UNIVERSIDADE DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO PROVA ESPECIALMENTE ADEQUADA A AVALIAR A CAPACIDADE DE MAIORES DE 23 ANOS PARA A FREQUÊNCIA DE CURSOS SUPERIORES DA UNIVERSIDADE DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO PROVA ESPECÍFICA DE PORTUGUÊS 2012 Duração:1h:30m. Tolerância: 30 minutos. 30/junho/2012 PARTE I INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Leia atentamente o texto abaixo transcrito. «Itália visitou Auschwitz com um sobrevivente que comoveu Buffon. História de vida e morte de Modiano[.1] 5 10 15 O sapatinho é de fivela. Pertenceria a uma menina que não teria mais de três anos quando aqui entrou. Está gasto e coçado, mas preserva o azul e o amarelo que o coloria[m]; recorda-nos que isto aconteceu não há muito, como num filme a preto e branco. O Holocausto é recente e está neste amontoado de sapatos, naquele molho de próteses e, acolá, nas toneladas de cabelos humanos usados para fazer mantas. E vive nesta rosa vermelha, fresca, posta em cima da fotografia de Traska Jerzy, nascido a 5 de maio de 1911, aprisionado a 25 de fevereiro de 1941 e assassinado a 8 de abril de 1942. Em Auschwitz. Dois anos depois, os nazis trouxeram para aqui um miúdo de 13 anos chamado Samuel Modiano para morrer. 68 anos depois, Samuel continua a voltar aqui para contar a sua história de sobrevivência a quem o quer ouvir. Hoje, seis de junho de 2012, são os 23 jogadores da seleção italiana que o ouvem. Não vou nomeá-los todos mas vejo que a visita a Auschwitz não lhes está a ser fácil, como se todos os egos perfumados, ornamentados, penteados e barbeados ao milímetro encolhessem um pouco mais a cada Bloco em que entram. Estarão conscientes do triste papel da Itália na II Guerra Mundial? Bom, Gianluigi Buffon (Juventus), Andrea Pirlo (Juventus), Nocerino (AC Milan), De Rossi (Roma), Chiellini (Juventus) e Balotelli (Manchester City) estão incomodados com o que veem e com o que escutam da boca de Samuel Modian[o]. […] Modian[o] abre a boca e lá de dentro sai uma história horrível de uma criança que perdeu tudo e sobreviveu porque [a] julgaram mort[a] em Birkenau. 20 A rampa da morte 25 30 35 Samuel pede-me que o trate pelo diminutivo. […] Altíssimo, cabelo ralo grisalho, com um quipá[2] azul escuro sobre a cabeça, Sami está lacrimejante. A memória não o atraiçoa. Nasceu na Ilha de Rodes quando esta era italiana e aos 13 anos foi levado de barco para Auschwitz. “Foi um mês de viagem até à rampa da morte. Éramos 3500 hebreus italianos e[,] em seis ou sete meses, mataram ou morreram quase todos. No final, éramos apenas 151: 31 homens e 120 mulheres.” E[,] se os “soviéticos” tivessem demorado mais uma semana, não sobraria uma alma. “Eu vivi porque me tomaram por morto. Cheguei com a minha família e fiquei só no mundo.” Auschwitz 1 era o purgatório; Auschwitz 2, Birkenau, o inferno. “Ouvia os gritos das pessoas que iam levar com o gás. Ainda hoje as oiço. É o pior que se pode ver na raça humana, uma total falta de respeito pelo outro. Nós, hebreus, éramos os animais de estimação.” Ao longe, vê-se a vivenda onde Rudolf Höss, o primeiro comandante nazi de Birkenau, vivia com a mulher e os filhos; ali ao lado, está a forca construída para o pendurar quando foi preso. […] “Era um homem terrível. Aliás, eram homens terríveis. Espancavam o que viam pelo simples prazer de que o podiam fazer, não estava ninguém lá para os impedir. Só me perguntava a mim próprio: ‘Porquê eu?’” Logicamente, não encontrou resposta. Vidas em jogo 40 1 2 A visita prossegue em silêncio e num passo apressado para não empatar ninguém[,] [p]orque mais tarde chegaria a comitiva da seleção da Holanda, encabeçada por Van Bommel, o capitão, e Van Marwijk, o selecionador, ambos vestidos à civil, com uns sapatos castanhos de camurça imaculados – e nunca antes calçados, a julgar pela dificuldade com que andaram neles. Dias antes[,] fora a vez da Alemanha, que surgira só com três jogadores – Lahm, o capitão, Podolski e Klose [, nascidos estes dois últimos na Polónia,] – e elementos O itálico é da nossa responsabilidade. “Pequeno barrete em forma de circunferência usado por alguns judeus para cobrir o alto da cabeça.” 1/4 45 50 55 do staff,[3] provocando a ira do mundo judaico. Os italianos não: estão cá todos e perfeitamente identificados pelos Kispos[4] azuis berrantes e ténis brancos. À sua maneira, o desporto presta homenagem aos mortos. Pergunto a Samuel Modiano se há verdade nos relatos de jogos de futebol em Auschwitz. “Disseram-me que sim, que houve jogos e que os supostos jogadores saíam diretamente do ‘campo’ para a câmara de gás. Ou eram executados, ali, a sangue frio. Sabe[,] meu jovem, eles faziam apostas com a nossa vida[,] que, para eles, não valia nada.” Samuel conta-nos que assistiu a combates de boxe e de luta livre entre alemães e judeus[:] [c]hoques desiguais entre homens corpulentos e prisioneiros famintos. Reparo que Buffon começa a ficar para trás do grupo, absorto nos seus pensamentos. Tira fotografias aos murais com os nomes dos falecidos e abana a cabeça. “Não são permitidos contactos com os futebolistas”, avisa a assessora de imprensa da squadra azzurra [equipa azul]. Só Chiellini falou à saída do crematório. “Estamos aqui para prestar homenagem a tudo o que aconteceu. Foi mais do que uma visita.” Depois, coloca melhor a voz; quase que chora. “Se existem alturas em que é difícil descrever o que sentimos, esta é uma delas. Nós somos uma geração com muita sorte, pois só vimos o que se passou em Auschwitz nos filmes ou nas fotografias. Espero que isto ajude as pessoas na luta contra a discriminação […].” Um jornalista da RAI5 pergunta-lhe se estão todos comovidos e Chiellini quer responder. Mas não pode, porque a assessora de imprensa corta-lhe a voz. […]» Pedro Candeias (2012): «Sami, o prisioneiro que viveu porque o julgaram morto». In: Expresso, Primeiro Caderno, edição semanal n.º 2067 (09 de junho de 2012): 44-45. Nota bene: Utilizamos os parêntesis retos – com absoluto respeito pelo produto textual publicado – quer para proporcionar uma reconstituição plena e rigorosa da informação que o jornalista intencionou transmitir, quer para omitir alguns segmentos textuais. 1. Para cada um dos cinco subitens que se seguem, registe, na sua folha de respostas, a letra correspondente à alternativa correta.6 1.1. O teor do texto permite concluir que, no contexto do campeonato europeu de futebol de 2012 (Euro 2012), A. quem primeiro visitou Auschwitz foi uma comitiva da seleção da Holanda, composta de dois elementos. B. quem primeiro visitou o campo de extermínio de Auschwitz foram os 23 jogadores da seleção italiana, acompanhados da sua assessora de imprensa. C. quem primeiro visitou Auschwitz foi a comitiva da seleção alemã, em que, entre alguns outros elementos, foram incorporados três jogadores. D. quem primeiro visitou Auschwitz, em representação da Alemanha, foram apenas três jogadores da seleção alemã, dois dos quais naturais da Polónia. 1.2. Selecione, de entre as opções abaixo apresentadas, a que estiver em conformidade com o relato do jornalista. A. Samuel Modiano e a sua família integraram uma multidão de 3500 italianos de ascendência hebraica que, durante a Segunda Guerra Mundial, foram capturados pelos nazis e por estes transportados para Auschwitz, tendo Sami sido o único sobrevivente de entre toda a sua família. B. Na década de 40 do século XX, Samuel Modiano, juntamente com a sua família, fez parte integrante de um conjunto de 3500 judeus italianos que foram conduzidos ao campo de extermínio Auschwitz 2, em Birkenau, tendo sido Sami o único sobrevivente dessa multidão. C. Samuel Modiano, aos 13 anos, compreendeu perfeitamente a provação por que estava a passar. D. Impassível, aos 81 anos, Samuel Modiano está sempre disponível para contar a sua história aos visitantes de Auschwitz. 1.3. Com base no relato de Samuel Modiano, Pedro Candeias A. menciona a existência, em Auschwitz, quer de jogos de futebol cuja disputa os alemães impunham aos prisioneiros judeus, premiando as equipas judias vencedoras com a preservação da vida dos seus elementos, quer de combates de boxe e de luta livre, marcados pela equanimidade, entre judeus e alemães. B. alude à existência, em Auschwitz, de momentos de pura recreação, que tinham por objetivo aliviar a tensão de todos os judeus aprisionados. C. revela a inexistência, em Auschwitz, do exercício de qualquer modalidade desportiva. 3 “Grupo qualificado de pessoas que dão assistência a um dirigente, a um grupo ou a uma organização.” O itálico é da nossa responsabilidade. Trata-se, hoje, da designação de uma marca registada de “peças de vestuário” que são agasalhos caracteristicamente impermeáveis. A marca começou por se distinguir pelos seus blusões impermeáveis, normalmente acolchoados, tendo o termo kispo (quispo) entrado no léxico comum português, para denominar esse tipo de peças. 5 Radio Audizioni Italia: Emissora Italiana de Rádio e Televisão. 6 Atribuir-se-á a classificação de zero ao registo de uma opção cuja legibilidade não seja inequívoca, à indicação de mais do que uma alternativa, à não indicação de qualquer alternativa e ao apontamento, em cada caso, da alternativa incorreta. 4 2/4 D. assinala a existência, em Auschwitz, de jogos de futebol, bem como de combates de boxe e de luta livre, preparados, pelos alemães, com o objetivo de se recrearem à custa do esforço estrénuo e discriminatório dos judeus, objetivo esse que chegava a culminar na perpetração de homicídios ou massacres, enquadráveis no propósito maior de genocídio do povo aprisionado. 1.4. Em consonância com o testemunho exposto pelo escrevente, A. a visita a Auschwitz feita pela comitiva alemã foi ignorada pelo mundo judaico. B. a comitiva alemã que visitou Auschwitz revelou indiferença face ao observado. C. a comitiva holandesa, tendo visitado Auschwitz com indumentária desportiva, manifestou um profundo pesar pelo observado. D. o périplo feito em torno de Auschwitz e a história de Samuel Modiano perturbaram todos os jogadores da “equipa azul”, tendo comovido, em especial, Buffon e Chiellini. 1.5. O termo imaculado, atualizado na linha 41, apresenta o significado literal de: A. imarcescível. B. sem mancha. C. apertado. D. desconfortável. PARTE II ANÁLISE DO FUNCIONAMENTO DA LÍNGUA Continue a focalizar a sua atenção no texto plasmado no âmbito da Parte I. 1. «Samuel pede-me que o trate pelo diminutivo.» (Linha 23.) 1.1. Extraia do período gramatical supraindicado a oração denominada de ‘subordinante’, apresentando-a, devidamente, na sua folha de respostas. 1.2. Registe na sua folha de respostas a oração ‘subordinada’ do mesmo período gramatical. Proceda, depois, à sua classificação cabal, não se esquecendo de indicar a função sintática que desempenha. 1.3. Aponte a função sintática exercida pela forma oblíqua de pronome pessoal «-me», no quadro da oração de que faça parte. 2. Na sua folha de respostas, assinale, junto do número de cada subitem da coluna A, a alínea da coluna B que lhe corresponda corretamente.7 A B 2.1. Na linha 39, «em silêncio» a) são formas de advérbio demonstrativas de “lugar”. 2.2. Na linha 52, o verbo começar, seguido de uma forma de preposição, b) são formas de pronomes demonstrativos. 2.3. Os elementos linguísticos «seis» (linha 11) e «primeiro» (linha 31) c) transmite um valor aspetual incoativo, não sendo atualizado como verbo principal. 2.4. Os segmentos «que não teria mais de três anos» (linha 4) e «que perdeu tudo» (linha 18) d) a expressão a rosa estabelecerá com a expressão uma flor uma relação semântica de hiponímia. 2.5. Os elementos linguísticos «acolá» (linha 7), «aqui» (linha 10) e «cá» (linha 45) e) a expressão a rosa estabelecerá com a expressão uma flor uma relação semântica de antonímia. 2.6. Nas linhas 46 e 47, a oração «se há verdade nos relatos de jogos de futebol em Auschwitz» f) configuram formas de numeral cardinal e de numeral ordinal, respetivamente. 7 Atribuir-se-á a classificação de zero ao registo que não for inequivocamente legível, à indicação de mais do que uma correspondência por subitem, à não indicação de qualquer correspondência por subitem e ao apontamento, em cada caso, de correspondência incorreta de subitem com alínea. 3/4 2.7. Nas linhas 14 («encolhessem»), 23 («trate») e 27 («tivessem demorado»), os verbos encolher, tratar e demorar g) é classificável como ‘subordinada’, dita ‘substantiva’, interrogativa indireta conjuncional, desempenhando a função sintática de “complemento direto” relativamente à forma de verbo patente na oração subordinante (de que depende). 2.8. No segmento situado nas linhas 49 e 50, «que assistiu a combates de boxe e de luta livre entre alemães e judeus», h) constituem orações ‘subordinadas’, relativas, tradicionalmente ditas ‘adjetivas’, que apresentam um valor restritivo relativamente a segmentos das orações ‘subordinantes’ de que dependem, respetivamente. 2.9. Na linha 7, o autor refere-se a uma «rosa»: se afirmarmos que a rosa é uma flor, i) estão conjugados, por um lado, no “modo” conjuntivo e, por outro lado, no “tempo” pretérito imperfeito, no “tempo” presente e no “tempo” pretérito mais-que-perfeito, respetivamente. 2.10. Os verbos estar, ser e encontrar, nas linhas 6 («está»), 26 («éramos») e 35 («encontrou»), j) o escrevente exibe o “complemento direto” do verbo CONTAR, através de uma oração ‘subordinada’, dita ‘substantiva’, completiva, introduzida por uma forma de conjunção subordinativa integrante. k) corresponde a uma locução adverbial de modo. l) encontram-se conjugados no “modo” indicativo e, segundo a ordem por que se apresentam, no “tempo” presente, no “tempo” pretérito imperfeito e no “tempo” pretérito perfeito simples. PARTE III COMPOSIÇÃO 1. Num texto coeso e coerente cuja extensão ocupe um espaço de 25 linhas (no mínimo) a 30 linhas (no máximo), exiba os resultados da sua reflexão sobre o teor de um dos dois excertos abaixo transcritos.8 1.1. «Digo que não Ao medo Que me apavora; E juro ao coração Que virá cedo A calma que demora. […]» Miguel Torga (1970): «Cordial» (excerto). In: Orfeu rebelde, 2.ª edição revista. Coimbra: [s.n.]: 44. 1.2. «[…] Se todos nós falamos português, se todos somos capazes de resolver os nossos pequenos e grandes negócios cotidianos, dos mais simples aos mais complicados, por meio da palavra, serão realmente necessários tantos anos de aprendizado especial para dominarmos a nossa própria língua materna? […]»9 José G. Herculano de Carvalho (1984): Estudos linguísticos, 2.º Volume. Coimbra: Coimbra Editora, Limitada: 210. COTAÇÕES Parte I 1.1……………………...1 valor 1.2……………………...1 valor 1.3……………………...1 valor 1.4……………………...1 valor 1.5……………………...1 valor Parte II 1.1………………………......0,5 valor 2.4……………………….....1 valor 1.2……………………….........1 valor 2.5………………………….1 valor 1.3………………………......0,5 valor 2.1……………………….........1 valor 2.2………………………......0,5 valor 2.3………………………......0,5 valor 2.6………………………….1 valor 2.7……………………….....1 valor 2.8………………………..0,5 valor 2.9………………………..0,5 valor 2.10………………………...1 valor Parte III 5 valores 8 O desrespeito pelas indicações relativas à extensão do texto a produzir será penalizado em função de uma escala cujos valores se situarão entre 0,5 valor e 1,5 valores. 9 Pretende-se que também candidatos(as) que não tenham o português como ‘língua materna’ encarem este excerto como objeto alternativo de reflexão, em função das suas próprias circunstâncias. 4/4