José Martinez de Oliveira “Semiologia”, com origem no grego semeion, que significa sinal, e logos, tratado, é a parte da Medicina que estuda os sintomas e os sinais das doenças. Por seu turno, “semiótica” deriva do grego semeiotike e, embora tendo o mesmo significado etimológico que o termo anterior, aplica-se mais comum e especificamente à metodologia da colheita e ao processo de sistematização dos sintomas e sinais clínicos. Assim, a semiologia ginecológica é a parte da semiologia que se ocupa do estudo dos sintomas e sinais das modificações funcionais e das doenças do aparelho genital feminino. Mantendo o sentido restritivo da ginecologia, que mais correctamente deveria ser chamada genitologia1, não se inclui neste capítulo a exploração mamária. A orientação duma consulta ginecológica obedece às regras gerais das dos restantes ramos da clínica médica e inclui o interrogatório e o exame físico, geral e, naturalmente mais detalhado, do aparelho genital, recorrendo quando e se necessário a meios auxiliares de diagnóstico. Em capítulos específicos, como sejam o das doenças sexualmente transmissíveis e o da reprodução, pode e deve o ginecologista realizar ainda exame objectivo do cônjuge. 1. ANAMNESE “Anamnese” (do grego anamnesis) significa recordar o que parece esquecido, aplicando-se em medicina à colheita de dados históricos pessoais ou referentes à perturbação que motiva a consulta. Para a sua execução exigem-se cada vez mais ao clínico e para além do bom conhecimento técnico, competência em comunicação2. As capacidades que permitem o estabelecimento de uma boa comunicação são a empatia, a atenção dada à narração, o conhecimento do conteúdo do diálogo e o relacionamento estabelecido, todas elas passíveis de aprendizagem e melhoria2. Hoje a informação acessível na internet, nem sempre correcta e frequentemente disponibilizada com intenções comerciais, obriga ainda a uma complementar preparação do médico3. E muito em breve, numa total reviravolta de procedimentos, a guarda da informação estará em grande parte a cargo da consulente, o que introduzirá novas necessidades. Todo o bom relacionamento entre a consulente e o clínico se baseia numa recíproca relação de confiança. Desde o primeiro contacto o Médico deverá ser afável e inspirar confidencialidade e segurança, de modo a conseguir que quem o busca faça uma exposição sem inibições. Só assim será possível obter um correcto relato das queixas que se referem a órgãos que têm um significado pessoal e social muito particular. Muitas vezes a ordem do interrogatório é alterada, de forma a não ferir nunca o pudor da consulente, tal dependendo em muito da reacção da entrevistada. Recomenda-se assim, vivamente, que o interrogatório se realize ao mesmo tempo que se olha a face da consulente4, o que não só permite o estabelecimento de empatia como constitui a melhor 81 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2011 5 Semiologia Ginecológica 82 recolha dos sintomas e sinais que justificam a consulta. Na prática, porém, quantas vezes é útil um interrogatório de progressão/regressão na tabela, isto é, retomando pontos já abordados para pormenorização e retorno ao ponto em que foi interrompido o diálogo, metodologia que permite ao clínico interromper o discurso da consulente, com delicadeza e sem que ela de tal se aperceba, quando este se evidencia demasiado fluente ou disperso. Para colmatar a frequente limitação em tempo para as anotações nos processos clínicos recomendo a utilização do conjunto de abreviaturas que vão sendo indicadas em negrito, estando colocadas entre parêntesis as que são consideradas não obrigatórias ou de menor importância. 1.1. IDENTIFICAÇÃO Assim, por razões de interlocução e de segurança a primeira abordagem deverá permitir colher a identidade da senhora. É sinal de simpatia, correcção e boa educação dirigirmo-nos às consulentes invocando o seu nome. Mas é igualmente uma questão de precaução. Com a introdução de meios automatizados e com a massificação do tratamento de processos, com frequência encontra o clínico um conjunto de documentos e uma lista de ordem que, com o decorrer do seu trabalho, pode ser, e amiúde o é, alterada. Muitos erros se cometem quando uma consulta é realizada perante documentação de outro indivíduo que não o que está presente. Assim, a primeira informação a colher ou a confirmar é o nome. Mas nem sempre este é suficiente já que não é raro que, particularmente quando curtos, se encontrem nomes iguais. Assim é útil completar de imediato a identificação com a colheita da data de nascimento e da profissão. É este o momento ideal para o registo de informações para contacto, nomeadamente, o endereço e número (s) de telefone, hoje em dia incluindo também o endereço de correio electrónico. Capítulo 5 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2011 forma de avaliar a reacção da senhora a cada uma das perguntas que se lhe vão dirigindo. Sempre que o assunto e o ambiente do diálogo o permitam, um sorriso auxilia imenso no estabelecimento duma relação empática. Se por razões éticas, religiosas, técnicas ou outras o problema em causa não está no âmbito de acção do médico, tem este a obrigação de a reencaminhar3. A evolução do diálogo não pode estar espartilhada por um esquema rígido. Ela está muitas vezes dependente do motivo da consulta e a sua progressão é frequentemente cortada por avanços e retornos na sequência habitual do interrogatório motivados pela clarificação de um ou outro ponto com interesse para a elaboração do raciocínio clínico. Salientava Jeffcoate5 que há mais do que uma forma de fazer bem a entrevista e o exame clínico, pelo que em termos práticos o que se pode afirmar é que a melhor sequência de interrogatório é aquela que cada Médico acha mais adequada à sua forma de abordar cada situação. Contudo, existem pontos essenciais, comuns a todos os esquemas possíveis, parecendo útil apresentar uma sinalética usada há décadas com total satisfação, a qual, porém, deverá ser entendida como proposta adaptável a cada um e a cada caso. Se raramente, dadas as limitações de disponibilidade de tempo, um interrogatório é exaustivo, há um mínimo que deverá ser cumprido para que se possa assegurar o êxito da consulta sem aumento substancial do risco de erro. Dada a importância que assume o ciclo genital na clínica ginecológica é útil que a colheita dos antecedentes pessoais fisiológicos preceda a da história da doença. Esta inversão da ordenação habitual do interrogatório em Medicina explica-se porque algumas queixas podem ser fisiológicas e a sua identificação apenas é possível quando se tem em conta a fase do ciclo em que a senhora se encontra e a que as queixas são referidas. Por extensão e para melhor sistematização, propõe-se então que o registo dos antecedentes se faça na sua totalidade antes da Semiologia Ginecológica manter a sua colaboração e empatia não se pode nunca, por qualquer modo, maltratar ou agredir a consulente. Todo o indivíduo é livre e temos de estar dispostos a aceitar que não cumpra o que aconselhamos, não acate a nossa opinião ou não se preste a pôr em prática as medidas que sugerimos3. O médico recomenda e orienta segundo o que lhe parece ser o melhor para quem o consulta, mas não é dono da doente nem responsável pelas atitudes que esta possa tomar. Prof = Profissão. O conhecimento do tipo de actividade profissional pode ter importância na clínica ginecológica, mas não é usualmente relevante em si mesmo. Alguns tipos de patologia, como certas dermatoses vulvares ou desvios posicionais uterinos, observam-se preferencialmente em populações com actividade agrícola e relacionamse quer com o manuseamento de produtos químicos quer com a violenta actividade física exercida. Na maioria dos casos, porém, a actividade profissional ajuda apenas a definir o perfil da senhora, o seu nível cultural e o ambiente de trabalho, e facilita a definição do tipo de linguagem e abordagem pelo qual o médico deverá optar. O vocabulário médico é incompreensível para grande número de pessoas, pelo que devem empregar-se expressões que permitam um diálogo transparente. O emprego do calão está naturalmente desaconselhado, salvo em situações excepcionais em que é o único tipo de linguagem que permite um interrogatório esclarecedor de alguns, e muito especiais, grupos populacionais. Nalguns países é este o momento de se interrogar a senhora sobre as suas preferências de culto, as quais podem condicionar alguns aspectos do interrogatório e do exame ginecológicos. Em Portugal a grande maioria, até ao momento, professa ou tem educação católica apostólica romana, estando apenas indicado anotar os casos em que assim não seja (as Testemunhas de Jeová, por exemplo, não aceitam a transfusão de sangue, mas apenas a fluidoterapia não crepuscular). 83 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2011 N = Nome. Interessa verificar o nome pessoal, independentemente do adquirido pelo matrimónio, o qual é volúvel, e ainda aquele que é da preferência da própria, que nem sempre coincide com o oficial DN = Data de nascimento. Para além de constituir elemento de identidade da consulente, o conhecimento da data de nascimento é necessário para o cálculo da idade, a qual por sua vez permite incluir a consulente num grupo etário com características fisiológicas e patológicas relativamente específicas. Uma vez que o aparelho genital feminino está sujeito a variações anátomo-fisiológicas muito dependentes da idade, cada fase da vida da mulher evidencia um tipo de patologia que, embora nem sempre sendo exclusivo, é pelo menos predominante. Assim, por exemplo, na adolescência e no climatério, que são fases de transição, de grande instabilidade endócrina, são frequentes as perturbações disfuncionais do ciclo genital, enquanto no período dito reprodutor, são mais usuais os problemas relacionados com a gravidez, a contracepção e as infecções genitais. Após a menopausa, por último, predominam as alterações tróficas e as neoplásicas. EC = estado civil. Mais importante do que o conhecimento do estado civil é o saber se existiu ou existe prática sexual. Deve mesmo, por razões cautelares, considerarse contra-indicada a inquirição directa do estado civil numa fase precoce do interrogatório. Esta abordagem deverá ser postergada e realizada apenas uma vez findo o interrogatório sobre os antecedentes sexuais. Este cuidado é muito importante para se evitar uma retracção por parte da senhora particularmente quando se interroga sobre actividade sexual presente ou passada a solteiras ou viúvas. Se hoje em dia existe uma muito maior abertura para um diálogo franco sobre a vivência sexual, a verdade é que nem todas as pessoas estão a tal dispostas e outras, por motivos educacionais, culturais ou mesmo religiosos, podem sentir-se ofendidas. Há que ter sempre presente que para 1.2. MOTIVO DA CONSULTA MC = Motivo da Consulta. Este nem sempre reflecte a existência de padecimento, uma vez que em Ginecologia grande parte das consultas é efectuada com espírito profilático ou para aconselhamento, nomeadamente para rastreio oncológico ou orientação anticoncepcional. De qualquer modo, a existir qualquer sintoma espontaneamente referido pela consulente, deve anotar-se a sua presença pois obriga à pormenorização dos dados que se consideram com ele relacionados, embora o seu detalhe melhor se enquadre no capítulo da história actual. De todo o modo assim não ficará esquecido. 1.3. CICLO GENITAL MEN = idade da menarca. Completada a identificação da consulente é altura de se passar à colheita dos antecedentes. Como anteriormente foi já referido a grande variabilidade dos fenómenos condicionados pelo ciclo genital torna conveniente que, ao contrário do que é usual noutros ramos da clínica médica, se processe a anamnese sobre os antecedentes fisiológicos antes da colheita pormenorizada da história. Só assim se apreenderão alterações subtis da duração ou periodicidade do ciclo genital ou se poderão localizar em relação a este as modificações com ele relacionadas. De facto, ainda que por exemplo, se considere como normal um período menstrual de 2-3 dias e um outro de 4-5 dias, o facto de haver uma alteração de um padrão para outro numa mesma mulher 84 de forma mais ou menos súbita e após anos de manutenção dum perfil regular, pode significar o aparecimento de patologia. Sendo a menarca a primeira hemorragia menstrual, representa o ponto de partida para a definição do ciclo menstrual típico de cada mulher. Por esta razão não espanta que a pergunta inicial neste capítulo se dirija à definição da idade do aparecimento da menarca. Ciclos = Perfil do Ciclo Menstrual. A maior parte das queixas ginecológicas sofre oscilações com o ciclo genital. Sabe-se também que o padrão do ciclo não é uniforme, mas em grande número de mulheres ele é relativamente constante. A melhor forma de se descreverem as características do ciclo menstrual é expressá-las sob a forma duma fracção, utilizando o numerador para a duração total do ciclo e o denominador para a do período menstrual. Algumas escolas utilizam uma fórmula invertida, isto é, descrevem a duração do período menstrual como numerador e a do ciclo como denominador, variedade que é natural e facilmente identificada. A definição dum hábito menstrual requer a existência dum período dito de estabelecimento. Por outras palavras, na adolescência os ciclos começam por ser irregulares ou menos regulares do que, digamos, após os 18 anos. Por esta razão, esta fase do interrogatório refere-se usualmente às características do ciclo na terceira década da vida. Se se perguntar a uma senhora se os seus ciclos são regulares, a grande maioria responderá que não. De facto o conceito comum de regularidade assenta na similitude com a duração do mês do calendário, sendo que é aceite que ciclo regular será o de cerca de 30 dias, no qual o período menstrual se inicia aproximadamente no mesmo dia de cada mês. Dito de outro modo, se a pergunta for “é menstruada com regularidade?” a senhora apenas dirá que sim se a duração do seu ciclo coincidir com a do mês civil, ou seja, nos ciclos de cerca de 30 dias. Se para o médico a duração regular é a que corresponde a um intervalo constante definido entre o primeiro dia dum ciclo e o Capítulo 5 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2011 Contactos: Residência e Telefones. São informações úteis do ponto de vista fundamentalmente administrativo. Tecnicamente revestem-se de importância sempre que a circulação de resultados laboratoriais se processe independentemente da consulta, havendo situações em que haverá que contactar a paciente para aplicar decisões, investigacionais ou terapêuticas, urgentes. Semiologia Ginecológica Ora sendo a duração e a quantidade dos fluxos menstruais muito variável de uma mulher a outra não tem grande importância clínica o valor absoluto destas perdas, salvo quando em exagero (hipermenorreia ou menorragia), pois corresponde a uma situação em que pode haver perturbação homeostática por anemia hemorrágica em maior ou menor grau. Para além de não haver qualquer utilidade prática na destrinça entre os dois termos ainda em uso6, que com DeGowin7 considero sinónimos, o que interessa mesmo é identificar o perfil habitual ou hábito menstrual para depois se perceberem as variações. Desta forma, embora dum ponto de vista estritamente semântico, um período de 3 dias corresponda ao que se define como normal, quando uma mulher que sempre teve períodos de 6 ou 7 dias passa a ter apenas 3, ela tem de facto, clinicamente, uma hipomenorreia, a qual, para que não haja agressões terminológicas, se dirá relativa. Estas variações pessoais, têm, em regra, significado clínico, embora não necessariamente patológico (hipomenorreia relativa iatrogénica da contracepção oral combinada, por exemplo). Curiosamente, sendo curta a memória das pessoas, como diz o povo, nas usuárias de contracepção hormonal de longa data existe por vezes tendência a assimilar o novo padrão como o seu normal, esquecendo que é efeito da medicação. Quantas vezes, após a suspensão do seu uso recorrem no ciclo imediato a consulta de urgência ao perceberem sintomas fisiológicos mas a que já se não encontram habituadas. A medição da quantidade do fluxo menstrual pode fazer-se, mas apenas em trabalhos de investigação, por ser um procedimento algo complexo e, sobretudo, incómodo. Na prática, a avaliação faz-se, pois, de forma muito subjectiva e numa primeira abordagem pela impressão que a própria mulher tem do seu fluxo, a qual resulta da comparação que efectua com as pessoas das suas relações (mãe, familiares, vizinhas, amigas). De facto, quando inquiridas respondem que o fluxo é “o 85 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2011 correspondente do ciclo seguinte, e o estereótipo médico corresponde a 28 dias, este mesmo ciclo é percebido pelas senhoras como irregular porque a cada mês corresponde um dia diferente, já que cada vez tem início mais precoce. Assim, a forma mais prática de se determinar a duração do ciclo é inquirir sobre a relação existente entre a duração do mesmo e a regularidade dos “meses”. Deverá perguntar-se de preferência, se a menstruação surge todos os meses e se assim é se vem antes ou depois de decorrido um mês sobre a anterior e, nestes casos, com quantos dias de diferença. Definir-se-ão desta forma, ciclos inferiores ou superiores a 30 dias, determinando-se a duração normal pela diferença que a consulente refere (“vem sempre 2 dias antes do mês” = ciclo de 30 - 2= 28 dias). Uma outra fonte de confusão resulta da atribuição de significados distintos a palavras tão comuns como “adiantar” ou “atrasar”. Devem evitar-se termos equívocos como aquele, por exemplo, já que se para uns poderia significar surgir antes para outros é entendido como aparecer para diante, isto é, para a frente, ou seja mais tarde. Em termos práticos convém, pois, confirmar os dados recolhidos interrogando por mais do que uma forma. Se se tiver nesta altura conhecimento das datas dos dois ou três últimos períodos menstruais facilmente se verificará por cálculo da validade dos dados recolhidos anteriormente. Este é, assim, um primeiro objectivo do conhecimento das DUM (Data da última menstruação), DPUM (Data da penúltima menstruação) e DAPUM (Data da antepenúltima menstruação). Mais difícil do que a determinação da duração do ciclo, é a avaliação da quantidade do fluxo catamenial. Cinco parâmetros devem então ser considerados: — a duração do período menstrual, usualmente referida sem hesitações; — o número de pensos ou tampões utilizados em cada dia; — a avaliação subjectiva por parte da própria; — a coloração; — a fluidez do fluxo. 86 levou a que se considerasse o sangue menstrual como incoagulável, o que, como se vê, não corresponde à verdade, já que, provenha donde provier, o sangue apenas coagula uma vez. O facto é que quando a perda hemorrágica ultrapassa a capacidade da cavidade uterina, tem de a abandonar esteja como estiver, o que faz com que seja expulsa sob a forma de coágulos. Por esta razão, a presença e o número de coágulos são um indicador razoável e, dentre os descritos, o melhor, da quantidade de fluxo menstrual. Em termos de registo expressaremos a quantidade pelo sistema de cruzes. Uma perda escassa corresponde a +, uma moderada a ++ e se abundante +++, guardando-se ++++ para as perdas muito abundantes, já exageradas, e +/- para as diminutas. Uma vez definidos todos estes padrões e valores, descreve-se então o ciclo menstrual sob a forma de fracção no qual o numerador corresponde à duração do ciclo e o denominador à do período menstrual, complementada pela avaliação da quantidade pelo sistema de cruzes. Assim, uma mulher com ciclos de 28 a 30 dias e períodos de 4 a 5 em quantidade moderada, descrever-se-ia como Ciclo = 28-30/4-5++. Relembre-se agora que os dados anteriormente colhidos devem ser confirmados pela determinação da DUM = Data da última menstruação, por vezes necessitandose ainda da DPUM = Data da penúltima menstruação e quando possível ainda a DAPUM = Data da antepenúltima menstruação. Para além de confirmar ou permitir o cálculo da duração do último ciclo, a data da última menstruação é ainda importante para se saber em que fase do ciclo genital se vai proceder ao exame da mulher, uma vez que alguns dados que são normais numa determinada fase, já o não são numa outra. (SPO) = Síndrome periovulatório / (SPM) = Síndrome pré-menstrual / (SM) = Síndrome menstrual. As síndromes funcionais do ciclo genital não são inquiridas obrigatoriamente, por resultarem num prolongamento do Capítulo 5 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2011 normal”, “muito” ou “pouco” numa proporção relativa ao que é referido pelas outras. Se se quiser dar maior precisão à avaliação do fluxo poder-se-á então fazê-lo pela quantidade de pensos ou tampões higiénicos que tem necessidade de utilizar. Em condições normais uma mulher com bons hábitos higiénicos utiliza 2 ou 3 pensos por dia ou 1 ou 2 tampões de absorção normal, os quais se saturam com 30 a 50 ml de líquido7. Como se compreende, esta forma é igualmente muito imprecisa, uma vez que uma mulher mais sensível muda de penso à mais pequena acumulação de fluxo, para se sentir seca, enquanto outra, em condições opostas, pode apenas mudar quando excedida a capacidade de absorção do material protector que utiliza. À hemorragia genital pode aplicar-se, tal como para o tubo digestivo, o mesmo princípio de avaliação que se baseia no facto de que, quanto mais baixos forem os pontos de origem ou maiores as quantidades perdidas, tanto mais clara é a coloração do fluxo hemático. De facto, uma hemorragia de proveniência vaginal ou cervical uterina tende a ter cor vermelha viva, dada a rapidez com que chega ao exterior. Porém, quando originária da cavidade corporal sofre certa “estase” por retenção a nível do esfíncter cervical interno (ístmico) e durante este tempo o sangue degrada-se, para se exteriorizar como fluxo castanho, com aspecto de “borra de café” ou de “água de lavar carne” segundo tenha menor ou maior percentagem hídrica. Por outro lado, a partir duma certa quantidade, mesmo que provenha do endométrio, o fluxo hemático é claro, pois ultrapassa facilmente a capacidade da cavidade corporal e tem necessariamente de ser expulso sem demora. O aspecto dos coágulos tem, para este fim, de ser considerado à parte. Se em condições normais o sangue derramado na cavidade endometrial sofre coagulação e lise quase imediata pela extraordinária riqueza em substâncias fibrinolíticas do endométrio descamado, quando se exterioriza pelo canal cervical fá-lo sob a forma líquida. Este facto, 1.4. HISTORIA SEXUAL HS= História Sexual. Salvo quando se constitui em motivo específico da consulta, os detalhes referentes aos hábitos e experiências sexuais não são abordados de forma directa, pelo menos numa primeira consulta. De facto, este é um dos pontos que as pessoas têm alguma relutância em expor de forma aberta sem estabelecerem previamente um elo de confiança. Habitualmente, quando se percebe que haverá interesse em abordar estas questões para esclarecer aspectos importantes do quadro nosológico, a história sexual é abordada de modo indirecto, através de perguntas como “tem dores ou dificuldades na relação sexual?”. Olhando a consulente Semiologia Ginecológica facilmente se apercebe da existência de algo que a senhora tem dificuldade em explicitar. Com delicadeza deve incutir-se a confiança imprescindível para que se sinta à vontade para expressar os seus problemas. Três aspectos muito particulares da história sexual serão ocasionalmente indagados mas com especial cuidado. Em consultas de Planeamento Familiar motivadas por situações de esterilidade é importante conhecer-se a frequência coital e a regularidade ao longo da semana, por óbvias razões de probabilidade de coincidência com o período fértil. Também em contracepção pode ser importante para a opção técnica conhecer-se o grau de risco de engravidar em casos em que é baixo o número de relações sexuais. Um segundo ponto, que se prende com as situações de coito difícil ou doloroso (dispareunia) há interesse em conhecer os hábitos posicionais e a sua relação com a sintomatologia. Dada a falta de divulgação do vocabulário apropriado com frequência devemos preocupar-nos em auxiliar as consulentes nas suas descrições evitando-lhes a habitual retracção de expressão, quantas vezes com termos que consideram embaraçosos. Por último, o conhecimento do número de interlocutores sexuais tem cada vez mais importância, dada a elevada prevalência neles e nelas de pelo menos algumas das infecções transmissíveis sexualmente (ITSs). AC = História Anticoncepcional. Neste capítulo interessa saber se está em uso alguma técnica anticoncepcional no ciclo em que se vai realizar a observação e se afirmativo qual deles, bem como recolher as informações referentes a experiência anterior com estas técnicas, seus efeitos positivos e negativos, razões de mudança e opção e preferências. 1.5. ANTECEDENTES OBSTÉTRICOS AO = Antecedentes Obstétricos. Existem várias formas de realizar a descrição dos antecedentes obstétricos. A mais simples, mas menos informativa, é a francesa 87 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2011 tempo de consulta, e tem interesse clínico apenas nalguns casos. Nestes a sua investigação será então detalhada, muitas vezes já após haver sido realizada uma parte da recolha da história clínica, momento no qual se considerou útil retroceder à colheita deste tipo de antecedentes. A propósito convém chamar a atenção para a correcta expressão em português destes complexos sintomatológicos que definem entidades clínicas e que podem ser indistintamente referidos como síndromes ou síndromas, no feminino, ou síndromos, no masculino. AS = Antecedentes sexuais. Por sistema apenas a primeira destas questões é inquirida: a que se refere à idade das primeiras relações sexuais (IPRS). Com esta pergunta passa a saber-se se já houve ou não relação sexual e de forma indirecta qual a duração do período de actividade sexual. Como se verá existe patologia que está relacionada com a frequência de relações sexuais ou evidencia prevalência inversamente proporcional. Em casos especiais pode haver interesse em conhecer-se a idade das últimas relações sexuais (IURS), pergunta com mais frequência empregue nas consulentes mais idosas. Este dado é importante na opção do material e modo de realização do exame ginecológico. 88 A minúcia que se dedicará à recolha dos restantes antecedentes obstétricos é muito variável, de acordo com as situações, interessando numa perspectiva clínica ginecológica fundamentalmente as situações ditas de insucesso reprodutivo e os quadros patológicos ou de distocia, em que possa ter existido traumatismo do aparelho genital. É assim útil conhecer-se o peso ao nascimento do filho mais volumoso. Convém nesta altura clarificar o que se entende por parto eutócico e distócico. Quando a fisiologia é por si só capaz de levar à total expulsão do feto, ainda que com ajuda médica (necessariamente menor) ou complicações traumáticas para os tecidos da mulher o parto é considerado normal ou eutócico. Em oposição, a exteriorização fetal por orifício artificial (cesariana) ou com recurso a manobras extractivas é classificado como distócico. Assim, podem ocorrer partos eutócico simples e complicados, existindo ainda uma variedade mista, em gravidezes gemelares: os partos complexos, isto é, eutócico(s) para um(ns) feto(s) e distócico(s) para o(s) outro(s). Não são considerados para efeitos de definição de eutocia e distocia os outros períodos do parto. 1.6. ANTECEDENTES PESSOAIS AP = Antecedentes Pessoais. Espoliado de grande parte do seu conteúdo pela necessidade de pormenorização dos dados referentes ao ciclo genital, as questões que se focarão no capítulo dos antecedentes pessoais, referem-se não só aos hábitos (alimentares, higiénicos, medicamentosos e actividade física) como aos patológicos, quer médicos quer operatórios. Na maioria das vezes são apenas importantes os dados referentes a afecções havidas ao nível dos genitais, pormenorizando-se os diagnósticos e os tratamentos efectuados, e a cirurgia abdominal, sobretudo a do andar inferior. Porém, muitos outros quadros médicos e cirúrgicos não relacionados com o aparelho genital, assumem importância Capítulo 5 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2011 que define o número total de gravidezes, incluindo a actual quando presente, e o número de partos por via vaginal. Faz-se então (recorrendo a numeração romana) a evidenciação dos seus valores da seguinte forma: #G #P, correspondendo o primeiro valor ao número de gravidezes (dito Gesta) e o segundo ao de partos por via vaginal (referido como Para). Assim, se uma senhora está grávida e teve dois abortamentos e um parto a termo por cesariana com filho viável e actualmente vivo dir-se-á que é uma IV Gesta 0 Para (nulípara), descrição que seria idêntica à de uma outra que não está grávida e tem três abortamentos anteriores e uma gravidez ectópica. Por esta razão, e dada a importância obstétrica dos partos pré-termo e do número de filhos vivos dum casal, a escola americana utiliza uma fórmula de 4 posições (TPAL formula7: Term pregnancies, Premature deliveries, Abortion, Living Children), na qual o primeiro número corresponde ao número de partos a termo (não de gravidezes), o segundo ao total de partos pré-termo, o terceiro ao de abortamentos e outras gravidezes patológicas e o último ao de filhos vivos à data da consulta. Segundo esta descrição o primeiro dos casos atrás referidos seria expresso pela sequência 1.0.2.1 enquanto a segunda corresponderia a esta outra 0.0.4.0. De forma a tornar mais objectiva a informação, embora naturalmente algo mais complexa, o modelo que se propõe e se tem mostrado mais prático é o da descrição em 6 posições, que correspondem — número total de partos — número de partos distócicos — número de partos prétermo — número de abortamentos — número de outras gravidezes patológicas (ectópicas, tumores do trofoblasto) — número de filhos vivos actualmente. Assim, utilizando os dois exemplos atrás expostos o primeiro definir-se-ia pela fórmula 1.1.0.2.0.1 e o segundo por 0.0.0.3.1.0. 1.7. ANTECEDENTES FAMILIARES AF = Antecedentes Familiares. O conhecimento duma susceptibilidade especial a um determinado tipo de patologia, frequentemente indiciada pela existência frequente nos seus antecessores, permite incluir a consulente num grupo de risco particular para determinado tipo de afecções e consequentemente orientar o clínico para um rastreio mais rigoroso ou para uma prescrição de determinado tipo de terapêuticas profilácticas da doença em causa. Para além das doenças neoplásicas, genéticas e endócrinas, a patologia vascular assume muita importância, tendo em atenção o emprego muito frequente de terapêutica hormonal em Ginecologia. Em alguns casos é ainda importante definir a existência de problemas semelhantes ou afins em: (CF = Colaterais Familiares), como em casos de malformações genitais que justificam algumas situações de esterilidade e noutros do foro oncológico, em que convém ter uma ideia da frequência da afecção através do conhecimento da sua prevalência em irmãos e primos. 1.8. HISTÓRIA DA DOENÇA HD = História da doença. Uma vez colhida toda a informação considerada útil através do inquérito dos pontos anteriores passarse-á então à auscultação das queixas que constituem a razão de ser da consulta. Deixar-se-á que a senhora faça a exposição dos sintomas que a trazem à consulta, procurando interrompê-la o menos possível, sobretudo de início e até à percepção do tipo e importância atribuída a cada queixa, ao mesmo tempo que se vai formando uma Semiologia Ginecológica ideia geral da natureza do padecimento. Entretanto vão-se anotando os elementos importantes da história clínica que a consulente espontaneamente expõe, para posteriormente a interrogar sobre os pontos que pareçam essenciais para a postura do diagnóstico. Dada a morosidade dum interrogatório exaustivo, que o torna impraticável na prática clínica, há por vezes necessidade de o completar após a realização do exame, para clarificar alguns aspectos que este possa suscitar. Uma vez terminada a exposição espontânea por parte da doente, dever-se-á inquirir sobre a existência de outros sintomas que às vezes são colocados em lugar secundário e por tal, facilmente são esquecidos. Assim, confirmar-se-á se existem: — alterações do ciclo ou do fluxo menstruais; — hemorragias não menstruais; — corrimentos genitais; — dor, ardor, prurido genitais; — modificações ou perturbações mamárias, subjectivas ou objectivas; — dificuldades coitais; — perturbações miccionais e/ou perda involuntária de urina; — alteração dos hábitos intestinais e defecatórios. Para cada anomalia haverá que indagar em termos gerais sobre o seu início, duração, intensidade, persistência e relação com as outras. Assim: — haverá em primeiro lugar que caracterizar o tipo de modificação do perfil do ciclo (encurtamento - polimenorreia e polimenorreia relativa - ou alongamento - oligomenorreia ou oligomenorreia relativa - ou ausência - amenorreia) e ao fluxo menstrual (diminuição - hipomenorreia - ou aumento - hipermenorreia ou menorragia); — no que se refere às hemorragias extramenstruais é importante saber-se se são espontâneas ou pelo contrário provocadas, e neste caso se o são pelo esforço ou pelo coito ou por outro qualquer factor; 89 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2011 quando se pensa instituir uma terapêutica curativa ou preventiva de tipo hormonal, a qual pode ser contra-indicada ou condicionada pela presença de determinado tipo de patologias ou de factores de risco. — — — 90 do acto (iniciais ou protocoitais, intra ou mesocoitais, terminais ou telecoitais e pós-coitais) bem como da sua duração (limitadas se apenas presentes quando do coito ou prolongadas, se persistem para além dele); — perturbações miccionais, muito comuns nas senhoras, referem-se a alterações da frequência, da diurese, do jacto ou à percepção de sintomas associados; — alteração dos hábitos intestinais e defecatórios, uma das disfunções mais frequentes nos nossos dias, fruto das incorrecções dietéticas, do sedentarismo e da irregularidade dos hábitos quotidianos. 1.9. MEDICAÇÃO EM CURSO E REACÇÕES ALÉRGICAS MED_C = Medicação em Curso. REAC = Reacções alérgicas e de intolerância, são dados de conhecimento obrigatória para a boa interpretação das queixas e do quadro clínico, bem como para prevenir evoluções desfavoráveis, eventualmente fatais. 2. EXAME CLÍNICO EM GINECOLOGIA 2.1. INSTRUMENTOS Antes de tomar contacto com a técnica do exame ginecológico requer-se um bom conhecimento do material, pelo menos do básico, necessário à sua execução. 2.1.1. ILUMINAÇÃO: FONTES DE LUZ Não sendo, naturalmente, equipamento específico da Ginecologia, a variedade de fontes de iluminação merece desde já alguns comentários. O exame clínico deve ser realizado em ambiente bem iluminado, sempre que possível com luz natural. A apreciação da cor e das tonalidades sofre com a variação qualitativa do tipo de iluminação, sendo particularmente Capítulo 5 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2011 — se é uma perda ocasional, irregular, esporádica, ou frequente, periódica, sistemática (como a metrorragia periovulatória, por exemplo); o esclarecimento dos corrimentos genitais envolve a definição do seu início, factores eventualmente desencadeantes (coito, antibioterapia), relação das suas características com o ciclo, associação a outros sintomas como dor, ardor, prurido, afectação ou não do cônjuge; alguns fluxos são fisiológicos e consequentemente relacionam-se temporalmente com os fenómenos que os justificam (mucorreia pré-ovulatória ou hidrorreia sexual, por exemplo); outros, embora patológicos, evidenciam clara relação com a fase do ciclo em termos de aparecimento, recrudescimento ou regressão; em relação à dor, interessa indagar sobre: início (súbito ou progressivo, relação ou não com o ciclo); tipo (em moedeira, cólica, queimadura, lancinante, perfurante); intensidade e grau de interferência nas actividades quotidianas; localização e irradiação; se é espontânea ou provocada. Interessa ainda averiguar sua relação com a posição; a mobilização; a micção e a defecação; a relação sexual (coitalgia ou dispareunia); e o ciclo genital; a percepção de aumento de volume ligeiro, de peso e de tensão mamárias são comuns na segunda fase do ciclo genital, e são considerados consequência da proliferação glandular acinar e ductal, bem como de retenção hídrica; existe assim aumento da densidade e de granulações glandulares à palpação; a patologia mamária funcional ou disfuncional apresenta-se com quadro similar embora mais agravado; as dificuldades coitais podem ser ligeiras ou impedir mesmo a consumação do coito (apareunia); dever-se-á inquirir sobre a localização dos sintomas (superficiais ou vestibulares e profundos, e sobre o seu aparecimento em função Semiologia Ginecológica ópticas flexíveis para os locais de observação, evitando-se desta forma as frequentes queimaduras acidentais de outrora, que ocorriam quando as lâmpadas eram introduzidas no corpo da examinanda. Mais recentemente existem lâmpadas de boa potência com baixa capacidade de aquecimento, que constituem uma boa alternativa, e menos dispendiosa. Com excelente capacidade de iluminação mas algo incómodo para o examinador é o foco frontal, versão recente do espelho de Clar dos otorrinolaringologistas e que existe também com sistema de “luz fria”. 2.1.2. ESPÉCULOS VAGINAIS A vagina, embora sendo órgão tubular, oco, apresenta uma cavidade que em condições normais é apenas virtual, dada a usual aposição das suas paredes anterior e posterior. Desta forma, para que se possa examinar a sua luz torna-se necessário recorrer a instrumento apropriado. Em regra emprega-se para o efeito o espéculo vaginal, equipamento cujo nome deriva, na literatura contemporânea, da necessidade que havia de se ter de usar um espelho para reflectir a luz para a cavidade a examinar, o que não sendo já o caso na actualidade fez com que conservasse a designação. Talvez mais acertadamente Auvard1 faz derivar espéculo de specere, olhar. Os modelos actualmente disponíveis estão constituídos basicamente por duas valvas ligadas por articulação estabilizável que permite realizar de forma simples uma adequada exposição da cavidade vaginal. O estatismo próprio deste instrumento, que permite que se mantenha espontaneamente aberto uma vez colocado na sua posição final, e em regra imobilizado pela pressão que as paredes vaginais exercem sobre as suas valvas, torna dispensável o recurso a ajudante, o qual é imprescindível quando se usam valvas vaginais individualizadas, como é caso corrente em cirurgia ginecológica. 91 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2011 afectada pela luz fluorescente, a qual, por razões económicas, é das mais divulgadas. Mais especificamente para o exame genital recorre-se a dispositivos variados de iluminação, sendo o mais difundido o foco com lâmpada de halogéneo. A luz que proporciona é de intensidade regulável e de características próximas das do espectro natural, pelo que este constitui o equipamento actualmente mais divulgado nos gabinetes de consulta. Para a inspecção da pele em geral, e da vulva em particular, pode e deve utilizar-se uma lupa, seja um modelo simples portátil ou mais frequentemente o usado nos centros de estética e cosmética, no qual a lente se encontra complementada por uma fonte de luz, circular. A este aparelho, que em Ginecologia é quase exclusivamente utilizado no exame da vulva, dá-se o nome de vulvoscópio. Se para a inspecção da vulva em exames de rotina não se recomenda, por ser pouco prático, o uso do “colposcópio”, dada a extensão da superfície a examinar, em casos particulares recorre-se à “colposcopia” vulvar para clarificação de lesões predeterminadas. Esta designação está etimologicamente errada, mas dada a sua difusão é hoje técnica e universalmente aceite. Quando disponível, e mesmo que não seja empregue para exame ampliado dos genitais, o colposcópio pode funcionar como fonte de luz, proporcionando iluminação de boa qualidade e intensidade ainda que evidencia um campo de observação relativamente limitado em extensão. Com uma fonte externa usam-se em regra espéculos desprovidos de qualquer sistema intrínseco de iluminação, mas existem modelos que aceitam o encaixe dum gerador de luz de halogéneo ou que incorporam um sistema de difusão luminosa adaptável a uma fonte exterior, sendo a transmissão realizada por condutores ópticos. Por último, os equipamentos ópticos mais sofisticados, englobados no conceito de endoscópios, funcionam actualmente com luz fria. Tal significa que a fonte geradora é extrínseca e que a luz é conduzida por fibras 92 sos uterinos. Assim, pode considerar-se este modelo como o de emprego mais amplo, e quando tenha de existir apenas um, recomenda-se que seja este o adoptado. O espéculo de Cusco tem um sistema de articulação que permite manobrá-lo facilmente por simples pressão, fixando-lhe a abertura só quando já devidamente colocado, enquanto o de Graves, com articulação dupla, permite uma exposição ainda mais individualizada pela combinação de diferentes tipos de abertura. Qualquer um destes dois últimos modelos permite pois um manejo fácil e total com uma só mão, o que não sucede com o de Collin. Porém, à medida que os modelos se tornam mais complexos, passam igualmente a ser mais frágeis e caros. Para além dos modelos descritos, que devem ser considerados como os de referência, por mais divulgados, muitas outras variantes, como a de Pedersen, por exemplo, são utilizados. Cada um dos modelos referidos existe ainda em vários tamanhos, sendo regra que se deve sempre optar pela variedade maior, mas que não seja desconfortável para a senhora. Sublinhe-se, o que parecendo uma negação do anterior o não é, que na dúvida é preferível experimentar o mais pequeno4 o qual, se se mostrar insuficiente se substituirá por um maior, em lugar de começar por este e correr o risco de provocar incómodo e mesmo dor. Dito por outras palavras, o espéculo deve ser suficientemente grande mas não demasiado, realizando-se a escolha segundo critérios práticos, dos quais se salientam a idade, a prévia existência (ou não) de actividade sexual e/ou partos por via vaginal, o estado trófico vaginal, a história actual e os dados da inspecção. Estas variáveis são dificilmente tidas em conta de forma isolada, mas antes consideradas globalmente. Assim, por exemplo, a idade tem ligações naturalmente com a actividade sexual, com o trofismo (atrofia vaginal pósmenopausa) mas também com o tipo de patologia (história compatível com laceração ou prolapso). Em caso de dúvida a consideração definitiva deve ser formulada tendo em Capítulo 5 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2011 Espéculos semelhantes aos vaginais são empregues para observação das cavidades nasal, ótica e recto-anal, naturalmente adaptados à anatomia dos segmentos que são objecto de exame. Existem espéculos vaginais articulados e fixos (tubulares), metálicos e plásticos, e dentre estes transparentes e opacos. Estão abandonados, por razões de higiene os modelos clássicos em madeira, osso ou marfim, de que se podem encontrar exemplares belíssimos nos museus de História da Medicina. Uma vez que a parede vaginal posterior é mais longa do que a anterior, alguns modelos como o de Collin, em particular nas variantes de maiores dimensões, possuem valvas desiguais (espéculo de Collin-Landau). Nestes casos, a mais longa corresponde obrigatoriamente à parede vaginal posterior. Os protótipos metálicos, por serem reutilizáveis, resultam mais económicos desde que se tenha acesso aos meios requeridos para a sua esterilização. Os plásticos, descartáveis, tornam-se mais dispendiosos nos países em que a produção não é suficiente para permitir preços aceitáveis, mas têm vantagens adicionais: são mais leves e não condutores, nem térmicos nem eléctricos, o que os torna mais confortáveis para a examinanda. O facto de serem transparentes não constitui, em oposição ao que poderia parecer, vantagem prática, uma vez que a compressão que efectuam sobre as paredes vaginais induz nestas alterações da forma e da coloração que tornam difícil o seu estudo correcto. São preferencialmente usados nos casos em que há risco particular de transmissão infecciosa. Dentre os distintos modelos o de Collin, mais simples, é o mais resistente, embora mais grosseiro e de regulação manual mais complexa, por possuir articulação mediada por parafuso. Contudo, o facto de esta ser unilateral constitui uma vantagem importante quando se pretende retirar o espéculo deixando colocados outros instrumentos, como sucede na realização de histerografia ou nas provas de tracção cervical nos prolap- 2.1.3. MATERIAL PARA COLHEITA CITOLÓGICA CERVICO-VAGINAL Um dos exames mais praticados em Ginecologia é a análise citológica. Ela pode revestirse de cariz diagnóstico (citologia vaginal) ou ser paradigma da postura preventiva (a citologia de rastreio oncológico cervical uterino, chamada cervico-citologia, citologia cervical de Papanicolaou ou teste de Papanicolaou). De facto, o segmento cervico-vaginal é terreno propício ao desenvolvimento de alterações inflamatórias e/ou infecciosas, sendo o colo do útero sede da lesão maligna entre nós ainda a mais frequente na mulher, logo após o cancro da mama. Ora ele é acessível à observação e sofre um processo de malignização que pode, em regra, ser diagnosticado Semiologia Ginecológica em fase precoce ou preliminar, pelo que se considera curável. Dentre os métodos empregues para este fim o mais importante é, sem dúvida, a citologia de rastreio. Teremos pois, dois tipos de observação: uma fundamentalmente orientada para a vagina e apenas acessoriamente para o colo (a citologia vaginal ou exame do conteúdo vaginal) e outra, ao contrário, dirigida quase exclusivamente ao colo do útero, a citologia de rastreio de Papanicolaou. Relembre-se que o colo do útero está revestido por dois tipos de epitélio, um pavimentoso, malpighiano dito exocervical e outro cilíndrico simples, mucossecretor, endocervical. Os processos malignos mais comuns originam-se na zona de transição dos dois epitélios, na chamada junção escamocolunar, a qual dum ponto de vista teórico corresponderia ao orifício externo do colo. Porém, fruto do diferente grau de estimulação hormonal existente ao longo da vida da mulher o seu posicionamento topográfico é variável. Pode localizar-se em pleno exocolo, como sucede vulgarmente na mulher em idade reprodutora, particularmente quando sob contracepção hormonal ou grávida, ou pelo contrário em pleno canal cervical, como é habitual após a menopausa. Assim, de forma a estandardizar o exame propôs Wied um método dito tríplice de colheita de células cervicais, cujas siglas devem ser indicadas nas correspondentes lâminas: V = colheita no fundo-de-saco vaginal, onde à mistura com as células próprias da vagina se irão depositar as que descamam do colo uterino C = colheita no colo (exocolo), que será a mais importante nos casos em que a transição epitelial se verifica neste ponto E = colheita no endocolo, fundamental quando a junção se situa no canal. A colheita tríplice, advogada por várias Escolas, foi a melhor por ser estandardizada, completa e cobrir as diversas variabilidades anatómicas dos epitélios do colo uterino. Contudo, em termos de eficácia e sua relação 93 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2011 atenção a avaliação objectiva do orifício do intróito da vagina, suas dimensões e distensibilidade. Este parâmetro é, sem dúvida, o mais importante na observação da criança, na qual a compatibilidade entre o diâmetro do espéculo e o do orifício himeneal tem de ser previamente garantida. Refira-se que em ginecologia pediátrica o tipo de instrumento a utilizar é naturalmente diverso do da adulta, podendo mesmo recorrer-se extemporaneamente a equipamento endoscópico. Pela sua facilidade e segurança de manejo, serão de preferir os espéculos tubulares, semelhantes aos de exame ótico, disponíveis em vários diâmetros e comercializados em França segundo os desenhos de Denys Sersiron. O modelo brasileiro, o colpovirgoscópio de Bicalho, também conhecido pelo nome do seu fabricante (da Greco), estruturalmente idêntico a um proctoscópio, é o de mais fácil manejo e dispensa recurso a fonte de luz exterior, por se encontrar incorporada. Em conclusão: a colocação do espéculo vaginal é imprescindível ao exame do segmento cervico-vaginal e constitui passo prévio a quase todas as explorações e manobras transvaginais. 94 são da lâmina. A forma mais prática de se realizar o transporte é o envio das lâminas para o laboratório em porta-lâminas de cartão ou plástico que impedem que possam ser fragmentadas acidentalmente. Recorde-se que as lâminas correspondentes a cada uma das três colheitas citológicas devem ser devidamente identificadas com as siglas VCE, sendo prática corrente associar numa mesma lâmina os produtos vaginal e exocervical, realizando-se, por exemplo, o esfregaço do primeiro em sentido transversal e do segundo longitudinalmente. Como já referido, mais recentemente foram introduzidas modificações sucessivas visando poupanças de fundos e de mão-de-obra sem significativa perda de acuidade diagnóstica. De início, as lâminas eram três (V+C+E) e passaram a ser apenas duas por redistribuição do produto. Assim, mantendo a colheita tríplice faziam-se apenas dois esfregaços, associando-se no primeiro V+C ou no segundo C+E de acordo com o instrumento utilizado para a colheita. Por exemplo, usando espátula de Ayre e escovilhão realizam-se V+C e E. Posteriormente, dada a relativa e teórica inespecificidade da colheita vaginal para rastreio de lesões do colo, muitas escolas abandonaram esta participação e reduziram as colheitas a duas apenas, C+E. Procurando simplificar ainda mais a técnica de colheita foram finalmente introduzidos novos dispositivos, com o objectivo de realizar as duas colheitas em simultâneo. Surgiram assim, as espátulas de Aylesbury, a “Multispatula” e mais tarde o sistema “Acellon”, o “Cytobrush” e o “Cervex”. A importância histórica e técnica da espátula de Ayre é notória quando se examinam os restantes que são afinal o resultado de modificações nela introduzidas mas que mantêm quase sempre a traça original definida por aquele autor. Contudo, quando não existam disponíveis espátulas especiais, tal não constitui óbice à realização da citologia, uma vez que em situações esporádicas podem ser empregues as usadas vulgarmente para exame da boca e orofaringe. Por seu Capítulo 5 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2011 com os inerentes custos, o panorama é-lhe actualmente desfavorável, tendo-se evoluído, nos programas de rastreio, para a colheita exo e endocervical, de início em separado e mais recentemente em bloco com esfregaço agora único numa só lâmina. Os benefícios desta “simplificação” resultam da poupança em termos de material e tempo de execução e, sobretudo, de leitura e armazenamento do produto. Diferentes instrumentos podem ser empregues para as referidas colheitas. Assim, para a (V) vaginal pode colher-se o material orgânico do fundo-de-saco posterior usando uma espátula vulgar de exame da orofaringe, o extremo rombo da espátula de Ayre ou mais classicamente uma pipeta de aspiração tipo Papanicolaou ou Pasteur; para a (C) cervical ou, melhor dito, exocervical aconselhase o uso sistemático da espátula desenhada por Ayre, ou uma das variantes mais recentes e para a endocervical utilizava-se - uma zaragatoa de algodão, seca ou embebida em soro e actualmente um escovilhão cervical. A espátula de Ayre apresenta um extremo com uma forma recortada que se adapta perfeitamente à superfície do focinho de tenca, permitindo realizar um raspado do epitélio ao imprimir um movimento de rotação de 360º àquele instrumento, tomando como fulcro a zona mais proeminente que se insinua no orifício externo do colo. Existem modelos de madeira ou de plástico, devendo preferir-se estes últimos por não serem absorventes, o que facilita a distribuição do produto sobre a lâmina. Nas colheitas endocervicais a zaragatoa foi quase completamente abandonada, dando-se preferência ao escovilhão, que é bem mais eficaz. Uma vez colhido o produto deve ser imediatamente distribuído em camada fina sobre lâmina de vidro bem limpa e desengordurada, procedendo-se à sua fixação sem perda de tempo. Como fixadores podem utilizar-se quer produtos específicos alcoólicos em atomizador (spray) ou uma mistura álcool-éter em partes iguais na qual se procede à imer- 2.1.4. PINÇAS DE PREENSÃO E MOBILIZAÇÃO DO COLO UTERINO Pinças de preensão e tracção do colo uterino existem em vários modelos. Podem classificar-se em penetrantes ou não, segundo haja ou não perfuração do epitélio quando da preensão. O grau de penetração pode ainda ser maior ou menor, de acordo com o calibre das hastes fixadoras. Usualmente utiliza-se a de Pozzi, deixando-se a de Museux, mais Semiologia Ginecológica grosseira e traumatizante, para as fortes preensões/tracções da cirurgia. Com a mesma finalidade podem empregar-se as pinças ditas de 9 dentes de Allis ou, como paradigma de instrumento não perfurante, o chamado estabilizador cervical. As pinças de preensão cervical são necessárias: à estabilização do colo uterino sempre que se realizam manobras instrumentais sobre este órgão com alguma pressão (biópsia, dilatação forçada do orifício interno); à mobilização do colo para exame dos fundos-de-saco vaginais, por exemplo; à tracção do colo quer para estudo da mobilidade do órgão, como nos casos de prolapso, quer para a rectificação do eixo uterino, procedimento que deve anteceder a maioria das manobras a efectuar nesta cavidade, de que são exemplo a sondagem uterina, a biopsia do endométrio, a introdução de dispositivo intra-uterino anticoncepcional (DIU), a histerossalpingografia e a histeroscopia, na sua execução clássica. Recorde-se, a este propósito, que o útero se insere na cúpula vaginal, não na sua parte central, mas num ponto situado já em plena parede anterior, de modo que o eixo uterino faz com o vaginal um ângulo quase recto de abertura anterior. Além disso, o canal uterino não é rectilíneo mas curvilíneo, sucedendo que o eixo do colo e o do corpo definem entre si um outro ângulo, este obtuso, de cerca de 110º. Esta configuração uterina denomina-se anteversoflexão fisiológica e mercê da grande mobilidade do útero, com facilidade se altera quando se faz tracção sobre o colo em direcção à fenda vulvar, ou seja ao longo do eixo vaginal. Ao executarse esta manobra não só se verifica uma deslocação do corpo do útero para trás como se atenuam as angulações atrás referidas, tornando-se o canal cervical apenas levemente curvo e quase que alinhado ou seja no prolongamento do vaginal, o que, como se compreende, facilita extraordinariamente toda e qualquer manobra que se realize para cima do orifício cervical externo. 95 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2011 turno, os dispositivos mais recentes, destinados a colheita combinada, são já mais sofisticados, integrando elementos maleáveis e visando uma função logicamente distinta. Alguns destes sistemas, como o Cervex são ainda passíveis de uso em novas metodologias de preparação citológica, como a citologia em meio líquido, que é a mais recente inovação. Uma palavra ainda sobre a qualidade de fixação citológica, hoje claramente expressa, segundo a nomenclatura de Bethesda, no relatório final do exame. Ter-se-ão de respeitar as contra-indicações, executar as colheitas de forma correcta e proceder de imediato a um esfregaço fino prontamente fixado, para que a leitura possa ser completamente satisfatória. Alguns dispositivos propostos para colheita citológica são hoje preferencialmente empregues para outras finalidades. Por exemplo, o escovilhão cervical (Cytobrush), é o meio mais prático de remoção do muco cervical, desde que se evite o contacto do instrumento com o colo, que por vezes faz sangrar. Um outro sistema, o MiMark, proposto por Milan e Markley, com duas variedades de colheita, endocervical e endometrial, é, nesta segunda versão, o mais eficaz e menos incómodo meio de captação de fios-guia de dispositivos (DIUs) que hajam sido deslocados para a cavidade uterina. Provocando ligeiro incómodo hipogástrico, devem constituir a primeira tentativa de remoção de Diu nestas circunstâncias. 2.1.5. SONDAS UTERINAS OU HISTERÓMETROS: As sondas uterinas, rígidas ou flexíveis, metálicas ou plásticas, por serem quase sempre graduadas, são indistintamente denominadas de histerómetros, e permitem assim realizar sondagem a par da medição da profundidade da cavidade uterina (histerometria), que em condições normais varia entre 6 e 8 cm. As sondas maleáveis são menos traumatizantes, e acompanham na sua excursão o trajecto do canal sem induzirem grandes pressões. Porém, quando há necessidade de dilatação do orifício cervical interno (OCI) contra resistência, elas não são adequadas. Na sequência do anteriormente descrito a propósito da sensibilidade do colo, recordese que a sondagem uterina é mais fácil de realizar e provoca menos incómodo quando efectuada nos períodos pré-ovulatório ou menstrual, nos quais se encontra fisiologicamente aberto o orifício cervical interno. Entre os histerómetros rígidos o modelo mais utilizado entre nós é o de Sims. Alguns modelos de sondas permitem realizar medições diferenciais. Assim, por exemplo, o histerómetro de Hasson está munido dum dispositi- 96 vo que não apenas fornece os dados da histerometria total como, por abertura de sistema que realiza uma estabilização da haste mensuradora ao nível do OCI, permite determinar o valor correspondente ao comprimento do canal cervical. A subtracção deste em relação ao anterior dá a medida da cavidade corporal. Estes aparelhos, como outros que permitem medir a largura da cavidade são conhecidos por cavímetros e à técnica de mensuração cavimetria (de cavum, cavidade). 2.1.6. INSTRUMENTOS DE COLHEITA ENDOMETRIAL A biópsia de endométrio pode realizar-se com duas finalidades fundamentais, uma visando o conhecimento da sua resposta funcional e outra o esclarecimento duma patologia supostamente orgânica. Os objectivos em qualquer dos casos passam pela recolha de mucosa uterina, mas o grau de amostragem é diferente. Nas situações funcionais ou disfuncionais bem como nas infecciosas é de esperar que a resposta endometrial seja global e uniforme, enquanto que existe forte probabilidade em patologia tumoral de que hajam áreas afectadas ao lado de outras sãs. Assim, os instrumentos a utilizar para estas finalidades serão distintos e diferenciar-se-ão sobretudo em termos de quantidade de produto colhido. Deve salientar-se que, de qualquer modo, a extracção da mucosa uterina não é nunca completa, o que além do mais acarretaria uma impossibilidade de reposição. Para as simples biópsias utilizaram-se classicamente as pinças de Novak e de Randall, ambas de diâmetro relativamente amplo, que explica o desconforto que provoca às doentes. Mais recentemente, sondas finas descartáveis, como a pioneira pipelle de Cornier vieram permitir uma maior difusão da sua execução sem prejuízo da qualidade e com desconforto relativamente ligeiro. Em situações em que há suspeita ou se pretende excluir a presença de patologia Capítulo 5 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2011 Um outro aspecto merece neste momento ser referido: o da sensibilidade do colo uterino. É uma regra geral dos órgãos ocos que estes são particularmente sensíveis à distensão, que constitui habitualmente o factor que lhes desencadeia dor mais violenta. O colo uterino não é excepção. De facto a aplicação das pinças puncionantes, habitualmente no seu lábio anterior, é praticamente indolor se efectuada com suavidade e lentidão, havendo contudo situações, em particular quando há atrofia, em que esta manobra é claramente dolorosa. Igualmente indolores ou pouco incomodativas são as manobras destrutivas efectuadas no colo, como as electrocoagulações e mesmo as biópsias, enquanto que, ao invés, a dilatação forçada do esfíncter cervical interno induz sensação muito desagradável. 2.1.7. PINÇAS AUXILIARES Menos específicas em termos de aplicação, mas de uso frequente são as pinças de Chéron, porta-compressas, auxiliares inequívocos do exame. Para além da finalidade que melhor as define, estas pinças servem muitas outras funções, como a remoção de DIUs, ou a aplicação de produtos hemostáticos no colo uterino, como barras de nitrato de prato, por exemplo. Finalidade idêntica pode ser dada às pinças tipo Doyen, as quais, porque possuem término em anel de pequenas dimensões, são muito úteis para a remoção de pólipos cervicais. São por esta razão vulgarmente conhecidas como pinças de anel ou mesmo de polipectomia. As pinças de dissecção, com ou sem dente de rato, são também usadas como acessórios na exploração genital. De menores dimensões e bem mais delicadas as pinças de dissecção de Adson são particularmente empregues na manipulação dos fragmentos de biópsia. 2.1.8. INSTRUMENTOS ÓPTICOS Recorre-se actualmente cada vez mais ao auxílio de equipamento óptico como auxiliar Semiologia Ginecológica diagnóstico e, nalguns casos, terapêutico. Na lista dos aparelhos considerados praticamente indispensáveis contam-se os seguintes: Microscópio de luz Imprescindível para a avaliação do ecossistema vaginal, a que Blanchard chamava de bacterioscopia8 pode ainda ser empregue para a realização de testes de compatibilidade mucoespermática pós-coital (prova de Sims e Huhner). Assim, a observação imediata permite ao examinador uma avaliação: hormonal, pelo estudo das células descamadas; microbiológica, pela análise da população microbiana; e reprodutiva, pela observação do número e mobilidade dos espermatozóides. O uso de contraste de fase ou de interferência de fase (segundo Nomarski) facilitam muito o trabalho de identificação celular e microrgânica. Colposcópio Em 1924 Hinselmann idealizou um aparelho constituído por um sistema de lentes que lhe permitiam ver com considerável ampliação as lesões cervicais uterinas e detectar mais precocemente o carcinoma do colo uterino. O colposcópio, que é nada mais do que um microscópio com características particulares, isto é com longa distância focal, permite a realização dum exame de execução simples e rápida, que possibilita a inspecção panorâmica e em detalhe do exocolo e da parte distal do endocolo. Embora etimologicamente se encontre referido ao exame endoscópico da vagina (do grego colpos) é todavia mais utilizado para a avaliação morfológica do colo uterino. Deveria pois ser chamado preferencialmente de traqueloscópio, mas a prática consagrou o termo pelo qual é mais conhecido. Hoje em dia colposcopia significa pura e simplesmente realizar uma técnica de exame com recurso ao colposcópio. Fala-se então de colposcopia vulvar, colposcopia cervical, colposcopia vaginal ou mesmo de colposcopia do pénis (peniscopia). 97 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2011 oncológica recorria-se outrora sistematicamente à curetagem biopsia uterina raspagem uterina fraccionada, a qual visava colher uma amostragem das diferentes topografias endocavitárias (paredes anterior e posterior e bordos laterais da cavidade uterina e canal cervical). Mais recentemente o recurso a forte sistema de aspiração como a do equipamento Vabra, mesmo que utilizando sonda fina, veio permitir uma simplificação do método, sendo exequível em ambulatório, e ainda que desconfortável substitui com vantagem os inconvenientes dum acto cirúrgico mais agressivo. O desenvolvimento da histeroscopia veio então tornar habituais as biópsias dirigidas sob controlo visual. Ecógrafo O recurso à ultrasonografia é hoje pela sua qualidade, simplicidade e comodidade, cada vez mais amplo, não sendo o exame considerado obrigatório apenas pelo custo do equipamento. De acordo com as características da sonda e do respectivo feixe ultrassónico podem abordar-se os órgãos genitais por via abdominal, através da parede ventral, ou por via vaginal. No primeiro caso a frequência necessária é da ordem dos 3,5 MHz, e requer ainda um meio de facilitação da condução dos ultra-sons, representado pela bexiga distendida pelo seu conteúdo líquido. A ultrasonografia transvaginal usa sonda de 7,5 MHz de frequência e ganha em definição de imagem o que perde em profundidade, mas beneficia do facto de ser praticamente directo o contacto daquela com o órgão a estudar. 2.2. METODOLOGIA Exame ginecológico não é sinónimo de observação clínica em ginecologia: esta inclui 98 os passos usuais do exame médico geral, embora, na prática, reduzidos aos considerados estritamente indicados sob a orientação da história e do juízo diagnóstico previamente formulado. Assim, por exemplo, as disfunções endócrinas ligadas à reprodução devem obrigar à busca de sinais devidos a perturbações de outras glândulas com aquelas conotadas (tiróide, supra-renal), como pode suceder em casos de alterações genitais e perturbações do crescimento. Por outro lado, em oncologia ginecológica, a pesquisa ou exclusão de lesões metastáticas ou mesmo a avaliação das possibilidades de terapêutica cirúrgica obrigam à execução de pormenorizado exame clínico. Vulgarmente, porém, o termo exame ginecológico significa apenas a observação dos órgãos genitais e da região onde se inserem e nele se incluem quatro fases: geral; mamário (inspecção, palpação); abdominal (inspecção, palpação, percussão, auscultação); e ginecológica ou vulvoperineopélvica (inspecção da vulva, exame ao espéculo, palpação e toques). Por motivos de simplificação, não se fará descrição da semiologia geral, mamária e abdominal, o que não significa que não constituam parte importante, integrante e obrigatória do exame da consulente ginecológica2. Relembre-se, para exemplificar, a importância que a percussão tem na destrinça entre tumor volumoso e ascite, ao evidenciar a presença de som timpânico nos flancos e macissez na área proeminente no primeiro caso, em oposição ao que se observa no segundo. Por sua vez, as tumorações com origem pélvica, incluindo o útero grávido, caracterizam-se por uma configuração curva de convexidade superior pelo seu crescimento ascendente. O exame dos segmentos genitais deve ser executado em ambiente calmo e repousante e sempre com muita suavidade. Ter sempre presente que o objecto da exploração ginecológica é um conjunto de estruturas particularmente sensíveis em todos os aspectos, pelo que se devem evitar, dentro do possível, todas as manobras que possam Capítulo 5 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2011 Histeroscópio O exame endoscópico da cavidade uterina é hoje facilmente realizável mercê da evolução verificada na tecnologia óptica. De facto dispõe-se actualmente de instrumentos de calibre suficientemente baixo de modo a permitir a sua introdução na cavidade uterina sem necessidade de significativa dilatação e mesmo analgesia. Os histeroscópios podem ser diagnósticos ou cirúrgicos. Os primeiros têm menor calibre e dispõem de canal acessório apenas para a passagem do agente de dilatação da cavidade, enquanto o mesmo canal permite nos segundos o uso de instrumentos de corte, biópsia ou electro-cirurgia. A inclusão de sistemas de ampliação de alta-fidelidade e considerável capacidade de aumento permite mesmo a prática de microcolpohisteroscopia, técnica desenvolvida e divulgada a partir da França por Jacques Hamou. 2.2.1. POSIÇÕES DE EXAME Para a execução do exame ginecológico (em sentido restrito) coloca-se a examinanda em posição adequada, que descreveremos em dois grupos, as usuais e as especiais Posições usuais São as que se utilizam para a prática do exame ginecológico corrente. Posição Ginecológica (também denominada de Litotomia ou Vulvar1) Corresponde ao decúbito dorsal com flexão das coxas a 90º e abdução máxima destas, o que se consegue graças à utilização de mesas ou marquesas ginecológicas. Estas podem ter apoio para pé (estribos) ou para Semiologia Ginecológica joelho, sendo este o modelo mais frequente, embora o primeiro seja mais cómodo9. Tem como vantagens permitir bom relaxamento abdominal, facultar uma óptima exposição dos genitais externos e facilitar ao máximo a realização do exame ao examinador e como inconvenientes requerer mesa apropriada e dificuldade na acomodação da examinanda quando com problemas de mobilização. Decúbito dorsal com joelhos flectidos Posição que mais se aproxima da ginecológica, não é mais do que um decúbito dorsal, com flexão máxima dos joelhos e sua abdução posterior, mantendo a examinanda os pés unidos e em contacto com as nádegas. Constitui a posição de recurso para exame de uma doente acamada ou em locais onde se não disponha de mesa ginecológica, apresentando as vantagens, ainda que não totalmente, da posição anterior. Como inconvenientes há que entender que de todo o modo, é menor a exposição dos genitais obtida com esta posição, perturbada ainda correntemente pela depressão que o leito permite sob o peso do corpo; que o plano do leito impede ainda o uso de instrumentos que requeiram espaço de manobra posterior (instrumentos com cabo ou mango), podendo utilizar-se material em colocação invertida (ramo posterior para diante), com resultados satisfatórios; e é menos cómoda para o examinador. Decúbito lateral Posição de Sims, de utilização pouco frequente entre nós, constitui posicionamento de recurso quando de doentes com patologia articular da anca ou da bacia, impeditiva de colocação daquela em qualquer das anteriores. Defendida pelas escolas anglo-saxónicas particularmente no ensino (aulas práticas), por ser mais cómoda para a doente que se encontra de costas para o(s) médico(s) e útil para o exame da mulher obesa, por permitir o afastamento do omento para o lado do decúbito. São seus inconvenientes ser incómoda para o examinador e muito limitativa no que se 99 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2011 despertar dor e consequentemente induzir defesa por parte da examinanda. No exame ginecológico corrente a bexiga deve estar bem vazia, solicitando-se para isso micção prévia. Casos há, contudo, em que é conveniente examinar com algum ou mesmo acentuado preenchimento vesical (suspeita de perda involuntária de urina, por exemplo). Se a micção é facilmente controlável e existe possibilidade de opção na prática por exame com ou sem preenchimento, o mesmo não sucede já para o conteúdo intestinal. Numa sociedade que não dispõe de tempo para nada, em que os hábitos alimentares se modificam em desfavor dos alimentos ricos em resíduos e na qual a actividade física se verifica ser cada vez mais reduzida, os casos de trânsito intestinal lento ou mesmo de obstipação são cada vez mais frequentes. Nestas circunstâncias, e em caso de dúvida, deve recorrer-se à administração de laxantes ou à realização de clisteres sempre que o detalhe do exame clínico pelvigenital tal imponha. Antes de se iniciar a observação é importante confirmar que todo o material supostamente necessário para o exame esteja previamente preparado e acessível, de modo a não perturbar a evolução do mesmo. Posições especiais Não são úteis para a execução do exame ginecológico de rotina, por não permitirem uma inspecção e palpação satisfatórias dos órgãos a examinar, mas apenas em situações particulares. Genupeitoral: útil no estudo das lesões da parede vaginal anterior (fístulas, por exemplo) ou da região anal, tem emprego particular para a execução da culdoscopia. Em pé: para esclarecimento de situações de prolapso (condições de gravidade normais) ou de incontinência urinária. 2.3. EXAME FÍSICO Uma sumária observação geral deve integrar por princípio o exame clínico em Ginecologia. Ocasionalmente ela será omitida, quando o motivo da entrevista a orienta já para algum capítulo específico. Porém, na consulta ginecológica há necessidade de se conhecerem alguns dados semiológicos simples, como sejam a pressão arterial (TA), o PESO e a ESTATura. A partir destes dois últimos pode determinar-se facilmente o IMC (índice de massa corporal) Duma forma sumária observa-se ainda a POSTURA, quantas vezes anómala e que explica uma infinidade de queixas álgicas insuspeitadamente não relacionáveis com as anomalias posicionais. 100 A observação rápida mas atenta da superfície corporal permite ainda colher informações sobre as características da pele, da pilosidade e das mucosas (PPM), sobre o estado circulatório e em particular sobre veias e telangiectasias, concluindo-se esta fase semiológica com a auscultação cardíaca (AuscC) e, menos frequentemente, pulmonar (AuscP). Evolui-se então para uma fase de maior minúcia semiótica, quando se inicia o exame mamário. A mama é examinada por inspecção e palpação segundo etapas sucessivas, com a senhora em pé, sentada, com as mãos nas ancas, com os membros superiores em extensão (manobra de Paulig) e em decúbito dorsal. De todas estas fase se obtêm dados (MAMAS) descritos em capítulos do volume II, dimensões e especificidades dos mamilos (mam), inexistência ou presença de corrimento mamilar e suas características (secr) e padrão palpatório com ou sem nodularidades anómalas (nod). O exame abdominal (ABD) faz parte integrante da observação clínica ginecológica, embora usualmente confinado à inspecção e à palpação, e deve anteceder o exame pélvico7, sequência que não tem acordo unânime6. A percussão é hoje em dia pouco praticada, sendo a auscultação manobra aplicável em situações particulares, e com regularidade apenas na mulher grávida. 2.3.1. OBSERVAÇÃO GENITOPERIANAL Para que se possa realizar o exame dos genitais externos em boas condições requeremse posicionamento adequado da examinanda e examinador e uma boa iluminação. Para este efeito recorre-se entre nós ao uso de focos sendo em alguns países, França por exemplo, usual utilizar-se um espelho de Clar, de uso corrente em ORL, o qual permite boa iluminação e liberdade de movimentos ao examinador. Para o exame vulvo-perineal o mais apropriado é o “vulvoscópio”, que não é mais do que um sistema utilizado frequentemente em depilação e que consiste numa lente de aumento com lâmpada fluorescente Capítulo 5 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2011 refere à inspecção ginecológica, quer com espéculo, quer, e muito particularmente, ao exame dos genitais externos. As vantagens referidas acima não parecem ser suficientes para contrabalançar os seus defeitos. Efectivamente não parece conveniente ensinarem-se os exames em colocações que não correspondem às de uso prático, uma vez que tal obriga a um esforço suplementar de adaptação às novas condições de exame. Por outro lado o exame da mulher obesa é sistematicamente difícil, não parecendo que resulte qualquer simplificação da adopção desta ou outra especial postura para o efeito. No monte de Vénus interessa observar as características quantitativas e qualitativas da pilosidade. Pode haver escassez, como quando de algumas insuficiências hormonais ou na velhice, ou pelo contrário exagero como quando existe tumor produtor de androgénios. A distribuição pilosa também é importante. Habitualmente na mulher a pilosidade púbica termina bruscamente por uma linha horizontal que dá à pilosidade a configuração de um triângulo de base superior. Nos casos de virilização a distribuição tende a ser de tipo masculino, em losango com o vértice superior a atingir o umbigo, havendo ainda frequente extensão para as coxas. Devem, de seguida, observar-se as distintas formações vulvares, em regra de forma rápida, começando pelo clítoris, grandes e pequenos lábios, fúrcula, períneo, meato e hímen. Os grandes lábios são pregas cutaneoadiposas de cor castanha escura. Podem estar alterados na sua morfologia (tumores) ou na sua textura (dermatoses). Os pequenos lábios têm dimensões muito variáveis de uma mulher a outra, não tendo esta variação usualmente qualquer significado. Sofrem usualmente processo de atrofia após a menopausa. A fenda vulvar encontra-se habitualmente encerrada por aposição dos lábios, mas pode mostrar-se aberta nos casos de hipotonicidade do esfíncter vulvar (como ocorre com frequência na multípara) ou de deficiência anatómica (laceração perineal). Terminada a inspecção simples, deve praticar-se observação sob esforço (manobra de Valsalva ou tosse provocada) no intuito de descobrir eventual prolapso e/ou incontinência urinária (neste caso sendo útil repetir o exame com repleção vesical). A exposição do intróito é agora uma vez mais imprescindível. 2.3.2. ESPECULOSCOPIA - EXAME COM ESPÉCULO Figura 1. Inspecção vulvo-perineal: recomenda-se o uso de ambas as mãos para melhor exposição das estruturas a observar. Semiologia Ginecológica Se existe unanimidade em relação à execução da inspecção simples antes de qualquer outro passo do exame dos genitais femininos, o 101 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2011 em redor. Muito embora esta altere um pouco a coloração cutânea, mostra-se de uso fácil e cómodo. Eventualmente poderá usar-se o colposcópio para estudo de pormenor. O exame deve iniciar-se com a observação das estruturas genitais externas (vulva), incluindo o ânus e a região perianal. O primeiro contacto físico com a consulente deve ser realizado na face interna das coxas, o que permitirá verificar de qualquer tendência à hiperreactividade motora sinal de necessidade de actuação complementar de relaxamento e de cuidado para não magoar em caso de reacção de defesa9. Não esquecer que se a doente for alérgica ao látex devem usar-se luvas de vinilo9. Para a observação mesmo sumária das formações vulvares requer-se afastamento, para o que se aconselha a utilização da mão (não dominante) enluvada, sendo altamente recomendável utilizar ambas as mãos sempre que a exploração deva ser mais pormenorizada (figura 1). É então fácil inspeccionar cuidadosamente as ninfas e as formações menos expostas, como o clítoris, o meato uretral, os orifícios das glândulas periuretrais, as paredes do vestíbulo, o rebordo himeneal, a fossa navicular, a fúrcula, sendo ainda o afastamento essencial para a boa visualização do ânus, região perianal e sulco internadegueiro. 102 consulente o seu aquecimento ligeiro, por manutenção na mão enluvada durante alguns segundos ou por humidificação com soro quente. Muito embora a fenda vulvar se oriente no sentido antero-poterior, a verdadeira conformação do orifício do intróito tem maior dimensão latero-lateral, pela presença das estruturas anteriores (meato, clítoris), que são ainda as mais sensíveis. É, pois, importante evitar todo o traumatismo a este nível pelo que se aconselha a introdução do espéculo em posição horizontal5, com leve pressão no sentido posterior para aumento do orifício vulvar pela retropulsão da fúrcula. A passagem do intróito vence-se facilmente por afastamento das estruturas labiais com a mão não dominante enluvada10, a qual dá assim acesso quase directo à cavidade vaginal (Figura 2). Figura 2. Afastamento bidigital das formações labiais para exposição do vestíbulo e introdução horizontal do espéculo. O polegar da mão auxiliar é particularmente útil para a manutenção do espéculo no local enquanto de ajusta o mecanismo automático. Com experiência pode introduzir-se o espéculo apenas com recurso a uma das mãos, sendo então preferível realizar a transposição do vestíbulo com as valvas bem fechadas e obliquadas6 segundo Auvard1, de modo a evitar as estruturas de localização anterior10. Capítulo 5 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2011 mesmo não sucede em relação à ordenação dos restantes. Em princípio o exame com espéculo deve anteceder, por rotina, a execução do toque. Isto porque com frequência se vai ter necessidade de realizar colheitas para diferentes tipos de exame, umas vezes já previstas quando do inicio da observação, outras, todavia, apenas consideradas durante a sua realização. Ora, quer pelo simples traumatismo dos dedos sobre as estruturas cervico-vaginais, que pode induzir hemorragias em lesões friáveis destes segmentos, quer consequência do uso habitual de lubrificantes, que torna eventualmente mais cómoda a introdução dos dedos enluvados, altera-se o “meio” genital, podendo levar-se à negativação de estudos culturais (particularmente para Neisseria gonorrhoea), bem como à invalidação de colheitas para exames a fresco ou citológicas, pela presença de sangue. Assim sendo, propõe-se como norma a execução do exame com espéculo precedendo o toque. Situações há, porém, em que é aconselhável a inversão desta ordem. Sê-lo-ão casos de suspeita de deformações da cavidade vaginal (septo vaginal, por exemplo) ou de dificuldade na presunção das verdadeiras dimensões desta. A escolha do tamanho apropriado de espéculo faz-se correntemente com base no conhecimento dos antecedentes sexuais (de menores dimensões nas mulheres que nunca tiveram relações) e obstétricos (maiores na multípara), bem como tendo em atenção a idade (menores dimensões após a menopausa). Contudo, particularmente quando existe suspeita de intensa atrofia ou de malformação vaginal, o receio de poder provocar laceração da parede por hiperdistensão quando da abertura do espéculo (o que facilmente ocorre nestes casos) leva a que se avalie inicialmente a capacidade vaginal através do toque. Não existe usualmente qualquer necessidade de lubrificação do espéculo, já que a vagina é um órgão fisiologicamente lubrificado. Quando em climas frios se usam espéculos metálicos é um acto de consideração para a Semiologia Ginecológica patologia cervico-vaginal presente (se existir); a data do inicio da última menstruação (DUM); o tipo de contracepção em uso (hormonal, local, DIU); bem como eventuais tratamentos locais efectuados recentemente. 2.3.3. TOQUE VAGINAL – TOQUE COMBINADO A palpação endocavitária ou toque constitui parte importante do exame ginecológico. Ao contrário, porém, da observação visual, requer experiência para que se consiga a necessária confiança e segurança no método. Alguns dos parâmetros são tão subjectivos que é corrente aperceberem-se consideráveis disparidades entre observadores e até no mesmo examinador em diferentes momentos. É aconselhável cumprir uma sequência sistemática do exame, que iniciado pela palpação da parede vaginal posterior, se continua pela exploração do colo uterino, do corpo, de um e outro anexo para terminar com a pesquisa de sensibilidade vesical (a bexiga está desejavelmente vazia). Uma forma prática de descrever o volume uterino é a de o fazer corresponder à evolução do mesmo numa gravidez em primigesta. Dito de outra forma, uma vez que “útero normal” varia de acordo com a idade e a paridade, em consequência da chamada hipertrofia benigna, em termos absolutos quando se diz normal para uma determinada mulher não se sabe exactamente qual o volume inicial correspondente. É preferível, assim, definir aquele que corresponderia ao da evolução de gravidez unifetal normal em primigesta, critério segundo o qual o útero de 4 semanas corresponde ao de nuligesta, o de 6 semanas ao de primípara e o de 8 semanas ao de multípara, ainda que se saiba que não será assim necessariamente, critério que justifica aliás o seu interesse. O fácil acesso a meios de imagem dispensa hoje a preocupação de outrora de identificação dos ovários, sendo princípio prático que se após um cuidadosa mas suave palpação, no 103 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2011 Deve ter-se igualmente em consideração o facto de ser o canal vaginal na posição ginecológica levemente oblíquo (eixo a 45º, em direcção ao sacro) e a necessidade de introduzir o espéculo fechado, de molde a evitar toda e qualquer preensão de pregas vaginais. Uma vez colocado o espéculo avaliar-se-ão então as características macroscópicas do fluido vaginal, das paredes da vagina e do colo uterino. Ao realizar colheita para citologia de rastreio o primeiro cuidado a ter é respeitar as contra-indicações. As lâminas devem estar bem limpas: imersão em álcool seguida de secagem suave com pano seco, sem friccionar, para não produzir electricidade estática indutora de modificações morfológicas celulares. Para a colheita prefere-se a escova Cervex, realizando uma ou duas rotações completas, sempre para o mesmo lado. Se se não utilizar o transporte em meio líquido, faz-se o esfregaço por passagem da espátula ou do Cervex sobre a lâmina, sempre no mesmo sentido (para não plicaturar as células), tendo o cuidado de evitar os acúmulos de material que corresponderão a espessa sobreposição de células que dificultará a leitura ao microscópio. A fixação pode fazer-se com aerossóis, o usual por mais cómodo, ou por imersão em álcool a 70º ou mistura álcool/acetona. No primeiro caso podem as lâminas ser enviadas para o laboratório, mesmo por correio, graças à sua embalagem em recipientes próprios, de cartão ou plástico, rígidos que impedem que estas se partam durante o transporte; no segundo por envio em frascos contendo o fixador, separando-se aquelas por aplicação dos vulgares “clips” metálicos, que impedirão que se encostem umas às outras e adiram entre si. Para além da correcção da técnica é ainda necessário informar o citopatologista, a quem se devem fornecer todos os dados considerados úteis para uma correcta avaliação dos casos. Dentro destes se incluem-se: a intenção do exame; a descrição sumária da 2.3.4. TOQUE RECTAL Definido como obrigatório pela escola americana é o toque rectal, em geral, menos informativo do que o vaginal, quer por ser mais incómodo, pela dilatação anal, quer por ser mais restritivo em termos de espaço de manobra para o examinador. Efectivamente não só é sistematicamente unidigital, como ainda a tonicidade do esfíncter anal impede uma certa profundização do dedo que toca. Porém, situações há em que este está indicado, e que são: impossibilidade de realização do toque vaginal (exemplos: agenesia ou diafragma vaginais); exploração do septo recto-vaginal, por vezes associando toque vaginal ao toque rectal, por introdução do dedo médio no recto e do indicador na vagina - toque vagino-rectal combinado de Récamier1- (exemplo: pesquisa de enterocelo); confirmação de retrodesvio uterino em que nestas situações, ao contrário do normal, não se perde contacto com o útero acima do colo; palpação da face posterior do útero que pode ser facilitada se, quando do toque rectal, induzirmos com a mão abdominal um desvio posterior do corpo do útero; 104 avaliação dos paramétrios nomeadamente a sua espessura (exemplos: parametrites, invasão tumoral); palpação anexial, quando não se conseguem tocar os anexos por via vaginal, por vezes devido a colocações retro-uterinas (exemplo: retroversão uterina); palpação muscular e osteo-articular pélvica, imprescindível nas doentes com processos dolorosos (exemplos: coccigodínia, nevralgia do pudendo, mialgia dos elevadores). Detalhe relevante é o da técnica de introdução do dedo para o toque rectal7,11. Para que seja o menos desconfortável possível há necessidade de se avisar sempre quando do seu início, e após solicitar descontracção e apoiar a polpa do dedo no orifício anal, aguardar até à percepção de relaxamento esfincteriano. É então que é o dedo introduzido, não por progressão directa, mas por rotação das falanges distais, exercendo leve pressão no bordo posterior para facilitar o acesso. Terminado o exame físico ou objectivo deve realizar-se uma listagem dos exames auxiliares realizados, requisitados ou a pedir, no capítulo da Ox (orientação clínica), que se propõe. Finalmente, é da maior importância a conclusão deste resumo clínico com a explicitação dum Dx (diagnóstico), quando muito provável, ou de outros com que haja necessidade de diferençar, descrevendo-se, quando for caso disso a Tx (terapêutica) prescrita. Em alguns casos dever-se-á ainda incluir uma descrição do Px (prognóstico) que foi dado à doente e/ou aos seus familiares. Bibliografia 1. Auvard A (1892) - Traité Pratique de Gynécologie. Octave Doin Éditeur, Paris 2. Berek JS, Hillard PJA (2003) – Initial Assessment and Communication. In Berek JS – Novak’s Gynecology 13th Ed. Lippincott Williams & Wilkins, Philadelphia Chap. 1 pg. 3-20 3. Sproul K (2007) – Approach to the Patient. In DeCherney AH, Nathan l, Goodwin TM, Laufer N, McGraw-Hill Co Inc,New York, 10th Ed, Chap. 1, pg. 1-4 4. Kawada C (2007) – Gynecologic History, Examination & Diagnostic Procedures. In DeCherney AH, Nathan l, Goodwin TM, Laufer N, McGraw-Hill Co Inc,New York, 10th Ed, Chap. 33, pg. 519-539 Capítulo 5 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2011 qual a mão colocada na parede abdominal tem função primordial na aproximação dos anexos aos dedos intravaginais, se não conseguem os mesmos sentir, não deverão ser os mesmos volumosos (exclusão de tumoração). Antes de remover os dedos da vagina é conveniente explorar a sensibilidade da vagina, em toque combinado com a palpação abdominal e depois realizar uma avaliação da capacidade clónica da musculatura peri-vaginal, para o que se coloca(m) o(s) dedo(s) no eixo da cavidade e se solicita à examinanda que contraia os elevadores do ânus com a máxima intensidade possível, como se quisesse interromper bruscamente a micção. Se o examinador sentir pressão sobre o(s) dedo(s), que os empurra para dentro e para cima durante pelo menos 3 segundos considera-se existir uma boa resposta10. Semiologia Ginecológica 9. Novey DW (1999) - Manual de exame objectivo – Guia de acesso rápido. 2ª Ed. Portuguesa. Euromédica, Ed.Méd Lda, Algés 10. Bickley LS e Szilagyl PG – 2003. Female Genitalia in Bates’s Guide to Physical Examnationand History Taking. 8th Ed Lippincott Williams & Wilkins, Philadelphia Chap. 11 pg. 383-408 11. Clain A (1973) - Hamilton Bailey’s Demonstration of Physical Signs in Clinical Surgery, 15th Ed.John Wright & Sons Ltd, Bristol 105 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2011 5. Jeffcoate TNA (1967) - Principles of Gynaecology. Butterworth & Co Publ Ltd, London 6. Da Silva MO (2007) - Aparelho Genital Feminino. In Semiologia Médica – Princípios, Métodos e Interpretação. Ed. 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