Índice
Índice............................................................................................................. 1
Introdução..................................................................................................... 2
A construção da passarola............................................................................. 3
O padre da História e o padre do romance............................................. 3
O sonho do Padre: “ que seria de nós se não sonhássemos?”..................5
A conjugação dos saberes na construção da Passarola............................. 7
Baltasar Sete-Sóis.......................................................................................9
Blimunda Sete-Luas................................................................................ 10
As vontades..........................................................................................10
Domenico Scarlatti................................................................................. 12
O voo da passarola.......................................................................................14
A dada altura da narrativa, o Padre Bartolomeu começa a ser perseguido pelo
Santo Oficio. Atormentado com a ideia de ser apanhado, decide fugir na passarola com
Baltasar e Blimunda. Estão, então, reunidas as condições para que o engenho levante voo
(”A máquina estremeceu, oscilou como se procurasse um equilíbrio subitamente perdido,
ouviu-se um rangido geral, eram as lamelas de ferro, os vimes entrançados, e de repente,
como se a aspirasse um vórtice luminoso girou duas vezes sobre si própria enquanto
subia, mal ultrapassara ainda a altura das paredes, até que, firme, novamente equilibrada,
erguendo a sua cabeça de gaivota, lançou-se em flecha, céu acima.”, pag.202, capitulo
XVI). Símbolo de esforço e sapiência, a passarola corporiza o sonho dos seus construtores,
que de tudo fizeram para que este momento fosse possível................................... 14
Bibliografia...................................................................................................16
Ana Moreira, Sílvia, Vanessa
1
Introdução
O presente trabalho tem como objectivo a apresentação do sonho do padre
Bartolomeu de Gusmão, o esclarecimento do que foi feito para concretizar o sonho, e
como se desenvolveu. Pretende-se, igualmente, elucidar sobre a simbologia das vontades.
Nas próximas páginas será traçada uma relação entre as personagens da obra, Pe.
Bartolomeu de Gusmão e Scarlatti, e os correspondentes históricos, e será mostrada a
forma como foram integrados os saberes das quatro personagens envolvidas na
concretização do sonho.
Ana Moreira, Sílvia, Vanessa
2
A construção da passarola
“Memorial do Convento”, da autoria do Nobel da literatura portuguesa, José
Saramago, é composto por quatros histórias que ocorrem ao mesmo tempo: “Era uma
vez um rei que fez a promessa de levantar um convento em Mafra. Era uma vez a gente
que construiu esse convento. Era uma vez um soldado maneta e uma mulher que tinha
poderes. Era uma vez um padre que queria voar e morreu doido.” (citado da contracapa
do livro, da Edição Caminho).
Esta obra de José Saramago é produto de um trabalho de pesquisa levado a efeito
pelo próprio autor. A obra, além do seu aspecto crítico face à sociedade da época que
retrata, apresenta factos reais da História de Portugal, documentados, a par da história
fictícia de Baltasar e Blimunda. Um desses factos está relacionado com a personagem Pe.
Bartolomeu Gusmão, o protagonista da narrativa “Era uma vez um padre que queria voar e
morreu doido”, que, apesar de modelada de acordo com o romance, encontra
correspondente real na história do nosso país.
O padre da História e o padre do romance
Se recorrermos a uma biografia do padre Bartolomeu
de Gusmão e compararmos os factos documentados da
mesma com as informações acerca do padre Bartolomeu, da
obra de José Saramago, facilmente concluímos que existem
pontos comuns e que a personagem da História não é mais
que a figura histórica moldada de acordo com o romance e os
interesses do autor. Assim, Bartolomeu de Gusmão nasceu
em 1685, em Santos, perto de S. Paulo, Brasil, que na altura
ainda
era
parte
integrante
da
coroa
portuguesa
(“Bartolomeu Lourenço, que no Brasil nasceu e novo veio pela primeira vez a
Portugal”, pág. 62 capítulo VI). Estudou num colégio jesuíta, onde desde cedo mostrou
Ana Moreira, Sílvia, Vanessa
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interesse e inteligência no estudo da Física, dando provas do seu carácter original na
concepção de uma máquina capaz de elevar água 100m no convento em que se
encontrava. Já na Universidade de Coimbra, desenvolveu com notoriedade os estudos em
Física e Matemática. (“Já o Padre Bartolomeu regressou de Coimbra, já é doutor em
cânones, confirmado de Gusmão por apelativo onomástica e firma escrita”, pág. 165,
capítulo XVI)
Consta-se que o seu interesse por conquistar os ares surgiu pela observação de
uma pequena bola de sabão pairando pelos ares que, passando sobre uma chama foi
rapidamente impelida, o que o levou a desenvolver forte interesse pela concepção de um
balão.
Dedicou-se, então, à concretização desse projecto, sendo que em 1708 envia uma
petição de privilégio a D. João V sobre o engenho “mais–leve-que-o-ar” , que lhe concedeu
o alvará para o mesmo, contribuindo, inclusive, monetariamente para a construção da
passarola, atribuindo-lhe ainda um rendimento vitalício substancial ( “e se el-rei o fez
fidalgo capela de sua casa e académico de sua academia” , pág. 165, capítulo XVI) . Com
o patrocínio concebido pelo monarca, Bartolomeu pôde dedicar-se inteiramente à
construção do engenho, na quinta do duque de Aveiro, em S.Sebastião da Pedreira, (o
mesmo local apresentado na obra: “(..) el-rei acreditou na minha máquina e tem
consentido que, na quinta do duque de Aveiro, a S. Sebastião da Pedreira, eu faça os
meus experimentos” (capítulo VI, pág. 64)). De acordo com fontes da época pode-se
concluir que foram realizadas várias experiências com balões de papel até se conseguir a
experiência definitiva que marcou a História, sendo que muito foi o arame utilizado na
construção do engenho.
Foi a 8 de Agosto de 1709 que
Bartolomeu
Gusmão
realizou
uma
experiência coroada de êxito e reconhecida
pela coroa. A experiência realizou-se na sala
dos embaixadores da casa da Índia, perante
D.João V, a Rainha e outras figuras da corte.
Nela, Gusmão fez elevar um balão de papel
pardo e grosso, cheio de ar quente, 4 metros de altura, que acabou por ser destruído por
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dois criados, movidos pelo medo de que o balão pegasse fogo às cortinas. (“ pois eu faz
dois anos que voei, primeiro fiz um balão que ardeu, depois construí outro que subiu
até ao tecto duma sala do paço, enfim outro que saiu por uma janela da Casa da índia e
ninguém tornou a ver”, capítulo VI, pág. 63).
As experiências sucederam-se com balões de muito maior envergadura e,
finalmente, embora não haja provas irrefutáveis sobre o facto, consta que um balão,
enorme, provavelmente da autoria do próprio Gusmão, foi lançado na praça de armas do
castelo de S. Jorge e depois de percorrer 1 km veio a cair no Terreiro do Paço.
Após esta experiência, por razões inexplicadas, começa uma outra vida de
Bartolomeu de Gusmão. Excepcionalmente doutor, versado em filologia e falando
fluentemente outras línguas, vão abundar os seus trabalhos literários (sem esquecer os
trabalhos de cariz científico), bem como se tornaram notados os seus sermões. É feito
Fidalgo-Capelão da Casa Real, em 1722. Contudo, as intrigas da corte fá-lo-iam cair em
desgraça, tendo-lhe valido os jesuítas quando a Inquisição já o perseguia. Levam-no para
Espanha, em 1724, onde morre indigente e com nome falso, no hospital da Misericórdia
de Toledo, a 19 de Novembro.
O sonho do Padre: “ que seria de nós se não
sonhássemos?”
(pág. 191, capítulo XV)
Como já foi anteriormente referido, o padre Bartolomeu de Gusmão é o
protagonista de uma das quatro narrativas que compõem “O Memorial do Convento”.
Na narrativa em que é protagonista, o Padre Bartolomeu é apresentado como o Voador
(“Aquele que ali vem é o padre Bartolomeu Lourenço, a quem chamam o Voador”, pág
61 capítulo VI) sendo-lhe tal apelido atribuído graças ao sonho que esse homem alimenta
e o que tem desenvolvido para o concretizar: “ agora me disse aquele meu amigo João
Elvas que tendes apelido de Voador, padre, por que foi que vos deram tal nome,
perguntou Baltasar, (…) porque eu voei, e disse Baltasar duvidoso, Com perdão da
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confiança, só os pássaros voam, e os anjos, e os homens quando sonham, mas em
sonhos não há firmeza”, (pág. 63, capítulo VI). Contudo, antes de aprofundarmos um
pouco mais o tópico sobre o sonho do padre, importa esclarecermos o significado de
sonho no contexto da obra. Recorrendo a um dicionário da Língua Portuguesa,
encontramos diferentes definições de sonho, nomeadamente:
−Actividade mental não dirigida, que se manifesta durante o sono, pelo menos nas
suas fases menos profundas, e do qual, ao acordar, se pode conservar certa lembrança;
−Conjunto de ideias e de imagens que perpassam o espírito durante o sono;
−No sentido figurado: fantasia; devaneio; ilusão; utopia.
Assim, no contexto da obra, o sonho deve ser entendido de acordo com a terceira
definição citada, prendendo-se com o desejo que o padre manifesta de um dia povoar os
céus como uma ave, desenvolvendo um engenho para atingir o seu objectivo. (note-se que
no tempo histórico da obra, nenhum homem tinha ainda voado). De acordo com a
personagem: “ O homem primeiro tropeça, depois anda, depois corre, um dia voará”,
(pág. 63/63, capítulo VI), “assim como o homem, bicho da terra, se faz marinheiro por
necessidade, por necessidade se fará voador” (pág.65 capítulo VI).
O Padre Bartolomeu Lourenço surge, então, como um erudito
e religioso que desenvolve uma aeronave, a Passarola (“ (…) passarola,
É assim que se chama a sua máquina, perguntou Baltasar, e o padre
respondeu, Assim lhe têm chamado por desprezo”, pág.66, capítulo VI). Contudo, como
o comum dos humanos, o padre encontra dificuldades que urge
ultrapassar para a concretização do seu sonho. Como podemos
facilmente verificar no meio social em que nos inserimos, nem sempre
as novidades e as ideias mais originais e atrevidas são aceites de forma unânime ou
arrebatam os apoios desejados para a sua concretização. O mesmo ocorre com o sonho do
padre que é apresentado como um pecado do próprio religioso: ( “Aliás, facilmente
absolvida pelo Padre Bartolomeu Lourenço, que tem diante dos próprios olhos um
maior pecado seu, aquele orgulho e ambição de fazer levantar um dia aos ares, aonde
até hoje apenas subiram Cristo, a Virgem e alguns escolhidos santos” pág. 92, XI).
Numa sociedade em que apenas se tinha, além dos meios terrestres, conquistado o mar, a
ideia de submeter o meio aéreo à mesma conquista não é aceite com tolerância, sendo as
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ideias do padre satirizadas e ridicularizadas pelos homens do seu tempo, que chegaram a
desejar-lhe o pior no desenvolvimento do projecto: “Tenho sido a risada da corte e dos
poetas, um deles, Tomás Pinto Brandão, chamou ao meu invento coisa de vento que se
há-de acabar cedo, se não fosse a protecção de el-rei não sei o que seria de mim, mas elrei acreditou na minha máquina e que tem consentido que, na quinta do duque de
Aveiro, a S. Sebastião da Pedreira, eu faça os meus experimentos” (pág.64, capítulo VI);
“Chegaram ao ponto de desejar que eu partisse as pernas quando me lançasse do
castelo” (pág. 64, capítulo VI).
Vale ao padre, portanto, a bênção real do seu projecto. Apelando ao apoio de D.
João V, Bartolomeu Lourenço consegue um local para a construção do engenho, a quinta
de S. Sebastião da Pedreira, o patrocínio para a construção da Passarola, sendo que o
monarca exprime o desejo de ver o céu ser povoado pelo homem: “ (…) não tanto por
obrigações firmes de seu título de capelão fidalgo, mais honorífico que efectivo, mas
por querer bem a el-rei, que ainda não perdeu de todo as esperanças, e já vão onze anos
passados, por isso pergunta benévolo, Verei voar a máquina um dia, ao que o padre
Bartolomeu Lourenço responde, honestamente, não puder responder mais que isto,
Saiba vossa majestade que a máquina um dia voará, Mas estarei cá para ver, Viva vossa
majestade nem tanto quanto viveram os antigos patriarcas do Testamento Velho, e não
só verá voar a máquina, como nela voará” (pág.166, capítulo XIV).
A conjugação dos saberes na construção da
Passarola
Além do apoio de sua majestade, a construção da Passarola apenas foi possível
graças ao conciliar dos saberes de mais três personagens: Baltazar Sete-Sóis e Blimunda
Sete-Luas, assim apelidados pelo próprio padre (“ Tu és Sete-Sóis porque vês às claras, e
tu serás Sete-Luas porque vês às escuras” pág. 94, capítulo IX), que seriam “os
construtores da aeronave” (pág. 93, capítulo IX), assim como Domenico Scarlatti, “ (…)
homem, italiano de nação, (…) e é musico, mestre cravo da infanta, mestre da capela
real” (pág. Capítulo ), que se revelará importante na cura de Blimunda e cuja música
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poderá ajudar a levantar aos céus o engenho que de nome já se assemelha aos pássaros: a
Passarola; e que expressa o desejo de um dia tocar a sua música no céu ( “Se a passarola
do padre Bartolomeu de Gusmão chegar a voar um dia, gostaria de ir nela e tocar no
céu” pág. 184, XV).
O contributo de cada uma das personagens e a combinação dos saberes para a
- Gostaria de voar na passarola e
construção do engenho podem ser esquematicamente resumidos
da musica
seguinte
forma:
tocar a sua
no seu.
- Nasceu para descobrir vontades
Baltasar Sete-Sóis
Pe. Bartolomeu Lourenço
Mentor
do
-projecto;
“Eu sou o inventor da
passarola”
- Erudito;
- Visionário;
- “Construtor da aeronave”
-
e
ele, pois com o gancho e o
Blimunda para a construção
espigão poderia executar certos
Orientava
Baltasar
- Como o padre não tinha força
para
do engenho.
- Descobriu o segredo que
a
com
os
o
éter
obter
trabalhos
- Era o braço direito do padre
Passarola
faria voar a máquina
alquimistas
certos
trabalhos sem se magoar.
Construção da
Aprendeu
fazer
convidou-o para trabalhar com
- Responsável pela passarola
na ausência do padre.
Os saberes
- Mecânico.
necessário para fazer voar a
- “Fabricante de asas”
passarola
Blimunda Sete-Luas
Domenico Scarlatti
- Tinha o poder de ver o interior das
-”… talvez a minha musica
coisas;
possa conciliar-se dentro das
esferas com esse misterioso
- Inspeccionava a máquina em jejum,
descobrindo as suas fragilidades, que
depois eram corrigidas por Baltasar
- Recolheu as duas mil VONTADES,
-
elemento…”
Tocava para
Baltasar,
Blimunda
enquanto
e
eles
trabalhavam.
necessárias para a passarola voar,
pois sem elas seria impossível.
- A sua música ajudou a curar
- Construtora da passarola
Blimunda
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Baltasar Sete-Sóis
Baltasar Sete-Sóis, um ex-soldado que a guerra tornara maneta, sendo por isso
dispensado do exército, de idade igual à do Padre Bartolomeu Lourenço, surge como o
primeiro ajudante do padre na construção do engenho voador. Após conhecer Blimunda
e o Padre Bartolomeu Lourenço, no Auto-de-fé em que a mãe de Blimunda fora
condenada, o padre que lhe arranjou emprego e que tentava conseguir uma pensão de
guerra para o soldado dispensável, convida-o a acompanhá-lo à quinta de S. Sebastião da
Pedreira, onde Baltasar toma conhecimento directo com a passarola. É, também, nessa
altura, que o Padre Bartolomeu, consciente de que necessita de ajuda para construir a
aeronave, convida Baltasar a fornecer-lhe esse apoio, convite aceite pelo ex-soldado após o
padre lhe explicar a vantagem do seu gancho e espigão, e lhe ter exposto a teoria de que
Deus seria, à semelhança do ex-soldado, maneta. Tais acontecimentos são descritos em
excertos como: “O padre alugou uma mula, (…), Vou a S. Sebastião da Pedreira ver a
minha máquina, queres vir comigo [questão colocada a Baltasar], Irei” (pág.66, capítulo
VI); “Então é isto [referência aos panos, rolos, concha, e outros acessórios que Baltasar
observa na quinta] , e o padre Bartolomeu respondeu, Há-de ser isto, e, abrindo uma
arca tirou um papel que desenrolou, onde se via o desenho de uma ave, a passarola
seria,”(pág. 68, capítulo VI); “Queres tu [ Baltasar] vir ajudar-me, perguntou (..) Com
essa mão e com esse gancho podes fazer tudo quanto quiseres, e há coisas que um
gancho faz melhor que a mão completa, um gancho não sente dores se tiver que
segurar um arame ou um ferro, nem se corta, nem se queima, e eu te digo que maneta
é Deus e fez o universo.” (págs.68 e 69, capítulo VI); “ Se Deus é maneta e fez o
universo, este homem sem mão pode atar a vela e o arame que hão-de voar” (pág. 69,
capítulo VI).
Deste modo, Baltasar contribui para a construção do engenho, dando utilidade ao
gancho e espigão que lhe substituem a mão em falta. Importa no entanto dizer que a dada
altura é referido que, contrariamente ao que o padre afirmou quando convidou Baltasar,
a mão pode, sim, fazer falta: “Nem sempre o trabalho corre bem. Não é verdade que a
mão esquerda não faça falta. Se Deus pode viver sem ela é porque é Deus” (pág.93,
capítulo IX). Então, Baltasar contava também com a ajuda de Blimunda que, juntamente
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com ele, se mudou para a quinta, para poderem dar forma à passarola, e que o auxiliava
em certos trabalhos.
Blimunda Sete-Luas
Além de auxiliar Baltasar em certos trabalhos, Blimunda, que possuía a
capacidade de ver o interior das coisas e das pessoas ( “Eu posso olhar por dentro das
pessoas” ; “ (…)vejo o que está dentro dos corpos, e às vezes o que está no interior da
terra, vejo o que está por baixo da pele, e às vezes mesmo por baixo das roupas, mas só
vejo quando estou em jejum, perco o dom quando muda o quarto de lua, mas volta
logo a seguir”, págs.79 e 80, capítulo VIII), observava também a estrutura da passarola,
detectando as suas fragilidades, para que Baltasar as corrigisse ( “Uma vez por outra,
Blimunda levanta-se mais cedo, antes de comer o pão de todas as manhãs, e, deslizando
ao longo da parede para evitar pôr os olhos em Baltasar, afasta o pano e vai
inspeccionar a obra feita, descobrir a fraqueza escondida do entrançado, a bolha de ar
no interior do ferro”, pág. 94, capítulo IX), e foi a responsável pela recolha das vontades
que fariam voar a máquina (“Veja-se a mulher dos olhos excessivos, que para descobrir
vontades, nasceu” pág. 184, capítulo XV).
As vontades
Quando o Padre Bartolomeu Lourenço regressou da Holanda, em busca do éter,
descobriu que este não era obtido a partir dos métodos alquimistas, mas sim através das
“vontades dos vivos” (”…na Holanda soube o que é o éter, não é aquilo que geralmente
se julga e ensina, e não se pode alcançar pelas artes da alquimia, para ir buscá-lo lá onde
ele está, no céu, teríamos nós de voar e ainda não voamos, mas o éter, dêem agora
muita atenção ao que vou dizer-lhes, antes de subir aos ares para ser o onde as estrelas
se suspendem e o ar que Deus respira, vive dentro dos homens e das mulheres, Nesse
caso, é a alma, concluiu Baltasar, Não é, também eu, primeiro, pensei que fosse a alma,
também pensei que o éter, afinal, fosse formado pelas almas que a morte liberta do
corpo, antes de serem julgadas no fim dos tempos e do universo, mas o éter não se
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compõe das almas dos mortos, compõe-se, sim, ouçam bem, das vontades dos vivos. “,
pág. 130, capitulo XI); (
Através do seu misterioso dom, Blimunda é incumbida de recolher as duas mil vontades,
que eram um dos elementos fundamentais e que iriam fazer a passarola elevar-se ao céu.
Contudo, a feiticeira, não compreende o que realmente são as vontades e de que forma as
vai conseguir agarrar (”Dentro de nós existem vontade e alma (…) a vontade, ou se
separou do homem estando ele vivo, ou a separa dele da morte, é ela o éter, é portanto
a vontade dos homens que segura as estrelas, é a vontade dos homens que Deus respira,
…” , pág. 130, capitulo XI ); (” Verás as vontades dentro das pessoas, Nunca a vi, tal
como nunca vi a alma, Não vês a alma porque a alma não se pode ver, não vias a
vontade porque não a procuravas, Como é a vontade, É uma nuvem fechada, Que é
uma nuvem fechada, Reconhecê-la-ás quando a vires (…)”, pág.130, capitulo XI); (Tirou
do alforge um frasco de vidro que tenha preso ao fundo, dentro, uma pastilha de
âmbar amarela, Este âmbar, também chamado electro, atrai o éter, andarás sempre
com ele por onde andarem pessoas, em procissões, em autos-de-fé, aqui nas obras do
convento, e quando vires que a nuvem vai sair de dentro delas, está sempre a suceder,
aproximas o frasco aberto, e a vontade entrará nele, E quando estiver cheio, Tem uma
vontade dentro, já está cheio, mas esse é o indecifrável mistério das vontades, onde
couber uma, cabe milhões, o um é igual ao infinito”, pag.131, capitulo XI).
Apesar de tudo isto, uma dúvida persiste: qual será o verdadeiro sentido das vontades?
Como resposta a esta questão, consideramos que as vontades representavam a força
interior que existe em cada um de nós. Todos nós possuímos um objectivo de vida, um
sonho pelo qual lutamos, tentando vencer todas as adversidades que encontramos. Para
esta luta é necessário força de vontade e determinação para superarmos todos os
obstáculos.
Podemos dizer que é desta forma que as “vontades dos vivos” nos são apresentadas, como
símbolo de força e persistência, indispensáveis para realizar o sonho do Padre Bartolomeu
de fazer voar a passarola.
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Domenico Scarlatti
Domenico Scarlatti era um músico italiano que fora contratado para dar lições de
música à infanta D. Maria Bárbara. Numa dessas lições, conhece o padre Bartolomeu
Lourenço e aí se inicia uma grande amizade e cumplicidade.
Em conversa com o padre Bartolomeu Lourenço fica a saber que este tem um
segredo e é convidado por ele a visitar a quinta de S. Sebastião da Pedreira. Scarlatti é
apresentado a Baltasar e Blimunda e à máquina de voar, e o padre Bartolomeu Lourenço
convida-a o a visitar a quinta sempre que quiser, desta forma associando-o ao projecto.
Então, Scarlatti prontifica-se a tocar para Baltasar e Blimunda enquanto estes trabalham,
e, quando Blimunda adoeceu, a sua música ajudou a curá-la.
Mais tarde, Scarlatti exprime o seu desejo de voar na passarola e tocar a sua
música no céu.
A veracidade da personagem Scarlatti é comprovada através da comparação dos
dados biográficos do músico com alguns excertos da obra.
Scarlatti, nascido em Nápoles a 26 de Outubro de 1685 (“...em Nápoles nascido
há trinta e cinco anos…”, página 167 capítulo XIV), foi um dos maiores compositores
para cravo do século XVIII (“É homem, italiano de nação, está há poucos meses na
corte, e é musico, mestre de cravo da infanta, mestre da capela real, o nome dele é
Domenico Scarlatti”, página 173 capítulo XIV).
A sua primeira formação musical obteve-a de seu pai, o professor e compositor,
Alessandro Scarlatti.
Em 1701, tornou-se compositor e organista na capela real de Nápoles.
Mais tarde, torna-se maestro di capella da rainha da Polónia, Marie Casimire, para
quem compôs varias óperas para o seu teatro particular.
Dirigiu a sua ópera “Narciso” no King’s Theatre, em Londres, vindo depois para a
corte portuguesa, para ser professor de música da infanta D. Maria Bárbara, filha mais
velha do rei D. João V (“…por nascer uma criança em Lisboa levanta-se em Mafra um
montanhão de pedra e vem de Londres contratado Domenico Scarlatti.”, página166
capítulo XIV).
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Quando a infanta se casou com o herdeiro da coroa espanhola, D. Fernando VI,
em 1729, Scarlatti partiu para Espanha para acompanhá-la, e lá permaneceu até à sua
morte, a 23 de Julho de 1757.
Scarlatti é um dos maiores virtuosos do período tardio do barroco. As sonatas que
compôs (mais de quinhentas) são testemunhos da sua grande capacidade de composição e
execução, e nelas inova de uma maneira nunca vista, introduzindo habilidades como
mãos cruzadas, dando maior liberdade de composição e execução aos compositores
vindouros.
A sua música é extremamente inventiva, e as suas sonatas para cravo são densas
experiências auditivas, devido à sua complexidade.
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O voo da passarola
A dada altura da narrativa, o Padre Bartolomeu começa a ser perseguido pelo Santo
Oficio. Atormentado com a ideia de ser apanhado, decide fugir na passarola com Baltasar
e Blimunda. Estão, então, reunidas as condições para que o engenho levante voo (”A
máquina estremeceu, oscilou como se procurasse um equilíbrio subitamente perdido,
ouviu-se um rangido geral, eram as lamelas de ferro, os vimes entrançados, e de
repente, como se a aspirasse um vórtice luminoso girou duas vezes sobre si própria
enquanto subia, mal ultrapassara ainda a altura das paredes, até que, firme, novamente
equilibrada, erguendo a sua cabeça de gaivota, lançou-se em flecha, céu acima.”,
pag.202, capitulo XVI). Símbolo de esforço e sapiência, a passarola corporiza o sonho dos
seus construtores, que de tudo fizeram para que este momento fosse possível.
À medida que a máquina vai subindo, a euforia toma conta dos três, que apesar de
estarem a fugir da Inquisição, sentem-se felicíssimos pela concretização do seu sonho,
formando assim, uma espécie de Santíssima Trindade ascendida aos céus ( ”O padre ria,
dava gritos (…) e Baltasar gritou, Conseguimos, abraçou-se a Blimunda e desatou a
chorar (…) O Padre veio para eles e abraçou-se também, subitamente perturbado por
uma analogia, assim dissera o italiano, Deus ele próprio, Baltasar seu filho, Blimunda o
Espírito Santo, e estavam os três no céu...”, pág.203, capitulo XVI).
Sobrevoando a cidade de Lisboa e depois a vila de Mafra, muitos são aqueles que olham
para o céu e duvidam do que vêem (”Passam velozmente sobre as obras do convento.
Mas desta vez há quem os veja, gente que foge espavorida, gente que se ajoelha ao acaso
e levanta as mãos implorativas de misericórdia, gente que atira pedras, o alvoroço toma
conta de milhares de homens, quem não chegou a ver, duvida, quem os viu, jura e
pede o testemunho do vizinho”, pág.208, capitulo XVI).
Chegado o fim do dia, a luz solar é cada vez mais débil, impedindo que a passarola se
mantenha no ar. Então, os três construtores começam a entrar em pânico e a máquina
começa a perder altitude. Apavorados com a ideia de uma queda aparatosa, Blimunda
tem a luzente percepção de se agarrar às esferas que continham as duas mil vontades, e
desta forma enigmática a passarola começa a diminuir a velocidade da sua queda evitando
o desastre (”Mas de súbdito Blimunda solta-se de Baltasar, a quem convulsa se agarra
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quando a máquina precipitou a descida, e rodeia com os braços uma das esferas que
contêm as nuvens fechadas, as vontades, duas mil são mas não chegam, cobre-as com o
corpo, como se as quisesse meter dentro de si ou juntar-se a elas. A máquina dá um
salto brusco (…) depois recomeça a cair, mas menos depressa, e Blimunda grita,
Baltasar, não precisou chamar três vezes, já ele se abraça com outra esfera,fazia corpo
com ela, Sete-Luas e Sete-Sóis sustentando com as suas nuvens fechadas a máquina que
baixava, agora devagar, tão devagar que mal rangeram os vimes quando tocou o chão.”,
pág.210, capitulo XVI).
Decepcionado com a queda do seu engenho, o visionário Padre Bartolomeu Lourenço,
tenta incendiar a passarola, desaparecendo no meio do nada (“Havia um clarão como se
o mundo estivesse a arder, era o padre com um ramo inflamado que pegava fogo à
máquina, já a cobertura de vime estalava, e de um salto Baltasar pôs-se de pé, foi para
ele, e deitando-lhe os braços à cintura puxou-o para trás, mas o padre resistia, de modo
que Baltasar o apertou com violência, atirou-o ao chão, calcou a pés o archote,
enquanto Blimunda batia com o pano de vela as chamas que tinham alastrado o mato e
agora, aos poucos, se deixavam apagar. Vencido e resignado, o padre levantou-se.
Baltasar cobria com terra a fogueira. Mal conseguiam ver-se no escuro. Blimunda
perguntou em voz baixa, num tom neutro, como se conhecesse de antemão a resposta,
Porque foi que deitou fogo à máquina, e Bartolomeu Lourenço respondeu, no mesmo
tom, como se estivesse à espera da pergunta, Se tenho de arder numa fogueira, fosse ao
menos nesta. (…) O tempo passava, o padre não reaparecia. Baltasar foi buscá-lo. Não
estava. Chamou por ele, não teve resposta, (…), e Blimunda declarou, Foi-se embora,
não o tornaremos a ver.”, pág. 212, capitulo XVI).
A máquina, salva do incêndio, fica, a partir de então, ao cuidado de Baltasar tornando-se
este o guardião da passarola ao longo de vários anos. Todos os dias Baltasar se desloca de
Mafra a Monte Junto para cuidar da relíquia que resistiu imponentemente à erosão dos
tempos (como se fosse um templo, nenhum animal ousara instalar-se nela, nem qualquer
planta ousou enfeitá-la), até ao momento em que se eleva novamente: “a máquina
rodopiou duas vezes, despedaçou, rasgou os arbustos que a envolviam, e subiu.”, ( Pág.
350, capitulo XXIII).
Ana Moreira, Sílvia, Vanessa
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Bibliografia
•Memorial do Convento
José Saramago
Editorial Caminho, SA – Lisboa,1994
Edição 38
Ana Moreira, Sílvia, Vanessa
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Construção Passarola