Projeto LEAFRO
Laboratório de Cultura e Estudos Afro -Brasileiros
Curso de F ormação Continuada em Relações Étnico-Racia is e Cultura Afro -Brasileira P ara Rede
Estadual de Ensino – 2010/ 4º Encontro
LITERATURAS AF RICANAS E AFRO BRASILEIRAS1
1. Algumas considerações sobre as literaturas e as demais expressões artísticas em África2
O objetivo deste texto consiste em lançar um olhar sobre as Literaturas e as demais
expressões artísticas em África a partir do levantamento de uma série de informações e bibliografias que
poderão auxiliar o profissional da educação em pesquisas acerca das expressões artísticas no continente
africano. É importante ponderar que não se trata de um trabalho acabado, e sim o início de uma pesquisa
complexa e inesgotável.
As literaturas e as artes africanas ainda são pouco divulgadas e cabe aos profissionais da
educação inclinados à temática conhecer e buscar a compreensão de alguns elementos reveladores das
manifestações artísticas africanas, e conseqüentemente compreender melhor a própria cultura brasileira. No
fragmento a seguir, a professora Carmen Lucia Tindó Ribeiro Secco discorre sobre a inserção da literatura e
das artes plásticas no contexto angolano, mas que pode até certo ponto ser estendido a mais de um país do
continente:
A literatura e a pintura se inserem no domínio das artes. Suas linguagens, portanto, não são
referenciais, encontrando -se na esfera dos discursos metafóricos. Sendo espaços artísticos,
são lugares privilegiados, locais tanto de fruição estética, como de projeção identitária.
Assim, ao estudar a literatura e a pintura angolanas, é importante que os valores artísticos
dialoguem sempre e estejam em constante interação com os substratos culturais implícitos na
dimensão simbólica e alegórica da linguagem literária pictórica. Tanto a literatura como as
artes plásticas de um país se acham, desse modo, estreitamente ligadas a seus
de
enunciação. Por conseguinte, fatores geográficos, históricos, culturais, antropológicos,
étnicos, econômicos, políticos, perpassam os discursos artísticos, estando em íntima
correlação com as estruturas sócio -culturais. Os “saberes locais” podem, desse modo, ser
apreendidos tanto nas malhas metafóricas dos textos literários, como nas metáforas
cromáticas presentes na pintura3.
Quando entramos em contato com as manifestações artísticas do continente africano é
necessário levarmos em consideração uma multiplicidade elementos e representações, pois, pensar a arte
num continente é pensar em vários universos que possuem seus símbolos, suas crenças, suas línguas e
incontáveis peculiaridades. Assim sendo, primeiramente procurou -se fazer um levantamento de algumas
1
Este texto faz parte do material didático desenvolvido pelo LEAFRO para os cursos de Formação Continuada em
Relações Etnicorracias e Cultura Afro-Brasileira para a Rede Estadual de Ensino – NRE 4º Encontro.
2
Autora: Eliza Pratavieira, graduanda em Letras Vernáculas e Clássicas (Habilitação Bacharelado em Estudos
Literários.
3
SECCO, Carmen L. T. Ribeiro; A importância da literatura e das artes plásticas no contexto da cultura angolana .
Disponível em 14/09/10 http://www.letras.ufrj.br/posverna/docentes/62671 -1.pdf
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características comuns a essas manifestações e posteriormente a exposição de alguns autores para
instrumentalizar a pesquisa do professor a respeito desta temática.
1.1 A literatura africana de expressão portuguesa
O que se convencionou definir por África Lusófona é o conjunto dos cinco países (Cabo
Verde, São Tomé e Príncipe, Guiné Bissau, Angola e Moçambique) localizados no continente africano que
passaram por um processo de colonização européia-portuguesa e que tem como língua oficial o português.
Na literatura africana escrita na língua colonial seja a francesa, a inglesa ou a portuguesa
tem-se a fusão de elementos da tradição ancestral com elementos da cultura do antigo colonizador. O mesmo
ocorre com as artes plásticas, a música e o teatro. Então quando estamos diante de uma obra literária (ou de
outra linguagem) é importante lembrarmos que se trata
uma manifestação autônoma, porém não genuína,
assim como nas Américas Anglo, Hispânica e Lusófona. Por exemplo, é impossível pensar numa arte
genuinamente brasileira sem as influências indígenas, africanas e européias.
Nos estudos culturais, a literatura africana de língua colonial (po
u francês)
pode ser vinculada aos estudos das minorias étnicas e pós- coloniais. O termo minorias étnicas refere-se a
grupos distintos dentro de um determinado estado que p
suas peculiaridades culturais e/ou raciais que
sofre algum tipo de discriminação. O termo pós- colonial refere-se às conseqüências históricas, políticas,
filosóficas, artísticas, e literárias causadas pelos processos de colonização.
Não é possível pensar em literaturas africanas desvinculadas desses conceitos. Quando
falamos das expressões literárias de África falamos de uma expressão múltipla, envolta das peculiaridades
geográficas de territórios e de etnias que compõe a população dos diferentes processos de colonização com
suas línguas e dialetos, até mesmo dentro do contexto lusófono existem diferenças significativas.
É possível caracterizar a literatura africana como literatura-processo, pois está diretamente relacionada aos
processos de independência ocorridos no decorrer do século XX e a reconstituição de uma identidade
estraçalhada pelos séculos de colonização e décadas de guerra civil. A literatura aqui é um elemento de
libertação como aponta o professor Corrêa:
Uma vez que se propõe um estudo sobre o processo de nacionalização da literatura, é
interessante notar a participação da literatura como canal de protesto e reivindicação social e a
chamada feita aos literatos para a construção das nações, que ajudaram a libertar com palavras
e/ou armas. Entre os escritores aqui mencionados e a mencionar há presidentes, ministros,
conselheiros, diretores, administradores, médicos, engenheiros, advogados, enfim homens e
mulheres responsáveis pela libertação, e desenvolvimento destas cinco nações africanas. [...]
Esta elite, aculturada em sua maioria, teve acesso aos meios de formação cultural europeus,
distanciando -se do grupo local. Entretanto, embora passíveis de um processo de reafricanação [...]. Essas vozes expressaram com firmeza as reivindicações rácico -sociais das
populações locais. (CORREA, 1990, p. 183 -184)
O primeiro ponto de convergência entre estas literaturas está relacionado à língua. A
questão da língua nos países da África lusófona é uma questão a ser pensada, pois, parte da população não tem
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acesso à língua oficial, e muitas vezes a repercussão de determinados livro s é maior em Portugal e no Brasil do
que no país de origem. Nesse sentido, é uma literatura que existe para o outro e não para si o que fomenta
polêmicas e embates entre os estudiosos da literatura africana.
1.1 a) A África Lusófona: algumas considerações .
M oçambique .
O único país lusófono que fica localizado no lado oriental do continente. Os portugueses
utilizavam este espaço como porto de parada e por isso o processo de colonização foi menos agressivo
Possui cerca de dez grupos étnicos e quatro línguas em circulação além do português. A principal atividade
econômica do país é exportação de mão de obra para minas sul-africanas. O seu povo possui traços de forte
repressão cultural social à cultura de assimilação da língua e dos costumes do colonizador. Entre as etnias,
havia pouca troca de informações o que facilitou a instauração do português como instrumento de
comunicação. O país conquistou a independência em 1975 após uma guerra de 10 anos.
Na literatura, os principais autores de Moçambique são : Mia Couto, José Craveirinha,
Albino Magaia, Eusébio Sanjane, Paulina Chiziane, Eduardo White, Gulamo Khan, Reinaldo Ferreira e
Lourenço Marques. O nome mais conhecido da literatura moçambicana é Mia Couto. No livro Contos do
nascer da Terra (1997), assim como em outros trabalhos do autor percebe-se que a construção do texto é
feita através de construções imagéticas que remetem a
da cultura ancestral moçambicana. As
narrativas são carregadas mistérios, sentidos ambíguo s ou fantástico s, e, isto abre um leque de possibilidades
na compreensão. Como por exemplo, no conto O ultimo vôo do tucano , trata-se de uma mulher grávida, a
seguir um trecho do poema: Ela estava grávida, em meio de gestação. Faltavam dois meses para ela se proceder a
fonte. O que fazia, nessa demora? Deitava -se de ventre para baixo e ficava ali, imóvel, quase se arriscando a coisa.
Que fazia ela assim, barriga na barriga do mundo?.
O desejo da mãe é que o filho fosse da terra. O sentido da terra fica ambíguo no conto,
visto que, ao mesmo tempo em que pode ser a terra-chão e simbolizar a imobilidade, a morte e a
fecundidade, pode também, ser a terra-mundo e significar o vasto, a multiplicidade e a mobilidade:
Ensino o futuro menino a ser da terra, estou -lhe a dar pés de longe”. Ela queria a viagem
para seu filho. O pai sorria, por desculpa aos deuses. E ficava a coar o tempo, fazendo
promessas logo -logo arrependidas: “Amanhã ou quem sabe depois?” Desentretanto, nada
acontecia. [...] .
Ao sentir a proximidade do parto, a mulher pede ao marido que o ritual de nascimento da
criança seja semelhante ao dos pássaros, neste momento do conto há uma contraposição com o símbolo da
terra, pois, ela quer que a criança venha ao mundo como os pássaros, como os tucanos:
Nessa noite, ele contou as estrelas. A angústia lhe enxotava o sono. Fazer como os
tucanos? Somos aves, agora? Como recusar, porém, sem chamar desgraças? Assim, no
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dia seguinte, ele deu início à loucura. Começou a fechar a casa com paus, matopes, água
e areias. A casa foi ficando com mais paredes que lados. Tapadas foram as portas,
fechadas as janelas. Deixou só uma pequena abertura e voltou a juntar-se à esposa.
O marido, mesmo achando estranho faz a vontade da esposa, sede ao isolamento dela e
espera do lado de fora da casa durante alguns dias:
Ele longe não foi. Ficou atento, próximo, caso a necessidade. Esperou um dia, dois,
muitos. Nada, nem um choro a confirmar o nascimento. Até que se determinou fazer valer
sua dúvida. Chamou por ela, quase a medo. Tivessem morrido mãe e filho, ao
desumbigarem-se. Já ele se decidia a arrombar o esconderijo quando
dentro do escuro
se vislumbrou o aceno de um pano. A mulher estava viva. Logo, acorreu ele ansioso: “A
criança? - “A criança, o quê?” Ele não soube juntar mais pergunta. Quem mais se engasga
é quem não come. A mulher, simples, disse que o menino estava que até Deus se haveria
de espantar. Que ela precisava ficar ainda uns tempos assim, no choco, na quenteação do
ninho para dar despacho ao crescer da vida.(COUTO, 1997, p.59)
Num momento de aflição, o marido pede novamente para ver a criança, e a esposa lhe
mostra um pássaro, que voa pela janela. No conto ha a ambigüidade: a mulher deu a luz a um pássaro ou se a
criança nasceu morta. Em nenhum momento isso se esclarece.
E recolheu a dádiva, se deleitando com esse consolo. Ficou experimentando a ausência de
peso daquele volume. Tão leve era o objecto que não havia força que o suportasse. O
embrulho lhe tombou das mãos e se espalmilhou na areia. Foi quando, de dentro dos
panos, se soltou um pássaro, muito verdadeiro. Levanto voo, desajeitoso, aos encontrões
com nada. (COUTO, 1997)
As dualidades terra-céu / vida-morte / ficar -partir / liberdade-aprisionamento são
evidentes no conto e elas podem ser relacionadas com alguns elementos contraditórios de Moçambique,
como por exemplo, a tentativa de criar uma identidade, mesmo com a influência constante do colonizador,
ou busca da libertação política do país, em contraposição as conseqüências de séculos de aprisionamento.
Este é um olhar sobre o conto, é claro, outras possibilidades existem, e cabe ao leitor criá-las.
Angola .
Localizada na costa ocidental da África cuja população é composta por três grupos
étnicos e três idiomas em circulação além do Português. Estado colonial do séc. XV a 1975, esteve em
guerra constante de 1961 até 2002. As principais atividades são: a agricultura, a extração de petróleo e
diamante.
Os principais autores da literatura de Angola são Adriano Botelho de Vasconcelos,
Agostinho Neto, Ana Paula Ribeiro Tavares, António Jacinto, Arlindo Barbeitos, Henrique Abranches,
Isabel Ferreira, João Melo, José Eduardo Agualusa, José Luandino Vieira, Kardo Bestilo, Luís Filipe
Guimarães da Mota Veiga, Ondjaki, Paulo de Carvalho, Pepetela, Uanhenga Xitu, Víctor Kajibanga e
Viriato Clemente da Cruz.
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No acervo da biblioteca da Universidade Estadual de Londrina há um número razoável de exemplares de
autores angolanos. Como indicação, a seguir uma análise do poema Mukai de Paula Tavares (1999, p.30),
onde a questão feminina é representada:
1
Corpo já lavrado
eqüidistante da semente
é trigo
é joio
milho híbrido
massambala
resiste ao tempo
dobrado
exausto
sob o sol
que lhe espiga
a cabeleira.
Mukai significa mulher. Aqui temos a comparação da figura feminina com a fertilidade da terra, uma
analogia recorrente na literatura. No poema a figura masculina é tratada como semeador. O gerar, o parir, é
tratado como algo sagrado, quase mítico, e que pode se retirado da mulher caso não exista a figura
masculina:
3
Um soluço quieto
desce
a lentíssíma garganta
(rói-lhe as entranhas
um novo pedaço de vida)
os cordões do tempo
atravessam-lhe as pernas
e fazem a ligação terra.
Estranha árvore de filhos
uns mortos e tantos por morrer
que de corpo ao alto
navega de tristeza
as horas
Com a ausência da figura masculina, símbolos da esterilidade, morte, desesperança tomam conta do poema:
4
O risco na pele
acende a noite
enquanto a lua
(por ironia
ilumina o esgoto
anuncia o canto dos gatos)
De quantos partos se vive
para quantos parto s se morre
um rito espera-se faca
na garganta da noite
recortada sobre o tempo
pintada de cicatrizes
olhos secos de lágrimas
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Domingo, organiza a cerveja
de sobreviver os dias.
Cabo Verde.
É um país constituído pelo conjunto de dez ilhas e de terras irreguláveis. A propriedade de
terra é concentrada principal na atividade agrícola. Há altos índices de emigração, sobretudo para os Estados
Unidos, Portugal, Países Baixos, Angola, Senegal e Brasil. A população é miscigenada principalmente pela
mistura de portugueses e guineenses. Foi colônia de Portugal do séc. XV até 1975.
Alguns nomes da literatura caboverdiana são: Eugénio Tavares, B.Léza, Baltasar Lopes da
Silva, José Lopes, Pedro Cardoso, Manuel Lopes, António Nunes, Aguinaldo Fonseca, Teobaldo Virgínio,
Gabriel Mariano, Ovídio Martins, Onésimo Silveira, Vadinho Velhinho, José Luís Tavares, Vera Duarte,
Gabriel Mariano, Amílcar Cabral, Arthur Vieira, Pedro Cardoso, José Lopes, Mário José Domingues, Daniel
Filipe, Mário Alberto Fonseca de Almeida, Corsino António Fortes, Arnaldo Carlos de Vasconcelos França,
António Aurélio Gonçalves, Aguinaldo Brito Fonseca, Ovídio de Sousa Martins, Henrique Teixeira de Sousa,
Osvaldo Osório, Dulce Almada Duarte, Filinto Elísio e Manuel Veiga.
Como exemplo, será analisado o poema A garrafa4 de Manuel Lopes, um autor de
significativa representação no e do país. Suas obras não se limitam à poesia e tem uma obra em prosa muito
consolidada. Segue os primeiros versos do poema:
Que importa o caminho/da garrafa que atirei ao mar?/Que importa o gesto que a
colheu?/Que importa a mão que a tocou/ — se foi a criança/ou o ladrão/ ou filósofo/quem
libertou a sua mensagem/e a leu para si ou para os outros.
Que se destrua contra os recifes/eu role no areal infindável/ou volte às minhas mãos/na
mesma praia erma donde a lancei/ou jamais seja vista por olhos humanos/que importa?
A ilha é representada como símbolo de isolamento e prisão o que referenda os fluxos de
emigração citados a acima. O indivíduo se sente aprisionado na ilha e por isso se vai. No poema, não existe a
possibilidade de libertação, neste caso o eu - lírico se contenta em atirar as garrafas no mar, como uma
compensação da sua imobilidade: [...] se só de atirá-la às ondas vagabundas/libertei meu destino/da sua
prisão?[...].
Giné B issau .
De p lanícies marítimas, semipantanosas e de clima quente e úmido, propício para culturas
de arroz e amendoim. A geografia do território de Guiné foi decisiva para a vitória da guerrilha contra as
tropas coloniais. Existem cerca de 20 grupos étnicos diferentes e cerca de aproximadamente 500 línguas
diferente. Alguns nomes da literatura são Vasco Cabral, António Baticã Ferreira, Amilcar Cabral, Agnelo
Regalla, António Soares Lopes (Tony Tcheca), José Carlos Schwartz, Helder Proença, Francisco Conduto de
4
BARBOSA, Rogério Andrade. No ritmo dos tantãs; antologia poética dos países africanos de língua portuguesa;
Brasília: Thesaurus, 1991. 165 p.
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Pina e Félix Sigá. A voz escolhida para representar a teratura de Guiné Bissau foi Francisco Conduto de
Pina, com o poema Criança5:
Qual luz do sol
que brilha pela manhã
es tu inocente ser
que apenas queres brincar
Não sabes odiar, não sabes desprezar
só queres criancinha, amigo arranjar
na tua inocencia, na tua espontaneidade
dizes o que ouves, p'ra um bom amigo
cativar.
Tens Mãe, tens Pai
mas pertences a todos
tal como aquelas
sem Mãe e sem Pai
Flor de um jardim
que a todos encanta
embora seja só
o jardineiro a regá-la.
O elemento mais significativo deste poema pode ser a sua ligação com a tradição oral, a
presença desta forma de construção poemática remete a uma cantiga de ninar, ou aos versos que são
tradicionalmente ensinado às crianças. É possível até mesmo aproximá-lo à cantiga brasileira “Ciranda
Cirandinha”. A construção estética e o tom são semelhantes.
São Tomé e P ríncipe .
São duas ilhas cujas atividades econômicas são a pesca, o cultivo de cacau e dendê. São
Tomé e Príncipe foi um território desabitado até 1470, estado colonial do século XV até 1975. Principais
autores são: Francisco Stokler, Ayres de Meneses, Salustino Graça, Luís Alberto Pinho, Luís Cajão, Fernando
Reis e Amândio César, José Ferreira Marques, Sum Marky, Albertino Bragança, Sacramento Neto e Frederico
Gustavo dos Anjos, Francisco Costa Alegre,Carlos Espírito Santo, Olinda Beja, Fernando Macedo, Inocência
Mata, Ângelo de Jesus Bonfim, Manuel Jerónimo Salvaterra, Rafael Branco, Armindo Vaz d`Almeida e
Conceição Lima.
A Casa 6
Aqui projetei a minha casa:/alta, perpétua, de pedra e claridade./O bas
negro,
poroso/viria de Mesquita./Do Riboque o barro vermelho/da cor dos ibiscos/para o
telhado./Enorme era a janela e de vidro/que a sala exigia um certo ar de praça./O quintal era
plano, redondo/sem trancas nos caminhos.
5
EMBALÓ, Filomena; Uma Breve resenha sobrea a Literatura da Guiné Bissau ; Disponível em 14/09/10:
http://www.didinho.org/resenhaliteratura.html.
6
LIMA, Conceição; O útero da casa; Editorial Caminho; Lisboa, 2004.
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Sobre os escombros da cidade morta/projetei a minha casa/recortada contra o
mar./Aqui./Sonho ainda o pilar –/uma retidão de torre, de altar./Ouço murmúrios de
barcos/na varanda azul./E reinvento em cada rosto fio/a fio/as linhas inacabadas do projeto.
O Poema de Conceição de Lima segue uma linha mais intimista. O poema vai da
felicidade a desilusão. O projeto de construção da casa não se realiza, como pode se deduzir pelas linhas
finais no poema. A casa pode ser símbolo de proteção, ou da própria identidade do eu - lírico, que tenta se
refazer em meio a destruição quase que total “Sobre os escombros da cidade morta/projetei a minha casa”
mais uma vez o poema pode ser estendido do universo íntimo do eu -lírico, para uma situação mais
abrangente, que se relaciona com o espaço em que o sujeito se encontra.
2. Literatura afro-brasile ira: vozes quilombolas em destaque 7
A reflexão sobre a Literatura Brasileira é, dentre outras coisas, pensar sobre a busca por
uma identidade nacional. Tal tarefa é complexa e esta angústia perturbou o sono de grandes escritores
românticos como Gonçalves Magalhães, Gonçalves Dias, José de Alencar, entre outros, e terminou com uma
solução característica do período, a idealização. Isto é, optou-se por idealizar o povo brasileiro, criando o mito
do índio como o herói nacional, o branco como o colonizador e estereotipando e zoomorfizando8 o negro.
Assim, nossa Literatura, raramente traduziu a subjetividade do homem brasileiro, especificamente negros e
índios. Se fizermos uma breve análise sobre a nossa Literatura, perceberemos que desde Gregório de Matos9
temos uma Literatura falocêntrica, etnocêntrica e eurocêntrica, em outras palavras, marcada pela ideologia
masculina, branca e sob influências européias.
Entretanto, o marco inicial da Literatura Afro -brasileira em 1859 é datado a partir da
publicação do romance Úrsula de Maria Firmina dos Reis e do livro de poesias de Luis Gama, obras que
significaram a ruptura com os elementos masculino, branca e sob influências européias, pois, estes dois
últimos autores, negros, denunciaram o tráfico negreiro e criticam o patriarcado. Assim,
prefixo afro,
carrega não só a questão étnica, mas também a feminina vindo a ser um suplemento e um conteúdo que se
apresenta para mesclar este todo que aparentemente estava completo. Desta forma, p ensar a Literatura Afr obrasileira é referir-se a um texto cujo objetivo é fazer uma denúncia social, uma revisão histórico-cultural e a
afirmação de uma identidade:
É uma escrita comprometida com a busca de identidade, no caso a identidade afro descendente, derrubando de pronto a tese de inferioridade étnica observada nas
deformações por que passa a figura do negro nos textos de ideologia marcadamente
eurocêntrica. (NASCIMENTO, 2006).
7
Autora: Amanda Crispim Ferreira, graduanda em Letras Vernáculas e Clássicas (Habilitação Licenciatura em Língua
Portuguesa e Respectivas Literaturas.
8
Zoomorfizar: dar características animalescas a seres humanos.
9
Considerado o primeiro escritor brasileiro.
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Outra marca que difere esta Literatura das outras é a voz, ou seja, a voz que fala neste
texto é negra. É um texto no qual o negro é sujeito e não objeto de uma escritura, um texto em que o negro
fala dele mesmo a partir do seu ponto de vista. Neste sentido, há várias polêmicas quanto à autoria afrobrasileira. Para Zilá Bernd (1988) o eu-enunciador tem que se auto-proclamar negro. Porém sob esta
perspectiva teríamos que excluir Cruz e Souza e Machado de Assis da bibliografia afro -brasileira e cairíamos
num reducionismo biológico (cor da pele do escritor) e sociológico (lugar social do autor).
Já para Eduardo de Assis Duarte10 a autoria está ligada ao ponto de vista, ou seja, não
interessa a cor do autor, mas sim, a cor do texto e a vivência afro-brasileira traduzid a no texto. Sendo assim,
ao lermos o “Navio Negreiro” de Castro Alves, perceberemos que seu texto não se encaixa nesta Literatura, já
que este fala de cima do navio negreiro, no convés com um olhar de quem não se identifica com aquele povo.
Já Maria Firmina fala dos porões do navio, com o corpo e a alma estalados junto com os dos escravos,
compartilhando de suas dores e sofrimentos.
Chama-se a escrita que fala do negro sob o ponto de vista branco, de negrismo11. Além de
Castro Alves, outro exemplo de negrismo é a escrita de Jorge de Lima, como podemos perceber no poema
“Essa negra Fulô”, neste a escrava engana a sinhá, seduz o sinhô e no fim oge com ele, reforçando o
estereótipo erotizado e sexualizado da mulata que gostava de se relacionar com o seu senhor , neste sentido,
os escritos de Casa Grande & Senzala de Gilberto Freyre potencializa este tipo da mulata brasileira.
Em oposição á essa escrita Oliveira Silveira escreve a “Outra Nega Fulô”. Neste poema a
escrava recusa-se a se deitar com o sinhô, pelo contrário, ela o mata e foge com outro negro, de quem
gostava de verdade. Na comparação destes dois poemas,
demos ver explicitamente as características da
Literatura Afro-brasileira, que muitas vezes utiliza-se de elementos da Literatura Canônica, como a paródia
que vimos no caso acima para resistir aos estereótipos e mostrar como verdadeiramente o negro se sente no
mundo.
Ao lermos textos negros, percebemos a presença do eu - coletivo como uma característica
da literatura brasileira, ou seja, quando o narrador ou o eu - lírico fala, não fala só por ele, mas por todo um
povo, fazendo da luta coletiva a sua luta pessoal. Fala por um povo que por muitos anos não pode falar e que
ainda hoje se encontra oprimido. Assim, aqueles que co
falar, levam contigo todas as outras vozes
silenciadas. Percebemos este eu – coletivo no poema “Vozes Mulheres” de Conceição Evaristo:
A voz da minha bisavó ecoou
criança nos porões do navio.
Ecoou lamentos de uma infância perdida.
A voz de minha avó ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.
A voz de minha mãe
10
Pode-se encontrar esta afirmação no artigo “Literatura afro -brasileira: um conceito em construção’ disponível em:
http://www.letras.ufmg.br/literafro/frame.htm
11
SCHWARTZ, Jorge. Negrismo e negritude. In Vanguardas latino-americanas. São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo: Iluminuras: FAPESP, 1995.
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ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado rumo à favela.
A minha voz ainda ecoa versos perplexos
com rimas de sangue e fome.
A voz de minha filha
recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha recolhe em si
a fala e o ato
O ontem- o hoje – o agora.
Na voz de minha filha se fará ouvir a ressonância
O eco da vida-liberdade.
(Conceição Evaristo. In Cadernos Negros 13)
O eu - lírico usa várias vezes o verbo ecoar, que significa repetir. Este recurso é
utilizado para intensificar a idéia de que o negro sempre tentou resistir à dominação. Em cada geração sua
voz se manifesta de uma forma e com esperança de ser ouvida. Na primeira geração a voz ecoa lamentos. É
o sentimento de pessoas que foram obrigadas a passar por um processo diáspórico que retirou violentamente
negros africanos de sua terra e os venderam como escravos na América, muitos ainda criança, como é o caso
da bisavó do eu - lírico.
Na segunda geração, já na América e sob a condição de escrava, ecoa obediência aos
brancos donos de tudo. Nota-se que nesta geração a palavra branco já esta associada à palavra dono, como se
fossem coisas interligadas. Mas essa obediência não significou passividade diante da dominação, mas sim
uma estratégia de resistência.
Na terceira geração, a voz ecoa revolta, porém baixinh
Os negros já são
juridicamente livres, mas ainda lutam por seus direitos. Segundo Gizêlda Nascimento em
artigo
“Grandes mães reais senhoras”, a voz que ecoa nas cozinhas alheias, sofre dois rebaixamentos. Pois a
cozinha é um espaço de fundo que ainda não é dela.
Na quarta geração, a voz ainda ecoa versos perplexos, ou seja, o espaço da poesia já
existe para ela, mas ainda é muito difícil, assim como foi para todos seus antepassados. São rimas ainda de
sangue e fome. Neste sentido o eu – lírico sai da questão histórica para a social, apontando a realidade do
negro pós-abolição que ela iniciou na estrofe anterior. Essa geração situa-se provavelmente na década de 70
do século XX, onde a literatura afro-brasileira começa a ganhar força através das publicações coletivas,
como por exemplo, os Cadernos Negros e o negro luta para superar todas as dificuldades e alcançar um
lugar que antes não era dele.
A quinta geração é a esperança do eu-lírico e de todas as outras gerações, de que a voz
ecoe, com mais intensidade, para que seja ouvido, o desejo da vida-liberdade que por todos esses anos não
foi ouvido. Há a esperança de que essa geração transforme as vozes mudas em vozes nítidas, a “fala” e o
“ato”, e que esta dê seqüência aos ideais, às lutas já iniciadas por seus antepassados ao recolher todas as
vozes. A palavra vida interligada a liberdade sugere que só se pode viver livre e que esta condição pode estar
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próxima através da voz desta quinta geração. Pois as prisões a que se refere o eu – lírico não são as das
gerações passadas, mas as prisões atuais, as grades invisíveis que só poderão ser quebradas através da
conscientização, que só acontece através da educação.
Por meio desta analise, é possível perceber que a Literatura Afro -brasileira é uma
estratégia de resistência do povo negro. É a arma a se utilizada para resistir e superar culturalmente a
dominação vigente e consequentemente o etnocídio.
Ainda questiona-se a existência de uma Literatura Afro-brasileira, porém mesmo por
muitas vezes, sendo rebaixada à condição de subliteratura, ela surge paralelamente às grandes escolas
literárias, um exemplo é Úrsula , uma obra romântica com fortes características do período. Porém é na
década de 70, que esta Literatura firmou-se e formou um corpo organizado, com o surgimento, por exemplo,
dos Cadernos Negros, grupo de escritores e aspirantes em torno de uma publicação, buscando
reconhecimento do público leitor.
Sugestões para o trabalho em sala de aula :
Ensino fundamental
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A cor da ternura – Geni Guimarães.
Tramas da cor – Rachel de Oliveira.
Nós e os outros: histórias de diferentes culturas – coleção para gostar de ler n° 29.
Caroço de dendê – Mãe Beata de Yemonjá.
Será o Benedito – Mário de Andrade.
Minhas Contas – Antonio Luiz
Bichos Da Africa – Rogério Barbosa Andrade - (4 volumes).
Chuva de Manga - James Rumford.
Ana E Ana – Célia Godoy
Ifá, o Adivinho – Reginaldo Prandi.
Lili – a Rainha das Escolhas - LUCINDA, Elisa.
Menina Bonita do Laço de Fita – Ana Maria Machado.
O menino Nito – Sonia Rosa
O Filho Do Vento – José Eduardo
Os príncipes do destino: histórias da mitologia afro-brasileira - Reginaldo Prandi
Aída – Leontyne Price.
Ensino médio
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Cadernos negros ( todos os volumes)
Ponciá Vicêncio – Conceição Evaristo
Becos da memória - Conceição Evaristo
Poemas da recordação e outros movimentos - Conceição Evaristo
Clara dos Anjos – Lima Barreto
Recordações do escrivão Isaias Caminha – Lima Barreto
Contos de Machado de Assis (Pai contra mãe, Mariana, O caso da vara, A mulher
pálida).
Bom – grioulo – Adolfo Caminha
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Úrsula – Maria Firmina dos Reis
O semelhante – Elisa Lucinda
O poeta do povo – Solano Trindade
Poemas do Cruz e Souza
Quarto de despejo – Carolina Maria de Jesus
Site Literafro - http://www.letras.ufmg.br/literafro/frame.htm
Blog Lit Art Africas http://litartafricas.blogspot.com/2010_08_01_archive.html
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http://www.artafrica.info/ Arte Africa
http://www.arteafricana.usp.br/ Projeto Arte Africana- USP
http://www.mindelact.com/welcome.html Mindelact- Teatro em Cabo Verde
http://www.cenalusofona.pt/paginas/05destaque.htm l Cena Lusófona
http://www.cplp.org/ Comunidade de países de Língua Portuguesa
http://www.forumafrica.com.br/ Fórum África
http://www.africanart.org/ African Art
http://www.fflch.usp.br/dlcv/revistas/crioula/ Revista Crioula
http://www.africalusofona.pt/ Revista África Lusófona
http://www.ueangola.com/ União de Escritores Angolanos
REF ERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARBOSA, Rogério Andrade. No ritmo dos tantãs; antologia poética dos países africanos de língua
portuguesa; Brasília: Thesaurus, 1991.
BERND, Zilá. Introdução á Literatura negra . São Paulo: Brasiliense, 1998.
CORREA, Alamir Aquino; A formação das literaturas nacionais lusófonas em África. Tese de Doutoramento
Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 1990.
COUTO, Mia; Contos do nascer da Terra; Editorial Caminho; Lisboa, 1997.
EMBALÓ, Filomena; Uma Breve resenha sobrea a Literatura da Guiné Bissau ; Disponível em
14/09/10: http://www.didinho.org/resenhaliteratura.html
EVARISTO, Conceição. Vozes Mulheres. In: “Cadernos Negros 13”, 1990, p.32/3.
LIMA, Conceição; O útero da casa ; Editorial Caminho; Lisboa, 2004.
Londrina: EDUEL, 1998.
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LOPES, Manuel; Falucho Ancorado: poesias; Edição Cosmos, Lisboa, 1997.
NASCIMENTO, Gizêlda.M.do. Grandes Mães Reais Senhoras. In: signum: estudos literários.
__________________________. O negro como Objeto e Sujeito de uma escritura. In: Cultura afrobrasileira, expressões religiosas e questões escolares (Caderno Uniafro v.1). Londrina: Universidade
Estadual de Londrina, 2006.
SECCO, C. L. T. R.; A importância da literatura e das artes plásticas no contexto da cultura angolana.
Disponível em 16/09/10 em http://www.letras.ufrj.br/posverna/docentes/62671-1.pdf.
TAVARES, Paula. O Lago da Lua . Lisboa: Editorial Caminho, 1. ed., 1999.
ANEXOS
Poema “Essa Nega F ulô” de Jorge de Lima
Essa negra fulô
Ora, se deu que chegou
(isso já faz muito tempo)
no bangüê dum meu avô
uma negra bonitinha,
chamada negra Fulô.
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
— Vai forrar a minha cama
pentear os meus cabelos,
vem ajudar a tirar
a minha roupa, Fulô!
Essa negra Fulô!
Essa negrinha Fulô!
ficou logo pra mucama
pra vigiar a Sinhá,
pra engomar pro Sinhô!
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
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Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
vem me ajudar, ó Fulô,
vem abanar o meu corpo
que eu estou suada, Fulô!
vem coçar minha coceira,
vem me catar cafuné,
vem balançar minha rede,
vem me contar uma história,
que eu estou com sono, Fulô!
Essa negra Fulô!
"Era um dia uma princesa
que vivia num castelo
que possuía um vestido
com os peixinhos do mar.
Entrou na perna dum pato
saiu na perna dum pinto
o Rei-Sinhô me mandou
que vos contasse mais cinco".
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Vai botar para dormir
esses meninos, Fulô!
"minha mãe me penteou
minha madrasta me enterrou
pelos figos da figueira
que o Sabiá beliscou".
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá
Chamando a negra Fulô!)
Cadê meu frasco de cheiro
Que teu Sinhô me mandou?
— Ah! Foi você que roubou!
Ah! Foi você que roubou!
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
O Sinhô foi ver a negra
levar couro do feitor.
A negra tirou a roupa,
O Sinhô disse: Fulô!
(A vista se escureceu
que nem a negra Fulô).
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
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Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê meu lenço de rendas,
Cadê meu cinto, meu broche,
Cadê o meu terço de ouro
que teu Sinhô me mandou?
Ah! foi você que roubou!
Ah! foi vo cê que roubou!
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
O Sinhô foi açoitar
sozinho a negra Fulô.
A negra tirou a saia
e tirou o cabeção,
de dentro dêle pulou
nuinha a negra Fulô.
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê, cadê teu Sinhô
que Nosso Senhor me mandou?
Ah! Foi você que roubou,
foi você, negra fulô?
Essa negra Fulô!
Poema “Outra Nega F ulô” de Oliveira Silveira
Outra Nega Fulô
O sinhô foi açoitar a outra Nega Fulo
Ou será que era a mesma?
A nega tirou a saia,
A blusa e se pelou
O sinhô ficou tarado,
Largou o relho e se engraçou.
A nega em vez de deitar,
Pegou um pau e sampou
Nas guampas do sinhô
Essa Nega Fulô !
Essa Nega Fulô !
Dizia intimamente o velho Pai João
Pra escândalo do bom Jorge de Lima,
Seminegro e cristão
E a mãe preta chegou bem cretina
Fingindo uma dor no coração
- Fulô ! Fulô ! Ó Fulô !
A sinhá burra e besta perguntou
Onde é que tava o sinhô
Que o diabo lhe mandou
- Ah ! Foi você que matou !
- É sim, fui eu que matou –
Disse bem longe a Fulo
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Pro seu nego, que levou
Ela pro mato, e com ele
Aí sem ela se deitou
Essa Nega Fulô !
Essa Nega Fulô !
(CADERNOS NEGROS)
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