Diversidade da Força de Trabalho: O Que Temos Ensinado Nossos Alunos? Autoria: Hélio Arthur Reis Irigaray, Luiz Gustavo Mauro de Queiroz Propósito Central do Trabalho Nos últimos anos, a heterogeneidade da mão-de-obra e as políticas organizacionais de diversidade nas organizações têm sido pautas de estudos; mas como esta diversidade tem sido ensinada e vivenciada na prática, nos cursos de graduação? Esta é a pergunta de investigação que pautou este trabalho. Visando a respondê-la, conduzimos uma pesquisa empírica com alunos de graduação em Administração de Empresas, em sete diferentes instituições de ensino superior (IES), no Rio de Janeiro, entre 2006 e 2013. A relevância deste estudo jaz no fato de que, entender como os alunos apreendem as múltiplas identidades sociais existentes, lidam com preconceitos e como as escolas têm abordado este assunto nas salas de aula, contribui para que o governo elabore políticas públicas de cidadania, a academia repense a grade curricular e conteúdo dos cursos de graduação, bem como as empresas antecipem o perfil dos futuros profissionais que serão contratados. A discussão sobre diversidade da força de trabalho fundamenta-se, no limite, nas diferentes identidades sociais, as quais podem ser visíveis (gênero, etnia, deficiência física), ou invisíveis (religião, doenças crônicas, orientação sexual). Estas identidades carregam no seu bojo expectativas socialmente construídas, que podem significar “anormalidade”, “debilidade” ou “fraqueza moral”. Mas, qual é o padrão para se diferenciar o hegemônico do diferente? A rigor, hegemonia é o eixo central da discussão marxista, especialmente de Gramsci, de como a classe dominante estabelece e mantém seu poder e domínio sobre o proletariado, e ela se constrói na persuasão da maioria da população por meio da institucionalização – e naturalização - dos conceitos de “normal”, “natural” e “comum”. Marco Teórico A hegemonia masculina é o eixo central desta discussão, pois ela se constrói na persuasão da maioria da população por meio da institucionalização – e naturalização - dos conceitos de “normal”, “natural” e “comum”. Estes conceitos estão diretamente associados aos homens, brancos, heterossexuais e que ocupam posições privilegiadas de riqueza e de poder no corpus social. Estes indivíduos buscam reproduzir, legitimamente, as relações sociais que geram e asseguram seu domínio e privilégios. Esta hegemonia é imposta por meio de uma violência simbólica, suave, insensível e invisível às suas próprias vítimas, uma vez que, enquanto poder, ela também gera prazer e se perpetua por vias puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento. A lógica da dominação masculina manifesta-se e perpassa todas as relações sociais, haja vista que é exercida em nome de um princípio simbólico conhecido e reconhecido tanto pelo dominador quanto pelo dominado. O exercício desse poder é dado por meio: a) da língua e da linguagem (a maneira de falar, expressões que podem ser utilizadas, uso de gênero); b) da cristalização da maneira de pensar (o homem deve ser mais objetivo que a mulher); c) do culto à forma de falar (o homem deve ser mais silencioso); d) da imposição de estilos de vida específicos (determinação do vestuário, de cores masculinas e femininas) e, principalmente, e) pelo controle do corpo (os machos devem ser mais contidos, gesticularem menos). Nesta pesquisa, resgatamos os trabalhos, nomeadamente os realizados por pesquisadores brasileiros, sobre os negros, mulheres, deficientes e homossexuais para analisarmos os ambiente universitário brasileiro. No Brasil, por exemplo, mesmo abolida, a escravidão se mantém viva e evidente nas relações interraciais, jogando por terra a ideia de uma sociedade igualitária ou ao menos de uma sociedade em que essa característica demográfica não seja possível de se identificar. Tal ruptura escravocrata, pós-abolicionista, não reposicionou os negros no mercado de trabalho, tampouco os preparou para a inclusão social. O que passou a ocorrer a partir daí foi uma paulatina tolerância racial, deixando 1 dúvidas sobre a democracia social. Hoje abordamos uma forma sutil de segregação racial que se despe da segregação, mas se traveste em uma falsa inclusão para, a partir daí, preterir. No caso das mulheres, os estudos têm sugerido que elas ainda se percebem discriminadas no ambiente de trabalho em relação aos homens em função: a) da existência de barreiras para a ascensão profissional e restrição aos cargos de responsabilidade nas empresas; b) de um maior nível de exigência e cobrança por parte dos superiores hierárquicos quando são casadas; c) de ocuparem posições hierárquicas de nível inferior aos dos homens, mesmo quando possuem melhor qualificação profissional; d) de comportamentos machistas dos chefes e colegas de trabalho e, finalmente, e) pelo discurso e atitudes impostas pelo modelo masculino para obter ascensão ou sucesso profissional. A rigor, as mulheres ainda são caracterizadas como frágeis (pouco resilientes) e emotivas (não racionais) e, ademais, se sentem desvalorizadas pelo marido e pela família, bem como pelas dificuldades impostas pela dupla jornada de trabalho. Método de investigação se pertinente Os dados desta pesquisa foram coletados com alunos dos cursos de graduação em Administração de Empresas em sete universidades do Rio de Janeiro: três IES particulares, localizadas na zona sul e cujos são alunos de alto poder; duas públicas; e três IES privadas, que buscam atender alunos de baixo poder aquisitivo. O acesso aos discentes das outras IES foi facilitado por colegas que nelas trabalhavam. Os dados foram coletados entre março de 2006 a abril de 2013. Primeiramente, foi passado um questionário, o qual era dividido em duas etapas. Na primeira, perguntava-se sobre os dados categóricos dos respondentes (sexo, idade, etnia, renda familiar, religião, orientação sexual e se eram portadores de algum tipo de deficiência). Já a segunda etapa era composta por 4 perguntas abertas: 1) o que você entende por diversidade? 2) Este assunto é abordado nas disciplinas? 3) Há diversidade na escolar (tanto no corpo docente quanto no discente)? 4) Você já sofreu discriminação, discriminou ou presenciou algum tipo de discriminação na Escola? Caso positivo, quais foram as circunstâncias? Uma vez analisadas as respostas, foram convidados alunos que tenham assumido ter discriminado alguém e outros que foram discriminados para uma entrevista em profundidade. Foi a partir dos relatos dos participantes, que repensamos a questão de diversidade no ambiente acadêmico. No total, 1464 alunos, 512 pertenciam a IES caras, cujo público-alvo é a classe A; 384 são estudantes de universidades públicas; e 568 pertenciam a universidades particulares, cujas mensalidades são mais baratas e, portanto, são voltadas para as classes sociais mais baixas. Na segunda fase da pesquisa, foram entrevistados 139 alunos, dos quais apenas 6 (todos do sexo masculinos, brancos, heterossexuais e que estudavam em universidades particulares, voltadas para o público de alta renda) que assumiram ter discriminado algum colega. Os outros respondentes se classificaram como mulheres (42), negros (43), deficientes (11) e homo e bissexuais (37). Nem todas as entrevistas puderam ser gravadas, pois os 6 indivíduos que se auto-identificaram como agentes de discriminação e 18 homens homo e bissexuais não permitiram. Nestes casos, foram feitas anotações ao longo das entrevistas. As entrevistas que foram gravadas foram transcritas e, assim como as anotações dos encontros, foram submetidas à análise crítica do discurso Resultados e contribuições do trabalho para a área No discurso masculino, as mulheres foram sistematicamente infantilizadas, por exemplo, seus nomes sempre foram mencionados no diminutivo. Ademais, elas são percebidas como frágeis e chantagistas. Para as mulheres, diversidade também se refere, basicamente, às questões de gênero e ao teto de vidro, que sob a ótica delas, ainda persevera nas empresas e nas escolas. Várias respondentes afirmaram que seus colegas, e mesmo os professores, estranham quando uma menina opta pela área de concentração em Finanças, a qual ainda é predominantemente masculina. Elas se sentem até mesmo desencorajadas em optar por este caminho profissional. 2 Por exemplo, uma aluna da IES 1 disse ter ouvido de um professor que as mulheres deveriam ficar em RH porque são mais sensíveis, ou mesmo em Marketing, por serem criativas; Finanças seria uma área muito competitiva e, portanto, adequada para os homens. Os deficientes físicos também foram mencionados como a “minoria” mais citada pelos professores em sala de aula; principalmente em função da lei de quotas. De fato, o que mais chamou a atenção foi o fato de esta questão ter sido associada, principalmente, às responsabilidades legais dos administradores e o risco que correriam em não obedecer a legislação. Aparentemente a discussão sobre diversidade nunca foi abordada sob o prisma do resgate da cidadania das minorias. A rigor, na IES 1, este assunto é tratado nas aulas de ética e religião, mas os alunos não o associaram às práticas profissionais dos administradores. Nas universidades públicas, a gestão da diversidade é tangenciada em disciplinas do campo de estudos organizacionais. Os alunos entendem que seja muito mais uma questão de ética do que gestão. Para estes discentes, diversidade está associada a qualquer indivíduo que não seja homem, branco, rico, bonito, heterosexual. Ao contrario da IES 1 e da IES 2, não apareceu a questão de classes sociais; todavia, o senso estético se fez presente. Assim como na IES 1 e no IES 2, nas universidades públicas, o racismo não foi verbalizado, pelo contrario, sempre foi rechaçado. Entretanto, estes alunos têm em comum um discurso de intolerância com os homossexuais, principalmente os masculinos. Eles não consideram que orientação sexual seja um assunto relevante quando se discute diversidade, pois entendem que seja “opção sexual”. Assim, já que estes indivíduos optaram por serem diferentes não devem ser contemplados com nenhum “benefício” como os negros e deficientes, que “nasceram assim”. Tanto os alunos negros, os deficientes e os homossexuais se queixaram de o fato de serem invisibilizados nos livros de Administração; ou seja, no material didático utilizados, os livros, ilustrados com fotos, e mesmo nas revistas utilizadas como material de apoio (foram citadas Exame e HSM Management), o perfil do administrador bem sucedido é sempre de um homem (ou mulher) branco, heterossexual e magro. Entretanto, o fato de estes múltiplos grupos compartilharem da mesma condição de invisíveis e marginalizados, não há uma aliança entre estas diversas minorias. Entretanto, constatou-se que, assim como no ambiente corporativo, entre todas as diversidades, a menos tolerada é a contra os indivíduos homo e bissexuais, principalmente, os masculinos. Alguns discursos dos afrodescendentes revelaram-se machistas e homofóbicos; já os homossexuais valeram-se dos mesmos adjetivos e dêiticos para identificar os alunos bolsistas e, no caso, dos gays, houve falas que discriminação às mulheres. Estas por sua vez, também não constituem um grupo homogêneo; elas se discriminam entre si com base em diferentes traços psicodemográficos; em menor proporção do que os homens, elas também demonstraram desprezo pelos homossexuais, e também evitam qualquer comentário que possa ser interpretado como de cunho racista. O senso estético também se fez presente nesta pesquisa, a qual revelou que a beleza se põe como capital social. Ser belo ou ser feio, se enquadrar nos padrões estéticos ou estar fora deles, tudo isso parece trazer consequências para os alunos e alunas. Referências bibliográficas BETIOL, M. TONELLI, M. A Mulher Executiva e suas Relações de Trabalho. Revista de Administração de Empresasv. 31, n. 4, out/dez 1991. BOURDIEU, P. A Dominação Masculina.Rio de Janeiro : Bertrand Brasil, 2007. CAPPELLE, M. MELO, M. BRITO, M. Relações de Gênero e de Poder: Repensando o Masculino e o Feminino nas Organizações. Anais (…) XXV EnANPAD, Salvador, 2002. 3 IRIGARAY, H. Estratégia de Sobrevivência dos Gays no Ambiente de Trabalho. Anais (…) XXX EnANPAD, Rio de Janeiro, 2007. HANASHIRO, D. TORRES, C. FERDMAN, B D’AMATO, E. Medindo Inclusão no Ambiente Organizacional: Uma Visão “Emic” da Escala de Comportamento Inclusivo. 4