O CASO DAS VOÇOROCAS DO DISTRITO DE ESPIGÃO/REGENTE FEIJÓ:
UMA PROPOSTA DE ANÁLISE INTEGRADA1.
Alessandro Donaire de Santana
[email protected]
Licenciado em Geografia
Universidade Estadual Paulista FCT/ UNESP
Juliane Silva Ribeiro
[email protected]
Licenciada em Geografia
Universidade Estadual Paulista FCT/ UNESP
Karime Pechutti Fante
[email protected]
Licenciada em Geografia
Universidade Estadual Paulista FCT/ UNESP
Lucinete Ferreira de Andrade
[email protected]
Licenciada em Geografia
Universidade Estadual Paulista FCT/ UNESP
Resumo
O presente artigo apresenta os resultados de uma pesquisa desenvolvida no âmbito da disciplina PID
II. Seu objetivo é apresentar uma análise interdisciplinar acerca de um processo pontual – o
surgimento e avanço das voçorocas do Distrito de Espigão, em Regente Feijó/SP – que pode ser
entendido como representativo do modo de uso e ocupação do solo da região do Oeste Paulista.
Neste sentido, são considerados os aspectos histórico, cultural, social e econômico característicos da
formação da região e suas implicações sobre o espaço geográfico. Por meio da abordagem dos
conceitos de degradação, impacto e risco ambiental procurou-se evidenciar as vicissitudes desse
processo e como as ações humanas podem gerar consequências imprevistas e irreparáveis, que
afetam o meio ambiente como um todo.
Palavras-chave: interdisciplinaridade; voçoroca; degradação ambiental; impacto ambiental; risco
ambiental.
INTRODUÇÃO
Ao longo do curso de Geografia, assistindo às aulas, estudando e pesquisando, foi
possível apreender que esta ciência só pode ser praticada através do contato com outras
áreas do conhecimento, como a Economia, a Filosofia, a Ecologia, dentre tantas outras as
quais os geógrafos devem sua capacidade analítica de entender como a sociedade se
apropria e transforma constantemente o espaço geográfico.
Neste sentido, uma contribuição relevante para a pesquisa em Geografia é
evidenciar um problema pontual - as voçorocas de um pequeno distrito, de uma pequena
cidade do Oeste Paulista -, que reflete processos mais amplos e complexos não
perceptíveis a priori pelo senso comum e que, em sala de aula, pode levar os alunos a
entender que a Geografia transcende a memorização de capitais de países ou a cópia de
mapas de livros didáticos.
1
Eixo de apresentação Geografia ambiental e da saúde
1
Esta ciência permite - desde que devidamente trabalhada em sala de aula - que os
alunos consigam entender que são co-participes na produção do espaço geográfico e que
as intervenções da sociedade no mesmo refletem os processos histórico, social, econômico
e cultural dos mais variados grupos humanos existentes sobre a face da Terra. Daí a
relevância dos princípios fixados pelos PCN’s para os Ensinos Fundamental e Médio para a
área de Geografia, ao preconizarem a compreensão da essência dos fenômenos por meio
do resgate dos aspectos históricos e culturais constitutivos de cada sociedade como
condição para apreensão das dinâmicas do espaço geográfico por parte dos alunos.
Por isso, a opção por trabalhar com uma temática que traz à luz a velha discussão
da dicotomia Sociedade/Natureza ao se abordar as consequências da intervenção humana
num espaço que se transforma constantemente, em virtude da lógica de “desenvolvimento”
do sistema econômico vigente. Evidentemente, foi necessário fazer uma pesquisa quanto à
constituição histórica do município de Regente Feijó e, por conseguinte, dos fatores
socioeconômicos que impingiram suas marcas sobre o território regentense, bem como do
Oeste Paulista de um modo geral.
Para a estruturação do trabalho, foi imprescindível a realização do trabalho de
campo, a fim de se captar as primeiras impressões acerca do fenômeno estudado e, assim,
qualificar a análise visando entender as determinantes do processo das voçorocas e suas
implicações sobre a vida das pessoas e do meio ambiente de um modo geral no Distrito de
Espigão.
Assim, o presente artigo busca, primeiramente, apontar a relevância da
interdisciplinaridade para a área de Geografia. Em seguida, será abordado o processo de
formação das voçorocas do Distrito de Espigão por meio de um breve resgate histórico da
constituição do município de Regente Feijó, com vistas a entender como aquele fenômeno
se constituiu. Para tanto, procurou-se inter-relacionar algumas das áreas estruturantes da
Geografia, tais como a Geografia Urbana, a Geografia Rural e a Geomorfologia, bem como
alguns conceitos que ajudam a compreender como o processo das voçorocas, materializado
naquele local, é o reflexo das ações da sociedade sobre o espaço geográfico e como aquele
fenômeno acaba repercutindo negativamente sobre os elementos bióticos e abióticos
constitutivos daquele meio ambiente. São eles: risco ambiental, degradação ambiental e
impacto ambiental.
A INTERDISCIPLINARIDADE E A GEOGRAFIA: ALGUMAS QUESTÕES PARA O
DEBATE.
A interdisciplinaridade, para além de um pressuposto defendido constantemente nas
discussões epistemológicas da ciência geográfica, é imanente a ela e, mesmo com a
constante e inevitável verticalização nas diferentes áreas de pesquisa, o Geógrafo é capaz
de estabelecer as relações centrais existentes entre Sociedade e Natureza – nas suas mais
2
diferentes interfaces - quando chamado a pensar o principal objeto de estudo da Geografia:
o espaço geográfico.
Evidentemente, é notória a dificuldade em conciliar e integrar conteúdos, e mais do
que isso, conciliar e integrar conhecimentos. Entretanto, este é o desafio imposto pela
disciplina, qual seja, fazer com que os estudantes do curso de Geografia aprendam a ter
capacidade de trabalhar com as diversas esferas que permeiam esta ciência, sem deixar
que o conhecimento se torne um domínio extremamente restrito e dissociado dos demais
âmbitos que compõem a ciência geográfica.
Neste sentido, é possível inferir que quanto mais o pensamento técnico-científico é
fragmentado, especializado e verticalizado, mais o conhecimento se torna restrito a uma
pequena esfera de análise e de compreensão dos problemas e, por conseguinte,
insuficiente para dar conta da variada gama de interfaces com a qual a realidade estudada
se apresenta. Para Fazenda (2003)
[...] essas setorizações do conhecimento, ao invés de resolverem os
problemas de nosso tempo, não levam a nada, pois como concluir a
respeito de suficiências de conhecimento se a esfera de vinculação desse
conhecimento é ilimitada?” (FAZENDA, 2003, p.36)
Daí a importância da abordagem interdisciplinar que, de acordo com a pesquisadora
supracitada, a partir do momento em que o especialista de uma determinada área
reconhece os limites de seu saber e busca acolher as contribuições de outras disciplinas, a
ciência como um todo ganha. Por isso, é imprescindível o contato de uma ciência com
outras para que a dissociação/separação historicamente construída possa ser substituída
pela convergência de objetivos comuns.
Assim, quando a Geomorfologia é trabalhada na escola e são abordados conceitos
como voçoroca, ravina ou sulcos erosivos, por exemplo, faz-se necessário explicitar as
causas naturais e antrópicas de tais fenômenos. Portanto, não há como desconsiderar a
abordagem interdisciplinar em sala de aula. O professor de Geografia tem de perpassar as
várias áreas desta ciência e de outras para que possa ser claro em suas explicações e
consiga estabelecer as relações e o peso dos diferentes atores sociais ao intervir no espaço
geográfico, bem como as implicações das diferentes forças destes atores sobre o mesmo. O
pensamento de Ferreira (2001) corrobora a análise feita até o momento
[...] a interdisciplinaridade perpassa todos os elementos do conhecimento,
pressupondo a integração entre eles. Porém, é errado concluir que ela é só
isso. A interdisciplinaridade esta marcada por um movimento ininterrupto,
criando ou recriando outros pontos para discussão. Já na idéia de
integração, apesar do seu valor, trabalha-se sempre com os mesmos
pontos, sem a possibilidade de serem reinventados. Buscam-se novas
combinações e aprofundamento sempre dentro de um mesmo grupo de
informações” (FERREIRA, 2001, p. 67).
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Fica patente, então, que a abordagem interdisciplinar em Geografia é uma
necessidade, pois, no caso do objeto de pesquisa tratado neste artigo, a História foi
imprescindível para entender um processo que já está materializado há alguns anos (as
voçorocas), mas que faz parte do presente daquela localidade e é resultado da soma de
diferentes tempos e da atuação de diferentes agentes e interesses, o que torna
indispensável, também, o contato com a Geografia Rural, a Geografia Urbana e a
Geomorfologia para que as determinantes do processo e suas implicações sejam
desnudadas. O PCN do Ensino Médio (2002) deixa bem claro a importância da conjunção
dos processos históricos e dos processos contemporâneos para a compreensão da
produção do espaço geográfico numa de suas competências definidas
[...] reconhecer na aparência das formas visíveis e concretas do espaço
geográfico atual a sua essência, ou seja, os processos históricos
constituídos de diferentes tempos e os processos contemporâneos,
conjunto de práticas dos diferentes agentes, que resultam em profundas
mudanças na organização e no conteúdo do espaço”. (PCN, 2002, p.63)
Diante dessa discussão em que a interdisciplinaridade é uma exigência natural e
inata das ciências, no sentido de uma melhor compreensão da realidade, alguns obstáculos
não poderiam deixar de serem mencionados, como os metodológicos (instauração de uma
metodologia interdisciplinar) e os obstáculos quanto à formação (problema com a rigidez dos
educadores, enquadrados em rígidas formas).
No caso da ciência geográfica isso é ainda mais preocupante. Estudantes desde o
início da Graduação já são chamados a “escolher” a grande área com a qual se identificam
(Geografia Humana ou Geografia Física), estimulados pela iniciação científica e o auxílio
das bolsas de estudos. Contudo, mesmo com a capacidade intrínseca do Geógrafo em
estabelecer as relações Sociedade/Natureza - defendido no início desta discussão – há que
se considerar que o direcionamento preferencial acaba por interferir na formação deste
profissional devido aos aprofundamentos dos enfoques característicos de cada grande área
e de análises cada vez mais verticalizadas e, portanto, a noção holística das relações
espaciais, invariavelmente, acaba ficando prejudicada.
BREVE HISTÓRICO DE OCUPAÇÃO DO MUNICÍPIO DE REGENTE FEIJÓ: “A HISTÓRIA
DA COLETIVIDADE”.
Regente Feijó surge no início do século XX, a partir da penetração da Estrada de
Ferro Sorocabana pelo Vale do Paranapanema. A cidade foi fundada em 1922 por um grupo
de sertanistas sob o comando do Capitão Francisco Witacker. Outro importante marco da
história de constituição do município foi a construção da Estrada Boiadeira. Segundo
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Monbeig (1984, p. 183) a construção da estrada foi levada a cabo “por iniciativa de um
capitalista alemão, Diedriechsen (...) na floresta entre Indiana (...) e Porto Tibiriçá, no rio
Paraná” e, daí, às áreas de criação de gado localizadas na região sul do então estado de
Mato Grosso. A Figura 1 mostra a localização do município e seus atuais limites políticoadministrativos:
Figura 1. Localização do município de Regente Feijó – SP
Evidentemente, para se entender as atuais dinâmicas que configuram o espaço
geográfico no Distrito de Espigão, é necessário ampliar a escala de análise e fazer o resgate
histórico de formação do município, haja vista que, assim como Regente Feijó, muitas
cidades do Oeste Paulista se constituíram às margens da Ferrovia Sorocabana e outras
tantas se constituíram como rota de passagem e da engorda de gado proveniente do Mato
Grosso em direção ao grande centro consumidor que se configurava na primeira metade do
século XX, a cidade de São Paulo.
Neste sentido, há que se levar em consideração, ainda, a maneira como os
diferentes grupos humanos instalados na região se relacionaram/relacionam com o espaço
geográfico para compreender como um processo pontual – as voçorocas – exprime o
modelo e as concepções de desenvolvimento propostas para a região ao longo do século
XX, principalmente. Quando aqui chegaram, as frentes colonizadoras se depararam com um
espaço de natureza praticamente intocada e que era habitado, segundo fragmentos de
documentos históricos do município, por Índios Coroados que, durante muito tempo,
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resistiram bravamente às investidas dos invasores. Segundo Abreu (1972, p. 22), “a posse
da terra fazia-se à custa de muita luta e mortes. Os Coroados, consagrados pela sua
ferocidade, não perdiam oportunidade para atacar, levando as armas, instrumentos de
trabalho e tudo mais que achavam nas rústicas moradias”. Evidentemente, mesmo
resistindo, a maioria dos índios foi massacrada pelas “necessidades do progresso” e os que
sobreviveram tiveram de emigrar para áreas mais remotas do território brasileiro.
A necessidade de incorporação desta região como nova fronteira de expansão do
café e os ciclos econômicos implantados subsequentemente, como o algodão, a criação de
gado de corte e leiteiro e, mais recentemente, a cultura da cana-de-açúcar explica a
existência de mata apenas nos fundos de vales muito íngremes e, portanto,
desinteressantes ao plantio ou a criação de gado. Esta forma de se relacionar com o espaço
geográfico leva em consideração apenas os interesses mercadológicos de incorporação de
novas áreas do atual modelo econômico, ao passo que os indígenas que aqui se
encontravam também transformavam o espaço geográfico, porém, numa perspectiva
integrativa com os elementos naturais. Neste sentido, podemos fazer referência a Serra
(1987) para respaldar nossa análise
[..] Os instrumentos fixos, vale dizer as adaptações do espaço, são
criações coletivas, construídas por gerações ao longo do tempo, reunindo
intenções e objetivos diferentes e, dessa forma, incorporando em si a
história da coletividade” (SERRA, 1987, p. 49-50).
Diante do exposto, a História não pode ser prescindida nesta análise, pois os atores
sociais envolvidos na produção do espaço geográfico imprimiram suas marcas de formas
distintas no mesmo ao longo do tempo. Assim, o espaço geográfico é constituído por
processos dinâmicos e cada sociedade intervém na produção do mesmo de acordo com os
elementos histórico, culturais e econômicos característicos de sua formação.
O CASO DAS VOÇOROCAS DO DISTRITO DE ESPIGÃO/ REGENTE FEIJÓ E SUAS
IMPLICAÇÕES SÓCIO-AMBIENTAIS.
As voçorocas do Distrito de Espigão chamam a atenção, em virtude de sua
grandiosidade. A área apresenta belas e amplas colinas com a presença de gramíneas
(pasto) e de vegetação em alguns pontos do fundo de vale e aquelas “cicatrizes” acabam
causando “desconforto” para o observador, conforme Figura 2. Contudo, para muito além do
impacto visual, essas voçorocas, como já referido, evidenciam um processo de uso e
ocupação do solo característico da região e se constituí como sério problema nas áreas
rurais e periurbanas de diversos municípios.
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Figura 2: “Voçoroca 1” localizada nos fundos do Distrito de Espigão, em Regente Feijó/SP.
Fonte: Arquivo Trabalho de Campo, 2010
Por isso, cabe trabalhar com o conceito de degradação ambiental para qualificar a
análise e trazer à luz as determinantes destes processos no distrito. Sánchez (2008, p. 27)
conceitua degradação ambiental “como qualquer alteração adversa dos processos, funções
ou componentes ambientais, ou como uma alteração adversa da qualidade ambiental. Em
outras palavras, degradação ambiental corresponde a impacto ambiental negativo”. O autor
aponta ainda que
[...] O grau de perturbação pode ser tal que um ambiente se recupere
espontaneamente; mas, a partir de certo nível de degradação, a
recuperação espontânea pode ser impossível ou somente se dar a prazo
muito longo, desde que a fonte de perturbação seja retirada ou reduzida”
(SÁNCHEZ, 2008, p. 27).
No Oeste Paulista, muitas destas voçorocas ainda não passaram por um processo
de contingenciamento, o que implica na perda de solos e áreas agricultáveis, bem como no
avanço destas crateras sobre a malha urbana de alguns municípios, como Rancharia e
Álvares Machado, por exemplo. As voçorocas localizadas no Distrito de Espigão são
resultado direto de um modo de uso e ocupação do solo marcado pela existência,
principalmente, de pequenas propriedades e que, ao longo das décadas, provocou a
degradação ambiental daquela área por meio de práticas agropecuárias predatórias e
incompatíveis com a topografia na qual estavam assentadas, conforme Figura 3. A
configuração da malha urbana também contribuiu com o agravamento do processo, como
será explicitado mais a diante.
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Figura 3: Pequena propriedade com criação extensiva de gado no Distrito. Destaque
para a degradação da nascente (cercada) no centro da fotografia.
Fonte: Arquivo Trabalho de Campo, 2010
Portanto, seja por negligência ou desconhecimento quanto à utilização de práticas
conservacionistas e de técnicas de engenharia que levassem em consideração a topografia
na qual a malha urbana seria assentada, os atores sociais envolvidos na produção daquele
espaço geográfico foram os responsáveis diretos pela degradação ambiental, cujas maiores
implicações são o assoreamento dos cursos d’água, o surgimento de ravinas, sulcos
erosivos, dos movimentos de massa conhecidos como rastejo ou creep e das impactantes
voçorocas.
Contudo, é importante ressaltar que no período correspondente entre os anos de
2000 e 2008 o Governo do Estado, com apoio do Banco Internacional de Reconstrução e
Desenvolvimento (BIRD) implementou o Programa de Microbacias Hidrográficas (PEMH)
que, entre outras ações, recuperou quilômetros de estradas rurais e construiu curvas de
nível para a contenção de águas pluviais que provocam erosões de grande profundidade,
como as voçorocas. O programa Melhor Caminho, também do governo estadual, foi de
grande importância para o contingenciamento de processos erosivos nas áreas rurais.
No
município
de
Regente
Feijó
ambos
os
programas
têm
funcionado
satisfatoriamente, principalmente o Programa Melhor Caminho, porém no Distrito de
Espigão há um agravante: a malha urbana está assentada sobre uma morfologia de relevo
acidentada, cujos limites do distrito são circundados por vertentes íngremes. Esta
característica, somada ao fato de que não houve a preocupação de construir tubulações que
levasse as águas pluviais aos fundos de vales ou dissipadores de energia para atenuar a
força das águas, agravou o processo de alargamento das bordas das voçorocas, conforme
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Figura 4. Numa delas a população, com o respaldo do poder público local, despeja grande
quantidade de lixo e entulho como forma de conter o processo.
Figura 4: Alargamento das bordas de uma das voçorocas.
Fonte: Arquivo Trabalho de Campo, 2010
Estas ações humanas sobre o espaço geográfico dão respaldo para trabalhar, ainda,
com o conceito de impacto ambiental, a fim de dimensionar a problemática estudada e seus
reflexos sobre a vida das pessoas e dos demais componentes do ambiente. Segundo
Sánchez (2008, p. 32) “Impacto ambiental é a alteração da qualidade ambiental que resulta
da modificação de processos naturais ou sociais provocada por ação humana”. Interessante
esta definição do autor, pois pondera que não se deve “confundir a causa com a
consequência” quando se trata de impacto ambiental. Ou seja, não há como considerar a
configuração do distrito ou as práticas agrícolas equivocadas como impactos ambientais,
mas como causadoras de impactos ambientais naquela área.
O impacto ambiental desencadeado pela ação humana naquela localidade acaba se
revertendo em implicações negativas para os moradores do distrito e das pequenas
propriedades que o circunvizinham. Primeiramente, a questão da degradação visual daquela
paisagem, principalmente da voçoroca onde é depositado lixo e entulho, à medida que os
moradores, ao abrirem as portas e janelas de suas casas, ao saírem para o trabalho todas
as manhãs ou ao regressarem no fim de tarde, terão como vista aquele fundo de vale
degradado. Nesta voçoroca há pneus, sofás, pára-brisas de carro, galhos e troncos de
árvores, etc., conforme Figura 5. Todo este entulho é depositado no local pelos caminhões
da prefeitura e vêm do próprio distrito e da cidade-sede do município. As pessoas têm o
costume de colocar resíduos ou materiais - separados do lixo doméstico - nas calçadas para
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que os coletores passem com os caminhões e levem tudo o que “não serve mais” para bem
longe do seu alcance visual mais imediato.
Figura 5: “Voçoroca 2” localizada em outra extremidade do Distrito de Espigão, em
Regente Feijó/SP. Observar a grande quantidade de entulho depositada na voçoroca.
Fonte: Arquivo Trabalho de Campo, 2010
Além da prefeitura, os responsáveis pela construção das casas do novo conjunto
habitacional do distrito – obras do governo estadual – também contribuíram com o
agravamento do já consolidado quadro de degradação ambiental naquela área ao
depositarem numa das voçorocas grande quantidade de sedimentos retirados das encostas
para a construção de muros de arrimo, para o aplainamento de algumas áreas e demais
intervenções de ordem paisagística no local. Toda a deposição de lixo e entulho nesta
voçoroca tem o respaldo dos proprietários da propriedade rural na qual está localizada esta
voçoroca, que entendem o procedimento como a melhor forma para resolver o problema,
segundo o depoimento de alguns moradores.
Porém, acabam agravando o problema, já que tecnicamente esta não é a solução
adequada para conter o avanço de uma voçoroca e, ainda, contribuem para o surgimento de
vetores transmissores de doenças, tais como ratos, baratas, mosquitos, etc., além da
decomposição deste material e a consequente produção de chorume, contaminando o solo
e as águas do lençol freático e da bacia hidrográfica. Neste sentido, fica evidente o descaso
do poder público - nos âmbitos municipal e estadual - que nada fazem de concreto para
conter o avanço do processo, adotando apenas medidas paliativas e completamente
inadequadas para encarar o problema.
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Portanto, estão consolidados os processos de degradação e impacto ambiental que
poderiam ser minimizados ou resolvidos, caso as autoridades estivessem mais atentas e a
população tivesse consciência das consequências de suas atitudes cotidianas para com o
ambiente que as cerca. Além disso, há que se vislumbrar um iminente problema de saúde
pública, em virtude dos vetores transmissores de doenças citados anteriormente, o que traz
à luz a subjacente questão do risco ambiental. Antes da abordagem deste conceito, há que
se explicitar, primeiramente, o conceito de risco que, segundo Veyret (2007)
[...] é uma construção social. A percepção que os atores têm de algo que
representa um perigo para eles próprios, para os outros e seus bens,
contribui para construir o risco que não depende unicamente de fatos ou
processos objetivos (...) Os fatores de risco são numerosos, podem ser
processos naturais (terremotos, ciclones...) ou consequências das
atividades humanas: agricultura (poluição, erosão...), indústria (poluição,
explosão, incêndio), transportes” (VEYRET, 2007, p. 23).
As voçorocas do distrito se constituem como sinônimos de risco para aquela
população, não apenas pela proliferação de vetores transmissores de doenças como a
dengue, haja vista a grande quantidade de pneus e outros objetos que acumulam água
encontrados dentro de uma das voçorocas, mas, também, por representar um perigo para
as crianças, que têm o hábito de “brincar soltas” e alheias aos perigos que aquelas imensas
crateras podem representar. Portanto, há o risco iminente de acidentes ou até mesmo de
morte para as crianças que, por ventura, brinquem naquelas voçorocas. Neste sentido, as
dinâmicas envolvendo Sociedade e Natureza, naquela área, conformam a situação de risco
ambiental, entendido aqui sob a perspectiva de Veyret (2007, p. 63) quando afirma que “os
riscos ambientais resultam da associação entre os riscos naturais e os riscos decorrentes de
processos naturais agravados pela atividade humana e pela ocupação do território”.
Como o ambiente é a conjunção dos elementos bióticos e abióticos e a sociedade é
o maior agente de interferência nas dinâmicas naturais, não se pode deixar de mencionar
algumas implicações desta interferência sobre os solos, a vegetação e o micro-ecossistema
remanescentes e, por conseguinte, o comprometimento da capacidade de regeneração
destes componentes bióticos e abióticos.
Pode-se evidenciar a fragilidade geomorfológica do sítio no qual se assenta o distrito
e adjacências, em virtude do processo erosivo contínuo. Os canais de escoamento que
convergem para estas voçorocas acabam por acelerar o processo, agravado quando da
ocorrência de precipitação e, consequentemente, do grande volume de águas pluviais que
chega até os fundos de vales, o que contribui para o solapamento das bordas e o
afloramento dos arenitos da Formação Adamantina em muitos trechos das duas voçorocas,
evidenciando a gravidade do problema na área. Esta situação acaba comprometendo todos
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os demais componentes bióticos e abióticos, o que agrava a situação de risco ambiental
naquela área.
Diante de tudo o que foi explicitado até o momento, fica patente que os processos
naturais foram profundamente alterados pelo uso e ocupação do solo, se consubstanciando
num risco ambiental que afeta tanto a população que ali reside, como compromete
seriamente a capacidade daquela área, outrora natural, e agora profundamente degradada
de se recuperar satisfatoriamente, mesmo com técnicas de contingenciamento ancorados
em pressupostos técnicos sólidos e confiáveis. Portanto, o trabalho com os conceitos de
risco, degradação e impacto ambiental não pode apenas tentar mensurar ou vislumbrar os
impactos sobre a vida das pessoas, mas, também, sobre o ambiente como um todo, já que
as ações humanas podem gerar consequências sérias e imprevistas a priori.
Para concluir, é válido exemplificar apontando a questão da produção de chorume
em virtude do grande volume de lixo e entulho depositado numa das voçorocas - a que fica
localizada próxima ao novo conjunto habitacional -, contaminando o solo e as águas,
afetando toda a biota. Uma passagem do livro de Serra (1987) respalda nossa análise
As adaptações do espaço são, portanto, conscientes e dirigidas para
determinada finalidade; entretanto, as modificações do meio
ambiente resultantes destas adaptações implicam, com frequência,
aspectos negativos imprevistos. (SERRA, 1987, p.50)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo procurou evidenciar as vicissitudes do processo de ocupação do Oeste
Paulista materializado num problema pontual – as voçorocas do Distrito de Espigão em
Regente Feijó. Por meio de uma análise integrada, procurou-se entender a problemática
levando-se em consideração seus aspectos sociais, econômicos e histórico-culturais
imanentes. O resgate histórico do processo de ocupação da nossa região serviu para deixar
claro que não há como fazer uma análise enviesada de um processo (as voçorocas) que
apresenta variada gama de fatores intrínsecos.
Daí a importância de uma análise que procura relacionar outras áreas da Geografia,
como a Geomorfologia, a Geografia Rural e a Geografia Urbana, bem como sua ciência irmã
- a História -, para entender como um processo restrito pode ser resultante de determinantes
que podem extrapolar os limites da escala local e se consubstanciar numa ampla e rica
fonte de pesquisa.
O trabalho com os conceitos de degradação ambiental, impacto ambiental e risco
ambiental desvendou algumas nuances do processo e permitiu qualificar sobremaneira a
análise e, assim, corroborar a ideia central do artigo, qual seja, o de evidenciar que a
interferência da sociedade sobre o espaço geográfico ocorre de acordo com os elementos
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histórico-culturais e econômicos característicos de sua formação e que não há como
entender seus processos constitutivos sem um trabalho interdisciplinar.
Portanto, a abordagem interdisciplinar é imanente a formação do Geógrafo e, mesmo
com todas as limitações, este profissional, seja técnico ou educador, deve sempre
estabelecer as relações entre os fatos que estão postos para a análise, a fim de que possa
viabilizar propostas de intervenção eficazes para cada problemática analisada ou formar
cidadãos conscientes de seu papel enquanto agentes transformadores da sociedade e
produtores do espaço geográfico.
REFERÊNCIAS
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FERREIRA, Sandra Lúcia (1997). “Introduzindo a noção de interdisciplinaridade”. In:
FAZENDA, Ivani. (Org) Práticas Interdisciplinares na escola. São Paulo. Editora Cortez,
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MONBEIG, Pierre. Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo. 2ª Edição. Tradução de
Ary França e Raul de Andrade e Silva. São Paulo: Hucitec & Polis. 1998.
SÁNCHEZ, Luis Henrique. Avaliação de impacto ambiental: conceitos e métodos. São
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SERRA, Geraldo. O espaço natural e a forma urbana. São Paulo. Nobel, 1987.
VEYRET, Yvette (Organizadora). Os riscos: o homem como agressor e vítima do meio
ambiente. Tradutor: Dílson ferreira da Cruz. São Paulo. Contexto, 2007.
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O CASO DAS VOÇOROCAS DO DISTRITO DE ESPIGÃO/REGENTE