UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS
UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE CIÊNCIAS SOCIOECONÔMICAS E HUMANAS DE ANÁPOLIS
V SEMINÁRIO DE PESQUISA DE PROFESSORES E
VI JORNADA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA UNUCSEH
DIAS 19 A 21 DE OUTUBRO DE 2010
PESQUISA E NARRATIVA
A MATRIZ DISCIPLINAR DE JÖRN RÜSEN EM CASA GRANDE & SENZALA
Kellen Patricia Candini Bastos – UEG
O tema desse texto adveio do projeto de pesquisa Os alicerces da casa grande e da senzala:
análise historiográfica das notas de rodapé, que foi desenvolvido nos anos 2009/2010 na UNUCSEH –
UEG Anápolis, sob a orientação do professor Dr. Eliézer Cardoso de Oliveira. Dando continuidade,
assim, ao trabalho desenvolvido nessa pesquisa, buscando explorar os diversos pontos que o tema da
pesquisa possibilita.
“Se me perguntarem quem sou direi que não sei classificar-me, não sei definir-me.” 1 O senhor
dessas palavras é Gilberto Freyre, autor da obra germinal2 Casa Grande & Senzala, publicada em 1933.
Freyre foi um escritor, historiador, sociólogo3 que desde cedo provocou aguçadas discussões sobre uma
diversidade de assuntos, provavelmente, em toda sua vida, o que mais promoveu intensas discussões no
meio acadêmico e fora dele foi sua obra de 1933.
Acusado de ser ensaísta4, de não sistematizar suas pesquisas e discussões, de não possuir uma
metodologia adequada, de usar termos chulos, fontes não confiáveis, de possuir uma posição política e
motivação ideológica não muito confiável, Freyre persistiu em continuar com seu estilo e deu
continuidade em suas idéias.
A principal proposta desse breve texto é discutir e tentar demonstrar que embora as criticas feitas a
Casa Grande & Senzala5 sejam relevantes, essa obra possui sim um caráter cientifico que o conhecimento
histórico evoca pra si, já que é a regulação metódica que distingue o pensamento histórico cientifico das
outras formas de pensamento histórico. Para vislumbrar essa hipótese utilizar-se-á a teoria desenvolvida
pelo historiador alemão Jörn Rüsen, principalmente sua proposta desenvolvida na Matriz Disciplinar6.
Buscando responder o problema que a historiografia enfrentava – como deveria ser a relação entre
a pesquisa e a escrita da história? - Rüsen desenvolveu um preceito conceitual. Rüsen não refuta em
todas as presunções narrativistas, ele não abdica de todas as proposições expostas por exemplo por
Hayden White, mas as incorpora em sua elaboração teórica - a narrativa se torna um tipo de racionalidade
da constituição histórica de sentido. A narrativa de histórias é vinculada ao recurso das fontes e esse
recurso deve ser sistematizado, ou seja, deve obedecer a uma metodização, assumindo assim uma forma
de pesquisa, atribuindo ao conhecimento histórico produzido o caráter cientifico, é nesse momento que a
1
Estrato da entrevista de Gilberto Freyre intitulada ‘Das palavras ao desenho das palavras’, concedida à TV Cultura
de São Paulo em 1972. In: Biblioteca Virtual Gilberto Freyre. Coleções Especiais. Audiovisual: Vídeo. Disponível em
http://www.fgf.org.br
2
Nessa mesma entrevista o autor explica porque emprega o termo germinal para obra. Segundo ele é pelo caráter de ter
sido a primeira obra e porque as obras seguintes seriam uma “continuação”, um “desenvolvimento” de seu pensamento.
3
Freyre suscitou inúmeras polemicas no que se refere a sua classificação “profissional”, para maior detalhes sobre esse
assunto ver: FREYRE, Gilberto. Como e porque sou e não sou sociólogo. Brasília: Ed. da UNB, 1968.
4
O termo ensaísta, sempre foi direcionado a Freyre com uma conotação pejorativa, não considerando a riqueza e
diversidade desse estilo. Sobre discussões sobre o “ensaísmo” de Freyre ver: PALARES, Maria Lúcia. Gilberto Freyre – um
vitoriano nos trópicos. São Paulo: Unesp, 2005; PALLARE; Maria Lúcia; BURKE, Peter. Repensando os trópicos: um retrato
intelectual de Gilberto Freyre. São Paulo: Unesp, 2009.
5
Daqui em diante CGS.
6
A Matriz Disciplinar desenvolvida por Rüsen possui cinco pressupostos básicos e fundamentais presentes no
conhecimento cientifico, sendo interdependentes, podendo ser concebidos de modo circular, são ele: 1) Interesses, 2)Idéias, 3)
Métodos de pesquisa empírica, 4) Formas de apresentação e 5) Funções de orientação existencial.
1
http://www.unucseh.ueg.br/anais/index.htm
(ISSN 2175-2605)
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VI JORNADA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA UNUCSEH
DIAS 19 A 21 DE OUTUBRO DE 2010
obra CGS pode ser inserida como um conhecimento cientificamente produzido. Isso devido à pesquisa e a
narrativa na qual ela foi construída7.
Em CGS é possível perceber por meio da narrativa de Freyre o uso que este fez da pesquisa,
embora não tenha ficado preso a teorias e formalizações, o autor não abdicou de tais pressupostos. Em sua
pesquisa Freyre recorreu a uma diversidade de fontes, na construção de sua verdade histórica ele procurou
testemunhos que fossem capazes de apreendê-la em seus pormenores, nesse momento vislumbra-se o
terceiro fator da matriz disciplinar – Métodos de pesquisa empírica – que irá desembocar no quarto fator –
formas de apresentação.
Na escrita de Freyre diversas características peculiares aparecem, como um importante aparato
prefacial, uma dicotomia conceitual, o uso de centenas de notas de rodapé, uma linguagem alternativa e
dinâmica além de a pesquisa freyriana ter ultrapassado as fontes corriqueiras8 da maioria dos especialistas
da história9. Em suma, se distanciando da freqüente retórica objetivista dos textos regidos pela linguagem
tradicional da academia e buscando uma metodização e pesquisa que ultrapassam aquelas corriqueiras e
oferecem um novo modo de fazer historiográfico. Freyre assume um estilo alternativo, construindo um
novo paradigma interpretativo e mesmo assim portadora cientificidade requerida pela história.
Bibliografia:
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia
patriarcal.51ª Ed. São Paulo: Global, 2009.
RÜSEN, J. Reconstrução do Passado. Brasília: UnB, 2007.
RÜSEN, J. Razão histórica. Brasília: UnB, 2001
WHITE, Hayden. Meta-História. São Paulo: Edusp, 1995.
7
Gilberto Freyre recorre a inúmeros antropólogos, sociólogos, historiadores para fundamentar suas proposições, dentre
os principais estão: Herbert Spencer, Franklin Giddings, Franz Boas, Lafcadio Hearn, Friedrich Nietzsche, Arnold Bennett, W.
B. Yeats, Willian Morris, Havelock Ellis, Walter Pater, Roquette-Pinto, G. K. Chesterton, Afred Zimmern, Rüdiger Bilden.
8
Com riqueza de detalhes, Freyre recorreu a todo tipo de fontes para corroborar suas idéias, cantigas coloniais infantis,
provérbios, receitas culinárias, documentos oficiais. Ver notas de rodapé: FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala:
formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 51ª Ed. São Paulo: Global, 2009.
9
Em entrevista a folha/2010, o ex-presidente e sociólogo Fernando Henrique Cardoso fala das originalidades e
contribuições de Gilberto Freyre além de afirmar que a pesquisa factual o tornava muito mais que um ensaísta.
2
http://www.unucseh.ueg.br/anais/index.htm
(ISSN 2175-2605)
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