JOSÉ MAURO DE ARAUJO ACOSTA
AVALIAÇÃO DO SISTEMA DE GESTÃO DE RISCOS DE
ACIDENTES COM INSTRUMENTOS PÉRFURO-CORTANTES NA
ATIVIDADE DE LIMPEZA DE HOSPITAIS PÚBLICOS ATRAVÉS
DA ANÁLISE ERGONÔMICA DO TRABALHO
ESCOLA DE ENGENHARIA
DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
BELO HORIZONTE – MINAS GERAIS
2004
2
JOSÉ MAURO DE ARAUJO ACOSTA
AVALIAÇÃO DO SISTEMA DE GESTÃO DE RISCOS DE
ACIDENTES COM INSTRUMENTOS PÉRFURO-CORTANTES NA
ATIVIDADE DE LIMPEZA DE HOSPITAIS PÚBLICOS ATRAVÉS
DA ANÁLISE ERGONÔMICA DO TRABALHO
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Engenharia
de Produção da Escola de Engenharia da Universidade Federal
de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em Engenharia de Produção.
Linha de Pesquisa: Ergonomia e Organização do Trabalho
Orientadora:
Profª Dra. Eliza Helena Oliveira Echternacht
Departamento de Engenharia de Produção –
UFMG
Belo Horizonte
Escola de Engenharia – Departamento de Engenharia de Produção
Universidade Federal de Minas Gerais
2004
3
JOSÉ MAURO DE ARAUJO ACOSTA
AVALIAÇÃO DO SISTEMA DE GESTÃO DE RISCOS DE
ACIDENTES COM INSTRUMENTOS PÉRFURO-CORTANTES NA
ATIVIDADE DE LIMPEZA DE HOSPITAIS PÚBLICOS ATRAVÉS
DA ANÁLISE ERGONÔMICA DO TRABALHO
Belo Horizonte, 20 de maio de 2004
Dissertação de mestrado defendida junto ao Curso de Pós-Graduação em Engenharia da
Produção da Faculdade de Engenharia da UFMG, aprovada pela banca examinadora:
Profa. Eliza Helena de Oliveira Echternacht
Universidade Federal de Minas Gerais
Orientadora
Prof. Mário César Rodríguez Vidal
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Profa. Elizabeth Costa Dias
Universidade Federal de Minas Gerais
4
DEDICATÓRIA
A meus pais – Honório e Geralda – e minha
irmã Inely que sempre me incentivaram na
busca do conhecimento.
A Lu, Leo e Bruno que compreenderam a
importância desse trabalho para nosso futuro.
Desculpem-me por tê-los deixado tantas vezes.
5
AGRADECIMENTOS
São muitos aqueles que merecem meu agradecimento. A conquista tem que ser dividida
com muita gente e a ajuda de todos foi importante para que eu concluísse este trabalho.
Alguns, entretanto, foram fundamentais:
A Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, que possibilita acesso gratuito e
com qualidade àqueles que desejam enveredar pelo mundo da pesquisa;
Ao Departamento de Engenharia de Produção da UFMG, onde encontrei professores
que me conduziram com maestria e competência pelos caminhos do aprendizado;
A minha orientadora, professora Eliza Echternacht, que nas idas e vindas do que
escrevia, sempre sinalizava com suas ponderações acertadas sobre a difícil arte de
escrever a realidade, corrigindo-me em meus percalços de iniciante;
Aos colegas do mestrado, que com suas valiosas sugestões, compartilharam comigo o
desenvolvimento deste trabalho;
Aos hospitais pesquisados, que abriram suas portas, compreendendo a importância do
trabalho;
Aos amigos da empresa que prestava serviços nos hospitais, onde tive o privilégio de
conviver com pessoas que muito me ajudaram nas pesquisas, como os do departamento
de segurança e medicina do trabalho;
A PETROBRAS, empresa onde estou atualmente, que liberou a continuação de meus
estudos, especialmente ao Dr. Julizar Dantas;
Finalmente, às Marias, Josés, Silvas, Santos e tantos outros mais que, sem dúvida
alguma, foram o foco desta pesquisa, permitindo minha presença em seu mundo de
trabalho. A vocês – pessoal da limpeza – meu muito obrigado. Que a gente possa
contribuir um pouquinho mais com a melhoria de suas condições de trabalho.
6
JOSÉ
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
(Carlos Drumond de Andrade)
7
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO....................................................................................17
1.1
Justificativa...........................................................................................19
1.2
A empresa prestadora de serviços.........................................................19
1.3
Os hospitais pesquisados.......................................................................20
1.4
O problema............................................................................................21
1.4.1
O problema sob o aspecto global..........................................................22
1.4.2
O problema específico dos hospitais investigados................................23
1.5
Os objetivos do trabalho.......................................................................24
1.5.1
Objetivo geral........................................................................................24
1.5.2
Objetivos específicos............................................................................25
2
O ATUAL MODELO DE GESTÃO DE RISCOS E AS
CONSEQÜÊNCIAS DOS ACIDENTES SOBRE A SAÚDE
E A VIDA DO TRABALHADOR.......................................................26
2.1
O atual modelo de prevenção................................................................26
2.2
As conseqüências do acidente para a servente de limpeza...................32
2.2.1
O sofrimento emocional........................................................................32
2.2.2
Os efeitos adversos dos medicamentos sobre o organismo..................36
3
A METODOLOGIA UTILIZADA PARA A INVESTIGAÇÃO
DO PROBLEMA.................................................................................39
3.1
A ergonomia como base de estudo.......................................................39
3.2
A trajetória metodológica para a investigação do problema.................41
8
3.2.1
Avaliação da origem da demanda.........................................................41
3.2.2
As primeiras investigações nos hospitais selecionados........................43
3.2.2.1
Conhecendo o trabalho da limpeza em dois hospitais..........................44
3.2.2.2
Ampliando as observações em outras unidades hospitalares...............45
3.2.3
Contextualizando as atividades das serventes e os riscos de
perfuração em setores críticos de trabalho............................................52
4
O CAMPO EMPÍRICO DE INVESTIGAÇÃO...................................56
4.1
Uma visão macro da estrutura hospitalar e dos serviços de limpeza....56
4.1.1
Hospital: complexidade, incertezas e riscos.........................................56
4.1.2
A importância da limpeza para o hospital ............................................61
4.1.3
A forma usual de contratação dos serviços de limpeza........................64
4.2
Focando a estrutura hospitalar investigada e a organização dos
serviços de limpeza...............................................................................65
4.2.1
A situação dos hospitais pesquisados...................................................65
4.2.2
A organização dos serviços de limpeza................................................70
4.2.2.1
A terceirização precarizando as relações de trabalho das serventes
de limpeza.............................................................................................72
4.2.2.2
A organização vertical do trabalho e a dupla subordinação
hierárquica............................................................................................74
4.2.2.3
Divisão do trabalho e produtividade.....................................................77
5
COMPREENDENDO O RISCO DE ACIDENTES A PARTIR
DA ANÁLISE DAS ATIVIDADES DE LIMPEZA...........................80
5.1
O trabalho prescrito..............................................................................80
5.1.1
O aprendizado das técnicas de limpeza................................................81
9
5.1.2
As normas prescritas de segurança contra as perfurações....................83
5.2
O trabalho real.......................................................................................85
5.2.1
As interfaces da limpeza na gestão horizontal do trabalho...................85
5.2.1.1
Os conflitos nas relações de trabalho....................................................86
5.2.1.2
A dificuldade de acesso às informações aumentando o
risco de acidentes..................................................................................88
5.2.2
As variabilidades do contexto como condicionantes de acidentes.......92
5.2.2.1
O aumento na demanda de atendimentos a pacientes..........................93
5.2.2.2
As constantes interrupções nas rotinas de trabalho.............................94
5.2.2.3
Os coletores de instrumentos pérfuro-cortantes..................................97
5.2.2.4
Os desvios de função...........................................................................98
5.2.2.5
A arquitetura dos hospitais dificultando os serviços de limpeza........100
5.2.2.6
As ferramentas de trabalho de limpeza...............................................101
5.2.2.7
As limitações da proteção individual..................................................104
5.2.2.8
Os efeitos do trabalho sobre o organismo...........................................105
5.2.2.8.1
Os condicionantes físicos e posturais.................................................105
5.2.2.8.2
A jornada de trabalho..........................................................................107
5.2.3
Evidenciando disfuncionamentos através da análise de um acidente.108
5.2.3.1
O acidente e os problemas associados................................................108
6
SÍNTESE E PROPOSIÇÃO DE AÇÕES...........................................112
7
CONCLUSÃO....................................................................................115
10
8
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................118
9
ANEXOS...........................................................................................124
11
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABERGO
Associação Brasileira de Ergonomia
AET
Análise Ergonômica do Trabalho
AIDS
Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
ASO
Atestado de Saúde Ocupacional
CAT
Comunicação de Acidente do Trabalho
CCIH
Comissão de Controle de Infecção Hospitalar
CDC
Centers for Disease Control and Prevention
CIPA
Comissão Interna de Prevenção de Acidentes
CNDST/AIDS
Coordenação Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e AIDS
CTI
Centro de Terapia Intensiva
DORT
Distúrbio Osteomuscular Relacionado ao Trabalho
EPC
Equipamento de Proteção Coletiva
EPI
Equipamento de Proteção Individual
HIV
Vírus da Imunodeficiência Humana
MS
Ministério da Saúde
MTE
Ministério do Trabalho e Emprego
NBR
Normas Técnicas Brasileiras
NIOSH
National Institute for Occupational Safety and Health
NR
Norma Regulamentadora
OSHA
Occupational Safety and Health Administration
PCMSO
Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional
PPRA
Programa de Prevenção de Riscos Ambientais
12
PVC
Policloreto de Vinila
SEC
Serviço de Emergência Clínica
SESMT
Serviço Especializado em Segurança e Medicina do Trabalho
UTI
Unidade de Terapia Intensiva
13
LISTA DE TABELAS
1
Número de acidentes por perfuração em relação ao número total
de acidentes cadastrados na área hospitalar – 2000 a 2002 ..........................24
2
Situações de trabalho em que ocorreram os acidentes..................................42
3
Setores em que ocorreram os acidentes.........................................................43
4
Distribuição por gênero dos trabalhadores da limpeza.................................46
5
Distribuição por idade dos trabalhadores da limpeza....................................47
6
Distribuição por faixa de escolaridade dos trabalhadores da limpeza...........47
7
Tempo de experiência dos trabalhadores da limpeza....................................48
8
Relação entre número de serventes e número de auxiliares de
enfermagem (por plantão)............................................................................99
9
Disfuncionamento e problema associado....................................................110
14
LISTA DE FIGURAS
1
Cópia do ASO – Atestado de Saúde Ocupacional.........................................30
2
Interdisciplinaridade da Ergonomia...............................................................40
3
Organização Vertical....................................................................................75
15
RESUMO
A presente dissertação aborda a gestão de riscos de acidentes com instrumentos pérfurocortantes no trabalho terceirizado de limpeza realizado em hospitais da rede pública
estadual a partir do olhar da Ergonomia, colocando as atividades e as situações de
trabalho no centro da análise.
A pesquisa foca inicialmente o modelo de prevenção adotado contra as perfurações no
contexto hospitalar investigado e as conseqüências do acidente na vida das serventes de
limpeza. A partir do conhecimento do contexto hospitalar e das reais situações de
trabalho que as serventes encontram para executar suas atividades, foi possível buscar
elementos para compreender que o modelo tradicional de prevenção, baseado na
prescrição de normas e comportamentos seguros, é ineficaz quando se têm
condicionantes que comprimem os espaços de regulação dos trabalhadores.
Os resultados encontrados permitem concluir que a gestão dos riscos pode ser
transformada se houver compreensão da realidade do trabalho, privilegiando sempre a
construção conjunta de medidas que possam efetivamente contribuir para a segurança
de todos.
PALAVRAS-CHAVE: hospital, gestão de riscos, acidente, instrumentos pérfurocortantes, servente de limpeza, Ergonomia.
16
ABSTRACT
The present work focuses on risk management of accidents involving piercing or cutting
instruments that are handled by the outsourcing cleaning staff in public state hospitals.
The analysis is based on Ergonomics theory, and the performed activities and work
situations are the mainly observed aspects.
This research focuses initially on preventive model that has been adopted to avoid
piercing accidents in the investigated hospital context, as well as discusses the
consequences of this kind of accident to the cleaner’s lives. It was possible to
understand how useless the traditional model to prevent accidents is, after finding out
about the reality of the hospital context and everyday work situations faced by cleaners
to perform their activities. This traditional model is based on prescribing norms and safe
behavior to be adopted by the staff, but it doesn’t work, due to conditioning factors that
limit the works’ regulation spaces.
The results which have been found in this work allow us to conclude that risk
management can be changed if there is some understanding about work reality. It’s also
necessary to defend the idea of collectively establishing a set of rules which can
effectively contribute to all people’s safety.
KEY WORDS: hospital, risk management, accidents, piercing and cutting instruments,
cleaners, Ergonomics.
17
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho insere-se no campo da saúde ocupacional e tem como objetivo
investigar as causas do elevado número de acidentes de trabalho com instrumentos
pérfuro-cortantes entre empregados terceirizados contratados para a limpeza de
hospitais da rede pública estadual, profissionais mais conhecidos como serventes de
limpeza.
O aprofundamento sobre o problema se deu pela necessidade de próprio pesquisador –
naquela oportunidade engenheiro de segurança da empresa prestadora de serviços de
limpeza – responder à seguinte indagação: por que ocorriam tantos acidentes por
perfuração naquele contexto, se havia normas e procedimentos rigorosos para a
manipulação e o descarte de instrumentos pérfuro-cortantes? O que estava falhando nos
programas de prevenção de riscos adotados para o trabalho naqueles hospitais?
Para responder a essas perguntas, o caminho escolhido para a análise de riscos foi
conhecer a realidade de trabalho das serventes de limpeza e descobrir em que condições
ocorriam os acidentes. A abordagem julgada a mais adequada para investigar o assunto
da forma proposta e com a profundidade que o problema exigia foi a Ergonomia, por
sua metodologia própria de investigação – AET – Análise Ergonômica do Trabalho –
que possibilita ao pesquisador compreender o trabalho a partir da análise das atividades
e das situações de trabalho, ou seja, confrontando o idealizado com o real e buscando
estabelecer uma relação de fatos em situação de trabalho que estejam contribuindo para
a ocorrência dos acidentes. Montmollin (1998) cita que “a Ergonomia situada é
essencialmente centrada na organização do trabalho, quem faz o que, onde, e
sobretudo, como o faz, questionando-se ainda se é possível que se possa fazer melhor e
mais seguro”.
A partir do entendimento das atividades de limpeza em situações reais de trabalho, a
gênese de grande parte dos acidentes pôde ser mais bem compreendida. À primeira
vista, as serventes são consideradas trabalhadoras que executam tarefas simples e
rotineiras, porém inseridas em um ambiente considerado complexo. Amalberti (1996)
cita que os ambientes complexos são marcados pela incerteza, pela dinâmica, pelos
riscos e pelas exigências das tarefas.
18
Entretanto, o que se descobriu naqueles contextos, e que será abordado com maiores
detalhes nos capítulos seguintes, é uma série de disfuncionamentos que potencializam
situações para a concretização de acidentes com instrumentos pérfuro-cortantes, que não
são levadas em consideração na proposição das medidas institucionais de segurança.
Dessa forma, os problemas específicos das unidades hospitalares pesquisadas
(financeiros, escassez de mão-de-obra e concepção arquitetônica ultrapassada), somados
aos disfuncionamentos das atividades de limpeza (falta de materiais, carga de trabalho,
extensão da jornada, ferramentas de trabalho inadequadas, constantes interrupções nas
rotinas e desvios de função) e os específicos da área de saúde (alta demanda de
atendimentos, setores lotados, falta de coletores para instrumentos pérfuro-cortantes)
constituem um modo degradado de trabalho, mas que acabam sendo consideradas
situações normais naqueles contextos, pois as pessoas se acostumam a conviver com a
precariedade do trabalho, chegando ao limite de desconsiderarem o risco.
A noção de modo degradado significa, segundo Duarte & Vidal (2000), uma situação de
trabalho caracterizado por um estado de disfuncionamentos e de incidentes constantes.
Freitas & Porto (1997) citam que o modo degradado vai pouco a pouco minando a
segurança pela banalização de falhas consideradas menores, transformando falhas
visíveis em invisíveis, denominada pelos autores “anormalidade normal”. Entretanto,
essa falsa normalidade propicia condições para que a servente se exponha mais ao risco,
quando ocorre, por exemplo, falta de coletores para descarte dos instrumentos pérfurocortantes ou quando são utilizados em desacordo com as normas, desprezando-se dentro
deles outros materiais, além das seringas e agulhas.
Os problemas observados, se deixados de lado, podem encobrir as verdadeiras causas
dos acidentes e induzir à análise somente de fatos relacionados ao não cumprimento das
normas de segurança. Porém, nas condições observadas, é impraticável para a servente
seguir as regras que lhe foram formalmente prescritas, o que exige delas uma
competência não reconhecida pela organização para conseguir resolver os problemas
cotidianos. Competência, nesse sentido, está ligada à capacidade que o trabalhador tem
para fazer ajustes à situação onde se verifica a necessidade de seu emprego, ou seja, na
ação situada (Montmollin apud Vidal, 1998).
19
Assim, este estudo penetrará no mundo do trabalho das serventes1
de limpeza
hospitalar e avaliará as reais situações de risco a que elas estão expostas e quais os
mecanismos de regulação que utilizam para conseguir atingir aquilo que lhes foi
prescrito fazer.
1.1. Justificativa
A redução dos riscos nos locais de trabalho é o foco de atenção de todos os profissionais
de segurança, que tentam implementar medidas de controle para gerenciar
adequadamente os eventos que possam resultar em acidentes do trabalho.
Entretanto, a avaliação dos riscos e as análises dos acidentes do trabalho, em sua grande
maioria, ainda são muito limitadas e superficiais, e não revelam a origem das
verdadeiras causas que propiciam as condições para que o acidente se concretize.
Como profissional da área de segurança, sempre tive preocupações em descobrir qual a
melhor maneira para gerenciar os riscos nos locais de trabalho. Porém, os acidentes com
instrumentos pérfuro-cortantes se configuravam como um problema de difícil resolução.
Esses acidentes eram constrangedores para quem se acidentava e por mais que
tentássemos proteger o trabalhador, ainda assim eles aconteciam em grande número.
Isso nos causava um grande desconforto.
A justificativa para esta dissertação foi a necessidade de se buscar uma nova forma de
avaliação de riscos, que evidenciasse com mais detalhes as situações de trabalho das
serventes de limpeza nos hospitais investigados, assim como os fatores que pudessem
estar condicionando os acidentes com instrumentos pérfuro-cortantes.
1.2. A empresa prestadora de serviços
A empresa prestadora de serviços é pública, regida pela CLT – Consolidação das Leis
do Trabalho – e criada pelo governo do Estado de Minas Gerais para fornecer qualquer
tipo de mão-de-obra, especializada ou não, que a administração estadual necessite
contratar por tempo determinado.
1
Salienta-se que o objetivo desta dissertação não é tratar o problema dos acidentes focando o gênero do
trabalhador. O termo a servente somente será utilizado no gênero feminino em função deste coletivo ser
formado quase que totalmente por mulheres.
20
Na época em que a pesquisa foi realizada, a empresa prestadora de serviços possuía
aproximadamente 6.000 empregados, atuava em vários órgãos da administração pública
estadual e mantinha contratos de prestação de serviços com quase todas as secretarias
estaduais, em penitenciárias públicas, centros de hemoterapia e hospitais.
Apesar de poder contratar qualquer tipo de mão-de-obra, a maior parte dos serviços
prestados relaciona-se à conservação e limpeza, ou seja, as serventes de limpeza são a
categoria profissional que compõe a maior parte do quadro de empregados da empresa
prestadora de serviços.
Por ser uma empresa pública, o MPT – Ministério Público do Trabalho – vinha exigindo
ultimamente que a empresa somente admitisse empregados via concurso público, o que
dificultava sobremaneira a contratação de pessoas por tempo determinado, fato que
acabava repercutindo no trabalho de vários profissionais, já que a empresa não dispunha
de mão-de-obra suficiente em seu quadro de reservas para cobrir, por exemplo,
empregados que faltassem ao trabalho, que entrassem de férias, que estivessem
afastados ou que pedissem demissão. Muitas vezes, isso obrigava a servente de limpeza
hospitalar a ter que trabalhar mais tempo, quando, por exemplo, uma colega do plantão
seguinte faltasse ao trabalho ou mesmo se atrasasse.
Assim, vários acordos estavam sendo feitos com o MPT para tentar resolver a questão
da contratação de pessoas sem a obrigatoriedade do concurso público.
1.3. Os hospitais pesquisados
Um dos principais clientes da empresa prestadora de serviços é a rede de hospitais
públicos do estado, composta por vinte e três unidades assistenciais que prestam
atendimento médico-hospitalar à população de todo o Estado de Minas Gerais através
da oferta de seus serviços.
A Missão Institucional da Fundação Hospitalar é servir ao usuário do SUS em todas as
áreas-chave da assistência médico-hospitalar – hospitais gerais e de urgência para
adultos e crianças, hospitais psiquiátricos, maternidades, centros de reabilitação física e
toxicomania – e o atendimento a portadores de AIDS e outras doenças infectocontagiosas. São quinze hospitais distribuídos pela cidade de Belo Horizonte e oito
21
localizados no interior do Estado. Por se tratar de hospitais públicos, a demanda de
atendimentos a pacientes é alta em todos eles.
A empresa prestadora de serviços está presente em todas as unidades da rede hospitalar,
inclusive no prédio da administração central2 dos hospitais Em todos esses locais, o
ponto forte da prestação de serviços é a limpeza.
O trabalho de limpeza em hospitais é mais problemático do que em outros órgãos onde
a empresa prestadora de serviços atua, em função da diversidade de riscos presentes no
ambiente hospitalar, da maior carga de trabalho e dos disfuncionamentos existentes.
Assim, a servente de limpeza hospitalar é uma profissional diferenciada das demais
serventes, necessitando de maior competência para desenvolver seu serviço, pois além
de ter que aplicar as técnicas adequadas de limpeza e desinfecção exigidas naqueles
ambientes, ainda precisa preocupar-se constantemente com a sua segurança para evitar
acidentes, principalmente perfurações, o que nem sempre é possível naqueles contextos,
conforme será demonstrado nos próximos capítulos.
1.4. O problema
Os acidentes com instrumentos pérfuro-cortantes são eventos que ocorrem de forma
intensa entre os profissionais de saúde. Existem diversos estudos sobre o problema e a
preocupação com o tema é mundial, em virtude das sérias doenças que podem ser
transmitidas em decorrência das perfurações, como a Hepatite B (HVB), Hepatite C
(HVC) e o vírus da imunodeficiência humana (HIV) – patologias que podem ser fatais.
O tratamento geral dado ao problema é a adoção de medidas de biossegurança, que
procuram prevenir o contato das pessoas contra fluídos corporais, valendo-se
principalmente do uso de EPI – Equipamentos de Proteção Individual, EPC –
Equipamentos de Proteção Coletiva – e de campanhas de sensibilização (treinamentos,
cursos, cartazes).
O número de acidentes relacionados a instrumentos pérfuro-cortantes é significativo e
preocupa autoridades sanitárias do mundo todo, em virtude do potencial de
2
No prédio da administração dos hospitais são mantidos serviços de atendimento médico-odontológico
aos empregados dos hospitais, configurando-se, portanto, também como um local de riscos de acidente
com instrumentos pérfuro-cortantes para a servente.
22
contaminação relacionado a patógenos transmitidos pelo sangue. A seguir será dada
uma visão geral do problema e uma outra específica das unidades hospitalares
pesquisadas.
1.4.1. O problema sob o aspecto global
A OSHA – Occupational Safety and Health Administration – calcula que entre 600.000
e 800.000 trabalhadores se acidentam anualmente com algum tipo de material pérfurocortante nos Estados Unidos. Já o CDC – Centers for Disease Control and Prevention
(1998) estima que ocorram anualmente cerca de 384.000 acidentes desse tipo somente
nos hospitais americanos, sem considerar outros locais onde se manipulam instrumentos
pérfuro-cortantes, como clínicas médicas e odontológicas.
A principal causa de ocorrência desses acidentes com os profissionais que trabalham
nos centros de cuidados da saúde humana – principalmente médicos, enfermeiros e
auxiliares de enfermagem – é decorrente da própria atividade que esses profissionais
têm que desenvolver, ou seja, do contato com secreções corporais de pessoas doentes e
principalmente da manipulação de instrumentos pérfuro-cortantes, como agulhas e
bisturis, durante as intervenções nos pacientes.
Preocupado com essa situação, o governo brasileiro, através do Ministério da Saúde,
editou em 1998 o Manual de Condutas em Exposição Ocupacional a Material
Biológico, com o objetivo de descrever os cuidados necessários para evitar a
disseminação de doenças infecto-contagiosas, principalmente em relação ao vírus da
imunodeficiência humana (HIV). As estimativas atuais indicam que o risco médio de se
adquirir o HIV depois de um acidente com material contaminado, principalmente
sangue, é de 0,3 %, após exposição percutânea e de 0,09% após exposição micocutânea
(MS, 1998).
Levantamentos estatísticos do NIOSH – National Institute for Occupational Safety and
Health (1999) – confirmam que o percentual médio de infecção para o vírus do HIV é
de 0,3%. O CDC – Centers for Disease Control and Prevention (1998) – estima ser de
6% a 30% o risco de transmissão para a Hepatite B e aproximadamente 0,7% para
contaminação de Hepatite C. Durante o ano de 1999, o CDC já havia cadastrado, até
23
dezembro, 55 casos de infecção pelo vírus HIV e mais 136 casos de possíveis
contaminações.
A contaminação por perfuração depende de alguns fatores, que podem contribuir para
aumentar o risco de infecção depois da exposição, entre os quais: o tipo de patógeno
envolvido (a possibilidade de contrair a Hepatite B é bem maior do que contrair o vírus
do HIV), o sistema imunológico do trabalhador acidentado e a severidade da lesão (a
profundidade da perfuração ou da penetração do objeto na veia ou na artéria). O risco de
transmissão do HIV aumenta quando o trabalhador foi exposto a uma grande quantidade
de sangue do paciente.
Em função desses riscos, o Ministério da Saúde (1995) vem divulgando medidas de
prevenção denominadas Precauções Universais ou Precauções Básicas, que devem ser
utilizadas pelo pessoal da saúde quando manipular sangue, secreções e excreções de
pacientes. Isso inclui também o uso de equipamentos de proteção individual e cuidados
específicos na manipulação e no descarte de instrumentos pérfuro-cortantes
contaminados por material orgânico. As medidas de segurança tentam evitar as
conseqüências nefastas que um acidente desse tipo causa nos trabalhadores de unidades
destinadas aos cuidados da saúde humana, principalmente hospitais.
1.4.2 O problema específico dos hospitais investigados
O objeto deste estudo tem seu foco em uma categoria de trabalhadores que vive o
mesmo sofrimento que os profissionais de saúde em relação a esse tipo de acidente,
porém com características bastante diferentes daqueles: não desempenham atividades
diretamente ligadas aos cuidados da saúde humana e manipulam ferramentas de
trabalho completamente diferentes do pessoal de saúde. Esta pesquisa desenvolveu-se
sobre o coletivo de trabalhadores da limpeza hospitalar, chamados de serventes de
limpeza.
A relevância do estudo baseou-se no elevado índice de acidentes cadastrados pela
empresa prestadora de serviços, através da Comunicação de Acidente do Trabalho –
CAT, documento que a empresa, obrigatoriamente, tem que emitir ao Instituto Nacional
da Seguridade Social – INSS, no prazo máximo de um dia útil após o acidente. Os
24
acidentes devidos a perfurações atingiam, no período em que a pesquisa foi realizada,
mais de 30% do total do número de acidentes notificados entre os empregados que
prestavam serviços de limpeza na área hospitalar. A TAB. 1, a seguir, mostra o
quantitativo desses acidentes cadastrados a partir do ano de 2000:
TABELA 1
Número de acidentes por perfuração em relação ao número total
de acidentes cadastrados na área hospitalar – 2000 a 2002
Total de Acidentes
Acidentes por perfuração
400
200
0
2000
2001
2002
TOTAL
Total de Acidentes
108
109
68
285
Acidentes por perfuração
40
37
22
99
Fonte: CAT. Acidentes cadastrados até julho de 2002.
O principal questionamento sobre o problema dos acidentes com instrumentos pérfurocortantes foi compreender por que uma categoria de trabalhadores que não utiliza
ferramentas de trabalho como agulhas, bisturis e escalpes em suas atividades de limpeza
tinham seus corpos perfurados com tanta intensidade. O que falhava na prevenção, visto
existirem procedimentos e normas rígidos para descarte desses materiais? Por que a
contradição entre uma condição idealizada para se ter reduzido o contato com
instrumentos pérfuro-cortantes e uma realidade com grande potencial de risco de
acidentes?
1.5. Os objetivos do trabalho
1.5.1. Objetivo geral
25
Abordar a gestão de riscos de acidentes com instrumentos pérfuro-cortantes nas
atividades de limpeza das unidades hospitalares investigadas a partir do ponto de vista
da Ergonomia.
1.5.2. Objetivos específicos
A partir da análise situada da atividade de limpeza e das situações de trabalho buscar
elementos para compreender as seguintes questões:
•
Por que o modelo tradicional de prevenção, baseado na prescrição de normas e
comportamentos seguros, apresenta-se ineficaz no contexto investigado?
•
Por que a contradição entre uma condição idealizada de prevenção e uma realidade
com tantos acidentes?
•
Quais disfuncionamentos estariam causando a fragilização do modelo adotado para
gestão de riscos?
26
2. O ATUAL MODELO DE GESTÃO DE RISCOS E AS CONSEQÜÊNCIAS
DOS ACIDENTES SOBRE A SAÚDE E A VIDA DO TRABALHADOR
Este capítulo abordará a atual forma de gestão de riscos para evitar acidentes com
instrumentos pérfuro-cortantes adotada pelos hospitais investigados e pela empresa
prestadora de serviços. Serão abordadas também as conseqüências da perfuração sobre a
saúde e a vida da servente de limpeza quando o evento se materializa.
2.1 O atual modelo de prevenção
O modelo de segurança adotado para a prevenção de incidentes3 e de acidentes de
trabalho com instrumentos pérfuro-cortantes nas unidades hospitalares pesquisadas
baseia-se na forma tradicional, ou seja, na prescrição de procedimentos e
comportamentos seguros.
A prescrição de procedimentos seguros está baseada na legislação que as empresas têm
que cumprir, seja através de normas internacionais de segurança destinadas aos locais
que tratam dos cuidados da saúde humana, seja através de normas nacionais ou até
mesmo de regulamentos internos, elaborados pelas próprias unidades de acordo com a
suas necessidades.
No caso específico dos acidentes com instrumentos pérfuro-cortantes, a legislação prevê
uma série de recomendações para os estabelecimentos que tratam da saúde humana.
Uma das principais é que esses locais adotem práticas conhecidas como Precauções
Universais em suas rotinas de trabalho.
As Precauções Universais, atualmente denominadas Precauções Básicas, são medidas
de prevenção que devem ser utilizadas na assistência a todos os pacientes quando se
manipular sangue, secreções e excreções e no contato com mucosas e pele não-íntegra.
Isso independe do diagnóstico definido ou presumido de doença infecciosa (HIV/AIDS,
Hepatites B e C).
3
Neste estudo, incidente relaciona-se a eventos que não produzem inicialmente danos físicos ou mentais,
mas indicam uma possibilidade potencial de geração destes danos, como por exemplo o descarte
inadequado de instrumentos pérfuro-cortantes.
27
Essas medidas incluem a utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e de
Equipamentos de Proteção Coletiva (EPC) com a finalidade de reduzir a exposição do
profissional contra sangue ou fluidos corpóreos e de possibilitar a adoção de cuidados
específicos recomendados para manipulação e descarte de instrumentos pérfurocortantes contaminados por material orgânico (MS, 1998).
Algumas recomendações contidas nas precauções básicas interferem nos serviços de
limpeza e podem comprometer a segurança dos trabalhadores que exercem tais
atividades, caso não sejam cumpridas pelos outros profissionais. Como exemplos de
medidas de segurança que devem ser adotadas, destacam-se:
• A manipulação cuidadosa pelo pessoal da saúde de instrumentos pérfuro-cortantes
contaminados com material biológico; deve ser utilizado coletor resistente para
descarte desses materiais perfurantes ou cortantes (medida de proteção coletiva, que
deve ser adotada pelo hospital);
• O transporte de materiais contaminados em embalagens impermeáveis e resistentes
(medidas de proteção coletiva, que devem ser adotadas pelo hospital).
Outras medidas estão associadas diretamente aos serviços de limpeza e de desinfecção
realizados pelas serventes, como, por exemplo:
• O uso de luvas, óculos de proteção e de capotes (aventais) quando houver a
possibilidade de contato com sangue, fluidos corporais, excreções e secreções
(medidas de proteção individual, que devem ser adotadas pelos profissionais
expostos a essas substâncias);
• A utilização de desinfetantes, como o hipoclorito de sódio, na limpeza de áreas com
respingos de sangue ou outros materiais biológicos (medidas de proteção coletiva).
Algumas unidades hospitalares também adotam procedimentos internos para controlar
os
instrumentos
pérfuro-cortantes
descartados
fora
dos
coletores
(medidas
administrativas). Por exemplo, no caso da servente de limpeza, cabe a ela anotar em um
livro de registro apropriado todos os instrumentos pérfuro-cortantes que encontrar,
como aqueles jogados no chão ou deixados em cima de bancadas.
28
Nesse livro são registrados o local, a hora, o tipo de instrumento e o nome da pessoa que
encontrou o pérfuro-cortante. A chefia do setor onde se achou o pérfuro-cortante é
avisada sobre o problema para que se tomem as medidas administrativas necessárias
para responsabilizar quem descartou o instrumento, que podem ser desde uma chamada
de atenção para que o fato não mais aconteça, uma advertência por escrito ou até mesmo
a suspensão do empregado no trabalho por um determinado número de dias. Esse tipo
de controle – que visa culpar pessoas – tem, na prática, se mostrado ineficiente e acaba
criando problemas de relacionamento para a servente que faz o registro. Muitas
serventes preferem não adotar esse procedimento e recolhem o pérfuro-cortante sem
anotar nada no livro de registros, optando por encobrir incidentes mas evitando conflito
com outros profissionais.
Todas essas recomendações fazem parte de um conjunto de medidas de segurança ou de
biossegurança adotadas nos hospitais para prevenir acidentes. As informações sobre as
formas corretas de prevenção são divulgadas à servente nos treinamentos oferecidos
tanto pelos hospitais como pela empresa prestadora de serviços, quando se enfatiza,
principalmente, o uso de equipamentos de proteção individual como forma de evitar ou
reduzir as conseqüências do acidente.
Nesses treinamentos é repassada à servente a maneira correta que ela deve adotar em
situação de trabalho para evitar os acidentes, ressaltando-se a importância de
permanecer sempre atenta durante a toda a jornada de trabalho. Assim, informações
sobre os procedimentos adequados para transporte de sacos de lixo ou sobre os cuidados
que ela deve ter para torcer os panos de chão são assuntos abordados, buscando-se
sempre o comprometimento do trabalhador com os aspectos comportamentais de
segurança. Qualquer desvio desses padrões que possa causar acidente ou incidente é
considerado ato inseguro, ou seja, a responsabilidade recai sobre o próprio trabalhador.
A empresa prestadora de serviços também elabora, através do seu Serviço Especializado
em Segurança e Medicina do Trabalho – SESMT, os programas de segurança e de
medicina do trabalho exigidos pelo Ministério do Trabalho, cumprindo, assim, a
Portaria 3214/78, que, através das Normas Regulamentadoras 7 e 9, estabelece,
respectivamente, a implementação do Programa de Controle Médico de Saúde
Ocupacional – PCMSO – e o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA,
29
objetivando a promoção e a preservação da saúde dos seus trabalhadores (MTE, 2000).
Assim, as condições inseguras que a servente irá encontrar para realizar aquilo que lhe
foi prescrito fazer são avaliadas e as respectivas medidas de controle recomendadas,
para que ela não adoeça e nem se acidente, porém restringindo-se quase sempre ao uso
dos EPI e aos exames médicos obrigatórios.
Em alguns contextos, esses programas acabam se tornando ineficazes, pois não avaliam
os reais riscos da atividade da servente, chegando mesmo a desconsiderá-los, conforme
pudemos constatar em um hospital localizado no interior, onde a prestadora de serviços
de limpeza contrata empresas especializadas para realizar os exames de saúde dos seus
empregados. Esses exames são obrigatórios (NR 7), devem ser feitos periodicamente e
estão associados aos riscos existentes no local trabalho. O documento emitido após os
exames médicos chama-se ASO – Atestado de Saúde Ocupacional – e deve ter a
assinatura do médico que realizou o exame e do médico coordenador do programa; uma
via desse documento deve ser entregue ao trabalhador. O fato é que, nessa unidade
hospitalar do interior, o ASO das serventes de limpeza, que desenvolvem seu trabalho
em um local onde há inúmeros riscos4 à saúde, não continha nenhuma indicação de
risco, sendo avaliada como uma atividade totalmente segura à saúde do trabalhador.
Nesse caso específico, comprovou-se a total desarticulação entre o que esses programas
se propõem a fazer e a realidade encontrada. Na FIG. 1, a seguir, apresenta-se uma
cópia de um ASO, preservando-se o nome da empresa de medicina do trabalho que
emitiu o documento assim como o das pessoas envolvidas.
4
Em hospitais encontram-se todos os agentes de risco classificados de acordo com a NR 9.
30
FIGURA 1 – Cópia do ASO – Atestado de Saúde Ocupacional
31
Para acompanhar as medidas de segurança propostas, a empresa prestadora de serviços
mantém instalada a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes – CIPA, nos
estabelecimentos em que a legislação exige sua formação. Entretanto, vários fatores
contribuem para que seu campo de atuação seja restrito em termos de acompanhamento
e de proposição de medidas de prevenção. Dentre esses fatores destaca-se a diferença
entre a legislação celetista e a estatutária. Esta não é obrigada a seguir as normas
regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho exigidas para aquela. Outro
problema que acaba se tornando relevante é o fato de a CIPA da empresa prestadora de
serviços ser composta de empregados contratados pelo hospital (terceirizados), motivo
que enfraquece substancialmente suas reivindicações para a implementação de medidas
de segurança no trabalho de limpeza.
A CIPA, juntamente com a equipe técnica de segurança da empresa prestadora de
serviços, também tem a incumbência de analisar as causas dos acidentes de trabalho
com instrumentos pérfuro-cortantes que são registrados. Porém, as análises ainda são
realizadas de forma descontextualizadas, restringindo-se somente às avaliações dos
fatores comportamentais que levaram ao acidente. Segundo Assunção & Lima (2003),
as análises retrospectivas que desprezam as circunstâncias da tomada de decisão acabam
tratando os atores como incompetentes, negligentes e com interesses contrários à
segurança.
Dentro dessa visão é que se elaboram as estratégias de segurança para os serviços de
limpeza, generalizando-se as situações de trabalho, analisando-se somente as tarefas
prescritas para a servente executar e observando-se o cumprimento dos itens básicos de
prevenção exigidos pela legislação. Nesse tipo de tratamento dado à segurança, não se
consideram as singularidades inerentes a cada local, suas variabilidades e a intensidade
dos disfuncionamentos próprios de cada unidade, que aumentam significativamente a
probabilidade dos riscos de acidentes com instrumentos perfuro-cortantes.
Diante desse quadro, o acidente quando se concretiza acaba levando a servente a um
profundo estado de sofrimento, independentemente de se contaminar ou não. O item
seguinte abordará as conseqüências do acidente com instrumento pérfuro-cortante na
vida da servente de limpeza.
32
2.2 As conseqüências do acidente para a servente de limpeza
O risco de acidente com instrumentos pérfuro-cortantes é a situação que as serventes
mais temem dentro dos setores hospitalares. A possibilidade de contaminação
decorrente de uma perfuração está presente no cotidiano do trabalho e é representada
quase sempre pela possibilidade de se contrair alguma doença, sendo a AIDS a que
causa maior medo. A representação que as serventes têm dessa doença, por conviverem
diretamente com pacientes infectados pelo vírus do HIV, está sempre relacionada ao
sofrimento, à dor e à morte.
Os acidentes decorrentes de perfurações possuem características diferenciadas de outros
tipos de eventos, pois à dor física do corpo acrescenta-se o sofrimento. A dor física é
mais observável e pode associar-se à marca que um furo de agulha deixa na pele da
servente que se acidenta ou aos efeitos colaterais que os medicamentos causam ao
organismo. O sofrimento é, sobretudo, interno. De acordo com Guareschi (1993), “não
é visível, não é palpável e em grande parte não é compartilhável”. E normalmente se
inicia logo após o acidente, quando a servente começa a imaginar a possibilidade de
adoecer. Isso a leva quase sempre a um sofrimento com conseqüências nefastas para a
sua vida.
No discurso das serventes, a sua maior preocupação no trabalho é de não se acidentarem
com instrumentos pérfuro-cortantes, pois sabem dos problemas que terão que enfrentar
caso ocorra a perfuração. As reações ao acidente podem ser traduzidas pela fala de uma
servente que se acidentou com uma agulha: “A gente fica pasma, meia boba. Fica todo
mundo preocupado. Depois a gente vai imaginando o que pode acontecer. Aí dá
preocupação”.
Assim, ao se acidentar com um instrumento pérfuro-cortante – principalmente quando o
evento ocorre em uma área classificada como crítica dentro do hospital, como
enfermarias – a servente fica submetida a uma situação tal que terá reflexos durante
algum tempo sobre sua vida, afetando seu lado emocional, orgânico e social.
2.2.1 O sofrimento emocional
33
Dejours (1994), estudando o sofrimento no trabalho, cita que ele se inicia devido a um
bloqueio na relação entre trabalhador e a organização do trabalho. Sob a óptica de sua
gênese, as perfurações também ocorrem por causa de disfuncionamentos relacionados
aos
problemas
organizacionais
existentes
nos
hospitais
pesquisados.
Os
disfuncionamentos organizacionais observados – que serão abordados nos próximos
capítulos – potencializam condições dentro do contexto hospitalar que propiciam o
descarte inadequado dos instrumentos pérfuro-cortantes e que, em determinadas
situações de trabalho, acabam concretizando os acidentes e transformando a vida da
servente em um verdadeiro sofrimento.
O processo de sofrimento desenvolve-se logo após o acidente, quando o trabalhador é
subitamente tomado por uma sensação de medo, que se traduz pelo risco de ter sido
contaminado por algum patógeno. Por trabalhar no contexto hospitalar, a representação
que a servente tem das doenças fundamenta-se na realidade do seu dia-a-dia de trabalho,
onde a interface com o paciente é inevitável. E isso é evidenciado quando ela tem que
entrar em um quarto de enfermaria para realizar uma desinfecção e se depara com uma
pessoa com AIDS, em estado terminal, cujo aspecto físico quase sempre é muito
impactante.
A perfuração causará à servente uma sensação de impotência por ela nada poder fazer
para evitar a doença. Resta-lhe somente fazer os exames laboratoriais iniciais, tomar a
medicação recomendada e aguardar os resultados para confirmação ou não da
contaminação.
As reações emocionais observadas após o acidente podem ser traduzidas pelo
sentimento expresso por algumas das pessoas entrevistadas durante esta pesquisa. Fezse a seguinte pergunta: Como você se sentiu após o acidente? Uma servente, que
limpava o chão de uma enfermaria e ao torcer o pano perfurou a mão com uma agulha,
explica bem o fato:"Fiquei nervosa. Muito nervosa. Chorei muito. Por que eu tenho seis
filhos para cuidar e eu sei que lá (no hospital) tem gente que tem problema sério,
inclusive gente que fica separado5. A gente fica pensando...”.
5
Pacientes internados em quartos isolados em virtude de doenças infecto-contagiosas.
34
Parece que há um comportamento único em relação ao evento. O medo inicial
transforma-se em um sofrimento que toma conta de todas as pessoas que se acidentam,
levando algumas serventes a somatizar a doença. A somatização é o processo pelo qual
um conflito que não consegue encontrar uma resolução mental desencadeia no corpo
desordens endócrino-metábólicas, que são o ponto de partida de uma doença somática.
Os relatos obtidos durante o trabalho de campo serviram de embasamento para que se
confirmasse o pressuposto de sofrimento psíquico do acidentado. O caso mais relevante
e que levou o pesquisador a iniciar as investigações foi o da servente que se dirigiu ao
setor de segurança da empresa terceirizada para abertura da CAT e, ao descrever o
acidente por perfuração de agulha, teve uma crise nervosa seguida de um desabafo em
tom de profundo desapontamento com a situação que estava vivenciando: “Será que
ninguém pode fazer nada pela gente? Será que a gente vai continuar se acidentando e
ninguém vai fazer nada?”.
O pesquisador acompanhou de perto esse caso. A servente teve que ser afastada de suas
atividades durante um longo período de tempo, tendo, inclusive, que se submeter a
tratamento psiquiátrico (seu afastamento durou cerca de seis meses). O medo de ter se
contaminado tornou-se tão real que ela apresentava sintomas característicos da AIDS, e
isso a levava a uma profunda depressão.
O que se observou na investigação dos acidentes com instrumentos pérfuro-cortantes é
que eles têm um potencial transformador tão grande que podem alterar substancialmente
o modo de vida das pessoas.
Notou-se que, nas primeiras semanas após o acidente, as pessoas pareciam se comportar
como seres autômatos. Segundo relato das próprias acidentadas, as crises de choro eram
freqüentes e aconteciam a qualquer momento: “Fica difícil não conseguir parar de
pensar na possibilidade de ficar doente”. Mesmo após o resultado dos exames
laboratoriais, ainda corre-se o risco de estar contaminado por causa da janela
imunológica, que é o período entre a infecção e o início da formação de anticorpos
específicos contra o agente causador. Geralmente, esse período dura algumas semanas e
o paciente, apesar de ter o agente infeccioso em seu organismo, apresenta resultados
negativos nos testes para detecção de anticorpos contra o agente.
35
O sofrimento psíquico também tem influência negativa no desenvolvimento das
atividades cotidianas da servente. Normalmente, o acidente com instrumento pérfurocortante não implica o afastamento da servente do seu trabalho em função da lesão ter
sido somente uma “simples” perfuração. Assim, o retorno ao trabalho acontece quase
sempre no mesmo dia e, na maioria dos casos, não há limitação nem restrição de
atividades. Entretanto, a servente acidentada terá que conviver com uma dor que é só
sua, que não pode ser medida perante os olhos da organização e das pessoas a sua volta.
Os acidentes envolvendo agentes biológicos possuem uma característica diferenciada de
outros infortúnios, pois sua abrangência ultrapassa a vivência de quem se acidenta. As
preocupações, a partir de um evento que possibilite o adoecimento devido a patologias
infecto-contagiosas como a AIDS e a hepatite, estendem-se também para as outras
pessoas que convivem com a acidentada dentro ou fora do seu local de trabalho.
Assim, o medo de adoecer ultrapassa a dimensão do eu para preocupar-se também com
o outro. Se o sofrimento interno já é intenso, a servente após o acidente terá que se
precaver contra o risco de transmitir seu problema a uma outra pessoa, fato que a
obrigará a evitar contatos mais próximos com os outros e lhe causará um processo de
clivagem social, pois tanto em seu trabalho quanto fora dele o isolamento acabará
acontecendo.
Em algumas situações relatadas por serventes que se perfuraram, o acidente acabou
interferindo até mesmo na sua vida sexual, pois tiveram que informar aos parceiros que
eles teriam que usar preservativos para não se contaminarem. A prevenção acabou se
transformando em desconfiança, conforme declarou uma das serventes entrevistadas:
“Como é que eu vou explicar para o meu companheiro que ele vai ter que usar
preservativo de agora em diante? A gente nunca fez isso antes...”. Esse tipo de
preocupação foi confirmado por um outro estudo realizado com profissionais de saúde
em um hospital público, onde o autor cita que as repercussões do acidente tiveram
impacto negativo no relacionamento com o parceiro, causando incompreensão e
acusação de infidelidade (Brandão Júnior, 2000).
Apesar de todos esses problemas, paradoxalmente, é no trabalho que a servente encontra
o apoio de seus pares, ou seja, das outras serventes. Aquelas que já passaram por essa
36
situação buscam amenizar o sofrimento e o medo da colega acidentada, trocando
experiências vividas após o acidente. A força do coletivo, segundo Dejours (1998), evita
o sentimento de medo no trabalho, pois põe em ação um sistema de defesa coletiva. O
acidente com um membro do grupo causa revolta entre as serventes, mas o coletivo não
tem força suficiente para reivindicar mudanças nas condições de trabalho que
favoreçam sistemas defensivos mais eficientes. As serventes ficam restritas ao uso dos
equipamentos de proteção individual, que efetivamente não as protegem contra esse tipo
de acidente.
É também no trabalho que a servente consegue esquecer mais o acidente, pois o tempo é
preenchido por suas atividades rotineiras e pelas dificuldades que se apresentarão no
decorrer do dia. Durante a jornada, as atenções se voltam para os afazeres diários e a
preocupação do acidente sofrido é momentaneamente substituída pelo trabalho que a
servente tem que realizar no seu setor de serviço.
Entretanto, o sentimento de medo se torna ainda mais real quando a servente tem que
tomar medicamentos, que efetivamente darão a ela a sensação de estar contaminada por
alguma doença, conforme se discorrerá no item seguinte.
2.2.2 Os efeitos adversos dos medicamentos sobre o organismo
Sempre que ocorre um acidente com instrumento pérfuro-cortante, algumas medidas
têm que ser imediatamente tomadas. A primeira providência é lavar abundantemente
com água o local onde houve a perfuração. Algumas serventes relataram tanto
nervosismo no momento do acidente que ficaram sem reação. Outras informaram que
tiveram vontade de “arrancar o dedo furado”, tal era a sensação de pânico pela qual
passaram. Depois desses procedimentos iniciais, a servente passará por várias etapas de
acompanhamento médico, tendo que superar inclusive alguns problemas de ordem
organizacional.
A maior dificuldade que se tem e que acaba sendo o fator mais importante para a
prescrição ou não dos medicamentos é saber qual é a origem do objeto que causou a
perfuração, ou seja, em que paciente foi usado, por exemplo, uma agulha. Caso se
descubra a origem, basta verificar se o paciente é portador de alguma patologia que
37
exija cuidados mais específicos. Para os profissionais de saúde, geralmente, é mais fácil
descobrir o paciente em que foi usado o pérfuro-cortante, pois, na maioria das vezes,
eles se acidentam quando estão usando esses objetos em alguém. Já para a servente de
limpeza é mais problemático descobrir isso, pois o acidente pode ocorrer algum tempo
depois de o objeto ter sido descartado e nesse intervalo vários pacientes podem ter
passado pela enfermaria. Assim, fica a impossibilidade de saber se a pessoa internada
tinha ou não uma doença infecto-contagiosa.
Nessas circunstâncias, o Manual de Condutas em Exposição Ocupacional a Material
Biológico, da CNDST/AIDS (1998) recomenda que os acidentes de trabalho com
sangue e outros fluídos potencialmente contaminados sejam tratados como caso de
emergência médica. Isso implicará para a servente a recomendação médica para uso de
medicamentos contra a infecção pelo HIV, chamado de coquetel anti-AIDS ou de antiretrovirais. Os anti-retrovirais atuam diretamente no processo de entrada do vírus na
célula e na sua replicação, fazendo com que a multiplicação do HIV seja reduzida,
diminuindo a quantidade do vírus no sangue e, portanto, diminuindo a velocidade e a
intensidade do desenvolvimento da doença.
O uso desses medicamentos é definido pelo médico que prestou o primeiro atendimento
à servente e deve ser iniciado o mais rapidamente possível, preferencialmente até as
duas primeiras horas após o acidente, quando a eficácia do medicamento é maior. A
servente de limpeza, em certas ocasiões, encontra dificuldades burocráticas para o
primeiro atendimento, visto que alguns médicos que trabalham nos hospitais entendem
que a prescrição dos anti-retrovirais deve ser feita pelo médico da empresa terceira.
Isso, além de causar transtorno para a servente – que já está sofrendo por ter se
acidentado – ainda atrasa o início do tratamento por ela não conseguir a receita médica
para adquirir o coquetel anti-AIDS.
O próximo passo é a coleta de sangue, logo após o acidente, para a realização de exames
laboratoriais, com acompanhamento periódico por, pelo menos, seis meses. A servente
ainda terá que cadastrar o acidente no INSS, no prazo máximo de um dia útil após o
acidente, para a abertura da CAT – Comunicação de Acidente do Trabalho – na sede da
empresa prestadora de serviços.
38
Com relação aos medicamentos, os anti-retrovirais produzem uma série de efeitos sobre
o organismo que variam muito de pessoa para pessoa. A Organização Mundial de Saúde
define efeitos colaterais como reação adversa produzida por um medicamento, ou seja,
qualquer efeito prejudicial ou indesejável que se apresenta após a administração das
doses normalmente utilizadas no homem para a profilaxia, o diagnóstico e o tratamento
de uma enfermidade.Todas as serventes entrevistadas reclamaram muito dos efeitos
colaterais dos medicamentos. As principais queixas foram: enjôo e vômitos; dor de
cabeça; tonturas; estado de fraqueza; desânimo; sono; perda de apetite; alterações
hormonais no ciclo menstrual.
Quanto aos efeitos do coquetel no organismo, algumas serventes relataram:
“Não sou mais a mesma mulher. Me sinto cansada. Parece que tem um vazio dentro
de mim.”
“Meu estômago fica todo atrapalhado e eu estou sempre com a cabeça
embaralhada.”
“Alterou todo meu período de menstruação.”
A servente de limpeza que se acidenta com instrumento pérfuro-cortante terá que
conviver com o sofrimento físico que o medicamento impõe ao seu organismo,
transformando sua maneira de agir, de ser e de viver. Ela terá que encontrar forças para
superar as adversidades que agora lhe são impostas e não poderá esmorecer frente à
droga, fazendo como elas mesmas dizem:“Não podemos deixar a peteca cair. Temos
que encontrar força para trabalhar”. No trabalho, os efeitos do medicamento sobre o
seu organismo prejudicam o desenvolvimento das atividades. Algumas não conseguem
ir ao trabalho e encontram dificuldades para comprovar os motivos da falta.
Dessa forma, a amplitude do acidente com instrumento pérfuro-cortante vai além do que
se pode imaginar, interferindo em todos os aspectos da vida daqueles que se acidentam.
39
3.
A
METODOLOGIA
UTILIZADA
PARA
A
INVESTIGAÇÃO
DO
PROBLEMA
Para a analise do problema dos acidentes com instrumentos pérfuro-cortantes foi
necessário entender a dinâmica interna dos hospitais pesquisados. Portanto, a escolha da
metodologia de estudo teria que propiciar o conhecimento da realidade das situações de
trabalho das serventes de limpeza, de forma que os acidentes fossem mais bem
compreendidos em sua gênese. Optou-se por utilizar como ferramenta metodológica a
Análise Ergonômica do Trabalho – AET, método clássico da Ergonomia, que tem como
ponto forte estudar as atividades das pessoas em situação real de trabalho e evidenciar
as singularidades.
3.1. A ergonomia como base de estudo
O embasamento teórico desta dissertação está ancorado nos conceitos da Ergonomia,
que, segundo a ABERGO (2000), “objetiva modificar os sistemas de trabalho para
adequar as atividades neles existentes às características, habilidades e limitações das
pessoas com vistas ao seu desempenho eficiente, confortável e seguro”. Echternatch
(1998) cita que a Ergonomia, em seu terreno disciplinar, “abrange um campo de
interfaces composto pelas ciências que se ocupam dos conhecimentos sobre o homem e
sobre o mundo do trabalho”.
A FIG. 2, a seguir, proposta por Hubault (1992) e modificada por Vidal (2002),
explicita a interação da Ergonomia com outras disciplinas, demonstrando a amplitude de
seu campo de atuação.
40
FIGURA 2 – Interdisciplinaridade da Ergonomia
A Engenharia de Segurança é uma das áreas que a Ergonomia mantém importante
interface, podendo ser utilizada como uma poderosa ferramenta para a análise de riscos,
pois faz uso de métodos e técnicas que aprofundam a compreensão da atividade em
situação real de trabalho. Wisner (1987) confirma que “a prática ergonômica é uma
arte que utiliza técnicas e se baseia em conhecimentos científicos”, sendo que “esta
prática é caracterizada por uma metodologia”. A metodologia citada pelo autor é a
AET, que comporta cinco etapas:
•
Análise da demanda;
•
Análise do ambiente técnico, econômico e social;
•
Análise da atividade e da situação de trabalho;
•
Validação das proposições;
•
Recomendações ergonômicas
A AET, de acordo com o Manual de Aplicação da NR 17 (MTE, 2002), “é um processo
construtivo e participativo para a resolução de um problema complexo que exige o
conhecimento das tarefas, das atividades desenvolvidas para realizá-las e das
dificuldades enfrentadas para se atingir o desempenho e a produtividade exigidos”.
41
Vidal (2002) define os métodos e técnicas da AET da seguinte forma:
•
Combinam técnicas de observação com procedimentos interacionais – conversação,
entrevistas abertas e fechadas, atividades em grupo;
•
Combinam procedimentos de descrição e de validação, restituição de resultados e
auto-confrontações;
•
Operam com variáveis quantitativas e qualitativas em uma mesma perspectiva
metodológica.
Corroborada por estudos de Telles (1995), que descreve a AET como um método de
ação para transformação das situações de trabalho, Santos & Zamberlam (1992),
pesquisando o mesmo assunto, salientam que “o fundamento de toda metodologia
ergonômica está na compreensão das atividades realizadas em cada situação de
trabalho e na consideração do contexto e todas as questões que estão relacionadas ao
processo de transformação do trabalho, no qual participam diferentes pessoas e pontos
de vista”.
3.2. A trajetória metodológica para a investigação do problema
Por ser um método, a AET possui etapas a serem seguidas para que se possa
efetivamente atingir os objetivos desejados, porém com a flexibilidade de se poder
retornar a etapas anteriores, caso a investigação do problema assim o exija. O
desenvolvimento do trabalho de levantamento de dados e de campo teve a seguinte
seqüência de análise:
3.2.1 Avaliação da origem da demanda
A primeira etapa da AET é a análise da demanda. A demanda é a expressão de um
pedido, de uma solicitação, que pode partir de uma pessoa ou de um grupo de pessoas
em virtude de uma situação relacionada ao trabalho que necessite ser transformada.
Nesse caso, conforme citado, a demanda originou-se de uma situação extrema, quando
se presenciou a indignação de uma servente acidentada com uma agulha que lhe
perfurara a mão, e que ao comparecer ao escritório central da empresa prestadora de
42
serviços para abertura da Comunicação de Acidente de Trabalho – CAT – teve uma
crise nervosa e fez um desabafo da sua incapacidade de resolver aquele tipo de acidente.
Outras perfurações já haviam ocorrido e, aparentemente, nada de concreto havia sido
feito para evitá-las. Para Wisner (1987), “os acidentes são os sinais do mau
funcionamento da organização, e é sobre esta que é necessário agir para preveni-los”.
A partir desse fato, buscou-se definir critérios para avaliar a demanda. Inicialmente,
optou-se por um processo de levantamento de dados, analisando-se todos os acidentes
que foram cadastrados nas CAT ocorridos na área hospitalar por perfuração. O objetivo
foi verificar o grau de relevância do problema a partir da avaliação da relação entre o
número de acidentes por perfurações e o número total de acidentes cadastrados na área
hospitalar. Na época, encontrou-se um valor maior que 30%, ou seja, mais de 30% dos
acidentes notificados nos hospitais ocorriam por perfuração (TAB 1).
O passo seguinte foi avaliar as situações de trabalho que demandavam maior risco para
a limpeza nos hospitais e os setores onde os acidentes mais ocorriam, com o objetivo de
estabelecer parâmetros de criticidade para o início das investigações de campo. As
TAB. 2 e 3, a seguir, ilustram tais avaliações:
TABELA 2
Situações de trabalho em que ocorreram os acidentes
Descrição
Quantidade
Porcentagem sobre o total
Torcer pano de chão
40
40,40
Recolher/transportar sacos de lixo
31
31,31
Fechar/transportar coletor de agulhas
14
14,14
Dentro de roupas sujas, mobiliário ou
jogadas no chão
11
11,11
3
3,04
99
100,00
Manusear
Total
43
TABELA 3
Setores em que ocorreram os acidentes
número de acidentes por local
8
27
44
6
14
enfermarias
CTI, UTI e blocos sirúrgicos
laboratórios
outros setores de atendimento a pacientes
áreas administrativas ou externas a edificação
A próxima etapa foi apresentar à gerência da empresa prestadora de serviços os
levantamentos documentais efetuados e a relevância do problema, enfatizando-se a
fragilidade da gestão de riscos utilizada para a prevenção daquele tipo de acidente.
Assim, elaborou-se uma proposta de estudo que possibilitasse um melhor entendimento
das causas dos acidentes com instrumentos pérfuro-cortantes.
Formalmente, também foi solicitada permissão à diretoria de três hospitais para a
realização da pesquisa. Todos os hospitais selecionados localizam-se na cidade de Belo
Horizonte – um na região central e dois na periferia. O critério adotado naquela
oportunidade para iniciar a investigação nos hospitais foi o de acessibilidade, tendo sido
priorizadas as unidades com as seguintes características:
•
As que autorizassem formalmente a pesquisa, permitindo adentrar e observar todos
os setores do hospital;
•
Aquelas onde houvesse facilidade para acompanhar e reunir pessoas de modo a
obter informações.
3.2.2. As primeiras investigações nos hospitais selecionados
44
Nessa fase, o questionamento preliminar foi compreender o porquê das normas de
segurança e dos sistemas de proteção falharem dentro daqueles contextos de trabalho,
visto que há regras bem definidas para o descarte dos instrumentos pérfuro-cortantes.
Guerin et al. (2001) cita que a formulação inicial da demanda é “quase sempre
colocada em termos de problemas a resolver, isolados de seu contexto”.
Foram realizadas visitas preliminares em dois dos hospitais selecionados – um
especializado no tratamento de crianças (localizado na região central) e outro no
tratamento de doenças infecto-contagiosas (localizado na periferia da cidade) – ocasiões
em que foram feitas observações gerais da situação de trabalho das serventes de limpeza
com objetivo de apreender a dinâmica hospitalar, conhecer as rotinas de trabalho das
serventes nos setores, familiarizar com a linguagem usada e compreender as interfaces
entre as diversas pessoas: serventes, gerentes de contrato da empresa prestadora de
serviços, profissionais de saúde, pacientes e visitantes (ANEXO 1).
O terceiro hospital, localizado na periferia de Belo Horizonte e classificado como
hospital geral, foi o campo para os estudos mais aprofundados das atividades das
serventes de limpeza. Nele, a pesquisa se deu em outro momento.
3.2.2.1. Conhecendo o trabalho da limpeza em dois hospitais
A análise das atividades em situação real de trabalho é a principal característica da
metodologia ergonômica. Wisner (1987) cita que ela é o instrumento de medida da
distância entre o trabalho prescrito e o real. Em sua pesquisa, Teles (1998) relata que “é
nesta etapa, através de técnicas que associam a observação dos comportamentos e a
explicitação de seus determinantes, que são descritas e analisadas as exigências reais
das tarefas, as condições de sua realização e sua realização em si pelos trabalhadores,
buscando-se as respostas para as questões colocadas pela demanda”.
As observações gerais das atividades das serventes tiveram duração total de 32 (trinta e
duas horas) durante, aproximadamente, dois meses. Nessas duas unidades foram
visitados todos os setores onde as serventes prestavam serviços, porém, por maior
tempo, aqueles onde havia atendimento a pacientes e onde mais se manipulavam
45
pérfuro-cortantes. Portanto, atividades que aumentavam a possibilidade de contato da
servente de limpeza com esses objetos e, conseqüentemente, os riscos de perfuração.
Foram consultadas as rotinas de serviço de limpeza, além de outros documentos, como
o livro de passagem de plantão (somente o hospital central adotava esse tipo de
registro). Além da consulta a documentos, também foram realizadas as primeiras
observações das situações de trabalho, o registro dos dados e entrevistas com as
serventes de limpeza e a encarregada de serviços gerais desses hospitais, em busca das
seguintes informações:
•
O que faziam;
•
Quem prescrevia suas tarefas;
•
Quais eram suas ferramentas de trabalho;
•
Quais produtos manipulavam;
•
A quem tinham que se subordinar;
•
Como eram treinadas;
•
Com quais profissionais da área de saúde tinham maior interface;
•
Qual a jornada de trabalho.
3.2.2.2. Ampliando as observações em outras unidades hospitalares
Paralelamente à pesquisa específica nos hospitais selecionados, durante mais de seis
meses, realizaram-se observações gerais em todas as outras unidades, totalizando vinte e
três hospitais visitados (incluindo os hospitais selecionados), distribuídos por todo o
Estado de Minas Gerais. Mesmo não havendo um planejamento prévio para a realização
da pesquisa nos outros hospitais, o conhecimento de todas as unidades foi fundamental
para comprovar a similaridade das deficiências desses hospitais. Apesar de não haver
uma autorização formal para a pesquisa, o fato de o pesquisador exercer a função de
engenheiro de segurança na empresa prestadora de serviços dava-lhe o direito de avaliar
o local de trabalho das serventes, de conhecer as atividades que realmente faziam, e de
avaliar os problemas que interferiam no trabalho e na saúde daquelas pessoas.
46
Nesse período vários documentos foram consultados: Manuais de Limpeza de Hospitais
(1995), Manuais do Ministério da Saúde (1978, 1989,1991, 1995, 1998), Rotinas de
Trabalho de Limpeza, Programas de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA,
Programas de Controle Médico de Saúde Ocupacional – PCMSO, e inclusive fontes
documentais internacionais, como do NIOSH – National Institute for Occupational
Safety and Health (1999), CDC – Centers for Disease Control (1989,1996, 1998) e
OSHA – Occupational Safety Health Administration (1992). Os documentos
estrangeiros serviram como parâmetros para verificar o grau de importância que outros
países dão aos acidentes com instrumentos pérfuro-cortantes, possibilitando o
conhecimento de informações estatísticas obtidas por órgãos internacionais sobre esse
tipo de infortúnio. Também foram realizados levantamentos estatísticos específicos para
se conhecerem as características da população das serventes de limpeza, como gênero,
idade, escolaridade, estado civil e experiência na profissão, que se tornaram importantes
fontes para a avaliação de alguns detalhes, conforme demonstrado a seguir:
•
Número total de empregados do hospital: 787.
•
Distribuição por gênero (TAB 4)
TABELA 4
Distribuição por gênero dos trabalhadores da limpeza
quantidade
feminino
masculino
93
694
47
A grande maioria dos trabalhadores da limpeza é do gênero feminino (88,18%). Pitta
(2003) salienta que algumas atividades desenvolvidas nos hospitais, entre as quais a
higienização, “sempre estiveram delegadas à mulher”, e que “o hospital constitui um
privilegiado espaço de profissionalização do trabalho doméstico”. De fato, a limpeza é
uma atividade que, guardadas as devidas proporções entre os riscos de sua execução em
um hospital e em uma residência, quase sempre é desempenhada por mulheres. Talvez
isso explique o porquê da grande maioria desses profissionais serem mulheres.
•
Distribuição por idade (TAB. 5).
TABELA 5
Distribuição por idade dos trabalhadores da limpeza
Faixa de idade (anos)
Quantidade
Porcentagem sobre o total
20 – 30
121
15,37
31 – 40
27
35,32
41 – 50
285
36,21
Mais de 50
103
13,10
Pode-se observar que a maioria das serventes (84,63%) tem mais de 31 anos de idade.
Os levantamentos de campo indicaram duas causas básicas para esse item. A primeira
está associada à baixa rotatividade das serventes de limpeza em hospitais, pois as
empresas prestadoras de serviço aproveitam sempre a mão-de-obra que encontram. A
segunda está relacionada a uma aparente não adaptação de pessoas mais jovens às
atividades de limpeza em hospitais, em virtude dos diversos riscos existentes nesses
ambientes.
•
Distribuição por grau de escolaridade (TAB. 6):
TABELA 6
Distribuição por faixa de escolaridade dos trabalhadores da limpeza
48
6
Faixa de escolaridade
Porcentagem sobre o total
Analfabeto
2,55
Até a quarta série do ensino fundamental
36,94
Até a oitava série do ensino fundamental
53,10
Até o ensino médio
7,29
Até o curso superior
0,12
A atividade de limpeza ainda é considerada desqualificada dentro da organização
hospitalar, quando comparada com as outras categorias profissionais naquele mesmo
ambiente (a exigência de conhecimentos técnicos específicos no hospital refere-se aos
saberes relacionados à área de saúde, e não à limpeza). O levantamento dos dados
mostra que aproximadamente 90% das serventes chegaram até o ensino fundamental,
demonstrando um baixo grau de escolaridade para o desempenho da função.
•
Distribuição quanto ao tempo de experiência na atividade de limpeza (TAB. 7):
TABELA 7
Tempo de experiência dos trabalhadores da limpeza
quantidade
menos de 1 ano
entre 1 e 3 anos
mais de 3 anos
63
168
556
6
Pode ter concluído ou não o estudo dentro da faixa de escolaridade.
49
Em relação a esse item, verifica-se que 70% das serventes têm mais de 3 anos de
experiência em limpeza hospitalar, o que significa que não se trata de um coletivo de
trabalho de iniciantes, mas com experiência profissional no desempenho das atividades.
Isso pôde ser comprovado pelo fato de que a grande maioria delas já trabalhava nesses
hospitais quando a atual empresa prestadora de serviços ganhou o processo de licitação.
Apesar da atividade de servente de limpeza ser considerada desqualificada, é difícil se
encontrar no mercado de trabalho trabalhadores com experiência em limpeza de
hospitais. A limpeza de hospitais exige, entre outras coisas, competência para se
proteger dos perigos do ambiente, força física para realização da atividade, flexibilidade
para mudanças, coragem para conviver com uma gama enorme de riscos, adaptação
rápida a novas situações, habilidade para tratar com pessoas, destreza para manusear
ferramentas de trabalho e capacidade para criar mecanismos de defesa para lidar com o
sofrimento do outro. O mercado não dispõe em abundância de pessoas com tantos
predicados. Assim, há uma aparente contradição ao se classificar a atividade como
desqualificada, quando aqui são enumeradas apenas algumas das qualidades de que a
servente necessita para poder limpar hospitais.
Durante essa fase da pesquisa também se investigaram os aspectos estruturais e
organizacionais dos hospitais que pudessem associar-se e contribuir para as causas dos
acidentes com instrumentos pérfuro-cortantes. A investigação permitiu reformular a
demanda inicial e detectou diversos disfuncionamentos relacionados à situação de
trabalho das serventes relevantes à ocorrência dos acidentes – tais como a concepção
arquitetônica ultrapassada das unidades hospitalares, os problemas relacionais entre os
coletivos do hospital e as serventes e a estruturação hierárquica vertical e horizontal da
organização do trabalho hospitalar.
A ferramenta metodológica usada para descobrir esses disfuncionamentos foi a
aplicação de questionários a diversos grupos de serventes de diferentes hospitais
(ANEXO 2). Isso foi possível porque, durante os treinamentos para membros da CIPA –
Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, houve oportunidade para discutir o
problema dos acidentes com os participantes do curso. Os questionários foram aplicados
de duas formas – uma individual e outra em grupo – e as perguntas foram direcionadas
para a identificação das situações que levassem aos acidentes. Houve uma certa
50
limitação nas respostas abertas aplicadas individualmente, em virtude da pouca
escolaridade das serventes, o que lhes dificultou respondê-los. Entretanto, os
questionários em grupo proporcionaram a discussão e a verbalização de problemas
cotidianos existentes nos hospitais. O debate foi muito proveitoso para levantar
problemas comuns que condicionavam, direta ou indiretamente, os acidentes com
instrumentos pérfuro-cortantes.
Os disfuncionamentos levantados pelos diversos grupos possibilitaram ao investigador
melhor observá-los em campo, comprovando que, nas recomendações de segurança
utilizadas na gestão dos riscos, nada daquilo era levado em consideração, o que
configuraria uma lacuna na prevenção de acidentes. Os principais problemas relatados
foram:
•
Falta de ferramentas de trabalho e de produtos de limpeza;
•
Materiais e produtos de limpeza de baixa qualidade;
•
Retrabalhos;
•
Sobrecarga de trabalho;
•
Desvios de função;
•
Remanejamentos constantes;
•
Setores desorganizados;
•
Enfermarias lotadas de pacientes;
•
Pressão temporal para realizarem suas atividades dentro dos setores;
•
Pouca cooperação do pessoal de saúde, principalmente das auxiliares de
enfermagem;
•
Treinamentos isolados de equipes;
•
Dificuldade de cumprir procedimentos operacionais;
•
Localização inadequada de coletores nos setores;
•
Falta de coletores para descarte dos pérfuro-cortantes;
51
•
Utilização de coletores para descarte de outros materiais (frascos de medicamentos,
gazes, algodão, papel, etc...);
•
Coletores adaptados com abertura pequena para o descarte de pérfuro-cortante.
Paralelamente à pesquisa com as serventes, foi também elaborado um questionário,
respondido por profissionais da área de saúde em três unidades hospitalares –
totalizando quatro médicos, três enfermeiros e seis auxiliares de enfermagem – para
saber suas opiniões sobre as causas do descarte inadequado de instrumentos pérfurocortantes. Esses profissionais teceram as seguintes considerações:
•
Há excesso de procedimentos nos setores, principalmente enfermarias, o que
dificulta o cumprimento das regras de segurança;
•
O esforço da equipe é canalizado quase sempre para o paciente;
•
Algumas vezes o descarte é feito de maneira inadequada por quem manipula os
instrumentos pérfuro-cortantes;
•
Os recipientes são inadequados para a realidade daqueles hospitais;
•
Desleixo de quem manipula os pérfuro-cortantes;
•
Falta de atenção do pessoal da limpeza.
Os problemas levantados pelas serventes durante as entrevistas foram identificados em
campo e confirmaram que os disfuncionamentos existentes nos hospitais condicionavam
os acidentes em várias situações de trabalho da servente.
As últimas observações, que serão descritas no próximo item, realizaram-se no terceiro
hospital escolhido para a pesquisa, de forma sistemática nos setores considerados mais
críticos – enfermarias e outros locais de atendimento a pacientes. Os horários de
observação das atividades das serventes foram variados – manhã, tarde e noite – assim
como os dias da semana, durante um período de aproximadamente um mês, totalizando
aproximadamente vinte horas de pesquisa. Nas noites de finais de semana, os
atendimentos emergenciais eram mais intensos e as enfermarias ficavam quase sempre
lotadas de pacientes, aumentando os procedimentos médicos e, conseqüentemente, o
número de agulhas descartadas.
52
3.2.3. Contextualizando as atividades das serventes e os riscos de perfuração em
setores críticos de trabalho
Nessa fase da investigação escolheram-se situações de trabalho que representassem as
condições mais críticas da atividade de limpeza, ou seja, aquelas onde as variabilidades
e as contingências contribuíssem mais para os acidentes. Os locais definidos para
análise focada das atividades das serventes foram os de atendimento a pacientes,
principalmente as enfermarias – setores que nos hospitais são considerados
problemáticos para a limpeza e desinfecção, em decorrência de dificuldades tais como a
intensa movimentação de pessoas, interrupções das tarefas para realização de limpezas
emergenciais, de alguns impedimentos momentâneos para se adentrar as enfermarias
por causa de procedimentos médicos urgentes e principalmente da grande quantidade de
manipulações e descartes de instrumentos pérfuro-cortantes.
Vários procedimentos da metodologia ergonômica foram utilizados para analisar o
trabalho das serventes de limpeza nesses locais, como observações, anotações,
entrevistas e gravações. As observações focadas, ou seja, aquelas planejadas para
verificar todas as condicionantes da atividade, como deslocamentos, posturas,
comunicações e tomadas de decisão em situação de trabalho, tornaram-se mais
freqüentes.
As situações consideradas de maior risco, como a limpeza de locais pouco acessíveis,
onde a visualização de instrumentos pérfuro-cortantes pode ser mais difícil – como nas
atividades onde se têm que passar o pano de chão embaixo de mobiliários – exigiam da
servente procedimentos operacionais mais criteriosos e maior tempo para a sua
execução. Em uma das observações acompanhou-se o procedimento adotado por uma
servente que limpava o piso embaixo de uma maca. Seu modo operatório para evitar os
acidentes com instrumentos pérfuro-cortantes era passar o rodo sem o pano de chão
antes de começar a lavar o piso. E ela explicou:“A gente faz isto antes de lavar o piso
para ver se tem alguma agulha jogada no chão. Se tiver, o rodo puxa a agulha e na
hora que a gente for passar o pano no chão a agulha não fica presa nele. A gente perde
um pouco de tempo, mas vale a pena.”
53
Assim, em um contexto de trabalho com tantas imprevisibilidades e instabilidades,
perguntar à servente: Como você faz para conseguir cumprir sua rotina diária? seria
fundamental para o aprofundamento da pesquisa e para entender quais eram as
estratégias operatórias por ela utilizadas nas situações de trabalho para não se acidentar
com instrumentos pérfuro-cortantes.
As interações com as serventes de limpeza também foram se intensificando e
aconteciam durante o desenvolvimento de suas ações dentro dos setores ou após a
jornada de trabalho. Guerin et al. (2001), cita que a verbalização permite que o operador
lembre as circunstâncias e o encadeamento de suas ações. Assim, as verbalizações
buscaram conhecer as estratégias de prevenção adotadas pelas serventes para a
execução de suas atividades, considerando-se os riscos existentes nos setores.
Nessa fase da pesquisa evidenciou-se que, nas atividades cotidianas desses setores, onde
os riscos são conhecidos e aparentemente bem representados pela servente, os cuidados
que ela tinha para torcer um pano de chão ou para transportar manualmente um saco de
lixo não eram suficientes para evitar o acidente. As estratégias adotadas para a
prevenção poderiam falhar.
Fatores como manter a atenção constante nas atividades durante toda a jornada ou não
se deixar perturbar por pressões para fazer a limpeza do setor com rapidez, ou manter a
musculatura dos braços forte e esticada o bastante para não deixar os sacos de lixo
encostarem no corpo depois de uma jornada que pode durar até mais de doze horas, ou
carregar baldes cheios de água, agachar e esticar constantemente o corpo, rotacionar o
pescoço e subir e descer escadas são condicionantes que vão minando as estratégias
adotadas pela servente. E se somadas às condições precárias dos hospitais,
potencializam ainda mais os acidentes.
As informações dessa fase de investigação estão descritas no ANEXO 3, contendo as
características da população, a descrição dos setores e as planilhas de acompanhamento
das atividades realizadas pelas serventes.
As atividades observadas foram anotadas de forma cronológica nas planilhas de
acompanhamento e confirmaram as dificuldades encontradas pelas serventes de limpeza
54
para desenvolver suas atividades diárias. Verificou-se que as possibilidades de gestão
do risco diferem de um setor para outro. No Serviço de Emergência Clínica – SEC, por
exemplo, as constantes interrupções na rotina dos serviços em decorrência das limpezas
emergenciais prejudicam substancialmente o trabalho, obrigando a servente a realizar
um esforço físico excessivo – como se deslocar mais, carregar mais sacos de lixo e
baldes com água – causando-lhe maior cansaço. As interrupções também exigem um
custo cognitivo maior para representar o risco devido às mudanças nas situações de
trabalho.
No setor de sutura, as dificuldades são o intenso fluxo de pessoas e a grande
manipulação de instrumentos pérfuro-cortantes, aumentando o risco de acidentes. Isso
faz com que a servente adote posturas mais defensivas, como tomar cuidado com
esparadrapos que estão jogados no chão, pois muitos pérfuro-cortantes podem ficar
presos a eles.
O que há em comum entre os setores é o uso dos coletores de instrumentos pérfurocortantes, que não são utilizados de acordo com as recomendações das precauções
básicas. Dentro deles são desprezados outros objetos além dos instrumentos pérfurocortantes, como frascos de remédios, esparadrapos e gazes. Observou-se também que os
coletores ficam distantes das macas por falta de condições apropriadas para colocá-los
próximos a elas. Assim, estão quase sempre localizados em cima ou embaixo de
bancadas.
Os desvios de função são práticas comuns nos setores. Além de acarretarem mais
trabalho à servente, proporcionam situações de risco de perfuração, como no trabalho de
contagem das roupas contaminadas usadas pelos médicos e enfermeiros, junto às quais
muitas vezes se encontram agulhas e bisturis misturados. Enfim, são vários os caminhos
que podem levar a servente a se acidentar. A precaução adotada no trabalho, as
estratégias para limpar um setor muito tumultuado, os modos operatórios utilizados e a
representação do ambiente muitas vezes não conseguem se sobrepor às variabilidades
encontradas. Tudo isso pode falhar na tomada de decisão, aumentando as chances do
acidente.
55
Os próximos capítulos serão dedicados ao aprofundamento dos disfuncionamentos que
contribuem para a ocorrência dos acidentes com instrumentos pérfuro-cortantes, e que
não são considerados na gestão de riscos elaborada para o trabalho das serventes nos
hospitais investigados.
56
4. O CAMPO EMPÍRICO DE INVESTIGAÇÃO
Como introdução deste capítulo será apresentada inicialmente, uma visão geral da
complexidade do ambiente hospitalar e a importância dos serviços de limpeza nesses
locais. A seguir será feito um estudo específico dos hospitais pesquisados e de como é
organizado o trabalho de limpeza, com enfoque nos disfuncionamentos que interferem
negativamente na gestão dos riscos de acidentes com instrumentos pérfuro-cortantes.
4.1 Uma visão macro da estrutura hospitalar e dos serviços de limpeza
Antes do enfoque nas unidades investigadas, serão abordadas as principais
características comuns a todos os hospitais, que merecem ser destacadas para melhor se
compreender a complexidade dessas organizações.
4.1.1 Hospital: complexidade, incertezas e riscos
O termo “hospital”, de acordo com Finckler (1998), designa as instituições de atenção
aos doentes. De acordo com o pesquisado pelo autor sobre a história da organização
hospitalar, o vocábulo latino “Hospes”, que significa hóspedes, é que deu origem ao
vocábulo “Hospitalis” e “Hospitium”, palavras que significavam “o local onde na
antigüidade se abrigavam, além de enfermos, peregrinos e viajantes”. Segundo Braga
(2000), há registros na China, no Ceilão e no Egito antes de Cristo, de hospedaria,
hospitais e hospícios, palavras com a mesma raiz latina, onde almas pias patrocinavam e
cuidavam de crianças, velhos, vagabundos e doentes.
Um estudo retrospectivo sobre as instituições hospitalares mostra que, nos primórdios
de seu surgimento, eram locais destinados à hospitalidade e à caridade para com “os
pobres como irmãos em Cristo”, com características de prestação de assistência.
Atualmente sua classificação está mais para organizações destinadas à produção de
cuidados da saúde e de prestação de serviços.
O Ministério da Saúde (1978) define o hospital como:
“Parte integrante de uma organização médica e social, cuja função básica consiste
em proporcionar à população assistência médica integral, curativa e preventiva,
sob quaisquer regime de atendimento, inclusive domiciliar, constituindo-se também
57
em centro de educação, capacitação de recursos humanos e de pesquisa de saúde,
bem como de encaminhamentos de pacientes, cabendo-lhe supervisionar e orientar
os estabelecimentos de saúde a ele vinculados tecnicamente.”
O hospital também pode ser analisado a partir de uma visão macro e micro. Sob o
prisma macro, o hospital assume um papel social, econômico, político e científico, tal
como diversas instituições. Na visão micro, a análise se desenvolve na compreensão de
seus aspectos internos, focalizando-se as observações em seus atores e nas relações que
estabelecem entre si.
O ponto forte do hospital é a interface pessoa-pessoa, apesar da crescente importância
que a tecnologia vêm alcançando nos últimos tempos. É o relacionamento entre seres
humanos que dá dinamicidade a todo o sistema, transformando-o em algo extremamente
complexo, diferenciando-o assim de outras instituições.
Finckler (1998) salienta em seu trabalho que é muito difícil definir um conceito de
hospital que possa englobar todos os seus aspectos e complexidades e cita que: “de
todas as empresas modernas, nenhuma é mais complexa do que o hospital. Como
objetivo fundamental, tem ele um simples propósito: receber o corpo humano quando,
por alguma razão, se tornou doente ou ferido, e cuidar dele de modo a restaurá-lo ao
normal, ou tão próximo quanto possível do normal”.
Várias teorias vêm corroborar para a classificação da organização hospitalar como um
sistema complexo. Pavard e Dugdale (2003), estudando a contribuição da teoria da
complexidade para sistemas sócio-técnicos entendem que um sistema é dito complexo
se for difícil, senão impossível, reduzir o número de parâmetros ou características
variáveis sem perder suas propriedades funcionais globais essenciais. Citam ainda que
existem 4 propriedades que caracterizam os sistemas complexos:
•
Não-determinísticos: é impossível antecipar precisamente o comportamento do
sistema, mesmo se há conhecimento completo da função de cada constituinte do
sistema;
•
Limitada decomposição funcional: é a propriedade que se relaciona a dificuldade,
senão impossibilidade, de estudar suas propriedades decompondo-as em partes,
58
pois as partes estão em permanente interação e se auto-organizam, re-estruturandose continuamente;
•
Representação e informação distribuída: relaciona-se a dificuldade de suas funções
não serem precisamente localizadas;
•
Emergência e auto-organização: emergência é a propriedade em que mesmo se
conhecendo a função dos componentes do sistema, não se consegue antecipar a
eventos. Porém, apesar de não ser funcionalmente estável, o sistema é capaz de se
auto-organizar.
Outro conceito que pode definir o ambiente hospitalar como complexo vem de Wisner
(1984), ao citar que “a relação com seres humanos é muito mais difícil de definir, de
organizar, de racionalizar do que aquela que lida com a transformação da matéria”.
Caracteristicamente, o hospital é uma instituição onde as relações humanas assumem
grande relevância, com uma função social das mais complicadas e desafiadoras para
quem presta serviços naquele local: a de salvar vidas humanas.
Poucos locais de trabalho apresentam a complexidade do ambiente hospitalar, já que ele
engloba a necessidade de interfaceamento de uma considerável quantidade de diferentes
campos técnicos. Dentro daquele ambiente convivem grupos sócio-profissionais muito
particulares, uns ligados diretamente ao processo de prestação de cuidados à saúde
humana e outros com a função de apoio ou de gestão.
O quadro fixo de funcionários de um hospital é composto principalmente por
profissionais da área de saúde. Entre eles estão os médicos, enfermeiros, auxiliares de
enfermagem, fisioterapeutas, psicólogos, farmacêuticos, nutricionistas, terapeutas
ocupacionais, além de outras categorias de profissionais que dão suporte técnico às
atividades daqueles, como engenheiros, administradores, contadores, assistentes sociais,
advogados, mecânicos de manutenção de máquinas e de equipamentos, eletricistas,
bombeiros-hidráulicos, além de outros. Acrescidos a estes, estão os trabalhadores
terceirizados, compostos basicamente pelos porteiros, vigias e pelo pessoal da limpeza.
59
A inserção dessa variedade de profissionais no ambiente hospitalar está organizada por
uma forte hierarquização interna definida, segundo Carapinheiro (1998), da seguinte
forma:
“O hospital apresenta traços salientes de uma organização burocrática, pois o
crescimento do pessoal, a multiplicação dos serviços e das especialidades médicas e
o desenvolvimento tecnológico introduziram modificações importantes na estrutura
hierárquica, na estrutura de poder e nos sistemas de comunicação do hospital,
associando-se a este conjunto de modificações a expansão do sistema burocrático
de administração profissional.”
Entretanto, a administração desses serviços é diferenciada, quando comparada a outras
organizações. Para Finckler (1998), essas organizações são chamadas de “organizações
profissionais”, pois para se realizar o trabalho é necessário alto nível de qualificação
técnica. Assim, uma análise mais detalhada da organização cotidiana do hospital mostra
que nela emerge uma segunda autoridade, onde alguns ocupam uma posição
privilegiada na gestão das decisões, conferindo a algumas classes de profissionais um
sistema de poder e de autoridade bem diferente de outras organizações – como, por
exemplo, o caso do médico, que decide sempre o que é melhor para o paciente, ou seja,
mesmo sendo um empregado do hospital, é ele que tem o controle efetivo das atividades
fins da organização e não as autoridades administrativas. Carapinheiro (1998) cita que
esse traço específico da organização hospitalar se caracteriza como “advisory
bureaucrcy”, não regido principalmente pelas regras, mas sim por conhecimentos
técnicos específicos.
A missão hospitalar também é muito particular, pois trata de questões ligadas à vida e à
morte, onde os atores possuem estratégias de trabalho próprias, porém com graus de
autonomia bastante diferenciados. O conceito de autonomia está associado ao fato de
que um indivíduo dispõe de autonomia quando pode controlar seu próprio trabalho
assim como a forma de como e quando fazê-lo. A autonomia para o pessoal da limpeza
é relativamente restrita, pois os contratados são os serviços de limpeza das unidades
hospitalares, cabendo às serventes executarem suas tarefas conforme os procedimentos
internos dos hospitais e no momento que melhor convier aos organizadores daquele
trabalho.
60
Além de possuir essa variedade de profissionais, o hospital usa uma tecnologia bastante
diversificada e sofisticada, como equipamentos de raios X, sistemas computadorizados
e diferentes tipos de ferramentas e de medicamentos usados para o tratamento de
doenças. O Manual de Segurança no Ambiente Hospitalar (MS, 1995) cita que o uso de
tecnologia avançada nos hospitais pode proporcionar diversos tipos de complicações
para o pessoal da saúde, inclusive pacientes, entre as quais as iatrogênicas, a
responsabilidade legal, a ansiedade, o burnout e a desumanização.
Os riscos ambientais também estão presentes em praticamente todas as atividades
desenvolvidas dentro do hospital. Agentes físicos, químicos, biológicos, somados aos
riscos mecânicos e ergonômicos, compõem o conjunto de possibilidades de perigos
existentes naquele sistema. Apesar de todos os tipos de riscos dentro do ambiente, o
biológico é o mais intensamente encontrado.
Outra questão que o profissional inserido no ambiente hospitalar tem que saber suportar
é a difícil missão de separar sua vida particular da profissional, pois os problemas
cotidianos vividos dentro do hospital, como doenças e o sofrimento de pacientes, podem
levá-lo a se envolver com o problema do outro. Em um dos hospitais pesquisados,
especializado no atendimento de crianças, uma das serventes entrou em profundo estado
de sofrimento psíquico depois da morte de uma criança que necessitava de um
transplante de fígado. Isso aconteceu porque a servente era a responsável pela limpeza
do setor onde a criança estava internada, e ela muitas vezes ajudava a cuidar do
paciente. Esses fatos são relativamente comuns entre as serventes. Para muitas delas, é
difícil conviver dentro de um contexto onde se tem que separar o que é o seu trabalho
do que é o sofrimento do outro, apesar do coletivo adotar práticas para minimizar esses
problemas, como entrar de cabeça baixa nas enfermarias, principalmente onde há
crianças internadas.
A produção hospitalar – cujo produto é a expectativa de vida e de saúde para as pessoas
– é revestida de particularidades dependentes de vários fatores, tanto externos como
internos. Os fatores externos podem estar associados à eficiência dos procedimentos
médicos, à eficácia dos medicamentos usados e à falta ou não de assepsia no interior do
hospital. Os fatores internos podem relacionar-se à resistência orgânica do paciente ou
61
até mesmo à própria condição subjetiva daqueles que estão realizando os procedimentos
médicos.
Esses fatores caracterizam o hospital como um sistema onde o campo de possibilidades
de regulação é condição sine qua non para o sucesso ou para o fracasso das metas
objetivadas pela organização. As demandas de regulação, tanto individuais quanto
coletivas, são necessárias para a escolha de ações mais adequadas à redução dos
constrangimentos inerentes às situações encontradas durante a jornada de trabalho.
Diante de tantos elementos, que associados potencializam a cada momento situações
novas de risco, emerge um outro item que contribui para aumentar ainda mais a
complexidade do ambiente hospitalar: o fator tempo.
A dimensão temporal é um elemento forte e da maior importância no contexto
hospitalar,
estando
associada
às
urgências
e
emergências
decorrentes
da
imprevisibilidade dos eventos (Echternacht & Oliveira, 2000), e seu uso social deveria
diferir do uso de outras organizações, especialmente daquelas onde essa dimensão
assume um caráter de tempo de produção, associado ao controle quantitativo, à precisão
e à disciplina, ou seja, o tempo usado no sistema capitalista, que segundo Hassard
(1996), tornou-se um bem de consumo.
Para o hospital, o fator tempo é fundamentalmente o tempo da vida, em que poucos
segundos podem fazer a diferença para se tentar salvar uma pessoa, seja através de um
procedimento médico ou quando utilizado na limpeza e desinfecção de um quarto de
enfermaria para que um paciente possa ser atendido com maior rapidez e segurança.
É dentro desse contexto que se desenvolve a atividade investigada nesta dissertação,
considerada por muitos como periférica, mas que tem um importante papel no sucesso
do trabalho dos profissionais de saúde para salvar vidas humanas: os serviços de
limpeza e de desinfecção hospitalar.
4.1.2 A importância da limpeza para o hospital
O setor de limpeza caracteriza-se pela realização de atividades que dão suporte a toda
estrutura operacional hospitalar. Os trabalhos de limpeza são necessários para o sucesso
62
dos procedimentos médicos realizados, estando diretamente ligados à saúde dos
pacientes. Enfermarias com sistemas de limpeza e desinfecção inadequados são locais
potencialmente facilitadores à sobrevivência de microorganismos, o que aumenta a
probabilidade de ocorrências de infecção hospitalar.
O Ministério da Saúde (1995) define a limpeza hospitalar como sendo o procedimento
antimicrobiano de remoção de sujidades e detritos para manter em estado de asseio os
artigos e as áreas. A limpeza constitui o núcleo de todas as ações referentes aos
cuidados de higiene com os artigos e áreas hospitalares. É o primeiro passo nos
procedimentos técnicos de desinfecção e esterilização.
A limpeza hospitalar, a desinfecção e a esterilização constituem elementos primários e
eficazes nas medidas de controle para romper a cadeia epidemiológica das infecções.
Embora esses processos se complementem, existem diferenças conceituais entre eles
quando o objetivo é a eliminação das infecções hospitalares – aqui entendidas como
quaisquer infecções adquiridas após a internação do paciente e que se manifestam
durante sua estadia no hospital ou mesmo após sua alta, quando puderem ser
relacionadas com a hospitalização (MS, 1991).
O Ministério da Saúde (1995) define esterilização como o processo de destruição ou
eliminação total de todos os microrganismos na forma vegetativa e esporulada, através
de agentes físicos ou químicos. Aplica-se especificamente a artigos críticos e semicríticos e quem a executa é o pessoal da área de saúde do hospital.
Por limpeza entende-se a remoção, por meios mecânicos e/ou físicos, da sujidade
depositada nas superfícies inertes que constituem um suporte físico e nutritivo para os
microrganismos. Os agentes químicos usados na operação de limpeza são os detergentes
– produtos que contêm tensoativos em sua formulação, que atuam limpando através da
redução superficial (umectação), da dispersão, da suspensão e da emulsificação da
sujeira. (Scarpitta, 1997).
A desinfecção consiste na destruição de microrganismos patogênicos, e não no seu
eventual deslocamento a outros pontos, como ocorre na limpeza. Os desinfetantes,
produtos usados nessa operação, são germicidas que inativam praticamente todos os
63
microrganismos patogênicos conhecidos, exceto as formas bacterianas (esporos), de
superfícies ou objetos inanimados (Scarpitta, 1997). O desinfetante mais usado pelas
serventes de limpeza na desinfecção é o hipoclorito de sódio – considerado o
desinfetante universal ativo contra os microrganismos – cuja concentração normalmente
é de 1% (um por cento) ou de dez gramas de hipoclorito por um litro de água.
As serventes realizam as atividades de limpeza e de desinfecção adentrando por todas as
áreas do hospital, desde as consideradas não-críticas (como salas administrativas e
vestiários) até as críticas (como a unidade de terapia intensiva e o bloco cirúrgico). A
limpeza desses locais inclui tetos, paredes, mobiliários e pisos. Os pisos recontaminamse rapidamente após a limpeza ou a desinfecção, e alguns estudos afirmam que o
número de microrganismos cresce rapidamente, atingindo o nível original em uma ou
duas horas.
A necessidade de manter os ambientes hospitalares livres de agentes patogênicos que
possam propiciar o surgimento de infecções vai exigir da servente de limpeza muita
energia – tanto física quanto mental – para suprir a demanda de serviços durante toda a
jornada de trabalho, fazendo com que esta, na maioria das vezes, tenha que modificar a
rotina de trabalho que lhe foi prescrita a fim de atender a chamados para limpezas e
desinfecções emergenciais, ou para cobrir o setor de alguma colega que faltou ao
serviço.
Os setores onde existe internação de pacientes são considerados os mais susceptíveis
para a ocorrência da infecção hospitalar. A limpeza e a desinfecção desses ambientes
devem ser bastante criteriosas, aplicando-se os chamados procedimentos padrões, que
são as medidas de prevenção indicadas na assistência a todos os pacientes na
manipulação de sangue, secreções e excreções.
A limpeza hospitalar divide-se em dois tipos básicos:
•
Limpeza concorrente: procedimento realizado diariamente com a finalidade de
limpar e de repor o material de higiene das diversas áreas hospitalares. As serventes
de limpeza normalmente têm como primeira atividade diária a reposição dos
materiais que estão faltando nos setores, para depois iniciarem sua rotina de
limpeza propriamente dita;
64
•
Limpeza terminal: procedimento de limpeza e/ou desinfecção de todas as áreas
hospitalares com a finalidade de diminuir o risco de contaminação do ambiente,
mediante a eliminação da população microbiana pela remoção da sujidade. Esse
tipo de limpeza é realizado rotineiramente pela servente, que geralmente segue um
planejamento definido pelo setor do hospital responsável pela supervisão da
limpeza, onde são estabelecidos os horários preferenciais para a limpeza e a
desinfecção, exceto para os casos emergenciais, onde a servente é deslocada de
onde estiver para atender à solicitação.
Dessa forma, o serviço de limpeza é bastante importante e significativo para o hospital,
devido aos seguintes aspectos:
•
A limpeza adequada é a garantia de segurança para todas as pessoas que trabalha e
permanecem internadas no hospital;
•
Proporciona a redução e até mesmo a eliminação das infecções cruzadas, mediante
a aplicação de técnicas adequadas de assepsia;
•
É um serviço que está presente em todos os setores do hospital, com efetiva
participação dos trabalhadores da limpeza na vida cotidiana do hospital;
•
A boa limpeza e a desinfecção garantem ao hospital uma boa imagem perante a
comunidade.
4.1.3
A forma usual de contratação dos serviços de limpeza
Uma característica comum dos trabalhos de limpeza em hospitais é a forma de
contratação dos serviços, sendo realizada quase sempre por empresas terceiras,
especialistas nessa área. Sampaio (2000) cita que atualmente as atividades de
conservação e limpeza são as mais terceirizadas por se tratarem de serviços periféricos.
Repullo Júnior (1994) define a terceirização como o ato de transferir a responsabilidade
de um serviço, ou de uma determinada fase da produção ou comercialização, de uma
empresa para outra, por isso, chamada "terceira". Algumas características da
terceirização anotadas por Cherchglia (1999) são:
65
“... que a empresa contratada deve ser legalmente constituída para atuar no ramo
da atividade terceirizada e possuir capacidade técnica e administrativa para
executar o serviço, sem necessidade de interferência da empresa contratante; a
mão-de-obra
operacional
é
especializada,
adequadamente
remunerada,
subordinando-se exclusivamente à empresa contratada.”
Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (2001), a terceirização não deixa de ser
um fenômeno que floresceu paralelamente às idéias de flexibilização. Para alguns
constitui uma forma de flexibilização administrativa, na medida em que tem por escopo
a redução de custos, a transformação dos custos fixos em variáveis, além de
acompanhar, de forma mais ágil, o desenvolvimento tecnológico através de terceiros
especializados. E, por fim, transformar a expansão verticalizada da empresa em sistema
horizontal.
Assim, para Lima (2000), “tenta-se a lógica da terceirização através de conceitos como
focalização ou separando atividades-fins de atividades meio. Focalizar significa neste
caso preservar as atividades nas quais tivesse melhor desempenho, avaliado em termos
de competência, lucratividade, mercado, domínio tecnológico, etc”.
O sistema de terceirização possibilita a quem o contrata maior facilidade para organizar
os trabalhos, evitando-se a preocupação de desenvolver formas mais sofisticadas de
adaptação do Homem ao ambiente de trabalho, pois não contrata pessoas, e sim
serviços. Se o serviço contratado não está de acordo com o que se desejava dele, trocase imediatamente quem o executa. Isso significa que não há necessidade de a empresa
contratante de serviços terceiros fazer com que o trabalhador contratado “seja parte da
família”. Não há necessidade de participação do trabalhador, e sim de um controle
rigoroso da qualidade de prestação dos serviços.
4.2 Focando a estrutura hospitalar investigada e a organização dos serviços de
limpeza
Os próximos itens deste capítulo serão dedicados ao estudo específico das unidades
investigadas ressaltando-se os problemas que comprometem a gestão dos riscos para o
trabalho de limpeza.
4.2.1 A situação dos hospitais pesquisados
66
Aliados à complexidade comum a todos os hospitais, as unidades investigadas têm
problemas estruturais como deficiência de recursos financeiros, sub-dimensionamento
da mão-de-obra, contratações temporárias de profissionais de saúde, equipamentos
obsoletos, edificações antigas, alta demanda para atendimentos de clientes, excesso de
burocracia para a compra de produtos, materiais de limpeza de qualidade duvidosa e,
eventualmente, falta de produtos de limpeza. Mesmo não sendo o objetivo desta
dissertação, as características observadas confirmam a precariedade do atual sistema de
saúde em hospitais públicos.
Especificamente para o trabalho da servente, os problemas se traduzirão na dificuldade
imposta para realizar um trabalho de boa qualidade, para cumprir o serviço com a
rapidez exigida pelos setores e para proteger-se contra os riscos de acidentes.
A falta de recursos financeiros que esses hospitais enfrentavam à época da pesquisa
impossibilitava a compra de equipamentos que proporcionariam à servente mais
segurança e conforto na execução de suas atividades. Por exemplo, se houvesse
carrinhos para transporte de suas ferramentas de trabalho – baldes, rodos, pano de chão
e produtos de limpeza – a penosidade postural diminuiria substancialmente e o desgaste
de seus corpos seria menos sentido no final da jornada de trabalho.
Equipamentos como as enceradeiras industriais são obsoletos e antigos, extremamente
grandes, pesados e vibram muito. Para operá-los, a servente tem que desenvolver uma
habilidade especial conjugada a um esforço físico para não deixar que a máquina se
descontrole. Para o transporte de sacos de lixo, os escassos carrinhos observados nos
hospitais estavam todos fora das especificações exigidas nas normas. Na realidade, eram
gambiarras7 que substituíam os carrinhos de lixo, porém sem as menores condições de
segurança e higiene Não eram fechados nas laterais e não possuíam tampa superior para
impedir que os sacos de lixo ficassem expostos ao ambiente.
A compra de materiais para esses hospitais também se configura como um outro
problema, pois esbarra em um processo de licitação que burocratiza todo o sistema e
atrasa muitas vezes a entrega de alguns produtos de limpeza, fato que acaba refletindo
7
Termo usado para definir algo que foi feito para ser utilizado provisoriamente enquanto o que é
realmente necessário não é conseguido.
67
nos serviços das serventes. Em algumas unidades, principalmente aquelas localizadas na
periferia da cidade de Belo Horizonte, produtos básicos como hipoclorito de sódio e
sabão líquido ficavam em falta por até uma semana, prejudicando sensivelmente o
trabalho da limpeza, que passava a ser feita somente com água e sabão em barras.
Além da demora, a licitação normalmente não leva em consideração a compra do
produto com a melhor qualidade, e sim aquele com o menor preço. Produtos de limpeza
baratos não davam bons resultados e o trabalho das serventes ficava prejudicado. Nessas
circunstâncias, o aspecto físico é sobrecarregado, já que a força das mãos sobre as
superfícies a limpar tem que ser aumentada para compensar a ineficácia do produto de
limpeza. O emocional também é abalado em função das reclamações sobre a qualidade
dos serviços de limpeza ou do tempo que a servente terá que gastar a mais nos setores
para poder limpar determinado local.
Na época da pesquisa, os hospitais viviam também um problema de falta de mão-deobra, em virtude de não haver concurso público há muito tempo. Assim, a forma
encontrada para suprir essa lacuna era a contratação de profissionais por tempo
determinado, que servia como meio de reduzir a carga de trabalho. Mesmo assim, os
integrantes da equipe de saúde – principalmente as auxiliares de enfermagem –
constantemente solicitavam às serventes atividades que seriam de responsabilidade dos
profissionais de saúde, acarretando a elas aumento em seu trabalho.
Outra situação observada nesses hospitais, que merece destaque e muito contribui para a
carga de trabalho e o incremento dos riscos de acidentes para o pessoal da limpeza, é o
intenso fluxo de atendimentos realizados nas unidades hospitalares públicas,
principalmente em emergências médicas, que são situações críticas nos setores, onde
muitas agulhas são desprezadas aleatoriamente, configurando-se em potencial risco para
a servente. As serventes têm consciência do problema das urgências hospitalares,
quando a pressa para dar conta das demandas de atendimento muitas vezes leva o
pessoal de saúde a ações que podem comprometer a segurança de outras pessoas, mas
também são críticas dessas ações, como se pôde observar pela declaração de uma
servente, que trabalhava no bloco cirúrgico de um grande hospital, corroborada pela
confirmação de um médico emergentista:
68
“Na pressa de salvar uma vida, eles podem estar comprometendo outras.”
(servente de limpeza)
“A emergência é um lugar de grande tumulto no hospital. O excesso de demanda do
setor associado à falta de mão-de-obra e ao esforço canalizado exclusivamente
para o paciente leva algumas vezes as pessoas a não cumprirem as regras à risca.”
(médico emergentista)
Nessas circunstâncias pode não haver condições adequadas para que o profissional de
saúde cumpra os procedimentos de segurança, como o descarte de uma agulha dentro da
caixa coletora, em virtude de ele ter que se concentrar em um problema que exija uma
ação emergencial imediata, fazendo com que o horizonte de observação da atividade do
outro, no caso, a da servente de limpeza, seja relegada a segundo plano. Nesse contexto,
situações que demandam rapidez na tomada de decisões podem resultar em risco de
acidentes para o pessoal da limpeza.
Dentre todos os problemas citados, um é relativamente fácil de visualizar, mas
particularmente impactante para o trabalho da servente, em função de estar diretamente
associado à atividade de limpeza: a concepção arquitetônica e o espaço físico dos
hospitais.
As transformações vividas pela área de saúde – diversificação de grupos profissionais,
evolução tecnológica, aumento de clientes e exigência de rapidez nos procedimentos –
tiveram acompanhamento evolutivo diferenciado das mudanças que deveriam ter sido
feitas nas características espaciais internas das edificações dos hospitais pesquisados, o
que interferiu na funcionalidade dos edifícios em relação ao fluxo de trabalho e de
materiais. Isso tem reflexos nas atividades de todos os profissionais, mas, para os
serviços de limpeza, o arranjo interno dos setores e suas dimensões físicas são
fundamentais para agilizar ou dificultar os trabalhos das serventes.
Dentre as condições observadas em relação à arquitetura e ao espaço físico dos
hospitais, que mais dificultam o trabalho da limpeza e que favorecem a ocorrência de
acidentes, destacam-se:
•
Edificações antigas, com dimensões internas incompatíveis com as atuais
exigências dos procedimentos de limpeza – fato evidenciado na limpeza de
corredores das enfermarias, onde o preconizado é isolar e dividir o corredor em
69
duas partes: enquanto se faz a limpeza em uma metade, a outra metade é liberada
para passagem de pessoas e equipamentos. Isso quase sempre não é possível, em
decorrência da reduzida largura dos corredores dos setores. A influência desses
fatores sobre as atividades de limpeza são os constrangimentos que as serventes
sofrem com reclamações de servidores do hospital, de pacientes e até mesmo de
visitantes, que, além de atrapalharem o desenvolvimento de suas atividades, ainda
cobram rapidez para o término da limpeza, o que aumenta o risco de elas se
acidentarem;
•
A falta de locais adequados para colocar os recipientes coletores de instrumentos
pérfuro-cortantes também é outro problema. Nem sempre se consegue colocá-los
em posição visível dentro dos setores destinados à internação de pacientes, em
virtude da falta de espaço próximo às macas. Às vezes, eles ficam até mesmo
escondidos, como, por exemplo, embaixo de bancadas. Assim, quem manipula
instrumentos perfurantes, como agulhas e bisturis, pode ser levado a descartá-los
inadequadamente, possibilitando, assim, outra chance para que o acidente se
potencialize;
•
Pisos antigos e impregnados de materiais e manchas acumulados ao longo do
tempo dão a impressão de estarem sempre com aspecto de sujo. Agulhas que caem
sobre esses pisos são mais difíceis de serem observadas por quem os limpa. A
percepção da servente nessas condições não consegue fazer com que ela se antecipe
ao risco de perfuração. A agulha adquire uma forma quase invisível.
Outras deficiências que contribuem para os problemas estruturais das edificações estão
associadas à climatização dos ambientes (ar-condicionado e ventilação), a redes
hidráulicas antigas e à falta de pontos para ligação de equipamentos elétricos. O próprio
local onde as serventes ficam instaladas dentro dos hospitais é extremamente penoso.
São acomodações pequenas e quase sempre localizadas nas partes inferiores do hospital,
geralmente em porões. As dimensões reduzidas fazem com que elas muitas vezes
tenham que dividir seu espaço de trabalho ou de descanso com produtos de limpeza.
Todas as considerações acima são fatores emergentes no contexto dos hospitais
pesquisados, presentes nas unidades em maior ou menor intensidade. A conjugação
70
dessas situações-problemas acaba potencializando condições de risco de acidentes para
a servente de limpeza, quando ocorre uma falha pontual de um profissional de saúde
que descarta inadequadamente um instrumento pérfuro-cortante.
Nessas circunstâncias, as condições estruturais incrementam a sinergia de pequenos
problemas isolados, que acabam se transformando em acidentes de trabalho quando há o
descarte inadequado, seja por desleixo de quem manipula um instrumento pérfurocortante, seja pela necessidade de uma intervenção emergencial que não permita ao
profissional de saúde, naquele momento de tensão, jogar a agulha dentro do coletor.
Assim, os procedimentos de segurança para descarte desses objetos não podem ser
realmente seguidos conforme as recomendações definidas pelas normas, em função dos
disfuncionamentos existentes nesses hospitais. O modelo tradicional de prevenção não
supõe a variabilidade de situações que fragilizam todo o sistema de segurança proposto
para
evitar
acidentes
com
instrumento
pérfuro-cortante,
desconsiderando
a
complexidade dos problemas estruturais desses hospitais, configurando um modo
degradado8 de funcionamento e, conseqüentemente, intensificando a amplitude dos
incidentes com instrumentos pérfuro-cortantes. Diante desse cenário, os acidentes são
inevitáveis para a servente de limpeza.
4.2.2 A organização dos serviços de limpeza
Por se tratar de um ambiente dinâmico onde interage um grande número de elementos
entre si – humanos, materiais e tecnológicos – a organização do trabalho nos hospitais é
extremamente complexa, visto serem de difícil programação as atividades destinadas
aos cuidados da saúde humana, principalmente aquelas que demandam urgência nos
procedimentos. E a maior dificuldade no cumprimento da programação dos trabalhos é
decorrente da imprevisibilidade das situações emergenciais típicas daquele ambiente,
onde a cada instante são internados novos pacientes, com diferentes problemas, seja
devido a acidentes ou a doenças. Também não há horário definido para o atendimento
dos pacientes, se durante o dia ou à noite. A somatória desses elementos vai exigir do
8
Modo degradado de funcionamento refere-se aos diversos disfuncionamentos observados nas unidades
hospitalares pesquisadas.
71
profissional que trabalha em hospitais uma flexibilidade grandiosa para poder atingir
seus objetivos.
Outra característica diferenciada da organização do trabalho hospitalar está relacionada
à jornada de trabalho dos profissionais. No hospital convivem pessoas que trabalham
quatro horas, seis horas, oito horas, doze horas e vinte e quatro horas por dia, o que
denota tratar-se de um local onde os relacionamentos interpessoais também são atípicos,
em função da dificuldade das pessoas de se encontrarem. A diversidade de horários de
trabalho atrapalha, por exemplo, a gestão do risco. Para a servente de limpeza, isso
significa uma constante estruturação das suas estratégias operatórias. Mudança de
pessoas nos setores significa modos de trabalho distintos, situações de risco diferentes.
Os profissionais que se alternam durante as jornadas de trabalho podem ser mais ou
menos zelosos em descartar instrumentos pérfuro-cortantes. As serventes de limpeza
procuram estar sempre atentas para saber quem está naquele momento trabalhando no
setor, o que nem sempre é possível.
Apesar de todos esses fatores, tanto a divisão das tarefas como o seu planejamento e a
execução têm regras bem definidas dentro do hospital. Existe uma forte hierarquização
interna, na qual o médico ocupa um lugar de destaque na cadeia hierárquica, às vezes
com mais poderes que o próprio administrador do hospital (Carapinheiro, 1998).
A servente de limpeza está inserida nesse contexto e a organização de seu trabalho
normalmente é planejada em função das outras atividades, principalmente daquelas
relacionadas à área de saúde, portanto, de difícil programação. Além disso, outros
fatores têm influência significativa na organização do trabalho de limpeza, como a
forma de contratação dos serviços, a organização vertical do trabalho e as medidas de
produtividade prescritas para a atividade. Conforme será visto a seguir, tudo isso
acarreta uma série de problemas para a servente que acabam influenciando na
ocorrência dos acidentes com instrumentos pérfuro-cortantes. A forma encontrada para
minimizar os problemas é através da cooperação que as serventes estabelecem entre si,
seja ajudando uma colega que está cansada ou alertando-a sobre os riscos de
determinado setor.
72
4.2.2.1 A terceirização precarizando as relações de trabalho das serventes de
limpeza
Os serviços de limpeza nas unidades hospitalares investigadas seguem o modelo atual
de contratação, ou seja, são trabalhos terceirizados. A contratação de empresas
terceirizadas por parte de órgãos públicos obedece ao Decreto 2271 de 7/7/1997, que,
através da Instrução Normativa 18 (IN 18) de 22/11/1997, disciplinou a contratação
desses serviços, tendo como fundamentos básicos a redução dos custos e o aumento da
produtividade.
Uma questão relevante em relação à contratação de serviços de terceiros é a forma
diferenciada das condições de trabalho que normalmente se observam entre os
trabalhadores da empresa prestadora de serviços quando comparados com os da
contratante. Esse aspecto foi observado em algumas situações como, por exemplo, local
e horário diferenciado para refeições. Em alguns hospitais, as serventes só podiam usar
o refeitório após os servidores terem almoçado ou jantado. Em uma unidade hospitalar
localizada na cidade de Belo Horizonte, testemunhou-se uma situação extremamente
degradante para as serventes: não lhes era permitido usar o refeitório do hospital. Para
fazerem suas refeições, elas usavam um barraco de madeira próximo a uma criação de
porcos, numa condição penosa que ensejou a intervenção da empresa terceira para
solucionar o problema.
O fato que chamou mais atenção na terceirização dos serviços de limpeza dos hospitais
pesquisados foi a precarização das relações entre os trabalhadores contratados e os
efetivos dos hospitais. A socialização das serventes de limpeza acontece quase sempre
através da obediência aos servidores do hospital. A servente precisa atender a todas as
solicitações que lhe são feitas, mesmo que se refiram a tarefas que não lhes foram
prescritas.
Cherchglia (1999) cita que o gerenciamento dos recursos humanos é uma questão chave
na terceirização, refletindo em alguns aspectos que a autora questiona: como construir
equipes de trabalho, ou trabalhar em equipe com profissionais que podem estar
trabalhando por apenas poucos meses? ou como motivar essas pessoas? ou como evitar
conflitos entre os estáveis e os temporários?
73
A terceirização deixa bem visível que o sistema de hierarquização entre o trabalhador
prestador de serviços e o servidor público fica mais solidamente estruturada, pois se
aquele cometer qualquer ação que desagrade a este, seja por ineficácia do seu trabalho
ou por insubordinação, a substituição do material humano deficiente por outro
supostamente mais produtivo ou mais dócil torna-se inevitável e fácil de ser
concretizada.
Assim, é comum ouvir das serventes de limpeza queixas sobre a forma como elas são
tratadas pelo pessoal do hospital. Uma servente, que encontrou uma agulha jogada no
chão e reclamou, foi reprimida por uma auxiliar de enfermagem com a seguinte
verbalização:“Você está aí é para limpar mesmo”.
Em outra situação, uma servente, que trabalhava na limpeza de uma enfermaria de um
hospital que trata principalmente de doenças infecto-contagiosas, reclamou que havia
agulhas demais na caixa coletora e que ela não fecharia o coletor, pois tinha receio de se
acidentar. Ela teve a seguinte resposta da chefia de enfermagem: “Se você não se
comportar bem, eu peço para te devolver ao quadro de reserva 9”.
Às vezes não se consegue substituir a servente que não está correspondendo às
expectativas do setor, em virtude da reduzida disponibilidade de mão-de-obra
especializada em limpeza de hospitais no quadro de reservas da empresa prestadora de
serviços. A forma que o hospital encontra para minimizar o problema é a troca interna
de serventes, passando-as de um setor para outro.
A investigação evidenciou mais profundamente a subserviência que a trabalhadora de
limpeza tem que ter para desenvolver suas atividades sem criar atritos com os outros
atores sociais.
Esses fatos foram validados nos encontros tidos com as serventes
durante a pesquisa de campo.
Offe (1991) relata que os empregados prestadores de serviços não são trabalhadores
tratados como sujeitos do seu trabalho, dos seus modos de pensar e agir cultural,
organizacional ou politicamente, mas sim como objetos à disposição do cliente. A
9
Quadro de Reserva é o local onde a empresa terceira mantém em prontidão trabalhadores para substituir
os que faltam ao trabalho, entram em férias ou os que são devolvidos pelos contratantes, em função de
deficiências técnicas (prestação de serviços inadequada).
74
forma de contratação dos serviços de limpeza através da terceirização dificulta uma
efetiva participação das serventes nas decisões.
Assim, o processo de contratação via terceirização favorece – através de sua forma
precarizada de relações sociais de trabalho – a docilidade e a maior utilização dos
recursos humanos contratados para prestar serviços, fazendo com que esses
trabalhadores fiquem à mercê de um processo de dominação onde a palavra
substituição10 assume um caráter punitivo para os trabalhadores da limpeza, pois ser
substituído significa, quase sempre, não ser produtivo para realizar um serviço, o que
pode culminar até na dispensa do trabalhador.
4.2.2.2 A organização vertical do trabalho e a dupla subordinação hierárquica
As serventes são profissionais formalmente contratadas pela empresa terceirizada para
atividades de limpeza em todos os órgãos públicos estaduais que a empresa de prestação
de serviços mantém contratos.
A supervisão dos serviços de limpeza é feita por empregados da empresa terceirizada,
chamados de gerentes de contrato. Cada gerente é responsável por um certo número de
contratos. A atribuição deles é avaliar a qualidade dos serviços prestados pelas
serventes; fazer remanejamentos, substituições; conferir material e cartão de ponto;
resolver problemas individuais ou coletivos das serventes junto aos órgãos contratantes.
Assim, a servente é diretamente subordinada a esses profissionais em se tratando de sua
relação com a empresa terceira.
Como os gerentes de contrato têm que supervisionar diversas frentes de serviço e, por
isso, ficam pouco tempo nas unidades hospitalares, muitas vezes não conhecem os reais
problemas pelos quais as serventes passam. Assim, a empresa contratante – neste caso,
o hospital –, que deveria somente cobrar pela qualidade dos serviços prestados, acaba
sendo quem realmente supervisiona e administra os trabalhos de limpeza, interferindo
em vários assuntos de responsabilidade da empresa terceira – marcação de férias,
10
Substituição é o ato de substituir o trabalhador deficiente por outro mais produtivo, valendo-se da
prerrogativa de que a contratante paga pelos serviços, e não pela pessoa contratada.
75
divisão das tarefas e desvios de função – contrariando a legislação sobre terceirização,
que veda a subordinação dos empregados da contratada à administração da contratante.
Isso ocasiona para as serventes de limpeza um duplo processo de subordinação, pois
muitas vezes o que é determinado para elas fazerem pelos gerentes de contrato vai de
encontro ao que o hospital quer, e isso as deixa numa situação bastante desconfortável.
Na realidade, elas se sentem mais empregadas dos órgãos contratantes do que da
empresa terceira e preferem manter uma relação mais cordial com os servidores do
hospital, que são as pessoas de quem elas mais dependem para executar suas atividades.
Nesse processo de dupla subordinação, a servente de limpeza está sempre na periferia
da cadeia organizacional. No caso específico da organização vertical do trabalho, o
serviço de limpeza está localizado hierarquicamente na base da pirâmide administrativa,
tanto na empresa terceira quanto nos hospitais. A FIG. 3, a seguir, representa a posição
da servente na organização vertical da empresa prestadora de serviços e dos hospitais.
FIGURA 3 – Organização Vertical
HOSPITAL
TERCEIRIZADA
Diretor
Diretor
Gerente
Gerente
Serviços Gerais
Gerente de Contrato
Servente
Servente
A linha tracejada representa a clivagem relativa às duas estruturas organizacionais. A
primeira clivagem refere-se à estrutura hospitalar, onde a servente não faz parte do
quadro de servidores do hospital (ela é terceira), mesmo passando até 12 horas por dia
76
trabalhando dentro das unidades hospitalares, e onde qualquer mau comportamento ou
queda de produtividade pode levá-la a ser devolvida ao quadro de reserva e substituída
por outra mais eficiente e comportada. A segunda linha tracejada refere-se à clivagem
com a empresa que contrata seus serviços e com a qual a servente mantém contatos
esporádicos quando, por exemplo, tem-se que abrir uma CAT em caso de acidente com
instrumentos pérfuro-cortantes. Algumas serventes, principalmente as que trabalham no
interior, sabem muito pouco da empresa que as contratam. Não tiveram a oportunidade
de conhecer as instalações prediais ou as pessoas que trabalham na sede. A empresa
torna-se, assim, abstrata para muitos empregados.
Diante dessas situações, as serventes têm que adotar estratégias para desenvolver seu
trabalho com o menor desgaste possível junto à hierarquia organizacional –
principalmente a do hospital, onde os contatos são mais freqüentes – e que são
fundamentais para o sucesso de suas ações. Os desvios de função a que elas são
submetidas, o prolongamento da jornada para suprir a falta de alguma colega, o
comportamento subserviente não reclamando para a chefia quando encontrar algum
pérfuro-cortante jogado no chão, são fatores que facilitam seu trabalho dentro dos
setores. Elas precisam ser hábeis para evitar constrangimentos com os servidores do
hospital com os quais convivem diariamente.
Por outro lado, a servente tem que se submeter às exigências da empresa que a contrata
no que tange à prestação de serviços a seus clientes, mantendo um bom relacionamento
no local de trabalho. Este bem relacionar-se tem, entre outros, alguns preceitos
definidos pela empresa prestadora de serviços: amor pelo trabalho, dedicação,
solidariedade, responsabilidade, disciplina e colocar-se no lugar do outro. Os gerentes
de contrato são responsáveis por fiscalizar (mesmo que esporadicamente) se as
serventes estão seguindo tais recomendações. As formas de se comportarem tem até
dicas prescritas em manuais, como trabalhar em silêncio, nunca dizer não quando
solicitarem uma limpeza, responder às pessoas em voz baixa e cumprimentar as pessoas
com um sorriso nos lábios. Enfim, coisas extremamente fáceis de cumprir para quem é
empregado terceirizado.
Assim, a forma como o trabalho está organizado, com a interferência direta dos
hospitais na administração dos serviços, será mais um problema que a servente terá que
77
resolver. Seja nas relações horizontais com os integrantes da equipe de saúde do
hospital, onde os conhecimentos técnicos são o diferencial hierárquico, ou junto à
hierarquia vertical da empresa terceira e da contratante, a servente de limpeza é sempre
o lado mais fraco, mais periférico.
4.2.2.3 Divisão do trabalho e produtividade
O serviço de limpeza nos hospitais pesquisados é composto de um coletivo organizado
de pessoas que utiliza meios de trabalho específicos e cumpre procedimentos
determinados para realizar suas atividades. A diversidade de trabalhos, realizada em um
contexto de grande complexidade, tem que ser dividida e distribuída entre seus
membros, através da elaboração de rotinas de serviço, para que os objetivos sejam
atingidos. A organização desse conjunto de atividades é coordenada e supervisionada
pelo hospital e conta com a participação das encarregadas de limpeza, que distribuem as
serventes pelos diversos setores. A empresa terceirizada tem pouca ou nenhuma
participação nesse processo; apenas confere, através de seus gerentes de contrato, se os
trabalhos estão sendo bem feitos ou não.
A organização do trabalho desses profissionais também obedece a padrões clássicos,
tendo como parâmetro principal a eficiência centrada na produtividade do trabalho,
organizado em torno da rapidez de sua realização.
Isso fica bem evidente quando se consulta a Instrução Normativa 18 – norma que
disciplina a contratação de empresas terceirizadas para a prestação de serviços a órgãos
públicos, e que trás como principal parâmetro de avaliação o fator produtividade
mínimo por empregado contratado. Para hospitais, preconiza a IN 18 que a
produtividade da servente de limpeza deverá ser de trezentos metros quadrados por dia,
para uma jornada de oito horas diárias de trabalho.
Isso tem acarretado alguns problemas para a empresa terceirizada em definir o índice de
produtividade para seus empregados, visto que a jornada de trabalho para a grande
maioria das serventes que trabalha em hospitais é de doze horas por turno, o que levaria
a inferir que a produtividade para os plantonistas deveria ser de quatrocentos e
cinqüenta metros quadrados por dia.
78
Entretanto, a organização do processo de trabalho baseado na produtividade, conforme
o modelo proposto, não leva em consideração a variabilidade de situações encontradas
nos hospitais pesquisados, que interferem diretamente na atividade de limpeza e de
desinfecção. A variabilidade está relacionada ao número de exceções que o trabalhador
encontra na atividade real quando comparado ao que foi idealizado como sendo o
funcionamento normal do sistema. Dentre as variáveis que interferem na produtividade
das serventes e que não são levadas em consideração, destacam-se:
•
Características do setor de limpeza, onde o principal fator – segundo as próprias
serventes de limpeza – que mais dificulta suas atividades, transformando-se quase
sempre em retrabalho, é a movimentação de pessoas. As enfermarias são um exemplo
de local onde isso acontece rotineiramente;
•
Ferramentas de trabalho inadequadas ou mesmo em falta, muitas vezes, para a
realização das atividades;
•
Produtos de limpeza de qualidade inferior, o que obriga a servente a consumir maior
quantidade de energia e de tempo para realizar sua atividade;
•
Idade e gênero da servente de limpeza;
•
Máquinas e equipamentos obsoletos, como enceradeiras industriais velhas e
pesadas;
•
Relacionamentos às vezes conflituosos entre as serventes e o pessoal do quadro fixo
do hospital. Muitas vezes, esses desentendimentos se transformam em aumento de
carga de trabalho para a servente de limpeza, em função de retaliações que possam
ocorrer;
•
Imprevisibilidade de eventos, o que dificulta a execução da rotina de tarefas
prescritas para a servente realizar. Isso é exemplificado nas urgências solicitadas
pelos setores para limpeza e desinfecção de pisos e de leitos de pacientes.
Diante disso, conclui-se que a organização do trabalho de limpeza é extremamente
dependente das contingências próprias do ambiente hospitalar, que interferem com
maior ou menor intensidade na produtividade das serventes.
79
Tomar como base um modelo geral de produtividade que desconsidere a especificidade
de cada local, que não leve em consideração a realidade de cada situação, conforme foi
observado no trabalho de campo realizado nos hospitais pesquisados, pode gerar um
elemento redutor para se compreender por que as medidas de segurança adotadas
atualmente são insuficientes para se evitar a perfuração.
O próximo capítulo focará a diferença entre o trabalho prescrito pela organização e o
real, evidenciando as condições de risco que levam a servente de limpeza a se acidentar
com os instrumentos pérfuro-cortantes.
80
5. COMPREENDENDO O RISCO DE ACIDENTES A PARTIR DA ANÁLISE
DAS ATIVIDADES DE LIMPEZA
Neste capítulo serão analisados, através dos preceitos da Ergonomia, os riscos de
acidentes de trabalho com instrumentos pérfuro-cortantes existentes nos hospitais
investigados, buscando-se estabelecer uma relação de fatos que potencializam o evento.
Para compreender melhor a situação, buscou-se comparar o que é prescrito para as
serventes fazerem com aquilo que elas realmente fazem. A diferença entre o trabalho
prescrito e o real constitui-se em uma poderosa ferramenta de análise de riscos, pois
pressupõe que a investigação deva considerar o conhecimento das tarefas, das atividades
desenvolvidas para realizá-las e principalmente das dificuldades enfrentadas para se
atingirem os objetivos exigidos.
Conforme será dissertado a seguir, a desconsideração de diversas situações de risco
observadas e validadas em campo constitui-se nos verdadeiros pilares para que os
acidentes com instrumentos pérfuro-cortantes se concretizem nos hospitais pesquisados.
5.1 O trabalho prescrito
Os trabalhos de limpeza hospitalar são organizados, planejados e supervisionados pelo
próprio hospital, que normalmente conta com um setor de apoio para essas atividades,
denominado Serviços Gerais, e auxiliado pelo CCIH – Comissão de Controle de
Infecção Hospitalar, responsável por avaliar, acompanhar e propor medidas de controle
e de redução das infecções no hospital. A prescrição de todas as tarefas é repassada às
serventes pelo hospital, seja verbalmente ou através de rotinas, que são afixadas nos
setores onde as serventes têm que limpar, obedecendo sempre aos horários definidos
pelo hospital para a realização dos procedimentos de limpeza.
O hospital também toma parte do processo de divisão dos trabalhos, cabendo à
encarregada de limpeza da empresa contratada distribuir as serventes nos setores e
supervisionar a qualidade dos serviços prestados. Quando há necessidade, a encarregada
é responsável pelo remanejamento de empregados, normalmente atendendo às
solicitações de setores do hospital para o caso de limpezas emergenciais, para suprir a
falta de alguma servente ou mesmo para substituir serventes que não corresponderam às
81
expectativas exigidas para o setor. Na distribuição das tarefas, as serventes mais
experientes são deslocadas para as áreas consideradas mais críticas, como bloco
cirúrgico, CTI e enfermarias. Nesses locais, geralmente, não há rodízio de empregados
da limpeza, pois as pessoas que ali trabalham necessitam conhecer bem os
procedimentos internos.
A definição do horário para limpeza e desinfecção das áreas hospitalares –
principalmente as críticas – também é bastante rígida e normalmente definida pela
chefia de cada setor, que libera os locais para a limpeza quando há menos
procedimentos médicos. Esses critérios variam de acordo com as características da
unidade hospitalar.
Diversas tarefas constituem o conjunto de rotinas prescritas para o pessoal da limpeza.
As principais são:
•
Limpar móveis, janelas e vidros internos e externos;
•
Limpar elevadores, bebedouros, escadas e corrimões;
•
Varrer área externa – pátio, jardins e passeio;
•
Recolher sacos de roupa suja e levá-las para a lavanderia;
•
Conferir e repor material de higiene em todos os setores quando receber o plantão;
•
Promover a limpeza e a desinfecção dos equipamentos e mobiliários dos setores de
internação (exceto a desinfecção de leito de pacientes, que é de responsabilidade da
enfermagem).
Assim, as serventes de limpeza são as profissionais responsáveis pela sanificação de
todo o ambiente hospitalar, tanto externo quanto interno, e têm livre acesso a todos os
setores do hospital, compreendendo as áreas não-críticas, semi-críticas e as críticas.
5.1.1 O aprendizado das técnicas de limpeza
Os treinamentos nos hospitais normalmente são realizados de forma diferenciada, por
categoria profissional específica, ou seja, não há um inter-relacionamento entre os
diferentes integrantes de uma mesma equipe que trabalha junta no mesmo setor
82
(médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e servente). Os problemas do setor são
passados a cada especialista de forma separada.
Assim como para os demais profissionais, existem procedimentos padrões e técnicas
adequadas que os serviços de limpeza devem seguir em ambientes hospitalares,
exigindo-se o cumprimento de um roteiro bem definido para a sua execução – as tarefas
de limpeza iniciam-se sempre da parte interior dos setores para o exterior, com o
objetivo de remover todas as sujidades de dentro para fora do hospital.
Essas técnicas de limpeza são repassadas às serventes através de treinamentos,
oferecidos na maioria das vezes pelo próprio hospital e outras pela empresa contratada.
As técnicas recomendadas estão contidas nos chamados Manuais de Limpeza e
Desinfecção Hospitalar (Moraes, 1995; Bettcher, 1998). A concepção dos manuais é
feita por especialistas na área de saúde, caracterizando uma separação bem evidente
entre aqueles que elaboram o trabalho e os que irão executá-lo. Os principais objetivos
do correto aprendizado dos procedimentos padrões são obter maior qualidade e
produtividade para o serviço e, conseqüentemente, remover todos os microrganismos
que sobrevivem nos diversos ambientes do hospital.
Para os serviços de limpeza, a servente aprende a utilizar várias ferramentas de trabalho
consideradas apropriadas pela organização do trabalho. As principais são: dois baldes –
um para água e outro para solução detergente – um rodo, panos limpos, sacos plásticos
para recolhimento de lixo, algumas máquinas (enceradeiras industriais e jateadores de
água) e diversos produtos químicos (hipoclorito de sódio, sabão líquido, álcool,
desinfetantes etc). As recomendações universais para o manuseio das ferramentas de
trabalho de limpeza nos setores hospitalares preconizam que elas não devem ficar
encostadas em paredes ou mobiliários, pois podem contaminá-los com microrganismos.
Todos os movimentos de limpeza de paredes e pisos são padronizados. Nas paredes, a
servente deve começar a limpeza sempre do alto para baixo, em sentido único e sempre
paralelo. Para o piso, os movimentos são paralelos ou ondulatórios, longitudinais e
sempre do interior dos setores para o exterior. Toda vez que a água do balde estiver
suja, a servente deve trocá-la, para não comprometer os serviços. Quando se trata de
limpeza de piso em corredores, é regra isolar a metade deste para a realização da
83
limpeza e liberar a outra metade para a passagem de pessoas e de equipamentos. O
mesmo método deve ser adotado para a limpeza da outra metade do corredor.
Outro procedimento que deve ser seguido pelas serventes – segundo as recomendações
universais para desinfecção de locais onde haja contaminação por secreções ou
excreções – sangue, fezes e vômitos – é deixar, após a limpeza, a solução de hipoclorito
a 1% por dez minutos no local contaminado para eliminar todos os microrganismos.
Dentre os diversos tipos de assuntos que são repassados nos treinamentos às serventes
de limpeza está o comportamento padrão de segurança que todos aqueles que trabalham
nos hospitais devem ter quando estiverem realizando suas tarefas. Isso inclui a forma
correta que o profissional de saúde deve adotar no descarte de instrumentos pérfurocortantes, ou seja, todo material utilizado em pacientes deve ser imediatamente
desprezado dentro de coletores apropriados, localizados dentro dos setores e em locais
estrategicamente definidos e de fácil visualização.
5.1.2 As normas prescritas de segurança contra as perfurações
A realização das tarefas dentro do hospital deve obedecer a uma série de regras e
normas de segurança bem definidas, que devem ser cumpridas por todas as pessoas que
trabalham naquele ambiente. Os indivíduos são instruídos para se comportarem de
acordo com as regras prescritas, pois qualquer descuido pode ocasionar acidentes.
Dentre as várias condutas estabelecidas pela organização, uma é de grande importância
para evitar acidentes com agulhas: os procedimentos para descarte de instrumentos
pérfuro-cortantes. Estes têm que ser desprezados em recipientes apropriados,
denominados coletores. Segundo a norma IPT NEA – 55, os coletores são recipientes
destinados à coleta de resíduos de serviços de saúde perfurantes ou cortantes, tipo A 4
(NBR 12808 : agulha, ampola, pipeta, lâmina de bisturi e vidro).
Dentre as características exigidas para o coletor, a norma IPT NEA – 55 cita que o
material utilizado para a sua confecção seja resistente, por pelo menos um minuto em
qualquer ponto de sua superfície, à penetração de uma agulha sem uso (tipo
hipodérmica), e também a vazamentos de água por pelo menos vinte e quatro horas.
Outra característica desses recipientes é que sua cor seja amarela, com a simbologia
84
adequada do material que está sendo descartado. Todo coletor deve apresentar uma
linha horizontal nítida, em pelo menos três das faces verticais, indicando o limite de
enchimento máximo permitido, justamente para facilitar fechar a tampa do coletor.
As práticas de segurança hospitalar recomendam que o recipiente para descarte de
instrumentos pérfuro-cortantes seja colocado próximo do local onde está sendo
realizado o procedimento, e que no coletor sejam descartadas somente agulhas e
seringas. Depois de lacrado pelas auxiliares de enfermagem, as serventes de limpeza são
as responsáveis por retirar e transportar o coletor do interior das unidades até o depósito
de lixo.
Dentre as muitas tarefas que a servente tem como rotina diária, uma de grande
importância e de alto risco de acidentes é o recolhimento de lixo. O lixo deve ser
retirado o mais rápido possível dos setores, utilizando-se sacos plásticos de cores
diferentes – branco para o lixo infectante e de outra cor para o lixo comum
(normalmente uma cor escura). A recomendação do uso de cores diferenciadas para
sacos de lixo se dá em função da classificação utilizada para recolhimento de resíduos
gerados em unidades hospitalares, onde os da classe I são aqueles geralmente
provenientes de setores administrativos e os da classe II são aqueles recolhidos de
setores onde os resíduos são considerados, pela NBR 9191, “de maior virulência,
infectividade e concentração de patógenos, apresentando risco potencial adicional à
saúde pública”. Para estes, além da exigência da cor branca leitosa, deve haver uma
simbologia adequada que identifique o resíduo como infectante.
A coleta de lixo nos locais de geração pode ser feita manualmente ou através de veículo
coletor. Para o deslocamento manual, segundo a NBR 12809, “os recipientes contendo
resíduos não devem exceder a vinte litros de capacidade”. Esse tipo de coleta se refere
àquelas onde a operação de transferência dos resíduos é feita internamente, do local de
geração ao local de armazenamento interno. Os empregados da limpeza são instruídos a
fazer o transporte dos sacos de lixo o mais afastado possível do corpo, para evitar
contaminação ou até mesmo algum acidente. Outra precaução a tomar diz respeito ao
preenchimento dos sacos de lixo, que não pode exceder a 2/3 (dois terços) de sua
capacidade interna. Para o transporte da sala de armazenamento interna até o depósito
de lixo externo, o carregamento será realizado, obrigatoriamente, através de veículos
85
coletores, que devem atender às características especificadas pela NBR 12810 – serem
estanques, constituídos de material rígido, laváveis e impermeáveis, de forma a não
permitir vazamento de líquido, com cantos arredondados e dotados de tampa, além de
serem de uso exclusivo para a coleta de resíduos.
5.2 O trabalho real
Conforme salientado anteriormente, são vários os problemas que interferem direta e
indiretamente nas atividades das serventes de limpeza. Para suplantarem todas as
dificuldades encontradas, as serventes têm que desenvolver uma gama de estratégias
para atendimento às demandas das situações reais de trabalho, principalmente para
tentarem evitar o que elas mais temem: os acidentes com instrumentos pérfurocortantes.
Uma servente que se acidentou com uma agulha ilustra bem essa situação:“Chorei
muito quando furei meu dedo. Me senti estranha, com muito medo, deprimida. Fiquei
assim durante muito tempo. Tive que tomar remédios contra a AIDS durante 30 dias.
Evitava até beijar meus filhos”.
5.2.1 As interfaces da limpeza na gestão horizontal do trabalho
O serviço de limpeza nos hospitais investigados coloca a servente face a face com
outras pessoas, como médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, pacientes,
visitantes e as próprias serventes. As formas como as relações de trabalho acontecem,
principalmente com as auxiliares de enfermagem – que são as profissionais onde as
interfaces são mais diretas e constantes para o desenvolvimento das atividades de
limpeza dentro dos setores de internação e atendimento de pacientes – são fundamentais
para que a servente alcance seus objetivos.
Normalmente, a limpeza dos setores mais críticos, como enfermarias, pronto
atendimentos e salas de emergências, exige uma série de micro-negociações que
equacionam os imprevistos do dia-a-dia que ocorrem no hospital. Por exemplo, se a
auxiliar de enfermagem passar a solicitar a presença da servente toda vez que a
enfermaria ficar suja, será extremamente problemático para a servente conseguir
cumprir seus afazeres diários. De outro modo, se a servente não puder entrar na
86
enfermaria para realizar a limpeza de acordo com a rotina de trabalho que lhe foi
passada em virtude de um procedimento emergencial, isso será um fator de atraso para
seu trabalho.
Assim, para manter o equilíbrio da rede relacional e evitar conflitos com os outros
profissionais, a servente desenvolve uma série de estratégias para facilitar seu trabalho,
através dos seus préstimos, da cordialidade e, muitas vezes, da subserviência à vontade
dos outros, conforme fica demonstrado pela declaração de uma servente:“Eles não
aceitam nós da limpeza falarmos nada, por que acham que são superiores a nós. Temos
que fazer tudo que eles querem”.
Porém, em certas situações de trabalho, os conflitos acabam sendo inevitáveis e, via de
regra, a servente é a mais prejudicada de todos.
5.2.1.1 Os conflitos nas relações de trabalho
O problema dos conflitos entre categorias profissionais é um assunto extremamente
complexo e abrangente, sendo pesquisado por vários autores. Farias & Vaitsman
(2002), estudando especificamente a interação e o conflito entre categorias profissionais
em organizações hospitalares públicas, citam em seu trabalho que as funções mais
subordinadas naquela estrutura organizacional são as ocupações com menor grau de
qualificação, mas diretamente vinculadas ao espaço no qual a relação entre saber e
poder é explícita.
Peduzzi (2001), pesquisando sobre o trabalho multiprofissional em saúde, alerta que “os
trabalhos que se separam ou se agregam ao trabalho do médico configuram um
conjunto diversificado de áreas profissionais, necessárias à implementação da
totalidade das ações que podem viabilizar a atenção integral à saúde”. Entretanto, a
mesma autora confirma que, na área de saúde, as profissões vão perdendo sua
valorização à medida que se afastam da categoria médica, hierarquizando as diferenças
entre as profissões.
Essa hierarquização das profissões vai fazer com que os relacionamentos de trabalho
mais diretos das serventes de limpeza, dentro do hospital, sejam com as auxiliares de
enfermagem. As auxiliares, conforme relata Farias & Vaitsman (2002), “integram os
87
escalões inferiores da organização e se encontram em posições mais subordinadas à
estrutura hierárquica”. Assim, os conflitos mais fortes travam-se entre esses dois
coletivos em decorrência da existência de interesses divergentes. A divergência pode
estar relacionada a uma tarefa que é solicitada para a servente fazer, mas que não é de
sua responsabilidade – como trocar a roupa de cama de pacientes – ou a problemas
relativos ao não cumprimento das normas de segurança pela auxiliar de enfermagem,
como o descarte de agulhas fora dos coletores, principalmente jogadas no chão, que
podem propiciar a ocorrência dos acidentes entre os integrantes do serviço de limpeza.
Os processos de regulação de conflitos do pessoal da limpeza geralmente são
individualizados e conseguidos, quase sempre, servilmente à vontade dos outros. Isso
pôde ser comprovado quando o pesquisador foi convidado a participar de uma reunião
em um hospital em decorrência de uma perfuração com agulha na mão de uma servente.
O hospital estava no início de implementação de procedimentos administrativos visando
o controle de instrumentos pérfuro-cortantes descartados inadequadamente, e convocou
uma reunião após o acidente. O acidente ocorreu porque a servente achou uma agulha
descartada fora do coletor – estava jogada dentro de um saco de lixo – e ao pegá-la para
mostrar à chefia do setor, acabou se acidentando. Ela já havia mostrado vários outros
objetos e nenhuma providência havia sido tomada. Nesse dia, ela ficou extremamente
nervosa e acabou se acidentando.
Foi então convocada uma reunião no hospital, com a participação de empregados da
empresa terceirizada, representados pela servente que sofreu o acidente, um
representante da CIPA, uma técnica de segurança e o gerente de contrato. Pelo hospital
compareceu a enfermeira-chefe do setor onde houve o acidente, duas auxiliares de
enfermagem, o médico do trabalho e um representante do setor administrativo (que era
sociólogo). Depois de vários debates, acabou-se chegando à conclusão de que a grande
culpada pelo acidente foi a própria servente, que não deveria ter manipulado a agulha.
De vítima, decorrente da ação de alguma pessoa que contrariou as normas internas de
segurança do hospital, a servente acabou sendo a maior prejudicada. Na visão daquelas
pessoas, o acidente só ocorreu devido a um ato inseguro praticado pela servente.
Situações inusitadas – como, por exemplo, as características do uniforme de trabalho –
têm reflexos sobre o comportamento dos coletivos, causando desgaste entre eles. As
88
serventes de limpeza vestem-se com uniformes de cor azul escura, diferenciando-se do
pessoal da saúde, que usa roupas de cor branca (médicos, enfermeiros, auxiliares de
enfermagem), assim o caracterizando como um grupo de pessoas que pertencem a um
tipo de categoria profissional que trata da saúde dentro daquele ambiente. Em
determinado hospital pesquisado houve problemas quando a roupa das serventes foi
mudada para a cor branca. As auxiliares de enfermagem faziam brincadeiras de mau
gosto, tentando ridicularizá-las (segundo afirmações das próprias serventes, elas eram
chamadas de “açougueiras”). Esses fatores são motivo de clivagem entre o coletivo da
saúde e o da limpeza, traduzindo-se, algumas vezes, em conflitos.
5.2.1.2 A dificuldade de acesso às informações aumentando o risco de acidentes
Os outros profissionais com quem a servente mantém contato são possuidores de um
status conferido através da formalidade, de diplomas que lhes habilitam a exercer uma
profissão reconhecida socialmente. A desqualificação profissional é uma das causas que
afasta a servente da equipe de saúde, dificultando-lhe o compartilhamento de
informações que poderiam levá-la a melhor representar os riscos do ambiente de
trabalho, prejudicando a tomada de decisões em determinadas situações. Weill-Fassina
et al. (1999) sugerem que as dimensões cognitivas podem ser prejudicadas, caso não
haja suficiente compartilhamento de informações, reduzindo a capacidade de
antecipação aos riscos existentes no ambiente de trabalho.
Nas áreas consideradas de atendimento a pacientes, é necessária uma integração
horizontal entre as equipes, pois o trabalho coletivo e a cooperação são elementos
fundamentais para o sucesso das intervenções médico-hospitalares. Decortis & Pavard
(1998) confirmam esse pressuposto, citando que “para a cooperação é necessário
comunicar para que haja troca de informações, transmitir significativamente ao outro
as intenções, interpretar e compreender as intenções do parceiro, particularmente no
que se refere às ações presentes e futuras”.
Para Lacoste (1998), “a ação supõe uma multiplicidade de decisões locais” em função
das variações contextuais emergentes. Para dar conta da variabilidade das situações
encontradas nos hospitais, as ações dentro das unidades necessitam de interação entre os
89
diferentes coletivos de trabalho que aplicam seus conhecimentos técnicos, para que se
resolvam da melhor forma possível os problemas cotidianos.
Guerin et al. (2001) utilizam alguns termos para descrever as dimensões coletivas da
atividade. Dentre esses termos, para a relação servente de limpeza e profissionais de
saúde, o conceito de colaboração é o que mais se aproxima da realidade observada.
Colaboração, para os citados autores, “é aquilo que se estabelece nas relações entre
trabalhadores que habitualmente não trabalham o mesmo objeto, mas que
compartilham suas competências para lidar com uma situação particular”.
O caráter coletivo do trabalho hospitalar pode ser observado pela interdependência entre
as atividades, que são repartidas entre os integrantes da equipe; cabe a cada um a sua
parcela específica de trabalho. A solicitação das auxiliares de enfermagem para que a
servente interrompa sua atividade –
por exemplo, para a limpeza do piso de um
corredor, para uma desinfecção emergencial dentro de uma enfermaria, ou para limpar
um leito de paciente, cuja tarefa não é prescrita para ela fazer – é fato normal nos
hospitais pesquisados e ilustra bem o caráter cooperativo que as atividades precisam ter,
pois todos os serviços acabam se complementando.
A colaboração regula o que as normas e os procedimentos não foram capazes de
considerar, como o sub-dimensionamento da mão-de-obra, a escassez de material, o
intenso fluxo de pessoas nos setores de atendimento a pacientes e até mesmo a falta de
coletores para descarte de agulhas – nesse caso, a alternativa é usar outros recipientes,
como garrafas plásticas para descartar as agulhas.
Apesar da necessidade de colaboração entre todos os coletivos, muitas vezes não é
possível evitar a ocorrência de um acidente devido ao descarte indevido de agulhas, em
virtude da clivagem no compartilhamento das informações e da pouca verbalização
entre os componentes da equipe de saúde e as serventes. As falas normalmente
restringem-se a pedidos para limpezas e desinfecções emergenciais pelas auxiliares de
enfermagem. As serventes de limpeza, em seu cotidiano de trabalho, encontram-se na
posição de pacientes das interações sociais; não participam das tomadas de decisões que
afetam sua atividade dentro do seu local de trabalho.
90
A análise ergonômica do trabalho evidenciou que a servente ainda é tratada como parte
isolada do sistema. Os treinamentos, parte formal que a organização instituiu para
resolução dos problemas e para o aprimoramento das competências profissionais, são
realizados sem ouvir suas sugestões para a melhoria das situações de trabalho. As
informações sobre os riscos que dizem respeito a coletivos que trabalham juntos no
mesmo espaço são passadas separadamente, em treinamentos distintos.
Guerin et al (2001) salientam que, para a colaboração acontecer, é necessário que haja
um conhecimento recíproco das atividades desenvolvidas no local de trabalho. E tecem
os seguintes comentários sobre as condições mínimas para que isso ocorra:
“Conhecer suficientemente a organização geral do trabalho de seu ou seus colegas,
as diferentes fases de sua ação, os constrangimentos (grifo nosso) aos quais eles
estão submetidos. Dispor de informações que permitam avaliar num dado momento
em que parte do desenrolar de sua ação estão os outros”.
Assim, um trabalho que é extremamente dependente do compartilhamento de opiniões e
de troca de informações que deveriam ser discutidas dentro de um espaço comum, está
sendo organizado formalmente de forma fragmentada, seletiva e estratificada, não
propiciando a participação conjunta de todos os interessados nos problemas cotidianos
do hospital. Para a servente acaba sobrando a maior carga desses disfuncionamentos,
que se traduzem muitas vezes em acidentes de trabalho.
Isso faz com que as estratégias operatórias – que poderiam ser mais eficazes na gestão
do risco se fossem adotadas coletivamente, através da maior interação entre todos os
profissionais, incluída aí a servente – sejam construídas muitas vezes individualmente
pelas serventes, ou seja, dependentes da experiência adquirida pelas mesmas no trabalho
em hospitais, da capacidade de se manterem atentas, de suas regulações internas e de
seu relacionamento com outros profissionais – o que dificulta muito a prevenção de
acidentes
com
instrumentos
pérfuro-cortantes.
Nestas
circunstâncias
não
há
oportunidades para conhecer o outro, para saber dos problemas do outro, para ouvir
sugestões do outro e para evitar ações dentro do espaço de trabalho que possam
ocasionar acidentes com o outro.
91
Informações que deveriam ser repassadas à servente – como saber qual é a doença do
paciente que está internado no quarto onde ela tenha que fazer uma limpeza, ou sobre o
descarte inadequado de algum instrumento pérfuro-cortante feito por um profissional de
saúde em determinada situação que exigiu procedimentos urgentes – muitas vezes não
são compartilhadas com a servente, o que a deixa sem saber o que se passa no setor de
trabalho.
Para minimizar todos esses problemas, resta à servente de limpeza estabelecer um
relacionamento mais estreito com seus pares, com suas colegas, ou seja, entre si
mesmas. O único grupo do qual realmente fazem parte é o dos seus iguais. Parecem
órfãs no contexto de seu trabalho.
Dessa forma, a rede de relações que as serventes criam entre si busca dar conta das
lacunas existentes, tanto organizacionais como operacionais. A primeira pode estar
relacionada às limitações de recursos disponíveis dentro dos hospitais, como a
insuficiência de mão-de-obra para a limpeza, quando uma servente cobre ou ajuda o
trabalho da outra. A segunda pode ser em virtude da falta de materiais que deveriam ser
fornecidos pelos hospitais, e a alternativa encontrada pela servente para realizar seu
trabalho é comprar o que falta com seus próprios recursos, demonstrando seu
comprometimento com aquilo quem ela tem que fazer. Enfim, soluções coletivas
precisam ser tomadas para dar conta das ocorrências do contexto onde a dinâmica das
situações exige medidas rápidas e eficazes.
O trabalho coletivo entre as serventes de limpeza se dá através dos processos de
interação que elas estabelecem entre si para atingir os objetivos. As adversidades
encontradas no contexto hospitalar – e que são muitas – precisam ser vencidas e as
ações praticadas. A troca de informações ocorre, normalmente, nos momentos em que
elas se encontram, por exemplo, para as refeições ou para a leitura dos relatórios de
mudança de plantão (esse procedimento, entretanto, é adotado em poucas unidades).
A cooperação é a tentativa das serventes para encontrar mecanismos de redução de
riscos. A representação que elas fazem das dificuldades é construída através dessas
trocas de informações, conforme exemplificado através da verbalização entre uma
encarregada de limpeza e uma servente, sobre a proteção respiratória que a servente
92
deveria adotar para fazer seu trabalho:“Não esqueça de pegar a máscara antes de você
limpar o quarto, pois o paciente internado lá está com tuberculose”. Uma servente
alerta a outra para que adote uma estratégia operatória de prevenção mais rigorosa em
sua tarefa. Outra situação pode estar relacionada à prevenção de problemas de ordem
psicológica decorrentes do trabalho em setores de hospitais onde há internação de
pacientes em estado muito grave, o que pode levar as pessoas que lá trabalham a um
estado de sofrimento. Nessa circunstância, observou-se um fato interessante em um
hospital psiquiátrico de grande porte, localizado no interior, onde as serventes, toda vez
que se encontravam, abraçavam-se e beijavam, fazendo dessas ações um hábito.
Questionadas sobre esse comportamento, uma delas respondeu:“Se a gente não fizer
isto, nós também enlouquecemos”.
Concluindo, a busca pela prevenção ainda é muito mais dependente das ações que as
próprias serventes têm que desenvolver durante suas atividades do que pela ajuda dos
outros atores, restringindo-se a fatos isolados e individualizados. Nessas circunstâncias,
as chances de acidente são bem maiores para as serventes.
5.2.2
As variabilidades do contexto como condicionantes de acidentes
Variabilidade é um conceito central em Ergonomia e está associada às variações
freqüentes que ocorrem nas situações de trabalho, tanto aquelas relacionadas às
características do trabalhador, que se modificam continuamente (aspectos físicos,
psíquicos, cognitivos) como as relacionadas à organização do trabalho (materiais,
equipamentos, procedimentos). Pode-se constatar que a variabilidade está sempre
presente na situação real de trabalho, em maior ou menor grau. Para o trabalho de
limpeza hospitalar, a variabilidade foi verificada, por exemplo, nas ocasiões onde há
aumento na internação de pacientes. Nessas circunstâncias, o risco de perfuração tornase ainda mais acentuado em função do grande número de pedidos para limpezas
emergenciais e da intensa manipulação de instrumentos pérfuro-cortantes. Além da
variabilidade, acrescenta-se a imprevisibilidade decorrente da contingência de eventos
que emergem nas situações de trabalho e que não estão previstos para ocorrerem.
Para lidar com essas situações, as serventes têm que elaborar estratégias individuais e
coletivas visando antecipar-se ao aparecimento de incidentes ou acidentes (Weill-
93
Fassina, 1999). Assim, durante a jornada de trabalho, vários fatores contribuem para a
ocorrência de acidente com instrumento pérfuro-cortante no ambiente hospitalar.
Nos próximos itens deste capítulo serão descritas todas as variáveis observadas e
investigadas na pesquisa que favorecem as perfurações, mas que não são tratadas na
gestão de riscos no trabalho da limpeza.
5.2.2.1 O aumento na demanda de atendimentos a pacientes
Um dos fatores concorrentes para que a servente se acidente – e este foi nesta pesquisa o
item de maior relevância citado pelas serventes para que haja retrabalho de limpeza – é
o aumento do número de atendimentos a pacientes, que acarreta invariavelmente mais
movimentação de pessoas dentro dos setores hospitalares. Quanto maior o número de
pessoas internadas, maiores serão as dificuldades que a servente terá que enfrentar.
As serventes são conscientes desses problemas e desenvolveram mecanismos de
diagnóstico que as ajudam a se preparar melhor para o desenvolvimento diário de suas
atividades, conforme exemplificado por uma servente que trabalha em um hospital
infantil: “A gente já sabe que quando o tempo muda, os setores do hospital ficam mais
cheios de crianças internadas. Aí a gente já se prepara, porque sabe que vamos ter que
trabalhar mais”.
Normalmente, nos finais de semana – principalmente sextas-feiras e sábados, à noite –
o número de atendimentos em hospitais públicos aumenta ainda mais. Uma maior
quantidade de pessoas internadas pode trazer várias conseqüências para o setor de
limpeza. As serventes serão mais solicitadas para limpar e desinfetar enfermarias e
corredores, terão que dar mais assistência dentro das unidades e centros de tratamento
intensivo. E, conseqüentemente, sofrerão um desgaste físico mais intenso, pois
transportarão muitas vezes os baldes com água e sabão líquido, o hipoclorito, os sacos
com lixo e suas ferramentas de trabalho.
As técnicas de limpeza apreendidas nos treinamentos, nessas circunstâncias (por sinal,
normais no ambiente hospitalar pesquisado), não podem ser colocadas em prática.
Deixar por dez minutos a solução de hipoclorito sobre as secreções que caem no chão é
94
prática impossível para a servente de limpeza. A todo momento entram e saem pacientes
das enfermarias. O tempo para o hospital é algo precioso e inegociável.
Nas ocasiões de maiores demandas por atendimentos hospitalares, os riscos de acidentes
por perfuração também aumentam significativamente, pois os procedimentos que
envolvem o uso de agulhas e bisturis tendem a se elevar na mesma proporção de
pessoas atendidas. Isso fará com que as serventes tenham que ter mais cuidado e
atenção na sua atividade. Por outro lado, os constrangimentos também aumentarão, pois
elas serão cobradas para realizar a limpeza mais rápido dentro do setor. Isso as obriga a
ter que negociar com o pessoal da saúde a todo instante. Sua habilidade para responder
às solicitações de serviços e sua experiência e intuição para saber o momento certo para
iniciar o trabalho são fundamentais para reduzir o desgaste físico e mental. A
dificuldade é saber como conciliar rapidez e atenção, cuidado na execução da atividade
e intensa manipulação de agulhas dentro dos setores em situações de emergência, onde
nem sempre é possível para o profissional de saúde descartá-las no local adequado. Isso
é caracterizado pela fala de uma servente, que cita várias vezes a palavra atenção, como
se fosse possível manter-se concentrado durante 12 horas de trabalho:“A gente tem que
prestar muita atenção quando tem que passar pano no chão ou redobrando a atenção
na hora de separar a roupa suja, tendo mais atenção nas bandejas contaminadas que
vão para o expurgo”.
5.2.2.2 As constantes interrupções nas rotinas de trabalho
As variabilidades se fazem presentes em várias situações, exigindo das serventes a
mobilização de formas de regulação individual e coletiva para evitar o acidente. Um dos
obstáculos com potencial de causar acidentes ao pessoal da limpeza são as constantes
interrupções em suas rotinas de trabalho, decorrentes da emergência das diversas
contingências ocorridas com grande intensidade no ambiente hospitalar.
Segundo Guerin et al. (2001), mesmo conhecendo certos elementos da variabilidade, os
operadores sabem que nesses momentos a freqüência dos incidentes é mais elevada.
Abrahão (2000) mostra que a “variabilidade pode ser avaliada segundo o número de
exceções verificadas para o funcionamento normal do sistema e ao grau de dificuldade
que o operador encontra para identificar as alterações e variações dos parâmetros que
95
ocorrem durante o processo de trabalho e que afetam o funcionamento do sistema”.
Segundo a mesma autora, a variabilidade está presente em um cenário onde se
confrontam as características do indivíduo, as exigências da produção e a forma
proposta de organização do trabalho.
As interrupções na rotina de trabalho das serventes são freqüentes. Um exemplo são os
serviços emergenciais para desinfecção e limpeza de setores, principalmente os que têm
pacientes internados, como as enfermarias. Normalmente, as serventes são avisadas para
se dirigirem ao local a ser limpo pelas auxiliares de enfermagem ou pelo sistema de
comunicação interno do hospital. Elas param a tarefa que estavam executando,
conforme programado em sua rotina de trabalho, carregam o material de limpeza e as
ferramentas de trabalho até o depósito de material de limpeza – DML, trocam a água
dos baldes, preparam o hipoclorito de sódio, lavam os panos de chão e vão até o setor
onde foram solicitadas. Lá elas identificam o local a ser limpo. E, depois de autorizadas
ou de perceberem que podem entrar, executam a limpeza e a desinfecção e retornam à
atividade anterior. Quando voltam, já não encontram mais a mesma situação.
As paralisações de suas atividades dentro de seus setores de trabalho também podem se
dar por remanejamentos internos, tanto por causa de situações emergenciais como por
falta de empregados em outro setor. Isso requer da servente de limpeza uma enorme
capacidade preditiva de antecipação aos riscos. Não há tempo suficiente para avaliar
com detalhes o local a ser limpo. Não há tempo para saber qual é a doença do paciente
que está internado. Não há tempo para saber se foi usado algum instrumento pérfurocortante perto do lugar que precisa ser limpo. A declaração de uma servente explicita
essas situações:
“Um dos grandes problemas dos setores é nós estarmos expostas aos
remanejamentos todos os dias, por falta de funcionários. Muitas vezes, depois de
termos executado nossas tarefas, somos mandadas para cobrir outros setores que
nós nem conhecemos direito. O desgaste físico se torna grande, com isso você corre
o risco de sofrer um acidente de trabalho.”
Como se pode perceber, a servente não tem controle sobre o contexto de trabalho na
qual está inserida, e sua capacidade de regulação e de representação será fundamental
para que ela possa gerir as variabilidades. Assim, para Abrahão (2000), “quanto maior
96
a variabilidade das situações, menor a probabilidade de antecipação, exigindo assim
maior competência dos trabalhadores para a passagem de uma operação prescrita a
uma ação situada (contextualizada). Dessa forma, os modos operatórios que a servente
terá que adotar vai depender sobremaneira de sua experiência. Para Abrahão (2000),
“este modo configura um conjunto sempre singular de determinações, denominado
modo operatório, ou seja, a seqüência de ações, de gestos, de sucessivas buscas e
tratamento de informações, de informações verbais ou gráficas e de identificação de
acidentes, significando, para a autora, “a mobilização de suas representações mentais,
de suas estratégias operatórias e das suas competências”.
Por isso, dentro do ambiente hospitalar, a servente adotará estratégias que poderão ou
não ser suficientes para evitar o acidente. Se ela souber que determinada auxiliar de
enfermagem é quem está trabalhando naquele setor, e que essa auxiliar é conhecida
como uma pessoa desleixada, que não se preocupa em seguir as recomendações de
descarte de agulhas, a servente terá uma postura mais defensiva e porá em ação todo um
sistema interno de prevenção. Porém, nem sempre, o resultado é satisfatório, e o
acidente acaba acontecendo.
As representações das serventes sobre o seu trabalho são sempre construções
contextualizadas e dependentes de processos individuais e coletivos. O caráter
individual está relacionado à experiência adquirida ao longo do tempo de trabalho em
hospitais, que lhe permitirá desenvolver melhor as percepções e associações da
realidade, possibilitando que ela faça escolhas acertadas sobre as ações a serem tomadas
durante suas atividades. A representação coletiva pode ser evidenciada nas
comunicações que elas estabelecem entre si ou com outras pessoas, como a conversa
entre duas serventes ocorrida na troca de plantão:“O setor hoje está muito tumultuado.
Já encontrei duas agulhas jogadas no chão. Cuidado”.
Com essas palavras de alerta – tumulto, agulhas, cuidado – a servente tem a
possibilidade representar com mais precisão o seu espaço de trabalho, elaborando
estratégias antecipadas para realização de suas atividades com mais precaução. Mesmo
assim, as estratégias podem falhar, conforme se constata pela declaração de uma
servente que já havia se acidentado com uma agulha:“A gente muitas vezes não
consegue, mesmo quando avisam para gente que tem agulha lá, ter certeza de que não
97
vai se acidentar quando torce o pano de chão. Parece que a agulha some. A gente só
sente a dor da fincada”.
5.2.2.3 Os coletores de instrumentos pérfuro-cortantes
Outro problema refere-se aos coletores de agulhas, que quase sempre estão cheios, não
só de agulhas e seringas – conforme deveriam – mas de outros materiais que vão sendo
descartados em seu interior, como gazes, algodão e frascos de remédios. O limite
máximo de preenchimento dos coletores, marcados por uma linha em três de suas faces,
nunca é respeitado. Assim, as agulhas ficam com as pontas expostas para o lado de fora
da caixa, tornando-se uma fonte de grande perigo principalmente para a servente, que,
na realidade, é responsável não somente por transportar e jogar os coletores dentro dos
sacos de lixo, mas também por fechá-los. Alguns acidentes ocorreram com as serventes
em função do excesso de agulhas nos coletores. Elas tentam organizar as agulhas dentro
da caixa para poder fechá-las e acabam se acidentando. O risco também aumenta em
função do recolhimento de agulhas que as serventes encontram jogadas fora dos
coletores, conforme declaração de uma delas: “Estamos sempre encontrando pérfurocortante no chão e sempre temos que colocá-los nas caixas”. Essa servente trabalha em
um pronto-socorro, tendo que se arriscar para recolher manualmente as agulhas e
bisturis que encontra fora do coletor. Nesse tipo de acidente, a culpa recai na própria
servente, que não deveria ter realizado um procedimento inseguro como aquele. Ela
acaba sendo duplamente penalizada: por aqueles que organizam o trabalho e pela
própria consecução do acidente.
Contraditoriamente, os coletores cheios também são um sinal de que pode haver maior
probabilidade de agulhas descartadas inadequadamente no setor, possibilitando à
servente melhor representar uma situação de risco de perfuração, fazendo com que ela
adote, nessas circunstâncias, modos operatórios mais seguros durante seu trabalho.
A recomendação para se colocar o recipiente coletor de pérfuro-cortante próximo ao
local onde ocorrem os procedimentos que envolvem o uso de agulhas e bisturis,
freqüentemente, não é cumprida. Constatou-se que, muitas vezes, o coletor estava
localizado em pontos de difícil visualização dos setores, até mesmo escondido atrás de
mobiliários, o que contribuía sobremaneira para o descarte inadequado. Um dos
98
elementos que concorrem para isso é a falta de espaço físico nos setores, que prejudica a
disposição correta dos coletores, conforme recomendam as práticas universais.
Em algumas unidades hospitalares faltavam coletores, o que obrigava os profissionais
de saúde a usar outras alternativas para desprezarem os instrumentos pérfuro-cortantes,
como a utilização de frascos plásticos. Dessa forma, além de não se cumprirem as
recomendações especificadas nas precauções universais, essa alternativa trazia alguns
inconvenientes operacionais para o descarte dos pérfuro-cortantes, como a largura
reduzida dos gargalos dos frascos, que dificultava jogar os objetos dentro deles.
5.2.2.4 Os desvios de função
Além de precisar realizar com dificuldade uma multiplicidade de tarefas que lhe são
impostas pela organização do trabalho, organizar seu tempo e saber trabalhar com as
variabilidades de fatos que se produzem a todo momento dentro do hospital, a servente
de limpeza hospitalar, freqüentemente, é solicitada para fazer atividades que não
caberiam a ela realizar.
Essas “outras atividades”, conhecidas formalmente como desvios de função, são
práticas normais dentro dos hospitais públicos pesquisados e podem ser interpretadas
como mais trabalho que a servente de limpeza terá que realizar. A alegação para os
desvios de função é quase sempre a falta de mão-de-obra de pessoal de saúde. Na
maioria das vezes, as serventes são deslocadas para a realização de serviços de
auxiliares de enfermagem. Tal argumentação levou à pesquisa da relação entre o
quantitativo de serventes de limpeza e o de auxiliares de enfermagem em setores
específicos de quatro hospitais – cujos nomes foram preservados –
demonstrado na TAB. 8.
conforme
99
TABELA 8
Relação entre número de serventes e número de auxiliares de enfermagem
(por plantão)
Hospital
Setor
Nº de serventes
Nº de auxiliares de enfermagem
A
4º andar-enfermaria
1
7
B
3º andar-enfermaria
3
17
C
Ortopedia
3
14
D
Politraumatizado
1
5
Como se pode observar, o número de auxiliares de enfermagem, por plantão, nos
setores hospitalares, é sempre bem maior do que o de serventes, apesar das atividades
desses coletivos serem diferentes. Mesmo assim, fica bem evidenciado que a proporção
entre as serventes e as auxiliares de enfermagem é bem mais favorável a estas do que
àquelas.
Os hospitais usam as serventes de limpeza nos mais variados tipos de desvios. Alguns
as utilizam para serviços que vão desde o desentupimento de redes de esgoto até
serviços específicos da área de saúde, como ajudar a engessar pacientes e fazer serviços
de instrumentação cirúrgica. Os desvios de função, em certas circunstâncias, são
interessantes para a servente, pois ela tem a oportunidade de realizar uma atividade
considerada mais nobre do que a limpeza. E isso a faz sentir-se orgulhosa e importante.
Um dos trabalhos considerados desvio de função, que tem gerado fortes
desentendimentos entre o pessoal da limpeza e as auxiliares de enfermagem, é a
responsabilidade pela troca de roupa de cama e a limpeza de leito de pacientes. Os
manuais hospitalares citam que é de responsabilidade da enfermagem fazer essas
tarefas. Entretanto, é fato comum, em muitos dos hospitais pesquisados, as serventes se
responsabilizarem por esse trabalho, muitas vezes, como exigência do próprio setor de
Controle de Infecção Hospitalar.
O pesquisador teve a oportunidade de participar de uma reunião em um hospital onde as
serventes se negaram a fazer tal trabalho, o que lhes causou grande desgaste diante do
pessoal da enfermagem. Circunstâncias como esta são passíveis de represálias por parte
de algumas das auxiliares de enfermagem e deterioram os relacionamentos entre os dois
100
coletivos de trabalho. E a corda arrebenta, quase sempre, para o lado mais frágil, ou
seja, o das serventes. Há receio de que as exigências para limpeza possam ser mais
constantes e de que a falta de cooperação se transforme na possibilidade de acidentes de
trabalho, principalmente se as agulhas não forem descartadas dentro dos coletores.
Outro trabalho que não é de responsabilidade da servente de limpeza é fechar os
coletores de instrumentos pérfuro-cortantes dentro dos setores. Essa tarefa é prescrita
para a auxiliar de enfermagem, mas acaba sobrando sempre para a servente. O grande
problema é a condição em que a atividade é feita, pois a servente encontra os coletores
muito cheios de agulhas, bisturis, escalpes e outros objetos que não deveriam ser
jogados dentro do coletor. Para conseguir fechar o coletor, a servente tem que rearranjar
os objetos dentro da caixa, o que a submete a uma situação de risco. Vários acidentes
foram cadastrados em virtude desse procedimento, considerado ato inseguro de quem o
pratica. Seria isso um ato inseguro ou excesso de responsabilidade para tentar cumprir
um procedimento impraticável em prol da segurança do outro?
5.2.2.5 A arquitetura dos hospitais dificultando os serviços de limpeza
Um fator importante, que interfere nas atividades de limpeza e desinfecção, é a
concepção arquitetônica e espacial de uma unidade hospitalar, que pode facilitar ou
dificultar os serviços. Os hospitais objeto deste estudo possuem corredores estreitos,
ficando difícil para a servente seguir os procedimentos de limpeza conforme o padrão
definido nos treinamentos. Isolar a metade do corredor de uma enfermaria para limpar o
chão e liberar a outra metade para passagem de pessoas e equipamentos é extremamente
problemático. O espaço interno dos setores de atendimento também é outro problema
para a limpeza, pois estão quase sempre lotados de pacientes e com intensa
movimentação interna de empregados do hospital e de visitantes – além do mobiliário –,
o que dificulta o trabalho das serventes. Entretanto, para outras pessoas, é a servente que
está atrapalhando, e as reclamações sobre seu trabalho são fatos comuns, principalmente
nas enfermarias.
Para evitar esse tipo de constrangimento, a servente tenta realizar sua atividade no
menor tempo possível. O trabalho sob pressão contribui para que ela se arrisque mais,
101
expondo-se a situações em que suas estratégias operatórias têm grande probabilidade de
não dar certo.
Assim, fica prejudicada, em função das características físicas do hospital, a condição de
trabalho em um local que deveria ser adequadamente isolado para que a servente
pudesse realizar sua atividade de acordo com o prescrito. Os recursos usados para suprir
essa dificuldade são expressos por uma servente:“A gente tem que ter criatividade para
trabalhar. Nós não conseguimos trabalhar de acordo com a técnica que ensinaram
para a gente”.
Diante desse quadro, algumas vezes, falham as ações de se criarem meios para cumprir
as obrigações cotidianas de limpeza, pois as condições reais obrigam a servente a
apressar seu trabalho, propiciando a materialização do acidente. A pressa, por exemplo,
em torcer um pano de chão sem verificar se não há uma agulha ou bisturi preso a ele –
apesar das dificuldades de enxergar esses objetos quando eles ficam presos ao pano de
chão, principalmente as agulhas de pequenas dimensões – é uma situação factível de
acontecer e que leva a vários acidentes com perfuração (40,40% do total de acidentes
com instrumentos pérfuro-cortantes ocorrem quando a servente torce o pano de chão).
A característica do material que vai ser limpo, principalmente dos pisos, é um outro
fator que influencia na qualidade e na rapidez dos procedimentos de limpeza. Existem
até mesmo dificuldades para limpar alguns locais, conforme a declaração de uma
servente:“O piso do pronto-socorro foi resinado e nós não sabemos como limpá-lo,
pois a gente não pode usar cloro sobre ele”.
Alguns tipos de pisos, como paviflex, costumam não ficar com a aparência de limpos.
Os pisos antigos (e quase todos são) também não parecem estar limpos, pois a sujeira
impregnada ao longo do tempo não permite o realce da limpeza. Para a servente, além
das reclamações sobre a qualidade da prestação de seus serviços, esse fato tem reflexos
também na sua segurança, pois os instrumentos pérfuro-cortantes tornam-se menos
visíveis quando caem no chão – principalmente agulhas pequenas – facilitando a
perfuração.
5.2.2.6 As ferramentas de trabalho de limpeza
102
Todo trabalho está associado ao uso de artefatos como ferramentas, procedimentos,
máquinas, métodos e signos. Pinho et al (2003) sugerem um conceito interessante sobre
os instrumentos, classificando-os como
“uma entidade mista, de um lado um artefato (material ou simbólico) produzido
pelo sujeito ou por outros e, de outro, um ou vários esquemas mentais de utilização,
construídos pelos sujeitos, de forma autônoma ou por meio da apropriação de
algum já existente no contexto de trabalho, visando atender aos objetivos previstos
pela organização”.
Nas atividades cotidianas, as serventes fazem uso de diversas ferramentas que
intermedeiam sua relação com o ambiente hospitalar. As ferramentas de trabalho da
servente
são
instrumentos
bastante
rudimentares
e
simples
que
dependem
fundamentalmente da energia humana para funcionar. São basicamente os rodos, os
baldes, os sacos de lixo, os panos de chão e os produtos de limpeza que compõem o
arsenal de ferramentas das serventes. Os mais sofisticados são as enceradeiras
industriais, movidas a eletricidade, porém antigas e pesadas.
O uso das ferramentas trás alguns inconvenientes às serventes, como incompatibilidade
de manuseá-los devido à dimensão e à forma. A dimensão pode estar associada ao
tamanho do cabo dos rodos, normalmente pequenos, onde, via de regra, a servente tem
que fazer uma adaptação na extremidade, colocando um cano de PVC para estender o
comprimento e, assim, evitar dores na coluna. A forma associa-se, por exemplo, ao
volume dos sacos de lixo, que, quando cheios, são difíceis de transportar manualmente
(os sacos de lixo usados têm normalmente cem litros de volume e é difícil evitar o
contato com o corpo da servente).
Há ainda os inconvenientes operacionais, como a prescrição de não se deixar nenhuma
ferramenta de trabalho encostada nas paredes e mobiliários, evitando-se, com isso,
contaminá-los. Como os hospitais não possuem equipamentos apropriados para
armazenar rodos, baldes e panos sujos, as serventes de um dos hospitais pesquisados
desenvolveram uma técnica para não haver contato do rodo com superfícies limpas
quando têm que lavar o pano de chão. Elas seguram o rodo com um dos pés e curvamse para lavar e torcer o pano, sem deixar o rodo apoiar em lugar nenhum. Cumprem
dessa forma o que foi prescrito, mas por meio de verdadeiros malabarismos. Quem
103
idealizou o procedimento prescrito, na certa, não levou em consideração a possibilidade
de não haver meios de se tornar possível essa exigência. A competência e a criatividade
das serventes suplantaram as deficiências materiais.
Algumas particularidades dos instrumentos de trabalho também são fatores que
contribuem sobremaneira para o acidente. O principal fato refere-se às características
dos panos de chão, objetos intensamente usados pelo pessoal da limpeza. Para resistir
mais tempo ao trabalho sem precisar trocá-los freqüentemente, eles são confeccionados
com uma dupla camada de pano. Se por um lado isso aumenta sua durabilidade, por
outro cria condições para que o acidente se potencialize ainda mais quando, por
exemplo, o pano rasga ou se desgasta. Muitos instrumentos pérfuro-cortantes ficam
escondidos entre a dupla camada, principalmente as agulhas pequenas, dificultando a
percepção ao risco. Assim, quando a servente torce o pano, ela acaba se perfurando.
Mais de 40% dos acidentes cadastrados foram decorrentes da ação de torcer o pano de
chão.
O transporte de materiais de limpeza e de ferramentas de trabalho é outro complicador:
quase sempre é feito manualmente por não haver carrinhos (conhecidos como MOPE)
para tal. As distâncias percorridas durante um dia de trabalho costumam ser grandes e o
peso desses materiais é sentido no fim da jornada de trabalho. Os sacos plásticos com
lixo são os materiais mais pesados para os braços femininos da limpeza transportarem.
Eles podem ter até cem litros de volume e dentro deles são descartados panos usados em
procedimentos médicos, gazes, frascos de remédios, fluidos corporais, pedaços de
órgãos de pacientes e, não muito raro, agulhas. Vários acidentes causados por
perfuração decorrem do transporte de lixo. E o furo quase sempre é na perna.
Situações como esta fazem com que as serventes não possam cumprir os procedimentos
de segurança ensinados nos treinamentos para transporte de sacos de lixo. Mas, como
mantê-los afastados do corpo? A lei da gravidade, o peso dos sacos de lixo, a distância
que elas têm que percorrer e sua musculatura cansada não possibilitam o cumprimento
desses procedimentos de segurança, o que foi evidenciado pela reclamação de uma
acidentada:
104
“Eu tinha ido recolher o lixo lá do CTI. Lá tem que ser tudo rápido. Não pode
acumular lixo. Eu já estava meio cansada. Quando descia pela escada segurando o
saco de lixo, senti uma dor na minha perna. Tinha furado a batata da perna com
uma agulha muito grossa. Sangrou muito. Aquilo me deixou apavorada. Ainda levei
uma bronca da encarregada, que falou que eu não segui o que me ensinaram nos
treinamentos.”
Além do acidentes com agulhas, que causam pânico em todas elas, existe a cobrança
para que a servente não se acidente. Afinal de contas, ela foi treinada para não se
acidentar...
5.2.2.7 As limitações da proteção individual
As atividades de limpeza e de desinfecção exigem medidas de proteção individual para
que a servente se exponha menos aos riscos presentes no ambiente hospitalar.
Especificamente contra as perfurações, os métodos adotados são limitados para se evitar
o acidente. O máximo que se consegue é reduzir um pouco a gravidade do evento,
principalmente em relação às agulhas, que têm alto poder de penetração. Somados às
limitações da proteção individual, existem ainda alguns inconvenientes no uso.
Os uniformes das serventes de limpeza são fonte de desconforto para o
desenvolvimento de seu trabalho. Os materiais de vestimenta são feitos de algodão
grosso e pesado para um público feminino, dificultando a movimentação. Sua cor azul
escura retém muito o calor e, à medida que as serventes executam os movimentos para a
limpeza, o calor interno aumenta e elas transpiram em excesso. Isso prejudica sua
produtividade. Há ainda o aspecto higiênico relacionado à cor do uniforme, pois que
esconde as sujidades acumuladas no dia-a-dia das atividades.
Além do uso obrigatório do uniforme, a servente deve utilizar uma diversidade de
equipamentos de proteção individual – os chamados EPI – para se proteger dos riscos
existentes no ambiente hospitalar. Os EPI são os meios institucionalizados para dar
segurança durante a realização de suas atividades. Se, por um lado, os EPI protegem
realmente contra alguns riscos aos quais elas estão expostas, por outro, são motivo de
reclamações quanto ao incômodo que causam, principalmente para um público quase
que totalmente formado por mulheres. Os calçados utilizados pelas serventes de limpeza
105
– de couro, antiderrapantes e impermeáveis – mesmo sendo os adequados para aquela
atividade, machucam muito os pés, e as reclamações depois de um dia inteiro de
trabalho são freqüentes, principalmente das plantonistas que trabalham em jornadas de
12 horas. Muitas serventes usam calçados fechados, como chinelos, de modo a evitar
que a parte de trás do EPI machuque o calcanhar.
Em determinadas ocasiões, como na limpeza e desinfecção de quartos isolados, é
necessário o uso de máscaras e óculos de segurança. Para proteção das mãos, as luvas
de látex são as mais usadas, mas elas não conseguem cumprir a função de evitar as
perfurações. O máximo que fazem é diminuir a quantidade de sangue que pode penetrar
no corpo do trabalhador, caso o acidente ocorra.
A falta do EPI não é muito comum para as serventes, visto que a empresa prestadora de
serviços mantém um controle relativamente rígido nesse aspecto. Às vezes, os
fornecedores atrasam a entrega desses produtos e as serventes emprestam seus
equipamentos entre si, numa atitude de cooperação.
5.2.2.8 Os efeitos do trabalho sobre o organismo
Os efeitos do trabalho sobre a saúde das serventes são notados através das constantes
dores nas articulações, das pernas inchadas, dos braços cansados, da sensação de peso
nos ombros e nas costas, evidenciados por reclamações quase que uníssonas de todas as
serventes ouvidas. Existem também alguns casos reconhecidos formalmente, através das
Comunicações de Acidente de Trabalho, de adoecimento em decorrência da atividade
de limpeza, onde o diagnóstico médico foi DORT – Distúrbio Osteomuscular
Relacionado ao Trabalho.
O desgaste da atividade de limpeza acaba condicionando a ocorrência de acidentes em
função da redução do nível das reações perceptivas quanto aos riscos de perfuração,
visto que os processos de regulação internos, usados pela servente para se proteger, vão
se tornando menos eficientes em razão da energia que ela gasta durante o trabalho
devido às posturas desconfortáveis, à jornada prolongada e aos instrumentos de trabalho
deficientes.
5.2.2.8.1 Os condicionantes físicos e posturais
106
Todas as atividades de limpeza e de desinfecção hospitalar exigem da servente um
esforço físico intenso, com constante movimentação do pescoço, dos braços e das
pernas durante toda a jornada de trabalho. O esforço muscular requerido implica colocar
em ação uma série de músculos do corpo, que se contraem de acordo com o tipo de
esforço que se está realizando.
Assim, quando a servente carrega um balde com água ou um saco de lixo, o trabalho
muscular é do tipo estático, pois ela tem que manter seus braços esticados durante um
certo intervalo de tempo, exigindo que seus músculos fiquem tensionados para suportar
o peso que ela está levando ao percorrer, muitas vezes, grandes distâncias entre um local
de trabalho e outro. Em outra situação de trabalho, ela pode estar limpando uma
secreção caída no chão. Para isso, a servente realiza uma sucessão periódica de tensões
e de relaxamentos musculares – trabalho chamado de dinâmico.
O trabalho muscular estático é mais prejudicial à saúde que o dinâmico, pois limita o
fluxo do sangue nos músculos, ocasionando ao trabalhador uma série de problemas,
como as constantes dores no corpo, principalmente nas articulações, reclamadas pelas
serventes. Embora o trabalho dinâmico seja considerado menos agressivo, a limpeza de
paredes e tetos é a mais cansativa na opinião das serventes, pois exige movimentação e
força dos braços na posição vertical e acima dos ombros, solicitando esforço físico
extremo e causando grande desconforto. Essas condições de trabalho são rotineiras e
repetidas várias vezes durante a jornada de trabalho. Para aliviar o sofrimento do corpo,
algumas delas chegam a tomar regularmente medicamentos para diminuir as dores
musculares.
O desconforto postural também é evidente na maioria das situações de trabalho, pois a
servente tem que se agachar, ajoelhar, rotacionar e esticar o corpo para executar a
maioria de suas atividades diárias. Laville (1987) salienta que a postura é a organização
dos segmentos corporais no espaço. Quando não há possibilidade de se adotar uma
postura equilibrada no desenvolvimento de uma atividade, alguns efeitos se fazem notar
no corpo do trabalhador. Nessas situações, é evidente que há um desgaste prematuro do
corpo, que, no decorrer da vida laboral, terá grande probabilidade de se transformar em
uma doença osteomuscular.
107
Durante a pesquisa de campo, observando o trabalho das serventes, constatou-se que
muitas delas já sentem os efeitos da postura desconfortável e da força física que fazem
na realização de suas atividades, pois, além das reclamações habituais, já havia registros
médicos de adoecimento por suspeita de problemas osteomusculares.
Como a maioria das construções são antigas, muitos hospitais possuem paredes e tetos
altos, dificultando a limpeza de certos locais e obrigando a servente a adotar posições
incômodas para realizar seu trabalho. Os meios que ela usa para executar os serviços de
limpeza, ou seja, as ferramentas de trabalho e os equipamentos utilizados, também
contribuem para o aumento do desgaste. O desconforto postural devido ao uso de rodos
e vassouras com dimensões antropométricas incorretas às suas estaturas é flagrante; é
comum fazer-se uma extensão no cabo dessas ferramentas para diminuir a dor nas
costas. O peso das enceradeiras industriais, dos baldes com água e dos sacos de lixo
desgasta prematuramente o corpo dessas mulheres. Muitos produtos de limpeza são de
baixa qualidade e contribuem para que a servente faça mais esforço do que o necessário
na limpeza, ficando mais tempo submetida a posturas inadequadas. Resta à servente
usar somente aquilo que lhe podem oferecer como meio de trabalho para conseguir, a
qualquer custo, atingir os objetivos determinados pela organização.
5.2.2.8.2
A jornada de trabalho
A atividade de limpeza hospitalar, assim como as outras desenvolvidas naquele
ambiente necessitam de um número diversificado de horários de trabalho, em função
das exigências próprias de cada setor do hospital. Assim, as serventes chamadas de
diaristas trabalham em jornadas de 4, 6 ou 8 horas por dia, enquanto a grande maioria –
as serventes plantonistas – trabalha durante 12 horas por dia, com intervalo de descanso
de 36 horas entre uma jornada e outra. A jornada da plantonista foi estabelecida por
meio de um Acordo Coletivo de Trabalho assinado entre o sindicato dos trabalhadores
da limpeza e as empresas prestadoras de serviço de conservação e limpeza, valendo
somente para hospitais.
Mesmo sendo o seu trabalho bastante extenuante e de duração prolongada, as serventes
plantonistas gostam de folgar 36 horas, pois podem aproveitar o tempo livre, que
deveria ser dedicado ao descanso e ao lazer, para arrumar outros serviços, como
108
limpezas residenciais e até mesmo trabalho em outros hospitais. As atividades extras
ajudam a complementar a renda familiar, pois, muitas vezes, são elas que sustentam
toda a família.
Se, por um lado, não há muitas reclamações quanto à folga de 36 horas, por outro, é
evidente o desgaste que uma jornada de 12 horas por dia de trabalho causa ao
organismo das serventes. O subir e descer escadas carregando materiais de limpeza e
ferramentas de trabalho, a execução de movimentos que exigem força física para
obterem os resultados esperados de limpeza, o agachar e levantar de seus corpos, os
constrangimentos que elas passam com outras pessoas para poder limpar os setores sem
“atrapalhar” ninguém, as constantes solicitações para desinfecções emergenciais, a
pressão para limparem rapidamente o setor, tudo isso, somado às condições precárias
dos equipamentos e à baixa qualidade dos produtos de limpeza, contribui para o
incremento da carga de trabalho a que ficam submetidas durante a jornada de trabalho.
5.2.3 Evidenciando disfuncionamentos através da análise de um acidente
Os acidentes de trabalho refletem os problemas existentes na organização. Para
comprovação desse pressuposto, serão identificados, a seguir, pela análise de um
acidente com instrumento pérfuro-cortante ocorrido com uma servente, alguns
disfuncionamentos que contribuíram significativamente para que o evento se
concretizasse no contexto de uma das unidades pesquisadas.
5.2.3.1 O acidente e os problemas associados
Maria – nome fictício da servente acidentada – trabalha no terceiro andar de um hospital
geral, em um setor conhecido como alojamento conjunto – uma grande enfermaria. A
servente descreve como foi o seu acidente:
“Eu estava passando pano com rodo e aquele último lixo que fica no chão eu ia
pegar com o pano (1) e na hora que eu fui pegar assim (mostra como pegou com o
pano de chão) foi e me furou, fincou e eu assustei. Eu vi que era uma agulha muito
grossa. Saiu muito sangue da minha mão.” A servente continua relatando o
acidente:“Eu trabalho com o máximo de cuidado (2), mas aconteceu, né?
aconteceu.. Indagada se havia coletor no local, ela respondeu:“Não. Inclusive neste
lugar, neste quarto, não tem caixinhas para pérfuro-cortante (3). A agulha estava
109
debaixo da cama (4)” Questionada sobre a origem da agulha, disse“Não sabiam em
que paciente usaram (5). Fica difícil de saber...”Em relação à prescrição para usar
medicamentos depois do acidente, a servente responde: “Não tomei nenhum
medicamento (6). Só fiz exame de sangue no mesmo dia.”
Indagada se as auxiliares de enfermagem, as enfermeiras ou os médicos avisam para a
servente tomar cuidado durante seu trabalho quando há agulhas desprezadas no setor,
fora do coletor, ela responde:
“Não avisam não (7). Eles podiam avisar para nós, colaborar mais com a gente (8),
pois tem hora que é muita coisa para a gente fazer (9). Essa agulha era grande, era
uma agulha que dava para mim ver. Mas como eu fiquei num setor enorme (10), eu
tava no setor sozinha, cobrindo um setor de duas pessoas (11). Aí já era quase
meio-dia (12) e esse setor tava muito cheio (13) e eu tive que arrumar logo (14).
Acho que foi pela minha vontade, de ver tudo limpo também. Eu olhei com atenção
(15), mas...”
Nesse acidente, pela descrição da servente, e nas avaliações contidas na TABELA 9 a
seguir, podem ser identificados os disfuncionamentos no sistema que proporcionam a
ocorrência do evento, evidenciando a dificuldade de gestão dos riscos no contexto de
trabalho.
110
TABELA 9 – Disfuncionamento x problema associado
Problema associado
Disfuncionamento
Pegar o lixo com pano de chão.
Falta
de
instrumento
de
trabalho
para
recolhimento de lixo.
Trabalhar com o máximo cuidado.
É impraticável trabalhar com o máximo cuidado,
conforme preconizam os treinamentos, em
contextos e situações como essa. Trabalhar com
cuidado também é algo subjetivo e depende do
estado interno da pessoa.
Falta de caixas coletoras para pérfuro-cortantes.
Procedimentos relativos às precauções universais
de segurança não seguidas; falta de material para
descarte de instrumentos pérfuro-cortantes.
A agulha estava embaixo da cama.
Dificuldade de visualizar instrumentos pérfurocortantes em locais de difícil acesso; descarte de
agulha em local impróprio; desleixo do pessoal
da saúde.
Falta de controle no uso de instrumentos pérfuro- Não saber se o paciente era portador de alguma
cortantes em pacientes internados.
doença infecto-contagiosa.
Não tomar nenhum medicamento quando não se Há uma recomendação para que se tome o
sabe a origem da agulha.
coquetel anti-retroviral, caso se desconheça a
origem da agulha.
O pessoal que manipula perfuro-cortante não Falta
de
comunicação/cooperação
entre
avisa as serventes sobre os objetos descartados trabalhadores que ocupam o mesmo espaço de
fora de coletores.
trabalho.
Falta de colaboração.
Treinamentos realizados separadamente entre
pessoas que compartilham o mesmo espaço de
trabalho.
111
Horas em que há excesso de trabalho.
Desgaste do trabalhador, dificuldade de se
manter atento.
Dimensão muito grande de um setor para Falta
somente uma pessoa limpar.
de
mão-de-obra
adequadamente
dimensionada para o trabalho de limpeza.
Cobrir o setor de uma colega que falta ao Reduzido número de serventes no quadro de
serviço.
reservas da empresa prestadora de serviços para
substituir colegas que faltam ao trabalho.
Proximidade do horário de almoço.
Possibilidade
de
redução
da
capacidade
perceptiva devido à fome; à pressa para terminar
a atividade.
Setor muito cheio de pacientes.
Alta demanda de atendimentos em hospitais
públicos.
Necessidade de arrumar logo o setor.
Somente uma servente para limpar um setor de
grandes dimensões e com muitos pacientes
internados, em horário de almoço e sofrendo
pressão temporal, visto que o setor normalmente
precisaria duas pessoas para a sua limpeza.
Olhar com atenção aquilo que não dá para Sentimento de culpa do trabalhador de ter se
enxergar.
acidentado.
112
6. SÍNTESE E PROPOSIÇÃO DE AÇÕES
Buscou-se demonstrar nesta dissertação que a Análise Ergonômica do Trabalho – AET,
pode se constituir, dentro do contexto de trabalho investigado, como uma ferramenta de
análise capaz de melhorar a gestão de riscos de acidentes com instrumentos pérfurocortantes, por evidenciar situações que muitas vezes não são identificadas pelos
métodos tradicionais.
A aplicação pura e simples das normas de segurança ou das rotinas referentes às
precauções universais, somado à reduzida interação entre coletivos, são elementos que
prejudicam as ações preventivas. Observou-se que as proposições para a segurança não
levam em consideração os disfuncionamentos existentes nas unidades hospitalares
investigadas, causados basicamente pelos diversos problemas ilustrados nos capítulos
anteriores. Assim, as recomendações não podem ser seguidas a contento em função de
uma série de desvios que acabam condicionando os acidentes com instrumentos
pérfuro-cortantes.
A utilização da AET como metodologia para análise de riscos foi fundamental para
revelar as diferenças entre o prescrito e o real. Chanlat (2000) cita que as modificações
na gestão de saúde e segurança no trabalho são possíveis se a filosofia de gestão for
coerente com a prática, ou seja, se o método de gestão prescrito se aproximar o máximo
possível do modo de gestão real. Para isso se tornar realidade é necessário buscar
cooperação, confiança, reconhecimento, solidariedade, diálogo e eqüidade. Llory
(2001), estudando a dimensão coletiva do trabalho, salienta que a confiabilidade das
equipes passa por alguns ajustes, entre os quais o das disfunções coletivas, problema
que foi observado na análise ergonômica do trabalho.
Além do conhecimento da realidade do trabalho, a AET possibilita a construção social
de formas de intervenção mais eficientes, onde a participação de todos os envolvidos e a
discussão conjunta dos problemas contribua para favorecer a proposição de soluções
que efetivamente possam ser aplicadas para reduzir as perfurações.
113
Algumas proposições podem ser implementadas nos hospitais investigados, mesmo
considerando as limitações econômicas existentes, onde o dispêndio monetário é
condicionante para a correção dos disfuncionamentos observados. Entre as ações que
podem ser realizadas citamos:
•
Aproximar o conteúdo dos procedimentos e das normas à realidade dos
hospitais. A análise situada da atividade comprovou o que Echternacht (1999)
citou em seu trabalho: “A realidade manifesta-se para além da normalidade
prevista”.
•
Propor um modelo de gestão de riscos que considere os disfuncionamentos
do contexto e os trate adequadamente. Amalberti (1997) argumenta que é
preciso investir na prevenção dos pequenos incidentes diários. Conforme
descrito por Reason (1997), existem condições latentes no sistema que podem
permanecer adormecidas, mas que sob determinadas circunstâncias acabam
gerando acidentes. As condições latentes aumentam a probabilidade de acidentes
através da criação de condições que promovem erros e violações, e que acabam,
na maioria das vezes, sendo classificado como ato inseguro.
•
Tratar os problemas comuns de forma participativa. Este problema já havia
sido evidenciado por pesquisadores da área de saúde, que estudaram a
precariedade das relações entre os serviços de limpeza e os outros processos de
trabalho do hospital. O profissional de limpeza “geralmente é visto como
elemento que pouco tem a contribuir ou opinar na solução ou discussão de
problemas referentes à área, sendo vistos como meros executores de tarefas
operacionais” (Yamaushi, Lacerda, Gabrielloni, 2000).
•
Criar mecanismos que favoreçam a distribuição da representação dos riscos
a todas as pessoas que compartilhem o mesmo local de trabalho. De maneira
geral, a percepção do risco faz aumentar as margens de segurança no
planejamento das atividades (Amalberti, 1996). Lima (2000) cita que a
identificação dos riscos requer a intercompreensão entre os membros de um
coletivo de trabalho, condição essencial para se conseguir um debate e uma
deliberação racional em torno dos riscos e de sua prevenção, e que deve ser
114
fundada na compreensão compartilhada de uma mesma realidade, reconhecendo
que há vários aspectos do real que escapam à inteligência e ao domínio prático.
•
Propiciar espaços para discussão conjunta de medidas de proteção que
possam reduzir os riscos de acidentes com instrumentos pérfuro-cortantes.
A construção de um espaço público está relacionada à possibilidade de
construção social dentro do local de trabalho. Daniellou (1995) analisa que “a
falta de evolução das situações de trabalho, ou a concepção de situações
desfavoráveis, podem ser relacionadas ao bloqueio das discussões sobre o
trabalho na empresa.”
Esperamos que este trabalho seja ponto de partida para outros desdobramentos sobre os
acidentes com instrumentos pérfuro-cortantes. A inserção pelo viés da saúde é uma
outra face do problema que merece ser analisada pela AET.
115
7. CONCLUSÃO
A opção de investigar, através da Análise Ergonômica do Trabalho, a atividade das
serventes dentro do contexto dos hospitais pesquisados, possibilitou descobrir diversos
condicionantes que interferem significativamente na fragilização do sistema de
prevenção de acidentes. As situações de trabalho são marcadas por fatores
determinantes para a ocorrência das perfurações, como os disfuncionamentos, as
imprevisibilidades e as variabilidades. Podemos ilustrar esses condicionantes a partir de
um incidente ocorrido dentro de uma enfermaria de uma maternidade, que acabou
culminando em acidente.
A servente que limpava a enfermaria encontrou uma agulha no chão e comunicou o fato
à encarregada de serviços gerais. A encarregada recolheu a agulha, enrolou-a em um
papel toalha e foi até a sua sala para anotar o fato no livro de registros, e posteriormente
mostrar o objeto à chefia responsável pelo setor. Antes de iniciar o registro, foi chamada
com urgência para se dirigir a um outro local, onde havia um problema para ela
resolver. A encarregada deixou o embrulho de papel em cima de sua mesa e foi atender
o chamado emergencial. Nesse intervalo, uma outra servente entrou na sala para tomar
café e viu o pedaço de papel toalha em cima da mesa. Achando que fosse lixo, pegou o
embrulho e, ao amassá-lo para jogar dentro da lixeira, furou a mão com a agulha que
estava enrolada no meio do papel.
Nessas circunstâncias, como representar o risco? Como esquematizar estratégias para
regular as variações das situações que podem conduzir ao acidente com instrumento
pérfuro-cortante? A reflexão da acidentada ilustra esse pressuposto:“Eu não sei o que
deu errado. Eu trabalho aqui há tanto tempo...”
Diante do cenário encontrado, fica difícil estabelecer uma lógica para tentar evitar o
acidente com instrumentos pérfuro-cortantes, conforme preconizado pela atual política
de segurança dos hospitais. O acidente, atualmente, não pode ser evitado, tanto nos
momentos considerados críticos pelas serventes e que trazem para o contexto da
situação de trabalho componentes de pressão temporal e cognitivo, assim como nas
condições consideradas normais, em que a representação mental para a regulação das
atividades exige um menor custo cognitivo.
116
A conclusão a que se chega é que um programa de gestão de segurança que
desconsidere a realidade do ambiente e a situação de trabalho, atendo-se simplesmente à
aplicação de normas, procedimentos, prescrições e à estrita observância destas pelos
trabalhadores, está fadado a não obter sucesso na prevenção de riscos. No caso em
questão, apenas minimiza as perfurações. O fundamental para a prevenção é a
eliminação dos pequenos incidentes diários, ou seja, aqueles que contribuem para que
um acidente se concretize. No caso do descarte inadequado é importante conhecer o
antecedente de erros que acabam levando o profissional de saúde a descartar a agulha
fora dos coletores.
Observou-se
também,
durante
a
análise
ergonômica
do
trabalho,
que
os
disfuncionamentos se potencializam ainda mais em virtude da condição socialmente
inferiorizada dos trabalhadores da limpeza no contexto investigado. A forma
terceirizada de contratação dos serviços e a pouca qualificação formal para se
desempenhar a função de servente de limpeza – quando comparada à exigida para os
outros profissionais inseridos no ambiente hospitalar – determina correlações de poder
desiguais entre os coletivos. Na gestão do risco, isso tem implicações, por exemplo, na
troca de informações, que ainda é muito limitada entre as serventes e os profissionais de
saúde, restringindo-se quase que exclusivamente às solicitações de limpeza.
Nessas circunstâncias, é preciso que se criem condições para que os diversos coletivos,
que trabalham juntos em um mesmo espaço, tenham oportunidades de estabelecer
relações profissionais mais estreitas e profundas. O trabalho na empresa também
importa em poder discutir os problemas cotidianos que afetam todos os profissionais
que dividem o mesmo espaço, possibilitando a construção de estratégias a partir da
compreensão do que o outro faz.
A capacidade de regulação de uma atividade aumenta à medida que se adquire mais
conhecimento sobre aquilo que se faz, sobre o lugar onde se faz e sobre as pessoas com
quem se tem que fazer. O somatório desses conhecimentos irá potencializar o saberfazer do trabalhador, que, ao longo do tempo, adquirirá mais competência para se
antecipar aos riscos e, conseqüentemente, evitar um acidente com instrumento pérfurocortante.
117
A abordagem dos acidentes com instrumentos pérfuro-cortantes – vista pela ótica da
Ergonomia – possibilitou conhecer as diferentes lógicas existentes no mesmo espaço de
trabalho, trazendo à tona as dificuldades encontradas por todos. A minimização dessas
dificuldades e a conseqüente redução dos riscos passam pela confrontação dessas
diferentes lógicas, onde as pessoas possam participar e contribuir com soluções para
intervir em um problema pelo qual todos têm responsabilidade, mas que está afetando
uma categoria profissional que nem mesmo utilizam em suas atividades os objetos com
os quais está se acidentando.
Finalmente, a contribuição que a Ergonomia pode dar à prevenção de acidentes com
instrumentos pérfuro-cortantes – dentro das limitações encontradas nas unidades
investigadas – é a possibilidade de se construírem socialmente formas de intervenção
com a participação de todos, onde a discussão conjunta dos problemas favoreça a
proposição de soluções que possam efetivamente ser aplicada para reduzir as
perfurações no coletivo das serventes, transformando o trabalho de limpeza em uma
atividade mais segura.
118
7 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABERGO - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ERGONOMIA. Recife: 2000
ABRAHÃO, Júlia Issy. Reestruturação produtiva e variabilidade do trabalho: uma
abordagem da ergonomia. Revista Psicologia:Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 16, ano 1,
2000.
AMALBERTI, René. La conduite de systémes à risques. Paris: Press Universitaires de
France, 1996.
ABNT – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 7500/94.
Especifica símbolos de risco e manuseio para transporte e armazenamento de material:
simbologia
____.NBR 9190/85. Sacos plásticos para acondicionamento de lixo: classificação.
____ .NBR 9191/93. Sacos plásticos para acondicionamento de lixo: especificação.
____. NBR 10004/87. Resíduos sólidos: classificação.
____. NBR 12807/93. Resíduos de serviços de saúde: terminologia.
____. NBR 12808/93. Resíduos de serviços de saúde: classificação.
____. NBR 12809/93. Manuseio de resíduos de serviços de saúde: procedimento.
____. NBR 12810/93. Coleta de resíduos de serviços de saúde: procedimento.
ASSUNÇÃO, Ada Ávila; LIMA, Francisco de Paula Antunes. A contribuição da
ergonomia para a identificação, redução e eliminação da nocividade do trabalho. In:
MENDES, Renê (Org.). Patologia do Trabalho. ed. rev. e aum. São Paulo: Ed.
Atheneu, 2003.
BETTCHER, Lédna; DUTRA, Nádia. Manual de rotinas de serviço de limpeza do
Hospital de Pronto Socorro João XXIII. Belo Horizonte, 1998.
BRANDÃO JÚNIOR, Paulo Starling. Biossegurança e Aids: as dimensões
psicossociais do acidente com material biológico no trabalho em hospital. 124 f.
Dissertação (Mestrado em Ciências na área de Saúde Pública) – Escola Nacional de
Saúde Pública.Rio de Janeiro.
BRAGA, Daphane. Acidente de trabalho com material biológico em trabalhadores da
equipe de enfermagem do centro de pesquisas do Hospital Evandro Chagas: um olhar
da saúde do trabalhador. 2000. 86 f Dissertação (Mestrado em Ciências na área de
Saúde Pública) –. Escola Nacional de Saúde Pública. Rio de Janeiro.
CARAPINHEIRO, Graça. Saberes e poderes no hospital. 3ª ed. Porto: Edições
Afrontamento, 1998.
119
CDC – CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION. Provisional
public health service recommendations for chemoprophylaxis after occupational
exposure to HIV. MMWR: 1996.
CDC – CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION
Recommendations for the prevention of HIV transmission in health-care settings.
MMWR: 1989.
CDC – CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION. Public health
service guidelines for the management of health-care worker exposures to HIV and
recommendations for postexposure prophylaxis. MMWR, 1998.
CHANLAT, Jean-François. Modos de gestão, saúde e segurança no trabalho. In:
DAVEL, Eduardo; VASCONCELOS, João. (Org.). Recursos humanos e subjetividade.
3ª ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2000.
CHERCHGLIA, Mariangela Leal. Terceirização dos trabalhos nos serviços de saúde:
alguns aspectos conceituais, legais e pragmáticos. Texto de apoio para o Curso de
Especialização em Desenvolvimento de Recursos Humanos de Saúde – CADRHU.
Natal, 1999.
DANIELLOU, François. La construction sociale de et par l’analyse du travail:
performances humaines et techniques. In: SÉMINAIRE DESUP/DESS DE PARIS I.
Paris, 1995.
DECORTIS, Francoise; PAVARD, Bernard. Comunicação e cooperação: da teoria de
atos de fala à abordagem etnometodológica. In DUARTE, Francisco; FEITOSA, Vera
(Org,). Linguagem e trabalho. Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 1998.
DECRETO Nº 2271 DE 7 DE JULHO DE 1997. Contratação de serviços pela
administração pública federal direta, autárquica e funcional e dá outras providências.
Brasília: 1997.
DEJOURS, Christophe. A loucura do trabalho. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 1998.
DEJOURS, Christophe; ABDOUCHELI, Elizabeth; JAYET, Christian. Psicodinâmica
do trabalho: contribuição da escola dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e
trabalho. São Paulo: Ed. Atlas, 1994.
DUARTE, Francisco; VIDAL, Mário César. Uma abordagem ergonômica da
confiabilidade e a noção de modo degradado de funcionamento. In: FREITAS, Carlos
Machado de; PORTO, Marcelo Firpo de Souza; MACHADO, Jorge Mesquita Huet
(Org.). Acidentes industriais ampliados: desafios e perspectivas para o controle e a
prevenção. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2000.
ECHTERNACHT, Eliza Helena. A produção social das lesões por esforços repetitivos
no atual contexto da reestruturação produtiva brasileira. 185 f. 1988. Tese (Doutorado
em Engenharia de Produção) – COPPE, UFRJ, Rio de Janeiro.
120
ECHTERNACHT, Eliza Helena. Pressupostos teóricos e metodológicos para a
compreensão das relações entre tecnologia, trabalho e saúde. Belo Horizonte: DEP–
EEUFMG, 1999. Mimeografado.
ECHTERNACHT, Eliza Helena; OLIVEIRA, Celma. O hospital e o pessoal. Um
estudo de caso sobre a produção de lesões por esforços repetitivos na lida com a
organização temporal hospitalar. Revista Ação Ergonômica. Ergonomia Hospitalar, Rio
de Janeiro, v.1. n. 1, 2000.
FARIAS, L. O.; VAITSMAN, J. Interação e conflito entre categorias profissionais em
organizações hospitalares públicas. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, set-out.
2002.
FINCKLER, Dione de Marchi. O impacto da AIDS na organização do trabalho de uma
unidade hospitalar: a complexidade, a centralização e a formalização. 1998.
Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) – Universidade Federal de Santa
Catarina.
FREITAS, Carlos Machado de; PORTO, Marcelo Pirfo de Souza. Aspectos sociais e
qualitativos nas análises das causas de acidentes industriais em sistemas tecnológicos
complexos. Revista Produção. v. 7, n. 1, jul.1997.
GUERIN, F.; LAVILLE, A.; DANIELLOU. F; DURAFFOURG, J; KERGUELEN, A.
Compreender o trabalho para transformá-lo: a prática da ergonomia. São Paulo:
Editora Edgard Blücher, 2001.
GUARESCHI, Pedrinho A. A fala do trabalhador. Petrópolis: Editora Vozes, 1993.
HASSARD, John. Tempo de trabalho: outra dimensão esquecida nas organizações. In:
CHANLAT, Francois (Org.). O indivíduo nas organizações. São Paulo: Editora Atlas,
v.1, 1996.
LACOSTE, Michèle. Fala, atividade, situação. In: DUARTE, Francisco; FEITOSA,
Vera (Org.). Linguagem e trabalho. Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 1998
LAVILLE, Antoine. Ergonomia. São Paulo: Editora EPU, 1997.
LIMA, Francisco de Paula Antunes. Análise de Acidente de Trabalho em uma
Siderurgia. Parte IV: Para uma nova abordagem da segurança no trabalho. Belo
Horizonte: 2000. Mimeografado.
LIMA, Francisco de Paula Antunes. A transcendência do valor: flexibilidade,
focalização, terceirização e subordinação do trabalho. In: XX ENEGEP, São Paulo,
2000.
LIMA, Francisco de Paula Antunes. Ergonomia e projeto organizacional: a perspectiva
do trabalho. Revista Produção, Belo Horizonte, 2000.
121
LLORY, Michel. O homem como agente de confiabilidade e segurança: a dimensão
coletiva do trabalho. In DUARTE, Francisco (Org.). Ergonomia e projeto na indústria
do processo contínuo. Rio de Janeiro:Editora Lucerna, 2001.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Normas e padrões de construções e instalações de serviços
de saúde – conceitos e definições: hospital geral de pequeno e médio portes, unidades
sanitárias. Brasília, 1978.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Manual de condutas em exposição ocupacional a material
biológico. CNDST/AIDS – Coordenação Nacional de Doenças Sexualmente
Transmissíveis e AIDS. Brasília, 1998.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Segurança no meio ambiente hospitalar. Brasília, 1995.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Manual de controle de infecção hospitalar. Brasília, 1991.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Normas técnicas para prevenção da transmissão do HIV
nos serviços de saúde. Brasília, 1989.
MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Manual de aplicação da norma
regulamentadora 17. Brasília: 2002.
MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Terceirização, trabalho temporário,
orientação ao tomador de serviços. Brasília: 2001.
MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Normas regulamentadoras. Brasília:
2000.
MONTMOLLIN, Maurice de. Ergonomia cognitiva: a cognição e o trabalho.
Organização de VIDAL, Mário César. GENTE – Grupo de Ergonomia e Novas
Tecnologias / COPPE. Rio de Janeiro, 1998.
MORAIS, Ana; CASTRO, Denise; CARMO, Míriam. Serviço de limpeza no hospital.
1ª ed. Belo Horizonte: SENAC, 1995.
NORMA IPT NEA – 55. Recipiente para resíduos de serviços de saúde, perfurantes ou
cortantes. São Paulo, 1993.
NIOSH – NATIONAL INSTITUTE FOR OCCUPATIONAL SAFATY AND
HEALTH. Preventing needlestick injuries in health care settings. 1999.
OFFE, Clauss. Trabalho e sociedade: problemas estruturais e perspectivas para o futuro
da sociedade do trabalho. Rio de Janeiro: Ed. Tempo Brasileiro, v. 2, 1991.
PAVARD, Bernard; DUGDALE, Julie. The contribution of complexity theory to the
study of social-technical cooperative systems. COTCOS, 2003.
PEDUZZI, Marina. Equipe multiprofissional de saúde: conceito e tipologia. Revista de
Saúde Pública, São Paulo, v. 35, nº 1, 2001.
122
PINHO, Diana Lúcia Moura; Abrahão, Júlia Issy; Ferreira, Mário Cesar. As estratégias
operatórias e a gestão da informação no trabalho de enfermagem, no contexto
hospitalar. Revista Latino-Americana de Enfermagem, mar-abril 2003.
PITTA, Ana. Hospital: dor e morte como ofício. 5ª ed. São Paulo: Editora Hucitec,
2003.
REASON, James. Managing the risks of organizational accidents. Ashgate Publishing
Limited, 1997.
REPULLO JÚNIOR, Rodolpho. Os sindicatos, a terceirização e a saúde dos
trabalhadores. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, n. 85/86, v. 23,
1994.
SAMPAIO, Maria do Rosário. O processo de qualificação real e o perfil de
acidentabilidade entre trabalhadores efetivos e terceirizados: o caso dos pedreiros
refrataristas de uma indústria de aço. 2000. 190 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia
de Produção) – Faculdade de Engenharia da UFMG, Belo Horizonte.
SANTOS, Venétia; ZAMBERLAM, M. Cristina. Projeto ergonômico de salas de
controle. Fundación MAPFRE, 1992.
SCARPITTA, Cândida Rosa. Limpeza e desinfecção de artigos hospitalares. In:
RODRIGUES, Edwal Aparecido Campos et al. Infecções hospitalares: prevenção e
controle. São Paulo: Editora Sarvier, 1997.
SENAC – SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM COMERCIAL. Serviço de
limpeza no hospital. Belo Horizonte, 1995. Apostila.
TELLES, Ana Luíza Correa. Histórico, conceitos e metodologias da ergonomia. In: A
ergonomia na concepção e implantação de sistemas digitais de controle distribuído:
algumas considerações a partir de um estudo de caso na fábrica carioca de catalizadores.
1995. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) – COPPE/UFRJ, Rio de
Janeiro.
VIDAL, Mário César Rodrigues. Ergonomia na empresa: útil, prática e aplicada. 2ª ed.
Rio de Janeiro: Editora Virtual Científica, 2002.
VIDAL, Mário César Rodrigues. Apostila CESERG / GENTE – Grupo de Ergonomia e
Novas Tecnologias / COPPE. Rio de Janeiro, 2002.
YAMAUSHI, Nancy Itomi; LACERDA, Rúbia Aparecida; GABRIELLONI, Maria
Cristina. Limpeza hospitalar. In: FERNANDES, Antônio Tadeu; FERNANDES, Olívia
Vaz; FILHO, Nelson Ribeiro. Infecção hospitalar e suas interfaces na área da saúde.
São Paulo: Editora Atheneu, v. 2, 2000.
WEILL-FASSINA, A.. GARRIGOU, A. et. al. As atividades dos profissionais de
segurança: uma problemática desconhecida. In: CONGRESSO DA ABERGO.
Salvador, 1999.
123
WISNER, Alain. A inteligência no trabalho: textos selecionados de ergonomia.
Tradução de Leda Leal Ferreira. São Paulo: Fundacentro, 1994.
WISNER, Alain. Por dentro do trabalho – ergonomia: método & técnica. São Paulo:
Editora FTD, 1987.
124
8 – ANEXOS
125
ANEXO 1
(Planilha de Levantamento Ambiental, Modelo para Levantamento de Observáveis
de Campo e Relatório de Pesquisa de Campo)
126
PLANILHA DE LEVANTAMENTO AMBIENTAL – SISTEMA : HOSPITAL
LOCAL: HOSPITAL PERIFÉRICO
DATA: 16/10/00
1. DEFINIÇÃO E OBJETIVOS DO SISTEMA
Segundo o Ministério da Saúde, o hospital pode ser definido como “parte integrante de uma organização
médica e social, cuja função básica consiste em proporcionar à população assistência médica integral, curativa
e preventiva, sob quaisquer regime de atendimento, inclusive domiciliar, constituindo-se também em centro de
educação, capacitação de recursos humanos e de pesquisa de saúde, bem como de encaminhamento de
pacientes, cabendo-lhe supervisionar e orientar os estabelecimentos de saúde a ele vinculados tecnicamente."
2. PROFISSIONAIS INSERIDOS NO SISTEMA
Os principais profissionais do sistema são médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, auxiliares de
enfermagem, administradores, porteiros, cozinheiros, mecânicos, pintores, auxiliares administrativos e
serventes de limpeza.
3. CONDIÇÕES DE TRABALHO DO SISTEMA
O sistema apresenta praticamente todos os tipos de riscos, entre os quais podemos destacar:
• Físicos: ruído, vibração, radiação ionizante, radiação não ionizante, calor;
• Químicos: várias substâncias químicas tais como solventes diversos, medicamentos, gases e vapores;
• Biológicos: todos os tipos de bactérias, vírus e demais micro – organismos são encontrados no ambiente
hospitalar;
• Ergonômicos: posturas, jornadas prolongadas, trabalhos em turnos, esforço físico, ritmos excessivos,
controle rígido no trabalho, monotonia e repetitividade;
• Mecânicos: pérfuro – cortantes, quedas e escorregões, iluminação inadequada, incêndio e explosão,
arranjo físico, ferramentas inadequadas, eletricidade
A construção da edificação é de alvenaria, dividida internamente em vários ambientes de atendimento aos
pacientes e de suporte técnico ao hospital. A construção pode ser considerada ultrapassada em termos de
modelo atual para um hospital. A iluminação é deficiente.
4. ORGANIZAÇÃO DE TRABALHO DO SISTEMA
O sistema não é hierarquicamente rígido, principalmente entre integrantes de um mesmo grupo de
profissionais. Entretanto, os integrantes do sistema desenvolvem atividades estressantes, visto que o principal
objetivo é salvar vidas humanas, sendo considerada uma atividade em que o erro tem que ser zero. Outro fator
estressante é o risco de acidentes inerente à atividade. Pelas pesquisas efetuadas, observou-se a existência de
uma estratificação social, mesmo que disfarçada.
5. TECNOLOGIA USADA PELO SISTEMA
No sistema em estudo, convivem em um mesmo ambiente, tecnologias de última geração, como por exemplo
equipamentos computadorizados, a raio laser, tomógrafos, e ferramentas usadas no dia a dia das pessoas, como
rodos, vassouras, baldes e panos. A própria disparidade tecnológica encontrada é um fator de segregação entre
os usuários desta tecnologia no sistema.
6. DEFINIÇÃO DO SUB–SISTEMA “LIMPEZA HOSPITALAR”
• O QUE FAZ: limpeza e desinfecção de pisos, paredes, teto, janelas e mobiliários do sistema. Recolher e
transportar lixo hospitalar e comum. Auxiliar em outras atividades, quando solicitados (normalmente
desvios de função)
• ONDE FAZ: na área interna e externa do sistema, em todos os setores.
• COMO FAZ: utilizando-se principalmente de força física
• TECNOLOGIA EMPREGADA: a tecnologia utilizada, condizente com a atividade, é o uso de baldes,
vassouras, rodos, panos, sacos de lixo, enceradeiras industriais, produtos químicos de limpeza, como o
hipoclorito de sódio, sabão líquido, álcool e desinfetante.
7. COMO O SISTEMA AVALIA OS COMPONENTES DA LIMPEZA HOSPITALAR
(ESTATÍSTICAMENTE)
• SÃO RECONHECIDOS: SIM 66,7% NÃO 33,3 %
• SÃO RESPEITADOS: SIM 33,3% NÃO 66,7%
• SÃO VALORIZADOS: SIM 33,3% NÃO 66,7%
• SÃO EXCLUÍDOS: SIM 50% NÃO 50%
• SÃO EXPLORADOS: SIM 33,3% NÃO 66,7%
• SÃO IGNORADOS: SIM 50% NÃO 50%
127
8.
EM RELAÇÃO AOS MESMOS ITENS ACIMA, COMO SE SENTEM OS COMPONENTES DO SUB SISTEMA (ESTATISTICAMENTE)
• SÃO RECONHECIDOS: SIM 83,3% NÃO 16,7%
• SÃO RESPEITADOS: SIM 83,3% NÃO 16,7%
• SÃO VALORIZADOS: SIM 100% NÃO 0%
• SÃO EXCLUÍDOS: SIM 33,3% NÃO 66,7%
• SÃO EXPLORADOS: SIM 16,7% NÃO 83,3%
• SÃO IGNORADOS: SIM 16,7% NÃO 83,3%
9. COMO O SISTEMA AVALIA A IMPORTÂNCIA DE SUAS ATIVIDADES
Os componentes do sistema entrevistados entendem que os serviços de limpeza são muito importantes dentro
do hospital, pois são fatores fundamentais para a redução das infecções hospitalares.
10. COMO O SUB – SISTEMA “LIMPEZA HOSPITALAR” AVALIA A IMPORTÂNCIA DE SUA
PRÓPRIA ATIVIDADE
Também os componentes do subsistema entendem que as suas atividades são de grande importância dentro do
ambiente hospitalar, pelas mesmas razões do item anterior.
11. SEGUNDO OS COMPONENTES DO SUB – SISTEMA “LIMPEZA HOSPITALAR”, EXISTE MEDO
NA ATIVIDADE QUE DESENVOLVEM. QUAL?
Sim. O maior receio são as perfurações, decorrentes de objetos perfuro-cortantes existentes em grande
quantidade no ambiente hospitalar, e que normalmente não são colocados dentro dos recipientes adequados
pelos profissionais de saúde. O contato com pacientes também é um fator de receio dos empregados da
limpeza.
12. AVALIAÇÃO DO NÚMERO DE ACIDENTES NO SUB – SISTEMA “LIMPEZA HOSPITALAR”
Os acidentes mais comuns são com objetos perfuro-cortantes, seguidos de quedas e escorregões e acidentes de
trajeto
13. AVALIAR A RELAÇÃO ENTRE TRABALHO PRESCRITO X TRABALHO REAL
Não foi observada a existência, na prática, de um trabalho prescrito, talvez em decorrência das diversas
solicitações para limpezas emergenciais, tais como limpar secreções de pacientes em corredores, nos quartos
etc. Entretanto, notou -se que os serventes de limpeza já sabem suas obrigações dentro do sistema, fazendo
com que suas atividades sejam relativamente livres. Entretanto, devem atender imediatamente as solicitações
de alguma limpeza inesperada pelas chefias do hospital.
14. AVALIAR OS DESVIOS DE FUNÇÃO:
Normalmente os serventes de limpeza são desviados para outras atividades, principalmente a limpeza e
desinfecção de leitos de pacientes, que seria uma atribuição do auxiliar de enfermagem. Esses desvios ocorrem
principalmente em decorrência da falta de alguns profissionais de saúde no hospital.
15. AVALIAÇÃO ESTATÍSTICA DOS COMPONENTES DO SUB – SISTEMA LIMPEZA
HOSPITALAR
• TOTAL DE EMPREGADOS DO SUBSISTEMA: 36
• SEXO: masculino = 9; feminino = 27
• IDADE: máxima = 58; mínima = 19 ; média =
• ESCOLARIDADE: primário = 17; ginasial = 19; segundo grau = 00
• ESTADO CIVIL: solteiro = 05; casado = 27; desquitado/divorciado = 00; viúvo = 02 ; outros = 02
• NÚMERO DE DEPENDENTES: máximo = 5; mínimo = 0 ; média =
• TEMPO NA ATIVIDADE: média de 4 anos
• JORNADA DE TRABALHO: 12 X 36
128
16. CONCLUSÃO
Pelo que foi observado e levantado em campo nas amostragens, percebemos que os integrantes do subsistema
"limpeza hospitalar" sentem-se importantes dentro do sistema "hospital". Entretanto, tal opinião não é
compartilhada pelos outros profissionais integrantes do sistema, que, apesar de concordarem com a
importância da limpeza hospitalar para se chegar ao objetivo principal de uma instituição de saúde, salvar vidas
humanas, acham que os serventes de limpeza são pessoas excluídas e ignoradas dentro do sistema, talvez em
função da aparente função secundária de suas atividades e principalmente pela facilidade de substituição de
uma mão-de-obra tão desqualificada em relação aos outros integrantes do sistema, como médicos, enfermeiros
e outros profissionais de nível superior e secundário. Outro fato percebido é a pouca importância que os
pacientes do sistema dão aos serviços de limpeza, não valorizando suas atividades. As formas de defesa do
grupo, neste hospital, não foram devidamente estudadas. O que se observou foi que, apesar da exclusão, os
integrantes do subsistema acham em sua maioria, que isso não existe, talvez em decorrência da convivência
pacífica e harmoniosa entre todos. Quanto ao questionamento sobre a existência de medo na atividade, foi
citado o risco de contaminação através de objetos pérfuro-cortantes e o contato com pacientes doentes. Houve
reclamações quanto à quantidade de objetos pérfuro-cortantes encontrados pelo hospital. Não sabemos se isso é
um desrespeito com o empregado do serviço de limpeza, ou se é falta de treinamento/conscientização dos
profissionais de saúde.
Enfim, acreditamos que o tempo de observação foi reduzido para se chegar a alguma conclusão definitiva
sobre os problemas encontrados no dia-a-dia dos serventes de limpeza. A forma como se organizam para
resolver seus conflitos e de como se defendem precisam ser mais estudadas. Talvez em decorrência de
trabalharmos na empresa que executa a limpeza no hospital, a pesquisa junto aos empregados possa não ter
sido respondida de acordo com o que os empregados da limpeza realmente sentem, temendo algum tipo de
represália de nossa parte.
129
QUESTÕES PARA LEVANTAMENTO DE OBSERVÁVEIS DE CAMPO
1. DEFINIR O AMBIENTE DE ANÁLISE DENTRO DA ORGANIZAÇÃO (ONDE
SE LOCALIZA, A SUA FINALIDADE E IMPORTÂNCIA PARA O
CONJUNTO)
2. NÚMERO DE EMPREGADOS DE LIMPEZA ANALISADOS
3. QUEM SÃO ESSES EMPREGADOS (SEXO, IDADE, EXPERIÊNCIA NA
ATIVIDADE, ESCOLARIDADE)
4. QUEM SÃO OS INTEGRANTES DO HOSPITAL QUE OS EMPREGADOS EM
ESTUDO TÊM QUE INTERAGIR PARA ATINGIR SEUS OBJETIVOS?
5. QUAL É A TECNOLOGIA UTILIZADA DENTRO DO SETOR EM ESTUDO?
6. O QUE FAZEM AS SERVENTES DE LIMPEZA?
7. QUAIS SÃO AS FERRAMENTAS, EQUIPAMENTOS E PRODUTOS USADOS
PELAS SERVENTES DE LIMPEZA?
8. QUAIS SÃO OS OBJETIVOS DE SEU TRABALHO?
9. O QUE ELAS TÊM QUE CUMPRIR PARA ATINGIR OS OBJETIVOS?
10. COMO ELAS FAZEM PARA ATINGIR OS OBJETIVOS?
11. QUAIS SÃO AS CONDIÇÕES PARA SE ATINGIR OS OBJETIVOS?
12. COMO É PRESCRITO O TRABALHO PELA ORGANIZAÇÃO PARA QUE SE
ATINJAM OS OBJETIVOS PROPOSTOS?
13. COMO É DESENVOLVIDO O TRABALHO REAL DAS SERVENTES DE
LIMPEZA
NAQUELE
SETOR?
VERIFICAR
AS
VARIÁVEIS
INTERFEREM NO TRABALHO PRESCRITO
14. POR QUE OS TRABALHOS SÃO DESENVOLVIDOS DESSA FORMA?
QUE
130
15. QUAL É A CARGA DE TRABALHO DAS SERVENTES DE LIMPEZA?
16. COMO E POR QUEM É DIMENSIONADO O NÚMERO DE EMPREGADOS
PARA SE TRABALHAR NO SETOR?
17. QUAIS SÃO AS PAUSAS DURANTE OS TRABALHOS?
18. ESTUDAR A SOCIALIDADE/RELACIONAMENTOS DAS SERVENTES DE
LIMPEZA COM OS INTEGRANTES DO SETOR EM ESTUDO
19. VERIFICAR QUAIS SÃO AS CARACTERÍSTICAS DO TRABALHO (COMO A
FLEXIBILIDADE PARA SE REALIZAR AS TAREFAS, O TIPO DE
TECNOLOGIA
EMPREGADA,
QUE
TIPO
DE
CONHECIMENTOS/HABILIDADES TEM QUE TER OS SERVENTES, A
QUALIFICAÇÃO EXIGIDA PARA O CARGO)
20. CONCLUSÃO
131
RELATÓRIO DE PESQUISA DE CAMPO
(Hospital Central – set/00)
DESCRIÇÃO DAS OBSERVAÇÕES
Acompanhamos os trabalhos de limpeza e desinfecção hospitalar das serventes no 3º
pavimento do hospital. Nesse dia, sábado, são programadas limpezas chamadas de
"geral".
A limpeza geral é uma atividade de rotina onde uma equipe formada atualmente por
duas serventes ajuda as empregadas fixas nos setores. No 3º pavimento, local dividido
em várias enfermarias, ficam fixas 02 (duas) serventes, que executam a limpeza e a
desinfecção em todo o pavimento.
A "geral" é uma limpeza mais elaborada, onde se lavam pisos e paredes dos setores. A
seguir descrevemos como se faz uma limpeza desse tipo:
A limpeza observada foi efetuada por duas serventes. Inicialmente, as serventes
preparam o material que seria utilizado, ou seja, 02 baldes plásticos com água e 02
baldes com água e sabão líquido, cheios até a metade; rodo; vassoura; panos de chão e
palha de aço.
Depois de transportar manualmente os materiais até o local onde se efetuará a limpeza,
a primeira providência é pedir autorização para ver se a limpeza pode ou não ser feita.
Muitas vezes, as serventes são impedidas de limpar determinado local em virtude de
outras prioridades, como, por exemplo, algum procedimento médico. Autorização dada,
elas iniciam a atividade jogando a água com sabão no chão. Enquanto uma servente
esfrega o chão usando uma vassoura com palha de aço, a outra ou vai retirando o
mobiliário do caminho ou vai empurrando a água suja, com um pano de chão, para um
canto, onde será colocada no balde com água. Com o rodo e um pano, elas vão secando
o piso já lavado. De tempos em tempos, elas se revezam para trocar a água suja do balde
por outra limpa, assim como para buscar mais água com sabão. Os materiais de limpeza
ficam guardados no próprio pavimento, em um local denominado DML – Depósito de
132
Material de Limpeza (um quartinho pequeno que tem um tanque em seu interior e vários
produtos de limpeza e desinfecção).
A atividade de limpeza exige muita força física e movimentos repetitivos dos membros
superiores, além de grande movimentação durante as 12 horas da jornada de trabalho. A
parte cognitiva também é muito importante, pois existem técnicas para se executar a
atividade, que, apesar de parecerem simples, vão depender de uma série de "acordos"
para serem desenvolvidas, além dos riscos de perfuração."
Descrita a atividade, teceremos algumas considerações. O desenvolvimento da atividade
não é tão fácil como parece, visto que, muitas vezes, durante a limpeza, os médicos,
enfermeiros e acompanhantes de pacientes reclamam, argumentando estarem as
serventes atrapalhando a passagem das pessoas. No período de tempo que observei a
atividade, uma auxiliar de enfermagem reclamou três vezes que não podia passar pelo
corredor para ir ao banheiro. Isso causa apreensão nas serventes, que procuram fazer a
limpeza a mais rápida possível, exigência da própria organização do trabalho, que exige
uma limpeza eficiente no menor prazo possível. As reclamações também costumam ser
por escrito e encaminhadas à encarregada de serviços gerais ou à supervisora.
Devemos salientar que o quadro de empregados de limpeza está sub-dimensionado para
o tamanho do hospital, sendo que às vezes até o jardineiro é desviado de sua função
para ajudar na limpeza.
Na atividade de limpeza, principalmente no dia da "geral", existe uma preocupação em
relação ao piso molhado, que pode propiciar quedas e escorregões nas pessoas.
O material utilizado pelas serventes, muitas vezes, não é adequado, como, por exemplo,
os rodos, que a todo momento soltam a borracha, atrasando os serviços. Os
equipamentos de proteção individual também incomodam ou até mesmo machucam as
serventes (as toucas têm que ser furadas, pois o calor na cabeça faz as serventes suarem
muito; os calçados de segurança machucam os pés). Os uniformes parecem
inadequados, feitos de algodão muito grosso para um clima quente como o nosso. Esses
fatores, com certeza, devem influenciar negativamente nas atividades.
133
Na oportunidade dessa observação de campo, durante o tempo em que ficamos no setor,
a rotina de trabalho não foi quebrada, e as serventes não foram solicitadas para alguma
atividade emergencial, motivo principal de nossa análise nessa oportunidade.
Entretanto, um fato chamou-nos a atenção, principalmente por estar ligado ao assunto
que estamos tentando estudar, os acidentes com instrumentos pérfuro-cortantes,
principalmente agulhas.
Conversando com uma das serventes, perguntamos-lhe qual era seu procedimento
quando encontrava alguma agulha no chão. No hospital é regra avisar a chefia do setor e
a encarregada toda vez que é encontrada alguma agulha no chão. As informações
passadas à chefia, como o horário e o local onde foi encontrada a agulha, resultam
normalmente em, no mínimo, uma cobrança por parte da chefia para que os
procedimentos de descarte de pérfuro-cortantes sejam feitos de acordo com o que foi
preconizado nos treinamentos, ou seja, descartá-los nos coletores apropriados. Algumas
vezes, quando se descobre quem jogou a agulha, pode haver até punição.
Voltando a pergunta feita à servente, sobre qual era o seu procedimento, ela nos disse
que pegava a agulha, que era encontrada com muita freqüência dentro do hospital
(apesar de dizerem o contrário), e a colocava na caixa coletora, ou seja, não cumpria o
procedimento exigido. Por que isso?
"Avisar a encarregada para que ela tome as providências necessárias, com certeza vai
nos causar um clima muito ruim no trabalho, principalmente junto às auxiliares de
enfermagem, e isso poderia atrapalhar nossos serviços aqui dentro".
Como se pode observar, as regras são quebradas em prol do bom relacionamento entre
os sujeitos envolvidos, entre os integrantes da organização daquele local, pois, sem esse
"acordo", os objetivos não serão atingidos. O medo de serem retaliadas pelas auxiliares
de enfermagem, se por acaso começarem a entregá-las às chefias, é real e verdadeiro.
Essas retaliações podem ser desde solicitações exageradas de limpeza ou dificultar a
limpeza de determinado local, até mesmo conseguir a transferência da servente para
outro local, podendo esta ser até despedida.
134
Mas serão as serventes as únicas que têm que aceitar esse tipo de situação, as únicas que
têm que quebrar regras dentro do hospital (hierarquicamente são as últimas)? Será que a
complexidade das atividades não faz com que as auxiliares de enfermagem tenham que
ser tão eficientes e rápidas em suas atividades que não possam nem jogar as agulhas nas
caixas coletoras? Será irresponsabilidade, já que são treinadas para que isso não
aconteça?
Essas indagações ainda não pudemos estudar. O que sabemos é que, conversando
depois, com mais 05 serventes, todas disseram que adotavam o mesmo procedimento,
preferindo pegar a agulha e colocá-la na caixa coletora, do que arranjar confusão em seu
ambiente de trabalho.
Aquilo que é definido através de regras de conduta, exercitado em treinamentos,
visando a redução/eliminação de acidentes que podem ocasionar doenças fatais, torna-se
secundário em função do bom relacionamento entre as pessoas, ou quem sabe, e muito
provavelmente, do desenvolvimento real das atividades, extremamente complexas, que
exigem acordos de convivência entre as pessoas, mesmo sabendo do alto risco que isso
pode ocasionar.
135
ANEXO 2
(Questionários respondidos individualmente ou em grupo)
136
137
138
139
140
141
142
143
144
145
146
147
ANEXO 3
(Características da População Observada, Descrição dos Setores e Planilhas de
Acompanhamento das Atividades)
148
CARACTERÍSTICAS DA POPULAÇÃO OBSERVADA
Número de serventes observadas:
3
Gênero:
Todas do sexo feminino
Idade:
Entre 40 e 43 anos
Grau de escolaridade:
Primeiro grau incompleto
Tempo de experiência na atividade:
Entre 3 e 7 anos
Renda familiar:
R$292,00 em agosto de 2002. Todas
sustentavam suas casas e trabalhavam fora
nos intervalos entre os plantões (36 horas)
Número de filhos:
Duas tinham 3 filhos e uma tinha 2 filhos
Estado civil:
Uma divorciada, outra desquitada e a última
solteira
149
DESCRIÇÃO DOS SETORES
1. Setor de Politraumatizados – POLI
•
Finalidade do setor: neste local são atendidos os pacientes que chegam ao hospital
em estado mais grave. Funciona como um setor de emergência médica, com infraestrutura típica de uma UTI – Unidade de Tratamento Intensivo, possuindo vários
equipamentos e macas distribuídas pelo setor. Normalmente o paciente fica
internado pouco tempo e o fluxo de pessoas é intenso;
•
Profissionais que trabalhavam no setor: neste setor trabalhavam por plantão 5
auxiliares de enfermagem, 1 enfermeiro, 1 médico de emergência e alguns
estagiários. Outros profissionais podiam ser requisitados, dependendo da situação
clínica do paciente;
•
Condições ambientais: o piso é de cerâmica e as paredes revestidas em fórmica. A
iluminação é natural e artificial. O ruído interno variou de 68 decibéis nos
momentos de tranqüilidade até 93 decibéis, quando um paciente começou a gritar
dentro do setor;
•
Número de serventes que trabalhavam no setor: uma servente por plantão de 12
horas e descanso de trinta e seis horas;
•
Tarefas prescritas para a servente: limpar e desinfetar pisos, paredes e mobiliários;
recolher e transportar lixo hospitalar; manutenção do setor – troca de sacos de lixo,
papel toalha e sabonete líquido – recolher, etiquetar e transportar roupas
contaminadas;
•
Ferramentas e materiais usados: rodo, balde, panos de chão, sacos de lixo, cloro,
sabão líquido e água;
•
Número de coletores observados no setor: havia um coletor dentro do setor,
localizado em cima de uma bancada, distante das macas. Neste setor é grande o uso
de instrumentos pérfuro-cortantes;
150
•
Observações: a servente que trabalhava neste setor também era responsável por
limpar corredores, sanitários e o SEC – Setor de Emergência Clínica. Podia ser
deslocada para outros locais, em caso de necessidade.
2. Serviço de Emergência Clínica – SEC
•
Finalidade do Setor: local destinado ao atendimento de casos mais graves onde o
paciente tenha que ficar internado, com infra-estrutura típica de um CTI – Centro de
Terapia Intensiva. Neste local existiam diversos equipamentos e macas distribuídas
no setor. Os pacientes do SEC ficam internados por um período maior de tempo e o
fluxo de pessoas é relativamente pequeno. O piso é de cerâmica e as paredes
revestidas em fórmica. A iluminação é natural e artificial;
•
Profissionais que trabalhavam no setor: neste local trabalhavam por plantão 4
auxiliares de enfermagem, 1 enfermeiro, 1 médico e estagiários. Outros
profissionais podiam ser requisitados, dependendo da situação clínica do paciente;
•
Condições ambientais: o piso é de cerâmica e as paredes revestidas em fórmica. A
iluminação é natural e artificial. O ruído interno variou de 65 a 70 decibéis;
•
Número de serventes que trabalhavam no setor: uma servente por plantão de 12
horas e descanso de trinta e seis horas;
•
Tarefas prescritas para a servente: limpar e desinfetar pisos, paredes e mobiliários;
recolher e transportar lixo hospitalar; manutenção do setor – troca de sacos de lixo,
papel toalha e sabonete líquido – recolher, etiquetar e transportar roupas
contaminadas;
•
Ferramentas e materiais usados: rodo, balde, panos de chão, sacos de lixo, cloro,
sabão líquido e água;
•
Número de coletores observados no setor: havia um coletor dentro do setor. Não há
grande manipulação de instrumentos pérfuro-cortantes neste local;
151
•
Observações: a servente que trabalhava neste setor também era responsável por
limpar corredores, sanitários e o POLI. Podia ser deslocada para outros locais, em
caso de necessidade.
3. Setor de Sutura
•
Finalidade do Setor: local destinado à realização de suturas de cortes e perfurações.
Possui infra-estrutura simples, com macas distribuídas pelo setor, equipamentos e
produtos usados na realização das suturas. Os pacientes ficam internados somente
durante a realização dos procedimentos. Neste setor o fluxo de pessoas é intenso;
•
Profissionais que trabalhavam no setor: neste local trabalhavam por plantão 2
auxiliares de enfermagem, 2 médicos, além de estagiários de medicina e
enfermagem. Outros profissionais podiam ser requisitados, dependendo da situação
clínica do paciente;
•
Condições ambientais: o piso é de cerâmica e as paredes revestidas em fórmica. A
iluminação é natural e artificial. O ruído interno variou de 65 decibéis nos
momentos de calma a 91 decibéis, quando se fazia uma sutura em uma criança que
havia sido mordida por um cachorro;
•
Número de serventes que trabalhavam no setor: uma servente por plantão de 12
horas e descanso de trinta e seis horas;
•
Tarefas prescritas para a servente: limpar e desinfetar pisos, paredes e mobiliários;
recolher e transportar lixo hospitalar; manutenção do setor – troca de sacos de lixo,
papel toalha e sabonete líquido – recolher, etiquetar e transportar roupas
contaminadas;
•
Ferramentas e materiais usados: rodo, balde, panos de chão, sacos de lixo, cloro,
sabão líquido e água;
•
Número de coletores observados no setor: havia um coletor dentro do setor. Há
grande manipulação de instrumentos pérfuro-cortantes neste local;
152
•
Observações: a servente que trabalha neste setor também era responsável por limpar
corredores, sanitários, o PA masculino e a Ortopedia. Pode ser deslocada para outros
locais, em caso de necessidade.
4. Posto de Atendimento Masculino – PA masculino
•
Finalidade do Setor: local destinado ao atendimento de pacientes que ficam em
observação, geralmente em estado de pouca gravidade. Funciona como uma
enfermaria, destinada ao atendimento de homens. Existem várias macas no seu
interior. Os pacientes ficam internado por pouco tempo e o fluxo de atendimentos é
intenso;
•
Profissionais que trabalhavam no setor: neste local trabalhavam por plantão 4
auxiliares de enfermagem. Médicos e enfermeiros são deslocados quando
necessário;
•
Condições ambientais: o piso é de cerâmica e as paredes revestidas em fórmica. A
iluminação é natural e artificial. O ruído interno não foi quantificado;
•
Número de serventes que trabalhavam no setor: uma servente por plantão de 12
horas e descanso de trinta e seis horas;
•
Tarefas prescritas para a servente: limpar e desinfetar pisos, paredes e mobiliários;
recolher e transportar lixo hospitalar; manutenção do setor – troca de sacos de lixo,
papel toalha e sabonete líquido – recolher, etiquetar e transportar roupas
contaminadas;
•
Ferramentas e materiais usados: rodo, balde, panos de chão, sacos de lixo, cloro,
sabão líquido e água;
•
Número de coletores observados no setor: havia um coletor dentro do setor. Há
manipulação de instrumentos pérfuro-cortantes neste local;
•
Observações: a servente que trabalha neste setor também era responsável por limpar
corredores, sanitários, a Sutura e a Ortopedia. Pode ser deslocada para outros locais,
em caso de necessidade.
153
5. Setor de Ortopedia
•
Finalidade do Setor: local destinado ao atendimento de pacientes com suspeita de
traumatismos ósseos. Existem macas e equipamentos distribuídos em seu interior.
Normalmente o paciente fica internado somente durante os procedimentos médicos
e o fluxo de pacientes é intenso;
•
Profissionais que trabalhavam no setor: neste local trabalhavam por plantão 2
auxiliares de enfermagem e 2 médicos, além de estagiários. Outros profissionais
podiam ser requisitados, dependendo da situação clínica do paciente;
•
Condições ambientais: o piso é de cerâmica e as paredes revestidas em fórmica. A
iluminação é natural e artificial. O ruído interno não foi quantificado;
•
Número de serventes que trabalhavam no setor: uma servente por plantão de 12
horas e descanso de trinta e seis horas;
•
Tarefas prescritas para a servente: limpar e desinfetar pisos, paredes e mobiliários;
recolher e transportar lixo hospitalar; manutenção do setor – troca de sacos de lixo,
papel toalha e sabonete líquido – recolher, etiquetar e transportar roupas
contaminadas. O lixo neste local é volumoso e pesado, em função do material que é
usado nos procedimentos médicos – gesso.
•
Ferramentas e materiais usados: rodo, balde, panos de chão, sacos de lixo, cloro,
sabão líquido e água;
•
Número de coletores observados no setor: havia um coletor dentro do setor. Não há
grande manipulação de instrumentos pérfuro-cortantes neste local;
•
Observações: a servente que trabalhava neste setor também era responsável por
limpar corredores, sanitários, a Sutura e o PA masculino Podia ser deslocada para
outros locais, em caso de necessidade.
PLANILHAS DE ACOMPANHAMENTO DAS ATIVIDADES
154
IDADE: 40 anos
PRIMEIRA SERVENTE
HORÁRIO
SETORES
EXPERIÊNCIA: 5 anos
ATIVIDADE
Início
Fim
Vai do (a)
Para o (a)
DESCRIÇÃO
15:15
15:19
POLI
DML
A servente está começando a limpar a parede do setor de politraumatizados,
próximo a uma maca sem paciente. É interrompida por uma auxiliar de
enfermagem que pede para ela ir limpar sangue que caiu no chão, embaixo de
uma outra maca onde havia um paciente. Vai ao DML para preparar o material
de limpeza.
15:20
15:23
DML
POLI
No DML prepara o material, colocando água e sabão líquido em um dos baldes
e água e hipoclorito no outro balde. Usa dois panos de chão e dois baldes de 5
litros cada e um rodo. Retorna ao POLI.
15:24
15:28
POLI
DML
No POLI, a servente começa a limpar o chão sujo de sangue. Passa o pano com
água e sabão líquido no chão, curva-se e torce o pano no balde com água e
sabão e repete a operação. Usa a mistura água e hipoclorito de outro balde para
terminar a limpeza. Volta ao DML.
15:29
15:31
DML
POLI
No DML joga a água suja fora, limpa os panos de chão e os baldes. Retorna ao
POLI.
15:32
15:37
POLI
Depósito de
Lixo
No POLI recolhe o lixo das lixeiras, limpa as lixeiras e leva manualmente um
saco de 100 litros com lixo até o depósito interno do hospital, localizado no final
de um dos corredores (anda aproximadamente 30 metros do POLI até o local
onde se armazena lixo interno).
15:38
15:40
Depósito de
Lixo
DML
Volta do depósito de lixo para o DML, onde pega um novo saco de lixo para
repor no POLI.
15:41
15:45
DML
POLI
No POLI, coloca o saco de lixo na lixeira e continua a limpar a parede que havia
iniciado.
15:46
15:49
POLI
DML
Novamente é solicitada para limpar uma secreção que caiu no chão,
interrompendo a limpeza da parede. Vai ao DML preparar o material de
limpeza. O POLI neste momento tem cinco pessoas sendo atendidas
15:50
15:52
DML
POLI
No DML prepara o material de limpeza. Volta ao POLI.
15:53
15:56
POLI
DML
No POLI faz a limpeza e a desinfecção da secreção que caiu no chão. Para
realizar a atividade, faz diversos movimentos com o corpo, agacha, levanta,
rotaciona o pescoço e estica os braços. Termina a limpeza e verifica que os
sacos de lixo já estão cheios. Vai até o DML.
15:57
15:59
DML
POLI
No DML joga a água suja fora, limpa os panos e pega novos sacos de lixo e vai
até o POLI.
16:00
16:05
POLI
Depósito de
No POLI limpa as lixeiras e troca os sacos de lixo. Vai ao depósito interno de
lixo levando manualmente dois sacos de lixo de 100 litros cada. Volta ao POLI.
Lixo
16:06
Depósito de
Lixo
POLI
No POLI, inicia a limpeza em um outro canto da sala, pois, próximo à parede
onde estava limpando, foi colocada uma maca com um paciente,
impossibilitando-a de continuar a atividade.
155
IDADE: 42 anos
SEGUNDA SERVENTE
HORÁRIO
SETORES
EXPERIÊNCIA: 3 anos
ATIVIDADE
Início
Fim
Vai do (a)
Para o (a)
DESCRIÇÃO
14:33
14:38
POLI
Depósito de
Roupa Suja
No POLI, agachada, identifica, separa e etiqueta a origem das roupas sujas,
coloca as roupas em um saco de pano e o transporta manualmente até um quarto
localizado no final de um dos corredores (Depósito de Roupas Sujas). O
percurso de ida é de aproximadamente 30 metros.
14:38
14:41
Depósito de
Roupa Suja
POLI
Volta ao POLI. Recolhe lixo no POLI e transporta dois sacos de 100 litros cada
até o final do corredor onde os sacos de lixo ficam armazenados internamente,
aguardando o recolhimento final para o depósito externo.
14:42
14:45
POLI
Depósito de
Lixo
Arruma os sacos de lixo no local destinado ao recolhimento interno. Vai do
Depósito de Lixo até o DML. O percurso é de aproximadamente 25 metros.
14:46
14:49
Depósito de
Lixo
DML
No DML prepara o material de limpeza que irá utilizar no SEC. Leva os
materiais – 2 baldes, sendo um com água e sabão e outro com água e hipoclorito
e dois panos de chão – até o SÉC. O percurso é de aproximadamente 20 metros.
14:50
14:52
DML
SEC
No SEC deixa o material de limpeza em um canto da sala. O percurso é de
aproximadamente 15 metros.
14:53
14:55
SEC
DML
Volta até o DML para pegar o rodo que esqueceu.
14:56
15:01
DML
SEC
Inicia a limpeza no piso do SEC (cerâmica). Neste momento estão internados
quatro pacientes e há no local oito auxiliares de enfermagem e uma médica.
Limpa os locais onde não está havendo procedimento médico. Não consegue
limpar todo o ambiente em função do procedimento. Recolhe o lixo do local.
Volta ao DML para levar os baldes, o pano e o rodo. Percorre mais 15 metros.
15:02
15:05
SEC
DML
No DML joga a água suja fora, lava os panos de chão e volta ao SEC.
15:06
15:08
DML
SEC
No SEC recolhe o lixo de duas lixeiras.
15:09
15:12
SEC
Depósito de
Lixo
Transporta manualmente dois sacos de 100 litros cada até o Depósito Interno de
Lixo, localizado no final de um corredor. Percorre aproximadamente 25 metros.
Depósito de
Lixo
SEC
Volta ao SEC, agacha-se e recolhe a roupa contaminada, onde recomeça a
atividade de contar e classificar a roupa suja.
15:13
OBSERVAÇÕES
A servente, durante o período de observação de aproximadamente 40 minutos, andou em torno de 205 metros, transportando
materiais de limpeza e sacos de lixo. Na sua verbalização, diz que atividade de contar roupa não seria de sua responsabilidade e sim
das auxiliares de enfermagem. Fala que é um trabalho de muito risco e tem que ser feito com muita atenção, pois sempre há algum
instrumento pérfuro-cortante misturado às roupas, principalmente bisturis. Ela fala que tem que ficar com os olhos bem abertos.
156
IDADE: 43 anos
TERCEIRA SERVENTE
HORÁRIO
SETORES
EXPERIÊNCIA: 7 anos
ATIVIDADE
Início
Fim
Vai do (a)
Para o (a)
DESCRIÇÃO
14:58
15:01
DML
Sutura
Começa a lavar panos de chão e os baldes que serão usados na limpeza da
sutura. Usa dois baldes, um com água e sabão líquido e outro com água e cloro.
Vai até a Sutura.
15:01
15:02
Sutura
DML
Deixa o material na Sutura. Volta até o DML para pegar cloro puro e o rodo.
15:03
15:15
DML
Sutura
A servente não está passando bem. Comenta com uma outra servente que está
com febre. Vai tomar um remédio. Volta e inicia a limpeza no piso da Sutura,
onde tem uma secreção perto das macas. Joga um pouco de cloro puro em cima
da secreção e imediatamente usa o rodo com pano de chão umedecido com água
e sabão de um dos baldes para retirar a secreção do chão. Indaga por que não
deixou o cloro mais tempo sobre a secreção, ela diz que não há tempo para isto.
Abaixa-se e torce o pano de chão no balde com água e sabão. Continua a limpar
o chão, usando agora o material de limpeza contido no outro balde. Torce o
pano de chão. Tira o saco de lixo da lixeira e o leva até o DML, juntamente com
o balde com água e sabão líquido e o pano de chão.
15:16
15:17
Sutura
DML
Lacra o saco de lixo recolhido, lava o balde e o pano de chão. Coloca água com
sabão líquido no balde. Pega um saco de 100 litros e vai até a Sutura.
15:19
15:21
DML
Sutura
Na Sutura, coloca o saco de lixo na lixeira. Volta ao DML para trocar a água do
outro balde.
15:22
15:24
Sutura
DML
Lava o balde e volta à Sutura.
15:25
15:26
DML
Sutura
Na Sutura, não consegue continuar limpando, pois estão ocorrendo dois
procedimentos médicos. Vai até o PA masculino para ver como está o local
15:27
15:28
Sutura
PA
masculino
No PA masculino conversa com alguns pacientes e verifica que está tudo bem
no setor. Volta à Sutura.
15:29
15:31
PA
masculino
Sutura
A Sutura ainda não está liberada para a limpeza, pois os procedimentos médicos
ainda não terminaram. Vai até a Ortopedia para ver como está o setor.
15:31
15:34
Sutura
Ortopedia
Na Ortopedia conversa com a auxiliar de enfermagem. Recolhe o saco de lixo e
o leva até o DML.
15:35
15:37
Ortopedia
DML
15:38
15:40
DML
Ortopedia
15:40
15:44
Ortopedia
Sutura
Agora, na Sutura, uma criança está sendo atendida. Ela foi mordida por
cachorro. Aguarda um pouco para ver se o local é liberado. A criança mordida
por cachorro começa a chorar e a gritar. O dosímetro indica que o ruído chega a
88 dBA. Uma das macas é liberada. A servente recolhe esparadrapos jogados no
chão. Ela diz que esparadrapo é perigoso, pois pode grudar algum pérfurocortante nele. Uma auxiliar de enfermagem limpa a maca, enquanto a servente
começa a jogar cloro sobre uma quantidade de sangue que caiu no chão durante
o procedimento. Recolhe o lixo e o leva até o DML
15:45
15:47
Sutura
DML
No DML lacra o saco de lixo, pega outro novo e volta até a Sutura
DML
Sutura
Na Sutura, continua a limpeza do chão. Chega um outro paciente à Sutura. A
criança mordida por cachorro grita mais forte, e o dosímetro marca 91 dBA. A
servente termina a limpeza e pára para tomar café.
15:49
Lacra o lixo, pega um saco de 100 litros e volta à Ortopedia.
Coloca o saco de lixo na lixeira e vai até a Sutura
OBSERVAÇÕES
A servente durante a limpeza da secreção na Sutura diz que muitas vezes não dá para saber se há algum pérfuro-cortante misturado
na secreção, principalmente agulhas pequenas e bisturis. Tem que ter muito cuidado. Indagada por que não abriu o pano de chão,
conforme ensinado nos treinamentos para ver se tinha algum objeto preso ao pano, ela informou que dependendo do tamanho do
objeto não dá para ver, principalmente se o pérfuro-cortante ficar preso entre as camadas de pano.
Download

avaliação do sistema de gestão de riscos de acidentes