BUSCA E APREENSÃO NO PROCESSO PENAL
Antonio Milton de Barros
Ex- escrivão de polícia, ex- delegado de polícia e promotor de justiça apostado.
Bacharel em direito pela Faculdade de Direito de Franca.
Mestre e doutor em Direito pela PUC-SP
Professor titular de Processo Penal na Faculdade de Direito de Franca
Diretor do Curso de Direito da UNIFRAN
Resumo: o presente artigo discorre sobre a busca e apreensão, no processo penal;
estabelece a ligação do tema com as garantias constitucionais da intimidade e
privacidade da pessoa, com projeção ao âmbito domiciliar; também indica como
proposta metodológica a doutrina que preconiza a necessidade de separação do estudo
desses institutos – busca e apreensão – tratados unitariamente no estatuto processual.
Palavras-chave: Constituição Federal, Processo Penal, busca domiciliar, busca pessoal e
apreensão.
Sumário: 1. Busca e apreensão e garantias constitucionais. 2. A necessidade de
separação dos institutos (busca e apreensão). 3. Busca. 3.1 Etimologia e conceito. 3.2
Natureza jurídica. 3.2 Finalidade. 3.3 Condição de legitimidade da busca. 3.5 Espécies
de Busca. 3.5.1 Busca domiciliar. 3.5.2 Busca pessoal. 3.5.3 Busca em veículos. 3.5.4
Busca em escritório de advocacia. 3.6 Procedimento na realização da busca. 3.6.1
Momento adequado para realização da busca. 3.6.2 Iniciativa para a realização da busca.
3.6.3 Conteúdo do mandado judicial. 3.6.4 Executores da busca. 3.6.5 Forma do
cumprimento do mandado. 4. Apreensão. 4.1 Conceito e forma de apreensão. 4.2.
Natureza jurídica da apreensão. 4.3 Finalidade da apreensão. 4.4 Procedimento da
apreensão. 4.4.1 Momento de Realização e formas de apreensão. 4.4.2 Iniciativa da
apreensão. 4.4.3 Executores da apreensão. 4.4.4 A exigência de mandado judicial de
apreensão. 4.4.5 Auto de apreensão.
1.Busca e apreensão e garantias constitucionais
A análise do tema busca e apreensão, no processo penal, pressupõe a observância dos
direitos individuais previstos na Constituição Federal, especialmente aqueles previstos
no artigo 5.º, XI e X, que se referem, respectivamente, à inviolabilidade de domicílio,
intimidade e vida privada e incolumidade física e moral.
Em primeiro lugar, trata-se da proteção casa do indivíduo, cuja inviolabilidade só pode
ser excepcionada nas situações previstas na Constituição. Para esse fim, o termo casa
deve considerado de forma ampla, tal como definido no artigo 150 §§ 3.º e 5.º, do
Código Penal, compreendendo qualquer local que sirva de abrigo, residência ou
moradia ou aquele não aberto ao público onde o indivíduo exerce profissão ou
atividade.
De outro lado, a Constituição, no artigo 5.º, X, proclama serem invioláveis a intimidade,
a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo
dano material ou moral decorrente de sua violação. Sem enfrentar a discussão
conceitual, que se estabelece entre as expressões intimidade e vida privada, importa
salientar que o indivíduo não pode ter sua vida devassada indevidamente.
Assim, mesmo no curso de busca domiciliar, legalmente autorizada, deve-se preservar a
intimidade e a privacidade, não se divulgando fatos que não tenham relação com a
diligência.
Contudo, tais direitos, como se sabe, não são absolutos, podendo sofrer limitações, no
sentido de se conciliarem com o poder-dever estatal de punir, desde que obedecidos
critérios de estrita legalidade, de proporcionalidade e necessidade, sob pena de
ferimento, também, a duas outras garantias constitucionais do processo, o devido
processo legal e a inadmissibilidade das provas obtidas por meio ilícito (art. 5.º, LIV e
LVI)1.
2.A necessidade de separação dos institutos (busca e apreensão)
O Código de Processo Penal disciplina duas formas de busca: domiciliar e pessoal (art.
240, caput). Coloca a apreensão, tão só, como finalidade da busca, deixando de
regulamentá-la (letras b, c, d, f, g do § 1.° do art. 240).
Certamente que a busca não se destina, sempre, à apreensão. Pode ocorrer busca para se
prender criminosos e para o encontro de provas. De outro lado, pode verificar-se a
apreensão sem busca, quando, por exemplo, a autoridade comparece ao local do fato
(CPP, art. 6.º), ou em caso de entrega espontânea.
Como esclarece Cleunice Pitombo (2005, passim), não obstante o legislador ter juntado
a busca e a apreensão, dois são os institutos, apresentando a busca limites
constitucionais, enquanto a apreensão surge como limitação ao poder individual de
deter pessoas ou de reter coisas. São, portanto, institutos autônomos, e assim devem ser
estudados.
O tratamento unitário dos institutos, segundo Sérgio Pitombo, referido pela mesma
autora, ocorre porque “a apreensão, no mais das vezes, segue a busca. Emerge daí o
costume de vê-las unidas. Conceitos que se teriam fundido, como se fossem uma e
mesma coisa, ou objetivamente inseparáveis. As buscas, contudo, se distinguem da
apreensão, como os meios diferem dos fins”.
De outro lado, adverte Ronaldo Batista Pinto (2000, p. 368), a doutrina, de forma
unânime, aponta a má colocação da busca e apreensão na sistemática de nosso código,
1
PITOMBO, Cleunice Valentim Bastos. Da Busca e Apreensão no Processo Penal. São Paulo, Revista
dos Tribunais, 2005. p. 5.
elencada entre as provas. Com efeito, por ter uma natureza nitidamente acautelatória,
deveria figurar dentre as outras medidas de igual natureza.
3.Busca
3.1
Etimologia e conceito
“’Busca’ vem do verbo ‘buscar’, sinônimo de ‘procurar’, tratar de descobrir ou de
‘encontrar’. Assim, ‘busca’ é a diligência que se faz em determinado lugar, com o fim
de aí encontrar-se pessoa ou coisa que se procura”2.
Eduardo Espínola Filho3, com apoio em Mayer, define busca como um meio coercitivo,
pelo qual é, por lei, utilizada a força do Estado para apossar-se de elemento de prova, de
objetos a confiscar, ou da pessoa do culpado, ou para investigar os vestígios de um
crime.
José Frederico Marques4 lembra que a colheita acautelatória de provas e indícios torna
imprescindível a atribuição de poderes coercitivos à autoridade policial, destinados a
efetivar as providências tendentes a assegurar o êxito da investigação. Esses poderes,
que se realizam por meio de busca e apreensão, quando impliquem em cerceamento da
liberdade, devem ser submetidos a controle judicial prévio, salvo no caso de prisão em
flagrante.
De fato, o tema evoca, de novo, a questão afeta à cautelaridade. O direito processual
penal, ensina Antonio Alberto Machado5, tal como os demais ramos do direito admite
também uma cautelaridade específica com o fim de garantir a efetividade do processo,
aduzindo serem várias as medidas cautelares em matéria penal. Referem-se ora à pessoa
do acusado (consubstanciadas nas diversas formas de prisão), ora a determinadas coisas
relacionadas com o fato delituoso, cujas cautelares se realizam pela busca e apreensão
ou pelas medidas assecuratórias (seqüestro, hipoteca legal e arresto), previstas nos
artigos 125, 134 e 136, do Código de Processo Penal. Outrossim, há medidas cautelares
em relação à prova, como os depoimentos antecipados (CPP, art. 225) e o exame de
corpo de delito e perícias em geral (arts. 158 e ss., do CPP).
3.2 Natureza jurídica
Cleunice Pitombo6 assevera que há dificuldade, na doutrina, em apontar a natureza
jurídica da busca por dois aspectos: 1) a unidade legislativa dos institutos; 2) o dissenso
classificatório; assim, a medida ora é considerada meio de prova, ora instrumento de sua
obtenção; ou, ainda, coação processual penal lícita; esse é mais um motivo para se
separar a busca da apreensão, por não possuírem a mesma natureza jurídica, pois “a
2
BORGES DA ROSA, Inocêncio. Processo penal brasileiro, Porto Alegre: Globo, 1942. p. 144.
ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal anotado. 3. ed., vol. I. Rio de Janeiro: Borsoi,
1954. p. 195.
4
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Vol. 1. Campinas-SP: Bookseller,
1997. p. 287.
5
Prisão cautelar e liberdades fundamentais. Rio de Janeiro: Lúmen-juris, 2005. p. 28.
6
Op. cit., p. 109.
3
busca pode, em alguns momentos, assumir característica de urgência, enquanto a
apreensão, na maioria das vezes, efetiva-se com o escopo assecuratório”.
Apesar de tais considerações e em que pese se achar inserida no capítulo das provas,
sendo por tal razão assim classificada pela lei, considera-se a busca como medida
cautelar (ou acautelatória) coercitiva destinada a obstar o perecimento de prova do
crime.
3.3 Finalidade
As buscas destinam-se ao fim de assegurar, ao processo, coisas que possam servir à
prova, ou de prender acusado, ou outra pessoa, indiciada de crime ou evadida, segundo
Manzini, citado por Espínola7; este autor, contudo, afirma que se deve acrescentar, além
de coisas, pessoas, “mesmo que não sejam acusadas ou suspeitadas de atividade
delituosa, mas tendo, invés, sofrido os efeitos da ação criminosa alheia; expressa é a
letra g do § 1.º do artigo 240”. O autor cita os casos em que se faz busca e apreensão de
pessoas vítimas de crime, como seqüestro e cárcere privado. Faz-se a busca na casa
onde se suspeita que esteja oculta e presa a vítima, constituindo a sua apreensão a
constatação material do corpo de delito.
A busca volta-se “para o descobrimento do que se procura (CPP, art. 245, § 3.º). Assim,
não se sai em busca de coisa qualquer, de pessoa incerta, ou local não sabido, mas do
que, efetivamente, importa e serve ao processo penal”8.
3.4 Condição de legitimidade da busca
A busca, assim como sua finalidade, seja em domicílio, seja aquela que se faz na
pessoa, constituem situações que exigem, por razões óbvias, estrita legalidade, como de
resto deve ocorrer, sempre, que se proponha a limitar ou restringir direitos e garantias
individuais.
A realização da busca domiciliar não fica à vontade da autoridade, seja ela policial ou
judiciária. É preciso haja, nos termos do artigo 240, “fundadas razões”, pois, como diz
Tourinho9 não parece coerente a Constituição cercar o cidadão de reais garantias e ao
mesmo tempo permitir que o juiz violasse aquilo que ela própria, Constituição,
considera “asilo inviolável”.
Essa posição está corretíssima, pois não será uma ordem judicial que tornará legítimo o
que não estiver em perfeita consonância com a estrita legalidade. Só assim se admite a
limitação de direito fundamental.
A autoridade judicial, portanto, em nosso sistema processual penal, para autorizar a
busca domiciliar deve, de forma inequívoca, demonstrar, nos “fundados motivos”, que a
restrição ao direito individual aflora inafastável, para a persecução penal; evidenciar que
7
Op. cit., p. 195.
PITOMBO, Cleunice. Op. cit., p. 117.
9
TOURINHO FILHO, Fernando da Cosa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 365.
8
o interesse social concreto prevalece sobre o individual; ser proporcional ao fim
almejado; estar ajustada, em sua concretude, com a finalidade perseguida10.
Na verdade, isso também deve ser observado no tocante à revista, ou busca pessoal, por
identidade de razões, uma vez que a Constituição tutela a intimidade e a privacidade da
pessoa, não apenas em seu domicílio, mas igualmente fora dele.
3.5 Modalidades de busca: domiciliar e pessoal
O Artigo 240 do Código refere-se a duas modalidades de busca, a domiciliar e a
pessoal. “No primeiro caso, tem-se o varejo; no segundo, a revista. A casa é varejada,
para pesquisa; a pessoa é revistada, para o mesmo fim.” 11. Para a busca domiciliar exige
“fundadas razões” (art. 240 caput) e para a busca pessoal “fundadas suspeitas” (art. 240
§ 2.º). A doutrina encara de modo diferente a correlação entre as expressões.
Tourinho12 considera haver maior seriedade nesta última, na medida em que a busca
domiciliar constitui medida mais drástica. De forma diferente pensa Hélio Tornaghi13,
que equipara as duas expressões, afirmando: “A fundada suspeita de que fala esse
dispositivo (240 § 2.º) é o mesmo que a fundada razão da qual falei ao tratar da condição
de legitimidade da busca domiciliar”. Espínola14 também equiparou as duas situações,
quando advertiu: “Tal como a pessoal, a busca domiciliar só é de ser ordenada quando
há suspeita séria e fundada de que, na casa, aposento ou compartimento a varejar, se
encontrem pessoas ou coisas, cuja apreensão interessa ao processo criminal, e, pois, há
razão de esperar sejam, aí, achadas, se procuradas.”
O que sobreleva destacar, como o faz Cleunice Pitombo15, é que a busca, qualquer que
seja a modalidade, encontra fronteiras na Lei Maior, na exata medida em que as normas
processuais penais constituem, sempre, projeção das garantias constitucionais; de tal
modo, sob qualquer ângulo que se observe, “apresentam-se os preceitos da Constituição
respeitantes ao Direito Processual Penal, como base e diretriz das regras disciplinadoras
do respectivo processo”. Consequentemente, no estudo destes preceitos, impõe-se ter
presente os regramentos constitucionais que lhe são atinentes.
3.5.1 Busca domiciliar
3.5.1.1 A busca domiciliar e o CPP
O artigo 241 do Código dispõe que “Quando a própria autoridade policial ou judiciária
não a realizar pessoalmente, a busca domiciliar deverá ser precedida da expedição de
mandado”. Esse dispositivo estava perfeitamente de acordo com a tutela constitucional
da inviolabilidade do domicílio, cujos princípios não sofreram alteração substancial ao
longo da história, pese embora haver a Constituição de 1937 (que vigorava quando
10
PITOMBO, Cleunice. Op. cit., p. 117.
ESPÍNOLA, Op. cit., p. 201.
12
Op. cit., p. 372)
13
TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 463.
14
Ibid. p. 206.
15
Op. cit., p. 125.
11
promulgado o Código) omitido a regulamentação, tanto que a Constituição de 1946,
que, por restabelecer a democracia, poderia influir para eventual reinterpretação do
Código recentemente promulgado, praticamente repetia os dizeres das anteriores, como
mencionado acima.
Desse modo, não excluída pelo texto constitucional, a autoridade policial, no regime do
Código de Processo Penal em vigor, tinha (antes da Constituição atual) a prerrogativa
de ingressar no domicílio de qualquer pessoa para realizar busca visando a cumprir
ordem de prisão, ou em outras palavras do mesmo Código, “prender criminosos” (art.
240, § 1.º, alínea “a”).
3.5.1.2 A busca domiciliar e a Constituição Federal
A Constituição Federal de 1988 dispõe de modo diferente a respeito das formas
permissivas de ingresso no domicílio à revelia do morador, como se pode conferir no
inciso XI do artigo 5.o, verbis: “a casa é o asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela
podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou
desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.
Portanto, há necessidade de ordem escrita de autoridade judiciária para penetrar-se no
domicílio, salvo se esta estiver presente (hipótese menos comum) ou se houver
consentimento do morador.
Desse modo, devem os dispositivos processuais ser entendidos de forma harmônica com
o sistema. Antes da promulgação da última Constituição, a autoridade policial podia
comandar as diligências de busca domiciliar e pessoal ou expedia mandado para que
seus agentes o executassem.
Agora, ainda que a autoridade policial esteja presente, não prescinde de ordem judicial
para a busca domiciliar, razão pela qual não pode, também, expedir mandado para o
mesmo fim; só poderá fazê-lo se se tratar de busca pessoal, ficando revogado, nessa
parte, o artigo 241 do Código de Processo Penal, que deve ser interpretado como se
referindo tão somente à autoridade judiciária, desde 1988.
A prova que originar de diligência sem o cumprimento de tais regras será considerada
ilegal.
3.5.1.3 Conceito, hipóteses e condições da busca domiciliar
A busca domiciliar é a que se realiza em casas ou compartimentos de residência
particular, habitação coletiva, ou em que alguém exerce profissão, ou atividade
remunerada ou não.
A busca pode ser realizada nas seguintes hipóteses (CPP, art. 241, § 1.º): a) prender
criminosos; b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos; c) apreender
instrumentos e falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos; d)
apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados
a fim delituoso; e) descobrir objetos necessários à prova da infração ou à defesa do réu;
f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja
suspeita de que o conhecimento de seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato; g)
apreender pessoas vítimas de crime; g) colher qualquer elemento de convicção.
Como visto, o mandado judicial é exigível em regra (CF, art. 5.º, XI, CPP, arts. 240 §
1.º e 241), sendo dispensado nos seguintes casos: a) quando houver consentimento do
morador; b) em caso de flagrante delito; c) quando realizada pela própria autoridade
judiciária (CPP, artigo 241 cc. CF, art. 5.º XI).
3.5.2 Busca pessoal
3.5.2.1 Conceito de busca pessoal
“Quando os objetos que devem ser apreendidos são portáteis e se encontram em poder
de alguém que os traga consigo, ou que se supõe trazê-los, a busca, em vez de ser
domiciliar, será pessoal, procedendo-se à mesma por meio da revista”16.
Bem por isso, o § 2.º do artigo 240, dispõe: “Proceder-se-á à busca pessoal quando
houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos
mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior”. Ficou excluída, portanto, a
letra g, que se refere à apreensão de vítimas de crime, tendo em vista parecer impossível
que alguém possa trazer consigo, em suas vestes, outra pessoa. Entretanto, Espínola17
aventa a hipótese de que uma criança recém nascida possa ser transportada ou estar
escondida entre as vestes de quem a tenha seqüestrado, caso em que não seria
impossível a necessidade, ainda que excepcional, de busca pessoal ou revista.
3.5.2.2 A exigência de mandado para busca pessoal
As leis anteriores não fizeram referência expressa à busca pessoal, como está no Código
de 1941. Este, no Capítulo XI, menciona as duas formas, busca domiciliar e pessoal,
dando-lhes igual tratamento, tanto que no início do capítulo, no caput do artigo 240
enuncia que “A busca será domiciliar ou pessoal”; trata especificamente da busca
domiciliar nesse dispositivo e seus parágrafos e no subseqüente (241), dando a entender
que só a busca domiciliar exige mandado.
Mas, Câmara Leal18 já alertava para o equívoco, salientando: “A busca pessoal, pelo
preceito do art. 241, que só se refere à busca domiciliar, parece dispensar o mandado.
Todavia, tal não se dá, se atentarmos para a disposição do art. 243, I, que estabelece os
requisitos do mandado no caso de busca pessoal. Segue-se daí que o art. 241 está mal
redigido, fazendo crer a dispensa das buscas pessoais, quando esse não foi o
pensamento do legislador.”
E, tanto é verdade, que o Código não apenas volta a generalizar nos dois artigos
subseqüentes, como no 244 cuida especialmente das exceções à exigência de mandado
para a busca pessoal.
16
CÂMARA LEAL, Antonio Luiz da. Comentários ao Código de Processo Penal brasileiro, vol. I, Rio
de Janeiro: Freitas Bastos, 1942. p. 97.
17
Op. cit., p. 202.
18
Ibid., p. 99.
Mas, como é dispensável o mandado em caso de suspeita, a exceção tornou-se regra,
pois comumente a busca ou revista é feita sob tal pretexto, ignorando-se a exigência de
ordem da autoridade. É comum dizer-se que aquele que sofre a busca está sempre em
atitude suspeita; se ele vê a viatura policial e procura sair do local, é suspeito por ter “se
evadido ante a aproximação da polícia”; se, ao contrário, olha para o lado dos policiais,
é suspeito porque “ficou encarando a viatura”. Em suma, a busca pessoal é feita
comumente sem mandado da autoridade, pois, de acordo com o jargão policial, a
“atitude suspeita” a autoriza.
De qualquer modo, a autoridade aí é tanto a policial quanto a judiciária, pois se aquela
poderia inclusive determinar ou realizar pessoalmente até mesmo a busca em domicílio
(anteriormente à Constituição de 1988, que, como visto, não recepcionou, nessa parte, o
art. 241 do CPP), sem sombra de dúvida que também pode determinar ou realizar a
busca pessoal. No entanto, Cleunice Pitombo19 sustenta a exigência de mandado
judicial, na busca pessoal, como regra.
Como exceção, o artigo 244 do Código prevê diz que a busca pessoal independe de
mandado nos seguintes casos: a) ao ato de prisão; b) existindo “fundada suspeita” de
que a pessoa esteja na posse de arma proibida, ou de objetos ou papéis, que constituam
corpo de delito; c) no curso da busca domiciliar; d) se realizada pela própria autoridade
policial; d) com expresso e inequívoco consentimento do indivíduo visado.
Por outro lado, quando se tratar de busca pessoal em mulher, será feita por outra
mulher, salvo se isso importar retardamento ou prejuízo da diligência (CPP, art. 249).
3.5.3 Busca em veículos
A busca em veículo ora pode ser considerada pessoal, ora domiciliar. Depende da
utilização do veículo. Quando o veículo é utilizado como casa, há necessidade das
cautelas inerentes à busca domiciliar. Já quando a revista for levada a efeito em
veículos, com destinação exclusiva de meio de transporte, as regras a serem observadas
são as mesmas da busca pessoal.
3.5.4 Busca em escritório de advocacia
O varejamento em escritório de advocacia sofre maior restrição, em virtude da garantia
constitucional da ampla defesa (art. 5.°, LV, c/c o art. 243, § 3.°, do CPP). O Estatuto da
OAB determina que, em escritório de advogados, a busca ou apreensão deve ser
acompanhada por representante da Ordem dos Advogados do Brasil (art. 7.°, da Lei
8.906/94).
A inviolabilidade do escritório de advocacia não é absoluta, pois, como lembra Marco
Antonio de Barros20 “não se permite ao advogado transformar o seu escritório em
depósito de instrumentos de crimes, ali escondendo, por exemplo, arma utilizada pelo
19
Op. cit., p. 150.
BARROS, Marco Antonio. Sigilo Profissional. Reflexos no âmbito das provas ilícitas. In: Justitia, vol.
175, p. 17, jul-set.1996. p. 17ss.
20
cliente na prática do delito, cujo objeto interessa à persecutio criminis. Da mesma forma
não se lhe permite asilar o cliente contra o qual tenha sido expedido mandado de prisão.
Em tais hipóteses, poderá ser acusado de favorecimento real ou favorecimento pessoal
(arts. 349 e 348, do CP)”.
Contudo, salvo a hipótese de concurso ou favorecimento ao crime, resguardam-se, os
papéis, documentos ou coisas confiados ao advogado, para serem utilizados no interesse
do constituinte (art. 243 § 2.º, do CPP).
Em razão de um série de reclamações e protestos de entidades de classe, quanto a
abusos praticados por agentes e autoridades da Polícia Federal, por ocasião do
cumprimento de mandados judiciais de busca em escritórios de advogados, o Ministério
da Justiça fez expedir a Portaria n.º 1.288/2005, de 30.06.2005, estabelecendo
instruções sobre a execução de diligências daquela corporação para o cumprimento de
mandados judiciais de busca e apreensão em escritórios de advocacia.
3.6 Procedimento na realização da busca
As formalidades para a execução da ordem de busca estão elencadas no artigo 245, seus
parágrafos e artigos 247 a 250 do Código. As normas são relativas à expedição da
ordem, à forma de executá-la, especialmente, quanto ao momento, à iniciativa, ao
conteúdo e finalidade do mandado, à execução, ao executor, horário, forma, outra
circunscrição, ao termo de enceramento ou auto circunstanciado.
3.6.1 Momento adequado para realização da busca
A busca pode ser realizada fase pré-processual, nas seguintes hipóteses: a) em caso de
flagrante; b) antes de instaurado o inquérito; c) durante o inquérito. E, na fase
processual: a) durante a instrução do processo; b) na fase de execução.
3.6.2 Iniciativa para a realização da busca
Podem determinar ou realizar pessoalmente: a) a autoridade judiciária, em qualquer
hipótese; b) a autoridade policial, exceto quando domiciliar.
Podem requerer: a) a autoridade policial (no caso de busca domiciliar); b) o Ministério
Público (quando não puder ou quiser requisitar o que lhe interessa); c) o ofendido, na
fase do inquérito (art. 14 do CPP) ou como assistente de acusação (arts. 268 a 273 do
Código de Processo Penal; d) o suspeito, indiciado ou acusado e o condenado.
3.6.3 Conteúdo do mandado judicial
De conformidade com o artigo 243, do CPP, o mandado de busca deve conter: 1)
indicação precisa da casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo
proprietário ou morador; ou, no caso de busca pessoal, o nome da pessoa que terá de
sofrê-la ou os sinais que a identifiquem; 2) motivo e os fins da diligência; 3) ser
subscrito pelo escrivão e assinado pela autoridade que o fizer expedir.
3.6.4 Executores da busca
A busca pode ser realizada pela autoridade policial ou seus agentes (artigos 241, 245,
§1.°, e 250), inclusive os membros da polícia militar, na fase de inquérito e por oficiais
de justiça, na fase processual.
3.6.5 Forma do cumprimento do mandado
O cumprimento do mandado deve pautar-se pelas orientações contidas nos artigos 245,
247 e 248, do Código, a saber: 1) antes da busca, o executor deve: a) exibir e ler o
mandado de busca, exceto a autoridade judiciária, ou policial, conforme o caso (caput);
b) intimar o morador a abrir porta e mostrar o que se procura (caput); c) declarar sua
qualidade e o objetivo da diligência (§ 1.°); 2) durante a busca, se necessário, o executor
poderá: a) arrombar a porta e forçar a entrada, em caso de desobediência à ordem
judicial por parte do morador, (§ 2.°); b) empregar a força contra as coisas ali existentes
(§ 3.°); c) intimar um vizinho para assistir a diligência, em caso de ausência do morador
(§ 4.º); d) determinar o que for necessário também em relação aos moradores (§ 4.º),
porém molestando-os o menos possível (art. 248); 3) Após a busca, o executor deverá:
a) apreender a pessoa o coisa que procura, se encontrar (§ 6.º); b) lavrar auto a respeito
da diligência, arrolando duas testemunhas (§ 7.º); c) se a busca resultar infrutífera,
informar ao sujeito passivo as razões de sua realização (art. 247); d) se penetrar em
território de outra jurisdição, apresentar-se à autoridade local (art. 250).
4.Apreensão
4.1. Conceito e forma de apreensão
Segundo Borges da Rosa21, “Apreensão vem do verbo apreender, que significa pegar,
agarrar, segurar, tomar, apossar-se. Assim, apreensão é a tomada ou o apossamento da
pessoa ou coisa que se buscava ou procurava e foi encontrada”.
E para Hélio Tornaghi22 “a apreensão é o ato pelo qual a autoridade ou seu agente retira
a pessoa ou coisa de quem a detém”.
A apreensão pode ser coercitiva – originada em busca – ou espontânea, em livre
apresentação ou exibição.
4.2. Natureza jurídica da apreensão
O ato de apreender pode conduzir a guardar e conservar elementos sensíveis da infração
penal. Às vezes, traz consigo indícios, muito embora tal fato jamais baste para lhe dar
exclusiva natureza de meio de prova. O apossamento de prova material não lhe esgota a
essência, também. A eventual necessidade de apreender-se, com urgência, coisa ou
pessoa, de igual modo, não autoriza, só por isso, classificar a apreensão qual medida
cautelar, daí afirmar-se que tem natureza variada, segundo diz Cleunice Pitombo23.
Conclui a autora que a apreensão, no processo penal, apresenta natureza jurídica
variada, multifária. A sua classificação vincula-se à função que se lhe der. Ora é tida
21
Op. cit., p. 144
Op. cit., p. 468
23
Op, cit., p. 230.
22
como medida cautelar, ora como meio de prova e outras vezes como instrumento de sua
obtenção.
Entretanto, para nós, apesar de se encontrar, conjuntamente com a busca, no capítulo da
prova e como tal ser considerada pela lei processual, a apreensão se apresenta com a
natureza de medida cautelar que se destina à obtenção de prova ou seu asseguramento.
4.3. Finalidade da apreensão
Segundo Hélio Tornaghi24, a apreensão pode ter fins penais, processuais ou puramente
administrativos, a saber:
1) Fins penais, porque visa tornar efetiva a lei penal, a apreensão de: a) coisas achadas
ou obtidas por meios criminosos (art. 240 § 1.º, b); b) instrumentos de falsificação ou
contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos (art. 240 § 1.º, c); c) armas e
munições, instrumentos utilizados na prática do crime ou destinados a fim delituoso
(artigo 240 § 1.º, d).
2) Fins processuais, porque objetiva a prova do crime, a apreensão de: a) objetos
necessários à prova da infração ou à defesa do réu (art. 240 § 1.º, e); b) cartas, abertas
ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder (art. 240 § 1.º, f); c) qualquer (outro)
elemento de convicção (art. 240 § 1.º, h). 3)
Fins administrativos, porque destina-se à apreensão de: a) pessoas vítimas de crime (art.
240 § 1º, g).
4.4. Procedimento da apreensão
5.1
Momento de Realização e formas de apreensão
A apreensão pode ser realizada tanto na fase inquisitorial, como no decorrer da ação
penal, e até mesmo durante a execução da pena. O apossamento pode ser: a) decorrente
de busca; b) mediante exibição voluntária ou c) por encontro casual.
A apreensão decorrente de busca acha-se vinculada aos limites constitucionais e
processuais da busca; assim, o apossamento resultante da procura ilegal, ou abusiva, não
possui valor, para a instrução.
A exibição voluntária, de coisa móvel, autoriza a apreensão; não é, porém, toda e
qualquer apresentação que se sujeita à analisada constrição; para não ser arbitrária a
apreensão, há que se observar o seguinte: a) a licitude, ou não, na obtenção da coisa
exibida; b) necessidade de retirá-la do poder de quem a retém; c) imprescindibilidade,
para a instrução criminal, do apossamento.
A autorização que a lei confere à autoridade policial (CPP, art. 6.º, incs. I e II), de
aprender os objetos encontrados no local do fato impõe seja observado se tais coisas
estão efetivamente relacionadas com o fato, caso contrário não podem ser apreendidas.
5.2
Iniciativa da apreensão
Podem determinar ou realizar pessoalmente: a) a autoridade judiciária; b) a autoridade
policial, com as restrições legais.
24
Op. cit., p. 440.
Podem requerer: a) a autoridade policial; b) o Ministério Público; c) o ofendido, na fase
do inquérito (art. 14 do CPP) ou como assistente de acusação (artigos 268 a 273 do
CPP); d) o suspeito, indiciado ou acusado e o condenado (CPP, art.14) ou respectivos
defensores.
5.3
Executores da apreensão
A apreensão pode ser efetuada pela autoridade policial ou seus agentes, na fase do
inquérito e por oficiais de justiça, na fase processual.
5.4
A exigência de mandado judicial de apreensão
Embora o Código de Processo Penal não faça referência a mandado de apreensão, mas,
tão-só, ao mandado de busca e apreensão, é indispensável a expedição mandado para a
apreensão, quando ela ocorrer divorciada da busca e da exibição. O mando será judicial,
em caso de apreensão em domicílio, ou da autoridade policial, quando esta não estiver
presente, nos demais casos.
5.5
Auto de apreensão
Inexiste, também, na lei processual, especificação sobre o auto de apreensão. A lei
apenas se refere a auto de busca e apreensão (art. 245, § 7.°, do CPP), devido ao
tratamento conjunto e não autônomo.. Entretanto, é indispensável a elaboração de auto,
como forma de documentação da diligência.
Normalmente, é lavrado “auto de exibição e apreensão”, em todas as hipóteses, isto é,
apreensão decorrente de busca; apreensão por entrega espontânea e apreensão por
encontro em local de crime, quando cada situação deveria ensejar um auto específico,
mediante a elaboração de termos específicos à cada espécie, utilizando-se inclusive a
expressão auto de arrecadação para a última hipótese (encontro no local do fato).
Conforme já salientamos em outro trabalho25 normalmente, nesses autos de exibição e
apreensão, o “exibidor” é um dos agentes policiais encarregados da busca, que indica
onde e com quem encontrou o objeto, mesmo quando se registra a entrega na repartição
policial por terceira pessoa. Em razão disso, muitas vezes, perde-se um pouco da carga
probatória, que poderia advir desses documentos, agravando-se o fato de que, por
comodidade, não se costuma indicar as testemunhas que tenham presenciado a
diligência, no local, figurando como tais os próprios companheiros de investigação.
Nos próprios livros e manuais sobre inquérito policial, normalmente, os “modelos”
sugeridos referem-se apenas ao “Auto de Exibição e Apreensão”26, quando o correto
seria de “Auto de Busca e Apreensão”, para os casos em que esta tenha sido precedida
daquela. Carlos Alberto Rios27 refere, corretamente, a possibilidade de ser elaborado
25
BARROS, Antonio Milton de. Da prova no processo penal: apontamentos gerais. São Paulo: Juarez de
Oliveira, 2001. p. 104.
26
SILVA, José Geraldo da Silva. O inquérito policial e a polícia judiciária. Leme-SP: LED, 1994. p.
181.
27
Manual teórico e prático de policía judiciária. São Paulo: Edipro, 1991. p. 107.
apenas o “Auto de Apreensão”, para aqueles outros casos em que não houve procura e
“Auto de arrecadação”, quando o encontro não sucedeu a busca e nem ocorreu a
“exibição”, ou seja, a entrega espontânea. A arrecadação é feita ex-ofício, no local de
crime. Este, comumente, é reservado para a apreensão de objetos que não tenham
relação com o crime, mas a distinção, segundo nos parece, decorre apenas da praxe, não
se justificando, legal ou formalmente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROS, Antonio Milton de. Da prova no processo penal: apontamentos gerais. São
Paulo: Juarez de Oliveira, 2001.
BARROS, Marco Antonio. Sigilo Profissional. Reflexos no âmbito das provas ilícitas.
In: Revista Justitia, vol. 175, p. 17, jul-set.1996.
BORGES DA ROSA, Inocêncio. Processo penal brasileiro, Porto Alegre: Globo, 1942.
CÂMARA LEAL, Antonio Luiz da. Comentários ao Código de Processo Penal
brasileiro, vol. I, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1942.
ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal anotado. 3. ed., vol. I. Rio de
Janeiro: Borsoi, 1954.
MACHADO, Antonio Alberto. Prisão cautelar e liberdades fundamentais. Rio de
Janeiro: Lúmen-juris, 2005.
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Vol. 1. CampinasSP: Bookseller, 1997.
PITOMBO, Cleunice Valentim Bastos. Da Busca e Apreensão no Processo Penal. São
Paulo, Revista dos Tribunais, 2005.
PINTO, Ronaldo Batista, Prova Penal segundo a jurisprudência, São Paulo, Saraiva,
2000.
TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1990.
RIOS, Carlos Alberto dos. Manual teórico e prático de policía judiciária. São Paulo:
Edipro, 1991.
SILVA, José Geraldo da Silva. O inquérito policial e a polícia judiciária. Leme-SP:
LED, 1994.
TOURINHO FILHO, Fernando da Cosa. Processo penal. São Paulo: Saraiva, 2003.
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