ENTREVISTA Um perfil de campeão Rubens Barrichello Primeiro Rubens Barrichello falou-nos dos automóveis e do trânsito caótico das ruas de Istambul. São os ‘ossos do ofício’ de um piloto ou o olhar tendencioso de um homem que aos seis anos já estava ‘contaminado pela velocidade’. Só depois falou da carreira, das vitórias e das desilusões. Na pista guia-se pelo contra-relógio, na vida aguarda tranquilamente pela conquista do título de campeão mundial da Fórmula 1. texto Vanda J or ge > fotos N uno Corr eia ¥ Istambul - Tur quia Vanda Jorge: Está de regresso ao Grande Prémio da de condução e a ter que depender de outras pes- Turquia e a uma cidade que o encanta... soas foi, sem dúvida, um momento muito difícil Rubens Barrichello: Esta é uma das cinco provas para mim. Fui sempre uma pessoa com uma for- que faltam para completar o Grande Prémio. É te ligação à família, passei muito tempo, como se uma prova muito difícil até porque está muito diz no Brasil, “na bainha da calça do meu pai”, e calor, mas o circuito é muito seguro e a pista, ape- quando me vi sozinho, obrigado a pagar contas, sar de desgastante fisicamente, é muito emocio- a ter que lavar a roupa, tudo junto foi um choque nante e um desafio para qualquer piloto porque para mim. Por momentos chega-se a pensar em permite muitas ultrapassagens. Como piloto desistir, mas quando começava a conduzir, todos tenho pouco tempo para conhecer a cidade mas os receios desapareciam. o pouco que vi, gostei muito. De certa forma, Istambul é semelhante a São Paulo com todo VJ: Hoje já consegue que a sua família faça parte este trânsito, e esta ponte que divide a Europa da quase do staff que viaja consigo? Ásia é uma coisa inédita, é natural que vejamos RB: Nem sempre é fácil porque o meu filho tantos turistas nas ruas. Eduardo tem cinco anos e já anda na escola e o Fernando tem apenas 11 meses, por isso é que é VJ: Fala no desafio que este circuito representa, mas um sentimento tão bom o de regressar a casa e como piloto há algum circuito mais mítico para si? estar com eles. Quando é possível viajam comi- RB: Pessoalmente gosto muito de Silverstone, em go, ou então viaja só a minha mulher, por exem- Inglaterra. É um Grande Prémio especial onde já plo, este ano já esteve comigo nas provas na Ma- venci na Fórmula 1, na Fórmula 3 e na Fórmula lásia e no Barein. «A primeira vitória foi a que mais me marcou. Estava a 10 voltas do final quando começou a chover, foram todos à boxe e eu fiquei na pista com pneus para piso seco. Chamavam-me através do rádio e diziam que eu era louco, mas eu achava que ia perder muito tempo a trocar de pneus. E assim ganhei a minha primeira prova.» Rubens Barrichello Opel. Sem dúvida que é um circuito que me traz boas memórias. VJ: Quem deve vibrar com o ambiente dos bastidores dos circuitos é o seu filho Eduardo que, ao que pare- VJ: Memórias diferentes daquelas de quando decide ce, herdou os ‘genes da velocidade’... deixar o Brasil e entrar no circuito profissional na RB: Quando o vi conduzir um Kart fiquei muito Europa. Mostrou desde logo um perfil de campeão... emocionado e é engraçado que como pai sinto-me RB: A minha primeira viagem para a Europa, mais apreensivo quando ele está a trepar uma ár- sozinho e com apenas 17 anos, ainda sem carta vore ou a jogar futebol ao fim do dia do que quanESPIRAL DO TEMPO > 35 Rubens Barrichello do está a conduzir. Se for essa a vontade serei um Ayrton morreu. O meu pai sempre me disse para grande apoiante, neste momento ele já conhece eu dar “tempo ao tempo”, mas eu queria muito toda a gente na Fórmula 1, e com quatro anos conquistar títulos para o Brasil, mais do que para liga-me a dar conselhos para as provas. mim. Sofri muito durante bastante tempo até entender porque é que eu estava ali: eu estava ali VJ: O percurso é em tudo semelhante ao seu que porque amava o desporto. Quando pus de lado também se deixou fascinar pelo Kart em criança... essa pressão tudo começou a fluir naturalmente. 1 RB: Tinha seis anos quando recebi o meu pri- Qualquer peça criada e produzida pela Audemars Piguet dispensa apresentação. No entanto estes especialíssimos meiro Kart e em menos de dez minutos estava a VJ: No Brasil parece haver uma pré-disposição genéti- correr na pista, foi amor à primeira vista. E é en- ca para os pilotos com sucesso no mundo automóvel: graçado que o meu filho mais velho pede-me Ayrton Senna, Nelson Piquet, Felipe Massa, o Rubens. para lhe contar as histórias de quando eu era pe- Encontra alguma explicação? queno e o que fazia com o meu Kart, ainda há RB: É difícil responder a essa questão até porque dias lhe mostrei as fotos dessa altura. se falam em muitas hipóteses. O karting no Bra- modelos do clássico Royal Oak Offshore Chrono são o sublimar sil é muito forte o que faz com que os pilotos já da perícia, do design e da qualidade de manufactura que poucas marcas no mundo conseguirão igualar. «É uma honra poder fazer parte VJ: Em 1993, quando chegou à Formula 1, traçou na sejam fortes quando saem do País. Mas há tam- altura vários objectivos: marcar pontos, conquistar bém quem diga que o trânsito do Brasil, que é de um pódio, vencer e conquistar um titulo de campeão loucos, nos torna bons pilotos. Pessoalmente acre- mundial. Alterou os seus objectivos? dito mais no Kart. (Risos) RB: Os objectivos são os mesmos. Já tenho 9 vitórias, 13 pole positions, ou seja, consegui ter os VJ: A Fórmula 1 reúne uma importante fasquia do in- objectivos sempre em dia, só ainda não venci o vestimento em marketing desportivo. O piloto chega campeonato do mundo.Temos ainda três ou qua- a abstrair-se das pressões motivadas pelo negócio tro anos para que isso aconteça, porque o maior que se gera neste desporto? sonho do mundo é ser campeão mundial de Fór- RB: É um exercício que tem que ser feito e acho mostrar o nosso relógio no mula 1. Esse é um sonho que acho que pode ser que até nos saímos muito bem. Mas quando se atingido, há algumas dificuldades sempre porque está na Ferrari sabemos muito bem o que signifi- não é só uma corrida, são 16 ou 17, e depende ca o valor da pressão, mas também é uma coisa para comemorar as vitórias.» também do ano, mas acho que é possível. que acontece muito naturalmente. VJ: Quando entra na Ferrari criam-se muitas expecta- VJ: E a competição em pista permite desenvolver tivas à sua volta mas os resultados não foram os me- amizades na Fórmula 1? lhores. Saiu desiludido? RB: Eu sou uma pessoa que faz muitos amigos, RB: Na vida podemos ter uma forma positiva ou não gosto de inimizades e acho que o perdão é negativa de olhar para as situações. Prefiro acre- sempre a alma do negócio. Mas a Fórmula 1 é ditar que a minha vida na Ferrari foi 99% muito um mundo complicado e nem todos são amigos. positiva, e que até as experiências mais frustran- Tenho conversas com muita gente mas só sou tes me fizeram crescer e ser um piloto e um ser amigo de dois ou três pilotos como o Felipe humano melhor. Muita gente na minha situação Massa, o David Coulthard e o Jenson Button. talvez dissesse que tudo foi negativo. Dou-me bem com Fernando Alonso e com o da família Audemars Piguet. Para mim este é um dos relógios mais bonitos e espero pódio quando levantar o braço Rubens Barrichello próprio Tiago Monteiro também tenho uma boa VJ: Algumas das críticas prendiam-se com o facto de relação. ter desaparecido o Ayrton Senna e olharem para si como um sucessor. Lidou bem com essa pressão? 36 < ESPIRAL DO TEMPO VJ: Voltou a encontrar um amigo como o Ayrton? RB: Lidei bem até um certo ponto, porque se RB: O Ayrton foi sempre uma pessoa especial e pensarmos, eu tinha apenas 22 anos quando o por quem eu me guiava. Foi uma pena ter desa- Rubens Barrichello parecido tão cedo porque ele teria feito muito tarde. Os meus sogros já jogavam e confesso que pelo automobilismo. Conhecemo-nos em 1987 e achava que era um desporto de velhos. Descobri foi o Ayrton que me ajudou a chegar ao Mundial que é completamente o contrário, é um desporto de Kart. Na altura apresentou-me a equipa em divino, quando acerto numa bola sinto a veloci- que corria e ficámos amigos até 1994. dade do carro. VJ: Apesar de toda a inovação dos automóveis e da VJ: E o stress da competição, passa com um jogo de electrónica, o piloto continua a ser uma peça funda- golfe ou com uma performance de Karaoke ? mental na Fórmula 1. O que faz falta a um piloto? RB: Hoje em dia o que me alivia mais o stress é RB: Um piloto não pode ser só agressivo ou sem dúvida o golfe. Mas no Brasil cantamos mui- calmo, ele precisa de ter cada uma destas posturas to e o karaoke já faz parte das festas e das reuniões no momento certo. Tem que ter ambição e ao de família. A minha voz não é das melhores mas mesmo tempo saber que pode chegar lá. Julgo quando bebo uma ‘caipirinha’ ela revela-se. que a Fórmula 1 não é para todos, é para pessoas Georges-Henri Meylan CEO Audemars Piguet O Royal Oak Offshore Rubens Barrichello foi uma das peças que abrilhantou a edição deste ano do Salão de alta-relojoaria de Genebra. Na altura, os especiais e eu sinto-me muito especial por lá VJ: Esta parceria com a Audemars Piguet surge na estar. sequência de uma paixão antiga... cavam-se pelo nível de complexidade do relógio RB: É uma paixão que surgiu quando comecei a e pelo preciosismo com que cada detalhe fora VJ: Há quem defenda que, por exemplo, um nórdico guiar os karts e depois a viajar pelo mundo. Aper- pensado. É uma versão mais forte, desafiadora e que tem aquele sangue frio, será um piloto diferen- cebi-me que gostava cada vez mais de relógios e já ainda mais masculina. A moda tem ditado reló- te, por exemplo do Rubens, que é brasileiro e tem as não só para ver as horas mas por gostar de olhar gios grandes e, por isso, fizemos um relógio de emoções mais à flor da pele? Essas diferenças sen- para o pulso e ver um objecto bonito. Há muito grandes dimensões e uma linha mais provocado- tem-se realmente na pista? tempo que gostava da Audemars Piguet, o meu RB: Eu acredito que com o tempo se aprende a amigo Juan Pablo Montoya tinha um Royal Oak ser uma pessoa fria e calculista porque, de facto, e confesso que eu tinha inveja. (risos). Quando a Fórmula 1 requer essa frieza. Mas não conside- soube que o Juan Pablo Montoya, que era um peças em ouro rosa de 18 quilates e um terceiro ro que um nórdico seja melhor que um brasi- dos embaixadores da marca ia mudar para a Mc- modelo de 150 peças em platina. «É assumida- leiros só por isso. Aprende-se a dosear, no início Laren e deixar de ser um dos rostos da Audemars, mente um relógio desportivo e as características há diferenças culturais mas no final de contas pedi-lhe o contacto e liguei para Georges-Henri de design dos botões de cronógrafo e dos acabamos por ser parecidos. Meylan a propor uma parceria porque era fã deste próprios parafusos, a cerâmica ultra resistente e relógio. No fundo continuei o processo iniciado anti-choque da luneta, ligam-no à Fórmula 1» VJ: Já se vai habituando a viver na Europa, longe do pelo Juan Pablo. Brasil. comentários e os pedidos de encomenda justifi- ra» explica Georges-Henri Meylan. Segundo o CEO da Audemars Piguet, o novo cronógrafo é lançado numa série limitada a 1650 peças e conhece três versões diferentes: 1000 peças em titânio; 500 explica Georges-Henri Meylan. Este elegante cronógrafo com um mostrador desportivo, que deixa a descoberto o movimento, é segundo o RB: O Mónaco é onde passo a maior parte do VJ: Parece ser uma tendência para ficar, esta ligação tempo. Em Portugal estou basicamente entre entre a relojoaria e a mecânica automóvel... Janeiro e Fevereiro e depois entre Setembro e RB: Os dois mundos cruzam-se provavelmente bela relojoaria». Segundo o CEO da marca, os Outubro. Alugo sempre uma casa no Algarve na forma complexa de funcionamento de um valores que estiveram presente no momento para estar com a minha família. É óptimo falar- relógio e também porque cada vez mais temos da fundação da manufactura – tradição, excelên- mos a mesma língua, nas lojas os produtos são relógios com um carácter desportivo. Há relógios cia e audácia – ainda hoje estão presentes na muito parecidos com os brasileiros, e além disso com um perfil mais social mas, por exemplo, este Audemars Piguet. E são esses mesmos valores estamos apenas a 8 horas do Brasil o que é muito Audemars Piguet com a minha assinatura reflec- bom. As praias são óptimas e aproveito sempre te muito bem o que eu estava a dizer, inspira-se para ir visitar o meu amigo Gigi. em pormenores do meu carro de Fórmula 1, responsável da marca «um relógio destinado aos amantes da Fórmula 1 e também amantes da que a aproximam de Rubens Barrichelo. «O Rubens pediu-nos que o dinheiro que lhe deveríamos dar, já que ele é embaixador da marca, fosse entregue a uma fundação que ele criou para na parte dianteira, traseira e também no travão. ajudar na formação profissional de jovens brasi- VJ: E vai também fazendo carreira no golfe... Estou muito orgulhoso do resultado, o interior é leiros, e há também algum dinheiro das vendas RB: É uma das minhas paixões actuais. Descobri muito mais complexo que o exterior, o que acon- do relógio que vai ser entregue à mesma fun- o golfe apenas há cinco anos o que já é um pouco tece também na Fórmula 1. ET dação» adiantou Georges-Henri Meylan. ESPIRAL DO TEMPO > 39