FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL: RAÍZES HISTÓRICAS ZANATTA, Regina Maria – UEM [email protected] SETOGUTI, Ruth Izumi – UEM [email protected] Área Temática: Formação de Professores Agência Financiadora: Não contou com financiamento Resumo Este estudo busca as raízes históricas da Filosofia da Educação no Brasil a partir do início do século XX. Neste período se delineiam, no discurso dos educadores, as primeiras preocupações com a Filosofia da Educação e se completa com a inserção desta disciplina nos cursos de formação de professores. O objetivo desta pesquisa é de caracterizar o estilo específico do filosofar brasileiro no âmbito educacional que vai se constituindo tanto pela tradição de um modelo filosófico, explicitado pelo pensamento de determinados autores de modelos clássicos da filosofia ocidental, quanto pelas condições históricas que vão se apresentando. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica cuja abrangência perpassa parte do período da República se encaminhando até a década de 1930. A seleção bibliográfica busca autores do período que se preocuparam com o filosofar educacional e que explicitaram seus pensamentos em obras e trabalhos específicos. A escolha dos autores, no interior da especificidade filosófica, não privilegia somente os que mais se destacaram no cenário nacional, recai, sobretudo, naqueles que contribuíram para a discussão educacional, porém não tiveram seus nomes politicamente consagrados. Este aspecto da pesquisa anuncia-se como de importância porque busca esclarecer um momento de efervescência teóricoeducacional cujas posições, de forças distintas e muitas vezes contraditórias, ao constituir o cenário educacional brasileiro caracteriza, também, o seu filosofar. Os resultados desta pesquisa, sem ser conclusivos, apontam para a convergência de aspectos positivos de correntes contraditórias que se caracterizam por um movimento eclético do pensar filosófico nacional. Palavras-chave: Filosofia da Educação; Educação Brasileira; História da Filosofia da Educação. Introdução A busca das raízes históricas da Filosofia da Educação no Brasil, a partir do início do século XX, não é tarefa de fácil realização, entretanto é uma temática promissora que poderá esclarecer aspectos fundamentais sobre a própria história da educação. Este assunto pode mover-se por inúmeros caminhos trazendo incomensurável contribuição a esta área. 3446 O período em que se delineiam as primeiras preocupações com a Filosofia da Educação data do final do século XIX e início do século XX. Compõe-se de discussões e de um repensar sobre uma filosofia direcionada para a educação concretizando-se na inserção da disciplina Filosofia da Educação nos cursos de formação de professores. Os textos produzidos neste período divulgam a temática e deixam entrever um rico material de sentido filosófico seja nas obras de literatura, de poética, de direito, de religião, ou mesmo, nos assuntos políticos. Ainda considerando este período destacam-se as preocupações econômicas e a sua vinculação com os rumos que o país deve tomar diante das transformações internacionais, principalmente, as da Europa, o que ocasiona na arena nacional uma efervescência de idéias que ora confluem para pontos que se assemelham, ora para pontos totalmente discordantes sobre o desenvolvimento nacional. A educação, na trajetória dos acontecimentos, se pronuncia na voz dos educadores que procuram, também, uma forma de transformação que possa acompanhar os novos tempos. Na busca de conhecer as expressões e as proposições educativas, transparentes nos discursos dos educadores, tanto na tentativa de delinear diferentes caminhos para a educação quanto ao desejar prosseguir no caminho que, até então, educacionalmente estava traçado, encontra-se uma filosofia de inspiração educativa. Analisando, pois, estas expressões que, na maioria, são de caráter argumentativo é possível encontrar vestígios de uma filosofia de estilo nacional ainda que mesclada às interferências internacionais. Assim, nesta perspectiva, o estilo do filosofar brasileiro no âmbito educacional se caracteriza e se constitui sob a ótica de dois segmentos: o tradicional que incorpora um modelo filosófico influenciado pelo pensamento de determinados autores de modelos clássicos da filosofia ocidental e o progressista que reconhece as condições históricas que estão se apresentando e que requer uma educação inovadora. Esta análise se anuncia como relevante uma vez que pode dar clareza ao momento de efervescência teórico-educacional do período citado, descrevendo posições de forças distintas e, muitas vezes, contraditórias, que constituem o cenário educacional brasileiro e que, por sua vez, caracteriza a primazia de um determinado filosofar. Desenvolvimento As indagações sobre a origem ou o delinear da história da filosofia da Educação é, em si, um exercício de reflexão filosófica educacional. Esta reflexão do filosofar no âmbito 3447 nacional encontra nas referências sobre a influência teórica que a fundamenta, características de modelos filosóficos ocidentais, vinculados às suas tradições e tendências. Tendo em vista este pressuposto básico não se pode deixar de indagar inicialmente sobre o significado do que é a Filosofia da Educação, para tanto se faz necessário situar a gênese histórica da filosofia. Sem aprofundar este esclarecimento, pode-se afirmar que é no desenvolvimento do mundo grego, no momento crítico daquela dinâmica social quando a discussão se pronuncia e põe em foco um movimento de renovação da cultura e da política na Pólis, é que a filosofia se interpõe como reflexão sobre a vida dos homens. Os discursos pronunciados a favor ou contra a democracia ou a aristocracia, permitiam revelar a desordem intelectual e social na expressão demagógica que era fortalecida pelos que sabiam falar bem. Sócrates torna-se conhecido como o primeiro dos educadores com seu método inquiridor a “maiêutica”, que no sentido comum é chamado de parto das idéias, e se posiciona contrário aos ensinamentos sofísticos. Os sofistas, os primeiros mestres que exigiam pagamento pelos seus ensinamentos, afloravam para instruir os cidadãos a se defenderem com argumentos convincentes sobre as demandas jurídicas em processos inúmeros na Pólis. Estes mestres, os sofistas, afirmavam-se naquele contexto como profissionais que ensinavam o saber da oratória e da retórica, conteúdo que ganhava status educativo e que se consolidava como forma explícita de sobrevivência. Este contexto, assim apresentado, em que a filosofia vai se pronunciando como reflexão crítica sobre a vida dos cidadãos da Polis é registrado por Aristófanes em sua sátira As Vespas. Esta peça teatral era apresentada ao público e fazia menção aos processos que se interpunham de cidadão para cidadão. As defesas ou acusações pronunciadas e julgadas publicamente tinham na argumentação e na contra argumentação as ferramentas necessárias aos cidadãos para “vencer” o processo. Neste sentido, naquele momento, era nas discussões, no seu desenvolvimento argumentativo e na contra argumentação, que se encontrava o interesse e a motivação para a reflexão filosófica. O contexto vivido por Platão permitiu-lhe definir, por meio destas argumentações reflexivas, a essência da filosofia como a que poderia auxiliar o homem na sua formação. Portanto, desde a antiguidade, com os primeiros filósofos gregos, a filosofia apresentou-se como elemento reflexivo, crítico e argumentativo que, teoricamente e ao mesmo tempo praticamente, permitia o encaminhamento de uma pedagogia para o viver. Esta maneira de refletir filosoficamente sobre o homem na sua vida prática e sobre o mundo, perdurou até o século XVIII, em circunstâncias e nuances que diferiam daquelas, mas 3448 com estrutura argumentativa e retórica semelhantes. Desde então, tomando como base a influência iluminista, em que a razão e a determinação do homem se fortalecem é que a filosofia e a educação encontram uma relação explícita de proximidade. E, neste mesmo século, é que a pedagogia vai adquirindo consistência e é assumida como uma disciplina com status de ciência. Nesta passagem, em que o statuto científico da pedagogia é reconhecido, definindo o seu significado e a sua função, emergem questões pertinentes à relação existente entre a Pedagogia, a Filosofia e a Educação. Os questionamentos sobre esta relação, ao elucidar melhor a posição da pedagogia, provoca seu distanciamento da filosofia. Assim, não se pode negar que na íntima correlação existente entre as áreas: da educação, da pedagogia e da filosofia, é que se configurou e se confirmou a sistematização da pedagogia como ciência. Tendo em vista este quadro, pode-se afirmar que é diante da base histórica da modernidade que a pedagogia assume uma nova dimensão e a filosofia se apresenta como reflexão crítica teórica dos processos educacionais buscando esclarecer os pressupostos que os fundamentam e se estes pressupostos estariam ou não em consonância com as necessidades do homem, da sociedade, do mundo. Esta mesma discussão fazia parte do cenário europeu desde o início do século XVIII e se fortaleceu no século XIX, quando os trabalhos de Rousseau, de Kant, de Hegel, de William James e mais tarde de Dewey, entre outros, foram elaborados no confronto dos pressupostos teóricos do racionalismo científico e da metafísica. Os filósofos buscando dar um novo sentido à filosofia apresentam em suas obras concepções sobre a sociedade, a política, a educação, possibilitando esclarecer a correlação filosófica inerente a estas áreas. As posições daí destacadas levariam à busca e à produção de um sistema filosófico, como os apresentados pelos filósofos acima citados e que no seu interior ofereciam um encaminhamento educativo de formação para o homem moderno. Neste entremeio, uma grande produção filosófica foi gerada nos países da Europa que tinha como finalidade assegurar um sistema filosófico educacional. A preocupação por um sistema filosófico tornava inevitável a instauração de uma batalha teórica entre as correntes da filosofia essencialista e as da existencialista. Entre sistemas de valores metafísicos e valores científicos. Entre concepções tradicionais e concepções modernas. No surgimento de novas propostas de análise, de crítica e de reflexão filosófica, Kant (1724-1804) tendo em vista o idealismo alemão formula sua concepção colocando na base dos seus pressupostos teóricos a constituição do homem pela educação na sua razão prática. O 3449 conhecimento acerca do agir e do fazer humano em relação aos seus semelhantes, era fundamental na sua obra filosófica sobre o problema do conhecimento empírico (a posteriori) e do conhecimento puro (a priori) em “A crítica da razão pura” (1781) e sobre o problema da moral em “A crítica da razão prática” (1788). As idéias de Kant, de Hegel e do evolucionismo deslumbravam os educadores, principalmente os de formação filosófica de inclinação católica “que passaram a desejar uma feição mais moderna e mais adaptada ao homem moderno, e que procuravam revesti-lo com as roupagens daquelas idéias” (ALVES, 1979). Esta maneira interpretativa retirada do conceito Kantiano, que acomodava a fé às idéias dos tempos modernos e era aplicada à educação foi chamada de modernismo e, ao se difundir influenciando não só os educadores mas todo o corpo eclesiástico, teve como resposta A Encíclica Pascendi, de 1907, definindo o modernismo como um “amontoado de todas as heresias”. A partir da conclusão analítica do Papa Pio X, a recomendação para refutar os erros modernistas estava na adoção da filosofia de São Tomás. A Igreja só admitia como verdadeira a filosofia que respeitasse o valor do conhecimento humano sob os princípios da Metafísica, como os: da razão suficiente, da causalidade, da finalidade e da capacidade intelectual de se chegar à verdade certa e imutável. Estes princípios filosóficos, considerados indispensáveis pela Igreja e recomendados como orientação para os católicos, eram defendidos pela filosofia de Santo Agostinho, de S. Boaventura, de Scoto e de Suarez. O mais apreciado e indicado pela Igreja eram os pressupostos defendidos por São Tomás de Aquino e deveriam nortear os estudos das Universidades Católicas e dos Seminários (MOURA, 1978, p.18). Em vista disto, a filosofia kantiana defendida pelos educadores católicos modernos passa a mesclar-se com a filosofia tomista. Assim considerando, a retomada da tradição católica já não se impunha com o vigor que lhe era comum, os ventos da modernidade a sobrepujavam e já não poderiam ser desviados. Outros pensadores manifestaram suas concepções no mesmo século, XVIII –XIX, que repercutiram sobremaneira no século seguinte. Fichet, por sua vez, expôs a sua tese correlacionando a educação e a política na formação do homem e destacou o apoio que a educação deveria necessariamente buscar na filosofia, quando nos seus pressupostos reforçava a idéia de que um sistema filosófico contém em si uma teoria educacional. William James se expressava considerando que “todos possuem uma filosofia, ou seja, o sentido mais ou menos obscuro ou lúcido que temos do que é a vida honesta e profundamente o que significa para cada um de nós”. Este conceito poderia ser desdobrado 3450 em várias versões e revelar a relação íntima entre a filosofia e a educação, a filosofia e a vida. No interior destas discussões está, portanto, o encaminhamento filosófico-educacional do homem que tem no modelo de um sistema capitalista a sua atividade prática e a configuração de toda a dinâmica das relações sociais. Tendo em vista o cenário das discussões internacionais, preanunciava-se nas discussões nacionais, uma reforma educacional em que educadores assumiam posições políticas, concepções e correntes teóricas que se alinhavam e ajustavam-se ou distanciavamse. Neste entremeio a Filosofia e a História da Educação, no Brasil, nas décadas de 20 e de 30, ao afirmarem-se nos currículos das instituições de formação docente, assumiram dupla função: quando preservavam os fundamentos morais, apoiados nos princípios da metafísica, da teologia cristã e quando seus conteúdos eram remodelados pelas novas tendências, apoiados nos princípios e preceitos científicos veiculados pela escola nova. A dupla tarefa destas disciplinas, no interior das instituições, sedimenta-se tendo os pressupostos filosóficos dos pensadores antes citados, Kant, Rousseau, William James e Dewey e, ainda, pela filosofia Tomista. Kant, influenciado por Rousseau e por Hume, tinha seus fundamentos apoiados na conduta do homem no seu agir e fazer como denunciantes dos problemas morais, e anunciava a autonomia e a liberdade do homem ao alcançar o “esclarecimento”, momento em que deixava a sua ignorância e desvencilhava-se da necessidade da direção de outro homem e ficava livre do seu aprisionamento à “menoridade”. Rousseau, por sua vez, revelava na sua obra Emílio ou Da Educação, a importância de conhecer o desenvolvimento da criança, de reconhecer a criança como criança e de permitir a sua inserção no centro do processo educativo. Este educador destacou com primazia, nos seus pressupostos filosóficos, a liberdade da criança para aquisição do conhecimento, a experimentação que era valorizada por meio dos sentidos sobrepujando a teorização, o falar erudito ou o discurso retórico. Ainda, acrescenta-se a influência que a filosofia de William James exerceu nos educadores, enunciada na obra Princípios da Psicologia, demarcando a prática educativa das décadas citadas, ao expor seus princípios acerca do pensamento, da consciência pessoal e do respeito ao que se caracteriza como a individualidade do pensar. Dewey (1954), seguidor de William James, aborda uma filosofia pragmática inspirada pelos princípios democráticos da liberdade, pelo desenvolvimento para uma prática de vida cada vez melhor. Estas concepções favoráveis à filosofia de uma educação voltada para a 3451 modernidade eram entrelaçadas pelos pressupostos que seguiam os caminhos da moral religiosa de forte influência da filosofia Tomista. O convívio entre concepções contraditórias, assumidas pelos educadores integrantes do quadro do magistério no interior das instituições, tanto se conflitavam quanto se interligavam. No esteio dos pressupostos favoráveis e atinentes à formação do homem moderno e de pressupostos determinados por características tradicionais na tentativa de sua conservação, a função da Filosofia da Educação adquiriu duplo sentido. Como disciplina formativa, ao preservar conceitos morais, impunha de um lado, a Filosofia metafísica inspirada nos pressupostos desenvolvidos por Tomas de Aquino, que se pautava pelo respeito à autoridade e à hierarquia; de outro lado, não se distanciava da Filosofia de Kant ao valorizar o aspecto moral e que nos seus primeiros ensaios filosóficos tinha a metafísica como objeto de estudo. Esta filosofia, kantiana, foi, mais tarde, repudiada pela Igreja, conforme observação anterior, no entanto, não deixou de ser apreciada pelos católicos. Como disciplina que buscava nos preceitos da modernidade os seus fundamentos para a formação do homem, desenvolvia, de um lado, uma metodologia que era recomendada pela Escola Nova e apoiavase em uma filosofia progressista de caráter liberal; de outro lado, buscava respaldo nos princípios da psicologia como alicerce para o conhecimento do desenvolvimento da aprendizagem e da experimentação como a base prática do conteúdo. Neste caso a liberdade da criança era fundamental como precedente da autonomia e a tornava como figura central do processo educativo. A Escola Nova, por um lado, atendia aos interesses políticos da modernização, defendia uma metodologia inspirada na atualização e na modernização do ensino. A racionalização e o cientificismo escolar eram valorizados pelos representantes desta escola como arautos das novas possibilidades de conquista e de desenvolvimento para a humanidade. Os representantes deste movimento progressista eram os pioneiros, os renovadores da educação. Esta Escola que se dizia de base inovadora, confrontava-se, por outro lado, com o grupo dos católicos conservadores, que lutavam contra o laicismo, contra a irrestrita liberdade da criança. Esta luta se pronunciava como conseqüência da laicização que vinha se operando com intensidade desde o século XIX, no Ocidente. Tinha suas raízes no humanismo do período do Renascimento e ganhou força com a Revolução Luterana no século XVI. Estes movimentos embalados pela nova forma de interpretação do homem como autor do seu 3452 destino, fazia com que a Igreja perdesse a supremacia doutrinária, política e social, exercida desde os tempos medievais (MOURA, 1978, p.24). A luta dos educadores do grupo dos católicos se fazia frente às ameaças da estrutura monárquica da Igreja, o que impunha forte resistência às iniciativas democráticas, tanto no plano nacional como no internacional. Os católicos adotaram uma postura política para fazer valer “os princípios básicos da ordem social cristã” como eixo orientador da Constituição política do país. As reivindicações políticas aclamadas para serem incluídas na Constituição se estruturavam tendo em vista: o reconhecimento explícito do catolicismo como a religião do povo brasileiro; a manutenção da indissolubilidade do matrimônio e reconhecimento oficial do casamento religioso; a inserção do ensino religioso católico nas escolas primárias e nas secundárias oficiais. Esta luta política da Igreja pela incorporação destes princípios à futura Constituição mobilizou nacionalmente a hierarquia católica, principalmente, no ano de 1931, vésperas da promulgação da Constituição brasileira (HORTA, 1994, p.99). Este cenário político influenciava as discussões sobre a reforma educacional, principalmente no que dizia respeito à identificação de uma filosofia educacional. Esta batalha teórica, ideológica, política que perpassava o campo educacional, foi aos poucos se atenuando, à medida que os conservadores conquistaram a possibilidade de atuação religiosa na educação, por meio de concessões na legislação nacional. Neste mesmo sentido, o duplo papel que a filosofia da educação enfrentava nos primórdios da sua implantação, no currículo escolar, foi aos poucos diluindo suas fronteiras, principalmente, a partir da década de 40, quando se efetivou parte das reivindicações dos católicos constitucionalmente. A partir desta garantia constitucional os católicos assumiram posturas liberais e progressistas. Este aspecto é evidenciado nas obras de Amoroso Lima que defendeu uma doutrina política que valorizava o humanismo cristão. Esta doutrina serviria para evitar os excessos do liberalismo e do socialismo, procurando encontrar o equilíbrio entre os extremos (CAMPOS, 1998, p.109). Esta postura não se apresentava contrária aos fundamentos liberais, mas os articulava com os tradicionais, o que impunha uma base harmônica social. Para tanto ao estudar e refletir sobre a filosofia de John Dewey, antes rejeitada pelos católicos e defendida pela oposição, Amoroso Lima produziu um artigo sobre “Os valores na Filosofia de John Dewey”. Neste artigo o autor afirmava que esta filosofia deveria ser considerada naquilo que ela apresentava de positivo e valioso e não apenas na adoção de um naturalismo 3453 (CAMPOS,1998, p.136). A oposição já não se fazia de maneira radical, tornava-se conciliatória, aproximava a dialética do pensamento tradicional com o liberal. Demonstrava um esforço de síntese entre as duas posições. Neste sentido, as formulações dos teóricos, frente ao modo de produção capitalista e desenvolvimentista, é que se oportuniza às disciplinas da História da Educação e da Filosofia da Educação tomarem lugar no espaço dos cursos de formação de professores, no início do século XX, no Brasil. Estas disciplinas foram originariamente valorizadas no currículo como as que atribuíam à educação um caráter formativo e foram dispostas em um só bloco denominado como Filosofia e História da Educação. Porém, era a Filosofia que possuía a primazia no quadro das discussões e era ela que servia de suporte à História da Educação. A História da Educação retirava da filosofia a sua temática, os seus conteúdos e as suas abordagens e era considerada como uma das especializações que a Filosofia havia criado. A função da disciplina Filosofia e da História da Educação, no programa curricular, consistia em dar um sentido moral à educação. Esta moral era acolhida dos valores absolutos e transcendentais, que a humanidade até então havia alcançado e esbarrava nos novos conceitos que tinha sustentação nos problemas sociais gerados pelo mundo capitalista, e que se concretizavam nos princípios liberais inspirados por Kant, Rousseau, James. E era na definição de uma Filosofia da Educação, mesclada por discussões entre correntes contraditórias, que se encontrava o ponto de partida para a concretização da finalidade da educação, ou seja, da educação do homem moderno. No Brasil, ao final do século XIX e início do século XX, momento em que se discutia o rumo político-econômico da República e a educação como ato conseqüente para o seu desenvolvimento, a filosofia da educação passa a ter relevância acentuada como disciplina que possibilita o pensamento crítico-reflexivo sobre os problemas sociais e sobre os encaminhamentos educacionais, como forma de conscientização e direção para condutas e comportamentos que melhor se adequavam àquela sociedade. No interior das discussões e em meio às proposições filosóficas do tomismo e do modernismo, acentua-se o percurso da Filosofia da Educação nas escolas de formação de professores, caracterizada pela posição que diferentes educadores assumiam, pelo caminho da filosofia tradicional, conservadora ou pelo caminho da filosofia moderna, progressista e liberal. A implantação de uma reforma que se caracterizava pela Escola Nova, era atravessada por estas posturas. Diante deste cenário o pensamento filosófico nacional, nas décadas posteriores, vai se compondo e adquirindo 3454 características próprias de um estado conciliatório, de aparência eclética ao tirar o que havia de “bom” e de “melhor” das concepções dos pensadores que influenciavam a ordem mundial para a concretização das características de um homem moderno. As transformações econômicas causadas pela aceleração do modo de produção capitalista e o crescente desenvolvimento urbano, criaram a necessidade da expansão educacional, antes ofertada somente às camadas sociais mais elitizadas. Os segmentos sociais de classe média passam a requerer uma educação secundária e as classes populares solicitam uma educação elementar para os filhos. A Igreja, até então, controlava o ensino secundário sem preocupar-se com o ensino primário. A expansão deste segmento educativo, acelerava-se nas últimas décadas, atraindo a atenção da Igreja para conquistar a introdução do ensino religioso nas escolas públicas. Neste sentido, compreende-se que a Igreja passa a lutar por este espaço para garantir sua influência sobre as classes populares (HORTA, 1994, p.101 ). Diante deste cenário nacional, as discussões que perpassavam a Europa eram pela constituição de uma escola moderna que atendesse às necessidades do capital. As polêmicas diziam respeito à filosofia que deveria nortear a finalidade educativa, a formação do homem moderno. Esta conjuntura influencia a discussão nacional que politicamente se via atravessada por interesses diferentes. De um lado encontrava-se a defesa do ensino religioso, ou seja, da Filosofia tradicional que assegurava os princípios da religião cristã entremeada pelo interesse político de expansão e de garantia do ensino religioso na educação como portador da segurança da moral do cidadão, afirmativa completada por Campos de que a Igreja era uma força moral. O conceito de filosofia, no seu aspecto tradicional, no interior da escola tinha como fim essencial “não só instruir, mas educar, não só habilitar técnicos senão também formar homens que, na vida doméstica, profissional e cívica sejam cumpridores fiéis de todos os seus deveres” (HORTA, 1994, p.101). Esta política de educação deveria excluir as influências materialistas; garantir à escola a liberdade de ensinar a religião e que o ensino se baseasse em uma concepção espiritualista da vida, ou seja, que adotasse uma filosofia educacional com base na metafísica. Ao discutir, em 1931, a ação pedagógica da Igreja para atingir as classes mais populares na educação primária, os educadores salientavam a sua importância para a garantia da conduta moral e intelectual da sociedade (HORTA, 1994, p.100). A educação das massas adquiriu importância ao prenunciar a possibilidade de expansão do universo de ação da Igreja, e o discurso adotado popularmente acenava para a extensão da educação, que já vinha sendo 3455 realizada no aspecto espiritual e cultural das elites, para outro segmento social, o popular. O sucesso desta luta política permitiria a aproximação da Igreja ao Estado e à legislação. De outro lado encontrava-se a defesa de uma Filosofia de formação para a vida do homem como cidadão de uma sociedade que se desejava moderna. Seguia a influência internacional a favor da democracia, pressionada pelos direitos humanos, por uma política democrática e por uma visão liberal do mundo e, ao mesmo tempo, fortalecia sua influência na disputa por um modelo de Filosofia que norteasse o ensino, alicerce para o futuro cidadão. Assim, as duas concepções se interpunham no mesmo espaço, a tradicional que estaria conservando o espírito da religião cristã, explicitada pelos conservadores e proclamada como a religião do povo, da grande maioria dos brasileiros e a filosofia moderna mais condizente com os novos tempos em que a modernização do país era uma necessidade diante do impacto econômico que vinha sofrendo ao depender da indústria internacional. Neste sentido, a posição filosófica para uma educação liberal, democrática, progressista, cujos pressupostos estavam voltados para a educação do homem moderno, se fazia presente nos países da Europa e nos E.E.U.U. desde o início do século quando a pauta nas discussões político-educacional era a democracia. No Brasil, esta preocupação com a democracia não era acentuada uma vez que os interesses políticos se manifestavam com forte repercussão na conservação dos princípios estabelecidos pela moral cristã. Esbarrava no aspecto moral que acompanhava a ciência da modernidade e no próprio conceito educacional impregnado da moral tradicional. Assim, o pensamento filosófico, durante a Primeira República, impregnado da teologia cristã e influenciado por raízes religiosas ou metafísicas, tinha sua coordenada teórica sob os auspícios de uma visão predominantemente essencialista. Neste panorama, os autores se preocupavam com o fim da educação, ou seja, com os fundamentos filosóficos educacionais que poderiam dar suporte para a escolarização do homem que se pretendia moderno. A composição de uma filosofia educacional comprometida com a modernidade, definida pelo educador liberal Teixeira (1975, p.166) “busca auxiliar a estabelecer o mais compreensivo método de julgar, com integridade e coerência, os valores reais da vida atual, para o efeito de dirigi-la para uma vida cada vez melhor e mais rica”, diferia das definições de educadores e escritores católicos que, também, defendiam o novo regime como Jonathas Serrano e Felício dos Santos (MOURA, 1978, p.65). Felício dos Santos defendia a filosofia kantiana e definiu a filosofia como sendo “a ciência que completa 3456 a unidade do saber” afirmando que o pensar filosófico deve ser independente dos interesses apologéticos. Apresentou a doutrina kantiana das duas razões e da preeminência da razão prática sobre a razão pura, afirmando a importância destas teses não só no aspecto filosófico, mas também no religioso uma vez que o conceito de fé religiosa do modernismo derivava do conceito da fé que Kant punha na razão prática (MOURA, 1978, p. 71). Serrano, como adepto dos fundamentos da Escola Nova, defendia os aspectos metodológicos da prática, da experimentação e da inovação dos conteúdos sem deixar de considerar os aspectos filosóficos da religião cristã. Participou ativamente do grupo dos pioneiros, ajudou a redigir o manifesto, mas não teve força suficiente para impedir que o laicismo e a liberdade da criança deixassem de transparecer de forma predominante. Enquanto, poucos católicos se manifestavam a favor da Escola Nova, muitos radicalizavam suas posições tais como Everaldo Backeuser e Alceu Amoroso Lima, e outros que procuravam impedir, pelo menos em parte, que as idéias do pedagogo e discípulo de Dewey, Anísio Teixeira, dominassem a educação brasileira. Alceu Amoroso Lima mais tarde reviu e reformulou sua posição a favor da Escola Nova. A Igreja, neste período, percebendo que suas estratégias não predominavam sobre os ares do modernismo e que a filosofia cristã se impregnava da filosofia liberal, publicou a nova Carta do Papa Pio XII, reafirmando a validez “do método e da doutrina de S. Tomás” e lastimou que: “hoje, a filosofia, confirmada e admitida pela Igreja, seja objeto de desprezo da parte de alguns, a ponto de, imprudentemente, declará-la antiquada na forma racionalista do processo do pensamento. Vão espalhando que esta nossa filosofia defende erroneamente a opinião que possa existir uma metafísica verdadeira de modo absoluto, quando, pelo contrário, sustentam que as verdades, especialmente as transcendentes, não podem ser expressadas mais convenientemente que por meio de doutrinas divergentes que se contemplam entre si, ainda que sejam em certo modo entre si opostas... objetam, ademais, que a filosofia perene não é senão a filosofia das essências imutáveis, ao passo que uma mentalidade moderna se deve interessar é pela existência de cada indivíduo e da vida sempre em devir” (MOURA, 1978, p.97). As demandas do modernismo impediam a ação da Igreja tal como havia se apresentado no passado, a sua remodelação era inevitável uma vez que os seus seguidores já não respondiam com tanta convicção à filosofia correspondente. Em vista disto os discursos sobre a reforma educacional na sua metodologia e muito da sua filosofia foram reconsiderados pelos radicais dogmáticos. 3457 Nesta perspectiva podemos afirmar que a Filosofia da Educação que teve seu nascimento no Brasil ao final do século XIX, foi se configurando com aspectos religiosos e democráticos, ou seja, com aspectos de uma filosofia tradicional e uma filosofia progressista, pragmática. Conclusões Tendo em vista a análise, anteriormente explicitada, compreende-se que as raízes da filosofia nacional não podem ser demonstradas sem a interferência internacional e, ao mesmo tempo sem considerar o contexto expresso nacionalmente. A filosofia tradicional, que procura conservar os preceitos da religião cristã, e a filosofia progressista ou liberal, que procura desenvolver a formação para um homem moderno, de princípios democráticos, de responsabilidade sobre as suas ações, encontram-se explícitas nos discursos sob pontos de vista de concepções contraditórias. Estas posições expostas durante o final do século XIX e início do XX, principalmente na década de 20, apresentam-se radicalizadas e controvertidas. No entanto, na década de 30, posterior à promulgação da constituição atenuam-se as divergências. A explicação deste fato transparece na luta e na conquista de parte das reivindicações da Igreja quando da consolidação legalizada do ensino religioso nas escolas públicas. Segmento social que asseguraria a hegemonia da religião cristã no seio popular e, ao mesmo tempo, a sua participação nas decisões do Estado, do qual se encontrava afastada. Se considerarmos a finalidade da filosofia como uma disciplina que procura educar “os homens de um modo sensato e esclarecido” para organização de sua própria vida e ao mesmo tempo refletir sobre o que ela deverá ser, temos aí argumentos necessários para o delinear de uma Filosofia da Educação ou considerar filosoficamente a educação como de caráter formativo (KNELLER, 1970, p.12). O caráter formativo age sobremaneira na consciência, no comportamento ou conduta que faz do indivíduo um homem desta sociedade e está impregnado de uma transmissão cultural de conhecimentos, de valores e de ideais. Estas manifestações não só são encontradas na própria disciplina como estão expressas na literatura e nos discursos de diversos segmentos sociais. 3458 Considerando a Filosofia da Educação brasileira nas suas raízes pode-se afirmar que ela se apresenta sob aspectos de interferência internacional, quando os autores clássicos (de tradição teológica ou defensores dos aspectos tradicionais) e os autores contemporâneos contrapõem as suas concepções; e, por outro lado, quando se apresenta sob aspectos coordenados pelo cenário nacional, ao manifestar as contraposições e as aproximações entre concepções tradicionais e progressistas, em momentos diferentes. Neste cenário temos a elevação de um ecletismo que aproxima o que é considerado de utilidade, de uma concepção e de outra, mesmo quando opostas, como recomendado por Dewey. Este é o estilo nacional que vai se forjando na Filosofia da Educação nas primeiras décadas do século XX . REFERÊNCIAS ALVES, M. M. A Igreja e a política no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1979. CAMPOS, F. A. Tomismo no Brasil. São Paulo: Paulus, 1998. DEWEY. Vida e educação. 4. ed. São Paulo : Edições Melhoramentos, 1954. HORTA, J.S.B. O hino, o sermão e a ordem do dia: regime autoritário e a educação no Brasil (1930-1945). Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1994. KNELLER, George F. Introdução à Filosofia da Educação. 3.ed. Zahar, 1970. MOURA, O. As idéias católicas no Brasil: direções do pensamento católico no Brasil no século XX. São Paulo:Convívio, 1978. TEIXEIRA, Anísio. Pequena introdução à Filosofia da Educação. 7.ed. São Paulo: Nacional,1975.