7 Geraldo William Amaral da Cunha A função paterna e suas implicações em crianças em situação de risco afetivo e social Divinópolis 2008 8 Geraldo William Amaral da Cunha A função paterna e suas implicações em crianças em situação de risco afetivo e social Monografia apresentada ao curso de Psicologia do Instituto de Ensino Superior e Pesquisa (INESP) da Fundação Educacional de Divinópolis (FUNEDI), Unidade Associada à Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) Prf.(a) Orientador (a): Rita de Cássia Francischeto da Rocha Ferreira Divinópolis 2008 9 Aos meus pais, pelos ensinamentos recebidos, pela dedicação, pelo apoio e desejo de que nada me faltasse para a realização de mais esta etapa em minha vida... 10 Agradeço primeiramente a Deus, por estar neste caminho, que abriu e continua abrindo possibilidades para a vida, que antes nunca imaginado. Aos filhos Pedro, Laura e Rafaela pelos momentos ausentes em função dos estudos não podendo deixar de citar Isadora e Isabella, por quem tenho um enorme carinho. 11 Aos amigos Kim e Salete, que sempre me apoiaram considero-os como parte de minha família. Aos amigos da SSVP em especial ao amigo João Paulo que sempre foi um incentivador e que muito contribuiu com boas conversas e com quem tenho aprendido muito. As pessoas que conheci durante os estágios e na graduação em especial os colega Pedro Joaquim e a Professora Rita de Cássia, que fomentou esta minha inclinação para a área da Psicologia Jurídica, a que espero continuar dedicando e aprendendo. 12 Em fim, agradeço a todos que acreditaram e fizeram parte desta caminhada. `A todos, minha admiração. 13 Sonho de criança, É viver com esperança. Sonho de criança, É cumprir a confiança. Sonho de criança, É encher a pança. Sonho de criança, É viver em harmonia. Sonho de criança, É fantasiar a fantasia. Sonho de criança, É curtir a alegria. Sonho de criança, É viver em paz. Sonho de criança Não é só fazer o que o outro faz. Todos lutando por um mundo melhor, Para melhorar, As coisas em seu redor. Um mundo melhor, Uma vida melhor, Sem menor, Nem maior, Sem melhor, Nem pior. É lutando, Que se consegue, É sonhando que nos deixa alegre. Nós que nos fazemos feliz, Lutei e fiz, O mundo como eu quis. Marcella Mattar Yunes1 1 Escrita quando aos nove anos de idade 14 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO......................................................................................................... 7 2. CAPITULO 1 2.1 Família: suas constituições Históricas, Sociais e Contemporâneas................ 10 3. CAPITULO 2 3.1 A função paterna, sob o olhar Jurídico e Psicanalítico.................................... 19 4. CAPITULO 3 4.1 A Educação Escolar, a Família e seu contexto e os sintomas apresentados por jovens e crianças na contemporaneidade.................................................................. 30 5. CONCLUSÃO........................................................................................................ 39 6. REFERÊNCIAS..................................................................................................... 41 15 1. INTRODUÇÃO O objetivo principal é pesquisar sobre a função paterna e sua implicações em crianças em situação de risco afetivo e social, e para nortear este trabalho foi feito um percurso passando pela construção social da função paterna, através do tempo e das transformações sociais que foram acontecendo. Percebemos que as famílias foram influenciadas e influenciaram, atravéz de seus contextos históricos, culturais, econômicos e afetivos, que interferem de algum modo, na construção da subjetividade e do desenvolvimento do sujeito. Neste percurso, inicialmente é colocado as questões sobre as constituição familiares, fazendo um recorte histórico atravéz da Constituição Brasileira, que fala das Leis de proteção à família passando pelos fenômenos que nela aconteceram desde a Industrialização, e como a família se organiza hoje na contemporaneidade, até a Globalização. Será exposto no segundo capitulo, sobre a função paterna atravéz do olhar da Psicanálise e do Direito, atravéz de um recorte histórico sobre como as leis foram sendo produzidas, com grande influência do Direito Canônico e a participação da igreja envolvendo questões religiosas e eclesiásticas, sendo delegado ao pai, o representante da Lei, com o dever de transmiti-las hierarquicamente na família principalmente as regras individuais de cunho moral e social de acordo com a cultura e o tempo ao qual estão inseridos. 16 A partir desta perspectiva veremos que as leis foram se legitimando, e atravéz da Constituição foram criadas leis de proteção para crianças e adolescentes o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) visto a importância de assegurar para crianças e adolescentes as condições necessárias para que indivíduos se desenvolvam e se tornem adultos capazes de se estabelecerem socialmente. Após esta apresentação será exposto sobre a função paterna atravéz das relações edipianas desenvolvida e teorizada por Sigmund Freud, o qual fala da importância das vivencias na infância e suas relações na família com o pai e a mãe, dos desejos e dos impulsos sexuais, da castração e a internalização das leis. No terceiro capítulo, discorremos sobre os pontos de vista de alguns autores, sobre as causas mais evidentes para os problemas apresentados por Crianças e Adolescentes, atravéz das demandas surgidas, principalmente, durante a fase Escolar. O interesse em tratar desse tema foi despertado durante a prática de trabalho em um Centro de Referência a Educação Inclusiva (CRAEI), onde realizava Anamneses diariamente, durante o fornecimento dos dados, muitas vezes era solicitado por uma demanda de pais, e assim era criado um espaço para que eles falassem de suas angústias e outros problemas relativos a família e os filhos. A maior parte desses atendimentos, eram de mães e avós, as quais em sua maioria, eram as únicas responsáveis de fato pelas crianças e que nos fez perceber uma série de questões sociais relacionadas, principalmente as Condutas Típicas, que também incluía questões familiares, em especial, a ausência da Figura Paterna, das 17 novas organizações de famílias, da união de famílias envolvendo filhos de relações anteriores, problemas advindos do ambiente, da Escola... Em menor escala, apareciam as condições socioeconômicas e as demandas que tinha suas causas identificadas por deficiências físicas e mentais. Ao deparar com estas questões é que surgiu o interesse em buscar subsídios para compreender melhor sobre esses assuntos e futuramente poder avançar nesta direção, abrindo novas possibilidades, e quem sabe, desenvolver projetos que atuem junto às demandas que estão à volta de Crianças e Adolescentes. 18 1.1 FAMÍLIA: SUAS CONSTITUIÇÕES HISTÓRICAS, SOCIAIS E CONTEMPORÂNEAS Desbiologizar a paternidade e sair do seu campo meramente formal e jurídico abre para nós a possibilidade de pensar a família em qualquer agrupamento humano, em qualquer ponto geográfico ou lugar na história, para poder retornar ao jurídico sob a clareza com que merece ser tratada a questão.(PEREIRA, 1999, p.26) A partir da citação podemos dar ínicio a vários questionamentos sobre a família, o patriarcado como referência para família, as novas constituições familiares, a constituição família tendo que ser legalizada, leis que asseguram direitos e deveres para homens e mulheres, o casamento, em fim, situações e transformações que aconteceram ao longo de nossa história e que fizeram com que algumas áreas do conhecimento se preocupassem a estudar profundamente a instituição familiar, talvez vendo ai a importância para o desenvolvimento do sujeito. Faremos aqui um recorte histórico da constituição familiar trazendo elementos que nos ajude a compreender melhor, suas transformações. A instituição família passou por várias mudanças e por inúmeras transformações, sofrendo influências e influenciando, de acordo com o tempo o lugar no qual estava inserida. No início de nossa colonização, não se pensava ou não existia aqui nenhum movimento ou estudo que fizesse referência ao termo família, sendo que na primeira Constituição não foi sequer mencionada e na segunda Constituição aparecia apenas em um ou outro artigo como veremos a seguir. 19 A primeira Constituição do Brasil, de 1824, não fez nenhuma referência à família ou ao casamento. Tratou apenas, em seu capitulo III (arts.105 a 115), da família imperial e seu aspecto de dotação. A segunda Constituição do Brasil e primeira da República (1891) também não dedicou capítulo especial a família. Somente em seu art. 72, Inciso 4°, dizia “A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita”.(PEREIRA, 1999, p.32) Nesta época em razão da separação Igreja / Estado é que foi inserido o art. 72, uma vez que, “a partir do regime Republicano , o catolicismo deixou de ser a religião oficial, passando a ser necessário mencionar o casamento civil como vínculo constituinte da Família Brasileira”. (PEREIRA,1999, p.32) É importante observar que até este momento as famílias eram constituídas pelo casamento religioso que automaticamente já vinha acompanhado dos direitos civis, pois ainda não havia separação dos poderes da Igreja e do Estado. A partir da constituição de 1934, é dada uma maior importância às questões familiares, pois “era uma tendência da época e a constituição passa a dedicar capítulos inteiros, à família”. (PEREIRA,1999, p.32) As mudanças que ocorriam no âmbito jurídico eram acompanhadas por mudanças sociais importantes que aconteciam não só no Brasil mas em todo o mundo, principalmente na Europa, que repercutiam diretamente na família e em todo seu contexto. “As constituições de 1937, 1946, 1967 e 1969 trazem consigo esta mesma linha de pensamento, apresentando em seu enunciado um sentido único, a de que o 20 casamento indissolúvel era a única forma de constituir uma família”. (PEREIRA,1999, p.33) Os textos constitucionais, ainda nesta época, mencionavam que a família se constitui pelo casamento e este era indissolúvel e desta forma teria a proteção do Estado conforme o enunciado do art. 163 da Constituição Federal de 1946. O Art. 167 da Constituição Federal de 1967 mudou alguns termos, mas mantivera praticamente o mesmo significado. Em 1969, na Constituição deste mesmo ano foi acrescentada uma Emenda Constitucional estabelecendo o divórcio no Brasil onde dizia em seu art. 175 que: “A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes Públicos. No Inciso I, o casamento é indissolúvel. (modificado pela Emenda Constitucional n° 9 / 77, que instituiu o divórcio no Brasil)”. (PEREIRA,1999, p.33) As modificações das leis na Constituição vinham acompanhadas de fatores culturais e socioeconômicos de acordo com cada época. As Leis quando revisadas e ampliadas ou quando novas Leis surgiam, eram tentativas de legitimar as mudanças sociais que aconteciam , “pois é certo que há imposições da própria cultura , mas se os elementos culturais fossem tão determinantes , não haveria a necessidade de se legislar sobre eles, pois seriam leis naturais” (PEREIRA,1999, p.33) Podemos perceber que na medida em que foi aparecendo o termo família no texto constitucional, dizendo que ela se constitui pelo casamento, já sinalizava que tal contexto apontaria para outras direções. 21 E em 1988, é que a Constituição tem seu texto ampliado no que se refere principalmente à família e nas formas de constituí-la, o Estado passa a reconhecer como entidade familiar a “união estável entre homem e a mulher, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. Entende-se também como entidade familiar , aquela formada por qualquer um dos pais e seus descendentes”. (PEREIRA,1999, p.34) Na Constituição de 1988, a família tem uma concepção mais solidária e uma série de elementos contribui para uma nova composição da família no final do século XX. O casamento, em suas várias definições, mesmo que ainda misturado a conceitos religiosos, tem sido objeto de regulamentação jurídica, tem mudado tanto quanto tem variado os costumes e em relação ao tempo, como definido por Lafaiete e citado por Pereira: “casamento é um ato solene pelo qual duas pessoas de sexo diferente se unem para sempre, sob promessa recíproca da fidelidade no amor e da mais estreita comunhão de vida”. (PEREIRA, 1999, p. 47 e 48) Para Clóvis Beviláqua, citado por Pereira: o casamento é ”um contrato bilateral e solene , pelo qual um homem e uma mulher se unem indissoluvelmente, legitimando por ele suas relações sexuais ..., e comprometendo-se a criar e educar a prole que de ambos nascer”. (1999, p. 48) E por fim, uma visão mais moderna com um conceito mais atualizado para o casamento, segundo a doutrina brasileira, e o que nos diz Caio Mário Silva citado por Pereira (1999, p. 48) : “que o casamento é a união de duas pessoas de sexos diferentes, realizando uma integração fisiopsíquica permanente”. “Outros fenômenos como ideologia Patriarcal, a revolução feminista, a redivisão sexual do trabalho, o conhecimento cientifico e a globalização tem suas contribuições na historia evolutiva da família”. (PEREIRA, 2003, p.155) 22 Dentro das famílias, as pessoas passaram a assumir novos papéis dentro da dinâmica familiar. Algumas destas mudanças de funções na família impulsionou o homem na busca de um papel mais ativo, revendo o antigo conceito de paternidade e de família patriarcal que na “verticalidade das relações começa a ceder lugar à busca de uma horizontalidade que caracteriza a uma família mais igualitária”. (TEIXEIRA, 2005, p. 28) Além disso, a procriação desvinculou-se do casamento com o advento dos métodos anticoncepcionais, o que possibilitou que o sexo não mais se funcionalizasse à reprodução. A valorização da afetividade no interior da família a despatrimonializou, pois fez com que ela deixasse de ser, essencialmente, um núcleo econômico. A família transcendeu uma concepção puramente eudemonista que visa a felicidade individual, cujo fundamento é um individualismo desapegado de valores. A família da qual se trata é comprometida com valores constitucionais, que transpôs para seu interior a solidariedade social. (TEIXEIRA, 2005, p. 28) A família inscrita na constituição de 1988, não era vista mais como aquela que deveria ser protegida a qualquer custo, tinha como função principal à promoção da personalidade de seus membros, “não mais subsiste a família-instituição, pois esta valia por si só, não importava a liberdade e a concretização de seus integrantes, mas sua preservação irrestrita, inclusive com uma hipócrita paz doméstica”. (TEIXEIRA, 2005, p. 29) 23 Apresentados os estudos feitos até o momento, veremos a seguir os aspectos psicossociais na constituição familiar, passando pela família burguesa até as constituições familiares atuais. De acordo com Abeche, citando Carrobles (2003), esclarece que várias foram as mudanças advindas na contemporaneidade que repercutiram nas transformações do modelo familiar. “Com o desenvolvimento urbano houve uma grande migração de componentes destas famílias para as cidades, o que acabara levando o sujeito a um nível afetivo sem um núcleo familiar e à ausência de vínculos”.(ABECHE, 2003, p. 3) E neste contexto emerge a família nuclear que vem como alternativa, pois houve a necessidade de procurar outra pessoa para cobrir o abandono dos laços das grandes famílias, comum em épocas atrás, constituindo uma outra família, a sua própria. Uma outra estrutura familiar segundo Poster, apresentado por Abeche (2003, p. 2), é a existência da família proletária vinda da revolução industrial, que era submetida a salários muito baixos e vivia em condições precárias. Normalmente todos os membros deste modelo familiar tinham que trabalhar, algumas funções, como prover as despesas da casa, que antes eram atribuídas somente aos homens, passaram a ser feitas em conjunto pelo casal, sendo que as mulheres ainda realizavam as tarefas domésticas da casa. Os filhos neste modelo familiar eram criados sem a constante atenção e fiscalização da mãe. De acordo com Poster a disciplina era orientada na própria fábrica, já que as crianças não recebiam a disciplina esperada por estar na família para se submeterem à estrutura e organização da fabrica. Observa-se ainda que as crianças eram amamentadas ao peito forçosamente por mães subalimentadas, exaustas e preocupadas. O treinamento de hábitos higiênicos e o controle genital eram indubitavelmente negligentes [...] (apud Abeche, 2003, p. 2) 24 Conforme Poster (1979) disse, que poderia haver talvez, “uma lacuna entre autoridade ou a falta da autoridade na família da classe trabalhadora. A autoridade na fábrica, ajuda a explicar a disposição rebelde do jovem proletariado na primeira metade do século XIX, as crianças nesta época tinham que se ver com uma sociedade indiferente, que as tratavam com certa brutalidade. Desta forma era difícil esperar o “desenvolvimento de um superego forte nos indivíduos gerados dentro deste modelo familiar, que talvez por este motivo, foi levado mais tarde a aderir o modelo de família burguesa”. (apud Abeche, 2003, p. 3) A família burguesa surge como estrutura familiar dominante em uma sociedade capitalista, avançada do século XX, “como norma a ser seguida para todas as outras estruturas familiares onde não era mais pautada na manutenção das tradições e sim no acúmulo de capital e valor da escolha individual ”. (Poster 1979, apud Abeche, 2003, p. 3) Em razão das mudanças que aconteceram na família ao longo do tempo, ela passa a cumprir com maior hegemonia as funções privadas. “E para alguns autores, estas mudanças também deram início a sua desinstitucionalização, passando a família a ter mais autonomia e liberdade”. (TEIXEIRA, 2005, p. 29) A família passa a priorizar o compromisso afetivo, a ter uma relação mais autêntica dando mais sustentabilidade a ela, dando mais sentido ao vínculo conjugal, conseqüentemente “os laços biológicos cedem lugar a um compromisso prioritário ao da afetividade, inclusive no âmbito das relações parentais”. (TEIXEIRA, 2005, p. 29) 25 André – Jean Arnaud citado por Teixeira, nos ensina que a valorização dos sentimentos no âmbito familiar conduz, necessariamente, a valorização da pessoa, em sua integralidade, com vistas a promoção de sua dignidade. Diante de todas as mudanças e de uma priorização da singularidade, houve uma busca da felicidade individual e coletiva. (TEIXEIRA, 2005, p. 29) Observamos que a família hoje não é mais aquela nuclear, formada pela triangulação pai, mãe e filhos, tem na sua concepção mais autêntica um modelo menos institucionalista, menos rígida, favorecida pelos novos acontecimentos como algumas das já citadas mudanças de comportamentos: a globalização, o crescente número de separações, dissoluções de uniões estáveis, divórcio e o aparecimento das famílias uniparentais, emancipação feminina. Tudo isto, nos faz pensar sobre a realidade social na qual estamos vivendo e o que é produzido no sujeito a partir dessas transformações e mudanças. Frente aos novos fenômenos sócio-culturais observa-se que as famílias brasileiras apresentam freqüentemente, na organização familiar a ausência do genitor, muitas vezes por abandono, separação ou outra motivação, o que gera uma certa angústia, uma decadência do poder patriarcal sinalizando para outros efeitos, como o enfraquecimento de valores tradicionais da família, escola , Estado , nação, pai e autoridade. (JESUS, 2007. p. 17) Frente a estas mudanças e alterações na família é importante refletir sobre o lugar que cada membro ocupa dentro dela, os papéis como dissemos anteriormente. A psicanálise tem em sua compreensão do que determina a constituição familiar de maneira bem sucinta, que fala da estrutura psíquica da família onde o importante a saber, é se cada um ocupa o seu lugar, o de filho, o de pai ou de mãe. É importante na composição familiar o adulto que possa servir de referência e que simbolize para a criança este lugar, sem precisar ser necessariamente, os pais biológicos, porém é 26 fundamental para a formação do ser , para torná-los sujeito e serem capazes de estabelecer laços sociais. (PEREIRA, 1999, p.75) Discorremos sobre a família, sua constituição, sobre as mudanças que aconteceram em seu âmbito social e cultural , de acordo com cada época e suas influências. Conseqüentemente estas variações na família repercutiram em todos os seus membros, a função paterna mudou e também o olhar sobre ela, como veremos no capítulo seguinte, a partir destes dois contextos: jurídico e psicanalítico. 27 2.1 A FUNÇÃO PATERNA SOB O OLHAR JURÍDICO E PSICANALÍTICO Afinal a vida passa. A filiação não é apenas o nascimento; a família não é apenas o sangue, mas crescer, viver, envelhecer junto.2 Tentaremos aqui descrever a função paterna sob dois aspectos, jurídico e psicanalítico, que de alguma forma um está ligado ao outro. Sabemos que a originalmente a lei se inscreve a partir de normas já escritas desde o os primórdios da humanidade pois, é da bíblia que temos o primeiro registro das leis, o “Decálogo", onde os pais eram indicados como os assessores da ordem divina e todo acontecimento de ordem social na família era decidido pelo pai. No Direto Canônico há uma grande influência da religião católica, o que reforça também as relações de patriarcalismo principalmente aqui no Ocidente. Observamos que a religião segue uma estrutura hierárquica onde temos o poder supremo, que segundo Barros, diz o seguinte: Pai espiritual que delega seu poder a outros hierarquicamente como o Papa, cardeais, bispos e outros até chegar no padre, que estabelecida sua jurisdição poderá falar em nome dele. O Direito Canônico repousou nessa referência na organização de seu ordenamento atribuindo a família o poder de transmitir e de executá-la, em nome de Deus as ordens vindas do clero, principalmente as regras individuais de cunho moral, que transmitidas hierarquicamente e delegada aos pais de 2 CORNU, citado por Teixeira, p. 118, 2005. 28 família a sustentação e a ordenação dessas regras no campo privado. (BARROS, 2005, p. 21) A Lei pode ser metaforicamente remetida ao grande pai, sendo que esta vem do princípio , “obedecer a pai e mãe”, 3 “que desde o direito Romano e na constituição das leis e em sua origem, o ordenamento jurídico organizou-se inequivocamente baseando-se na função paterna”.(BARROS, 2005, p. 7) A princípio, o pai deveria ser aquele, que garantisse a perpetuação de sua família, que provesse sustento a ela, que cuidasse dos seus interesses patrimoniais, devendo ter controle sobre a mulher e os filhos, e também, ao pai era dada a função de transmitir as leis e ordenar sobre as relações familiares de acordo com o que já era determinado pelas normas recebidas de seus antepassados ou da cultura na qual estavam inseridos. “O Direito Canônico aderiu à idéia do pai como referência organizadora da família, e este modo de pensar deu origem à soberania do estado, do Pontífice e a lei do pai originando o patriarcalismo”, (BARROS, 2005, p. 23) como apontado anteriormente. “Segundo Aristóteles, a justiça natural tem a mesma eficácia em qualquer lugar independente de nossas opiniões, é consistente com o conceito de natureza e com tudo que é natural”. (BARROS, 2005, p. 23) Fernanda Otoni esclarece que a discussão em torno deste tema estabelece um conflito, ela questiona o seguinte: 3 Grifo nosso, importante evidenciar, pois a frase é muito utilizada no discurso jurídico para dizer do principio da origem da lei. 29 se o Direito Natural é derivado das leis divinas, da natureza ou se tem haver com a razão humana. Este debate vai delimitar, dentro da Filosofia do Direito, a corrente dos jusnaturalistas e dos positivistas. Por exemplo, São Tomás de Aquino considera o Direito Natural o que está contido na Lei e no Evangelho, sendo a lei o Antigo Testamento e o Novo Evangelho Testamento e deste modo a lei natural é identificada pelos dez mandamentos. Desta discussão nos interessa o estudo sobre a paternidade e o ordenamento jurídico, pois ele demonstra que o poder paterno incontestavelmente surge em um “campo simbólico amparado pelos substitutos hierárquicos da autoridade, Papa, chefe de Estado, Deus”, ... seja na ordenação das relações familiares, como chefe de família ou transferido para uma figura de autoridade que exerce o poder por direito. Este direito lhe é legitimado pois, o criador deverá ter o poder sobre aquele que cria . (BARROS, 2005, p. 23) Não é raro ainda vermos algumas crendices no qual é pregado que há um Deus punitivo que se não seguimos por um certo caminho iremos prestar contas com Deus. Não é o caso em questão discutir tal conceito religioso e existem outras formas que legitimam o poder, porém, citamos apenas, a que têm maior relevância para este estudo. Dado este recorte histórico religioso sobre a lei e o poder do pai, passamos a refletir sobre o pai e sua relação com o campo jurídico , onde temos as leis produzidas por aqueles que detêm o poder supremo, individualmente ou por um grupo , mas sempre subordinado a ele. Assim como na família, a paternidade, vem se modificando através dos tempos, assumindo novas funções, novas posições na sociedade e não poderia ser diferente, no campo jurídico. É fato que o pai quando no exercício da paternidade, na educação, por exemplo,não responde sozinho por este papel, temos aí uma série de circunstâncias que 30 permeiam este discurso. A escola, a mãe, os contextos sociais e históricos e as leis também regem esta função. Uma série de acontecimentos direcionam um ou outro caminho que, na medida em que surgem repetidas questões e ou demandas no campo jurídico, há a necessidade de repensar algo que já estava escrito e novamente adaptá-la a uma nova realidade. Norberto Bobbio, esclarece em sua obra “Teoria do ordenamento jurídico” (1997), diz que nenhum poder ou autoridade pode responder sozinho por esta elaboração, “há sempre uma delegação de poder para construir um corpo de normas e que esta delegação não esvazia o poder do núcleo em torno da qual se organiza, ao contrário, o legitima”. (BARROS, 2005, p. 8) Barros nos informa, que há duas formas de reconhecimento e de regulamento das normas, primeiramente são as fontes que traduzem os costumes, já extraídas culturalmente e são normas já aceitas por um consenso social e a segunda são as fontes que trazem as normas que procedem à norma jurídica. Esta segunda fonte são “normas produzidas por órgãos delegados pelo poder supremo para gerar novas normas de acordo com a necessidade social”. (BARROS, 2005, p. 9) Um bom exemplo de como podemos traduzir para a família as normas produzidas no Ordenamento jurídico è o que nos aponta Bobbio, uma vez que considerando as regras e como são produzidas elas também regulam a vida de pessoas e conduz a um comportamento social mais uniforme, e diz o seguinte: ‘O pai tem autoridade para regular a vida da família’. Mas admitamos que o 31 pai renuncie a regular diretamente um setor da vida privada , como o da vida escolar dos filhos , e confie à mãe o poder de regulá-lo. Teremos neste ordenamento uma segunda norma sobre a produção jurídica , que poderá ser formulada assim: ‘A mãe tem autoridade , atribuída pelo pai , de regular a vida escolar de seus filhos’ , (p. 10) Com o exemplo acima, podemos pensar o lugar de pai, pai simbólico. Este pai que poderá ser refletido em crianças e jovens quando estão diante de autoridades jurídicas (juízes, promotores...), como por exemplo, quando elas cometem algum ato ilícito e são levadas ao campo jurídico , a figura alí representada é remetida ao pai, que diante desta situação é este pai simbólico que irá ordenar sobre a vida daquele sujeito naquele momento. E é no campo jurídico, através da constituição é que teremos a autorização para impor as regras que vem de uma norma fundamental que é “deverás obedecer à lei ”, sendo que esta meta só é alcançada de forma fictícia, Barros comenta que: existem instrumentos jurídicos dentro do próprio ordenamento que prevêem sanções e outras formas de punições para a garantia da eficácia na execução do ordenamento, e assim é, porque existem pessoas que acreditam e sustentam a legitimidade da sua constituição. (BARROS, 2005, p. 16) Ou seja, vive uma relação moral e acredita em um ensinamento pessoal , com base na lei, mas não busca uma relação efetiva e baseada na ética, ou ainda na condição eclesial do céu e do inferno. 32 Kelsem nos informa que: a crença nestas normas só funciona porque a obediência às leis, vem de uma autoridade imaginaria com o poder de ordenar a obrigação da obediência, e esta foi sempre referida a figura paterna, ou seja, a uma metáfora do pai, representada por Deus, o Papa, o Rei ou o próprio pai. (BARROS, 2005, p. 17) Diante do exposto até o momento, vemos que simbolicamente o pai representa a lei o limite, que segundo Lacam, citado por Altoé (1999), o pai é o representante da lei. Ele faz o interdito do incesto. A figura paterna deve ser considerada tanto no contexto social quanto psicológico, a criança necessita do Pai, sendo este biológico ou não, mas que exerça esta função. Esta função, caracteriza-se por aspectos psicológicos, sociológicos e também afetivos. O descaso, abandono ou mesmo a ausência da função paterna poderá trazer para a criança grandes prejuízos a nível psíquico e social, pois suas conseqüências podem levá-la desde uma dificuldade de contato com os outros ou até mesmo cometer atos ilícitos. Muitos são os Juristas que influenciados pelas informações vindouras de estudos nestas áreas, legislam em favor daqueles que ainda são considerados menores, crianças ou adolescentes. Porém às vezes se apropriam deste discurso vendo talvez, uma maneira de responder e ter maior controle do sujeito que infringe as leis, e a outras demandas que surgem no judiciário. Não obstante, o sistema jurídico vem se posicionando, se adequando conforme as mudanças que estão acontecendo na família, conforme já citamos anteriormente, 33 devemos observar certo progresso evolutivo das leis sobre a questão da paternidade no que diz respeito a família nas decisões judiciais. Os estudos em favor da infância e da juventude, há muito vem sendo analisados, assim como a paternidade, a família e seus efeitos. Segundo Souza, os estudos que deram origem a uma das primeiras leis que se tem noticia aqui no Brasil, em favor das crianças, tem pouco mais de três séculos, e esta Lei dizia o seguinte: “que crianças enjeitadas ou abandonadas ficassem sob os cuidados da Câmara e dos conselhos , (Carta Régia de 1693)”. (SOUZA, 2005, p.3) “A Constituição Federal de 1988, no art. 227, trás uma inovação vinda das Nações Unidas sobre a doutrina de proteção integral em benefício da criança e do adolescente”. (SOUZA, 2005, p. 4) Seu conteúdo diz o seguinte: É dever da família , da sociedade e do estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade , o direito à vida , à saúde , à alimentação, ao lazer, à profissionalização, à cultura , à dignidade, ao respeito à liberdade e à convivência familiar e comunitária , além de colocá-los a salvo de toda forma de negligencia , discriminação, exploração, violência, crueldade e pressão. (Constituição Brasileira de 1988, art. 227) Até pouco tempo atrás, mais precisamente antes do surgimento do Estatuto da Criança e da Adolescente – ECA, as decisões a cerca da paternidade nos Tribunais de Justiça eram tomadas levando em conta as questões socioeconômicas e os aspectos biológicos que envolviam a questão. “Influenciado pela engenharia genética, o teste de DNA era visto como uma fórmula milagrosa para resolver os problemas relativos a investigação da paternidade,” (SOUZA, 2006, p. 29) os laços 34 afetivos estabelecidos entre a criança e seu cuidador eram irrelevantes, ou não tinham muita importância nas tomadas de decisões. O Estatuto da Criança e do Adolescente em seu cap. III, nos artigos 19 a 24, esclarece muito oportunamente sobre os direitos da criança e do adolescente em relação a família, fala-se dentre outros direitos, o direito a convivência familiar e comunitária, a criação e a educação no seio da família e em casos excepcionais os mesmos direitos quando em família substituta ou filhos havidos fora da relação de casamento ou adotados. Diz ainda que, é dever dos pais dar sustento , guarda e educação aos filhos menores e por fim, em seu art. 23 diz o seguinte: “ a falta ou carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou suspensão do pátrio poder. (ECA , cap. III , arts. 19 a 24) O ECA não só diz a respeito dos direitos a família, mas também assegura a importância do pai exercer sua função, independente do fator genético. “Alguns estudiosos sugerem, acerca da ausência dos pais, que a questão-chave não é se o pai está presente, mas o quanto ele est engajado na vida familiar”. (Giddens, 2005, p. 161) O discurso que se faz hoje prioriza os laços afetivos da relação paterno-filial e sócio-afetiva, ajudando a refletir sobre a qualidade do cuidado , do apoio e da atenção aos filhos. Portanto, o ECA assegura para crianças e adolescente a garantia do direito a paternidade sob a forma lei que em seu art. 27, diz o seguinte:O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observando o segredo de justiça”. (ECA , cap. III , art. 27) 35 O ECA aparece neste cenário como garantia para que crianças e adolescentes tenham assegurados seus direitos em relação ao pai, a família e a sociedade. Sabemos que as mudanças que estão ocorrendo advindas da contemporaneidade, tem influenciado nas relações familiares, tornando cada vez mais distante as relações entre membros da família, podendo destacar as relações paterno-filiais. Sabemos que, poderá ser destas relações, é que irá surgir talvez as condições necessárias para que o sujeito tenha internalizado suas leis, subjetivamente e de acordo com suas vivências, e que estas leis, poderão se expandir em todos os aspectos da vida adulta. Visto os direitos da criança e do adolescente, garantidos sob a forma lei, é essencial que este percurso se dê no âmbito familiar. Para assim acontecer é preciso estabelecer relações entre a família e seus membros e comunidade, relações estas de afeto, cuidado, proteção, educação. Veremos a seguir, de que maneira estas relações acontecem dando maior ênfase a função paterna sob o olhar da Psicanálise. Barros afirma, que a “obediência a lei é um ato de filiação e o sujeito, em sua estruturação, pode posicionar de diferentes formas diante da lei, dependerá da sua resolução Edípica” e para entendermos melhor todo este processo veremos como a psicanálise trata esta questão, pois há um entrelaçamento entre a psicanálise e o direito ao analisarmos a figura paterna. (2005, p. 37) A psicanálise tem um entendimento sobre a paternidade que aqui neste estudo, será fundamental compreendê-lo, pois é dada uma importante descrição sobre o desenvolvimento da vida psíquica do ser humano através da relação triangular na família, pai, mãe e filho. 36 Freud utilizou-se de lendas da antiguidade para explicar através de metáfora o papel desempenhado pelas figuras parentais na vida psíquica das crianças como aqui no caso em questão, o mito da tragédia, Édipo Rei, dando origem à teoria do complexo de Édipo que fala do desejo incestuoso pela mãe e a rivalidade com o pai. Sucintamente podemos fazer um pequeno recorte das questões edipianas onde é dito que o filho apaixona-se por um dos pais do sexo oposto, o filho pela mãe e a filha pelo pai, e conseqüentemente passa a odiar o outro, o que remete a proibição do incesto. A menina descobrirá que anatomicamente ela está em desvantagem em relação ao falo, enquanto no menino, há o medo da possibilidade de castração e acentuado ainda por estas experiências, há a descoberta do prazer através da manipulação dos órgãos genitais. “As ameaças fantasiosas de castração por parte dos adultos no caso dos meninos, ou que poderia assumir o lugar da mãe, no caso das meninas, passa a ser imaginável a punição e esta tem seus efeitos”. (SOUZA, 2005, p.16) Souza diz o seguinte: Com aceitação da possibilidade de castração, diante do reconhecimento de que as mulheres eram castradas, põe - se fim nas duas formas de satisfação do complexo de Édipo, pois ambas trazem como conseqüência a perda de seu pênis, a forma masculina como punição resultante e a feminina, como preconização. (SOUZA, 2005, p.16) Vejamos o que originalmente foi colocado por Freud, ele diz o seguinte: 37 Se a satisfação do amor no campo do complexo de Édipo deve custar à criança o pênis, está fadado a surgir um conflito entre seu interesse narcísico nessa parte de seu corpo e a catexia libidinal de seus objetos parentais. Nesse conflito, triunfa normalmente a primeira dessas forças: o ego da criança volta às costas ao complexo de Édipo. As catexias de objeto são abandonadas e substituídas por identificações. A autoridade do pai ou dos pais é introjetada no ego e aí forma o núcleo do superego, que assume a severidade do pai e perpetua a proibição deste contra o incesto, defendendo assim o ego do retorno da catexia libidinal.(Freud, 1924, p. 221) A partir deste enredo podemos pensar sobre a instauração da lei e onde ela verdadeiramente se inscreve, do limite e da noção de certo e de errado, pois o pai, mesmo que simbólico torna-se um agente causador de uma ruptura em relação ao filho que deseja a mãe, e veremos a função do pai de propiciar um deslocamento entre a mãe e a criança e assim instaurar a noção de lei. Será desenvolvido no próximo capítulo um estudo sobre as conseqüências das transformações advindas da contemporaneidade, a partir de suas relações sociais destacando alguns autores que comentam sobre as causas que podem afetar e desencadear dificuldades para a construção e o desenvolvimento do sujeito. 38 3.1 A EDUCAÇÃO ESCOLAR, A FAMÍLIA E SEU CONTEXTO E OS SINTOMAS APRESENTADOS POR JOVENS E CRIANÇAS NA CONTEMPORANEIDADE É crescente a discussão que envolve os problemas de comportamentos, inadequações e ou dificuldades, de crianças e jovens, nos demais espaços, que por eles são utilizados ou dos quais fazem parte. De um ponto de vista mais social podemos dizer que há um descompasso entre o desejo dos pais em relação aos filhos, ao desejo dos filhos e o que é alcançado socialmente. A felicidade de uma maneira geral esta ligada ao desejo e ao apego que hoje temos em relação aos bens de consumo ligados a idéia de felicidade. Existe uma busca por preencher uma falta, e há crianças e jovens que se deparam com as impossibilidades e não realização destes desejos, o que às vezes é motivo de frustrações que podem , movidos pela incompreensão em relação ao que a família vive e tem como prioridade, haver o distanciamento entre pais e filhos e outras conseqüências. Dentro desta dinâmica poderá surgir tanto para os filhos de uma ou de outra classe social algo que cause a “ilusão” de conseguir a satisfação pelo menos por algum tempo, até que se torne um perigoso círculo vicioso como o da drogadição por exemplo ou a tentativa a qualquer custo pela satisfação dos desejos, não importando as conseqüências. São várias as justificativas para tais problemas, a desestrutura familiar está sempre em voga, a figura paterna, às vezes aparece como vilão outras vezes como possível salvador. Na contemporaneidade, o incentivo ao consumismo estão sempre relacionados com a busca desenfreada pela satisfação dos desejos e traz 39 conseqüências negativas. As desatualizadas formas de ensino, junto com professores desmotivados em nada estimulam a criança, e também não o conseguem, pois concorrem com estímulos muito mais atrativos. São temáticas que ai estão, o tempo todo, na maioria dos estudos relacionados a este tema. Tentaremos expô-las separadamente e também as reflexões que poderão nortear este estudo iniciando por uma abordagem que diz respeito ao Direito. “Diversas são as teorias sobre o comportamento que produzem uma pluralidade de conhecimentos e conceitos que causa um esvaziamento dos valores até então instituídos na cultura”. (BARROS, 2005, p. 47) Sob a visão do direito nos é dado uma referência a cerca das relações familiares, sociais e a cerca da função paterna para refletimos sobre os fenômenos que acontecem, seja de indisciplina, desajustes ou de maneira geral, menores que se encontram em situação de risco social e afetivo. É freqüente as manifestações de sintomas como: inadaptação, indisciplina, dificuldade de socializar-se, agressividade, isolamento, dificuldade de aprendizagem e vários outros sintomas, e estes aparecerem primeiramente, no início da vida escolar, são o que alguns autores chamam de “Sintoma Social”. Suas manifestações podem ser desde representações, simbolizações e até mesmo verbalizações de algo que a criança está vivenciando ou participando na família ou no ambiente em que vive. Barros, aponta para o desprestigio da instituição, sendo ela Família, Escola e Estado, fala que o período o qual estamos vivendo, podem ser caracterizados pela 40 fragmentação de sentidos, por múltiplas direções, ordenando o caminho para os homens. A autora diz o seguinte: Esse fenômeno de fragmentação se expande por todo planeta globalizado. Na mídia em geral nos deparamos com a expressão de uma falência na eficácia de certos valores morais publicamente estabelecidos, manifesta tanto no cotidiano, por meio dos comportamentos individuais, quanto na vida política, econômica e social. Há quem diga de uma certa falência do pai, do nome e da lei e vários são os que dizem, que estamos vivendo em uma Cultura do Narcisismo,4 há um descompromisso com o laço social, promovendo a expansão de uma razão a serviço da conveniência do particular. (BARROS, 2005, p. 47,48) Barros, afirma que estamos vivendo em um “tempo do vale quase tudo5, o sujeito do grande projeto de civilização não é mais responsabilizado, tem-se uma gama argumentos viáveis que cumprem o propósito de desresponsabilizar este sujeito, chegando a produzir um certo caos social e subjetivo”, (BARROS, 2005, p. 48) vê-se nas instituições jurídicas e sociais como aquela que poderá regular este caos, pois há um “excesso que transborda por não haver uma delimitação das funções sociais que atue com mais e maior eficácia . O Estado perde seu prestigio, a autoridade carece de legitimidade o pai e a lei não têm mais os mesmos valores”. (BARROS, 2005, p. 48) As instituições de ensino, de formação e de correção, também passaram a serem vistas como aquelas que poderão regular este caos, porém, na prática sabemos que não é assim que funciona. Conforme é colocado por alguns autores, há a terceirização da função paterna, a família impossibilitada de acolher a existência do 4 5 Grifo do autor. Grifo do autor 41 outro em seu próprio interior(...) mas não sabendo mais como contar com a figura paterna acaba terceirizando e exigindo de outros , o exercício da função. Na literatura, principalmente no campo do Direito sempre encontraremos sobre o histórico da função paterna, algo semelhante ao dizer do pai, como aquele que tem o dever da manutenção , do provimento , do poder sobre os membros da família e responsável por instituir as regras sociais, entretanto, percebe-se que hoje está sendo revisto todos estes conceitos, e que existe outros parâmetros tão ou mais importantes do que somente manutenção e educação dos filhos. Podemos dizer de uma certa resistência de manter este discurso por pessoas da área jurídica, porém não é só na desorganização da família que deve ser dada à responsabilidade pelos sintomas apresentados pela criança. Na dinâmica familiar, de crianças e jovens com problemas de condutas é impregnada de muitos conflitos sendo que estes conflitos muitas vezes, têm como missão, realizar os desejos e sonhos perdidos dos pais, inclusive suas incapacidades de ser modelo, de amar, de demonstrar afeto, de relacionamento de cuidados e etc. A função paterna e sua injunção auxilia na personalidade dos filhos, coloca a ordem no caos, evitando o desamparo e pode ser traduzido ou transformado em segurança para o sujeito. As transformações e alterações de papéis, que acorrem na família, contribuem para o declínio do patriarcalismo. Porém apesar das lutas por igualdade e por direitos entre homens e mulheres, a figura paterna ainda persiste, relacionada a segurança, a proteção ao acolhimento, e assim, é visto hoje nos espaços do judiciário ser correto a fala sobre a afetividade, sobre o afeto que é desenvolvido pela criança pelo seu cuidador, não sendo raro, as denúncias por abandono afetivo até mesmo por aqueles que não são pais biológicos, mas que já estabeleceram laços afetivos com a 42 criança. Corremos o risco de pensar que é dever exclusivo da família, escola, ou do governo, serem os responsáveis por uma educação mais igualitária, que a falta de oportunidades sociais são as únicas responsáveis para o empobrecimento e a falta de compromisso das crianças com a escola, e que supostamente possam atingir os caminhos da drogadição e da criminalidade. Sabemos que os “sintomas sociais” pode acontecer a qualquer sujeito independente de sua classe social, econômica e suas relações familiares, como às vezes vemos, nos noticiários, sobre jovens que são provenientes dos lares considerados estruturados e de classe economicamente mais favoráveis, manifestando suas condutas lamentáveis. Alguns autores divergem e corroboram sobre as causas mais evidentes para o surgimento de alguma modalidade de conflito ou de dificuldade apresentada por crianças e jovens principalmente aquelas em idades escolares. Soifer (1983), aborda esta problemática fazendo referência a algumas configurações familiares que podem desencadear o surgimento de sintomas em todos os membros da família, tais como: uma separação conjugal, a prisão, de um dos pais , enfermidades na família, gestação, adoção indesejada , pais alcoolistas, usuários de drogas, , mães com depressão pós parto , entre outras. A família tem papel essencial no desenvolvimento humano, pois convivem por um tempo prolongado, em uma inter-relação recíproca com a cultura e a sociedade. A criança necessita desta estrutura social básica para se tornar um adulto capaz, sendo a defesa da vida6 seu objetivo primordial. As funções básicas da família podem ser 6 Grifo do autor. 43 sintetizadas em duas: ensino e aprendizagem7 ”. ( TERRA E CULTURA, ano XX,nº 39, p. 128) Soifer (1983), aponta para causas e acontecimentos externos aos membros que compõe a família do indivíduo, vendo a família como uma estrutura social básica, com entrejogos que fazem parte e auxilia na organização estrutural do sujeito.(TERRA E CULTURA, ano XX,nº 39, p. 128) Winicott (1989) fala da importância dos pais no desenvolvimento salutar do bebê, referindo-se a mãe como o mais importante neste processo, ele diz o seguinte: A mãe como primeira cuidadora, que por sua vez, também precisa ser cuidada, ou seja, ter condições adequadas para dar suporte ao filho. Para ele, o Holding8 serve para descrever uma conduta emocional da mãe a respeito de seu filho. Ao redor dos êxitos e fracassos destes Holding situam-se os diferentes graus de perturbação psíquica. Em famílias nas quais o processo de desenvolvimento é vivenciado como ameaçador , os padrões de interação e as funções individuais tornam-se, aos poucos, enrijecidos, até que, finalmente , a patologia da criança se instala. ( TERRA E CULTURA,ano XX,nº 39, p. 128) Winnicott, explica que “o acontecer humano depende da intervenção do ambiente. A tendência à integração e ao amadurecimento só se realiza se pessoas significativas facilitarem o desenvolvimento do individuo”. (FRELLER, 2001, s/nº) Diz ainda que : 7 8 Grifo do autor. Grifo do autor. 44 é necessário que ocorra o aprendizado de funções básicas como segurar, manejar, e apresentar objetos, que , realizados no momento certo , de forma adequada , respeitando e partindo das características e necessidades do individuo. As experiências do individuo no mundo possibilitam atualizar potenciais , que sem essas não se realizariam. Mello indica uma outra direção para refletirmos sobre os conflitos que surgem na escola, na família e na educação. Ele destaca a forma estereotipada, negativa e estigmatizante que é tratada a “desorganização familiar”, que é sempre vista como causa para estes questionamentos. Destaca ainda , “ o caráter ideológico de alguns modelos de família, considerados como padrão, na medida em que são utilizados como justificativa de dominação de uma classe sobre a outra. (FRELLER, 2007, p.1) Existe uma importante e crescente queixa que circula nas escolas públicas, o de alunos com problemas de disciplina e uma tendência a responsabilizar diretamente os pais de não impor limites ou não servirem de exemplo diante dos conflitos que surgem nas escolas, pelos professores e pela Escola . É comum alunos serem encaminhado aos serviços de apoio das escolas com o já diagnóstico de hiperatividade sem este ter o menor sinal da doença, a não ser às vezes, a intolerância ou a falta de adequação aos padrões já instituídos pela escola e de professores poucos orientados, talvez temos aí outros sintomas sociais apresentados por professores , mas que aqui não entraremos no mérito da questão. Mello comenta que a desorganização familiar aparece na literatura especializada, como sinônimo do fracasso escolar e adaptativo, conferindo lhe também a responsabilidade pela violência e a marginalidade, colocando a família sob o estigma do fracasso e da moral de seus membros. “Muitos autores e psicanalista partilham da mesma idéia dos professores, de priorizar as etapas do desenvolvimento da criança 45 buscando na relação mãe-bebê ou as relações familiares, as causas dos problemas escolares”. (FRELLER, 2007, p.2) Freller diz que estes pensamentos não dão conta da complexidade dos fenômenos da indisciplina na escola, que além de sustentar intervenções equivocadas, enfraquece e culpabiliza os pais excluindo-os da possibilidade de participar mais ativamente da educação escolar dos filhos. Freller conclui neste estudo que os autores privilegiam fatores macroestruturais onde os fenômenos são explicados a partir de determinações socioeconômicas ou atravéz de uma reflexão que prioriza os determinantes psíquicos ou ainda articulando os dois de forma mecânica e causal. (FRELLER, 2007, p.2) A autora explica que deve ser consideradas outras formas de compreender, por exemplo, a indisciplina escolar. Ela diz o seguinte: Que a indisciplina na escola são sempre produzidas por uma rede de relações e forças, que para compreendê-las devemos considerar as originais articulações entre seus determinantes, históricos, sociais, econômicos e subjetivo que inauguram um novo fenômeno, com tempo e características próprias. Assim como Winnicott , ele acredita que categorias como interno e externo , subjetivo e objetivo, individual e social são insuficientes para refletirmos sobre determinados fenômenos, como a experiência cultural e o brincar. Existe uma subjetividade que é independente do meio , e do ambiente, que só pode ser percebido e habitado pela subjetividade que se constitui na relação com o mundo objetivo , que por sua vez e transformado e apreendido pela subjetividade. (FRELLER, 2007, p.2, 3) Freller, citando Winnicott, discute o indivíduo em relação ao mundo, ele coloca desta forma: “ O centro de gravidade do ser não se coloca no indivíduo, mas sim no todo 46 da estrutura” (1931, p. 99) ele vê o indivíduo como parte de um todo, de uma estrutura e não como uma unidade no ambiente.( FRELLER, 2007, p. 3) Freller, nos aponta um caminho que deve ter destaque quanto a este tema, ele nos dá a idéia de que não deve ser esgotadas as possibilidades de trabalhar o indivíduo, que enquanto pesquisador, devemos ter a consciência que ao participarmos do fenômeno ali estudado, ao mesmo tempo que interferimos e influenciamos, também somos influenciados. Ao entrarmos no campo de estudo mesmo que se pretenda ser neutro não o conseguimos por completo, “ devemos estar aberto a romper naturalizações , preconceitos e cristalizações pois, inauguram novas relações, questiona-se o instituído, abre-se campos”. ( FRELLER, 2007, p. 6) A respeito dos fenômenos sobre a Educação, a Escola, a Família, talvez seja necessário escutar o que pais, alunos e professores têm a dizer e principalmente articular meios para que pais possam ouvir filhos e filhos, possam escutar os pais, um papel mediador pode ter boas conseqüências. Quando abrimos espaços para que as pessoas se coloquem e comuniquem normalmente podem ser alcançados bons resultados. 47 5. CONCLUSÃO Através deste estudo refletimos que estes apontamentos são insuficientes para a reflexão de determinados fenômenos como, “a experiência cultural e o brincar por exemplo”. (Freller, 2005) Consideramos aqui as atribuições dadas a diversidade de constituições familiares, e também a importância para o sujeito de sua inserção em um núcleo familiar, onde possa dar e receber amor, afeto, sentir-se seguro, pois para criança a segurança está vinculada à certeza do amor. O sujeito ainda em formação, quando exposto por excessos de autonomia pode não saber muito bem o que fazer quando lhe é dado, liberdade em abundância, o limite quando corretamente aplicado pode ser traduzido em se sentir cuidado pelo outro . O conceito de resiliência pode contribuir para entendermos sobre a conclusão que chegamos com este estudo. Pois resiliência pode ser entendido como "a capacidade do indivíduo de superar frustrações" e também que o indivíduo depois de determinadas experiências, poderá surgir novamente modificado sem necessariamente transformar experiências negativas em atitudes que irão interferir no bom desenvolvimento psíquico e social do sujeito. Consideramos também, sobre a perspectiva e a maneira de como tratar este assunto, que pela sua complexidade devem ser estudados, discutidos, e cada vez mais apresentados à sociedade, como forma de se organizar conjuntamente para não haver ações isoladas com pouca eficácia que atenda somente parte de uma grande demanda, ou seja, “apagando fogo” enquanto o incêndio está cada vez maior. 48 Sebastião Rocha9, disse “que é preciso que olhemos os potenciais e as possibilidades de cada um, pois se não acreditamos que podemos conseguir êxito com este ou aquele indivíduo ou de que nada adianta frente as necessidades macroestruturais apresentadas a nível social, não conseguiremos atingir nenhum objetivo, que enquanto focamos no problema não conseguiremos trabalhar nas soluções”. Concluo que, ao analisarmos a função paterna e suas implicações em crianças em situação de risco social e afetivo, que esta reflexão não pode ser feita sem pensar sobre as mudanças que ocorreram, na sua fragmentação, na mudança de papéis, nas mudanças advindas da contemporaneidade, e nas relações subjetivas e objetivas com a família. Porém o determinismo a determinadas causas para os problemas que envolvem Crianças e Adolescentes, às vezes aponta para uma única direção, o que concluímos, não ser muito produtivo e não dá conta dos problemas que surgem nas Escolas, na Família e em seu contexto Social. Apesar de ainda ser dado uma definição conservadora diante dos problemas que envolvem crianças e adolescentes, no caso, a falta de um núcleo familiar sólido, pais ausentes e as condições socioeconômicas, penso não ser esta, a principal direção a ser seguida. Resgatar valores que antes pensava-se, serem fundamentais, não seria possível e pouco provável que nos leve a algum lugar. É importante que crianças tenham acesso a atividades concretas como, por exemplo, Artes, Esportes, pois estes estão agregados de outros valores que são fundamentais na constituição de um indivíduo. Fornecer as crianças atividades que possibilitem o desenvolvimento de sua criatividade, sua alegria de ser criança, poderá desenvolver também o gosto pela vida e a importância de sua existência, e quem sabe, melhores expectativas quanto ao futuro se orgulhando do que são ou do que ainda poderão se tornar. 9 Em palestra proferida em 19/12/08 no auditório da Credinova, em Nova Serrana. 49 6. REFERÊNCIAS 1. ALTOÉ , Sônia . Sujeito do Direito, Sujeito do desejo: Direito e psicanálise. Rio de Janeiro: Editora Revinter,1999. 2. ABECHE, Regina Peres Christofolli. Por Trás das Câmeras Ocultas a Subjetividade Desvanece, 2003. 457 f. Tese (Doutorado). Programa de PósGraduação em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo. 3. 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