O sequestro dos bens logo teve um fim útil para o governo local. Em vez de ser remetido para Lisboa, uma parte significativa, senão a maior, por ordem de Sua Majestade passou a suprir as necessidades imediatas do governo, que tinha em atraso de quatro anos o pagamento dos salários dos “filhos das folhas eclesiástica, civil e militar”, muito embora argumentasse o governador que sem “operários”, ou índios suficientes para trabalharem nas propriedades, elas conheceriam a falência da produção. Também argumentava que a pobreza dos moradores era tal que não havia quem arrematasse o Engenho de São Bonifácio até aquele momento.125 Em outra carta de 4 deste mês ponderou Sua Majestade o muito que há de custar a executar-se a venda do Engenho de São Bonifácio, e das Casas da Vila de Alcântara, e também a aumentar-se as rendas de sorte que cubram as despesas pelo que se me ofereceu dizer agora a Vossa Excelência que ainda que os rendimentos venham em algum [tempo?] a crescer de modo, que com eles se façam as despesas, nunca o almoxarifado poderá desempenhar-se, quando o vejo gravado com mais de quatro anos de dívida, e que só se conseguirá, como me parece, se Sua Majestade se servisse de aplicar-lhe todos os bens do sequestro porque os que se não pudessem vender ficam sempre servindo de Patrimônio a Sua Real Fazenda, que está obrigada a pagar tantas, e tão indispensáveis despesas.126 A tabela a seguir, sintetizada dos originais, com valores corrigidos devido um erro de contabilidade nos originais, apresenta as dimensões da riqueza obtida pelos administradores após o sequestro, e eram números com os quais os jesuítas estavam acostumados. ANO 1760 1761 1762 1763 1764 1765 TOTAL ANO 1760 1761 1762 1763 1764 1765 TOTAL ANO 1760 1761 1762 1763 1764 1765 125 126 PROPRIEDADE Engenho de São Bonifácio de Maracum Engenho de São Bonifácio de Maracum Engenho de São Bonifácio de Maracum Engenho de São Bonifácio de Maracum Engenho de São Bonifácio de Maracum Engenho de São Bonifácio de Maracum PROPRIEDADE Engenho de Munim Mirim Engenho de Munim Mirim Engenho de Munim Mirim Engenho de Munim Mirim Engenho de Munim Mirim Engenho de Munim Mirim PROPRIEDADE Fazenda de Amanajuê Fazenda de Amanajuê Fazenda de Amanajuê Fazenda de Amanajuê Fazenda de Amanajuê Fazenda de Amanajuê AHU – 1761 Cx. 40 D. 3936. AHU – 1761 Cx. 40 D. 3938. PRODUTO 762$010 768$720 1: 033$560 651$230 238$630 3:675$590 7:129$740 PRODUTO 82$700 284$480 151$535 353$290 618$785 982$900 2:473$690 PRODUTO 343$610 497$950 314$900 500$970 ----------------959$310 DESPESA 155$560 24$770 --------------------------21$630 388$000 589$960 DESPESA -------------6$620 15$420 -------------5$560 198$600 226$200 DESPESA 8$600 8$300 22$030 204$600 -------------180$000 LÍQUIDO 606$450 743$950 1: 033$560 651$230 217$000 3:287$590 6:539$780 LÍQUIDO 82$700 277$860 136$115 353$290 613$225 784$300 2:247$490 LÍQUIDO 335$010 489$650 292$870 296$370 -------------779$310 58 TOTAL ANO 1760 1761 1762 1763 1764 1765 TOTAL ANO 1760 1761 1765 TOTAL ANO 1760 1761 1762 1763 1764 1765 TOTAL ANO 1760 1761 1762 1763 1764 1765 TOTAL PROPRIEDADE Fazenda de Anindiba Fazenda de Anindiba Fazenda de Anindiba Fazenda de Anindiba Fazenda de Anindiba Fazenda de Anindiba PROPRIEDADE Fazenda de São Brás Fazenda de São Brás Fazenda de São Brás PROPRIEDADE Fazenda de Pericumã Fazenda de Pericumã Fazenda de Pericumã Fazenda de Pericumã Fazenda de Pericumã Fazenda de Pericumã PROPRIEDADE Fazenda de Gerijó Fazenda de Gerijó Fazenda de Gerijó Fazenda de Gerijó Fazenda de Gerijó Fazenda de Gerijó 2:616$740 PRODUTO 236$250 166$190 287$600 105$200 ----------------213$500 1:008$740 PRODUTO 176$250 59$500 -----------------235$750 PRODUTO 89$340 123$690 63$180 121$670 337$920 667$845 1:403$645 PRODUTO 72$500 30$460 103$500 64$350 ----------------302$960 573$770 423$530 DESPESA 9$600 8$600 -------------53$100 -------------2$100 73$400 DESPESA 7$200 55$900 --------------63$100 DESPESA -------------12$300 --------------------------45$520 105$190 163$010 DESPESA -----------------------------------------------------------------92$000 92$000 2:193$210 LÍQUIDO 226$650 157$590 287$600 52$100 -------------211$400 935$340 LÍQUIDO 169$050 3$600 --------------172$650 LÍQUIDO 89$340 111$390 63$180 121$670 292$400 562$655 1:240$635 LÍQUIDO 72$500 30$460 103$500 64$350 -------------210$960 481$770 FONTE: AHU - Cx. 41 D. 4072 (de 1760 a 1764) / Cx. 42 D. 4108 apenas para o ano de 1765. Como já dizia Alexandre de Sousa Freire em seu inventário dos bens dos jesuítas em 1728, não era à toa que se chamava o Engenho de São Bonifácio de “famoso”. Como se vê era a propriedade mais próspera e lucrativa de todas. Sua produção principal era aguardente, que em média anual vendia de 1500 a 2000 quartilhos (750 a 1000 litros) do produto, gerando uma receita média de 200$000, que, adicionada pela produção de outros itens, tais como açúcar, cacau e banana, ampliava os valores. Sua venda foi realizada sob o pagamento de 200:000$000 réis, segundo D. Felipe Condurú Pacheco, que não diz quem comprou.127 Porém, no AHU – Projeto Resgate há duas cartas do governador ao Secretário da Marinha e Ultramar, seu tio Francisco Xavier de Mendonça Furtado sobre a venda do mesmo Engenho a João de Sousa de Azevedo, capitão-mor das demarcações de terra do Pará, pelo preço exigido pela Coroa de 200 mil cruzados no ano de 1765, ou seja, o mesmo valor indicado por Condurú Pacheco, sendo este o único lance feito no leilão, porque já havia sido ofertado anteriormente pelo capitão apenas 20 mil cruzados, quando escreveu ao governador querendo comprar o Engenho.128 127 128 PACHECO, D. Felipe Condurú. “História Eclesiástica do Maranhão”. p. 44. AHU – 1764 Cx. 41 D. 4066. / 1765 Cx. 42 D. 4107. 59 Ainda deve-se notar que os bens avulsos, ou móveis, sequestrados, que são escravos e gados, renderam ao Real Erário uma soma significativa. Rematados em praça pública, foram vendidos 221 escravos ao preço total de 20: 608$000 réis, e mais 4428 bois das fazendas do Rio Mearim e Pindaré que somaram 9:298$800 réis.129 CAIXA Deve Ao Engenho S. Bonifácio de Maracum Ao Engenho de Munim Mirim A Fazenda de Amanujuê A Fazenda de Anindiba A Fazenda de São Brás A Olaria de São Marcos A Fazenda de Pericumã A Fazenda de Gerijó As fazendas de gado do rio Mearim e Pindaré A fazenda de Iavaroca A fazenda de Periaçu [Turiaçu] As fazendas da Parnaíba, do Alegre* e bens rematados nas Aldeias Altas Aos bens pertencentes a Tapuitapera (Alcântara) Aos bens pertencentes ao seminário desta cidade Aos bens pertencentes ao colégio desta cidade 3:454$150 1:490$790 1:657$430 795$240 235$750 208$980 1:035$800 270$820 9:917$400 189$000 110$000 1: 436$915 292$950 50$370 4:349$740 25:495$335 Em dinheiro que se tem cobrado dos escravos que se remataram 10:837$637 E se recolhe no Cofre da Real Fazenda 25:495$335 Do cofre da Fazenda Real ao qual se recolheu 10:837$637 TOTAL 36:332$972 * O valor com o asterisco corresponde apenas à propriedade do lugar chamado Alegre FONTE: AHU - Cx. 41 D. 4072 (de 1760 a 1764) Há de haver 201$960 27$600 236$625 71$300 63$100 194$260 27$820 ---------------18$510 18$650 3$520 *19$650 ----------------------------2:122$600 7:535$595 A tabela foi montada em 1764, com todos os valores que haviam rendido a venda total ou parcial das propriedades, ou ainda dos seus efeitos, produtos nela fabricados. Também incluía os valores a receber, como se vê adiante. D. Felipe Condurú Pacheco diz que as demais propriedades estavam reduzidas a nada em 25 anos, rendendo no total 164 contos e 600 mil réis anuais.130 Como não usou notas em seu texto, fica difícil saber de onde tirou essa informação. Sabe-se, porém, da utilidade que os rendimentos do sequestro ofereceram para as dívidas do governo da Capitania à época. Outro ponto importante é que as terras não vendidas passaram ao poder estatal. Em um jogo complicado de situações, interesses e estratégias, o envolvimento do poder econômico das Ordens Religiosas nas questões políticas do Secretário dos Negócios do Reino era constante, pois aquela riqueza incomodava bastante o consulado pombalino. Como exposto na breve introdução deste texto, os jesuítas (e todas as outras ordens religiosas) 129 130 AHU - Cx. 41 D. 4072. PACHECO. Op. cit. p. 44. 60 construíram um império temporal, riquezas guardadas que se acumulavam nos cofres da Igreja, o que na visão do irmão de Pombal era prejudicial ao Estado. Essa relação entre os cofres da Igreja e do Estado absolutista pombalino e os conflitos dela decorrentes já foram esboçados por mim em uma etapa anterior desta pesquisa e que agora pretendo completar, mas não encerrar a discussão.131 Procurei analisar a distribuição das heranças, grandes ou pequenas, pelos testadores em seus testamentos a partir da publicação das Leis Testamentárias de 1766 e 1769, durante o consulado do Marquês de Pombal no Reino e o governo de Mello e Póvoas no Maranhão, a fim de desviar as fortunas que eram legadas às irmandades e ordens religiosas para os parentes e, em consequência ou na ausência destes, ao Real Erário. Com a publicação destas novas leis, no Maranhão, o movimento da riqueza dos moribundos para os cofres da Igreja manteve-se em relativa constância se considerados os números das doações pias em séries iguais. Mas se considerados todos os valores do período pós-leis, proporcionalmente houve redução das heranças às “religiões”. Ou seja, no período pós-leis, o quadro das doações feitas em testamentos aumentou significativamente, em valores em torno de 300%, devido à efervescência econômica promovida pela Companhia de Comércio na região, criada durante o consulado pombalino; mas esse aumento de doações decorrentes do enriquecimento dos testadores não significou o aumento proporcional das doações feitas às irmandades e ordens religiosas, ou aos religiosos em particular. Pelo contrário, a maior parte das doações ficou para pessoas leigas, em geral aparentadas dos testadores, conforme determinavam as novas leis. E a média de doações às ordens religiosas manteve-se em um conto e meio de réis. No caso do sequestro inicial dos bens e do absoluto confisco posterior pelo Estado daquelas propriedades, embora houvesse o interesse do Estado de se apoderar da riqueza construída pelos jesuítas em mais de um século no Maranhão, os representantes ou os agentes daquele Estado Absolutista também queriam obter uma parcela, ainda que pequena do lucro dos rendimentos. Sua punição foi rápida e segura, eliminando os interesses pessoais daqueles que deveriam trabalhar pelo interesse do Estado de D. José I. Ao contrário do que aconteceu na Bahia, onde boa parte do dinheiro obtido com o sequestro e com os rendimentos posteriores dos bens dos jesuítas foi enviada para a Corte, no Maranhão, a maior parte da riqueza seqüestrada foi usada para suprir as necessidades imediatas do governo local, 131 Artigo de minha autoria, publicado na coletânea “Religião e Religiosidades no Maranhão” (2011: pp. 209235), organizada pelo historiador Lyndon de Araújo Santos. O texto foi originalmente apresentado na primeira edição do Seminário de Pesquisa Religião e Religiosidade em 2010, sob o título “A Salvação, os Bens e os Herdeiros: as ‘últimas vontades’ no contexto das Leis Testamentárias de 1766 e 1769.” 61 conforme as sugestões feitas e acatadas pelo Rei. Mas isso só aconteceu durante a segunda administração do sequestro/confisco dos bens. Durante o governo de Lobato e Souza e sob a audição do Ouvidor Francisco Martins, os déficits foram enormes e nenhuma irregularidade foi constatada. Estranhamente, logo no início do governo de Mello e Póvoas e da audição de Cardoso e Meneses, grandes ladroeiras foram encontradas. Porém, já era tarde porque todos os agentes envolvidos no início do sequestro já haviam sido promovidos de cargo e movidos para a administração de outras regiões coloniais. Gregório de Meireles, por exemplo, que participou desde o começo não conheceu a mesma sorte. Muito provavelmente não conseguiu se enredar nos laços de poder costurados entre os altos agentes, ou então o laço rompeu ou desatou do seu lado, sendo penalizado por roubos contínuos no dinheiro dos rendimentos de parte dos bens, de que tinha ficado na responsabilidade. O dinheiro deveria ou ser remetido à Lisboa ou ser empregado nas necessidades imediatas do governo local, principalmente no pagamento dos salários dos “filhos das folhas”. Pode-se dizer ainda que a política de transferência de poder da Igreja para o Estado, drenada pelo consulado pombalino, obteve relativo sucesso, mas não sem problemas que tiveram de ser solucionados. De igual modo, a transferência da riqueza das religiões para os cofres do Estado na época foi algo concreto, como se observa pelo exposto. Na colônia (Maranhão) a política de autonomização do poder do Estado frente ao poder da Igreja aconteceu à semelhança do que ocorreu no Reino, pelo menos nas suas linhas gerais. Nas entrelinhas estavam os administradores das propriedades que retiraram dos rendimentos algum lucro para si, perturbando o processo de transferência referido, mas não o interrompendo. Em outras palavras, se era interesse do Estado português se apoderar da força política e administrativa da Igreja, ele o fez de várias maneiras: retirar a riqueza das religiões nas colônias foi uma das estratégias. Também, o papel do Bispo do Maranhão foi fundamental politicamente, porque usando da estratégia antiga de vassalagem, a submissão – que não tem nenhuma verdade de sentimento para com o superior, senão em prol dos interesses próprios – agiu publicamente, mas obteve benefícios privados. 62 No mais, os bens dos jesuítas ainda estariam à venda em praça pública pelo menos até 1777, no fim do governo de Joaquim de Mello e Póvoas.132 3.3. A Força de Trabalho Indígena Entre os Diretores e os Religiosos Com a abolição do poder temporal dos padres, os indígenas antigamente por eles “protegidos” passaram ao controle dos representantes do Estado português na colônia. A fundação de novas vilas e criação dos Diretórios no lugar das antigas Missões jesuítas marcaram esse período de mudanças político-sociais. Agora, como mencionado no final do capítulo primeiro, a força de trabalho indígena foi transferida das mãos dos religiosos para os agentes do Estado. O trabalho monográfico intitulado Escravidão, Índios e Diretorias no Maranhão Colonial (1755-1800), de Francisco José Rodrigues de Sousa, se deteve sobre os vários aspectos contidos nos mecanismos utilizados pela administração pombalina no Maranhão colonial e conseguiu sintetizar com êxito o sentido da transferência de poder da Igreja para o Estado, sobretudo, porque o poder se exercia sobre os povos indígenas submetidos ao controle eclesiástico antes e depois ao controle estatal. Observa que: Reiterada a disposição para garantir a liberdade dos índios, coube ainda ao governo português a criação de Vilas e de Diretórios que foram medidas adotadas pelo Marquês de Pombal para contrabalançar os locais antes administrados pelos missionários da Companhia de Jesus, ou seja, a institucionalização do governo temporal dos indígenas, mas ainda continuando com as práticas de evangelização e tendo os religiosos um papel secundário na direção dos índios.133 Nota-se assim, que a liberdade dos índios tinha um caráter muito mais simbólico do que prático. Em outras palavras, as leis pombalinas tão somente retiraram os nativos do poder dos religiosos regulares e os colocaram sob a tutela do Estado e de seus agentes. Porque “sob a condição de tutelador dos índios, ao Estado cabia também o compromisso de regular os trabalhos indígenas.”134 e aos indígenas cabia obedecer. As primeiras vilas começaram a ser fundadas com a tomada forçada das aldeias e fazendas pertencentes aos regulares, principalmente jesuítas, ainda em 1757, quando os 132 ______. Secretaria de Estado da Cultura. Arquivo Público. Retratos do Maranhão Colonial: correspondência de Joaquim de Mello e Póvoas, governador e capitão-general do Maranhão, 1771-1778. – São Luís: Edições SECMA, 2009. pp. 53-55, 60-62, 78-80, 93-95, 126-127, 134, 151-152, 209, 316-317. 133 Este trabalhou resultou de iniciação científica do autor, com fomento do CNPq, apresentado em 2002 ao Departamento de História da Universidade Federal do Maranhão. Citado à página 32. 134 Idem. p. 38. 63 regulares foram desabilitados do seu poder temporal pela lei de 7 de junho de 1755. O governador e Capitão-General noticiava ao irmão, Sebastião José de Carvalho e Melo, em 1757, que: Principiavam os religiosos da Companhia a fazer a entrega das aldeias, deixando nelas os insignificantes móveis que em outro aviso a Vossa Excelência, naquelas povoações que estão junto a esta cidade, dando-se me parte que nas aldeias mais distantes iam os seus missionários vendendo as canoas e gados e finalmente evacuando-as de todos aqueles bens que diziam respeito a elas, com uma total contravenção à ordem que no real nome de Sua Majestade havia participado aos prelados.135 E no lugar daquelas aldeias foram erigidas vilas novas, alem dos Diretórios. Agora, sem a ingerência dos regulares, todos esses lugares passaram ao controle episcopal. No Maranhão temos as Vilas dos Vinhais, de Viana, São José de Ribamar, Tutóia e Paço do Lumiar. Ainda na Capitania foram criados os Diretórios de Vinhais, São José de Penalva, Guimarães, Tutóia, Brejo de Anapurus, Pastos Bons, Viana. Francisco de Sousa nos diz ainda que “a tutela era uma naturalidade aceita como direito estritamente do Estado das formas de administrar a vida dos índios. Para cada Diretório havia um diretor responsável. Estavam na condição de tutores dos índios e administradores dos Diretórios.”136 Note-se, de passagem que embora fossem utilizados em conjunto, Vilas e Diretórios137 eram mecanismos diferentes de administração, onde as primeiras eram povoamentos civis formados majoritariamente por indígenas já civilizados e vivendo relativamente livres, e os segundos eram... [...] áreas de jurisdição e administração do Estado português sobre as habitações dos índios, onde se determinavam suas localidades assim como as suas atividades com relação aos trabalhos que podiam desenvolver em obras como de governo e de particulares, além dos serviços de evangelização [...] Se as Vilas se destinavam à criação de um ambiente social, os Diretórios se destinavam a regular o trabalho dos indígenas, pois estes substituíam o antigo Regimento das Missões de 1686.138 A criação das aldeias em Vilas trouxe a possibilidade de criação de novos cargos, como capitães, alferes, párocos, etc. Até mesmo, muitos indígenas ingressaram em carreiras militares, como Rafael Ale Rocha (2009) expôs em sua dissertação de mestrado, 135 MENDONÇA, Marcos Carneiro. Op. cit. Tomo III, p. 234. Idem, p. 44. 137 Apesar dos esforços, não achei nada que dissesse claramente que Vilas e Diretórios coexistiam sobre um mesmo local, mas ao que tudo indica, tanto pela bibliografia consultada quanto pela documentação analisada, Vilas e Diretórios ocupavam sim as mesmas localidades, com vistas aos objetivos explicitados. 138 Ver a dissertação de Rafael Ale Rocha, à página 93. 136 64 Oficiais índios na Amazônia Pombalina: sociedade, hierarquia e resistência (1751-1798). Porque isso era um mecanismo de ligação entre os interesses da Coroa e os indígenas que pretendiam continuar dominando. O poder dos Diretores estava reiterado pela autoridade concedida pela Coroa e, apesar de não poucos abusos cometidos devido a esse poder, esses funcionários eram punidos ou substituídos, mas o cargo de Diretor era mantido com todos os poderes que permitiram os abusos. Também... As autoridades eclesiásticas viriam a ganhar um papel administrativo e também atuavam como fiscais das ações dos diretores – apesar da lógica vigente, própria do Diretório, que promovia a separação entre as esferas de poder temporal (papel dos diretores, oficiais militares e das câmaras) e espiritual (função dos padres e missionários).139 Também, os “Principais” dos indígenas participavam da organização do poder no Diretório, mas em menor relevância. O desequilíbrio do poder entre as autoridades que compunham uma localidade, Diretor, Vigário e o Principal dos indígenas era algo constante e rendeu muitos problemas ao governador Joaquim de Mello e Póvoas, sucessor de Gonçalo Pereira de Lobato e Sousa, a partir de 1761. “As atividades dos Diretores nem sempre eram acompanhadas de boas maneiras, pois há diversos casos de violências praticadas contra os índios, o que o governo tentava coibir”140 Dentre os vários casos, cabe aqui citar dois para efeito de exemplificação. Na Vila de São Francisco Xavier de Turiaçu, em 1764, o vigário Frei Francisco de São José Nepomuceno foi acusado pelo Diretor Manoel Francisco Leiria, de abusar de todos, cobrando-lhes dízimos e mais ofertas, de modo que não podiam suportar tantos pagamentos, esvaziando-se de suas poucas posses. Usando do argumento de “atalhar” a situação, Mello e Póvoas escreveu ao Bispo para que esse tomasse providências quanto ao comportamento daquele vigário, das quais uma boa solução seria substituí-lo, ao que o Bispo prontamente se negou, acusando o governador de estar em atraso com as côngruas dos vigários de todos os lugares então recentemente formados pela administração do Secretário Carvalho e Melo. Em resposta, o governador enviou o Ouvidor Bruno Antonio de Cardoso e Meneses para a Vila, a fim de devassar o Diretor e todos quantos estivessem envolvidos em questões ilícitas. Das 30 testemunhas interrogadas, nenhuma proferiu nada sobre quem quer que fosse. 139 140 ROCHA, Rafael Ale. Op. cit. p. 94. SOUSA, Francisco de. Op. cit. p. 44. 65 Com este resultado, o governador considerou que a acusação do Diretor contra o pároco era “paixão particular”, destituindo-o do cargo, mas logo mudou de ideia quando recebeu a visita do Principal dos indígenas daquela Vila, acompanhado de algumas testemunhas. O governador escreveu ao tio Mendonça Furtado, agora Secretário da Marinha e Ultramar sobre o caso. Perguntando eu ao Principal, e aos mais índios a razão que a viram para não deporem na devassa que tirou o Ouvidor, aquilo mesmo que me diziam me responderam, que o vigário sabendo que ia lá o Ouvidor os praticava para que não dissessem nada dele: porém que depois continuava a vexá-los da mesma sorte, querendo que até das mesmas tartarugas que pescavam lhe pagassem premissas, e que por não poderem já suportar a sua ambição, e imprudência, se resolveram a queixar-se.141 A Vila de Turiaçu já possuía um novo Diretor, em substituição do antigo, e este continuava a delatar ao governador os abusos cometidos pelo vigário, que dentro em pouco foi substituído pelo governador, a contragosto do Bispo, porque sentiu sua jurisdição violada. Enquanto isso, na Vila de São José de Guimarães do Cumã, questões envolvendo o Diretor e o Vigário foram algo concreto. Nesse caso, não havia denúncia de um contra o outro, muito embora cada um estivesse atuando segundo seus interesses particulares e não segundo as obrigações de que foram incumbidos. O Ouvidor Bruno Cardoso abriu um processo sumário142 contra ambos os administradores, e segundo constou nos autos assinados pelas testemunhas, tanto o Diretor Francisco Pereira Portugal quanto o Vigário Frei Pedro de Santa Rosa abusam dos indígenas e deles procuravam retirar o maior proveito possível, fosse negociando materiais no caso do Diretor, fosse cobrando premissas em todo tipo de administração espiritual que fizesse sobre as almas das pessoas, no caso do Vigário. Este era mais violento do que aquele, porque além de cobrar mais do que a pobreza dos moradores permitia oferecer, os humilhava com “palmatoadas” publicamente e ainda os injuriava com palavras do tipo “bêbados, filhos do demônio”, etc., o que certamente não era recebido com alegria por ninguém. O Ministro ouviu sete testemunhas, todos homens, pessoas do mais alto nível social e econômico daquela Vila. Todos confirmavam unissonamente os desvios dos administradores, mas reconheciam que o Diretor cumpria bem o seu papel e o Vigário estava com a razão sobre os castigos, porque os índios “mereciam”, só porque não sabiam algumas orações da chamada 141 142 AHU – 1764 Cx. 41 D. 4060. AHU – 1764 Cx. 41 D. 4061. 66 Doutrina. A testemunha João Paulo Morais contou que o pároco obrigava os rapazes e as moças à Doutrina, e de tal modo usou o seu poder que terminou por constranger ao Mestre de Escola que trabalhava no ensino dos jovens sobre os conhecimentos da cristandade. Completamente submetidos, as crianças e os jovens eram privados de seus próprios pais, quando estes precisavam daqueles para ajudar em algum serviço necessário para o sustento na roça. Um dos casos que mais ecoou na Vila e foi notório a todos foi a prisão que Frei Pedro de Santa Rosa aplicou a um menino chamado Agostinho, durante quinze dias, porque o garoto não havia se desobrigado da Quaresma. Para a testemunha Caetano de Morais, a prisão do garoto teria durado um pouco mais, cerca de quatro meses. Demais disto, o vigário cobrava até pelo serviço de confissão dos moribundos, os quais se não tivessem meios de pagar, ficavam sem o sacramento e morriam sem perdão. Além disso, cobrava-se o dízimo de tudo o que se coletava e produzia na Vila, com castigos ou retaliações aos que não pagassem: uma opressão e tanto para pessoas pobres. Porém, o vigário apenas cumpria as determinações do bispo, que mandava pagar e cobrar a décima parte de tudo em sua Carta Pastoral de 20 de setembro de 1761: [...] cacau, café, salsa se a houver, cravo, gengibre, tabaco, algodão, mandioca, milho, arroz, feijões e mais legumes, pacovas e ananases, limões, melancias, e todas as demais frutas, couves, alfaces e mais hortaliças. Também de gado, galinhas, patos, perus e outros animais criados a mão, das tartarugas, que ainda que se comam seus cascos se aproveitam, e de todo o gênero de peixe.143 Na consciência dos parentes, amigos e vizinhos, segundo o governador, isso era um prejuízo espiritual irreparável. E desgostosos da situação, muitos se organizavam em grupos para voltar a viver na antiguidade das suas crenças, porque naquele sistema a vida não estava dando muito certo. No caso do Diretor Francisco Pereira Portugal, o seu comércio com os indígenas envolvia “peças de bertanhas, chapéus, facas, cintas para calções a troca de farinhas e algodões”, segundo Caetano de Morais. Isto foi confirmado por Amador de Campos, que acrescentou alguns itens à lista, tais como “sabões”. No mais, ambos argumentavam que a Vila seria muito frutífera se lá fosse instalada uma “feitoria de pesca”, porque o peixe era abundante e mal aproveitado. 143 A lista de itens a serem dizimados apresenta ainda muitos produtos, dos quais o excerto foi apenas para exemplificação. AHU – 1761 Cx. 40 D. 3941. 67 O Diretor foi preso em São Luís. Curiosamente, ele reapareceu no cenário administrativo em 1769, solicitando à Coroa “preferência” na aquisição de alguns bens sequestrados/confiscados aos jesuítas, que ainda não haviam sido vendidos. No requerimento, oferecia seis razões que o tornavam digno, mais do que qualquer outro requerente, de ser premiado com alguma coisa, das quais “a quarta, achar-me com 34 anos de serviço do rei sem nada que ofenda ao serviço”.144 Argumento um tanto interessante... O vigário conseguiu enganar o governador uma vez, usando do argumento de zelo, tendo inclusive prometido não mais repetir os ditos castigos, mas os repetiu e logo foi destituído pelo governador. Esses dois, dentre os vários casos em que os Diretores e Vigários se envolveram em desvios administrativos, servem como exemplo para mostrar a fragilidade real dos mecanismos de dominação estabelecidos pela política de Carvalho e Melo. Se a nova ordem das coisas havia transferido os indígenas da tutela da Igreja para a tutela do Estado, a fim de aproveitar a riqueza gerada por aquela mão de obra, a atuação dos agentes representava o que poderíamos chamar de “sanguessugas”: aproveitando a ordem para tirar algum proveito dela. O Secretário do rei contava com a ajuda mais próxima do sobrinho, Joaquim de Mello e Póvoas no governo da Capitania do Maranhão, contudo, isso não impedia os desvios, a manifestações das “paixões particulares” ou o uso do poder atribuído a certos prepostos para benefícios próprios. De modo que a atuação cotidiana dos agentes contradizia as ordens estabelecidas. Todavia, muito mais interessante ainda é notar que a atuação do governador na tentativa de coibir os abusos dos clérigos não contentou ao bispo, que considerou sua jurisdição invadida. Às substituições dos vigários feitas pelo governador... Opôs-se tenazmente, no entanto, D. Antonio de São José, dizendo-se melhor informado do caráter e comportamento de seus auxiliares e achando que, com isso, pretendia Mello e Póvoas não só lhe diminuir ainda mais a autoridade e usurpar-lhe as atribuições. Em verdade, porém, é ainda comentário do sempre autorizado César Marques [...] inimigo do governador, isto é, do Brigadeiro Lobato e Sousa, colocava-se ao lado dos padres, não ouvindo as vozes da razão e da justiça. (grifo nosso).145 A despeito dos juízos incrustados na citação, é clara a ideia de que o bispo se posicionava ao lado dos religiosos, independentemente de estarem certos ou errados. Ou seja, 144 145 AHU – 1769 Cx. 43 D. 4286. MEIRELES, Mario. Melo e Póvoas, Governador e Capitão-General do Maranhão. São Luís, SIOGE, 1974. p. 40. 68 não estava em jogo, a honestidade dos párocos, mas sim o poder do bispo, que sentia, sobretudo, ameaçado com a situação. E como estratégia para impedir os agentes de trabalharem contra a demissão de seus conservos de religião, usava do argumento da excomunhão, o que parece ter sido relativamente eficaz para os agentes, mas não para as determinações da Coroa. Assim como os jesuítas reagiram contra a progressiva desautorização que sofreram no final da década anterior, agora o Bispo, um homem de letras, formado em teologia, não parecia nada ingênuo aos interesses do governo metropolitano e da capitania, e muito menos aos acontecimentos que estava presenciando. Entretanto, sua reação cada vez mais evidente, logo o tornaria, junto a outros, inimigo de Estado, assim como os jesuítas, anteriormente. 69 4. “OS PADRES INIMIGOS COMUNS DO ESTADO” “Veio depois outro governador, que agora é General Joaquim de Mello e Póvoas, parente, posto que ilegítimo dos dois Secretários, e por isso favorecido sem mais merecimento. Ao gênio ambicioso de governar tudo juntou-se a lisonja de Ministros moços de primeira instância, e alguns oficiais mal procedidos: entrou no projeto de acumular em si um como monopólio de jurisdições, militar, civil, e também eclesiástica.” (Bispo D. Frei Antonio de São José) Nos dois capítulos anteriores ficou evidente que o poder da Igreja no Reino e no Maranhão, materializado em seus agentes, foi progressivamente desabilitado, porque o Estado português, ou mais especificamente o Consulado Pombalino avançou sobre o campo de atuação político-administrativo até então controlado pelos religiosos, como resultado de uma mentalidade iluminista, conjugada com uma teoria-prática chamada de Regalismo. No processo de “autonomização do poder real e de controlo por este de todos os movimentos do poder eclesiástico nos seus domínios”146, o “exagero” foi um mecanismo utilizado por Pombal e seus prepostos a fim de criminalizar a Companhia de Jesus por uma série de problemas com os quais não tinha ligação direta, aumentando assim o poder régio. O resultado foi a sua expulsão em 1759. E mais, em 1760, o Estado Português, controlado pelo ministro Carvalho e Melo, rompeu com a Cúria Romana, notícia que logo o Bispo fez espalhar pela capitania, dando a entender ao Rei que não questionava, mas que tão somente seguia as ordens inteiramente.147 O maior “prêmio” do sequestro dos bens dos jesuítas para o Estado foi transferir a força de trabalho indígena das mãos dos religiosos para o controle estatal, em um sistema de Vilas e Diretorias por vezes pouco eficaz, mas que de qualquer forma, não contava mais com a ingerência autônoma dos religiosos. Todo o espaço ocupado e controlado pela Igreja passou a ser ocupado e controlado pelo Estado. Agora, dependentes de côngruas, que atrasavam em vários anos, os padres se tornaram auxiliares na missão de civilizar os nativos. Porém, apesar das determinações que 146 FRANCO, 2006 147 AHU – 1761 Cx. 40 D. 3962. 70 encaixavam cada qual no seu lugar de administração específico, a realidade cotidiana nas Vilas destoava seriamente das normas, porque tanto os padres que atuavam como vigários das Vilas quanto os seus Diretores, administradores régios, procuravam tirar o maior lucro possível da situação. Das inúmeras brigas surgidas, os religiosos saíram perdendo, castigados pelo governador [e muito condenados] nas suas cartas, dirigidas ao tio e Secretário de Estado da Marinha, Mendonça Furtado. Porque em geral, o governador se posicionava favorável aos Diretores, muito embora também os castigasse pelos desvios administrativos. Essa direção tomada pelo governador Joaquim de Mello e Póvoas, atraiu, com efeito, a inimizade do Bispo D. Antonio de São José, que por sua vez, favorecia os seus pares, e ainda reclamava que sua jurisdição era continuamente violada por aquele governador. Uma forma relativamente eficaz de atrasar ou atrapalhar os processos contra os religiosos era a ameaça de excomunhão daqueles funcionários régios que estivessem diretamente envolvidos na questão. César Marques nos conta que, devido a esta oposição do Bispo – “não ouvindo as vozes da razão e da justiça” – e à confusão supostamente criada pelo desserviço de alguns padres, El-Rey enviou uma carta a Mello e Póvoas, alertando para que “vigiasse cuidadosamente o governador e continuasse a dar conta dos padres revoltosos, inimigos comuns do Estado”.148 Parte dessa frase consta no título deste terceiro capítulo, com uma intenção: mostrar o comportamento de alguns agentes da Igreja frente à política de Sebastião José de Carvalho e Melo. Eles reagiram, mas sua força não era páreo para o poder dos agentes do Estado, sobretudo àquela altura do campeonato, do qual já havia sido expulso o “corpo poderoso” (Companhia de Jesus), nos termos de Mendonça Furtado. Em outras palavras, se o maior representante do poder eclesiástico havia sido removido, qualquer outro não poderia resistir, se fosse o caso de precisar eliminá-lo também. O poder dos agentes do Estado estava cada vez mais forte frente aos religiosos. Ainda que se conte a história dos padres no período, em geral são os que aderiram às diretrizes do Marquês de Pombal, ou quando se conta a história dos que não aderiram, se conta que foram eliminados. Porém, ambas as observações são óbvias, porque de certo modo, a historiografia reproduziu a forma dos acontecimentos. Em outras palavras, se deteve em analisar como se desenvolveu a política e administração pombalina, tornando evidente a ação dos que estiveram ao lado dela, e não dos que se opuseram. Porque, ao que parece, os que se 148 MARQUES, 1970, p. 343. 71 opuseram tão somente foram eliminados, sem poder reagir ou usar de meios possíveis de reação direta ou indireta. Nesse sentido, inclusa a metáfora do eclipse, evidenciou-se o tempo todo o objeto eclipsante (Consulado Pombalino/Estado Português) e o eclipsado (Igreja) foi perdendo imagem, espaço e poder, ou seja, autonomia. É como se o fenômeno estivesse sendo observado sempre de longe, onde apenas se vê um lado de cada objeto, sendo que apenas um lado do objeto eclipsante está em evidência: o outro lado, obscuro, está voltado para o objeto eclipsado, que por sua vez, pode visualizar diretamente o que se esconde para que ele seja deixado para trás. Nesse sentido, se faz necessário não mudar o ponto de observação do fenômeno (Maranhão), mas sim usar de um mecanismo de observação “telescópico”, que nos permita ver o caso por outro ângulo. A olho nu, a observação é direta e o cenário visual está disposto como já demonstrado. Observando a partir de instrumentos documentais que contam outra versão da história, podemos contornar a formação e posição dos poderes em questão, e ver o lado escondido do objeto eclipsante (Estado e seus agentes) e o testemunho ou reclamações do objeto eclipsado (Igreja e seus agentes). Não porque um ou outro esteja certo ou errado, seja o vilão ou o mocinho da história, mas porque se traz para o centro da observação a contradição entre as partes, permitindo uma compreensão mais substancial do problema. 4.1. Escândalos e Disputas Político-Religiosas em São Luís As rivalidades entre as autoridades, sobretudo, entre autoridades com jurisdições diferentes, na segunda metade do século XVIII no Maranhão não foram poucas, e motivos aparentemente toscos, ridículos ou mesquinhos eram elevados ao nível de questões sérias. Mario Meireles elenca uma série desses eventos ocorridos entre o governador e o bispo. Porém, não menciona senão fatos isolados, dando um parecer favorável ao comportamento do governador, condenando indiretamente as atitudes do bispo. Comprou uma versão dos acontecimentos, aquela contida nas correspondências administrativas de Joaquim de Mello e Póvoas e demais autoridades aliadas. Porém, há outros inúmeros documentos produzidos pelos padres, argumentando em prol das suas causas e acusando a tirania do governador. Dentre estes, há um em especial, que nos apresenta outra versão daquela história, de modo geral, mas não esquecendo os detalhes. Texto que será explorado ao máximo aqui. A epígrafe do início deste capítulo é um dos seus parágrafos. 72 A ocorrência daquele texto é de suma importância para uma compreensão mais arrazoada da história ora (re)contada, porque põe em evidência a contradição entre o discurso do governador e demais funcionários régios... E até mesmo da historiografia regional! É pela contradição dos argumentos e dos fatos que se pode chegar a uma interpretação mais substancial. Joaquim de Mello e Póvoas que, em 1764, escreveu149 a Mendonça Furtado, na qual declarava que a carta que: [...] recebi, toda cheia de sólidas doutrinas e puras verdades, fico inteiramente instruído do que devo obrar sobre os particulares que elas contém, podendo segurar a Vossa Excelência, que dos seus documentos me não hei de afastar nunca, pois conheço que todos se encaminham ao serviço de Deus e de Sua Majestade, e que seguindo-os não posso errar. (grifo nosso) Estas “sólidas doutrinas e puras verdades” a que o governador se referia ao instruir “os eclesiásticos mais sábios e tementes a Deus, e mais caritativos” para empregá-los no benefício espiritual dos povos sob seu comando. Por outro lado, deveria o governador “prevenir que estes eclesiásticos não tenham a infelicidade de ter amor aos bens temporais”. Seguindo o comentário, dizia que isto o fazia “desmaiar inteiramente”, porque não havia encontrado um religioso que não tivesse dado provas do seu amor pelos bens temporais, referindo-se principalmente aos párocos das Vilas, que usavam do seu ofício para oprimir aos nativos, por cujos serviços espirituais cobravam valores altos e no limite, de modo que os indígenas não poderiam pagar e ficavam em prejuízo espiritual. Destes vários casos, o governador apenas excetuava o padre Frei Antonio da Conceição, que à custa das suas próprias esmolas da missa comprava panos e ferramentas para os nativos Gamelas. No mais, o governador completava: Não é também menos escandaloso nos mesmos eclesiásticos a falta de humildade, pois sempre neles comumente tenho concluído uma demasiada altivez, e por isso parece-me que estou desobrigado de escrever a Vossa Excelência em ofício, nem ainda particular a favor de nenhum deles. Quanto porém aos que cometerem escândalos públicos contra o serviço de Deus e de Sua Majestade, protesto por na presença de Vossa Excelência todos aqueles que delinqüirem assim como já nesta ocasião o faço de alguns que me parecem dignos de castigo para exemplo dos mais. (grifo nosso) E encerrou dizendo que havia três anos estava à frente daquele governo sem, até àquele tempo, ter recebido as “insinuações” [recomendações] do seu tio Mendonça Furtado, e 149 AHU – 1764 Cx. 41 D. 4069. 73 que por isso se considerava “cheio de defeitos”. “Porém se eu merecer a Vossa Excelência que me continue o favor delas, sem dúvida hei de acertar, porque as hei de seguir inteiramente, e assim servirei bem ao meu Rei, e darei gosto a Vossa Excelência [...]” (grifo nosso). Os “escândalos públicos” a que o governador se referia não eram poucos. E todos com um sentido político relacionado direta ou indiretamente à rivalidade dos agentes régios e eclesiásticos, porque ora um agente cometia um excesso, ora a jurisdição do outro era invadida. Um deles foi o caso do testamento do padre Francisco Pereira de Lacerda, no qual o principal envolvido foi o então Vigário Geral João Rodrigues Covette, porque criou problemas com o Juiz de Fora Inácio Barbosa Canais de Abreu na execução das determinações testamentárias; e contra o qual o Ouvidor em exercício150 Bruno Antonio de Cardoso e Meneses procurou tomar providências na Justiça Real.151 Obteve como resposta a admoestação enérgica do Bispo ao padre.152 Outros casos giravam em torno da questão indígena, com a qual alguns religiosos ainda estavam às voltas. Uns se aproveitavam da situação para tirar proveito particular. Carmelitas e Mercedários se metiam continuamente em escândalos por causa de escravos indígenas denunciados de estarem ainda em seu poder. Outros ainda resistiam à Lei de Abolição do Poder Temporal, como é o caso dos prelados da Província da Conceição. Sobre os tais, o governador dizia a Mendonça Furtado: Meu tio e meu senhor, mil vezes beijo a mão de Vossa Excelência, pelo amor e distinta honra com que me favorece na instrução que me dá a respeito dos prelados da Província da Conceição, e mais religiosos desta Capitania a qual eu tanto necessitava porque na verdade vivia ignorando a necessidade com que aqueles padres se opuseram à Lei da Abolição do Governo Temporal e a Santíssima Lei das Liberdades fazendo os infames requerimentos que Vossa Excelência me diz, e parece-me que Vossa Excelência conhecera que só tivera notícia de tão abomináveis circunstâncias não falaria a favor daquele comum nem uma só palavra pois agora que as sei fico certo de que ele se faz indigno da menor atenção.153 Mas a tendência das coisas caminhava para o agravamento, porque o governador cada vez mais interferia nos termos e na jurisdição eclesiástica. Tudo isso se tratava daquela 150 Só seria nomeado Ouvidor definitivamente em 1763, conforme o Decreto de 6 de novembro daquele ano. AHU – 1763 Cx. 41 D. 4043. Essa nomeação se deveu em parte, à influência do Cardeal de Lisboa e irmão de Carvalho e Melo, Paulo de Carvalho e Mendonça, com o qual Bruno Cardoso mantinha algum relacionamento de parentesco obscuro, conforme escreveu em 1766. AHU – 1766 Cx. 42 D. 4162. Bruno Cardoso logo entraria no ânimo do governador Mello e Póvoas. 151 AHU – 1761 Cx. 40 D. 3967. 152 AHU – 1761 Cx. 40 D. 3971 153 AHU – 1764 Cx. 41 D. 4052 74 “prevenção” administrativa, mencionada pelo Secretário da Marinha, Mendonça Furtado, anteriormente mencionada. Mario Meireles aponta o seguinte: Prevenção que logo se transmudaria em animosidade porque o novo governante, louvado naturalmente nos direitos do regime de padroado, entendeu de se imiscuir na escolha dos vigários, para exigir a retirada daqueles que não considerava à altura do sagrado ministério por seus escândalos de vida.154 Em 1764, o governador ainda escrevia a Mendonça Furtado, contando o caso do cônego João Marques, que negociava grandes quantidades de farinha na capitania. Certa vez, a cidade de São Luís experimentou uma grande falta deste gênero alimentício, ao que o governador providenciou passar ordens ao Diretor da Vila de Guimarães, Francisco Pereira Portugal, de quem já tratamos aqui, para que se carregasse a produção de farinha para remetêla à cidade. Tomando conhecimento daquela notícia, o cônego João Marques se antecipou aos oficiais do governo, chegando primeiro àquela Vila, e carregando toda a produção de farinha, que redundava em 260 alqueires dos produtores locais, em geral indígenas “civilizados”. O religioso pretendia vender aquele carregamento na cidade a um preço mais alto do que no interior do continente, como era costume. Apesar da intervenção do Diretor, pouco conseguiu fazer para impedir aquele negócio, que foi finalmente barrado pelo governador, que mandou prender no armazém da cidade, muito provavelmente o da Companhia de Comércio, e ordenou o pagamento pelo produto ao padre, mas seguindo o preço praticado na Vila de Cumã, o que o padre não aceitou. Sobre esse caso, faz necessário lembrarmos aquela Representação155 citada no início deste capítulo, escrita pelo Bispo D. Antonio de São José. Naquele texto, o Bispo diz que o governador: A casa do bispo mandou por um barqueiro repreender o cônego que nela assistia, porque comprou fora da cidade vinte alqueires de farinha da terra para a família do Bispo, e pobres. Era o caso que por ordem do governador andavam um seu criado feito atravessador, comprando farinha pelas terras de Cumã para as vender por maior preço em outras partes e o pior é, publicando que o lucro se repartia entre o governador, e Ouvidor, como assim juraram 154 155 MEIRELES, 1974, p. 40 Este documento está datado de 1760, mas é evidente que essa data está errada, porque pelo seu conteúdo, nota-se claramente que ele foi escrito muito tempo depois, porque é dirigido à rainha D. Maria I, e menciona o tempo da demissão do Marquês de Pombal, reclamando que o governador do Maranhão, seu sobrinho, deveria ser retirado do cargo, para que a Igreja do Maranhão fosse aliviada da tirania com que ele agia, imitando o seu tio. Projeto Resgate – AHU – 1760 Cx. 40 D. 3904. 75 testemunhas, e se fez público na cidade, que no mesmo tempo se queixava da fome, e carestia da farinha.156 Esta é a primeira vez, em todas as fontes estudadas, documentais ou bibliográficas, em que a honestidade do governador Joaquim de Mello e Póvoas é questionada. Além desta Representação, que elenca uma série de denúncias de desvios políticoadministrativos do governador Joaquim de Mello e Póvoas, louvado por todos os seus contemporâneos subalternos da Capitania do Maranhão, e exaltado pela historiografia local, há outra Representação, escrita e assinada por pessoas abastadas de Alcântara e São Luís, que enviaram à Rainha D. Maria I, assim que souberam da notícia da queda de Pombal, denunciando a tirania do governador e a opressão que praticava a todos mediante a Companhia de Comércio, imitando o seu tio, Marquês de Pombal.157 Sem contar que a notícia da demissão de Pombal provocou ridicularizações públicas do referido governador na capitania. Esta visão de que a administração pombalina (e seus agentes) foi honesta perpassa toda a historiografia local, o que parece não ser completamente verdadeiro. Mas isso não era tudo. Conforme a epígrafe do início do capítulo, Mello e Póvoas conseguiu submeter todos ao seu poder, criando o que o Bispo chamou de “monopólio de jurisdições”, de modo que não havia quem o contestasse, ou se o fizesse, ficasse ileso. E ainda é muito particularmente curioso o caso da farinha, porque o lucro era repartido entre o governador e o ouvidor, pessoas tidas como da maior seriedade, metidas em “escândalos públicos”. Mas parece óbvio que, sendo isso uma ocorrência verdadeira e não mera invenção do Bispo, esta notícia jamais teria chegado com esta versão à Coroa ao tempo do seu governo, senão no final, quando de fato a Representação do Bispo chegou à rainha. Igualmente, ao que parece, a questão trabalhada no final do segundo capítulo, sobre os problemas havidos entre Diretores e Párocos das Vilas, as atitudes do governador e o posicionamento do Bispo, apresentava mais problemas do que imaginado. Segundo o argumento do Bispo em sua Representação: Quis um índio do Cumã casar-se com uma índia de outra povoação, e pedindo-lhe licença ao governador, este despachou assim: O reverendo pároco case o suplicante com a índia. Assim o referiu pessoa grave, que leu o despacho, estranhando, que o desse quem não era vigário geral. Era vigário daquela vila chamada de Guimarães Frei Pedro de Santa Rosa, religioso capucho de exemplar procedimento, e exação no ministério pastoral. Negava os sacramentos aos públicos amancebados. Era diretor dos índios um tenente mal procedido que por ordem do governador no ano de 156 157 Referência da Representação. AHU – 1778 Cx. 52 D. 5017 76 1764 remeteu para a cidade mais de cem índios por duas vezes com dois róis deste título = Relação das pessoas que vão para o Maranhão por ordem do Senhor Governador, por não cumprirem com o preceito da obrigação = Remeteu o governador os róis ao cura da Sé para que se desobrigassem, feito exame da doutrina; mas sem se ouvir o próprio pároco, que sabia melhor o estado das suas ovelhas, que estavam sem se desobrigar no mês de setembro do dito ano. (grifo nosso) Note-se que a intervenção do governador na jurisdição espiritual era algo visível, que desagradou a todos quantos dela era os responsáveis. Autorizar casamentos não era atribuição dos governadores, mas dos vigários. Aquele Frei Pedro de Santa Rosa, tido como um mau pastor das suas ovelhas – que oprimia aos indígenas, cobrando-lhes dinheiro além do que poderiam pagar por serviços espirituais que deveriam ser administrados gratuitamente ou conforme a consciência do cliente ditasse recompensar – parece não apresentar nenhum defeito, porque segundo diz o bispo, era aquele padre de “exemplar procedimento”. Já no que se refere ao Diretor Francisco Portugal, não passava de um “tenente mal procedido” que, aliás, estava aliançado com o governador. Durante esses acontecimentos, o Bispo, apesar das tentativas, não conseguiu evitar a invasão da sua jurisdição, como já tem sido exposto longamente. Porém, isso não o impediu de mesmo assim manifestar sua opinião sobre o caso. Uma característica marcante da sua atuação é que foi se distanciando progressivamente dos interesses da política de Carvalho e Melo, o que foi provocando o aumento dos seus embates com o governador. Mario Meireles, contando outras polêmicas ocorridas entre as referidas autoridades, comenta o seguinte: E assim, com questiúnculas de tal porte – pelo recrutamento de um sacristão, por um soldado não ter feito a Páscoa por estar doente, pela nomeação de um membro do coro! – desentendiam-se, espicaçavam-se e afastavam-se ofendidos, cada vez mais, o Governador e o Bispo.158 Estas “questiúnculas” poderiam ser chamadas segundo as palavras do governador Mello e Póvoas: “paixões particulares”; porque em todos os casos mencionados por Meireles – que não são os que foram citados aqui, não passavam de desinteligências pequenas e pessoais, mascaradas por ambos os lados como problemas de jurisdição. Como mencionado no início deste capítulo, Mello e Póvoas parece ter utilizado a mesma fórmula do tio, o “exagero” nas noticias, nas causas, nos problemas, de modo que sempre o sujeito em questão parecesse culpado. 158 MEIRELES, 1974, p. 43 77 É claro que aqui não demos conta de todos os escândalos e todas as querelas ocorridas naquele tempo. Apenas elencamos algumas, a partir das quais seja possível enredar a trama que vem sendo contada e discutida aqui. 4.2. A “Excomunhão” do Governador e o Castigo do Bispo Para recordar alguns problemas entre as autoridades, tivemos o caso do El-Dourado Maranhense,159 no qual estavam envolvidos dois padres durante o governo de Lobato e Sousa, a expulsão dos jesuítas, na qual o bispo se viu contrariado em alguns aspectos e a invasão de jurisdição do governador Mello e Póvoas nas decisões de caráter eclesiástico, sobretudo no que se referia aos párocos das novas Vilas. Em todo esse tempo e durante o desenvolvimento de cada uma destas questões, o Bispo D. Frei Antonio de São José procurou todos os meios possíveis e cabíveis para agir, de modo que tivesse sua autoridade respeitada, e participasse como em tese deveria ser, em pé de igualdade das decisões administrativas, ainda que dentro da sua jurisdição. Esse comportamento do bispo, em tentar contornar as ações do governador, fez com que os ânimos se animassem cada vez mais. Mas um fato em especial se tornou decisivo quanto ao lugar de cada um e, mais especificamente, quanto ao poder de cada um. Porque embora atuassem em áreas jurisdicionais distintas, mas aliadas, um deles estava em desvantagem. Sobre o fato mencionado, sigamos alguns relatos daquela ocasião. D. Francisco de Paula e Silva diz que... Dias depois foi visitar o senhor Bispo; este, porém, levado por zelo intempestivo, disse-lhe coisas pesadas, chamando-o de “perseguidor da Igreja, que vivia em pecado, estava excomungado, e possesso do Diabo.” Quem afirma é o próprio Joaquim de Mello e Póvoas, em carta enviada à Corte para se queixar desse procedimento descortês, desatencioso e violento do Bispo [...]160 (Grifo nosso) Mario Meireles diz que... Tempos passados, sabendo que D. Antonio doente, foi o governador fazerlhe uma visita de cortesia, sem dúvida na convicção de que essa iniciativa facilitaria uma aproximação amistosa. Recebeu-o mal o prelado, todavia e, no curso da conversa, já exaltados os ânimos, acusou-o de, por sua impiedade, ser o causador de seus males, talvez de sua morte próxima a continuar com suas provocações; e, ao fim da conversa, que se transformara 159 Essa expressão é usada por D. Francisco de Paula e Silva, em seus Apontamentos Para a História Eclesiástica do Maranhão, à página 127. 160 SILVA, 1922: p. 129 78 em violenta altercação, declarou-o em pecado mortal, excomungado e possesso do Diabo.161 (Grifo nosso) Nas duas citações, os autores fizeram um breve relato do momento, atribuindo ao bispo certa violência e indelicadeza no trato da questão com o governador que, por sua vez, foi a única voz ouvida por Silva e por Meireles. Nesse caso, para contradizer o dito e publicado, precisamos ver o outro dito, porém desconhecido. D. Antonio de São José, em sua Representação à rainha D. Maria I (1777-1816), que temos explorado aqui. Sobre o caso, ele diz que... O Promotor de Justiça deu notícia ao Bispo que por ordem do governador iam soldados da cidade a prender o vigário do Mearim. Vindo no mesmo dia o governador visitar o bispo, este com os termos mais corteses lhe propôs a pena que lhe causava aquela notícia. Atalhou o governador a prática, dizendo: não falemos nisso, se não vou-me embora. Instou o bispo, que devia falar no que respeitava a liberdade da igreja, e tornou a receber a mesma resposta já mais impaciente com algum movimento para se levantar: Aqui julgou o bispo que devia paternalmente instruir e admoestar esta sua ovelha. Disse-lhe que perturbava e usurpava a jurisdição eclesiástica, que por vezes tinha incorrido em censuras por esta causa. Levantou-se agarrado e dizendo que ia absolver-se: mas foi os termos poucos civis, com que se portou. Assim se publicou o que sucedeu entre ambos sem mais testemunha, do que o mesmo que não contou sinceramente o caso. (Grifo nosso) Deu conta ao Ministério segundo a fama que correu no Maranhão, também a Câmara da cidade deu conta contra o Bispo, pois entre os vereadores alguns eram militares contra as ordens reais, que os proíbem e sumamente aditos ao governador, que por este modo também ali dominava. Veio no mesmo tempo a Lisboa o tenente Valentim Ribeiro, como doméstico, e empenhado procurador da causa. O bispo sem ser ouvido foi desterrado e levado para o convento de Santo Agostinho de Leiria por um corregedor. (Grifo nosso) A versão que o bispo apresenta é particularmente curiosa. Ela evidencia pelo menos dois pontos, que confrontados com o que se sabia do caso, geram falhas na história até então contada. Conforme grifado, o governador contrariado pelo comportamento do Bispo, que não menciona tê-lo excomungado, subiu à Coroa com argumentos falsos, ou se exagerados, confirmados pelo Senado da Câmara, no qual tinha grande influência, já que o caso não tinha testemunhas por ter ocorrido em ambiente privado. Era a palavra do governador... Apenas. Mais ainda, o bispo não teve a oportunidade de se explicar, como de fato não se encontra registro de uma interpelação da Justiça da Coroa ao religioso sobre essa questão, muito menos qualquer carta por ele escrita em sua defesa, que não esta Representação tardia. Sabe-se tão 161 MEIRELES, 1974: p. 43 79 somente que foi chamado para o Reino em 18 de julho de 1766, para onde se dirigiu em fevereiro do ano seguinte.162 Não havendo notícia da real excomunhão do governador – porque este continuou a satisfazer e praticar sua religião e a exercer sua autoridade sem qualquer tropeço – considero não passar de uma invenção discursiva, porque foi útil e eficiente para eliminar um opositor. Porém, uma parte da fala do Bispo, no ato de admoestação do governador quanto aos seus procedimentos contínuos de invasão de jurisdição eclesiástica, é muito interessante. Segundo os relatos, quando o Bispo chamou o governador de Perseguidor da Igreja, emendou que este “vivia em pecado”. Essa acusação é muito contraditória, quando o próprio Mello e Póvoas se apresentava como um modelo de religioso, casto e devoto de Nossa Senhora do Carmo, honesto administrador e possuidor de refinados costumes. Esta imagem é, aliás, enfatizada por Mário Meireles, em seu estudo de cunho biográfico daquele governador, quando diz que... [...] procurando seguir à risca os conselhos epistolares do tio Ministro e sua política anticlerical, procurava pautar em rígidos e inflexíveis princípios tanto sua vida pública quanto a privada [...] Óbvio se afigura que, em tais circunstâncias, um homem casto e virtuoso, austero e autoritário, como dizem seus contemporâneos que era o novo governador, não poderia tolerar, e muitos menos da parte dos Ministros de Deus, escândalos, imoralidades e sórdidos interesses [...]163 (Grifo nosso) A política pombalina não era, como se sabe, anticlerical e sim antijesuítica e, no limite, contra o poder temporal dos religiosos, não contra os religiosos diretamente, porque os principais responsáveis pelo germe ideológico do processo de laicização que se assistia eram os religiosos da Congregação do Oratório e os padres jansenistas, que ganharam força em Portugal após a expulsão dos jesuítas. Ao contrário do que Mario Meireles apontou, o Bispo denunciou o desvio do governador – caso já citado – em agir em interesse particular, ao intervir no comércio da farinha realizado por um padre, de modo que um subalterno seu pudesse praticá-lo livremente, recebendo parte dos lucros. Demais disto, da sua religião ninguém duvida, mas da sua castidade sim. Aliás, o bispo não apenas duvidou como afirmou claramente que o governador havia tido uma filha com uma mulher, a qual o governador queria casar com um parente dela, muito provavelmente um primo, para encobrir a publicidade do nascimento da menina. 162 163 SILVA, D. Francisco de Paula. Op. Cit. p. 129. MEIRELES, 1974: p.40,41 80 Ele deu conta contra o Padre Pedro Barbosa Canais, que foi governar o bispado na ausência do Bispo por ordem real, e queixa-se o dito padre, que a origem ou causa de perder o lugar foi não querer dispensar, para que se casasse uma mulher, de quem o dito governador teve uma filha, com um parente dela em grau dirimente. (Grifo nosso) Quanto ao autoritarismo do governador, o bispo repete exaustivamente o “despotismo” e “tirania” de Mello e Póvoas em todos os aspectos e muito particularmente nos assuntos referentes à Igreja no Maranhão. Logo, não parece óbvio, como até agora parecia, que o governador tenha agradado a todos. Além desta Representação do Bispo, há outra, escrita e assinada por pessoas abastadas de Alcântara e São Luís, que enviaram à Rainha D. Maria I, assim que souberam da notícia da queda de Pombal, denunciando a tirania do governador e a opressão que praticava contra todos mediante a Companhia de Comércio, imitando o seu tio, Marquês de Pombal. O governador permaneceria ainda no cargo durante dois anos após a demissão do seu tio, sendo ridicularizado publicamente na cidade durante esse tempo. 164 No mais, o Bispo ainda acusava ao governador, como se vê adiante. Ausente o bispo, conformou-se o governador no seu despotismo. Militares, ministros de justiça, cabido da catedral, clérigos, povo tremiam ou lisonjeavam. Ele por seu arbítrio decidia as causas: ele mandava derrubar casas para compor as ruas: ele tirava parte da cerca pertencente a Igreja para ampliar um terreiro: ele aumentou as casas da sua residência, que já por serem grandes, se chamavam Palácio, com novas obras supérfluas, e com detrimento dos Ministros da Igreja, e soldados, que tinham necessidade de pagamentos: ele ordenou, ou aprovou, que os administradores da Companhia de Comércio pagassem as côngruas dos Ministros da Sé com panos para eles os passarem; coisa indecente. Ele acabou com o cabido, que se lhe pusesse almofada na Sé, que juntamente em observância dos estatutos o bispo lhe negou. Ele ordenou por carta sua aos religiosos de Nossa Senhora das Mercês que elegessem três religiosos, que nomeava para comendadores (isto é, prelados) dos três conventos que há no Maranhão, ameaçando-os, se assim o não fizessem com o termo aliás. Ele mandou prender um marinheiro por se casar sem sua licença. Ele ouvidas as queixas de dois casados, que mutuamente se acusavam perante ele, decidiu, que se separassem. [...] Ele por não dizer mais, um pároco, e religioso capucho tirou da igreja, e remeteu para o seu convento, onde esteve preso por ordem sua. Destas coisas teve notícia o bispo assim por cartas do Maranhão, como também pelos ditos de pessoas que vieram a esta corte para receber ordens sacras, ou para outros negócios, conspirando todo, que é governador despótico.165 164 165 Esta Representação é mencionada algumas linhas atrás, neste capítulo. Mesma Representação que vem sendo trabalhada. 81 Não foram poucos os casos reclamados, mas afinal das contas, no tempo em que esta Representação foi feita, o bispo já não corria nenhum risco. Por fim, cabe registrar o que D. Francisco de Paula escreveu sobre o castigo do Bispo, a quem já demos muita voz aqui. Não vemos a proporção entre a descortesia do Bispo para com o governador, e o castigo (pois castigo era) do seu chamado à Corte para se justificar. A nosso ver isso foi apenas uma ocasião favorável de que lançou mão o astuto e matreiro ministro de D. José, que não podia perdoar a simpatia do Bispo do Maranhão pelos seus figadais inimigos, os Jesuítas, e a oposição que fez à expulsão desses beneméritos Filhos de S. Inácio, quando a declarou injusta, visto faltar para um ato dessa natureza consulta prévia da Santa Sé e ordens positivas do Rei de Portugal. Mas, naquele tempo, ninguém se opunha impunemente às vontades do prepotente Ministro sem lhe sentir logo as iras. O modo como o senhor Bispo foi recebido em Lisboa por D. José e seu exílio por dez anos em Leiria bem provam que não eram somente as rixas com os governadores que lhe atraiam essa desgraça...166 Mas antes de se retirar do Maranhão para a Corte para se explicar, quando na verdade foi exilado sem explicação, D. Antonio de São José procurou meios de deixar um aparentado seu em boa condição na capitania. Trata-se do cônego João Pedro Gomes, que foi empossado proprietário do ofício de escrivão da Câmara Eclesiástica. Em novembro de 1766, foi concedido ao padre José Antonio Martins o direito de trabalhar no ofício de escrivão, porém, em seguida se assinou outra provisão, concedendo o direito de posso do ofício ao cônego Pedro Gomes, com a condição de que o serventuário, ou seja, quem ocupasse o cargo, deveria pagar 4$008 réis ao mês. Quem disponibiliza esses dados é o vigário geral Barbosa Canais em sua carta pastoral, aquela que supostamente havia sido destruída, conforme dito no primeiro tópico do primeiro capítulo deste trabalho. Na verdade, uma cópia daquele texto se salvou pelas mãos do próprio vigário, acusado de tê-la rasgado em migalhas pelo cônego Pedro Gomes.167 Esse lugar do ofício de escrivão na Câmara Eclesiástica estava na origem da briga entre o cônego Pedro Gomes e o Vigário Geral Barbosa Canais, apresentada no início deste trabalho. Leiria (o lugar do exílio) era o Bispado para onde D. Miguel de Bulhões (antigo desafeto do bispo D. Antonio de São José) foi nomeado pelo Ministro Pombal, como recompensa da sua tarefa de “Reforma”, leia-se “destruição” da Companhia de Jesus na América Portuguesa setentrional. Também, a despeito da clara e aberta defesa que D. Francisco de Paul faz do Bispo D. Antonio de São José, e da condenação repetitiva do Marquês de Pombal e seus prepostos, ele traz em seu comentário observações importantes e 166 167 SILVA, D. Francisco de Paula. Op. Cit. p. 130. AHU – 1769 Cx. 43 D. 4243 82 aqui interessantes. Um deles foi a oposição que o Bispo ofereceu ao governo após a expulsão da Companhia de Jesus, aspecto aqui já amplamente explorado. Os outros dois são a situação de quem se opunha àquela política, fosse clérigo ou não; e sobre o tratamento dado ao Bispo. Daquele combate político por parte de Pombal e seu irmão, e teológico por parte dos oratorianos e jansenistas, os jesuítas saíram derrotados, como sinal da eminência do Estado sobre a Igreja, sobretudo se considerados aqueles padres que se submeteram à política pombalina. Fortalecia-se o Estado em comunhão com uma nova Igreja nacional, submetida ao poder laico. Todavia, para, além disso, esse desdobramento histórico é significativo para entender que a política pombalina resultou de influências ideológicas de seu tempo e, ao mesmo tempo, orquestrou mecanismos para reduzir o poder temporal da Igreja, enquanto o transferia para o rei ou o Estado.168 No sentido de um embate político entre os agentes do Estado português e os agentes da Igreja, fica evidente agora a situação de quem se opunha à administração do Ministro Carvalho e Melo. No caso particular do Bispo D. Antonio de São José, foi exilado em Leiria durante dez anos, só saindo de lá quando da demissão do Marquês de Pombal. Mal tratado e exilado, o Bispo não dispunha mais de nenhum poder, uma vez destituído na prática do seu poder eclesiástico, das suas imunidades e qualquer privilégio, como o de escolher o seu substituto, por exemplo. D. Francisco de Paula e Silva era por direito canônico, o poder de escolha do substituto do bispo.169 O que não surtiu efeito algum. Como dito pelo próprio prelado, uma vez ausente do seu poder, único com força suficiente para se opor de forma relativamente eficaz, o governador se conformou em seu “monopólio de jurisdições”, submetendo a todos os agentes do Estado e da Igreja, com certo favor àqueles em detrimento destes. Porém, um “monopólio de jurisdições” não era algo exclusivo do governador Joaquim de Mello e Póvoas. Isso era um problema local. Ao nível imperial, seu tio também detinha um poder parecido, aliás, muito mais expressivo e sempre confirmado pela Real Mão. Com este poder aumentado, El-Rey nomeou o cônego Pedro Barbosa Canais, doutor em Teologia, para substituir ao bispo do Maranhão, usurpando definitivamente a jurisdição eclesiástica, levando à máxima expressão a doutrina corrente do regalismo, amparado pelo Padroado Real. 168 No Antigo Regime, as monarquias eram absolutas. Portanto, o Estado era personificado no rei. Disso é exemplo a célebre frase do rei da França (1643-1715), Luís XIV, “O Estado sou eu”. 169 SILVA, D. Francisco de Paula e. Op. cit. p. 137. 83 Se voltarmos um pouco para fazer uma breve lembrança, o bispo acusou em sua Representação que os problemas que este substituto, nomeado Vigário Geral pelo Cabido da Sé de São Luís às ordens do Rei, encontrou com o governador, foram causados pela promiscuidade deste com uma mulher, sem nome. E se voltarmos um pouco mais na história que estamos acompanhando, foi contra este Vigário Geral, Doutor Pedro Barbosa Canais, que o governador escreveu em 1768 ao seu tio, Secretário do Ultramar Francisco Xavier de Mendonça Furtado, acusando o Vigário Dr. Barbosa Canais de criar sérios problemas no governo do Bispado do Maranhão, de quem trataremos agora. 4.3. “Imprudente, Arrebatado e Brigão” Como dito no primeiro tópico do primeiro capítulo deste trabalho, o lugar reservado nas obras clássicas de História do Maranhão e da Igreja no Maranhão para este personagem é um tanto diminuto. Até aqui acompanhamos a briga dos agentes do Estado com os agentes da Igreja no Maranhão. Porém, os governadores do Bispado também eram agentes do Estado, conforme o Padroado. Não acompanhamos, como de fato não seria possível, como a mesma história se desenvolveu no Reino senão por comentários superficiais. Porém, as repercussões entre os acontecimentos da Corte e do Maranhão não foram poucas; uma relação entre estas partes e o que aconteceu em cada uma é perfeitamente plausível, considerando-se as devidas proporções, é claro. Assim, pode-se lançar mão de um argumento para esta etapa da análise em questão, como sugerido desde o início: não parece óbvio que o Vigário Geral Pedro Barbosa Canais tenha sido meramente um agente eclesiástico “imprudente, arrebatado e brigão”, como foi adjetivado pela historiografia local. Não parece óbvio um comportamento ingênuo como esse, vindo de um homem letrado, e certamente muito consciente de tudo o que havia afetado sua Igreja e religião recentemente. Principalmente porque veio nomeado pelo rei, segundo uma prática nova, vigente segundo o pensamento iluminista-regalista então corrente e a prática efetivada de nomeação de prelados diocesanos no período pombalino pelo poder régio e não papal, como apontou José Pedro Paiva, citado na introdução deste trabalho. 170 Porque estamos tratando dos padres declarados inimigos do Estado, já demos voz ao Bispo. Agora vejamos o que tem o Vigário a dizer e em contradizer ao governador e seus agentes aliados. Não se trata de tomar o discurso dos religiosos como verdade histórica, em 170 PAIVA, José Pedro. Os novos prelados Diocesanos Nomeados no Consulado Pombalino. In: PENÉLOPE, n° 25, 2001, pp. 41-63. 84 substituição do discurso dos agentes do Estado. Porque assim como temos dito que a historiografia local, nomeadamente, Mario Meireles, comprou a versão dos tais agentes, se apoiar no discurso dos agentes da igreja seria “trocar seis por meia dúzia”.171 O que interessa, ao observar o que os religiosos tem a dizer sobre o que viveram naquele tempo, é por em evidência a contradição dos interesses e das versões contadas. Tanto o Doutor Vigário Capitular quanto o Bispo atribuíram uma opressão dos agentes do Estado, sobretudo a partir do governador Mello e Póvoas, sobre a Igreja no Maranhão. E ambos apontaram a origem dessa situação na expulsão dos jesuítas, o que, aliás, faz todo sentido. Era do interesse do Consulado Pombalino – e todos os seus prepostos estavam cuidadosamente orientados – a não aceitação de qualquer poder temporal dos religiosos. Com o vácuo criado pela expulsão dos jesuítas, foram criados uma série de instrumentos e mecanismos para substituir aqueles agentes da evangelização católica e da colonização portuguesa na América. Nem sempre eficientes para os fins para os quais foram criados. A Igreja sede da Companhia de Jesus foi seqüestrada e transferida para o controle episcopal de São Luís, tornando-se a nova Sé da cidade. O colégio contíguo foi posto para habitação dos religiosos. No mais, igrejas, aldeias ou Missões povoadas por indígenas, fazendas de gado e escravos passaram à administração estatal. Mas esse foi o ápice de um primeiro momento de esvaziamento do poder temporal da Igreja. O segundo momento foi a nomeação dos prelados diocesanos diretamente pelo soberano português, porque havia rompido com a Cúria Romana, e a esta nenhum religioso poderia mais recorrer. O Bispo do Maranhão, ao notar esse desenvolvimento das coisas, procurou de variadas formas, impedir as decisões que julgou abusivas e jurisdicionalmente invasivas por parte do governador. Porém, sua reação ao esvaziamento do poder eclesiástico lhe rendeu o exílio em Leiria, no Reino. Assim como foi indicado pelo Consulado Pombalino, este nomeou diretamente Pedro Barbosa Canais para o lugar de Vigário Geral e Governador do Bispado do Maranhão, em substituição do bispo exilado. E também assim como o bispo, o vigário geral estava alerta à situação eclesiástica, muito embora estivesse muito mais pronto para reagir do que para cuidar em não cair no desgosto do governador, “perseguidor da Igreja”. 171 Ouvi essa frase ser repetidamente proferida pelo professor Josenildo de Jesus Pereira (Depto. de História – UFMA), ao tratar das questões escravistas, sociais e culturais africanas e das armadilhas que devem ser desativadas quanto aos usos de conceitos e prática cotidiana, durante a graduação. 85 Seguindo, de certo modo, o raciocínio criado para aquele cenário político administrativo e religioso pelos antigos autores com os quais se discutiu aqui, este trabalho apontou inicialmente o Vigário Geral Barbosa Canais como o causador de algumas polêmicas no Bispado, cujo ápice foi a publicação de uma suposta Carta Pastoral, publicada no púlpito em um dia de missa, quando havia muita gente na Igreja. Prontamente, o cônego discriminado naquela Carta, interpôs cinco agravos contra o Vigário Geral172, no que foi muito bem “assessorado” pelo Ouvidor Bruno de Meneses, a cuja causa se juntou o governador Joaquim de Mello e Póvoas. Os três contra o dito vigário, de modo que por força da quantidade de sujeitos em um partido ou causa contra outro sozinho, e a força dos seus argumentos geram uma inclinação que faz crível a culpa do que está sozinho. Todavia, tendo em vista o exposto pelo bispo em sua Representação, aqui apresentada, muita gente em prol de uma causa não a torna verdadeira, porque se sabe da influência do governador junto a vários setores da administração e da sociedade naquela época: um “monopólio de jurisdições” forjado no seio de um “despotismo e tirania” imitadores do comportamento do Ministro Carvalho e Melo, seu tio. Eis uma visualização clara do eclipse dos poderes, onde o(s) eclipsado(s) perde(m) vez e voz. O que vem se tentando fazer aqui é contornar essa formação e visualizar a situação do eclipse do poder do Estado sobre o poder da Igreja, materializado nos seus agentes, a partir de um ângulo diferente mediante instrumentos novos (documentos aparentemente desconhecidos ou ignorados), mas sem sair do ponto de observação, a Capitania do Maranhão. No caso deste Vigário Capitular, Dr. Pedro Barbosa Canais, segundo relatou em uma de suas correspondências ao Secretário da Marinha e Ultramar, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, no início do seu governo no bispado não houve qualquer problema. Foi muito bem recebido pelo governador e por todos de bom agrado. As felicidades que experimentei na minha viagem me anunciam ditosos progressos no governo deste Bispado, para onde Vossa Excelência foi servido mandar-me: nem posso duvidar da assistência das divinas Luzes 172 Aqui cabe um esclarecimento. Segundo o Regimento do Arcebispado da Bahia, então vigente, o Vigário Geral era o substituto do Bispo e governador do Bispado. Nessa condição era também o Juiz do Tribunal Eclesiástico. Como suscitado no início do trabalho, a justiça eclesiástica estava ausente nessa briga interna entre dois padres: essa ausência se justifica pelo fato de o cônego João Pedro Gomes estar denunciando o próprio Juiz Eclesiástico. Não faria sentido algum o Vigário Geral abrir um processo contra ele mesmo. Daí o cônego ter solicitado apoio na Justiça Régia, desembocando nessa situação toda. 86 para o acerto, reconhecendo, que a Ilustrada inteligência de Vossa Excelência me destinou para este Sagrado emprego. Cheguei, com efeito, a esta cidade de São Luís em 35 dias; do Navio fui conduzido à praça pelo sargento mor do regimento e saudado aí pelo Ilustríssimo Senhor Governador [...] acompanhei ao dito Senhor até o Palácio Régio da sua residência, aonde me determinou não só a hospedagem, mas também assistência, enquanto se não põem hábil a minha habitação no Colégio, que foi dos jesuítas.173 (Grifo nosso) Como vínhamos dizendo acerca da suspeita de que o Doutor Pedro Barbosa Canais não era ingênuo aos acontecimentos recentes, temos nesta citação acima uma evidência muito forte. O elemento que indica o racionalismo ilustrado está na expressão “ilustrada inteligência” que o vigário empregou ao se referir aos atos acertados do Conde de Oeiras, o ministro Carvalho e Melo, a quem se dirigia. Mais interessante ainda é que seu relato aponta que as relações iniciais pareciam muito amistosas. O próprio Cabido testemunhou acerca da aceitação de todos, governantes e prelados, em relação ao novo Vigário Geral: Pela Real Carta de vinte e cinco de abril do presente ano foi Vossa Majestade servido participar-nos que para negócio de suma importância mandara ir a esse Reverendíssimo e Excelentíssimo Bispo desta Diocese, e que na ausência do mesmo nomeamos ao Reverendo Doutor Pedro Barbosa Canais para reger a dita Diocese como Vigário Capitular: o que sem demora executamos, cedendo, no sobredito Reverendo Doutor Pedro Barbosa Canais toda a jurisdição, que tínhamos e podíamos dar por direito: em virtude do que deu juramento em nossa presença, de que se fez termo, e está exercendo, e governando esta Diocese com grande aceitação de todos.174 (Grifo nosso) Como grifado, no final da citação, “com grande aceitação” era o estado geral daquele religioso em relação ao lugar para o qual foi nomeado e assim se manteve durante um tempo, inclusive no relacionamento com o governador, como citado. Porém, sendo ele conhecedor da situação eclesiástica naquele momento, com sua jurisdição invadida ou agravada pelo poder temporal do governador, não demorou a que aquele quadro de aceitação virasse pelo avesso. O historiador Mario Meireles comenta o seguinte. Além de tudo isso, permitimo-nos acrescentar, estúpido de inteligência pois que, vindo por escolha d’El-Rey, não se compreende que, em aqui chegando, entrasse a provocar ao Governador que, sobre ter naturalmente o prestígio do cargo, tinha mais o de ser sobrinho do onipotente Primeiro-Ministro; e provocá-lo com ridicularias como a de negar-lhe, em cerimônia religiosa na Sé, o lugar especial que lhe assegurava o protocolo ou a de anunciar a venda das alfaias e vasos da Catedral, sob o pretexto de estar passando fome pelo atraso no recebimento da côngrua. E não só o governador se indispôs com ele; também o Ouvidor Geral, contra o qual representou, às autoridades 173 174 Projeto Resgate – AHU – 1767 Cx. 42 D. 4180. Projeto Resgate – AHU – 1767 Cx. 42 D. 4179. 87 superiores na metrópole, alegando que estava indevidamente reformando decisões suas e com o próprio clero quando, por exemplo, mandou proibir a tradicional procissão do Santíssimo Sacramento que há cento e quarenta anos os carmelitas faziam realizar em São Luís [...]175 Ao escrever esta história, Mário Meireles tinha plena consciência de que o governador estava de fato invadindo a jurisdição eclesiástica desde o governo do Bispo D. Antonio de São José. Porém, seguindo a razão do governador Mello e Póvoas, não vê que sua atuação era abusiva e transgredia os limites do seu poder temporal. A reação do Bispo e do Vigário Capitular não era estupidez de inteligência, mas ações racionais contra o abuso administrativo de Mello e Póvoas. Afinal, enquanto autoridades, não poderiam ficar parados vendo o seu poder ser minado por uma autoridade cujo poder se limitava a outra jurisdição, a temporal, e não e a espiritual. O texto de Meireles é particularmente curioso, quando usa de termos e expressões carregadas de conotação valorativa ou pejorativa para cada personagem em questão. Segundo tudo o que se acompanhou até agora, não parece que o vigário tenha “provocado” o governador com “ridicularias”. Antes usou do seu poder para por limites àquela invasão jurisdicional. Ao que parece, o governador construiu o seu poder local muito mais através do medo que metia em todos, “monopolizando” as jurisdições graças ao parentesco que mantinha com o Ministro Plenipotenciário, que se transformava em prestígio. Era claro e aberto o apoio que Carvalho e Melo oferecia ao seu sobrinho. Como mencionado anteriormente, bastou o Marquês de Pombal cair na Corte, que logo um grupo de pessoas importantes de São Luís se levantou contra o governador, acusando-o de tirania e opressão. Era uma reclamação que ficou em silêncio durante dezesseis anos. E antes de ser retirado do cargo, o governador teve de suportar ainda durante dois anos aberta rejeição dos senhores locais, porque não havia mais quem o amparasse com poder: os laços foram desatados, porque a sustentação no poder central cessou. Outro ponto a se notar é que a venda em praça pública de alguns bens da Catedral, feita pelo vigário capitular, não era um simples “pretexto”. De fato, seus salários, assim como significativa parte da folha eclesiástica viviam em atraso. No caso do Ouvidor, não parece menos verdade que de fato estava “reformando” algumas decisões do vigário. Não foi à toa que o Ouvidor Dr. Bruno Antonio de Cardoso e 175 MEIRELES, 1977, p. 152 88 Meneses escreveu176 ao arcipreste da Patriarcal de Lisboa, Paulo de Carvalho e Mendonça (tio do governador), reclamando do comportamento de alguns Ministros em assuntos religiosos, dizendo que estes agiam de modo sutil e, em muitos casos, negavam castigos aos religiosos que ele, Ouvidor, elevava ao Juízo da Coroa como culpados por crimes diversos. Bruno Cardoso dizia que aqueles Ministros agiam mansamente com tais religiosos porque tinham medo da excomunhão – que de fato era um mecanismo que poderia ser usado contra eles e que servia de modo eficiente para ameaçar e fazê-los retroceder em suas decisões condenatórias. Porém, este Ouvidor parecia estar mais bem informado do que aqueles Ministros de quem reclamava: conviveu com um governador excomungado pelo Bispo. No final das contas, aquela excomunhão parece não ter tido a menor validade, já que o bispo foi suspendido dos seus poderes. Condenar os padres que eram elevados ao Régio Tribunal não parecia um risco concreto de excomunhão. Até aqui temos feito algumas considerações sobre a unilateralidade do discurso feito sobre a relação entre os agentes do Estado e os religiosos. Considerações que não podem ser confundidas pelo leitor, de forma alguma, como uma defesa dos padres. O esforço lógico que vem sendo empregado aqui não é valorizar um em detrimento do outro, mas equilibrar os argumentos, pondo em evidência a visão daqueles que foram destituídos, desacreditados e retirados dos cargos que ocupavam, em um processo que temos aqui chamado de “eclipse”. Em outras palavras, os agentes da Igreja, outrora detentores de um grande poder temporal, foram ofuscados, deixados para trás pelos agentes do Estado, que passaram ao controle de uma significativa área de atuação político-administrativa. Para o último caso citado por Mario Meireles quando resumiu algumas confusões nas quais o vigário se envolveu com autoridades régias, temos a proibição da procissão do Santíssimo Sacramento se fundava no fato de, embora fosse tradicional, não possuía licença diocesana para ser realizada. Devemos lembrar que esta era a religião do governador. “Desatendido, o Doutor Canais publica do púlpito da Sé suspensão contra toda a comunidade carmelita fora de sua igreja”177 Aliás, este vigário tinha por costume tratar dos assuntos nos quais se envolvia do mesmo púlpito da Sé, onde publicava Pastorais contra qualquer um que o desobedecesse ou lhe criasse problemas. Porém, essa reação veemente do vigário terminou por levá-lo a cair no descrédito dos fiéis, dos clérigos e dos próprios parentes.178 176 AHU – 1769 Cx. 43 D. 4253. PACHECO, 1969, p. 59. 178 PACHECO, idem. 177 89 No mais dos casos, passamos agora à briga com o cônego João Pedro Gomes, porque esta foi relativamente extensa, se comparada com os outros acontecimentos mencionados, muito embora tenha sido quase na mesma época. Este embate se iniciou quando o vigário capitular Barbosa Canais retirou o direito do padre Pedro Gomes de receber o pagamento mensal de 4$000 réis, porque era tido como proprietário do ofício de escrivão da Câmara eclesiástica em São Luís, desde o ano 1766, quando o bispo D. Antonio de São José foi chamado à Corte. Quem servia no lugar de escrivão era o padre José Antonio Martins. Sentindo-se agravado, Pedro Gomes interpôs recurso junto à Ouvidoria, no que foi plenamente auxiliado pelo Ouvidor, também recebendo ajuda com a intervenção discursiva do governador Mello e Póvoas. Disto tratamos no início do primeiro capítulo, onde foi apresentada uma versão parcial da briga iniciada entre o cônego Pedro Gomes e o Vigário Geral Barbosa Canais, por causa, principalmente, de uma Pastoral publicada pelo Cura da Sé, padre Bernardo Beckman, sob ordens do Vigário, na qual supostamente o cônego sofria injúrias por parte do vigário. Estas injúrias e acusações de “crime atrocíssimo”, como dito pelo cônego parece ser a denúncia feita pelo vigário de que a posse do ofício de escrivão não era legítima, mas fraudulenta. Naquele tópico inicial do primeiro capítulo, foram feitas algumas observações e questionamentos, dos quais alguns já foram respondidos, restando outros pontos a serem observados ainda. O recurso interposto pelo cônego junto ao Tribunal da Coroa teve resultado favorável para este, porque apresentou um documento, escrito pelo bispo, no qual garantia a sua posse sobre aquele ofício. Neste caso, temos um indício do que poderia ter sido a intervenção do Ouvidor nas sentenças do vigário geral, neste caso contrariado. Em vistas disso, usou da publicação de outra Carta Pastoral no púlpito da Sé contra o Ouvidor e contra o cônego Pedro Gomes. Apesar de estes sujeitos terem dito que a referida Carta fora destruída pelo Vigário, este, contudo, apresentou uma cópia daquele documento ao Secretário da Marinha, Mendonça Furtado.179 Em uma carta dirigida ao Secretário do Ultramar, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, o Vigário Barbosa Canais expôs os males a que estava sujeito e as atribulações porque passava. De início tratou de deixar claro que o sossego no qual havia sido recebido era algo aparente, porque o fanatismo havia infectado a todos na Capitania. Fanatismo, segundo este, que havia sido iniciado contra os jesuítas e depois da sua expulsão, não cessou, antes foi 179 AHU – 1769 Cx. 43 D. 4243. 90 transferido para outros religiosos que usassem do seu poder em prol de qualquer causa. E um ponto bem observado pelo Vigário em seu texto é que as brigas e confusões que se instauravam eram resultado da intriga promovida pelo padre João Pedro Gomes. Segundo contou, aquela posse que este padre tinha do ofício de escrivão na Câmara eclesiástica se sustentava em um documento falso que, embora escrito pelo bispo, não possuía validade alguma por não ter sido registrado, nem tornado público. Foi apenas um produto interno de uma articulação familiar, já que o cônego Pedro Gomes era parente do bispo D. Antonio de São José. Outrossim, o comportamento do cônego frente ao vigário é apontado por este como sendo motivado pela inveja de ver o lugar do seu parente ser ocupado por um estranho e agora inimigo. A partir daí, o cônego achou pretexto para criar embaraços e ver minado o poder e a jurisdição eclesiástica que estavam sendo exercidos pelo vigário Barbosa Canais. Assim sendo, declarou fraudulenta a posse daquele ofício por parte do cônego em sua Carta Pastoral. Indignado com aquela publicação, o cônego Pedro Gomes tratou de interpor mais cinco recursos contra o Vigário geral, no que foi atendido com desvelo pelo Ouvidor. Acusação de fraudar um documento era o “crime atrocíssimo” que o exagero fez o Ouvidor escrever. Quando o escrivão da Ouvidoria em São Luís, João Mendes da Silva foi entregar as cópias dos recursos ao Vigário, este teria proferido “blasfêmias” contra o Ouvidor, segundo o testemunho do governador. Constando-me que esse vigário capitular Pedro Barbosa Canais, levando-lhe o escrivão da Coroa cinco autos de recurso, rompera em blasfêmias, sem razão alguma contra o Ouvidor e Juiz da Coroa Bruno Antonio de Cardoso e Meneses, pois que é certo a não podia ter para semelhante excesso, tanto pelo cargo, que ocupa, como pela bondade, inteireza e desinteresse, jurisprudência de que é dotado esse Ministro; e para que eu pudesse por na presença de Vossa excelência autenticamente esta verdade lhe disse mandasse passar uma certidão pelo escrivão da Coroa do que tinha ouvido ao mesmo vigário capitular, e é inclusa, em que verá também Vossa excelência que para dar aqueles autos o não fez se não dali a quinze dias: o que tudo prova bem absolutamente o prelado.180 João Pedro Mendes foi colocado como testemunha das injúrias proferidas pelo Vigário contra o Ouvidor. No seu testemunho, ele não diz exatamente que tipo de “blasfêmias” foram proferidas pelo Vigário, mas afirma que foram todas “injuriosas”. O Vigário, por sua vez, nos diz o contrário, que não havia um recurso não qual não era injuriado. Combalido eu e atacado pelos poderes da minha jurisdição não tenho já mais que aquele que me permite o Juízo da Coroa, e se me revogam todas as sentenças, e despachos sem dito, nem justiça, mais do que pelas leis da sua 180 AHU – 1769 Cx. 43 D. 4252. 91 [do Ouvidor] vontade: o que pode averiguar dos processos afeitos ao dito Tribunal. [...] Quando saiu o primeiro agravo deste cônego julgando-lhe a posse a propriedade do ofício do auditório eclesiástico: desejando eu conseguir uma concórdia por meio do arbítrio, o tentei por via do chantre e se me deu a repulsa conforme as cópias do n° 5: à vista do que para mostrar ao povo a minha reta intenção de vê acatarem as discórdias: saí com a pastoral copiada no papel do n° 6 aonde também vão cópias das provisões respectivas ao mesmo ofício: o que daqui resultou foram mais cinco agravos que no dia seguinte da publicação da pastoral me vieram juntos para responder, animados com tanto [atrevimento] e esperado de arrogância que a pastoral chamou expresso, e a um edital chamou cartel...181 Força e violência são alegadas de ambas as partes, de modo que não dá para dizer quem tem razão, até porque isto não é papel do historiador. Interessa compreender os argumentos e a força que tiveram naquele momento. O vigário apontou ainda o medo e a lisonja que se fazia entre a “classe da nobreza” em relação ao governador; também tornou a mencionar o atraso do pagamento dos seus salários, tendo que por à venda alguns bens para poder suprir a alimentação mais básica. Menciona também em sua correspondência o caso de um padre do Parnaguá, “por fabricar banhos falsos, injúria a um vigário da vara e fugido de cadeia.”182 Mesmo ordenando que o dito padre fosse preso, este interpôs três recursos à Ouvidoria e foi solto por ordens do governador. Depois de solto, o dito padre foi hospedado na casa do Ouvidor.183 Em todos os momentos, temos a justiça secular atuando em todos os casos citados dentro do período aqui compreendido. Os padres possuíam foro privilegiado184 e, portanto, deveriam ser julgados pela justiça eclesiástica, mas em nenhum momento esta é evidenciada. As mesmas Constituições baianas previam pena “de excommunhão maior ipso facto incurrenda, e de sincoenta cruzados para despezas da Justiça e acusador”531 se qualquer pessoa, não importando a dignidade, grau e condição, fizesse ou ordenasse qualquer coisa que fosse prejudicial a imunidade eclesiástica, a liberdade das Igrejas e das pessoas eclesiásticas ou usurpasse e embargasse a jurisdição eclesiástica, impedindo que seus ministros usassem dela livremente. Ao que se acrescentava que era proibido aos juízes seculares que procurassem “trazer a seu juízo, e tribunais as pessoas ou communidades Ecclesiásticas de nosso Arcebispado; nem 181 Mesmo documento da nota anterior. AHU – 1769 Cx. 43 D. 4243. 183 Estas informações estavam fragmentadas e divididas entre o documento da nota anterior e o 38° quesito da História Eclesiástica do Maranhão, de D. Felipe Condurú Pacheco. 184 MENDONÇA, Pollyanna Gouveia. Parochos Imperfeitos..., p. 154. UFF, 2011 tese de doutorado. 182 92 conheçam de suas causas crimes, ou cíveis de qualquer qualidade, ou quantia que sejão”.185 Para este caso, em seu recente estudo de doutorado, a historiadora Pollyanna Gouveia Mendonça, após apresentar o excerto acima, aponta que havia exceções na justiça civil, quando esta poderia interferir na jurisdição eclesiástica e julgar os religiosos, desde que a causa estivesse sob uma Igreja do regime de Padroado. “Muitas vezes as autoridades seculares justificavam suas investidas contra o poder eclesiástico evocando a soberania do rei.”186 Pelo visto, estas exceções foram a regra no período pombalino no Maranhão. A invasão do poder estatal sobre a jurisdição eclesiástica foi tamanha, como longamente demonstrado, que se tornou a regra. Quanto às legislações, determinações e regimentos quaisquer, na prática não tiveram muito efeito. O período aqui estudado foi apenas um exemplo. De tempos em tempos, o poder real avançava sobre a jurisdição eclesiástica, usando de um recurso chamado de “temporalidades”. Segundo D. Francisco de Paula e Silva... O Recurso ou Agravo à Coroa é um expediente de que lançou mão o poder temporal para influir, dominar e subordinar o poder eclesiástico em suas decisões, sob o pretexto de que ao Soberano temporal cabe o dever de proteger seus súditos da opressão e violência. [...] Finalmente, governando os Felipes, o excesso do século XIV se transformou em direito e foi regulado pela nova legislação preparada no fim do século XVI, a despeito dos protestos de Roma. Mas nesta mesma legislação, mau grado o espírito que a dominava, algumas hipócritas deferências ainda se guardavam com o poder eclesiástico. Essas deferências foram pouco a pouco caindo em desuso, dominando em Portugal as doutrinas jansenico-galicanas no século XVIII, e sobretudo no reinado de Rei D. José, do que é suficiente demonstração o alvará de 18 de janeiro de 1765, expedido em ódio da Autoridade Eclesiástica, com que não poucos arbítrios se praticaram no Brasil e outras colônias portuguesas.187 Bem se viu aqui alguns exemplos acerca das tais temporalidades. Por fim, não podemos deixar de saber da opinião pessoal do Ouvidor Bruno de Cardoso, um dos envolvidos diretos nas confusões mais recentes. Em uma carta dirigida ao arcipreste da Patriarcal de Lisboa, Paulo de Carvalho e Mendonça, com quem tinha um relacionamento familiar indeterminado, fez alguns comentários interessantes. Este Paulo de Carvalho era irmão do Marquês de Pombal e do ex-governador e Secretário Mendonça Furtado e tio do governador Joaquim de Mello e Póvoas. O lugar de Ouvidor na Capitania do 185 MENDONÇA, Pollyanna Gouveia. Op. cit. p. 154 e 155. Idem, p. 156. 187 SILVA. Op. cit. p. 86 e 87. 186 93 Maranhão foi conseguido pelo padre Paulo de Carvalho, segundo consta no mesmo documento. Porque tenho a honra de ouvir da Coroa nesta capitania o vigário capitular me tem inquietado de sorte em recursos que dela se tem a Junta da mesma Coroa, que nem [com armas] do mesmo Rei me posso defender das suas imposturas, e das suas sátiras com que responde aos ditos recursos, que os Ministros da Coroa são perseguidores da Igreja, que [aumentam] em desatinos, que são fanáticos, compara-os com Pilatos, que a Junta é um seminário de injúrias, e [chama] me de insolente e que de mim há de dar cabo. Nenhuma razão pode ter para tais rompimentos nos termos da Lei Novíssima, que ordena aos Juízes eclesiásticos cumpram as cartas das Juntas, e se não conservem nas suas decisões o prestem portanto do Desembargo do Paço onde se lhes fará melhor justiça e devem seguir esta ordem, e não [descansarem] os Ministros, que [suposto] dão à Lei é para desoprimir os vexados e sossegar os vassalos de Sua Majestade, porém como não podem deixar de cumprir as cartas [incompreensível] os ditos juízes fiéis e obedientes às Leis do Soberano [...] os obrigam a iniquidade como diz o capitular em resposta sua: finalmente mau gênio tinha o Bispo, mas o deste capitular não tem [comparação] sem Sua Majestade não possa servi-lo mandar que não pudessem excomungar os Ministros e mais oficiais de Justiça, há muito estávamos todos declarados excomungados. O senhor Governador põe os fatos na presença do Excelentíssimo Senhor Francisco Xavier de Mendonça e por isso eu o não faço, mas sim peço as Vossas Excelências me livrem desta guerra em que vivo há dois anos, e já tão mistificado, como não sei dizer a Vossa Excelência, a cheio de achaques que estou com o meu gênio oprimido, porque nunca o tive para dissensões de nenhuma qualidade e me vejo grandemente aflito, sentido e triste, vendo que o sossego público se tem perturbado depois de eu viver seis anos nesta capitania com muita paz e boa harmonia e para prova do meu ânimo com o mesmo bispo.188 (Grifo nosso) Se o Vigário Geral reclamava de uma “batalha” em sua Pastoral publicada na Igreja, onde acusava o cônego João Pedro Gomes de fraudar documentos e afirmar que o Ouvidor atendia a este sem investigação aprofundada, corroborando um ato errôneo e os interesses particulares daquele padre, este Ouvidor, por sua vez, reclamava de uma verdadeira “guerra”. Se a sua mão tracejou seus sentimentos reais, pode-se dizer que, enquanto um agente e, mais especificamente, enquanto um preposto pombalino, não eram seus interesses particulares que estavam em jogo no fato de auxiliar o cônego Pedro Gomes contra o Vigário Geral, mas sim o interesse político-administrativo para o qual trabalhava. Se o histórico recente do Vigário apontava seus desentendimentos com o governador, e sendo este muito amigo do Ouvidor, não parece difícil crer que sofreu influências em suas decisões. Mas ainda 188 AHU – 1769 Cx. 43 D. 4253. 94 assim, não parece completamente ingênuo, porque, conforme já exposto, também compartilhava de um desvio administrativo, que era receber parte do lucro da venda das farinhas em São Luís, conforme denunciou o Bispo em sua Representação tardia. Depois disso, o vigário desistiu do seu governo e foi chamado à Corte ainda em 1769, entregando ao Cabido o governo do bispado. A Sé ficou “quase vacante”, sendo novamente ocupada por um bispo catorze anos depois, em 1783, D. Frei Antonio de Pádua e Bellas, cinco anos depois da saída de Joaquim de Mello e Póvoas do governo do Maranhão.189 Na Capitania do Maranhão, o eclipse dos poderes envolveu a expulsão dos jesuítas, a transferência do controle das sociedades nativas das ordens religiosas para o Estado, as invasões de jurisdição por alguns agentes, o exílio do bispo e a “batalha-guerra” entre o Vigário Geral e o Ouvidor. Os ânimos se exaltaram extremamente, os governantes foram ameaçados de excomunhão pelo bispo, que foi exilado em Leiria, e o vigário capitular desacreditado publicamente pelo Ouvidor junto com o padre João Pedro Gomes, cujos interesses deste último eram tão somente particulares. No meio desse movimento a nível macro, do avanço do Estado sobre o campo de atuação da Igreja na colonização, havia uma série de elementos: a oposição entre os agentes do Estado e os agentes da Igreja, oposições e “paixões particulares” driblando as regras estabelecidas. Desentendimentos internos entre os próprios agentes de cada instituição; a ameaça da excomunhão pelos religiosos e um caso de excomunhão invalidada. Nos movimentos a nível micro, assistimos basicamente, em cada caso contado, a briga por interesses pessoais, amparados ou alegados como interesses mais amplos, de Deus ou do Rei. Como se as brigas aqui ocorridas fossem reflexos da relação entre Deus e o Rei. Como Padroeiro, Sua Majestade Fidelíssima era um representante direto de Deus na terra, assim como o Papa. O poder real, instituído em um estado absolutista, tomou para si o papel que estava nas mãos do poder papal até então, instituído em uma Igreja ultramontana. A separação dos poderes é algo característico desse movimento que, paradoxalmente não pressupunha um Estado separado da Igreja. Uma ruptura com a Cúria Romana, como experimentado em 1760 não pode ser confundida com uma separação, principalmente porque alguns dos ideólogos pombalinos eram agentes eclesiásticos, como mencionado na introdução deste trabalho o consulado pombalino contou com a maioria dos religiosos na época para 189 PACHECO, 1969, P. 59. & SILVA, 1922, pp. 136-142 95 implantar uma reforma da Igreja Católica em Portugal. É claro também que as estadas de Carvalho e Melo em Londres e Viena em muito contribuíram para a sua política ilustrada. Assim, o eclipse ocorreu entre dois objetos distintos, mas não separados. Estado e Igreja não estavam separados, antes agiam juntos no período pombalino. O Consulado Pombalino e a Cúria Romana romperam ligações. Estado e Igreja são diferentes e ainda que estivessem juntos, Pombal entendia cada qual com funções e atribuições claras, definidas e diferentes.190 O “eclipse dos poderes” pode ser compreendido, assim, como uma rivalidade entre autoridades, da mesma jurisdição ou não, sobre um espaço político-administrativo determinado, ou sobre uma jurisdição, ou sobre um objeto específico, como visto ao longo de todo o trabalho. De modo que o poder de um se sobrepunha ao poder do outro naquela esfera de disputa. Logo, não é uma metáfora exclusiva desse período; pode ser aplicada a outros períodos com características semelhantes, como aquele caso citado pelo governador acerca do castigo de um bispo do Maranhão no final do século XVI por destruir documentos, guardadas as devidas proporções, é claro. No caso do estudo aqui realizado, observaram-se dois principais modelos de eclipse. O primeiro é entre o poder do Estado e o poder da Igreja, levado a cabo pelo Consulado Pombalino a partir da conjugação entre o Regalismo e o Iluminismo. O segundo é entre as autoridades diversas, cada qual segundo suas “paixões particulares”, em nome do Rei, agindo em benefício próprio. Usavam seus poderes atribuídos para rivalizar com outra autoridade sobre determinadas matérias e decisões ou controle sobre algo específico. Não se quer, com isso, dizer que havia uma sincronia entre as brigas surgidas entre os governadores e os prelados no Maranhão como reflexo da relação entre Estado e Igreja naquele momento no Reino, ou mesmo que os agentes enviados à colônia tivessem uma clareza iluminada sobre os princípios que fomentavam e dirigiam aquela política e administração desenvolvidas pelo Marquês de Pombal no reino, de modo que pudessem aplicá-los na colônia. Os agentes de modo geral, e os prepostos pombalinos em particular, estavam apenas cumprindo ordens e, no meio do processo, obtendo algumas vantagens. Mas não foi o caso de todos, ou se o foi com qualquer um, essas vantagens não duraram muito tempo. 190 CASTRO, Zília Osório. O Estado e a Igreja: pensamento de Antonio Nunes Ribeiro Sanches. In: ____. Estudos em Homenagem a Luís Antonio de Oliveira Ramos. Faculdade de Letras da Universidade do Porto. 2004, p. 399-406. 96 5. AS PESSOAS EM SEU TEMPO: CONCEITOS E CONCEPÇÕES “[...] e tendo lido em um daqueles dias as Vozes Saudosas do Pe. Antonio Vieira, [...] peço-lhe que no livro [...] vejas as três quais são: – “Política” – “Doutrinal” e mais devagar a” Zelosa”, que mandada àquela parte em que o padre deixa o caminho aberto para estabelecer o alto domínio a que aqui tem chegado a sua religião [...] quanto à liberdade dos índios.” (Francisco Xavier de Mendonça Furtado) “Como, porém, pelos nossos grandes pecados, se tem introduzido no mundo a abominabilíssima máxima de Maquiavel, de que a simulação da virtude aproveita e a mesma virtude estorva, para se adquirir os bens temporais, deste ponto saem por linha reta todas as desordens que repetidíssimas vezes vimos praticar e agora o experimentamos, assim na Corte com o sermão do Pe. Balester como nesta capitania [do Rio Negro] com as práticas e exercícios do Pe. Roque Hunderfurp, e no Pará com as do Pe. Aleixo Antonio...” (Francisco Xavier de Mendonça Furtado) Se as coisas devem estar no seu devido lugar, as pessoas também devem ser reconhecidas no seu próprio tempo. Compreender essa acepção é fundamental para organizar o pensamento e o conhecimento ampliado com o estudo ora realizado. Assim, visualizando as pessoas no seu tempo, é possível entender alguns conceitos que embasam um aspecto teórico do presente trabalho hoje e as concepções que embasaram a visão de mundo daqueles sujeitos no século XVIII. Uma distância de duzentos anos que é, sem dúvida nenhuma, sensível. Sebastião José de Carvalho e Melo foi escolhido pelo novo rei, D. José I, em 1750 para o ministério plenipotenciário de Portugal, e sua atuação ao longo dos anos foi marcada pela articulação de alguns fatores: a filosofia iluminista, da qual era adepto; a influência de seu irmão, governador do Grão-Pará e Maranhão (1751-1759); o regalismo português, que se acentuou na sua época; e o movimento religioso jansenista, que pregava uma reforma na Igreja Católica.191 Isto desembocou no conflito e na negociação com a religião (Catolicismo) e constitui – deve-se esclarecer – apenas uma das facetas da política pombalina. 191 Esta pesquisa foi iniciada de modo independente, sob o título “A Influência do Iluminismo e o Processo de Laicização no Maranhão Setecentista”, alguns meses antes de ser convidado pela professora Antonia da 97 Apropriado e ressignificado no mundo português, no que se refere ao conhecimento científico e ao poder temporal da religião, o Racionalismo Ilustrado contribuiu de modo significativo na ação pombalina na reforma das instituições de ensino do Estado português, a fim de promover o seu progresso econômico, das quais era necessário retirar o caráter eminentemente canônico e inserir cátedras que atendessem à demanda técnica pretendida.192 Em Portugal, os maiores expoentes dessa corrente do pensamento, eram os padres do movimento disciplinar jansenista, que tiveram grande atuação política durante o consulado pombalino, sobretudo na campanha antijesuítica. Em pouco tempo e à força, Pombal reposicionou a ação e a importância dos poderes na administração do Reino Português, tanto do Estado quanto da Igreja, dividindo setores da própria Igreja nos domínios de Portugal. Esta questão, que envolve entre outras coisas a ruptura de Pombal com a Cúria Romana em 1760, é discutida por vários historiadores, como Zília Osório de Castro (1987), José Pedro Paiva (2001), José Eduardo Franco (2005) e George Evergton Sales Souza (2009). Isso se deve ao fato de o Marquês combinar ideias do Iluminismo e do Regalismo, doutrina defendida principalmente pelos padres oratorianos, que primava pela “supremacia do poder civil sobre o poder eclesiástico”, prescindindo da centralidade papal, pois entendiam que Deus concedia diretamente aos soberanos o poder sobre os povos (CASTRO, 2001). Apoiado nas ideias dos padres oratorianos, o Despotismo Esclarecido pombalino se fortaleceu e pôs em prática a reforma do Estado e da Igreja nacional. Os padres da Congregação do Oratório foram, em grande medida, os responsáveis pela expansão do Iluminismo no Reino Português. Ao mesmo tempo defendiam que os bispos católicos deveriam ter autoridade própria sobre seus rebanhos, prescindindo da centralidade papal, que atuava como uma monarquia sobre todos os reinos católicos. Disto é exemplo a obra teológica e intelectual do Padre Pereira de Figueiredo. Mas a política pombalina, e seu iluminismo católico português,193 que sacralizava o poder do rei e laicizava o poder do Papa, foi construída também ao sabor das relações entre o seu ministério (e seus ideólogos) e os governos ultramarinos, a partir das necessidades e dos 192 193 Silva Mota, para participar de seu projeto de pesquisa em 2009. Muitas das concepções e compreensões iniciais estão superadas, ou redefinidas e refinadas atualmente, bem como mudadas as estratégias de pesquisa. MAXWELL, Kenneth. Marquês de Pombal: Paradoxo do Iluminismo. Tradução: Antonio de Pádua Danesi. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1996. SANTOS, Cândido. “Matrizes do Iluminismo Católico da Época Pombalina”. Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2004. (Artigo) 98 problemas que surgiram ao longo do tempo, principalmente o governo de seu meio-irmão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, no Grão-Pará e Maranhão. A fim de cumprir o Tratado dos Limites,194 celebrado entre as Coroas da Península Ibérica, Sebastião José de Carvalho e Melo enviou seu irmão,195 Francisco Xavier de Mendonça Furtado para demarcar os limites da América Portuguesa setentrional em 1751, ao mesmo tempo em que extinguia o antigo Estado do Maranhão e Grão-Pará, com capital em São Luís e criava o Estado do Grão-Pará e Maranhão, transferindo a sede administrativa para a cidade de Belém. Isto era estratégico na delimitação dos territórios americanos entre a Coroa lusitana e a castelhana, para defesa de invasões das nações do norte da Europa nas terras amazônicas, tornando a região um ponto com especial atenção por parte da Coroa portuguesa (DIAS, 1970). Mendonça Furtado foi nomeado governador plenipotenciário e capitão-general do novo estado e durante seu governo na colônia (1751-1759), enfrentou uma série de problemas estruturais, sobretudo o poder que as ordens religiosas mantinham sobre as sociedades nativas, pois na região era a mão de obra indígena motivo de riqueza na sua muita quantidade e principalmente motivo de pobreza na sua falta, devido à insuficiente quantidade de escravos africanos. Legitimados pela evangelização dos povos indígenas, os padres regulares, sobretudo os da Companhia de Jesus, mantinham os nativos sob um sistema de servidão, monopolizando a economia das drogas do sertão, atividade na qual a mão de obra indígena era largamente utilizada. Com isso, segundo as autoridades régias, impediam não apenas os colonos de possuírem escravos em quantidade suficiente como também, e exatamente por isso, impediam o desenvolvimento econômico da região, ao mesmo tempo em que tinham seus cofres cada vez mais enriquecidos, segundo as queixas dos proprietários rurais locais. Os padres inacianos, por exemplo, haviam construído um verdadeiro império temporal196 – muito maior do que o de outras ordens religiosas – e sua não colaboração no projeto de demarcação do território e no governo das conquistas do norte fomentou a oposição do governador 194 Este tratado foi “[...] concluído em Madri no dia 16 de janeiro de 1750, entre o ministro da Espanha, D. José Carvalhal de Lancaster e o plenipotenciário de Portugal, D. Luís de Melo e Silva, [...] ratificado em Lisboa a 26 de janeiro do mesmo ano” (MARQUES, 1970, p. 339). 195 É claro que as relações familiares falaram mais alto na escolha de alguém de confiança, porque Mendonça Furtado não era importante no Reino, mas seu irmão sim, e seu pai também, Francisco Luís da Cunha de Ataíde, Chanceler-Mor do Reino. 196 RAYMUNDO. Letícia de Oliveira. “O Estado do Grão-Pará e Maranhão na nova ordem política pombalina: A Companhia Geral do Maranhão e o Diretório dos Índios (1755-1757).” Relatório de Iniciação Científica. USP, 2005. 99 Mendonça Furtado.197 Em suas cartas198 dirigidas ao irmão, o tom antijesuíta passou a aumentar expressivamente, e do lugar de onde estava e com a autoridade com que falava, terminou por influenciar o ministro Carvalho e Melo contra o poder dos jesuítas no norte da América portuguesa. As Leis de Abolição do Poder Temporal dos Religiosos Regulares e da Liberdade dos Índios, publicadas em 1755 foram medidas tomadas em virtude da constante correspondência do governador, que insistia e argumentava em retirar dos padres a administração do trabalho dos nativos, mantendo-se, entretanto, a sua obrigação espiritual para com os mesmos. Quando escreveu o texto utilizado como epígrafe no início deste capítulo, Mendonça Furtado estava não apenas muito bem instruído nas determinações de seu irmão, como também demonstrava bastante conhecimento acerca da questão que envolvia o poder dos religiosos, notadamente os jesuítas. Na continuação dos seus textos dizia que: A proposição que proferiu aquele padre no púlpito, não só escandalosíssima pelo que respeita à submissão e reverência com que se devem tratar as leis dos soberanos; mas [...] sempre é bastantemente contra a religião católica; este padre [Roque Hunderfurp] intentou pregar, como dogma e doutrina certa, que o negócio conteúdo naquele estabelecimento [Companhia de Comércio] continha pecado mortal, e por ele ficava quem entrasse naquela sociedade condenado ao inferno, fazendo assim no povo ignorante e rude uma consciência errônea; e querendo revoltar o mesmo povo não só contra os ministros que Sua Majestade consultou para tomar aquela resolução, mas até chegar ao ponto execrando de tocar na soberania com aquela infernal doutrina [...] No Maranhão se aceitou [a Companhia de Comércio] [...]. Deus queira que continue o mesmo gosto.199 Fica clara a posição dos jesuítas em atrapalhar aquela Companhia de Comércio, porque retirava daquela ordem religiosa o seu antigo “monopólio” do comércio. Por outro lado, a oposição jesuíta foi interpretada como um atentado à soberania do rei português e à sua religião: isto é, considerando que o governador Mendonça Furtado considerava a Companhia de Jesus como uma ordem nefasta aos interesses régios. Enquanto isso, no Reino, os jesuítas tinham outros inimigos, sobretudo a defesa ideológica do movimento disciplinar jansenista de reforma de setores da Igreja Católica. Os 197 Inicialmente apontada por Boxer (2002), esta ideia constitui a tese defendida na monografia de Josimar Vieira da Cruz (2009) apresentada ao Depto. De História da Universidade Federal do Maranhão, intitulada “Sob os estigmas pombalinos: Uma imagem distorcida dos jesuítas do Maranhão seiscentista (1607-1661)”. 198 MENDONÇA, Marcos Carneiro. A Amazônia na Era Pombalina... 199 A Amazônia na Era Pombalina..., Tomo II, p. 410, 411, 497, 498. 100 jansenistas consideravam que a Companhia de Jesus estava corrompida por acumular riquezas, quebrando seu voto institucional de pobreza.200 O Jansenismo se entrelaçava nas suas origens com o Protestantismo, sobretudo nos pontos referentes à salvação humana mediante a Graça divina, pela fé em detrimento das obras, sendo amplamente combatido pela Companhia de Jesus. No tempo do Marquês de Pombal, segundo Souza: É claro que alguns acontecimentos que marcaram o reinado de D. José I foram decisivos para que o jansenismo pudesse ganhar terreno. Além da adesão do governo ao sistema regalista, a submissão da Inquisição ao governo, a expulsão dos jesuítas, seguida de uma maciça campanha antijesuítica, tiveram importância fundamental na criação das condições de implementação das novas orientações relativas ao pensamento teológico, eclesiológico e moral do mundo português.201 Nesse sentido, D. Luís da Cunha, por exemplo, um dos ideólogos pombalinos, concebeu que a pobreza de Portugal, a qual as Reformas praticadas pelo Marquês buscavam mudar, bem como o atraso de sua economia tinha sua origem na atuação administrativa da Companhia e Jesus, praticada independentemente do poder régio. Os padres da Companhia de Jesus foram abertamente responsabilizados pela pobreza e atraso de Portugal durante a governação do Marquês de Pombal, sendo eliminados da cena política em 1759, expulsos pela lei de 3 de setembro daquele ano. Em 1766, Louis Michael Van Loo, pintava sob encomenda, o famoso quadro do Marquês de Pombal desterrando a Companhia de Jesus para Roma. Para sustentar tal ação, em 1767 foi publicada, em três volumes a “Dedução Cronológica e Analítica” para justificar todo o prejuízo causado pelos padres inacianos ao Reino lusitano, de que foram acusados quando da sua expulsão. A política pombalina, manifestando a prática dos ideais iluministas da crítica ao poder temporal da Igreja Católica, não pretendia combater a fé dos “fiéis vassalos do rei”, mas o que julgava abusivo de parte das Ordens Religiosas, sobretudo a Companhia de Jesus, por caracterizar um Estado dentro de outro Estado, já que seu poder, legitimado na missão evangelizadora e, ao mesmo tempo, no aumento dos vassalos do rei, agia de modo independente da administração colonial nos domínios portugueses. 200 201 CONSIGLIO, 2003 apud CRUZ, 2009. SOUSA, George Evergton Sales. Jansenismo e reforma da Igreja na América Portuguesa. Bahia, UFBA, 2009. Disponível em: http://cvc.instituto-camoes.pt/eaar/coloquio/comunicacoes/evergton_sales_sousa.pdf. Acesso em 2009 101 No último ano do generalato de Mendonça Furtado no Grão-Pará, Pombal decretou a Lei de 03 de setembro de 1759, expulsando os jesuítas de Portugal e dos domínios ultramarinos. Nesse sentido, seu governo não foi apenas um mediador entre as determinações da Metrópole e sua aplicação na colônia, mas também uma matriz onde se formaram muitas das ideias e ações políticas que determinaram o governo da região e do Reino. Assim, o governo de uma colônia interferiu nos rumos da política pombalina a nível imperial, a partir das articulações diversas que envolviam aqueles funcionários régios, seus postos de poder, e os lugares geográficos onde estavam situados, Lisboa e o Grão-Pará e Maranhão, que era então importantíssimo para a Coroa. Entretanto, ao eliminar os jesuítas da cena, Pombal criou outros problemas, indignando os padres e os fiéis católicos do reino e das colônias, e que não foram resolvidos tão facilmente. Além do mais, um ano após a expulsão dos jesuítas, em 1760, o ministro português rompeu com a Cúria Romana. Quando da queda de Pombal, as suas reformas foram abolidas, especialmente da religião portuguesa, o catolicismo, tendo seus traços de outrora revividos, mas não de forma idêntica como antes, evidentemente. Disto é exemplo a publicação das leis testamentárias em 1766 e 1769, que causaram grande confusão no mundo português. Cite-se ainda que após a expulsão dos jesuítas do Maranhão, a sua Igreja, mesmo passando ao controle de outros religiosos, ficaram vazias, conforme carta de Mello e Póvoas datada de 12 de maio de 1761, quando ainda governador do Rio Negro. Portanto, daquele combate político por parte de Pombal e seu irmão, e teológico por parte dos oratorianos e jansenistas, os jesuítas saíram derrotados, como sinal da eminência do Estado sobre a Igreja, sobretudo se considerados aqueles padres que se submeteram à política pombalina. Fortalecia-se o Estado em comunhão com uma nova Igreja nacional, submetida ao poder laico. Todavia, para, além disso, esse desdobramento histórico é significativo para entender que a política pombalina resultou de influências ideológicas de seu tempo e, ao mesmo tempo, orquestrou mecanismos para reduzir o poder temporal da Igreja, enquanto o transferia para o rei ou o Estado.202 Isto era um sinal das novas concepções que marcaram sua época profundamente. De igual modo, o governador Mello e Póvoas foi importante nesse contexto. Sua trajetória administrativa no governo do Maranhão,203 traçada em um breve artigo do 202 No Antigo Regime, as monarquias eram absolutas. Portanto, o Estado era personificado no rei. Disso é exemplo a célebre frase do rei da França (1643-1715), Luís XIV, “O Estado sou eu”. 203 MEIRELES, Mário Martins. “Melo e Póvoas, capitão-general do Maranhão”. SIOGE, São Luís, 1974. 102 historiador Mário Meireles, onde apontou as características gerais da sua personalidade, do seu governo e da sua relação com os tios. Todavia, a despeito do juízo de valor empregado por aquele historiador em seu trabalho, exaltando a administração do sobrinho de Pombal e do relato superficial e da interpretação tendenciosa de questões enfrentadas pelo governador Mello e Póvoas durante seu generalato no Maranhão, ofereceu informações importantes e relevantes sobre aquele funcionário régio, sobretudo no que se refere à relação mantida com a religião, alinhando-se à política pombalina e sua posição quanto à mesma. Com esta posição travamos uma intensa discussão neste trabalho. Na seção que trata do “prestígio do poder temporal”, Meireles relatou algumas pequenas brigas ocorridas entre o governador e o então bispo do Maranhão, Frei D. Antonio de São José. A oposição política que o bispo ofereceu ao governo de Mello e Póvoas se tratou da herança conflituosa estabelecida entre ele e o exgovernador e antecessor Gonçalo Pereira de Lobato, devido à Lei de liberdades dos indígenas e à consequente abolição do poder temporal dos padres regulares sobre o trabalho dos nativos, ao que os religiosos, em parte, não aceitaram. Articuladas de modo indissociável, enquanto a política significa as ideias e planos de governo, bem como seu relacionamento (conflito e negociação) entre os governantes e governados, a administração diz respeito à execução das ordens régias ou de seus representantes, à prática governativa exercida sobre os povos habitantes dos domínios do rei de Portugal.204 De igual modo, como se articulavam ou eram articuladas pelos agentes régios (governadores, capitães-generais, secretários e conselheiros) no controle das instituições citadas e, sobretudo, os reflexos disso no mundo colonial, resultavam nos conflitos de jurisdição que se mostravam constantes.205 Como é sabido, o rei de Portugal estava amparado por um vasto e, por vezes, confuso aparelho administrativo, cuja ingerência estava a cargo de uma legião de funcionários régios. Para o que interessa aqui, a Secretaria de Estado dos Negócios do Reino e Mercês, criada durante o reinado de D. João V, em 28 de julho de 1736, respondia pelas finanças de Portugal e seus domínios: isso incluía o comércio das especiarias, o tráfico de escravos e os tributos, por exemplo. No mesmo decreto, EL-REY criava ainda outras duas divisões, a Secretaria dos Negócios da Marinha e Conquistas e a Secretaria dos Negócios Estrangeiros e da Guerra.206 Naquela época, era importante para a Coroa Portuguesa 204 SOUZA, op. cit. CARDIM, Pedro. “Administração” e “Governo”: uma reflexão sobre o vocabulário do Antigo Regime. In: BICALHO, Fernanda. (org.) “Modos de Governar...” 206 Em 1750, Pombal seria nomeado como secretário dos Negócios do Reino e em 1759 seu irmão Mendonça Furtado, ex-governador do Grão-Pará, seria nomeado secretário da Marinha e Ultramar. 205 103 a ampliação das suas estruturas administrativas, a fim de prover as necessidades que um Império com aquelas dimensões manifestava.207 Assim, no período pombalino, enquanto o ministro Carvalho e Melo (Secretário dos Negócios do Reino) se apoderava da legitimidade real208 para executar a sua política através de seus prepostos administrativos no Reino e nas colônias, principalmente seus parentes – seu já citado irmão Francisco Xavier de Mendonça Furtado no governo do Grão-Pará e Maranhão (1751-1759) e Secretário da Marinha e Ultramar (1759-1770) e seu sobrinho Joaquim de Mello e Póvoas no governo da Capitania do Rio Negro (1759-1761) e na Capitania do Maranhão (1761-1779),209 - isto beneficiava sua família. Deles recebia em troca a fiel colaboração à sua política, na administração da América Portuguesa setentrional. Nesse sentido, põe-se em evidência a dinâmica existente entre o centro administrativo e as partes coloniais, tendo estas, por vezes, poder de interferência ou influência nas decisões do centro, como se viu no caso de Mendonça Furtado. O relacionamento, que envolveu obviamente conflito e negociação, entre aqueles agentes régios e papais, se deu a partir do interesse comum de jurisdição. Em outras palavras, quando da lei de liberdade dos índios e abolição do poder temporal dos regulares sobre o trabalho dos nativos, isso gerou insatisfação nos religiosos, achando nisso motivo para se opor ao governo dos prepostos de Pombal, especificamente o caso de Joaquim de Mello e Póvoas. Nesse sentido, o procedimento posterior sobre a administração civil e espiritual executada sobre os povos indígenas, na forma de Vilas e Diretorias, formadas a partir de descimentos forçados, e ainda, o sequestro dos bens dos jesuítas e sua disposição, constituem os três aspectos centrais, supõe-se, geradores do problema maior em questão, ou seja, os conflitos entre os padres e os governantes pombalinos, que devido o extenso período de administração (vinte anos), nos detemos apenas em dezenove anos, teve que lidar com os religiosos “revoltosos inimigos comuns do Estado”, sob orientação direta de seus tios, mentores daquela política de laicização, entendida aqui como processo de autonomização do poder estatal frente ao poder eclesiástico. A oposição do Bispo D. Antonio de São José foi uma realidade concreta. Apesar de ameaçar com excomunhão e de ter declarado o governador excomungado, por causa das suas 207 Dicionário Histórico de Portugal Online. Disponível em: <http://www.arqnet.pt/dicionario/estrangeirossecretaria.html>. Consulta em: 15/10/2010 208 Boxer. Charles. “O Império Marítimo Português”. 209 MARQUES, César. “Dicionário Histórico...” 104 constantes invasões da jurisdição eclesiástica, a força do Bispo era pouca comparada com a do governador. O bispo sofreu exílio de 10 anos no bispado de Leiria, onde governava seu antigo rival, o ex-bispo do Pará, D. Miguel de Bulhões. Destituído dos seus poderes, também não pôde indicar o seu substituto, o que foi feito pelo rei D. José I, que havia rompido com a Cúria Romana em 1760 e que, portanto, nomeava diretamente os prelados diocesanos dentro dos seus domínios, pelo direito de Padroado. O substituto no governo do bispado do Maranhão, o doutor em Teologia Pedro Barbosa Canais que, na historiografia local, tem um lugar muito tímido, pequeno, sendo inclusive acusado de incapacidade para o cargo no qual fora nomeado, ponto aqui discordado e justificado. Mesmo tendo obtido inicialmente sucesso no relacionamento com o governador e demais autoridades locais, o Vigário Geral logo se meteria em brigas e conflitos, por discordar de algumas atitudes, mesmo tendo clareza de toda a questão, saindo derrotado de quase todas e publicamente desacreditado. No fim, desistiu do cargo e foi chamado à Corte. El-Rey incumbiu o Cabido da Sé de governar o bispado, que ficou vacante até o ano de 1783, quando definitivamente ocupado de novo por um bispo. Um período de catorze anos de vacância, que é relativamente longo se comparado a outros períodos de vacância experimentados na diocese do Maranhão. Por fim, há um último ponto, já tocado, que é o sentido da política pombalina enquanto um processo de laicização, ou seja, um desenvolvimento político que implica a perda do poder de influência da Igreja. Na verdade, a ideia de uma laicização naquele momento implica uma sistematização teórica mais rigorosa quanto àqueles acontecimentos. Nesse sentido, cabe destacar uma observação feita em um artigo recentemente publicado na coletânea Religião e Religiosidades no Maranhão: A política pombalina agiu no sentido de autonomizar as instâncias de poder do Estado frente ao poder eclesiástico: uma questão política, laicizadora. Com isso, não se pretende afirmar que a laicização deu certo, ou que tal concepção já vigorava na época, mas sim que nesse período, e sob a governança ilustrada do Marquês de Pombal, os ideais iluministas sobre a religião foram concretizados através da racionalização do poder.210 No artigo, faço uma discussão mais aprofundada acerca da laicização naquele período, tomando as leis testamentárias como referencial para a questão. A fim de embasar melhor esse argumento, temos um comentário de Zília Osório de Castro, em um breve artigo, 210 SANTOS, Nivaldo Germano dos. A Salvação, Os Bens e os Herdeiros: As “ultimas vontades” no contexto das Leis Testamentárias no Maranhão Colônia. In: SANTOS, Lyndon de Araújo; et al (orgs.). Religião e Religiosidades no Maranhão. São Luís, EDUFMA, 2011. pp. 209-235. 105 no qual trabalhou o pensamento de um dos muitos intelectuais sobre os quais Pombal se apoiou. Pombal, por seu lado, assumiu clara e exclusivamente a secularização, não só porque a origem direta e imediata do poder, aliada à finalidade do seu exercício, definia a esfera temporal da sua jurisdição, mas porque colocava a sacralidade da Igreja ao serviço do Estado. [...] Deste modo, a Igreja e o Estado, embora com esferas de jurisdição específicas, conjugavam a sua atividade em benefício de um objetivo que era próprio e específico do poder temporal – a felicidade e o bem-estar dos súditos. Neste sentido, se bem que, quanto aos princípios, as esferas de jurisdição do poder espiritual e do poder temporal ficassem bem definidas, na prática, a Igreja veria as suas pessoas e os seus bens submetidos à autoridade política, tal como acontecia com a sacralidade das suas funções. Isto significava que o Estado utilizava a seu favor o princípio da especificidade de jurisdição, sem dessacralizar a Igreja, mas colocando-a ao seu serviço. Extinguiam-se, assim os possíveis resquícios de eventual neutralidade eclesial e eclesiástica do Estado porque considerados politicamente atentatórias da sua função.211 O processo de laicização/secularização desenvolvido durante o consulado pombalino significou, genericamente, submeter a Igreja ao poder temporal, sem dela se desfazer. Daí a solução para o fato de o Estado ser secular, mas permanecer católico. Não é a Igreja quem determina ou influencia os assuntos, o que seria característica de um Estado religioso; mas ela é determinada e influenciada pelo Estado, que a mantém ao seu serviço espiritual, católico. São os interesses temporais que estão acima dos interesses espirituais, e estes usados em prol daqueles. Logo, como visto o processo de laicização não foi fechado e encerrado, mas aberto e incompleto, para não dizer interrompido. Ou então, ainda pode ser considerada como uma iniciação ao que se desenvolveu mais tarde, no século XIX. 211 CASTRO, Zília Osório. O Estado e a Igreja: pensamento de Antonio Nunes Ribeiro Sanches. In: ____. Estudos em Homenagem a Luís Antonio de Oliveira Ramos. Faculdade de Letras da Universidade do Porto. 2004, p. 399-406. 106 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Esse posicionamento dos poderes gerou o processo aqui chamado de “eclipse dos poderes”, quando os agentes do Estado passaram a ocupar o lugar antes ocupado pelos religiosos, o que nos encaminha para um problema final. Se houve um eclipse, não parece que esta situação tenha permanecido assim para sempre, mas foi algo que durou um tempo e depois acabou. Quando um eclipse acaba, o objeto eclipsado volta ao seu estado original e a ocupar a jurisdição de antes. No caso pombalino, isso ocorreu na “Viradeira”, onde muitas medidas tomadas durante a administração do Marquês foram revogadas pela Rainha D. Maria I. Porém, em se tratando da Companhia de Jesus, não houve retorno. O Bispo não retornou ao seu Bispado, porque segundo dizia em sua Representação, voltaria para sofrer a opressão e tirania do governador Joaquim de Mello e Póvoas, que permaneceu no governo do Maranhão ainda durante dois anos após a queda do seu tio na Corte. Quanto ao Vigário, não se viu mais notícia no Maranhão. O próprio governador retornou à Corte empobrecido e desprestigiado, morrendo pouco tempo depois na casa de um primo.212 Porém, as ordens religiosas, se não voltaram ao “despotismo absoluto” com que agiam antigamente na colônia, recobraram forças e a liberdade eclesiástica, outrora sufocada pelo poder temporal. Deve-se lembrar também que o “eclipse dos poderes” ocorreu em vários níveis da hierarquia administrativa temporal e espiritual e como dito, tratou-se da rivalidade entre autoridades sobre o controle de um espaço ou objeto. Outro ponto a se observar é que o “eclipse dos poderes” é visto da Capitania do Maranhão, muito embora ele estivesse acontecendo em um nível que pudesse ser visualizado principalmente no Reino. A colônia é um domínio diferente e distante da metrópole, mas ambas não são nem estão separadas. A massa líquida do oceano serve de elo. A distância geográfica não parece um bom argumento para as diferenças existentes entre essas partes, que são ao todo, menos aparentes que as continuidades, todavia bastante significantes. Há diferenças, é claro: é isto que determina as relações entre as partes e o que faz de uma a metrópole e da outra a colônia. Porém, metrópole e colônia são partes do mesmo império. Por fim, cabe observar que no caso de um eclipse, como metáfora aqui utilizada, se pode primeiro visualizar plenamente os objetos: o lugar ocupado e o poder de influência do Estado e da Igreja na colônia; depois se percebe o movimento de um avançar sobre o outro. Neste caso, o Consulado Pombalino desabilitando progressivamente os poderes e influências 212 MEIRELES, Mario. Mello e Póvoas: capitão-general do Maranhão. São Luís, SIOGE, 1974. p. 100. 107 da Igreja e de seus agentes. O Estado começa a cobrir ou deixar para trás o poder da Igreja até certo ponto, um eclipse quase total, porque os religiosos não foram completamente apagados, porque a distância do Reino, as circunstâncias e a questões são semelhantes em parte, mas diferentes em outros pontos. O eclipse quase total está formado: Estado e Igreja e os agentes de cada um tem face pública (a parte visível de ambos) e essa face (imagem) que construíram foi tomada em parte pela historiografia local como a forma que um eclipse é visualizado: dois objetos superpostos, de modo que quem vê, somente pode enxergar de longe apenas um lado de ambos os objetos ao mesmo tempo. Assim, prevalece, durante a formação, a imagem do objeto eclipsante e uma pequena parcela do objeto eclipsado. Assim, seguindo a formação, a historiografia se deteve muito mais na imagem evidente do Estado e de seus agentes do que na Igreja e seus agentes. Ainda que se conte a história de padres no período, em geral são os que aderiram ao pombalismo, ou no caso dos que se opuseram, vê-se o seu fim. Como ficaram os que não aderiram, para além de serem apagados? Qual a opinião deles em relação a tudo isso? Nesse sentido, se fez necessário não mudar o ponto de observação (Maranhão), mas sim usar de um mecanismo de observação diferente, que não seja o olho nu, porque se olha diretamente, mas a partir da documentação como instrumento, ignorada por essa historiografia local, para dar uma volta e conseguir “ver” o lado “oculto” do objeto eclipsante, o seu lado particular, que está frontalmente situado em relação ao objeto eclipsado, que por sua vez, está ocultado durante o eclipse. Desta forma se procedeu no terceiro capítulo, de modo que isto permitiu ver a situação do Bispo e do Vigário Capitular para além das suas supostas desinteligências e castigos tomados. Foi possível conhecer o que pensavam a respeito e o que tinham a dizer sobre os agentes do Estado com quem brigaram, considerados nada honestos na visão dos religiosos. Não que estes fossem o exemplo em honestidade e probidade administrativa, mas porque a sua visão contradiz o que se conhecia da questão até então. Desta forma, viu-se não apenas a formação a olho nu, o aparentemente óbvio, mas o núcleo do problema e os pontos até então desconhecidos. 108 REFERÊNCIAS ______. Secretaria de Estado da Cultura. Arquivo Público. Retratos do Maranhão Colonial: correspondência de Joaquim de Mello e Póvoas, governador e capitão-general do Maranhão, 1771-1778. – São Luís: Edições SECMA, 2009. ______. Regimento do Auditório Ecclesiastico do Arcebispado da Bahia, Metropoli do Brasil, e Da sua Relação, e Officiais da Justiça Ecclesiastica, e mais cousas que tocão ao bom Governo do dito Arcebispado, Ordenado pelo Illustrissimo Senhor D. 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