XXIII ENANGRAD
Administração Pública (ADP)
EFEITOS DA POLÍTICA PÚBLICA DE FORMALIZAÇÃO DE
MICROEMPREENDEDORES INDIVIDUAIS: UM ESTUDO SOBRE OS IMPACTOS
DA LEI 128/2008
Victor Cláudio Paradela Ferreira
Carlos Henrique Oliveira e Silva Paixão
Gisele Braga Bastos
Homayra Abdala de Araújo
Bento Gonçalves, 2012
Administração Pública – ADP
EFEITOS DA POLÍTICA PÚBLICA DE FORMALIZAÇÃO DE MICROEMPREENDEDORES
INDIVIDUAIS: UM ESTUDO SOBRE OS IMPACTOS DA LEI 128/2008
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo analisar a eficácia da política pública de incentivo à regularização
de trabalhadores que atuam na economia informal, consubstanciada na Lei 128, de 19/12/2008, que
instituiu condições especiais para o exercício profissional dos microempreendedores individuais
(MEIs). Tem como base uma pesquisa que foi realizada junto a trabalhadores que efetivaram seu
registro na Prefeitura Municipal de Juiz de Fora – MG, verificando-se os motivos que os levaram a
buscar o cadastramento e os principais impactos que essa iniciativa ocasionou sobre sua condição
profissional. Verificou-se que a legislação criou, de fato, condições favoráveis, facilitando a
regularização e oferecendo vantagens efetivas para os MEIs. Constatou-se, ainda, que os
cadastrados estão satisfeitos com a nova situação. Ficou também evidente, no entanto, que há
aspectos da lei ainda não compreendidos pelos beneficiados, devendo, assim, ser empreendidas,
pelo poder público, iniciativas para melhor divulgá-las.
ABSTRACT
This article aims to analyze the efficiency of the public policy which encourages the settlement of
workers in the informal economy, embodied in the Act 128, from December 19, 2008, which
established special conditions for professional practice of the individual micro entrepreneurs (IMEs). It
is based on a survey conducted among workers registered in the Municipality of Juiz de Fora – MG,
verifying the reasons which led them to seek registration and the main impacts of this initiative to their
professional status. It was found that the legislation created, in fact, favorable conditions by facilitating
the settlement and providing actual advantages for the IMEs and that the workers are satisfied with
the new situation. It was also evident, however, that some aspects of the law are still not understood
by the beneficiaries and that initiatives to improve its disclosure should, therefore, be undertaken by
the public authorities.
PALAVRAS-CHAVE
Políticas públicas – Gestão social – Empreendedores individuais
KEY-WORDS
Public Policy - Social Management - Individual Entrepreneurs
1. Introdução
A despeito das características da chamada Sociedade do Conhecimento já terem começado a
se manifestar há pelo menos duas décadas, pode-se ainda considerar o tempo atual como uma fase
de transição dos arranjos da economia industrial para a pós-industrial. Como ocorre normalmente em
todo grande processo de transição, observam-se diversos paradoxos e desafios. Em decorrência, as
políticas públicas precisam ser direcionadas para o enfrentamento dessa complexa ambiência,
provendo oportunidades para o desenvolvimento socioeconômico e a inclusão de parcelas da
população que têm sido prejudicadas pelas mudanças em curso.
No Brasil, tal necessidade se manifesta de forma especial, tendo em vista os graves problemas
sociais que precisam ser enfrentados, existindo ainda uma expressiva quantidade de pessoas que
não têm sido adequadamente beneficiadas pelo crescimento econômico. Se, por um lado, o país
manifesta algumas características de nação desenvolvida, com crescente importância política e
econômica no cenário mundial, por outro, possui problemas típicos de países subdesenvolvidos.
Dentre eles, se destaca o grande número de trabalhadores que exerce seus ofícios na informalidade,
ficando, em decorrência, á margem dos sistemas de proteção social e enfrentando diversos
problemas, como as barreiras para fornecerem produtos e serviços a organizações formais e a
necessidade de se esquivar de ações fiscalizadoras de órgãos estatais. A informalidade pode,
também, beneficiar a degradação das relações de trabalho, o desrespeito a leis comerciais, com a
chamada “pirataria” e mesmo a apropriação do espaço de trabalho por grupos criminosos. Trata-se,
portanto, de um problema da maior gravidade.
A Lei 128, de 19/12/2008 representou uma importante ação, relacionada à política pública de
redução da economia informal e estímulo à regularização de atividades produtivas. Ela abriu
oportunidade de formalização das atividades desempenhadas por Microempreendedores Individuais
(MEIs). Podem se enquadrar nessa categoria aqueles que trabalham por conta própria e possuem
renda máxima de R$ 36.000 (trinta e seis mil reais) anuais. É permitida a contratação de, no máximo,
um empregado em cada empreendimento. Ao aderir à lei, o empreendedor passa a ter acesso a
todos os benefícios da previdência social (aposentadoria por idade ou invalidez, auxílio-doença,
seguro-reclusão, seguro de acidente de trabalho, licença-maternidade e paternidade e auxílionatalidade), contribuindo mensalmente com 11% do salário mínimo. Outra expressiva vantagem em
relação aos demais trabalhos do setor formal é a dispensa de escrituração fiscal e contábil mais
complexa. Embora se fala necessário o apoio de um contador, no primeiro ano de cadastro este deve
ser gratuito e, após, tende a ser prestado por preços acessíveis, tendo em vista o rito simplificado de
controle contábil estabelecido (BRASIL, 2008).
Estudo desenvolvido pelo Sebrae, com base em dados da Receita Federal, revelou que, no
período de fevereiro de 2010 a março de 2011, mais de um milhão de registros de empreendedores
individuais foram efetuados em todo o país. Esse número pode ser considerado significativo, tendo
em vista que o cadastramento instituído pela lei mencionada só começou em junho de 2009. O
estado de Minas Gerais, onde ocorreu a pesquisa aqui apresentada, ficou em 3º lugar no número de
registrados, com 9,73%, atrás apenas de São Paulo (20,71%) e Rio de Janeiro (13,04%). Haveria, no
entanto, de acordo com esse mesmo estudo, um potencial de 10,3 milhões de trabalhadores a ser
contemplados. Mais de 400 ocupações foram registradas, incluindo atividades como artesão,
manicure, engraxate, doceiro e pipoqueiro. Ainda de acordo com o estudo, 66% dos cadastrados
trabalham em pontos fixos (SEBRAE/MG, 2009).
Esse processo de formalização é ainda recente e não está claro até que ponto seu
oferecimento poderá contribuir para a minimização dos problemas típicos do trabalho informal. É fato
que nem sempre as políticas públicas se revelam eficazes no alcance dos objetivos almejados.
Assim, estudos como o aqui apresentado pretendem contribuir para a avaliação do grau de eficácia
da iniciativa em tela – a oportunidade de formalização dos MEIs, com base na percepção dos
próprios beneficiados.
A relevância desse tipo de investigação é reforçada por Frey (2000), que realça a dificuldade
de análise das políticas públicas regulatórias, classificadas como aquelas que têm base na adoção de
novos parâmetros legais, como a dos microempreendedores, portanto. Nesse tipo de política, não
seria possível a determinação, de antemão, dos custos e benefícios que serão gerados. Pode
ocorrer, inclusive, de os efeitos beneficiarem apenas grupos mais restritos da sociedade. No caso da
pesquisa aqui apresentada, o foco repousou especificamente nos efeitos para os próprios MEIs.
A pesquisa procurou identificar os impactos que a adesão à lei em foco gerou para os
microempreendedores individuais, com base em entrevistas estruturadas realizadas com um grupo
de Juiz de Fora – MG, conforme descrito na seção que apresenta a metodologia seguida. A questãocentral que direcionou o estudo foi: “Quais os principais impactos que a adesão à formalização
prevista na Lei 128/2008 gerou para os microempreendedores individuais de Juiz de Fora?”.
O artigo está estruturado em cinco seções, contando com esta introdução. Na próxima, são
explicados os procedimentos metodológicos adotados. Na terceira, são resgatadas as contribuições
de alguns estudiosos que constituíram o referencial teórico da pesquisa. A seção seguinte é
destinada à apresentação dos resultados na pesquisa de campo. A quinta e última, destaca algumas
conclusões a que o estudo permitiu chegar.
2. Percurso metodológico adotado
Com base na taxonomia proposta por Vergara (2009), quanto aos fins, a pesquisa pode ser
classificada como exploratória, por envolver uma área na qual há pouco conhecimento acumulado e
sistematizado. Também como descritiva, porque se concentrou na exposição de características de
uma determinada população, estabelecendo correlações entre variáveis, sem que tenha, no entanto,
compromisso de explicar os fenômenos que descreve. Caracterizou-se, ainda, como aplicada, pois
abordou um problema concreto. Quanto aos meios, foi de campo, pois envolveu a realização de
entrevistas e bibliográfica, por ter contado com uma revisão da literatura.
O principal método de abordagem utilizado foi o indutivo, que, na definição de Lakatos e
Marconi (2010, p. 83) consiste em: “um processo mental por intermédio do qual, partindo de dados
particulares, suficientemente constatados, infere-se uma verdade geral ou universal, não contida nas
partes examinadas”. Sendo uma pesquisa exploratória, seria precoce a generalização dos resultados
obtidos. Porém, a classificação como indutivo deve-se principalmente ao fato de que privilegiou-se os
dados coletados no campo para o entendimento da questão investigada.
O universo pesquisado foi constituído pelos microempreendedores individuais de Juiz de Fora
– MG que efetivaram o cadastramento na prefeitura local, nos termos definidos pela Lei 128/2008,
grupo formado, em agosto de 2011, por 1832 pessoas. Trabalhou-se com uma amostra probabilística,
sendo os sujeitos participantes escolhidos por sorteio, com uso do software Excel. A amostra foi
calculada com base em um intervalo de confiança de dois desvios-padrões, alcançando, assim, uma
representatividade de 95,5% e considerando uma margem de erro de 6%. Ficou, em decorrência,
formada por 164 sujeitos.
Os MEIs sorteados foram procurados pelos pesquisadores nos endereços fornecidos à
prefeitura no momento do cadastramento. Cerca de 30% dos sorteados não foram, porém,
encontrados, precisando ser substituídos por outros, também sorteados da lista geral obtida na
prefeitura. Houve ainda quinze pessoas que se recusaram a participar da pesquisa, sendo também
substituídos na amostra.
Foi realizada com cada participante uma entrevista estruturada, com questões versando sobre
diversos aspectos relacionados ao processo de formalização e suas consequências, conforme
detalhado na seção que apresenta os resultados da pesquisa de campo. O tratamento dos dados foi
efetuado de forma quantitativa, com base em estatística descritiva, em especial a verificação de
médias e frequências percentuais de respostas.
A próxima seção destaca os problemas da economia informal, que representam a motivação
básica da promoção da política pública de formalização dos MEIs enfocada neste artigo.
3. A importância social e econômica do fomento aos microempreendedores.
O ambiente organizacional tem se modificado substancialmente, a partir da emergência de
novos padrões de produção de bens e serviços. A realidade relativamente estável, vivenciada em
décadas anteriores, dá lugar a um cenário de transformações profundas e rápidas do comportamento
da sociedade, desestabilizando organizações e categorias profissionais e gerando novas
necessidades para inserção no mercado de trabalho, bem como novas barreiras para ingresso em
atividades produtivas. Nesse cenário, uma significativa parte da população economicamente ativa
antes absorvida por indústrias e escritórios, está vendo suas vagas serem reduzidas, seja em função
da crescente automação, seja pela transferência de operações produtivas para outros países. Se, por
um lado, faltam trabalhadores qualificados para determinadas funções, tem sobrado candidatos às
vagas restantes em outras, especialmente naquelas que envolvem menor necessidade de
capacitação diferenciada. O poder público tem sido, então, pressionado a desenvolver políticas
públicas que possam enfrentar esse problema, abrindo novas oportunidades de ocupação
profissional. A informalidade, na qual muitos excluídos dos empregos tradicionais buscam abrigo, é
naturalmente limitada e gera problemas sociais diversos (THUROW, 1997; VALE, WILKINSON e
AMÂNCIO, 2008; ZARIFIAN, 2001).
Nota-se, entretanto, que a preocupação com o crescimento da fatia da população cuja renda é
obtida por meio de atividades não formalizadas não é recente. Conforme destaca Cacciamali (2000),
já em 1969 a Organização Internacional do Trabalho (OIT) lançou o Programa Mundial de Emprego,
defendendo a adoção de políticas públicas pelos países retardatários no processo de industrialização,
pois o padrão de crescimento econômico adotado pelos mesmos derivava insuficiente oferta de
empregos frente à população economicamente ativa. As mudanças ocorridas nas últimas décadas,
no entanto, agravaram a necessidade de que o Estado procure soluções eficazes, incluindo medidas
alternativas àquelas antes adotadas, como a ênfase em grandes projetos de infraestrutura e na
substituição de importações.
Nesse contexto, o estímulo ao empreendedorismo representa uma interessante opção. O
sistema produtivo definido por Toffler (2009) como superindustrial e agora mais conhecido como pósindustrial não comporta mais o emprego tradicional como única fonte de ocupação profissional. Já em
meados da década de 1980, ficou claro que o percentual de trabalhadores com vínculos tradicionais,
de carteira assinada, tende a decrescer. Os sistemas de proteção social construídos em diversas
nações, incluindo o Brasil, revelam-se inadequados aos novos arranjos produtivos. As políticas
públicas de geração de emprego e renda com foco primordial no estímulo a grandes
empreendimentos, que foi adotada no país durante décadas, não respondem mais às necessidades
hodiernas.
Vale, Wilkinson e Amâncio (2003) afirmam que o sistema capitalista, por natureza, está sempre
em desequilíbrio, requerendo ações adequadas do Estado e da sociedade para que os danos que
suas oscilações ocasionam sejam menos sentidos pelos cidadãos. Defendem que os
empreendedores devem se situar no cerne da análise dos problemas do capitalismo contemporâneo.
Seriam agentes cruciais, desempenhando o imprescindível papel de gerar riquezas e novos
conhecimentos econômicos. Contribuiriam, ainda, favorecendo o surgimento de outros
empreendedores e desbravando novas oportunidades de trabalho.
A despeito da notória desatualização das políticas nacionais direcionadas aos trabalhadores,
ainda fortemente vinculadas ao trabalhismo da década de 1930, não se trata apenas de um problema
brasileiro. Diante do cenário mundial pós globalização, pode-se constatar, conforme destaca Santos
(2003), um imenso aumento da concorrência e especialização tecnológica que incutem nos indivíduos
a necessidade de qualificação continua e grande estresse devido às acirradas disputas por cargos e
oportunidades. Segundo a autora citada, pesquisas demonstram que a economia é incapaz de
absorver a imensa oferta de mão de obra qualificada e com vistas a manter a empregabilidade surge
a necessidade de fomentar e fortalecer a prática do empreendedorismo. O desenvolvimento de
políticas públicas que favoreçam a disseminação dessa prática revela-se, portanto, bastante
relevante.
Kraychete (2000) destaca que, desde a década de 1980, foi modificada a estrutura de
ocupação profissional no Brasil, com a gradativa redução dos empregos gerados pela indústria e o
crescimento progressivo do setor de serviços. Essa reformulação trouxe uma precarização das
condições de trabalho para grande parte dos trabalhadores. Considerando que as profissões mais
nobres na área de serviço requerem uma capacitação diferenciada, uma significativa parcela da
população ficou condenada a ocupações mal remuneradas e instáveis. Grande se tornou, portanto, a
necessidade de políticas públicas direcionadas para o enfrentamento dessa situação.
Nessa mesma direção, Tachizawa, Ferreira e Fortuna (2006), a evolução da economia da
informação tende a tornar certos empregos mais instigantes e maiores seus níveis de remuneração.
É preciso, no entanto, estar qualificado para desempenhar esses trabalhos. A passagem da
economia industrial para a economia do conhecimento eleva salários de algumas categorias
profissionais. Tal aumento, porém, aplica-se aos trabalhadores instruídos e tecnicamente
competentes. Nesse contexto, conforme realça Sveiby (2001), os que não possuem qualificação e
instrução elevadas terão, ao contrário, seus salários em declínio e crescente dificuldade para se
inserir no mercado de trabalho.
Em um país com acesso à formação superior ainda muito restrito e com pouca tradição de
investimentos consistentes em cursos técnicos profissionalizantes, como é o caso do Brasil, esse
problema se agrava. A despeito da expansão observada, a partir da década de 1990, na oferta da
vagas em faculdades privadas, estas estão muito concentradas em determinadas regiões do país e
em poucos cursos. Ter um diploma de graduação ainda é um sonho distante para a maior parte da
população adulta. Dentre os que o conquistam, muitos não conseguem exercer a profissão para a
qual se formaram devido a desequilíbrios na relação entre oferta e demanda de trabalhadores que se
manifesta.
Percebe-se então que o modelo tradicional de organização do trabalho, baseado na
manutenção de vínculos formais e estáveis entre o trabalhador e uma empresa, vem sendo
substituído, complementado ou alterado por novos arranjos produtivos. Os empregos com carteira
assinada e remuneração fixa perdem espaço paulatinamente para formas diferenciadas de inserção
no mercado, baseadas em relações para fins específicos com duração determinada, bem como, em
muitos casos, em trabalhos à margem da formalização (MOTTA, 2001; ROCHA-PINTO et al, 2008,
TOLEDO, 1996).
Nessa mesma direção, Offe (1997) afirma que o desemprego tem como uma de suas causas o
fato de que as condições de acesso às organizações se tornaram tão exigentes que um crescente
número de pessoas não conseguem ser absorvidos pelo mercado de trabalho. Essa parcela da
população tende a ser considerada como um “grupo problemático” ou “de rendimento inferior”,
sofrendo descriminações e vendo dificultado o acesso pleno á cidadania. O autor afirma ainda que a
ordem econômica vigente produz maciçamente “perdedores”, que já estão, desde cedo, destinados a
ter sua capacidade de ganho comprometida. As limitações do sistema educacional, que destina
formação de menor qualidade às camadas mais pobres da população, agravam essa situação.
Singer (2003) afirma que as políticas públicas tradicionais não têm sido capazes de fomentar a
criação de novas vagas em empregos regulares, no ritmo que seria necessário para fazer face às
necessidades da população. Assim, face ao que ele chamou de “constrangimentos da globalização
comercial”, seria indispensável a busca de propostas alternativas, dentre as quais destaca o incentivo
ao trabalho por conta própria.
Höfling (2001) também destaca a importância dessa diversificação de ações, frente aos
problemas estruturais que são gerados pelo processo de acumulação de capital. Caberia ao Estado
manter políticas públicas que minimizem os efeitos nocivos do meio de produção capitalista sobre os
trabalhadores podendo ser estimuladas formas alternativas de trabalho. O favorecimento da
expansão do microempreendedorismo seria uma opção nesse sentido. A autora alerta, no entanto,
que é bastante difícil a avaliação da eficácia desse tipo de política. Os fatores envolvidos para a
aferição de seu “sucesso” ou “fracasso” são complexos, variados, e exigem grande esforço de
análise.
Pesquisas demonstram que tem crescido o número de trabalhadores inseridos na economia
informal. No Brasil, o conjunto de atividades que compõem a economia informal representou, em
2010, 18,6% do PIB, conforme dados do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio
Vargas (IBRE/FGV, 2011).
A economia informal, conforme definido por Ribeiro (2000), é constituída por um conjunto de
atividades que não são tributadas ou registradas. Divide-se em dois distintos grupos: o de atividades
legais e o das ilegais. No primeiro estão compreendidas práticas econômicas socialmente aceitas,
como a venda de produtos e serviços legais, promovida por pessoas sem registro oficial para essa
finalidade. Já a ilegal envolve a venda de produtos roubados, o contrabando e o tráfico de drogas,
dentre outras atividades. O foco de atenção do presente projeto repousa no primeiro grupo, de
profissões que podem ser exercidas dentro dos parâmetros legais mas que acabam servindo de
abrigo a trabalhadores sem condições de cumprir as exigências estabelecidas para sua
regularização.
Ainda conforme Ribeiro (2000), as principais causas para a expansão da economia informal
são: o crescimento da carga tributária, o aumento da regulação da economia formal, as barreiras para
ingresso no mercado de trabalho, o declínio da percepção de justiça e lealdade para com as
instituições públicas e a maior flexibilidade que o exercício desse tipo de atividade oferece. O desafio
para o enfrentamento eficaz desse problema é bastante significativo, portanto. Políticas públicas
diversas precisam ser promovidas para que se verifique uma evolução significativa no combate ás
desigualdades de oportunidades profissionais. A legislação cujos efeitos sobre os MEIs é analisada
no presente estudo não é suficiente, portanto, mas representa um passo importante pelas
significativas facilidades que instituiu para a regularização profissional desses empreendedores.
Deve-se considerar também que não são apenas as dificuldades de caráter legal que podem
induzir uma pessoa a se abrigar na informalidade. É inegável que essa opção proporciona ao
trabalhador a não incidência de impostos e a maior flexibilidade na forma de conduzir seu negócio,
além da facilidade de estar dispensado dos processos de registro contábil e prestação de contas. Por
outro lado, todavia, dificulta seu acesso pleno ao sistema de seguridade social e impede que participe
de programas de incentivo e fomento à classe empresarial. O trabalho desenvolvido na circunstância
da informalidade costuma ser marcado pela precariedade das condições sociais, fruto do fenômeno
que Kraychete (2000) denominou “desassalariamento”.
Diante do vertiginoso crescimento da economia informal, o governo brasileiro procurou criar
alternativas para a formalização, ao menos em parte, das atividades nela inseridas. Nesse sentido,
destaca-se a Lei Complementar N.º 128/2008, que criou a categoria de Empreendedor Individual,
vigorando a partir de 1º de julho de 2009. O foco principal dessa nova legislação são os profissionais
autônomos que prestam serviços simples, como sapateiros, manicures, barbeiros, costureiras,
pintores, mecânicos, encanadores, serralheiros e marceneiros, entre outros, que vêm atuando na
informalidade por falta de condições propícias à regularização do seu trabalho (SEBRAE/MG, 2009).
A importância da promoção de políticas públicas nessa área vai além dos beneficiados diretos
pela inclusão na economia formal. Como destacam Zouain, Oliveira e Barone (2007), as políticas
direcionadas ao fortalecimento do empreendedorismo podem contribuir para a elevação dos
patamares de renda e poupança da população economicamente ativa do Brasil. Podem ainda auxiliar
na reconfiguração da distribuição dos principais ativos sociais, tais como a educação, o capital e a
propriedade intelectual.
Silva et al (2010) consideram que a iniciativa do governo consubstanciada na lei dos MEIs tem
importantes efeitos sociais , podendo contribuir tanto do ponto de vista humanitário e social quanto no
que tange ao crescimento econômico. Existe um apelo social em melhorar a vida dos trabalhadores
que vivem à margem da sociedade e dos direitos trabalhistas, mas tal propósito serve também aos
interesses capitalistas, à medida em que as camadas da população alcançadas, mesmo que estejam
à margem da lei, geram riquezas, estão inseridos no sistema.
A importância dessa iniciativa governamental pode ser aferida diante de críticas que têm sido
feitas por diversos estudiosos às políticas sociais centradas transferência pública de renda.
Abramovay (2003) considera tais políticas como sendo de eficácia questionável, afirmando que o
trabalho “por conta própria” deve ser visto como um redutor de pobreza. Destaca também que o
empreendedor de pequeno porte se torna importante para revigorar regiões atrasadas e lutar contra o
desemprego em massa. Afirma, ainda, que deve haver um maior investimento nos
microempreendedores, uma vez que estes podem, através de mais educação e recursos, conseguir
mover uma parcela considerável da economia. E, para que isso ocorra corretamente, deve haver uma
conscientização do Estado, criando oportunidades de desenvolvê-los. As políticas públicas deveriam,
portanto, estimular cada vez o trabalho desses empreendedores.
Sakay (2011) destaca também o avanço representado por essa legislação no que tange à
dignidade de profissionais como os vendedores ambulantes. Se antes eles eram criminalizados,
agora lhes são oferecidas condições para a formalização, aumentando assim sua autoestima. A
autora cita o exemplo do antigo Sindicato dos Ambulantes de Campinas, que passou a se chamar
Sindicato dos Empreendedores Individuais de Ponto Público Fixo e Móvel de Campinas.
Como se observa, o favorecimento da formalização das atividades dos microempreendedores
pode ser considerada uma medida de expressivo impacto social. É necessário, todavia, que sejam
avaliados os reais impactos alcançados pela legislação que trouxe tal oportunidade, verificando-se os
resultados concretos para os trabalhadores que por ela foram alcançados. Essa foi, como já exposto,
a preocupação central da pesquisa aqui relatada, conforme demonstrado na próxima seção, que
apresenta os resultados obtidos no campo.
4. Os efeitos da formalização, na percepção dos microempreendedores
Uma das informações levantadas nas entrevistas foi o tipo de atividade econômica
desempenhada pelo entrevistado. Verificou-se ser expressiva a variedade de ocupações envolvidas,
conforme demonstrado na Figura 1:
33% 30% Comércio Serviços especializados Loja de consertos 7% 8% 7% 4% 4% 4% 2% 1% Manufaturas e produção de roupas Assessoria e instrutoria Figura 1: Atividades desempenhadas pelos Microempreendedores
Fonte: os autores
Como se percebe, não apenas atividades tradicionalmente relacionadas à informalidade, como
a produção de roupas (costureiras), o artesanato e a produção de alimentos (doceiras e similares)
foram contempladas pela nova legislação. Somando-se esses três grupos, tem-se apenas14% do
total. A maior parte dos entrevistados dedica-se a atividades que são normalmente desempenhadas
por empresas estabelecidas, nem sempre formalizadas, é verdade. Expressiva quantidade (30%)
está ligada aos serviços especializados do tipo bombeiro hidráulico, técnico em eletrônica e contador,
grupos socialmente menos desfavorecidos do que aqueles que, a princípio, se julgava serem os
principais atendidos pela política pública de inclusão na formalidade dos microempreendedores.
Também foi indagada aos entrevistados sua idade, sendo obtidas as respostas sintetizadas na
Figura 2.
Até 25 9% 4% 3% 5% 16% 26 a 35 36 a 45 26% 37% 46 a 55 56 a 65 66 ou mais Não respondeu Figura 2: Faixa etária dos entrevistados
Fonte: os autores
Como se percebe, é bastante reduzida a quantidade de jovens microempreendedores. A
maioria está em uma faixa etária adulta, situada entre a mocidade e a chamada terceira idade. Os
motivos para o pequeno número de jovens cadastrados não foram levantados na pesquisa, tendo em
vista que a investigação abrangeu somente os que se cadastraram, não alcançando os que poderiam
ter-se registrado e não o fizeram.
Não havendo nenhum banco de dados disponível sobre os MEIs que permanecem na
informalidade, não é possível inferir-se que os mais jovens se preocupem menos com a regularização
de sua situação. Pode-se somente especular dois motivos da existência de poucos cadastrados
nessa faixa etária: a opção por trabalhar na informalidade ou a não atratividade das ocupações
típicas dos microempreendedores para os mesmos.
Ainda em relação à caracterização da população pesquisada, foram obtidas as seguintes
informações sobre o nível de escolaridade possuído:
Fundamental 4% 11% 0% 11% 34% 40% Médio Superior incompleto Superior completo Figura 3: Nível de escolaridade
Fonte: os autores
Poucos são, portanto, os que possuem ou estão cursando faculdade, sendo que nenhum é
pós-graduado. Os trabalhos especializados, ligados a profissões liberais tradicionais, não estão
sendo contemplados de forma significativa, portanto, o que se revela, afinal, coerente com os
princípios norteadores da política de inclusão social que justifica a legislação em apreço. Verifica-se,
por outro lado, que o percentual de MEIs que possuem apenas o nível fundamental de escolaridade é
menor do que o que se poderia esperar, pressupondo-se ser essa política voltada primordialmente
para a população mais prejudicada pelos novos arranjos produtivos, conforme destacado na seção
anterior.
Outra informação levantada com os entrevistados foi o tempo que eles já possuem como
cadastrados, ou seja, regularizados, sendo obtidos os resultados revelados na Figura 4.
3% 2% 9% 47% 38% Até 6 meses 6 meses a 1 ano 1 a 2 anos 2 anos ou mais Figura 4: Tempo de cadastro
Fonte: os autores
Os dados obtidos revelaram que, tendo sido o cadastro da prefeitura local lançado no segundo
semestre de 2009, quase a metade dos entrevistados procurou logo se regularizar e que, cerca de
um ano após, a expressiva maioria (85%) já estava cadastrada. A rapidez com que foi feita a adesão
à nova condição pode ser explicada pela forma como tomaram conhecimento dessa possibilidade,
que foi objeto de outra questão levantada na entrevista, cujos resultados estão expostos na Figura 5.
43% Midia 29% 10% 8% 4% 4% 3% Indicação de terceiros Contador Sebrae Figura 5: Modo como tomaram conhecimento da nova lei
Fonte: os autores
Nota-se que muitos tomaram ciência da possibilidade de se cadastrar por meio da mídia,
incluindo-se jornais, emissoras de televisão e internet, revelando que a divulgação da nova lei foi
eficaz. A maioria, porém, recebeu de outras pessoas ou instituições essa sugestão. Interessante que
3% tenham sido direcionados ao cadastramento por fiscais, o que revela uma postura sadia por parte
dos órgãos públicos encarregados de disciplinar a ordem econômica: no lugar de simplesmente coibir
o trabalho ilegal, alguns agentes da lei se preocupam em criar condições para sua regularização. O
desejo de se legalizar foi, por sinal, a principal motivação declarada, conforme a seguir demonstrado:
Para se legalizar 48% Para ter aposentadoria Obter crédito 20% 12% 5% 4% 3% 3% 1% 1% 1% Mudança de status Já iniciou cadastrado Figura 6: motivo do cadastramento
Fonte: os autores
Observa-se que, a despeito de poderem ser gerados expressivos benefícios sociais, em
especial a aposentadoria, ou mesmo comerciais (venda com cartão de crédito e possibilidade de
fornecer a empresas que só compram com nota fiscal, por exemplo), o que mais motivou os
microempreendedores foi a tranquilidade concedida pela nova situação, deixando de estar à margem
da lei. Esse é um benefício que merece destaque, pois impacta na autoestima dos beneficiados e no
seu sentimento de inclusão social, rompendo com a marginalização a que algumas categorias
profissionais são, muitas vezes, submetidas.
Outro aspecto importante verificado é que os mecanismos instituídos para a efetivação do
cadastro têm sido eficientes, não havendo dificuldades para se cadastrar ou manter-se legalizado,
conforme demonstrado na Figura 7, que apresenta os resultados obtidos quando os entrevistados
foram indagados se encontraram dificuldades para se cadastrar ou estavam enfrentando algum
problema para se manter ativos.
10% 4% 4% Não Um pouco 82% Sim Não respondeu Figura 7: Dificuldade em se cadastrar ou manter-se ativo
Fonte: os autores
Como fica claro, quase nenhum entrevistado encontrou dificuldade para efetivar seu cadastro
ou para cumprir as exigências de manutenção. Dentre os que indicaram alguma dificuldade, quase
todos se referiram ao custo gerado pela contratação de um contador. A lei instituiu que, no primeiro
ano, esse serviço deve ser gratuito mas a partir do segundo ano, pode ser cobrado normalmente.
Como apenas 11% têm menos de 1 ano de cadastrado, conforme revelado na figura 2, nota-se que
esse não tem sido um obstáculo significativo.
A esse respeito, uma das perguntas versou sobre qual o valor que tem sido pago ao contador
mensalmente. Verificou-se que 17% não pagam. Interessante observar que esse percentual é maior
do que o de MEIs com menos de um ano de cadastro, que somam 11%, conforme demonstrado na
figura 2. Poderia parecer que há casos em que, mesmo depois de passado o prazo regulamentar, o
contador não está cobrando por seus serviços. O que ocorre, no entanto, é que 3% não informaram o
tempo que possuem de cadastro e, conforme levantado em outra pergunta formulada, 4% não tem
contador. Mesmo assim, verifica-se que essa não representa uma despesa muito significativa,
verificando-se os valores pagos: na faixa até R$100,00 estão 29% e de R$101,00 a R$200,00, 30%
dos participantes. Perguntados sobre como escolheram seu contador, os entrevistados informaram:
40% Aleatório (Internet ou lista) 21% 18% 7% 6% 4% 4% Pessoa da família ou amigo Indicação Figura 8: critério de escolha do contador
Fonte: os autores
Nota-se que apenas 6% efetuaram a escolha com base na conveniência, item que inclui o
preço mais baixo. Percebe-se, portanto, que os MEIs estão valorizando o trabalho de seus
contadores. Outra questão levantada versou sobre o grau de satisfação com os serviços contábeis
prestados, verificando-se o resultado exposto na Figura 9.
20% 10% 0% Sim Em parte 70% Não Figura 9: Atendimento das necessidades pelo contador
Fonte: os autores
É bastante significativo, portanto, o grau de satisfação com os contadores, reforçando a
percepção de que a necessidade de contar com esse profissional não tem representado um problema
para os MEIs.
Foi também perguntado aos entrevistados qual o número de funcionários que possuem, sendo
obtidos os seguintes resultados:
4% 4% 36% 0 56% 1 2 ou mais Figura 10: Número de funcionários que possui
Fonte: os autores
A legislação permite que o MEI mantenha um funcionário. Nota-se, no entanto, que há casos
em que essa norma está sendo desrespeitada. Além dos 4% que assumiram que extrapolam esse
limite, outros 4%, que não quiseram responder, provavelmente estão nessa mesma situação. Houve,
ainda, casos em que pareceu aos entrevistadores que a resposta dada não correspondia à realidade.
Em um dos casos, por exemplo, a entrevistada não permitiu a entrada da pesquisadora no escritório
onde desenvolvia suas atividades, mas, pela porta entreaberta, foi possível ver um grupo de pelo
menos cinco pessoas trabalhando.
Essa situação pode ser considerada bastante preocupante. Considerando-se que a criação de
facilidades para a formalização dos MEIs foi motivada pela busca de maior cidadania e ampliação dos
direitos dos beneficiados, não é adequado que tal oportunidade represente a criação de problemas
para outras pessoas – no caso, os que trabalham como empregados dos microempreendedores.
Essa preocupação é respaldada, também, pelas respostas obtidas à pergunta seguinte, direcionada
aos que mantém algum funcionário, indagando-se ele é registrado, cujas respostas estão
demonstradas na Figura 11.
9% Sim 17% 74% Não Alguns Figura 11: Resposta a: seus funcionários são registrados?
Fonte: os autores
Como se verifica, 26% admitem que mantém funcionários sem os devidos registros e, portanto,
sem acesso aos direitos trabalhistas. Os 9% que responderam “alguns”, sabendo que somente
podem manter um funcionário, conforme limitação imposta pela legislação, optam por registrar um
deles, mantendo os demais sem carteira assinada. Deve-se ressaltar, ainda, que, tendo em vista
tratar-se de um tema delicado, é possível que parte dos 74% que responderam “sim” tenha ocultado
sua real situação, ficando constrangidos em assumir que não registram seus empregados.
Outra pergunta versou sobre os direitos que a condição de regularizado concede aos MEIs,
sendo-lhes perguntado: Você sabe quais são os direitos previdenciários que possui? As respostas
estão reveladas na Figura 12.
5% Sim 33% 31% 31% Não Em parte Figura 12: Os MEIs conhecem seus direitos previdenciários?
Fonte: os autores
O total de entrevistados que conhece seus direitos é baixo. Conforme revelado, a maior parte
ignora ou conhece apenas em parte que a condição de MEI regularizado lhe confere novos direitos
previdenciários. Se é baixo o conhecimento da existência dos direitos previdenciários, menor ainda é
a ciência de como podem a eles recorrer, conforme revelado na Figura 13.
5% Sim 33% 31% 31% Não Em parte NR Figura 13: Resposta a: Os MEIs sabem como recorrer a seus direitos previdenciários?
Fonte: os autores
Essa situação também se revela preocupante, uma vez que uma das razões que justificam a
promoção de iniciativas como o estímulo à inclusão dos MEIs na economia formal é justamente a
criação de melhores condições de acesso ao sistema de seguridade social.
Já quando perguntados se têm pago as taxas instituídas pela legislação, as respostas foram as
reveladas na Figura 14.
2% 4% Sempre 95% A maioria Não respondeu Figura 14: Os MEIs têm pago as taxas devidas?
Fonte: os autores
Nota-se que, a despeito de estarem pouco informados sobre seus direitos, os MEIs procuram
cumprir seus deveres. Esse fato pode ser explicado pela necessidade de não perder a condição de
formalizados nem ficar à mercê de sanções por parte de órgãos fiscalizadores. Conforme já
destacado, o desejo de se legalizar e não enfrentar problemas com a fiscalização foi o principal
motivo da busca do cadastramento apontado pelos entrevistados.
Ao final da entrevista, foi feita a seguinte pergunta: “Houve alguma mudança no trabalho após
o cadastro?”. As respostas obtidas estão destacadas na Figura 15
Não houve 40% 53% Já começou cadastrado Não respondeu 4% 3% Sim Figura 15: Ocorrência de mudanças no trabalho após o cadastramento
Fonte: os autores
Chama a atenção o fato da maioria dos entrevistados afirmar que nada mudou em relação ao
seu trabalho após o cadastramento. Esse fato não desmerece, no entanto, os resultados obtidos com
a política de formalização. Ocorre que por “mudanças no trabalho”, diversos entrevistados
entenderam apenas impactos diretos no seu processo produtivo em si. Dentre os que não
perceberam tais impactos, muitos, nos comentários que apresentaram a essa questão, destacaram
que as mudanças ocorreram sim em relação à sua condição na sociedade, que se sentem agora
mais respeitados e menos sujeitos a problemas com a fiscalização. São mudanças significativas,
portanto.
Aos que responderam que houve mudanças, foi então indagado qual foi a principal. Não tendo
sido oferecidas opções prévias de respostas, foram obtidos os resultados demonstrados na Figura
16.
33% Conseguiu novos clientes 20% 16% 16% 5% 5% 3% 2% 2% Trabalha mais tanquilo Sente-­‐se mais respeitado Emite nota [iscal Figura 16: Mudanças ocorridas no trabalho após o cadastramento
Fonte: os autores
Revelou-se, como se percebe, muito significativa a quantidade de MEIs que conseguiram obter
novos clientes. Essa vantagem teve como um de seus motivos a possibilidade de emitir notas fiscais,
que também foi destacada por parte dos respondentes. Nos comentários formulados, diversos
entrevistados disseram que agora podem fornecer para empresas, o que antes não conseguiam.
Alguns ainda afirmaram que a possibilidade de emitir nota fiscal facilita também a captação de
clientes pessoa física, pois, ainda que não precisem receber as notas, eles se sentem mais
confortáveis em contratar alguém formalizado.
No geral, verificou-se, portanto, que os impactos trazidos foram bastante positivos, conforme
exposto a seguir, na seção destinada às conclusões.
5. Conclusões, implicações, limitações e sugestões
A precarização das condições de trabalho e a dificuldade de acesso ao mercado formal de
empregos são realidades que, conforme destacado, estão associadas às características do
capitalismo atual. A despeito das propagadas vantagens trazidas pela chamada sociedade do
conhecimento, nem todos têm se beneficiado dos novos arranjos produtivos. É nesse contexto que se
fazem necessárias iniciativas do poder público direcionadas para a inclusão social da parcela da
população relegada a condições inadequadas de trabalho, com destaque para aqueles que atuam na
economia informal. A Lei analisada no presente artigo veio nessa direção, criando a figura do
microempreendedor individual, de modo a oportunizar a formalização do trabalho desempenhado por
profissionais até então condenados a atuar à margem do sistema de proteção social e a ficar a mercê
de sanções legais.
A pesquisa, cujos resultados estão aqui apresentados, procurou identificar os principais
impactos que a formalização, viabilizada pela nova legislação, gerou para os microempreendedores
individuais de Juiz de Fora. Verificou-se, ao fim da pesquisa de campo realizada, que têm sido
alcançados alguns resultados bastante positivos, como o sentimento de maior orgulho próprio, o
aumento dos negócios e o fim dos problemas com a fiscalização.
Constatou-se que a nova legislação está alcançando não apenas aqueles que seriam, em tese,
os maiores beneficiados, os profissionais autônomos que prestam serviços mais simples. Na verdade,
muitos dos alcançados pela oportunidade de formalização atuam em atividades mais sofisticadas,
típicas de empresas.
Se, por um lado, essa situação pode ser vista como positiva, revelando uma maior amplitude
de alcance da política pública analisada, por outro pode estar contribuindo para desvirtuar seus
objetivos mais amplos, de promoção da cidadania e da inclusão social. Um dos aspectos que indicam
tal possibilidade é o fato de alguns cadastrados empregarem mais de uma pessoa, o que configura
não mais a situação de um microempreendedor individual. Mesmo a possibilidade de manter um
empregado, prevista na lei, pode ser questionada do ponto de vista de sua pertinência. Seria mesmo
um empreendedor individual alguém que precisa se valer de um trabalhador assalariado? São
situações, a princípio, contraditórias.
Pode mesmo estar ocorrendo uma apropriação das oportunidades oferecidas pela lei por
pequenos empresários que se travestem como empreendedores individuais com o único intuito de se
beneficiar das facilidades fiscais e tributárias concedidas. Embora a pesquisa não tenha tido foco
nessa questão, nem tenha oferecido condições para se chegar a essa conclusão, em pelo menos um
caso esse problema se manifestou de forma muito evidente. Foi aquele, já narrado, em que não foi
permitido à entrevistadora ingressar no local de trabalho e no qual ela verificou que pelo menos cinco
pessoas lá trabalhavam. Essa é uma situação que merece ser investigada pelos órgãos públicos
competentes, para que, se for o caso, sejam adotadas medidas corretivas. Caso não se tome os
devidos cuidados, pode acontecer algo similar ao que se verificou com organizações que adquiriram
condições legais diferenciadas devido ao seu caráter social, como as ONGs e as cooperativas e que,
no entanto, passaram a abrigar, em diversos casos, pessoas e empresas oportunistas, desvirtuando
a política pública que as privilegiou.
Também chamou a atenção o fato de que poucos jovens se interessaram por ingressar nessa
condição legal. Conforme já destacado, não é possível saber, com base no que foi levantado, se há
um número significativo de jovens atuando como MEIs, porém não preocupados em se formalizar.
Caso sim, um provável motivo seria a maior distância dos que estão nessa idade para a época de se
aposentar, o que pode induzi-los a se preocupar menos com as garantias sociais oferecidas ou,
ainda, o desejo de não permanecer muito tempo na atual atividade profissional. Outra possibilidade,
porém, é que estejam priorizando outros caminhos que não o empreendedorismo individual, por
estarem sendo menos afetados pelas restrições ao ingresso no mercado de trabalho.
Outro aspecto que merece destaque é que os MEIs entrevistados revelaram entusiasmo com
sua nova situação profissional e demonstraram que estão empenhados em manter-se regularizados.
A maior tranquilidade oferecida pela condição de trabalhador legalizado explica, em grande parte,
essa situação, pois fugir do assédio de fiscais foi um dos principais motivos declarados para a busca
do cadastramento. O elevado percentual dos que declararam pagar em dia as taxas devidas
demonstra a importância que os entrevistados estão atribuindo à regularização. Nessa mesma
direção pode ser analisada a valorização que manifestaram em relação aos serviços prestados pelos
contadores.
Se, no aspecto da regularidade fiscal, foram levantadas informações positivas, o mesmo não
ocorreu em relação à observância dos direitos trabalhistas por parte daqueles que possuem
funcionários, com muitos não lhes concedendo os direitos devidos, mantendo-os sem registro. Além
da injustiça social representada pela exclusão dos funcionários ligados aos MEIs de seus direitos
trabalhistas, essa situação pode comprometer o próprio microempreendedor. A partir do momento em
que ele passa a ser oficialmente reconhecido como um ente econômico legalizado, fica mais sujeito a
ser processado por trabalhadores que se sintam prejudicados com a não regularização de sua
situação. A situação é bastante séria, portanto.
Os mecanismos adotados para a divulgação da oportunidade de formalização parecem ter sido
adequados, à medida em que os entrevistados aproveitaram a oportunidade assim que o
cadastramento foi iniciado. Também se revelaram adequadas as condições para a efetivação do
registro, tendo em vista que a expressiva maioria declarou não ter encontrado qualquer dificuldade.
Além do rito simplificado estabelecido pela lei em análise, o apoio prestado pelos contadores
mostrou-se importante para garantir o acesso e a manutenção da condição de regularizado.
O mesmo não se pode dizer, no entanto, de uma das mais importantes oportunidades
proporcionadas pela regularização, que é o acesso aos benefícios previdenciários. Conforme visto,
muitos ainda não conhecem seus direitos nessa área e outros, mesmo os conhecendo, não sabe
como a eles recorrer. Essa é uma situação que merece ser objeto de ações de esclarecimento por
parte do poder público. Os contadores que, como visto, gozam de prestígio junto aos MEIs podem ser
um importante canal para a difusão desses direitos.
Os aspectos que despertam preocupação não desmerecem a iniciativa de estímulo a esse tipo
de empreendedor. Como verificado, a legalização proporcionou a expansão dos negócios dos que já
trabalhavam antes da edição da lei em tela e houve diversos entrevistados que já começaram seus
negócios como beneficiados pela formalização os quais, provavelmente, não teriam a mesma
disposição empreendedora caso essa possibilidade não lhes fosse oferecida. Confirmou-se, assim, o
que foi destacado na obra de diversos autores consultados que afirmam ser o estímulo ao
empreendedorismo não apenas uma medida de caráter social como também uma medida que
fomenta o crescimento econômico.
A legislação que instituiu a formalização dos MEIs não deve ser vista como suficiente, por si só,
para resolver ou mesmo minimizar de forma significativa os problemas decorrentes da exclusão do
mercado de trabalho tradicional. Conforme já destacado, são diversas as barreiras ao ingresso de
parte da população nesse mercado e nem todas são passíveis de serem resolvidas pela via aqui
investigada. Pelo menos no que tange aos problemas de ordem legal e tributária, no entanto, ficou
clara a eficácia da política pública consubstanciada nessa iniciativa.
Nota-se, em resumo, que, a despeito da existência de alguns problemas que precisam ser
enfrentados pelo poder público com novas providências, os resultados alcançados até o momento
revelam-se positivos. A legislação analisada revelou-se um instrumento eficaz da política de inclusão
social pretendida.
Cabe ressalvar, porém, algumas limitações da pesquisa aqui apresentada. Por ter como base
opiniões expressas em entrevistas, podem ter ocorrido ocultações ou distorção de informações. Em
questões como o número de empregados mantidos, a regularização trabalhista dos mesmos ou o
pagamento em dia das taxas devidas, é possível que, por constrangimento de se declarar de alguma
forma ilegal, os entrevistados não tenham revelado sua real situação.
Merece também destaque a recenticidade da legislação abordada. Alguns dos efeitos até aqui
observados podem não se manter com o passar do tempo e novos posicionamentos por parte dos
beneficiados podem se manifestar futuramente.
Deve-se, por fim, ressalvar o fato do foco ter repousado tão somente nos MEIs regularizados.
Como sugestão para futuras pesquisas, portanto, pode ser destacada a relevância de que sejam
estudados os profissionais que optaram por não se cadastrar, preferindo permanecer na
informalidade. Podem também ser pesquisados aqueles que não se regularizaram por não estarem
bem informados a respeito da nova legislação. Estudos complementares poderiam ainda abordar as
possibilidades de estímulo a que mais jovens procurem se constituir em microempreendedores, o que
poderia contribuir para minimizar as dificuldades de acesso ao mercado de trabalho e ampliar o leque
de possíveis ocupações.
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