Folha de S. Paulo/BR, 06 de março de 2010
STF
Defesa da democracia
OPINIÃO
O Supremo Tribunal Federal deve determinar intervenção no DF?
SIM
ANTONIO CARLOS BIGONHA
APESAR DE excepcional e inédita desde que foi restabelecido o regime democrático no Brasil, a intervenção federal, prevista na Constituição de 1988,
tornou-se imprescindível no atual cenário político de
Brasília.
Embora não se possa, sob nenhum preceito, desautorizar o Parlamento como lugar próprio ao debate democrático, é preciso impedir que a
criminalidade instale-se nos mais altos postos do governo e impeça, com fundamento em normas
inconstitucionais,aresponsabilizaçãocriminal deautoridades políticas.
Com a prisão do governador afastado José Roberto
Arruda, decretada pelo Superior Tribunal de Justiça, a renúncia do vice-governador, Paulo Octávio, e
o envolvimento de deputados distritais no esquema
de corrupção, a crise no governo do Distrito Federal
atingiu seu ponto máximo.
Vale lembrar que, até o momento da decisão do STJ
de prender o governador e o pedido de intervenção federal, feito pelo procurador-geral da República,
Roberto Gurgel, ao Supremo Tribunal Federal, a
Câmara Legislativa não havia tomado nenhuma providência no sentido de investigar as denúncias contra
os acusados.
Diante desse quadro, a intervenção tornou-se ainda
mais urgente e necessária como a única medida eficiente para devolver a normalidade administrativa e
a governabilidade ao Distrito Federal.
Embora drástica, a medida é em favor do Distrito Federal, e não o contrário. O que se busca, portanto, é a
volta da normalidade e a continuidade da gestão pública, com isenção e serenidade, além da apuração da
responsabilidade dos envolvidos e a punição dos culpados.
A medida constitucional, prevista entre os artigos 34
e 36, consiste na incursão da entidade interventora
nos negócios da entidade que a suporta, ou seja, significa que o ente federado (Estado, Distrito Federal
ou município) perde a sua autonomia e a capacidade
de tomar decisões administrativas, de gerir bens e serviços. A administração dos negócios daquele que sofre a intervenção é transferida ao interventor, que
passa a administrar e a comandar a unidade federativa.
No caso do Distrito Federal, portanto, a administração passaria à União, que a exerceria por
meio de um interventor, que seria um representante
da União à frente do governo do Distrito Federal.
O que o Ministério Público pretende com a intervenção no Distrito Federal é moralizar a administração do seu governo, pondo fim à violação de
princípios constitucionais sensíveis, como a forma
republicana, o sistema representativo e o regime democrático, afrontados em decorrência dos graves
atos de corrupção apurados pela Polícia Federal.
É importante alertar que a intervenção não é uma
ação simples. Uma vez entregue o pedido, o presidente do STF requisita informações sobre os fatos
narrados ao governo do Distrito Federal. Prestadas as
informações, o ministro Gilmar Mendes dará seu
parecer e submeterá o processo à corte. Isto é, o processo é julgado pelo voto de todos os ministros do
STF.
Julgada procedente a representação interventiva e de-
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STF
Continuação: Defesa da democracia
cretada a intervenção pelo presidente da República, a
administração do Distrito Federal passaria, então,
momentaneamente, à União e seria exercida por um
gestor nomeado. O governo temporário deve ter prazo certo e limites bem definidos por decreto do presidente Lula.
Com isso, seria retomada a normalidade institucional
e se instalaria um ambiente de serenidade, a permitir a
correta apuração dos fatos, sem prejuízos para a administração do Distrito Federal e para o povo de Brasília.
A ANPR defende a ação como única forma de garantir a governabilidade, após os atos de corrupção
envolvendo representantes dos Poderes Executivo e
Legislativo do Distrito Federal.
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Decretar a intervenção é restabelecer a normalidade
institucional da capital federal, além de resguardar o
princípio republicano e o regime democrático.
ANTONIO CARLOS BIGONHA , 45, é procurador regional da República da 1ª Região e presidente da Associação Nacional dos Procuradores da
República (ANPR).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a
opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências
do
pensamento
contemporâneo.
[email protected]
(Opinião/ A3)
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STF
(continuação de: Defesa da democracia)
Medida excepcional
OPINIÃO
O Supremo Tribunal Federal deve determinar intervenção no DF?
NÃO
CARLOS VELLOSO
A UNIÃO , os Estados, o Distrito Federal e os municípios, todos autônomos, compõem a República
Federativa do Brasil, ou a União em sentido total. Estados, Distrito Federal e municípios detêm capacidade de auto-organização, autogoverno e
autoadministração, característica fundamental da Federação. Há mecanismos que tornam efetivo o
equilíbrio federativo, e o mais doloroso deles é a intervenção federal nos Estados e no Distrito Federal.
Trata-se de instituto próprio do Estado federal, para
nele desempenhar a função estabilizadora do complexo ordenamento federativo, remédio para manifestações patológicas, casos extremos de tumores
malignos no organismo federal (Raul Machado Horta). Por isso, ela constitui medida excepcional,
anormal, que impede, enquanto vigente, que a Constituição seja emendada.
Há hipóteses em que o presidente da República decreta a intervenção por iniciativa própria -por exemplo, para manter a integridade nacional.
Em casos outros, mais complexos, o constituinte foi
cauteloso e estabeleceu que o presidente somente poderia fazê-lo por requisição do Supremo Tribunal
Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do
Tribunal Superior Eleitoral: 1) para garantir o livre
exercício dos Poderes nas unidades da Federação. Se
a coação for exercida contra o Judiciário, a intervenção dependerá de requisição do Supremo; 2)
para prover a execução de lei federal, ordem ou deSTF.empauta.com
cisão judicial. Tratando-se de execução de lei federal, a requisição será do Supremo. Em caso de
desobediência a decisão judicial, requisição do STF,
do STJ ou do TSE; 3) para assegurar a observância
dos princípios constitucionais sensíveis, como, a forma republicana, o sistema representativo e o regime
democrático, caso em que a intervenção dependerá
de provimento pelo STF de representação do
procurador-geral da República. Provida a representação, o Supremo requisitará a intervenção ao
presidente da República. Dispensada a apreciação pelo Congresso, o decreto limitar-se-á a suspender a
execução do ato impugnado, se essa medida bastar ao
restabelecimento da normalidade. Se não bastar, será
decretada a intervenção, devendo o ato ser submetido à apreciação do Congresso em 24 horas.
No caso do Distrito Federal, o pedido é este: assegurar a observância da forma republicana, do sistema representativo e do regime democrático.
Ora, é fácil perceber que não estaria ocorrendo, no
Distrito Federal, desrespeito à forma republicana de
governo. A Assembleia e o Executivo não editaram
lei que estivesse, por exemplo, adotando princípios
da forma monárquica de governo, violador do voto
direto, universal e periódico ou ofensivo ao princípio
da separação dos Poderes.
O certo é que os Poderes locais funcionam regularmente. O governador foi afastado do cargo por
ordem do Judiciário. A sucessão constitucional
ocorreu normalmente. Forma republicana de governo, sistema representativo e regime democrático
estão sendo praticados regularmente. As acusações
contra os agentes políticos estão sendo apuradas tanto pelo órgão político quanto pelo Judiciário.
Pretender a intervenção tão só porque há acusações
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STF
Continuação: Medida excepcional
contra agentes políticos é ir longe demais, é buscar
precedente perigoso para o regime democrático e danoso ao sistema federativo. De outro lado, acolhida a
representação, qual seria o ato impugnado que seria
suspenso pelo presidente da República, preliminar
do decreto de intervenção? Teríamos, ademais, sob o
pálio da Constituição de 1988, a primeira intervenção federal numa unidade federativa.
Supremo Tribunal Federal, dirá a palavra final.
Alguns tomam partido em favor da intervenção, ao
argumento de que o Distrito Federal não deveria ter
status de ente federativo. Concordo com a objeção. O
Distrito Federal deveria ser considerado município
neutro, com prefeito e Câmara de Vereadores. Acontece que a Constituição conferiu-lhe a condição de entidade federativa. E cumprir a Constituição é dever
fundamental das instituições políticas e da cidadania.
A corte que a Constituição fez seu guardião maior, o
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a
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do
pensamento
contemporâneo.
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CARLOS MÁRIO DA SILVA VELLOSO , 74,
professor emérito da UnB (Universidade de Brasília)
e da PUC-MG (Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais), foi presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). É autor do livro "Temas de Direito Público".
(Opinião/ A3)
pg.5
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