XV ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E NORDESTE e PRÉALAS BRASIL Grupo de Trabalho: GT 20: Políticas Públicas, Governo e Desenvolvimento Título do Trabalho GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL: UMA LEITURA DA SOCIEDADE CIVIL EM GRAMSCI Autores: Abelardo Coelho da Silva – Universidade [email protected] Idenilse Maria Moreira – Universidade Estadual do Ceará [email protected] Mayra Rachel da Silva – Universidade Estadual do Ceará [email protected] 04 a 07 de Setembro de 2012 UFPI, Teresina-PI Estadual do Ceará Resumo Este artigo analisa na atualidade, o papel da sociedade civil na gestão de políticas públicas junto ao Estado brasileiro, resgatando o conceito de Gramsci de sociedade civil e sociedade política. A sociedade civil no contexto neoliberal, chamada de liberalcorporativa, está inserida numa lógica atual de Estado minimizado para resolver a questão social que utiliza a relação público-privado para transferir as ações sociais para essa sociedade civil. Trata-se de uma relação classista, particularista que coloca essa mesma sociedade como instrumento político do Estado, distanciado da sociedade política, descaracterizando seu papel de difusora de valores, culturas para uma hegemonia. Dá-se nesse contexto, uma mercantilização desse espaço, em que os indivíduos são vistos apenas como consumidores e produtores, numa relação econômica privada, contrariando a visão gramsciana de um Estado ampliado. Palavras-chaves: sociedade civil, sociedade política, políticas públicas, participação. 1. A Sociedade Civil em Gramsci Desde seu aparecimento, no século XVIII, com o advento do liberalismo e suas palavras de ordem: liberdade e igualdade, a sociedade civil vem sendo conceituada e analisada, por vários pensadores da teoria política. Um deles é Antonio Gramsci, militante comunista italiano, nascido em 1891. Como pensador marxista, elaborou sua teoria política em um contexto de organização da sociedade civil na Europa, após lutas dos trabalhadores contra a exploração capitalista. A sociedade civil para Gramsci é o elemento positivo de desenvolvimento histórico para o socialismo, como pensava Marx. Mas entre os dois, existe um espaço de luta diferente dentro da sociedade. Para Marx, a sociedade civil 2 significa todo o conjunto das relações materiais, econômicas, produtivas localizado na estrutura. Para Gramsci, a sociedade civil está no âmbito da superestrutura, no espaço das idéias, costumes, culturas que atuam no mesmo espaço da sociedade política. Assim, numa visão mais ampla da sociedade civil gramsciana temos, ...Gramsci situa a sociedade civil no âmbito da superestrutura, compreendendo-a como o conjunto das organizações ou ‘aparelhos privados de hegemonia’, responsáveis pela elaboração ou difusão das ideologias, abarcando em seu interior os partidos políticos, os sindicatos, os movimentos sociais, as igrejas, o sistema escolar (escolas, universidades) e o sistema de comunicação em geral (jornais, editoras, revistas, radio, televisão). (Simionatto in Luiz, 2010: 48). Esse conjunto de organizações exerce sobre a sociedade sua hegemonia política e cultural (nível de cultura, independência mental, espírito de iniciativa e de senso de responsabilidade). Esse movimento hegemônico reúne as massas em uma só força política que gera partidos políticos, com força eficiente, com dirigentes eficazes, capacitados, de vários graus e com capacidade para ser um intelectual orgânico, aquele que possui organicidade com as massas. Esses partidos têm a missão de criar dirigentes capazes e necessários para que um grupo social definido se articule e transforme-se em exército político organicamente predisposto em um centralismo democrático, em movimento, um modo de temperar os impulsos da base com o comando da cúpula, organicidade. “Este trabalho requer uma unidade orgânica entre teoria e prática, entre camadas intelectuais (orgânicos) e massas populares, entre governantes e governados”.(Gramsci, 1968:84) Na sociedade civil, espaço do consenso e da hegemonia, se faz necessário a formação de uma vontade coletiva, com uma linha de ação coletiva para resolver problemas que a sociedade impõe e que existem premissas para resolvê-los. 3 Assim, se tem a formação de um movimento histórico coletivo com homogeneidade, mais ou menos ao longo do tempo e não com muitas explosões sintéticas imprevistas. Essa formação é essencial para os partidos (em que utopias, racionalismos abstratos têm a mesma importância que as experiências históricas). Com os partidos formados, tem-se a estandardização de grandes massas da população. Além da visão de Gramsci sobre o Estado de coerção e dominação, há sua concepção do Estado como missão educativa e formativa, “cujo fim é sempre criar novos e mais elevados tipos de civilização, adequar a ”civilização” e moralidade das mais amplas massas populares às necessidades do desenvolvimento continuado do aparelho econômico de produção, portanto elaborar também fisicamente tipos novos de humanidade.” (idem, 91) E vem seu questionamento quanto a concretização dessa missão educativa e formativa do Estado: como cada indivíduo conseguirá incorporar-se no homem coletivo? Como conseguir o consentimento de cada um, diante dessa pressão educativa? Através do direito ampliado - responde ele - que significa direito ampliado na sociedade civil, espaço de consenso, sem exercer pressão coletiva. Assim, se poderá atingir resultados positivos nos costumes, nos modos de pensar. Daí vem sua defesa à guerra de posição, a conquista de uma hegemonia civil, cultural, sem a necessidade de uma revolução permanente, violenta, de trincheiras. E esse processo hegemônico na sociedade civil significa o poder para o exercício desse mesmo poder, o chefe em política pode ser o indivíduo, um corpo político (mais ou menos numeroso). O príncipe moderno, revivido da obra de Maquiavel, é o partido político. Em todos os Estados, o chefe do Estado é o 4 partido político. No direito constitucional tradicional, o partido nem reina, nem governa juridicamente. Mas tem função hegemônica. Tem lutas por interesses dentro da sociedade civil. “e a sociedade política se entrelaça com a sociedade civil que todos os cidadãos sentem que ele (partido) reina e governa” (ibidem, 102) Assim, nessa realidade, nesse movimento, não se pode criar um direito constitucional tradicional. E sim, um sistema, no interior da superestrutura, de princípios que afirma como objetivo do Estado o seu próprio fim, o seu desaparecimento, a reabsorção da sociedade política pela sociedade civil, Estado ampliado, ampliação da sociedade civil. Dessa forma, A sociedade sem Estado, que Gramsci chama de “sociedade regulada” resulta assim da ampliação da sociedade civil, e portanto, do momento da hegemonia, até eliminar todo o espaço ocupado pela sociedade política (BOBBIO, 1999:70) É esse poder de fato, com a conquista de hegemonia em que a sociedade civil envolve a sociedade política, que cada indivíduo percebe que reina e governa, sendo assim, o protagonismo do autogoverno. 5 2. O papel da sociedade civil na atualidade A sociedade civil neoliberal, também chamada liberal-corporativa está inserida numa lógica de Estado minimizado para resolver a questão social que utiliza a relação público-privado para transferir as ações sociais para essa mesma sociedade civil. Ao nosso ver, trata-se de uma relação classista, particularista que coloca essa mesma sociedade como instrumento político do Estado, distanciado da sociedade política, descaracterizando seu papel de difusora de valores, culturas para uma hegemonia. Dá-se nesse contexto, uma mercantilização desse espaço, em que os indivíduos são vistos apenas como consumidores e produtores, numa relação econômica privada, contrariando a visão gramsciana de um Estado ampliado. Da mesma forma, percebe-se que as contradições de classe dentro da sociedade civil são negadas, vendo-a como uniforme, dócil e cooperante do Estado, negando suas lutas por uma sociedade mais justa. Isso “resulta num erro grosseiro de interpretação histórica”. (Montaño, 2008: 275). Longe de ser homogênea, a sociedade civil atual se vê segmentada por várias lutas particularistas, não conseguindo abranger uma certa hegemonia necessária para alcançar o poder, antes de exercê-lo, devido a sua heterogeneidade de instituições e intenções que habitam seu cotidiano, levando a considerar a existência da “boa e a má sociedade civil”. Segundo MAIA (2010), É preciso deixar claro que a coerção, a exclusão, a violência ou a desigualdade podem constituir qualquer sociedade civil tanto quanto aqueles valores sustentados como favoráveis à democracia. (p.154). 6 Por outro lado, essa heterogeneidade não consegue construir um projeto político coletivo. Dessa forma, a sociedade civil é um espaço ambíguo congregando todos os tipos de visões, sejam elas liberais, democráticas ou totalitárias. Longe de ser um espaço hegemônico. Nessa perspectiva neoliberal, define-se sociedade civil como terceiro setor, despolitizando suas lutas. Segundo essa visão, o terceiro setor se caracteriza como espaço segmentado de lutas particulares como negros, mulheres, pessoas com deficiência, homossexuais, etc., em que as políticas sociais (do Estado mínimo) são focais e reduzidas, não correspondendo aos direitos mais amplos e impondo a noção de cidadania como inclusão no sistema econômico de produtor/consumidor. Além disso, temos ainda nessa visão, a perspectiva de “onguização dos movimentos sociais” (Alvarez, 1999: 1-2) em que esses movimentos não se vêem como sujeitos políticos por motivos estruturais (organização e sustentabilidade financeira) sendo “representados” pelos técnicos de Organizações Não Governamentais (ONGs) que estão na arena política de debates e com relação direta com os financiadores, seja o Estado, sejam as organizações internacionais que deliberam o público e a metodologia do trabalho dessas entidades. Na nossa visão, esse mundo complexo que é a sociedade civil atual, não abre perspectivas para uma possível hegemonia que possa influenciar na sociedade política, suas política e cultura, como teorizava Gramsci. É uma forma vária de interação/compensação do Estado mínimo e o mercado, às vezes, se 7 confundindo com o último, não se caracterizando como “lutas para preservar e ampliar as conquistas históricas dos trabalhadores, garantidas no âmbito do Estado”. (Montaño, 2008: 278). 3. A gestão das políticas públicas no Brasil: Redescobrindo a sociedade civil A heterogeneidade da sociedade civil brasileira provoca uma série de valores antagônicos à construção de uma cultura política hegemônica, em que a sociedade política e sociedade civil se fundiriam em um Estado ético, segundo Gramsci. As várias associações e instituições existentes possuem valores diversos, intenções diversas, culturas diversas que não reforçam a democracia. Antes de tudo, o individualismo e a liberdade negativa do liberalismo clássico, impõem suas visões nesse ambiente neoliberal velado da atualidade. Segundo Nabuco (2000), aconteceu no Brasil escravocrata do século XIX, o governo personalista devido ao centralismo de poder no imperador. O sistema representativo era “um enxerto de formas parlamentares num governo patriarcal”, tendo os representantes, preocupação com seus interesses pessoais e os de suas famílias. Isso fez com que estivessem em seus postos e não para a construção de um projeto comum para o país. Era o interesse do privado suplantando o interesse público. “Um povo que se habitua a ela (escravidão) não dá valor à liberdade, nem aprende a governar-se a si mesmo”, gerando uma indiferença política o que permitia uma monarquia absoluta, governos autoritários, personalistas, sob a bandeira da democracia. Ficava clara a concentração de poder nas mãos de uma elite que só se preocupava com os seus interesses privados. O povo brasileiro não tinha nenhuma capacidade cívica para a participação política. 8 Algumas experiências de gestão e participação política estão acontecendo no Brasil, após a Constituição Federal de 1988. Práticas como plebiscito, referendo e iniciativa popular, estão inscritas na Carta Magna. O processo “democrático” em que passa o país, permite a participação individual através do sufrágio universal obrigatório, embora seja facultativa para os analfabetos, os maiores de setenta anos e os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos. Os conselhos gestores de políticas públicas são, da mesma forma, experiências progressistas, evolutivas no ponto de vista da gestão democrática e paritária. Esses exemplos requerem uma reflexão sobre a sociedade civil brasileira atual, pois ela precisa ser protagonista na democratização da gestão pública. Será que estamos, como na época de Nabuco, com a sociedade civil velada, quase inexistente, com a gestão compartilhada por uma elite escravocrata, centralizadora de poder? Atualmente, a sociedade civil brasileira não está tão diferente da época de Nabuco. O aprender a “governar-se por si mesmo” continua sendo um aprendizado, longe de se caracterizar como um processo educativo da sociedade civil por uma política de autogoverno, com poder de articulação dentro do Estado, como pensava Gramsci. Assim, O que interessa a Gramsci, portanto, não é tanto a consistência do aparelho de Estado ou o vigor econômico de grupos privados, mas a criatividade e a articulação entre as diversas associações da sociedade civil, com os indivíduos aprendendo a política do autogoverno e a gestação de valores democráticos. (SEMERARO, 1999:70) Mas, com a redemocratização do país em 1985, a sociedade brasileira está emancipada a ponto de ser protagonista na gestão das políticas públicas? As elites estão mais flexíveis e abertas a um projeto comum para o país? 9 Temos, então a Teoria da Elite que representa um grupo seleto de pessoas que detém o poder e determinam as políticas públicas sem grande oposição da sociedade. Segundo Mendes (2010), essa teoria é a mais válida para explicar as articulações entre políticas públicas e poder no Brasil atual. Assim, ...é possível compreender alguns dos vieses elitistas e excludentes dessas políticas, apreendidas como reflexos de um Estado centralizador e de uma sociedade civil fragilizada e, ainda, com pouca influência sobre os processos de instituição e de implementação de políticas públicas...(p. 15) O autor retrata, mesmo que indiretamente, pouca formação política e técnica dos representantes da sociedade civil para essa vivência, o que fragiliza a eficácia dessa gestão, contribuindo pouco para a consolidação de uma participação política efetiva na gestão do Estado brasileiro. Mesmo com a “presença” da sociedade civil em sua estrutura, esses espaços formais de gestão de políticas públicas são atrelados a uma elite que convive, ainda, dentro de uma cultura do Estado brasileiro: clientelista, privatista e patrimonialista1, muito diferenciado do Estado com função ética, educativa que faria crescer na sociedade civil, a responsabilidade e a socialização do poder em um ambiente de igualdade e liberdade como pensava Gramsci. É um desafio atual, na sociedade civil brasileira, tentar quebrar essa cultura, buscando ser uma contracultura. Para a concretização de uma justiça social, necessária se faz a participação paritária qualitativa (não apenas quantitativa) dos setores organizados da sociedade civil e governo visando o bem comum. 1 Segundo (Holanda: 1995: 146), para o “o funcionário “patrimonial”, a própria gestão política apresenta-se como assunto de seu interesse particular; as funções, os empregos e os benefícios que deles aufere relacionam-se a direitos pessoais do funcionário e não a interesses objetivos ...” 10 Quanto à idealização de liberdade e igualdade no processo de participação para governar-se a si mesmo, a desigualdade social e econômica no Brasil é gritante. A concentração de renda, uma das maiores do mundo, gera desigualdade regional, econômica e social. Pessoas em extrema pobreza somam 16,2 milhões de pessoas, sendo 59% na região Nordeste, contra 17% na região Sudeste; 26% dos brasileiros em extrema pobreza são analfabetos (BRASIL, 2011). O Brasil tem o terceiro pior Índice de Gini do mundo — que mede o nível de desigualdade e, quanto mais perto de 1, mais desigual — com 0,56, empatando nessa posição com o Equador2. Quanto ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) que se baseia em dados de expectativa de vida, escolaridade, expectativa de escolaridade e renda média, o Brasil ocupa a 84ª posição entre 187 países analisados pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento)3. O país ficou classificado como de “Desenvolvimento Humano Elevado”, embora outros índices contradigam esse termo. Além desses indicadores e índices, temos a realidade na proposição e instituição de políticas públicas, no Brasil, revelada pela Teoria da Elite moderna que demonstra o poder de um grupo seleto e elitizado de influenciar demasiadamente nessas políticas. (idem, 2010). Os autores afirmam: 2 http://processocom.wordpress.com/2010/07/27/onu-brasil-tem-3%C2%BA-pior-indice-de-gini-domundo/ pesquisado em janeiro de 2012.. 3 http://g1.globo.com/brasil/noticia/2011/11/brasil-ocupa-84-posicao-entre-187-paises-no-idh2011.html pesquisado em janeiro de 2012. 11 Essa elite dominante é capaz de propor e instituir políticas públicas sem, necessariamente, enfrentar oposição significativa de grupos sociais menos influentes no sistema político. (idem, p. 14) Essa realidade, sem dúvida, se reflete no espaço de gestão de políticas públicas no Brasil. A concentração de renda e de poder de decisão nas instâncias de gestão do Estado brasileiro tem a função de desencantar a sociedade civil enquanto protagonista no processo de desenvolvimento de políticas públicas4. 4. Considerações finais Diante dessa análise, podemos perceber que a gestão de uma política pública requer uma igualdade política, econômica e moral entre os indivíduos e não somente a jurídica. Seria uma utopia gramsciana pensar que o Estado neoliberal da atualidade represente um papel educador da sociedade civil respeitando sua liberdade e reforçando-a para o exercício do poder hegemônico. Principalmente, por essa sociedade civil ser multifacetada, que na época de Gramsci estava se fortalecendo através do nascimento de partidos e lutas operárias na Itália. Atualmente, há lutas cotidianas, conflituosas e de diversos matizes para que os indivíduos sejam respeitados enquanto cidadãos, com identidades e multiplicidades valorizadas, com ação cívica provindo de todas as camadas da sociedade e, suas reivindicações serem ouvidas e debatidas dentro uma estrutura elitista com pautas politicamente definidas ao seu interesse. Nos conselhos gestores, arena da gestão das políticas públicas, a igualdade entre membros da sociedade civil e da governamental, não existe, 4 Segundo Polis (2006), as fases para o desenvolvimento de uma política pública, são: 1. a identificação de uma questão a ser resolvida, ou um conjunto de direitos a ser efetivado, a partir de um diagnóstico do problema; 2. a formulação de um plano de ação para o enfrentamento do problema; 3 a decisão e a escolha das ações prioritárias; 4. a implementação (por meio de leis e procedimentos administrativos) e 5. a avaliação dos resultados alcançados. 12 porém, a sociedade civil tem buscado integrar interesses individuais com a gestão que provenha as necessidades de todas as pessoas. Uma outra percepção é a falta da cultura da formação cidadã aos brasileiros. A sociedade brasileira em que o senso comum compreende cidadania com acesso à renda e ao consumo, compromete muito uma participação/gestão mais qualitativa e igualitária nos conselhos gestores. Essa visão recortada da cidadania impede perceber que, As concepções acerca da cidadania se tecem por múltiplas significações e se apresentam como um dos temas mais complexos nas ciências sociais. Na origem o conceito simboliza a igualdade jurídica entre os indivíduos e o fim dos privilégios legados pelo absolutismo com a subordinação do governo à soberania popular. Em princípio, a cidadania confunde-se com os direitos contratuais que o povo estabelece com o Estado, devendo este último ser o seu representante legítimo. (CHAUÍ apud TEIXEIRA, 2007, p. 20) Ainda temos que superar muitos obstáculos para que nossa participação/gestão seja realmente uma ação de concretização de políticas para o bem comum. Ainda existem relações tradicionalistas, corporativas, individualistas, partidárias, econômicas muito fortes. Os grupos estão em permanente conflito, porém em uma arena injusta e desigual em todos os níveis. Nossa democracia representativa ainda vê com desconfiança a participação direta da sociedade civil, preferindo utilizar o termo participação semidireta, como forma de evitar que a minoria representativa no poder executivo, perca seu poder de implementar, gerenciar e administrar as políticas públicas do Estado brasileiro. Para Ropelato (2008), uma categoria com peso considerável para a promoção de uma participação mais cívica, é a fraternidade, valor defendido desde a Revolução Francesa, e que oferece uma redefinição de um laço social. A 13 conotação desse laço é garantir a identidade específica de cada um, com a defesa de seus direitos. Assim, Do ponto de vista político, a fraternidade coloca-se, antes de mais nada, como princípio de construção social, no qual o outro – se podemos definir-nos irmãos – não é diferente de mim, mas outro eu mesmo. (idem, p.103) É notório que estamos con-vivendo com uma pseudogestão compartilhada entre sociedade civil e sociedade política. Essa ilusão da gestão compartihada é necessária para que percebamos a necessidade de concretizarmos um pacto civilizatório de gestão mais democrática, com liberdade, igualdade e fraternidade em seu termo mais amplo. Assim, poderemos buscar um processo hegemônico cultural para uma sociedade sem coerção e desigualdades. 14 Bibliografia ALVAREZ, Sonia. Advocating Feminism: The Latin América Feminist NGO ‘Boom’. International Feminist Journal of Politics. 1999. BOBBIO, Norberto. Ensaios sobre Gramsci e o conceito de sociedade civil. São Paulo. Paz e Terra, 1999. BRASIL. Plano Brasil sem Miséria. Brasília, 2011 GRAMSCI, Antonio. Maquiavel – A Política e o Estado Moderno. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968. HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 26ª edição. São Paulo. Companhia das Letras, 1995. MAIA, Rousiley C. M. O Papel Democrático da Sociedade Civil em Questão. Revista Lua Nova. N.81, São Paulo, 2010. MENDES et all. Políticas Públicas, Desenvolvimento e as Transformações do Estado brasileiro in Políticas Públicas e Indicadores para o Desenvolvimento Sustentável. SILVA; SOUZA-LIMA (orgs). São Paulo, Saraiva, 2010. 15 MONTAÑO, Carlos. Terceiro Setor e Questão Social: crítica ao padrão emergente de intervenção social. 5ª edição. São Paulo. Cortez, 2008. NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo. São Paulo. Publifolha, 2000 POLIS – INSTITUTO DE ESTUDOS, FORMAÇÃO E ASSESSORIA EM POLÍTICAS NACIONAIS. Repente, n.26, dez 2006. Disponível em: www.polis.org.br/obras/arquivo_255.pdf. Acesso em maio 2012. ROPELATO, Daniela. Notas sobre Participação e Fraternidade in O Princípio Esquecido – A Fraternidade na reflexão atual das ciências políticas. BAGGIO, Antônio Maria (orgs.). São Paulo, Cidade Nova, 2008. SEMERARO, Giovanni. Da sociedade de massa à sociedade civil: A concepção da subjetividade em Gramsci. Revista Educação&Sociedade. Ano XX. n. 66, Abril 1999. SIMIONATTO, Ivete. Razões para continuar utilizando a categoria sociedade civil in LUIZ, Danuta E. Cantoia (org). Sociedade Civil e Democracia – Expressões Contemporâneas. São Paulo, Veras Editora, 2010. TEIXEIRA, Alberto. Informação, Ação-Cidadã e Transparência: fortalecimento a Democracia. Fortaleza, Fundação Konrad Adenauer, 2007. 16