PRECIOSA- UMA HISTÓRIA DE ESPERANÇA: PROPOSTA DE
ATIVIDADE DIDÁTICA PARA UMA AULA DE LÍNGUA INGLESA*1
Patrícia Mara de Carvalho Costa Leite (UFMG/UFSJ)
Resumo: Neste artigo, nosso objetivo é utilizar o filme “Preciosa- uma história de esperança”
(2009) em uma aula de língua inglesa atentando para questões de racismo, violência e
esperança. Nosso aporte teórico é a teoria dos Letramentos Visuais (FERRAZ, 2014a, 2014b;
SILVINO, 2012; OLIVEIRA apud LEBEDEFF, 2010). Relacionaremos, também, os filmes,
em geral, e seu lugar na educação como pedagogias públicas (GIROUX, 2001). Para tanto,
após a descrição do filme “Preciosa”, proporemos uma atividade pedagógica, com foco na
formação inicial de educadores, baseada no mesmo.
Palavras-chave: Preciosa; Letramentos Visuais; filme; pedagogia pública
Introdução
Segundo Kress, Leite-García e van Leeuwen (1996), os textos têm se tornado cada vez
mais multimodais, em outros termos, textos nos quais coexistem mais de um modo semiótico
(combinação de gestos, falas, cores, sons etc.). Apesar disso, só o texto é interpretado na
maioria das vezes, deixando para o automatismo, a análise visual, dando origem a “iletrados
visuais”, segundo Kress e van Leeuwen (2000).
Os autores advogam a necessidade de um “letramento visual”, considerando que a
comunicação visual está se tornando cada vez mais um domínio crucial nas diversas redes de
práticas sociais, entre elas o consumo de comodidades abstratas e de informações públicas. “O
letramento visual começará a ser uma questão de sobrevivência, especialmente no ambiente
de trabalho” (KRESS E VAN LEEUWEN, Ibid., p. 3, itálico do autor).
Desse modo, acreditamos que uma forma de se letrar visualmente seria através do uso
de filmes em sala de aula. No caso de nosso artigo, consideramos uma aula de língua inglesa.
Nossa proposta vai além da análise do filme, com enfoque para a parte visual, trazendo uma
proposta de atividade que poderia promover o Letramento Visual.
1. Letramento Visual
Ferraz (2014b) acredita que a Pedagogia Crítica é um termo guarda-chuva, já que
abarca o Letramento Crítico, os Novos Letramentos e Multiletramentos. O Letramento Visual,
por sua vez, se relaciona a essas correntes teóricas, pois, “faz parte, está em um movimento
paralelo com os Multiletramentos” (FERRAZ, 2014b) Letramento Crítico, Novos
Letramentos onde o significado é construído de maneira multimodal.
Oliveira (2006 apud LEBEDEFF, 2010) conceitua o letramento visual “como a área de
estudo que lida com o que pode ser visto e como se pode interpretar o que é visto. Segundo a
autora, o letramento visual é abordado a partir de várias disciplinas que buscam estudar os
processos físicos envolvidos na percepção visual; usar a tecnologia para representar a imagem
visual; desenvolver estratégias para interpretar e entender o que é visto” (online). Stokes
1
XII EVIDOSOL/IX CILTEC-Online-junho/2015- http://evidosol.textolivre.org
(2002 apud SILVINO 2012) acredita que “o letramento visual é definido como a habilidade
de ler, interpretar e entender a informação apresentada em imagens pictóricas ou gráficas, e
também de transformá-la em imagens, gráficos ou formas que ajudem a comunicação” (p.3).
Rocha (2008 apud SILVINO 2012) o define como “a leitura competente de imagens nas
práticas sociais, é a capacidade de ver, compreender e, finalmente, interpretar e comunicar o
que foi interpretado através da visualização” (p.3).
Ferraz (2014a) acredita que o Letramento Visual é uma subárea dos Novos
Letramentos e Multiletramentos. A educação crítica, bem como o Letramento Visual criticam
a ideia de que a imagem representa literalmente a realidade (FERRAZ, 2014a). Considerando
que se deixarmos para o automatismo a análise das imagens, as verdades naturalizadas
continuarão a ser aceitas sem questionamentos, por exemplo, o que não irá de encontro aos
movimentos da Pedagogia Crítica, Letramento Crítico, Novos Letramentos, Multiletramentos
haja vista que eles contestam o status quo, a neutralidade do texto, significados únicos.
Enfim, a citação de Ferraz (2014a) resume bem o que consideramos como Letramento
Visual neste artigo: “O Letramento Visual é um campo de estudo que problematiza o estudo
de imagens (estática, movimento, mistura) a fim de: investigar a sua importância em todos os
campos, questionar a ideia de representação, repensar imagens como processos de construção
de significado, expansão de perspectivas, interpretações e conhecimento”2 (online). A imagem
não é mais considerada como aquela que fala por si só. Por meio dela, podemos construir
diferentes significados e expandir as possíveis perspectivas e conhecimento sobre ela.
2. Os filmes e a educação
Giroux (2001) concebe o currículo escolar na qualidade de reprodutivista na medida
em que auxilia a propagação e permanência das ideologias vigentes, de verdades
naturalizadas, não abrindo espaço para ações transformadoras, para a crítica. Ele acredita que
uma maneira de tornar esse ensino crítico e transformador seria através do estudo de filmes.
Nesse ínterim, caracterizar o filme como “pedagogia pública” (GIROUX, 2001)
relacionando o cinema e educação faz bastante sentido na medida em que consideramos a
aproximação do público com filmes, a influência dessas produções na vida individual e social
já que o “filme produz imagens, ideias e ideologias que moldam tanto as identidades
individuais quanto nacionais” (Ibid., p. 63) ideia corroborada por Stam & Shotah (2005).
Giroux ainda complementa pontuando que “o filme (.. .) oferece posições subjetivas, mobiliza
desejos, nos influencia inconscientemente, e nos ajuda a construir o terreno da cultura” (Ibid.).
Sua relação estreita com relações de poder materiais e simbólicas faz com que o mesmo
produza e incorpore ideologias.
Ferraz (2008) defende a relevância do trabalho de Letramento Visual por meio de
cinema/filmes que poderia ser realizado pela vertente da conscientização. Ferraz (2008)
2
Tradução minha de: “Visual Literacy is a field of study which problematizes the study of images (static,
movement, mixed) in order to: investigate their importance in all fields, question the idea of representation,
rethink images as meaning making processes, expand perspectives, interpretations, and knowledge” (FERRAZ,
2014a, online).
3
Tradução minha de: “the film (.. .) offers subjective positions, mobilizes desires, influences us unconsciously,
and helps us to build the cultural ground” (GIROUX, 2001, p.6).
2
pontua que houve a percepção, durante sua pesquisa de mestrado4, de “que práticas de leitura
de imagens estavam ainda atreladas a paradigmas tradicionais estruturalistas5” (p. 162). Em
outros termos, quando expostos aos filmes tanto no papel de professores ou de sujeitos da
pesquisa, os educadores adotaram um procedimento de interpretação das imagens do filme
voltado para a decodificação do texto, a memorização, ou seja, a linguagem verbal foi
privilegiada restando para as imagens o funcionamento “como complemento e melhoramento
da parte linguística6” (Ibid., p. 164).
Ferraz (2008), autor com o qual coaduno, ainda indica que “os estudos de
interpretação de imagens através do letramento crítico deve abrir espaços de discussão em que
as visões tradicionais e críticas da educação estariam em debate”7 (p. 163). Talvez os
professores trabalhem com imagens por um paradigma positivista, por desconhecerem outros
modos, mais significativos, delas serem analisadas. Daí a importância do Letramento Visual
em relação ao cinema/filmes, no caso, que além de proporcionar um trabalho mais
aprofundado com essas imagens com as quais os indivíduos têm amplo contato, trabalhará em
prol de um ensino de língua estrangeira crítico, político e contextualizado, que não objetive a
manutenção do status quo.
Acredito que a consequência de um trabalho de Letramento Visual que focaliza a
imposição de interpretações, é, novamente, informar ao professor o modo como se dá seu
trabalho com imagens, por exemplo, e suas consequências em termos educacionais, para que
haja espaço para mudança. O que quero dizer é que, a educação bancária, como já nos dizia
Freire (1987), trata o aluno como mero receptáculo de conhecimento, sendo o professor, o
conhecedor da verdade. Isso se aplica à interpretação de textos e imagens em que o aluno tem
um papel passivo e sempre espera que haja uma resposta pronta, universal que o professor
conhece.
Os espaços de diálogo e aprendizagem podem ser criados através do Letramento
Visual, uma vez que ao deixarmos de tratar as imagens como meros acessórios do texto
verbal, podemos a partir delas focarmos na formação de um professor capaz de “entender
agência, mudança social e cultura pública”8 (FERRAZ, 2008, p. 171), ou seja, um professor
que promova o diálogo em sala, que desconstrua verdades universais, naturalizadas, que
busque a formação do aluno cidadão. O crescimento do número de pesquisas sobre
interpretação e educação por meio de imagens no Brasil faz-se primaz em um mundo cada vez
mais multimodal, em que somos bombardeados diariamente por imagens de toda sorte, senão,
tais interpretações estarão fadadas ao automatismo e às verdades universais.
Enfim, acredito que há lugar para o cinema na educação em geral e de língua
estrangeira. O Letramento Visual é um caminho para se trabalhar essas imagens em
movimento que contribuirá para a análise de imagem baseada na criticidade. Em uma
sociedade cada vez mais multimodal o poder dos filmes de refletir e criar uma cultura não
4
“Investigações sobre a leitura através do cinema na universidade: o letramento crítico no ensino de inglês”dissertação defendida por Daniel de Mello Ferraz em 2006 na Universidade Federal de São Paulo sob orientação
da profa. Walkyria Monte Mór.
5
Tradução minha de “practices regarding images were still attached to what we called traditional structuralist
paradigms” (FERRAZ, 2008, p. 162).
6
Tradução minha de “as a complement and enhacement of the linguistic part” (FERRAZ, 2008, p. 164).
7
Tradução minha de “studies on image interpretation through critical literacy shall open up spaces for discussion
where traditional and critical views of educational would debate” (FERRAZ, 2008, p. 163).
8
Tradução minha de “to understand agency, social change and public culture”(FERRAZ, 2008, p. 171).
3
pode ser negligenciado. “Filmes se tornam relevantes como pedagogias públicas na medida
em que eles estão situados dentro de uma ampla política de representação, aquela que sugere
que a luta em relação ao significado é, em parte, definida como a luta em relação à cultura,
poder e política”9 (GIROUX, 2001, p. 12).
3. O filme “Preciosa- Uma história de esperança”
O filme “Preciosa- uma história de esperança” (Precious), lançado em 2009 pelo
diretor Lee Daniel, se baseia no romance “Push” de Sapphire10. A trama, baseada em fatos
reais, se desenrola no Harlem, bairro pobre de Nova Iorque, em 1987. A protagonista é
Claireece “Precious” Jones representada como uma garota de 16 anos, negra, pobre, obesa e
analfabeta. Ao sofrer abusos psicológicos e físicos e vivenciar sua triste realidade ela recorre
ao mundo onírico para escapar do sofrimento, da violência cotidiana.
Claireece é expulsa da escola onde estuda por estar grávida pela segunda vez, sendo
seu próprio pai, o pai de seus dois filhos. A diretora tenta conversar com sua mãe, mas ante a
impraticalidade de tal ação, ela indica uma escola alternativa para a garota. A mesma
matricula-se na escola e, através de um ensino significativo para sua realidade, aprende a ler e
a escrever e evolui tanto que começa a vislumbrar a sua entrada na universidade. Uma
passagem icônica do filme é quando, no seu primeiro dia na nova escola, Claireece se dispõe
a falar, algo que nunca havia feito outrora.
Ganhador de três prêmios no Sundance Film Festival de 2009, incluindo o Grande
Prêmio Concedido Pelo Júri (Grand Jury Prize) e o Prêmio do Público (Audience Award), na
competição americana na categoria Drama, além de ser premiada nos festivais de Cannes e
Toronto, entre outros, a obra cinematográfica obteve seis indicações ao Oscar11 e ganhou em
duas categorias.
4. Proposta de atividade didática
Segundo Cotrim; Ferraz (2014 apud Kress e Van Leeuwen, 2006) os educadores, em
geral, não contribuem para o Letramento Visual dos seus alunos, mesmo nos tempos atuais
em que somos constantemente bombardeados por imagens. “Nós, educadores, praticamente
deseducamos nossos jovens em relação à produção de imagens, num processo que se inicia
com incentivo à criatividade e termina com a extinção total do uso das imagens” (Ibid., p.59).
Nesse ínterim, faz-se primaz a proposta de atividades que visem uma intepretação e
análise das imagens de modo mais aprofundado como complementa Ferraz (2013):
o letramento visual (visual literacy) é uma das áreas que propõem uma
educação crítica por meio das imagens. Muitos teóricos, tais como Mirzoeff
(2002), Mizan (2004, 2011), Manovich (2001), Morin (2005), Gaskell
(1992) e Joly (2002), entre outros, afirmam que a importância dos estudos
visuais está no fato de que as imagens são não meras representações da
realidade social (visão linear onde a imagem x significa y) mas sim que eles
9
Tradução minha de “films become relevant as public pedagogies to the degree to which they are situated within
a broader politics of representation, one that suggests that the struggle over meanings is, in part, defined as the
struggle over culture, power, and politics” (GIROUX, 2001, p. 12).
10
Nome artístico de Ramona Lofton, autora do livro.
11
Premio concedido, anualmente, pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Los Angeles.
4
constroem significados e, como tal, desempenham um papel crucial em todas
as esferas sociais, incluindo os contextos educativos (p. 9).
A minha proposta de atividade didática se baseia nos fóruns de discussão12
disponibilizados na disciplina Letramentos Visuais e também nos trabalhos de Cotrim; Ferraz
(2014) e Ferraz (2013). Através da ideia de Giroux (2002) exposta em Cotrim; Ferraz (2014)
“podemos afirmar que o cinema funciona como uma prática pedagógica que inclui histórias,
memorias, modos de vida, identidade e valores que sempre pressupõe noções de diferença e
comunidade” (p. 61). Desse modo, minha proposta pedagógica para o filme Preciosa é:
1. “Transposição/ reapropriação: ao transpor o filme para a realidade local (brasileira,
paulista, etc), poderíamos levantar algumas questões” (Ibid.): Como seria a realidade de
Preciosa no Brasil? Ela teria amparo da justiça? Teria uma vida diferente? Por quê?
2. Sobre a questão do racismo, utilizaria as questões problematizadoras propostas por Cotrim;
Ferraz (2014): “temos? Perpetuamos? Não percebemos? Reforçamos? Admitimos?
Praticamos? Refletimos?” (p. 62). E acrescentaria a questão: Qual a relação da vontade de
Preciosa ser branca, expressa por sua imagem no espelho, por falas e cenas, e a representação
do negro na sociedade norte-americana? E na brasileira?
3. Acredito que o tema “violência doméstica”, abordado no filme, fomentaria questões, tais
como: há espaço para a discussão deste tema no ambiente da escola/universidade? Uma
pessoa que vivenciasse os abusos que Preciosa vive no filme poderia pedir ajuda a quem
considerando o Brasil como contexto? O que pode ser feito em prol de quem sofre violência
doméstica? O que a escola pode fazer em relação a isso? O que você, enquanto cidadão, pode
fazer?
4. Você acredita que uma educação crítica possa transformar a vida de seu aluno, como
aconteceu com Preciosa? Em quais aspectos? O que você entende por educação crítica?
5. Sobre a sexualidade, questões como: como, ou se, a abordamos no contexto da educação?
Como Preciosa enxerga os homossexuais? E a mãe dela? E você? E o brasileiro, na sua
opinião?
6. Deixaria espaço para questões e opiniões levantadas pelos próprios alunos acerca do filme.
Considerações finais
Os investimentos em pesquisas de interpretação e análise de imagens precisam crescer
para que a interpretação das mesmas assuma um papel crucial na formação de cidadãos
letrados visualmente capazes de interpretarem imagens refletindo sobre seus propósitos, aos
interesses que servem, ao modo como foi construída, como ela poderia ser desconstruída e
reconstruída, que ideologias a subjazem, por exemplo.
Também acredito que os estudos de Kress; Van Leeuwen (1996); Ferraz (2013, 2014
a, b); Cotrim; Ferraz (2014), para citar alguns, já nos oferece caminhos para vislumbrarmos,
na prática, o estudo significativo e relevante de imagens. Cabe a nós, na qualidade de
educadores, estimularmos a interpretação das imagens tendo em mente que elas são
construtoras de significados.
12
Os fóruns de discussão eram utilizados como meio de compartilharmos nossas ideias e conhecimento acerca
de textos indicados pelo professor semanalmente, bem como, de análises do aspecto visual de figuras e filmes.
Acredito que a atividade aqui proposta pode ser feita em um curso online ou presencial.
5
A partir da linguagem fílmica em si podemos versar sobre questões raciais, de gênero,
sexualidade, violência, poder, entre outras. A partir do uso de filmes como “pedagogias
públicas” (GIROUX, 2001), oferecemos aos alunos a possibilidade de vislumbrar, construir e
descontruir sentidos diferentes daqueles pretendidos pelo senso comum. Além disso, o
trabalho com filmes pode se tornar prazeroso e interessante, uma vez que o cinema é algo
familiar para muitos alunos.
Referências
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étnicas e educacionais no espaço imagético. Polifonia, Cuiabá, MT, v. 21, n. 29, p.43-67, janjul, 2014.
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