GUERRA DE POSIÇÃO E GUERRA DE MOVIMENTO Giuseppe Vacca Professor de História das Doutrinas Políticas na Universidade de Bari e Diretor do Instituto Gramsci de Roma O conceito de “guerra de posição” faz parte da teoria da hegemonia e responde à exigência de definição das características históricas novas da luta política no mundo depois da Grande Guerra e da Revolução de Outubro. “A passagem da guerra manobrada à guerra de posição”, afirma Gramsci, surge “como a questão de teoria política mais importante colocada pelo período do pós-guerra e a mais difícil de ser resolvida corretamente”. A “revolução em dois tempos”, ele havia afirmado no final dos anos vinte num célebre artigo do Ordine Nuovo (Due Rivolucioni), isto é, a conquista do Estado numa batalha campal definitiva e o empenho da maquina estatal para transformar coercitivamente a sociedade, não pode se constituir no arquétipo da revolução proletária. A Revolução de Outubro, portanto, era considerada a última revolução do século XIX. A passagem na qual o conceito de “guerra de posição sob o terreno político” é formulado da maneira mais expressiva faz referência – da mesma forma quando Gramsci enuncia a concepção de hegemonia – à disputa que havia contraposto Lênin (tática da “frente única”) a Trotski (teoria da “revolução permanente”) a respeito dos modos de se desenvolver a luta revolucionária depois do “grande ato metafísico” de Outubro. “Parece-me que Ilitch havia compreendido – afirma Gramsci no Quaderno n. 7 – que havia ocorrido uma mudança da guerra manobrada, vitoriosamente aplicada no Oriente em 1917, para a guerra de posição, que era a única possível no Ocidente. (...) No Oriente, o Estado era tudo, a sociedade civil era primitiva e gelatinosa; no Ocidente, havia uma justa relação entre Estado e sociedade civil e, diante dos abalos do Estado, podia-se divisar imediatamente uma robusta estrutura de sociedade civil. O Estado era apenas uma trincheira avançada, por trás da qual se situava uma robusta cadeia de fortalezas e casamatas; isso se podia ver, mais ou menos, de Estado para Estado, mas esta observação exigia um acurado reconhecimento de caráter nacional”. A passagem é densa de referências históricas e de reminiscências teóricas nas quais se pode captar as palavras “hegemonia”, “revolução passiva”, “americanismo”, “intelectuais”. Aqui gostaria de chamar a atenção apenas sobre um ponto. A distinção entre Oriente e Ocidente retoma um tema que já havia estado no centro da elaboração alcançada nas Teses de Lion. Ela enfatiza as características da relação entre produção e política na sociedade capitalista desenvolvida e esclarece sobre a impossibilidade de se conceber a revolução socialista no Ocidente como um processo “puramente político”. “Nos países de capitalismo avançado – afirmou Gramsci no seu relatório de agosto de 1926 ao Comitê Central – a classe dominante possui reservas políticas e organizativas que não possuía, por exemplo, na Rússia. Isto significa que também as crises econômicas gravíssimas não têm imediata repercussão no campo político. A política está sempre atrasada e bastante atrasada em relação à economia. O aparelho de Estado é muito mais resistente do que se pode imaginar e, com êxito, é capaz de organizar, nos momentos de crise, forças fiéis ao regime muito além do que a profundidade da crise deixaria supor”. Desenvolvendo a distinção entre Oriente e Ocidente, no Quaderno 13 (Noterelle sulla politica del Machiavelli), Gramsci chega a um enunciado teórico de valor geral a respeito das relações entre política e economia. No celebérrimo parágrafo 17, Rapporti di forza: analisi delle situazioni, à pergunta “se as crises históricas fundamentais são determinadas imediatamente pelas crises econômicas”, ele responde: “pode-se excluir que, por si mesmas, as crises econômicas imediatas produzam eventos fundamentais; podem apenas criar um terreno mais favorável à difusão de determinados modos de pensar, de pôr e de resolver as questões que envolvem todo o curso subseqüente da vida estatal”. A importância do conceito de “guerra de posição” se afirma então como o ponto de chegada e de máxima generalização do raciocínio. Este modo de desmontar teoricamente o economicismo pode ser considerado o aspecto de maior originalidade da tradição comunista italiana e também a diferença mais evidente em relação às outras correntes do movimento comunista e socialista internacional. (Publicado em VVAA, Antonio Gramsci – le sue idee nel nostro tempo. Roma: Roma: Editrice L'Unità, 1987, p.101-102). A REVOLUÇÃO PASSIVA EM GRAMSCI Luisa Mangoni Professora de História da Itália do Século XX na Universidade de Veneza O conceito de revolução passiva permite captar, de maneira exemplar, tanto o método de trabalho quanto a relação entre paradigma interpretativo e exemplificações históricas em Gramsci. Ele nasce, antes de tudo, da focalização de um período preciso: o Risorgimento italiano. No 1o Quaderno1[1], datado de 1929/30, Gramsci observa que a análise da política dos moderados permite distinguir o Risorgimento como um caso específico de “revolução sem revolução” ou de “revolução passiva”, como ele precisa melhor num acréscimo posterior (p.41). Posteriormente, este critério histórico-político foi aferido e detalhado como possível interpretação da assim chamada Era da Restauração, mas com a advertência de que se trata de uma questão historicamente complexa, não resolvível “com base em esquemas sociológicos abstratos” (p.134). Nesta fase o conceito de revolução passiva se expressa mais analiticamente, tendo como base as seguintes passagens: 1) Revolução Francesa e transformação violenta das relações sociais políticas na França; 2) oposição européia; 3) guerra da França contra a Europa; 4) embates nacionais e formação dos Estados modernos europeus por meio de pequenas ondas reformistas, caracterizadas pela combinação de lutas sociais, intervenções “do alto” e guerras nacionais. É esta última passagem que fixa a Era da Restauração como era da revolução passiva, isto é, como aquela “forma política na qual as lutas sociais encontram cenários bastante elásticos, de forma a permitir que a burguesia ascenda ao poder sem rupturas clamorosas”(p.134). Entre 1930 e 1933, a hipótese de trabalho revela futuras potencialidades explicativas em relação ao problema, suscitando analogias entre o período histórico posterior à queda de Napoleão e aquele que sucede à guerra de 1914 a 1918; em outras palavras, a idéia de revolução passiva passa a ser concebida também em seu significado “atual”, passa a ser, por exemplo, um possível critério de interpretação histórica do fascismo (p.1209). Em 1933, o conceito de revolução passiva vem, hipoteticamente, indicado como chave interpretativa de “toda época complexa de transformações históricas”(p. 1827). As passagens internas do raciocínio seguido por Gramsci, a cautela expositiva que privilegia hipóteses interpretativas ao invés de esquemas generalizantes, induzem a caracterização de um procedimento circular: de um fenômeno definido como um paradigma interpretativo mais geral que, por sua vez, deve ser verificado concretamente à luz de específicas exemplificações históricas. Este método de trabalho comporta uma progressiva articulação da mesma hipótese inicial. Dado que o caso exemplar de revolução passiva é aquele no qual se dá “uma combinação de forças progressistas escassas e insuficientes por si mesmas ... com uma situação internacional favorável à sua expansão e vitória” (p.1360), derivam-se dai algumas conseqüências relevantes. Assim, a complexa realidade política que está contida na ‘expressão metafórica’ de Restauração não pode ser lida como puro processo de conservação, a partir do momento que detrás do aparente imobilismo de uma ‘envoltura política’ ocorre, na realidade, uma transformação molecular das ‘relações sociais fundamentais’ (p.1818). São evidentes as implicações de uma análise desta natureza no que se refere às interpretações do fascismo, e não apenas dele. Além disso - e como conseqüência -, Gramsci sublinha o perigo de transformar a revolução passiva em programa “porque a impostação geral do problema pode levar a um fatalismo”(p.1827): a dialética conservação-inovação, que “na linguagem moderna se chama reformismo” (p. 1325), uma vez assumida como programa pode também determinar uma espécie de “derrotismo histórico” e, portanto, “mitigar o advento de uma antítese vigorosa” (p.1827). Fórmulas como aquelas usadas, por exemplo, por Croce - “o mundo segue em frente...” - contribuíram inclusive para convencer a respeito da inelutabilidade de um processo histórico e agregar em torno disso um consenso passivo, determinando uma espécie de renúncia fatalista à luta. (Publicado em VV.AA., Antonio Gramsci: le sue idee nel nostro tempo, Roma: Editrice L'Unità, 1987, pp.129-130. Versão para o português em Ensaios de História, UNESP, Franca, v.01, n.02, 1996, p.143-146). 2[1] Aqui a autora se refere à obra que Gramsci escreveu na prisão, cuja edição crítica foi publicada pela editora Einaudi, de Turin, em 1975, aos cuidados de V. Gerratana, sob o título geral de Quaderni del Carcere