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O Ministério Público de Robespierre. O caso polêmico do
GAECO
Eduardo Mahon*
1. O Problema
O Ministério Público ganhou novas e amplas dimensões com a Carta Magna de 1988.
Consagrou a independência e a unicidade, as garantias que instrumentalizam suas
funções fiscalizatórias e concedeu a titularidade da ação penal pública. Ocorre que não
trata a Constituição sobre a possibilidade de conduzir ou presidir diretamente
inquéritos penais e sim cíveis, preparatórios de ações cuja titularidade é do próprio
órgão ministerial. Trata-se aqui de determinar se pode ou não o Parquet imiscuir-se no
Inquérito Policial, questão tormentosa pelas vaidades entre promotores e delegados,
pela interpretação mais ou menos extensiva e liberal e, ainda, pelo cunho ideológico
que se reveste.
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2. Introdução
A polêmica foi iniciada com a Constituição de 1988, desenvolveu-se com a
promulgação da Lei Orgânica do Ministério Público e se aprofundou com a edição da
Lei do Crime Organizado. Pode o Ministério Público conduzir inquéritos policiais?
Parece que a polêmica está concentrada na apuração e desmonte de crimes cometidos
por organizações criminosas. Não se excede o dissenso deste ponto.
É bem verdade que a legislação constitucional e infraconstitucional não se posiciona
de forma a permitir ou proibir expressamente a possibilidade ou a vedação, permitindo
conclusões as mais diversas, temperadas por conveniências e políticas públicas
concorrentes. Delegados contra promotores, advogados contra ambos, juízes
impassíveis, ministros que se confrontam em seus entendimentos: eis o panorama da
discussão. Mas o que preocupa, na verdade, é a possibilidade de validação ou anulação
dos procedimentos preparatórios conduzidos pelo Ministério Público: eis a verdadeira
celeuma e receio dos Grupos de Atuação de Combate ao Crime Organizado, também
chamados pela sigla Gaeco. Processo anulado é o terror do zeloso promotor público
que aposta na possibilidade; aposta o advogado que conseguirá anular o feito.
Ocorre que, em processo penal, um dos bens jurídicos mais relevantes do homem que
é a liberdade não pode se prestar a apostas.
O Estado de Mato Grosso foi um dos pioneiros na criação do Gaeco, primeiramente
por meio de Portaria expedida pela Procuradoria Geral de Justiça do Estado, declarada
inconstitucional pela unanimidade do Tribunal de Justiça do Estado, e depois por meio
de legislação estadual. Logo após a declaração de inconstitucionalidade, dois membros
do Parquet, Drs. Marcos Machado e Roberto Turim, fizeram publicar o artigo que vai
transcrito abaixo, introduzindo o presente estudo com uma apaixonada defesa do
Ministério Público que, ao final, julgaremos equivocada. Senão vejamos:
O e. Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, em sua composição plena,
declarou, por maioria de votos, a inconstitucionalidade da Resolução nº 009/99-PPJ,
de 11.08.99, editada pelo Colégio de Procuradores de Justiça, órgão superior do
Ministério Público Estadual, que criou o GAECO – Grupo de Atuação Especial contra
o Crime Organizado -, composto por Promotores de Justiça, com a atribuição para
"oficiar nas representações, inquéritos policiais, procedimentos investigatórios, e
processos destinados a identificar e reprimir as organizações criminosas", abrangendo
"a apuração e repressão dos crimes que se tornem conhecidos no decorrer das
investigações".
A decisão foi tomada em julgamento realizado no dia 18.10.01, acolhendo-se ação
direta de inconstitucionalidade promovida pela Associação dos Delegados de Polícia
do Estado, e teve como relatora a i. Desa. Shelma Lombardi de Kato. Seria mais uma
decisão, entre inúmeras editadas pelo tribunal pleno, que poderia passar despercebida
se não fosse o fato de devolver, indistintamente, a todos os signatários da ordem e da
paz o sentimento de impunidade "oficializada", que atende e beneficia apenas os
"intocáveis", grupos organizados de pessoas que encomendam, friamente, homicídios
de seus desafetos, sonegam tributos em alta escala, falsificam e fraudam o que for
necessário para atingirem objetivos mercenários, além praticarem atos, modelares e em
série, de corrupção contra a Administração Pública.
A comentada decisão colegiada deverá enfrentar recursos extraordinário e especial a
serem formulados, pela Procuradoria Geral de Justiça, ao Supremo Tribunal Federal e
ao Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, por ofensa a normas constitucionais
e legais, precipuamente a Lei Orgânica do Ministério Público, porém levará o Colégio
de Procuradores de Justiça a editar nova Resolução, assim que publicado o v. acórdão,
visando adequar a atuação do GAECO aos limites do julgado, em virtude do efeito
recursal, unicamente, devolutivo.
Sem subjulgar o entendimento dos e. Desembargadores que acompanharam o voto
condutor, nem sugerir qualquer defesa de classe, a decisão, por si só, merece ser
levada à crítica popular. Isto porque, enquanto, em todos os Estados, a política de
segurança pública está voltada ao fortalecimento do Ministério Público para combater
a criminalidade difusa, em Mato Grosso, por interpretação judicial, o órgão que,
constitucionalmente. possui, entre suas funções, o controle externo da atividade
policial, a titularidade, privativa, da ação penal, inclusive podendo dispensar o
Inquérito Policial, dependeria da Polícia Civil para investigar fatos que configuram
crime, mesmo que cometidos por policiais, delegados, praças e oficiais da Polícia
Militar.
Como ensina Valter Foleto Santin (Revista da Unirondon, nº 1, 2000, pág.51-69) a
atividade de investigação criminal destina-se ao fornecimento de elementos mínimos
sobre a autoria e a materialidade do delito, para a formação da opinio delicti do
Ministério Público, o desencadeamento ou não da ação penal pública e o embasamento
para o recebimento da denúncia e concessão de medidas cautelares pelo juiz. Também
serve para embasar a queixa-crime da vítima nos crimes de ação privada ou ação penal
subsidiária. A atribuição para a realização de investigação criminal é das polícias,
especialmente a Polícia Federal, as Polícias Civis e as Polícias Militares, por crimes
federais, estaduais e militares, respectivamente. Com propriedade, salienta que o
principal obstáculo do acesso à justiça na esfera criminal relaciona-se à investigação
criminal, pelo sistema burocrático e demorado com que realizada tradicionalmente
pela polícia, quase de forma exclusiva, sendo necessária a análise da exclusividade da
polícia na investigação criminal, se as demais polícias podem investigar delitos fora da
sua área de atuação normal, se outros entes estatais extrapoliciais podem investigar e a
atuação da vítima, do indiciado e do cidadão. Destaca, assim, que os serviços de
segurança pública são obrigação do Estado, com a participação de todos, para a
preservação da ordem pública e incolumidade e patrimônio do cidadão (CF, art.144,
caput), e esses serviços destinam-se à prevenção, repressão, investigação de delitos,
vigilância e polícia de fronteiras e polícia judiciária. Esses serviços são encarados
como funções para a segurança pública. A prevenção destina-se a evitar a ocorrência
de crimes; a repressão é a pronta providência para a prisão do infrator; a investigação é
para fornecer elementos de prova para o desencadeamento da pretensão punitiva
estatal; a polícia de fronteiras é para controlar o ingresso e saída de pessoas e
mercadorias no país; a polícia judiciária é para auxiliar e cooperar com as atividades
do judiciário e do Ministério Público, no cumprimento de mandados e diligências.
Conclui-se, portanto, que as polícias não têm exclusividade na realização de
investigação criminal. O reconhecimento do monopólio investigatório da polícia não
se coaduna com o sistema constitucional vigente, que prevê o poder investigatório das
comissões parlamentares de inquérito (art.58, § 3º), o direito do povo de participar dos
serviços de segurança pública (art.144, caput), função na qual a investigação criminal
se inclui (art. 144, § 1º, I e § 4º), o acesso ao judiciário (art. 5º, XXXV), o princípio da
igualdade (art. 5º, caput e I), e sobretudo a incumbência do Ministério Público de
instaurar a ação penal, que tem como pressuposto válido a investigação criminal (art.
129, I, III e VI).
Por força do princípio e da universalização da investigação, que tem como base a
democracia participativa, a transparência dos atos administrativos, o acesso ao
Judiciário, não há "privatividade" ou "exclusividade" para investigar. No que toca à
Polícia Civil, cuja função é a de apurar infrações penais (crimes e contravenções
penais), o Código de Processo Penal não exclui que autoridades administrativas, a
quem a lei seja cometida a função de investigar (CPP, art.4º, § único), possam,
concomitantemente, desvendar fatos ilícitos.
Não é razoável que haja, no poder estatal de menor relevância, a investigação criminal,
especialmente porque a fase de investigação é facultativa para o exercício da ação
penal e acesso ao Judiciário, se a acusação possuir elementos suficientes da autoria e
materialidade do crime para embasar a denúncia penal (CPP, arts.39, § 5º e 40). A
Constituição Federal não condiciona o exercício da ação penal à realização de
investigação policial. Observe-se que ofende o óbvio a proibição do Ministério Público
investigar quanto se verifica que a Constituição Federal o incumbe, textualmente, de
promover privativamente a ação penal (art. 129, I), instaurar o inquérito civil e
promover a ação civil pública (III), expedir notificações nos procedimentos
administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para
instruí-los (VI), requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito
policial (VIII), além de exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que
compatíveis com sua finalidade (IX), dispositivos que evidenciam a possibilidade de
empreender todo o tipo de investigação (administrativa, civil ou criminal). A atuação
do Ministério Público na investigação ainda gera debates jurídicos e não está
pacificada, mas no âmbito do e. Supremo Tribunal Federal sua e. 1ª Turma decidiu. ser
"regular a participação do Ministério Público em fase investigatória", sinal da
possibilidade de investigação criminal pelo Ministério Público. Por seu turno, no e.
Superior Tribunal de Justiça, é pacífico o entendimento de que o Ministério Público
pode atuar na fase investigatória, a ponto de a questão estar sumulada: Súmula 234,
pela qual a participação de membro do Ministério Público na fase investigatória
criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da
denúncia.
Nos Tribunais Regionais Federais, principalmente da 4ª Região (RS), reconhece-se
possibilidade de denúncia com base em "investigações precedidas pelo Ministério
Público", que "pode investigar fatos, poder que se inclui no mais amplo de fiscalizar a
correta execução da lei", de modo que tal "poder do órgão Ministerial mais avulta
quando os envolvidos na infração penal são autoridades policiais, submetidas ao
controle externo do Ministério Público" (HC 97.04.26750-0/PR).
Nos Tribunais de Justiça, há julgados em São Paulo e no Rio Grande do Sul que
permitem o acompanhamento, pelo Ministério Público, dos atos de investigação ou
realização direta de diligências relevantes que não se erigem em impedimento à sua
atuação (RT 660/288), bem como que autoriza o Ministério Público a colher provas
para servir de base à denúncia ou à ação penal (RT 651/313).
Na doutrina, a atuação investigatória do Ministério Público é defendida, de forma
sistemática em normas positivas, por Valter Foleto Santin, Frederico Marques, Hélio
Bicudo, Julio Fabbrini Mirabete, Marcellus Polastri de Lima, Hugo Nigro Mazzilli,
entre outros. Em suma, todos convergem para o entendimento segundo o qual o
Ministério Público, por lei que disciplina suas funções criminais (CPP e LONMP - nº
8.625/93), pode instaurar procedimento administrativo autônomo para investigar fatos
ilícitos e seus autores, ou fazê-lo no próprio inquérito policial, através de notificações,
ou requisições de diligências, documentos e perícias, haja visto que a investigação
criminal deve ser desburocratizada e instrumentalizada de forma simples e célere, para
permitir a imediata análise do Ministério Público e a formação do convencimento
sobre o desencadeamento da ação penal ou o arquivamento do caso.
Portanto, a decisão do e. Tribunal de Justiça de Mato Grosso, proferida na ADIN que
impugna a criação e o funcionamento, serve apenas para privilegiar um sentimento
egoísta de classe, sentimento esse que, com certeza, não é unânime dentro dos quadros
da Polícia Civil do Estado. No mais, a referida decisão beneficia apenas e tão somente
a um segmento da sociedade: o crime organizado, contribuindo para que a coletividade
se sinta ainda mais desprotegida e ameaçada e passe a confiar ainda menos nos órgãos
públicos encarregados da segurança pública.
O GAECO é um órgão do Ministério Público, com estrutura material e pessoal,
incumbido de atribuições específicas que não restringem nem usurpam as funções da
Polícia Civil. Pelo contrário, une instituições públicas que tem o dever de velar, juntas,
pela segurança pública.
Acima de tudo, o GAECO tem por escopo combater organizações que praticam os
mais graves crimes na escala de repressão da lei penal. Por isso, o poder de
investigação direta pelo Ministério Público é tido como imprescindível e vital para o
êxito de ações penais a serem instaladas, a considerar-se que não há "crime
organizado" sem a efetiva participação ou favorecimento de agentes públicos, entre os
quais os policiais.
Ao Ministério Público cabe investigar, de maneira independente e autônoma, todo e
qualquer crime, principalmente aqueles que porventura não tenham sido investigados
ou solucionados pela autoridade policial. Nessas hipóteses, o Ministério Público
cumpre sua missão constitucional de defensor dos interesses sociais e individuais
indisponíveis.
É óbvio que ninguém investiga a si mesmo e, sem que haja poder de investigação
amplo e irrestrito, consagra-se mais uma homenagem à impunidade.
Como vemos, calcado de argumentos está o desabafo dos promotores públicos. E não
são quaisquer argumentos: uma fortíssima corrente doutrinária e jurisprudencial quer,
à força da aplicação da norma e do preenchimento de lacunas, instituir um sistema que
até então nos é estranho. Não sabemos se operações do tipo italiano "mãos limpas" ou
a prática da "tolerância zero" daria resultado no Brasil: sempre foi discutível a
importação de modelos alienígenas e sua adaptação aos padrões brasileiros. As
sociedades são diferentes, os panoramas distintos, as necessidades enormemente
diversas. É factível que soluções de além-mar possam indicar melhora no combate ao
crime organizado?
Num vai e vem de interpretações, emaranhados de citações e intermináveis opiniões, o
meio jurídico recebe aqui e ali indicativos pela legitimidade ou ilegitimidade do
Ministério Público para investigar. O certo é que não há lei específica.
A recente notícia, veiculada pelos órgãos oficiais do Supremo Tribunal Federal,
causou comoção no meio jurídico nacional, mais precisamente junto ao operadores
jurídicos que atuam com o direito penal e processual penal:
Turma do STF discute poderes investigatórios do Ministério Público ao julgar recurso
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal deu provimento hoje (6/5) ao Recurso
em Habeas Corpus (RHC 81326) interposto por um delegado de polícia do Distrito
Federal contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que validou atos
investigatórios promovidos pelo Ministério Público do Distrito Federal.
O delegado foi notificado por um representante do Ministério Público do DF para
comparecer ao Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade
Policial, instituído pela Procuradoria local, a fim de ser ouvido em um procedimento
administrativo investigatório supletivo.
O procedimento, segundo o policial, tem por finalidade apurar fato que, em tese,
poderia configurar crime. Contra a notificação, ele impetrou Habeas Corpus no
Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que foi indeferido. E, insatisfeito, impetrou
novo recurso, desta vez no STJ, que também o indeferiu, sob o argumento de que
"têm-se como válidos os atos investigatórios registrados pelo MP, que pode requisitar
esclarecimentos ou diligenciar diretamente visando a introdução dos seus
procedimentos administrativos para fim de oferecimento de denúncia".
O delegado, por sua vez, interpôs recurso junto ao STF com o objetivo de modificar a
decisão do STJ que reconheceu validade à requisição expedida pelo MP.
Para o relator do recurso no STF, ministro Nelson Jobim, a falta de legitimidade do
MP para realizar diretamente investigações e diligências em procedimentos
administrativos investigatórios a fim de apurar crime cometido por funcionário público
– no caso o delegado de polícia – não é controvérsia nova no meio jurídico.
Jobim fez uma regressão histórica e citou um caso de 1936, em que o, à época,
ministro da Justiça, Vicente Rao, tentou introduzir no sistema processual brasileiro o
instituto dos Juizados de Instrução. A tese foi acolhida pela comissão responsável pelo
Anteprojeto de Código de Processo Penal, mas ela, entretanto, não vingou. Na
Exposição de Motivos do Código de Processo Penal, ponderou-se pela manutenção do
inquérito policial, pois a criação dos Juizados de Instrução, que importava limitar o
poder do policial de prender criminosos, averiguar a materialidade dos crimes e indicar
testemunhas, só é praticado sob a condição de que as distâncias dentro do seu território
de jurisdição sejam fáceis e rapidamente superáveis.
"A polícia judiciária deverá ser exercida pelas autoridades policiais com o fim de
apurar as infrações penais e sua autoria, e o inquérito policial é o instrumento de
investigação penal da polícia. É um procedimento administrativo destinado a subsidiar
o MP na instauração da ação penal", destacou Jobim.
"A legitimidade histórica para a condução do inquérito policial e a realização das
diligências investigatórias é de atribuição exclusiva da polícia", lembrou Jobim. Citou
como precedente o julgamento do HC 34.887, no qual ficou claro que o Código de
Processo Penal não autoriza, sob qualquer pretexto, a substituição da autoridade
policial pela judiciária e membro do MP na investigação do crime.
O relator salientou ainda que "o controle externo da polícia concedido ao MP pela
Constituição foi regulamentado pela Resolução 52/97 do Conselho Superior do
Ministério Público Federal. Esses diplomas, no entanto, não lhes deferiram poderes
para instaurar inquérito policial. A CF/88 dotou o MP de poder de requisitar
diligências investigatórias e a instauração do inquérito policial. A norma constitucional
não completou, porém, a possibilidade do mesmo realizar e presidir inquérito policial.
Não cabe, portanto, aos seus membros inquirir diretamente pessoas suspeitas de
autoria de crime, mas sim requisitar a diligência nesse sentido à autoridade
competente. Assim decidiu a Segunda Turma no julgamento do RE 233.072".
Na ementa do julgamento - leu Jobim - ficou decidido que "o MP não tem
competência para promover inquérito administrativo em relação à conduta de
servidores públicos, nem competência para produzir inquérito penal sob o argumento
de que tenha a possibilidade de expedir notificações nos procedimentos
administrativos, e pode propor ação penal sem inquérito policial, desde que disponha
de elementos suficientes. Mas os elementos suficientes não podem ser auto-produzidos
pelo MP, instaurando ele inquérito policial".
O ministro Nelson Jobim deu provimento ao recurso e os outros ministros o
acompanharam. A decisão foi unânime
Caiu como bomba a unanimidade do entendimento do Pretório Supremo. A Corte
Constitucional concluiu, enfim, pelo encerramento do debate, determinando o
trancamento de uma ação penal, instruída com a investigação feita pelo próprio
Ministério Público. Notícias como essas, somadas às dissensões aqui e ali, fizeram
que, depois de ser declarada inconstitucional a Portaria da Procuradoria Geral de
Justiça de Mato Grosso, animassem-se os legisladores do Estado por uma lei, pondo
pedra sobre a discussão. A pressão foi enorme, a sessão foi amplamente divulgada e a
notícia de uma lei pioneira foi recebida com festa pela mídia. Eis a norma estadual:
LEI COMPLEMENTAR Nº 119, DE 20 DE DEZEMBRO DE 2002 - D.O. 20.12.02.
Cria o Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado no Estado de Mato
Grosso, e dá outras providências.
O GOVERNADOR DO ESTADO DE MATO GROSSO, tendo em vista o que dispõe
o art. 45 da Constituição Estadual, sanciona a seguinte lei complementar:
Art. 1º Fica criado, no âmbito do Poder Executivo e do Ministério Público do Estado
de Mato Grosso, o GAECO - Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado,
com sede na Capital e atribuições em todo o território do Estado de Mato Grosso.
Parágrafo único O GAECO atuará de forma integrada, funcionará em instalações
próprias e contará com equipamentos, mobiliário, armamento e veículos necessários ao
desempenho de suas atribuições e da Política Estadual de Segurança Pública.
Art. 2º O GAECO será composto por representantes das seguintes instituições:
I - Ministério Público;
II - Polícia Judiciária Civil;
III - Polícia Militar.
§ 1º O Ministério Público estará representado por Procuradores e/ou Promotores de
Justiça, designados pelo Procurador-Geral de Justiça, ouvido o Conselho Superior do
Ministério Público.
§ 2º A Polícia Judiciária Civil estará representada por Delegados de Polícia, Agentes
Policiais e Escrivães de Polícia, solicitados nominalmente pelo Procurador-Geral de
Justiça e designados pelo Diretor-Geral de Polícia Civil, ouvido o Secretário de Estado
de Justiça e Segurança Pública.
§ 3º A Polícia Militar estará representada por Oficiais e Praças, solicitados
nominalmente pelo Procurador-Geral de Justiça e designados pelo Comandante-Geral
da Polícia Militar, ouvido o Secretário de Estado de Justiça e Segurança Pública.
§ 4º Em caso de necessidade, o Coordenador do GAECO poderá, nos termos do art.
23, VIII, da Lei Complementar nº 27, de 19 de novembro de 1993, requisitar serviços
temporários de servidores civis ou policiais militares para realização das atividades de
combate às organizações criminosas.
Art. 3º O Coordenador do GAECO será um representante do Ministério Público,
nomeado pelo Procurador-Geral de Justiça.
Art. 4º São atribuições do GAECO:
I - realizar investigações e serviços de inteligência;
II - requisitar, instaurar e conduzir inquéritos policiais;
III - instaurar procedimentos administrativos de investigação;
IV - realizar outras atividades necessárias à identificação de autoria e produção de
provas;
V - formar e manter bancos de dados;
VI - requisitar diretamente de órgãos públicos serviços técnicos e informações
necessários à consecução de suas atividades;
VII - oferecer denúncia, acompanhando-a até seu recebimento, requerer o
arquivamento do inquérito policial ou procedimento administrativo;
VIII - promover medidas cautelares preparatórias necessárias à persecução penal.
§ 1º Cada integrante do GAECO exercerá, respectivamente, suas funções institucionais
conforme previsão constitucional e legal.
§ 2º Durante a tramitação do procedimento administrativo e do inquérito policial, o
GAECO poderá atuar em conjunto com o Promotor de Justiça que tenha prévia
atribuição para o caso.
§ 3º A denúncia oferecida pelo GAECO, com base em procedimento administrativo,
inquérito policial ou outras peças de informação, será distribuída perante o juízo
competente, sendo facultado ao Promotor de Justiça, que tenha prévia atribuição para o
caso, atuar em conjunto nos autos.
Art. 5º Os inquéritos policiais de atribuição do GAECO serão presididos por
Delegados de Polícia.
§ 1º O membro de Ministério Público e o Delegado de Polícia com atribuições no
GAECO zelarão para que a coleta de provas seja orientada pelos princípios da
utilidade, eficácia, probidade e celeridade na conclusão das investigações.
§ 2º Qualquer autoridade que no exercício de suas funções verificar a existência de
indícios de atuação de organização criminosa deverá enviar cópias de autos e peças de
informação ao GAECO para a tomada das providências cabíveis.
Art. 6º O GAECO terá dotação orçamentária específica, dentro da proposta
orçamentária do Ministério Público e destinação de recursos pelo Poder Executivo.
Parágrafo único Os integrantes do GAECO receberão gratificação adicional não
incorporável, correspondente a 10% (dez por cento) de seus respectivos vencimentos
fixos, durante o período de atuação no referido Grupo, observada a disponibilidade
financeira para despesa de pessoal.
Art. 7º Esta lei complementar entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as
disposições em contrário.
Palácio Paiaguás, em Cuiabá, 20 de dezembro de 2002.
JOSÉ ROGÉRIO SALLES
Governador do Estado
Não se encerrou, no entanto, a polêmica. Continuam firmes e empedernidos os
defensores e opositores do novo Ministério Público Investigativo.
Em homenagem à síntese, os defensores da legitimidade constitucional do poder
investigativo do Ministério Público usam-se dos seguintes argumentos:
a) teoria dos poderes implícitos – argumentam os arautos do Gaeco que, em respeito à
máxima latina "quem pode o mais, pode o menos", o Ministério Público que é
destinatário do inquérito policial para eventual oferecimento da denúncia, poderia, o
próprio órgão, investigar diretamente, até porque o Inquérito Policial é dispensável,
quando o Parquet reúna elemantos suficientes ao oferecimento da ação penal. Assim,
como é o Ministério Público quem vai julgar a regularidade do Inquérito Policial,
requisitando até mesmo novas diligências ou arquivando, poderia investigar ou
partilhar a investigação, em respeito ao princípio da oportunidade, da economia
processual e da eficiência, todos adequados à administração da Justiça. Teria assim,
implicitamente, poder para apurar crimes, uma vez que tem explicitamente poder para
requerer em juízo a condenação pelas mesmas infrações;
b) analogia constitucional com o inquérito cível – como não trata a Constituição da
República de Inquérito Policial, entre as atribuições do Ministério Público, em seu lido
e relido artigo 129, poderíamos tomar por base os Inquéritos Cíveis que tem por
finalidade promover o levantamento fático de uma futura ação civil pública, em que
figura tanto na presidência das investigações como na titularidade da ação, o próprio
Ministério Público, não sendo nem por isso, considerado suspeito ou tendo o seu
entendimento viciado; e se é assim, lembram também que o Inquérito, tomado como
forma de apuração de fatos criminosos, não é por si exclusividade da polícia judiciária,
muito ao contrário, há as Comissões Parlamentares de Inquérito, compostas por
membros do Legislativo, os Inquéritos Falimentares, os Inquérito Cíveis, os Inquéritos
Administrativos, como ilustrações de que a investigação não pode e nem deve estar
sob o comando único e monopolizador de uma só instituição;
c) não-vedação expressa – não é vedada expressamente a possibilidade de atuação do
Ministério Público na fase inquisitiva, nenhum dispositivo constitucional ou de
legislação infra-constitucional proíbe expressamente. Mesmo porque, o que há na
legislação é a possibilidade de acompanhar o Inquérito e os atos da autoridade policial,
dando parecer em seus requerimentos ao Judiciário, sugerindo oitivas e outros atos
administrativos;
d) fiscalização indiciária explícita – não seria por acaso que é o próprio Ministério
Público quem, não só oferece a denúncia, mas fiscaliza a Polícia. Qualquer infração
penal ou irregularidade procedimental é percebida e sanada pela ação do Parquet na
fase pré ou pós processual, tendo assim poder para, ele mesmo, promover
investigações onde julgue ter mais condições, mais aparelhamento e mais conveniência
sobretudo, do que a Polícia. Explicitamente, delegados de polícia e agentes policiais,
não estão subordinados ao Ministério Público, mas são por ele acompanhados e
fiscalizados.
Do que redunda, em conclusão, pela ótica das relevantes vozes ouvidas e outras
emprestadas em suas conclusões, que o Ministério Público teria legitimidade para
presidir ou compartilhar a investigação criminal. O coro cada dia avulta-se, somando a
ele um eco da sociedade vitimizada, carcomida pelo medo do poder paralelo, que já sai
das sombras com alguma tranqüilidade. A mídia pressiona para que o legislador
confira explicitamente esse poder, até então julgado implícito, como se o Ministério
Público fosse o último bastião da honestidade do país. E o próprio Parquet incorpora o
ímpeto salvacionista, em caricatas personagens que querem exibir uma moral de
Robespierre em atitudes franciscanas. Ou seja, uma conjunção de fatores pressionam
tanto o legislador como o glosador entender que, atuando no combate direto ao crime
organizado, pode o Ministério Público contribuir para o desmonte do poder que
reconhece apenas a força. Essa instituição promotora de justiça, também seria de
justiciamento, outro anseio popular; essa instituição garantiria a inflexibilidade da lei,
a fiscalização de seu cumprimento, a vedação de manobras oblíquas de advogados e,
mesmo, as tergiversações do Judiciário.
Espera-se demais do Ministério Público, no nosso entender. Quanto ao tema acerca da
possibilidade ou não de investigar, deveremos ouvir as considerações contrárias para
tomar partido.
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3. Fundamentos Legais e Constitucionais
Sublinhamos o que sustentará os argumentos prós e contra a investigação conduzida
ou presidida pelo Ministério Público:
Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público:
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância
pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas
necessárias a sua garantia;
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de
intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;
V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;
VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência,
requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar
respectiva;
VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar
mencionada no artigo anterior;
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial,
indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;
IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua
finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de
entidades públicas.
Art. 144 - A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é
exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do
patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
§ 1º - A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e
mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens,
serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas,
assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou
internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e
o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas
respectivas áreas de competência;
III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;
IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
§ 2º - A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela
União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento
ostensivo das rodovias federais.
§ 3º - A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela
União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento
ostensivo das ferrovias federais.
§ 4º - Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem,
ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de
infrações penais, exceto as militares.
§ 5º - Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem
pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei,
incumbe a execução de atividades de defesa civil.
§ 6º - As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva
do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos
Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
§ 7º - A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela
segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.
§ 8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de
seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.
§ 9º - A remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos relacionados
neste artigo será fixada na forma do § 4º do art. 39.
Sem juízos de valor, por ora.
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4. Argumentos Pró-Gaeco
O crime organizado ou poder paralelo, conforme a nomenclatura que se dê, cresce a
aparece. Sai das sombras para ameaçar a segurança da classe média alta e os mais
abastados. O direito criminal saiu da órbita das pequenas colunas onde se estampava
apenas nomes de incógnitos sociais para ser manchete, emergindo fatos que toda a
sociedade já sabia, mas apenas os mais pobres sofriam. O crime em si penetrou na
classe média alta e aterroriza os pais e os formadores de opinião pública, omissos
quando se tratava dos pequenos e grandes delitos nos subúrbios, nas favelas.
Mas afirmar apenas que organismos como o Gaeco (Grupo Especial de Combate ao
Criem Organizado) surgem apenas do ressentimento é extrapolar. Os Gaecos estaduais
surgem de uma legítima preocupação da vulnerabilidade da polícia ao se postar contra
um poder tão enfronhado na economia, sociedade e política. Surgiriam para firmar,
reforçar e ordenar as investigações de fatos que fogem à alçada de pontuais
investigações policiais. Trabalho de inteligência, forças-tarefa, coordenação de
esforços são atraentes justificativas para o anseio popular pelo fortalecimento dos
Gaeco.
Admitindo que os crimes dessas organizações são, em sua maioria, interestaduais ou
internacionais, aquela pequena delegacia de polícia é incapaz de chegar aos cabeças
das quadrilhas/empresas, prendendo apenas os criminosos de menor hierarquia,
geralmente executores de ordens, rapidamente substituídos por outros tantos que
vagam sem emprego no país. Isto é, enxerga pouco a polícia, esmerando-se em exibir
símbolos para as câmeras, por oportunidade de pequenas apreensões. As organizações
criminosas agradecem e pagam o preço da atividade perigosa, perdendo poucos e
desimportantes integrantes, como taxas pelas atividades. São criminosos de menor
calibre que nunca têm visão exata da própria organização que integra...verdadeiro "boi
de piranha".
* advogado criminalista em Mato Grosso, professor de Direito Penal e Processual
Penal na Universidade de Cuiabá (UNIC)
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4459> Acesso em: 29
ago. 2008.
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O Ministério Público de Robespierre. O caso polêmico