Anais do XX Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do V Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 22 e 23 de setembro de 2015 Gilberto Freyre e a matriz da religiosidade brasileira Fernando Felix Nicolau Fac História CCHSA [email protected] Resumo: O artigo pretende realizar um levantamento preliminar do conjunto de idéias de Gilberto Freyre acerca da religiosidade brasileira, tal como esta se formou durante o período colonial. Para isso, desenvolvemos leitura da obra Casa Grande & Senzala identificando suas principais formulações. Palavras-chave: : Religiosidade brasileira, Gilberto Freyre, formação colonial. Área do Conhecimento: História – Ciências da Religião – FAPIC/Reitoria. A trajetória de vida e formação De nome completo Gilberto Ade Mello Freyre, nasceu no Recife em 15 de março de 1900, filho do Dr. Alfredo Freyre e de Francisca de Mello Freyre. Estudou inicialmente com professores particulares, entre eles seu próprio pai, que o instruiu em latim e em português. Estudou também desenho, além de inglês e francês. Suas primeiras experiências de campo, ou rurais acontecem por volta de 1909, ano em que sua avó materna falece. Passa então uma temporada no Engenho São Severino do Ramo, propriedade de parentes. Este contato inicial com a Casa-Grande iria obviamente repercutir em sua obra. Seus estudos se iniciam em 1908 no Jardim de Infância do Colégio Americano Gilreath, localizado em Pernambuco. Para combater seu misticismo lê as obras de Spencer e Comte, interessando-se também pelo socialismo cristão. Influenciado por seus professores do colégio e da leitura do Peregrino de Bunyan e da biografia do Dr. Livingstone participa de atividades evangélicas como a visita a pessoas miseráveis dos mocambos recifenses. Em 1917, aos 17 anos se graduou em bacharel em Ciências e Letras nos estudos secundários no colégio americano Gilreath. Começa a estudar grego e se torna membro da Igreja Evangélica, algo que desagrada sua mãe e sua famí- João Miguel Teixeira de Godoy Pontifícia Universidade Católica de Campinas História das Religiões e Religiosidades no Brasil joã[email protected] lia por serem católicos. No ano de 1918 segue para os Estados Unidos, fixando-se em Waco (Texas), onde na universidade de Baylor graduou-se em Artes Liberais, especializando-se em Ciências Politicas e Sociais. Publicou uma tese em inglês sobre o Brasil em que defendeu a situação do escravo no Brasil como melhor que a do operário europeu no inicio do século XIX. Em seguida, em 1921, fez pósgraduação (mestrado e doutorado) na universidade de Columbia em Ciências Politicas, Jurídicas e Sociais. Na ultima universidade pela qual passou como aluno, teve como professor o antropólogo Franz Boas, que fez com que alterasse sua percepção em relação à realidade brasileira e sua visão de uma sociedade naturalmente hierarquizada por muitos. Foi com Franz Boas que Freyre alterou a visão protestante que adquiriu no colégio. Visitou muitos países europeus, dentre eles Espanha e Portugal, tendo se aproximado mais do segundo país e tendo ficado por lá até 1923. Retorna ao Brasil em 1924 e reintegra-se no Recife, onde funda a 28 de abril o "Centro Regionalista do Nordeste". Viaja em direção ao interior do Estado de Pernambuco e pelo Nordeste. Em 1926 organiza o primeiro congresso Regionalista, realizado nas Américas, sendo parte do movimento regionalista, por ele mesmo conduzido. Em 1930 ao acompanhar Estácio Coimbra em exílio, conhece Dacar e Senegal. Já em Lisboa, inicia as pesquisas que se baseou para compor Casa-grande & senzala. Segue para os Estados Unidos em 1931 a convite da Universidade de Stanford como professor extraordinário daquela Universidade. Em viagem pela Europa ao final deste mesmo ano visita alguns centros de cultura universitária, como museus de Antropologia e de Historia Cultural. Volta ao Brasil em 1932, e no Rio de Janeiro, em bibliotecas e arquivos continua seu trabalho de elaboração de Casa-grande & senzala. Recusa trabalhos oferecidos pelos membros do novo governo brasileiro. Passa por dificuldades financeiras e sobrevive à custa de amigos do Distrito Federal. Termina de escrever Casa-Grande & Senzala em 1933 e envia os manuscritos originais ao editor e poeta Augusto Anais do XX Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do V Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 22 e 23 de setembro de 2015 Frederico Schmidt que o publica em dezembro do mesmo ano. A obra de Gilberto Freyre na ótica de outros autores Sobre o cenário étnico e racial na obra, deparamo-nos com fortes antagonismos e paradoxos em relação ao escravismo que se expressam de modo ambíguo, com o famoso “Paraíso tropical” [1] retratando o mito do “bom senhor” e demonstrando uma realidade escravocrata como um simples episódio sem importância ou sem a capacidade de desfazer a harmonia entre explorados e exploradores, compondo uma denuncia do inferno tropical vivenciado pelos escravos no Brasil. Dentro do âmbito que tenta perceber a natureza da miscigenação brasileira e sua singularidade nas relações raciais, os autores que compõem esta analise parecem adotar uma postura comparativa entre a sociedade brasileira e a estado-unidense. Surgem parâmetros como semelhanças e diferenças como a implantação do sistema escravocrata, extinção do sistema escravocrata, graus de miscigenação e efeitos sociais, sociedade multirracial ou birracial e mecanismos legais e informais de discriminação racial. Essa construção de um arquétipo intelectual da análise racial contribuiu para constituição de alguns grupos de autores. Os marxistas por exemplo, preocupados com as relações sociais de exploração e com a ideia de miscigenação, deram assim uma nova roupagem a obra Casa-Grande & Senzala e passaram a enxerga-la como mecanismo de um processo, a qual teria como fim a “democracia racial”. E dessa expressão a justificativa e construção de um intercurso étnico harmonioso no Brasil lhe dando uma propagação internacional de laboratório da tolerância racial no mundo [2]. Passado algum tempo da morte de Gilberto Freyre e do fim da ditadura militar, foi posta uma análise mais equilibrada de sua obra e menos pautada entre explorados e exploradores. Há inúmeros elementos que merecem ser ressaltados na sua maestria analítica, assim como dito por Florestan Fernandes e Jacob Gorender, há méritos na obra de Freyre que não esta democracia racial, mas a denúncia do cativeiro e do caráter mercantil e violento que os escravos viveram no Brasil. Martiniano J. Silva, outro marxista, escreveu que a miscigenação é valida como processo de enriquecimento racial e cultural, mas somente se ocorrer de forma livre e democrática, o que afirma nunca ter ocorrido no Brasil, onde não houve união natural entre os povos e sim a violação da dignidade moral e sexual da mulher negra, com uniões a força e que resultaram em crianças sem pais e que já nasciam como escravas [3]. Entre os culturalistas há duas visões a respeito da miscigenação a época da obra de Freyre: a visão poligenista, que defendia a origem da ração humana baseada em diferentes linhagens, o que confabula com a ideia das três raças diferentes e opostas, e a visão monogenista que traz a ideia que a raça humana veio de uma única linhagem. No entanto, ele traz uma solução original às duas concepções culturalistas, na qual consegue dissociar a raça da cultura e sua renovação com a interação com o meio. Esse novo enquadramento, não elimina a violência da miscigenação no Brasil, mas imprimi uma logica que elogia a adaptação. Trabalha o luxo do antagonismo, a viabilidade da heterogeneidade, e ao invés de concatenar as análises das mazelas do país com uma proposição biológica, inverte seu sentido com uma de caráter histórico cultural. Dessa forma Freyre trabalha a ideia de que o Brasil não é mestiço por estar sujeito a uma real miscigenação biológica, e sim, porque é fruto de uma cultura mestiça. O sistema cultural se manifesta misturando instituições que antes estavam separadas, e aqui o mestiço tem um valor social positivo, uma eugenia contrária. A trajetória da pesquisa de Gilberto Freyre Instituição Religião enquanto órgão regulador de ações formais no Brasil, como fator unificador e que ira configurar inicialmente as características raciais tratadas por Freyre no decorrer de seu trabalho. A religião católica entra como única medida comum que deve ser respeitada, sendo outros fatores como doenças e raça, inócuos aos religiosos, “O perigo não estava no estrangeiro nem no individuo disgênico ou cacogênico, mas no herege” [4], se atentaram a pureza da fé, e uma fé especifica, a católica. Sendo diversos os exemplos disto apresentados pelo autor durante a obra. Religiosidade Nesta subdivisão temos a maneira pela qual as “informações” religiosas se assumiam na representação popular. Como as pessoas viviam essa religião, como ela era na prática, tal subdivisão se coloca em contrapartida a anterior, a instituição, algo Anais do XX Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do V Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 22 e 23 de setembro de 2015 rígido e imposto por seus membros. Gilberto faz uma analise da religião no Brasil na maioria das vezes como sendo resultado de um processo de amalgamento anterior à vinda desta instituição ao Brasil, e a diferencia da mesma religião do Norte, mais dura e rígida. Como exemplo temos a festa de São Gonçalo do Amarante que mistura paganismo, elementos orgiásticos africanos, cristianismo, deuses gregos e festa de Corpus Christi. Na Bahia tal festa foi influenciada por elementos orgiásticos, no entanto já havia contido na festa elementos pagãos trazidos de Portugal, tais qual Nossa Senhora, Mercúrio, Apolo, os 12 Apóstolos, ninfas, reis e imperadores e etc [5]. Clero Secular Freyre destaca de maneira geral aspectos positivos (relativos aos próprios clérigos, internamente) e negativos (relativo ao exterior, aos afetados pelos primeiros aspectos). Os aspectos positivos consistem em adjetivos como heroísmo, firmeza (em se manterem ortodoxos), lealdade aos seus ideais e atividade moral e religiosa elevada. Já os negativos incluem suas ações no sentido de desintegrar os valores indígenas. As cartas dos clérigos serviram como fonte de informações no trabalho de Freyre, nelas descrições obtidas através da observação direta. Descreveram a falta de alimentos, o comportamento de algumas mulheres em relação aos homens, a maneira descalça que os colonos andavam e o comportamento sexual dos índios. Clero Regular A ordem mais abordada e quase unânime na obra de Gilberto Freyre é a dos jesuítas. Ele as coloca como sendo responsáveis por um primeiro projeto de união dos territórios brasileiros, no entanto uma união em torno da religião católica. Defende a partir de Silvio Romero que a catequese dos jesuítas serviu desde o inicio como garantia da unidade religiosa. Além da contribuição pra um “unionismo” com sua mobilidade e tendência para a onipresença no território brasileiro, de contato com colonizadores e nativos, o catolicismo como cimento desta unidade, tendo nos jesuítas a unidade base de ação. Mas para realizar tal projeto civilizatório, os jesuítas tiveram que ir contra os interesses da família colonial, ou da sociedade colonial, estando os padres interessados em formar uma santa republica de índios dóceis a obedecer todas as suas ordens sem autonomia nenhuma [6]. Cabe-nos destacar momentos da obra de Gilberto Freyre em que aborda o tema da degradação da cultura indígena pelos jesuítas. Como aponta ao escrever que “O missionário tem sido o grande destruidor de culturas não europeias, do século XVI ao atual” [7]. Matriz Africana O elemento semita presente na península ibérica da a mobilidade ao português e sua capacidade de adaptação aos trópicos. O contato com os maometanos amacia a dureza do catolicismo que Freyre tende em diversos momentos a comparar com o catolicismo espanhol e das religiões do norte Podemos classificar a influencia moura como sendo anterior ao período de colonização e a Africana como sendo posterior, porem ambas contribuindo com características semelhantes ao processo de incorporação de suas culturas a do português colonizador. Matriz Indígena Tanto na matriz africana quanto nesta, a pretensão fora a de encontrar elementos essenciais, ou fundamentais que fizessem com que pudéssemos identificar o sistema cultural/religioso dos nativos brasileiros. Percebe-se que elementos que num primeiro momento parecem únicos a uma determinada cultura são semelhantes a de outrem, o que torna a tarefa ainda mais difícil. É possível notar que as características indígenas que procuramos classificar, na maior parte das vezes aparecem em detrimento de uma alteração nas formas portuguesas. Como elemento isolado da matriz religiosa do sistema indígena, pouco encontrado na obra temos o Jurupari, que representa uma criatura espiritual componente do sistema imaginário indígena. E sobre a influencia do imaginário indígena, Freyre escreve que ficamos com a “parte mais grosseira ou indigesta” de seus preconceitos e medos, absorvidos na cultura mestiça, como a exemplo do gênio agourento caipora que traz azar por onde passa, sendo então o caiporismo resultado de uma crença nativa. Considerações finais Gilberto Freyre de forma geral nos mostra a maneira pela qual uma cultura dita mais civilizada Anais do XX Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do V Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 22 e 23 de setembro de 2015 deteriorou e dilui na sua uma cultura dita inferior. Dentro do apanhado geral de trechos referentes a religião que retirei da obra é uma escrita recorrente, mesmo quando da classificação que realizei sobre o clero secular, não houve como fugir deste papel para o padre por exemplo. Outra abordagem recorrente também esta no processo de formação da população de colonizadores, pautada na doutrina católica em que o inimigo comum de todos, sendo estes católicos, é o infiel ou herege. O que aparentemente faz com que se tenha uma visão de que Freyre tentou amenizar o choque entre os povos através de passagens no texto que indica não haver no pensamento português a preocupação com as características físicas e culturais diferentes, mesmo porque este povo europeu também anteriormente ao período de colonização do Brasil manteve contato com outros povos diferentes em cultura dos europeus e por já ter se miscigenado, tendo o autor traçado brevemente a trajetória deste processo. Acredito que a importância do estudo desta matriz da religiosidade brasileira com base nesta obra e na trilogia de Freyre, esta em compreendermos o catolicismo que agiu inicialmente no Brasil como sendo um catolicismo português, próprio de uma serie de influencias e que esta intimamente imbricado com a cultura portuguesa e que se rearranja ao entrar em contato com outras culturas. Além disto, a tentativa de identificar uma matriz passa por uma serie de escolhas que podem nos levar a diferentes caminhos, acredito, portanto que um trabalho como este sirva somente como ação inicial e de orientação para algo mais especifico a qual podemos fazer como componente de origem para uma problemática atual por exemplo. AGRADECIMENTOS Agradeço a PUC Campinas e a FAPIC pela oportunidade de conhecer o processo da pesquisa e de ampliar meu saber em torno do que é a nova Ciência da Religião, além do tema especifico aqui tratado. Agradeço pelos mesmo motivos meu orientador, João Miguel Teixeira de Godoy que além de tudo me auxiliou neste processo. REFERÊNCIAS [1] MAIO, M. C. . O dilema entre o inferno e o paraíso. História, Ciências, Saúde-Manguinhos (Impresso), v. 2, p. 155-158, 1995. [2] Joseph Arthur de Gobinneau teórico eugenista, pretendeu indicar um remédio para a solução do país. Propôs em encontro com D. Pedro II, a emigração europeia para o Brasil com intuito de miscigenar o já mestiço povo brasileiro com os europeus de forma a redimir o país do que pra ele seria um futuro degenerado. [3] CONCEIÇÃO, G. H. ; FAINELLO, CLAUDIA ; SCOLARO, JULIAN MONIKE NAZARIO ; FÉLIX, TATIANE DE LARA ; BORGES, ROSANE ARMINDO VIEIRA . ASPECTOS POLÍTICOS NA OBRA CASA GRANDE E SENZALA . 2008. (Apresentação de Trabalho/Simpósio). [4] FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. Editora Livraria José Olympio, Rio de Janeiro, 1961, 1º Tomo, 10ª edição brasileira (11ª em língua portuguesa). [5] FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. Editora Livraria José Olympio, Rio de Janeiro, 1961, 1º Tomo, 10ª edição brasileira (11ª em língua portuguesa). [6] FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. Editora Livraria José Olympio, Rio de Janeiro, 1961, 1º Tomo, 10ª edição brasileira (11ª em língua portuguesa). [7] FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. Editora Livraria José Olympio, Rio de Janeiro, 1961, 1º Tomo, 10ª edição brasileira (11ª em língua portuguesa), p.152.