“O CRAVO VERMELHO” (1907): UMA OBRA NA MILITÂNCIA
LIBERTÁRIA DE DOMINGOS RIBEIRO FILHO
Viviane Antônio Da Silva ¹
Angela Maria Roberti Martins ²
Diversos militantes anarquistas, com destaque aos mais intelectualizados, marcaram presença
privilegiada nas manifestações sócio-culturais implementadas no Rio de Janeiro nas duas primeiras
décadas do século XX. Esse foi o caso de Domingos Ribeiro Filho (1875-1942), exemplo de um
escritor que se projetou como ativo militante anarquista.
O trabalho aqui proposto pretende abordar a dimensão política da sua obra literária O Cravo
Vermelho, publicada em 1907, vista, a um só tempo, como espaço privilegiado de crítica social e de
projeção de um ideal.
A abordagem busca destacar as ideias libertárias que divulgava, as críticas que apresentava e as
denúncias que explicitava, a fim de compreender a militância anarquista de Domingos Ribeiro
Filho, assim como as propostas que defendia em seu romance. Para realizar tal abordagem, foi
necessário relacionar a obra com o Rio de Janeiro do início do século XX, contextualizando o local
onde a trama aconteceu e onde foi escrita.
Para explorar o romance O Cravo Vermelho na difusão do ideário anarquista, foi preciso tomá-lo
como verdadeiro campo de tensão onde se explicitam tanto as condições materiais de vida e os
modos de viver quanto os valores e as idéias, os sentimentos e as sensibilidades, os sonhos e as
utopias, os projetos e as expectativas que o próprio viver comporta e enseja.
O objetivo principal desse trabalho é contribuir para as reflexões que aproximam História e
Literatura, mais especificamente no que se refere aos textos literários tomados como fontes
históricas. Pretende-se, também, analisar o conteúdo do testemunho histórico presente nas obra
literária selecionada, articulando-o ao movimento anarquista da época, de modo a compreender a
militância libertária do autor através da literatura e procurar identificar a corrente anarquista da qual
Domingos Ribeiro Filho se aproximava. Por fim, busca-se, ainda, a possibilidade de estabelecer
relações entre alguns eixos temáticos do romance O Cravo Vermelho com o ideário anarquista da
época, com vistas a verificar a difusão de novas idéias.
Do ponto de vista metodológico, o trabalho utiliza-se da literatura como documento histórico de
uma época, seguindo, desse modo, uma vertente interdisciplinar, a qual é dada pela aproximação
entre a História e a Literatura. Todavia, para compreender as propostas que o autor defende, foi
necessário percorrer a história do movimento anarquista, desde seu aparecimento na Europa até sua
chegada ao Brasil, passando por seus mais destacados pensadores e principais correntes. Foi
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¹ Discente do Curso de História, UNIGRANRIO
² Docente da Escola de Educação, Ciências, Letras, Artes e Humanidades , UNIGRANRIO
preciso, também, percorrer as principais teorias de como o movimento chegou ao Brasil,
relacionando-o com o contexto histórico do Rio de Janeiro no início do século XX, com os
movimentos dos trabalhadores, a ações dos anarquistas na cidade e os recursos utilizados por eles
para divulgar seus ideais, assim como, as formas de atuação de Domingos Ribeiro Filho no cenário
carioca. A preocupação em historicizar a obra de Ribeiro Filho, inserindo-a no movimento
vivenciado pela sociedade, perscrutando suas redes de interlocução, as polêmicas e os conflitos
históricos e literários de sua época, (CHALHOUB, 1998. p. 7), permitiram definir sua contribuição
no campo das ideias e das lutas nas quais se engajou.
É possível perceber no romance O Cravo Vermelho, elementos que permitem visualizar pontos de
convergências com o ideário anarquista e os embates da época. O autor serve-se de sua obra para
apresentar vários questionamentos, ligados, sobretudo, à questão da moral em vigor na época.
No romance, os personagens e a trama criada falam diretamente de temas como o amor, o ciúme, o
casamento, a infidelidade feminina, o adultério e o divórcio. O autor critica veementemente os
crimes de paixão e a violência baseada na questão da honra e enaltece o amor livre e a livre união
como caminhos seguros da realização plena do casal.
Assim, apresenta uma crítica aos princípios cristãos e aos valores burgueses que forjaram uma
moral sexual repressiva assentada em regras afetivo-sexuais. Critica o casamento contratual
monogâmico indissolúvel, religioso e civil, legitimado pelo Estado e suas leis e sacramentado pela
Igreja, por ferir, entre outros, o princípio supremo da liberdade.
Como disse Lima Barreto em sua crítica: “[...] Ele [o livro] todo, quando não é psicológico, é
intelectual e doutrinário, destinado a nos dar opiniões e crenças, a rebater “certas infâmias que
andam por aí. [...]”. (BARRETO, Floreal, 1907, p. 33-34).
Enquanto libertário, Domingos Ribeiro Filho alinha-se ao lado daqueles que se diziam dispostos a
lutar para a destruição da tradição misógina, das referências da moral cristã e dos padrões sexistas
que definiam os modelos de feminino e de masculino e estabeleciam regras para as relações afetivas
e sexuais.
Muito provavelmente em função do tema central tratado - um novo arranjo social/sexual que
redimensionaria as relações entre homens e mulheres - o romance O cravo vermelho foi ignorado
pela crítica literária da época, permanecendo distante do público, na prateleira empoeirada de uma
silenciosa biblioteca.
Esse é o maior mérito dessa pesquisa: dar voz e vez ao escritor, jornalista e cronista Domingos
Ribeiro Filho, na tentativa de que possa tornar-se conhecido do público leitor, saindo do
esquecimento do qual foi condenado até os dias de hoje, por não se colocar de acordo com o cânone
de seu tempo.
REFERÊNCIAS BIBLLIOGRÁFICAS
BARRETO, Lima. Impressões de leitura. Crítica. São Paulo, Brasiliense, 1956.
RIBEIRO FILHO, Domingos. O cravo vermelho. Romance. Rio de Janeiro: Liv. Luso-Brasileira,
1907.
Floreal. Rio de Janeiro, 1907.
BARBOSA, Francisco de Assis. A vida de Lima Barreto. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio
Editora, 1952. p. 124.
BROCA, Brito. A vida literária no Brasil – 1900. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975.
CHALHOUB, Sidney; PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. (org.). A história contada:
capítulos de história social da literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e literatura: uma velha-nova história. In.: COSTA, Cléria
Botelho da; MACHADO, Maria Clara Tomaz. (org.) História e literatura: identidades e fronteiras.
Uberlândia: EDUFU, 2006.
SANTOS, André Luiz. Caminhos de alguns ficcionistas brasileiros após as ‘Impressões de leitura’
de Lima Barreto. Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2007.
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