Exame Nacional de 2014 (1.a fase)
Prova Escrita de Português
12.o Ano de Escolaridade
Prova 639/1.a fase
Versões 1 e 2
GRUPO I
A
1. Vejamos o contributo de cada um dos três para a construção da passarola.
Bartolomeu Lourenço de Gusmão contribuiu com os seus conhecimentos científicos e técnicos, bem como com
a inteligência que tanto lhe apraz, isto para além do saber empírico (acumulado com as sucessivas viagens), como
se lê em «viajei à Holanda» (linha 19) ou «estou subindo ao céu por obra do meu génio» (linhas 22 e 23).
Baltasar dá o seu contributo sobretudo manual, ou seja, deitando a sua mão direita e o seu espigão à obra,
como podemos verificar em «por obra da mão direita de Baltasar» (linha 24).
Blimunda contribui com as suas qualidades sibilinas de vidente, a cujos olhos não escapam as verdades sobrenaturais escondidas do simples mortal: «por obra também dos olhos de Blimunda, se haverá no céu olhos como
eles» (linhas 23 e 24).
Atentemos doravante nas contribuições de cada uma destas três personagens para o voo inaugural da passarola.
Notemos que, para além das citadas anteriormente e válidas para este voo, o texto se refere explicitamente ao
que passamos a elencar.
Assim, Bartolomeu é não só «o cérebro» deste empreendimento, mas também o seu orientador, dando instruções específicas como «Puxa, Baltasar» (linha 5), sendo ainda um corajoso líder que toma decisões inesperadas
aquando do estremecimento súbito da passarola, de acordo com a seguinte passagem «mas o padre Bartolomeu
Lourenço agarrara-se a um dos prumos que sustentavam as velas, e assim pôde ver afastar-se a terra a uma velocidade incrível» (linhas 15 e 16).
Baltasar confirma o seu papel de trabalhador manual, como se pode ler no trecho acima transcrito «Puxa, Baltasar» (linha 5).
Por fim, Blimunda é fonte de força anímica para Baltasar e corrobora, no romance, a ideia da sua consciência de
que com o seu homem é um só Ser: «Blimunda aproximou-se, pôs as duas mãos sobre a mão de Baltasar e, num
só movimento, como se só desta maneira devesse ser, ambos puxaram a corda.» (linhas 6, 7 e 8).
2. Poder-se-á dividir o conjunto das reações de Baltasar e Blimunda de acordo com três momentos.
No primeiro, que imediatamente se segue à instrução «Puxa, Baltasar» (linha 5), o casal mostra um misto semelhante de sentimentos de surpresa e tumulto, os quais resultam no esforço conjunto de puxarem a corda: «tremeu-lhe a mão (…) ambos puxaram a corda» (linhas 5 e 8).
O segundo momento é despoletado pelos «bruscos volteios» (linha 14), em que «Baltasar e Blimunda tinham
caído no chão de tábuas da máquina» (linhas 14 e 15). De novo, sentimentos comuns despertam nos dois membros deste casal – os de deslumbramento e consciência da sua bravura: «Não tinham medo, estavam apenas
assustados com a sua própria coragem» (linha 26). Sem medo, portanto, levantam-se: «levantaram-se Baltasar e
Blimunda, agarrando-se nervosamente aos prumos, depois à amurada, deslumbrados de luz e de vento, logo sem
nenhum susto» (linhas 29 e 30).
No terceiro momento, o texto mostra-nos que cada um deles reage diferentemente e de acordo com a sua
própria personalidade.
Baltasar é emotivo e sensível ao ponto de não conter as lágrimas, abraçando a mulher: «e Baltasar gritou, Conseguimos, abraçou-se a Blimunda e desatou a chorar, parecia uma criança perdida (…) agora soluça de felicidade
abraçado a Blimunda» (linhas 31, 32 e 33).
Quanto a Blimunda, vemo-la serena e feliz, apaziguando Baltasar, mas sempre atenta ao voo da passarola, discernindo sobre o seu encaminhamento, revelando a sua racionalidade sempre presente: «abraçado a Blimunda,
que lhe beija a cara suja, então, então (…) Então Blimunda disse, Se não abrimos a vela, continuaremos a subir,
aonde iremos parar, talvez ao sol.» (linhas 33, 34, 37 e 38).
3. Bartolomeu Lourenço de Gusmão mostra-se eufórico porque, com o voo da passarola, sente que cumpriu, porventura, o seu maior desejo, aquele por que vem lutando ao longo da sua vida. Estudou, trabalhou e venceu,
estando agora a dar provas. Esta euforia e consciência de vitória incontestável aumentam quando o padre lembra
© Texto
episódios do passado da sua biografia. Referir-nos-emos à totalidade dessas evocações, sendo que o aluno só
teria de selecionar as duas requeridas pelo enunciado da questão da prova. Ei-las:
– «aquele mar por onde eu, Bartolomeu Lourenço de Gusmão, vim por duas vezes do Brasil» (linhas 18 e 19) –
sendo essa uma das viagens que lhe trouxe saber científico e empírico sobre a vida;
– «o mar por onde viajei à Holanda» (linha 19) – país que lhe permitiu obter conhecimentos alquímicos, científicos
e técnicos sobre como fazer voar a passarola;
– «se me visse el-rei» (linhas 20 e 21) – talvez el-rei o protegesse de perseguições por heresia, o glorificasse e lhe
desse o valor que o padre achava merecer ser reconhecido publicamente;
– «se me visse aquele Tomás Pinto Brandão que se riu de mim em verso» – inevitavelmente esta vitória deitaria
por terra todas as críticas jocosas feitas pelos incrédulos que, como este homem, haviam troçado e duvidado
das capacidades de Gusmão;
– «se o Santo Ofício me visse» (…) [segue-se o resumo do que Bartolomeu vem mostrando até agora] saberiam
todos que sou filho predileto de Deus, eu sim, que estou subindo ao céu por obra do meu génio» (linhas 21, 22
e 23) – à euforia vai-se seguindo paulatinamente a certeza de que ele mesmo é um eleito de Deus, qualidade
que o coroaria de glória, reconhecimento e o protegeria da perseguição/do julgamento do Tribunal do Santo
Ofício.
B
4. O tipo humano que o voador simboliza é aquele sempre movido pela sua ganância e ambição desmesuradas,
usando todas as suas capacidades inatas (e as que consegue dominar) para atingir objetivos que aproveitam mais
à presunçosa vaidade do que à real necessidade. Esta ideia encontra a sua justificação num momento do excerto
consubstanciado pela interrogação retórica «Pois porque tivestes maiores barbatanas, por isso haveis de fazer das
barbatanas asas?» (linhas 7 e 8).
5. A constante vaidade e presunção, assim como o querer ser e fazer mais do que lhe é devido, traz ao peixe voador
eventuais penas fatais e mais perigos do que aos outros peixes. Por outras palavras, o voador incorre nos perigos
do mar (predadores, perseguições, pesca por anzol, entre outros), mas igualmente nos do ar (velas e cordas dos
navios, por exemplo). Podemos testemunhar estas afirmações nas seguintes passagens do excerto:
– «por isso sois mais mofino que todos.» (linha 9);
– «mata-vos a vossa presunção e o vosso capricho.» (linhas 10 e 11);
– «Vai o navio navegando e o Marinheiro dormindo, e o Voador toca na vela ou na corda, e cai palpitando.» (linhas
11 e 12);
– «Aos outros peixes mata-os a fome e engana-os a isca, ao Voador mata-o a vaidade de voar, e a sua isca é o
vento.» (linhas 12 e 13).
GRUPO II
1. (versão 1)
1.1 (B) – «interpretação idealista daquilo que o rodeia» – isto porque «o triunfo do ponto de vista» queirosiano
implica a forma realista como Eça caracterizava a sociedade oitocentista, com a sua consequente crítica fotográfica e sarcástica, nada idealizada.
1.2 (C) – «mantém-se inalterada», como se comprova pela sequência «Pelo menos foi assim que eu aprendi a lê-lo
e a estimá-lo na adolescência (…) Pelo menos é assim que o entendo sempre que lá regresso e encontro erguido no ar todo o final do século XIX» (linhas 7, 9 e 10).
1.3 (A) – «passou a integrar o real de forma mais complexa» – como se comprova em «As literaturas, e em especial
a ficção que se lhe seguiu, tornar-se-iam bem mais complexas, e também mais difíceis de apreender e aceitar,
enquanto espelho da vida.» (linhas 20, 21 e 22).
1.4 (D) – «da dificuldade dos leitores em entenderem a literatura subsequente» – sendo que a confirmação desta
resposta se encontra nas sequências «mais complexas, e também mais difíceis de apreender e aceitar» (linha
21) e ainda «muita da admiração totalitária que Eça desencadeia nasce porventura de uma espécie de preguiça
e lentidão em entender, ainda nos nossos dias, a linguagem diferente daqueles que lhe sucederam.» (linhas 26,
27 e 28).
© Texto
1.5 (C) – «metáfora» – este recurso é sustentado, porventura, pelo paralelismo/semelhança entre, por um lado, o
surgimento e propagação da combustão com chama e, por outro, pela caracterização, fora do comum, das
literaturas que se seguiram à queirosiana.
1.6 (A) – «obrigação», pois que a formulação de Lídia Jorge torna evidente que a admiração excessiva da obra
queirosiana é devedora também da dificuldade, por parte dos leitores, da apreensão/compreensão das literaturas do século XX. Portanto, imperioso se torna reconhecer esta sua perspetivação.
1.7 (C) – «argumentativo» é o pendor do último parágrafo do texto, o que se confirma, entre outras estratégias,
pelas seguintes:
− confrontação de argumentos do tipo «Mas se é verdade que Eça continua atual…» e «parece-me desajustado que se continue a divulgar …» (linhas 12, 13 e 14), com a subsequente verbalização de opinião (que é, afinal, a sua tese), ou «o que não parece vir a propósito, embora venha» (linhas 28 e 29);
− caracterização do futuro com certezas antevistas e opiniões seguras por parte da autora, como em «Como o
veremos.» (linha 29).
1. (versão 2)
1.1 (C)
1.2 (A)
1.3 (D)
1.4 (C)
1.5 (B)
1.6 (C)
1.7 (A)
2.
2.1 A função sintática é a de predicativo do sujeito, uma vez que «queirosiano» está a ser selecionado pelo verbo
copulativo continuar, na sequência «continua queirosiano».
2.2 A oração «onde mal cabia» é uma oração subordinada adjetiva relativa explicativa, uma vez que, referindo-se a
um antecedente «Escola Realista», apresenta informação suplementar sobre ele, encontrando-se entre vírgulas.
2.3 A frase «Como um dia veremos.» consubstancia um ato ilocutório compromissivo, uma vez que o locutor apresenta uma perspetivação (quase premonitória) a concretizar-se num momento futuro que confirmará o seu próprio ponto de vista.
GRUPO III
Exemplo de texto (293 palavras)
Considero esta afirmação suficientemente abrangente, pois contém em si os dois sentidos em que a ambição
pode ser encaminhada.
É clarividente que todas as conquistas feitas por um Ser Humano, como Indivíduo, ou enquanto Ser Social, partiram de um inicial querer ir mais além. A História Universal evidencia dois casos inquestionáveis. Atentemos neles.
Os portugueses quatrocentistas e quinhentistas intuíam que o oceano que os banhava os levaria a novas terras,
então socorreram-se da Ciência, da Técnica e de muita bravura e rumaram a esse além que cedo se tornou aquém.
Assim se conheceram os dois arquipélagos atlânticos da Madeira e dos Açores, assim se chegou ao Brasil.
Os países menos poderosos ou mais pequenos geograficamente servem-se de uma ambição positiva para chegarem ao topo de competições desportivas à escala mundial, como o Campeonato do Mundo de Futebol a decorrer
no Brasil. Poucos recursos, mas muito querer trazem ao «palco» brasileiro nações como a Costa Rica ou o Gana, por
exemplo.
Ainda assim, a ambição desmesurada em nada aproveita à felicidade dos seres humanos porque os leva a interpretar as suas metas e os outros de forma desfasada e doentia. Vejam-se dois casos extremos.
Hitler, na demanda ilógica pela supremacia do arianismo e de si mesmo sobre o mundo, implicando o extermínio
do povo judeu, acabou suicidando-se, para não mencionar o mal irreparável feito à Humanidade.
Recentemente, foi possível ao ciclista americano Lance Armstrong vencer consecutivamente sete Voltas a França,
fugindo ao controlo de doping, sendo que se viria a revelar mais tarde uma das suas estratégias para ganhar títulos e
dinheiro, pelo que foi castigado.
Enfim, tenhamos todos ambição, mas, tal como acontece com o fogo, saibamos usá-la de forma controlada e nos
espaços e momentos próprios, sem que saiamos consumidos por ela.
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