O CORPO FEMININO DE ONTEM E DE HOJE: PARTINDO DE GILBERTO FREYRE1 MORÃO, Ludmila DUARTE, Cátia Pereira Universidade Gama Filho/Lires - GEEFSS Resumo: O objetivo do estudo é analisar os papéis da mulher no espaço público e privado, verificando até que ponto o sistema patriarcal foi e é capaz de legitimar nos corpos sociais as suas identidades. O material de pesquisa foi o capítulo específico “A Mulher e o Homem”, na obra Sobrados e Mucambos” de Gilberto Freyre, (1961). Ao analisar a história, a reconstruímos com o olhar de hoje e percebemos que, a sociedade patriarcal calava o corpo das mulheres, e que, embora transformações radicais tenham ocorrido nos corpos femininos, a submissão ainda aparece como símbolo. Palavras-chave: corpo, mulher, patriarcalismo e submissão. Abstract: The objective of this study is to analyze the role of women in the public and private space, and to verify the degree with which the patriarchal system is able to legitimate their activities in social bodies. Data come from the chapter ¨the woman and the man” in Sobrados e Mucambos, of Gilberto Freyre (1961). When we look at historical facts, and reconstruct them with contemporary vision, we may perceive that patriarchal society used to make women silent and that, although radical transformation hat occurred in the feminine body, submission is still a symbol for women. Key-words: body, woman, patriarchalism and submission. I. Introdução Muitos estudos de natureza sociológica que retratam o período correspondente ao século XIX no Brasil e servem como fonte teórica e histórica para as discussões de gênero na sociedade brasileira. É o caso da obra “Sobrados e Mucambos” de Gilberto Freyre (1961, 3ª ed.): uma descrição de natureza interpretativa, rica em detalhes e padrões comportamentais, que expõe a situação da mulher e do homem brasileiros no contexto patriarcal. De acordo com a descrição de Freyre, as bases conceituais do sistema se faziam presentes através do vestuário, dos costumes, da sexualidade e dos corpos com seus contornos e plasticidades que visavam demarcar hierarquias e classe social. A partir da discussão do capítulo “A Mulher e o Homem”, na obra “Sobrados e Mucambos”, duas questões nos desafiaram e nos levaram a continuar buscando um entendimento mais circunstancial do significado incontestável das influências de Freyre no imaginário da sociedade brasileira, foram elas: De que maneira o patriarcalismo Freyriano constrói as representações do feminino na sociedade brasileira do século XIX? E, a segunda, com ênfase nos espaços público e privado, tentar revelar, como as representações construídas no século XIX reagem à modernidade da mulher na sociedade contemporânea? Acreditamos que resgatar a construção da mentalidade Freyreana sobre as representações do corpo da Mulher brasileira do século XIX e comparar com as construções do Brasil contemporâneo, do final do século XX e início do século XXI, têm uma relevância indiscutível para a compreensão dos fenômenos que permeiam os corpos sociais supervalorizados hoje por suas formas, capacidade e aparências sadias. Analisar e interpretar na obra, os papéis da mulher no espaço 1 Este trabalho foi desenvolvido no Laboratório do Imaginário e das Representações Sociais (Lires) pelo Grupo de Estudos de “Gênero, Corpo e Sociedade”, que integra os Cursos de Mestrado e Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Gama Filho, coordenado pela professora Dra. Ludmila Mourão e que tem como integrantes os mestrandos, Cátia Pereira Duarte, Ana Cristina Pais de Sá Oliveira, Juliana S. Costa, a doutoranda Sissi Aparecida Martins Pereira, a professora do Curso de Graduação em Educação Física Ms. Gabriela Aragão Souza de Oliveira e o bolsista de Iniciação Científica Felipe Lucero Chaves. público e privado, verificando até que ponto o sistema patriarcal é capaz de legitimar nos corpos sociais - as suas identidades - limitando a mulher ao espaço do privado e ampliando ao homem o domínio do público, é um dos objetivos do estudo. A forma de trabalhar com o texto, nos possibilitou a partir da história, reconstruir com o olhar de hoje as representações, sobre as quais vinha sendo construído o papel da mulher na sociedade. Entendemos que “as banalidades do passado são feitas de pequenas particularidades insignificantes que, ao se multiplicarem, acabam por compor um quadro bem inesperado”, (Veyne, 1995, p.13), esta foi a concepção que nos guiou no estudo. O material de pesquisa foi o discurso produzido por Gilberto Freyre na obra intitulada “Sobrados e Mucambos” (1961, 3a. edição), tendo como capítulo de referência específica do estudo “A Mulher e o Homem”. Utilizamos também, outros autores que nos deram suporte de interpretação e referências contextuais e históricas da época. A discussão que se realizou, teve como categoria central de análise as produções simbólicas associadas ao patriarcalismo, e como categorias laterais o trabalho doméstico e extradoméstico, a sexualidade e a moda na construção das representações do corpo feminino na sociedade brasileira do século XIX e suas reatualizações no fim do século XX e início do século XXI. Este desejo de tornar dito e visível o corpo da mulher, foi historicamente objeto de prazer de outros. E por isso nossa opção, busca, a escrita de um homem que através dos seus textos delineou este corpo de prazer do ser miscigenado. II. Os sentidos de sexualidade em Freyre A supremacia do médico sobre o confessor na vida da família brasileira esboçada desde as primeiras décadas do século XIX veio marcar fase nova na vida da mulher, comprimida moral e fisicamente pelo regime patriarcal. Vários são os sentidos de sexualidade na obra de Freyre, aqui apresentamos a representação da normatização que tem nos médicos suas maiores referências. A construção de uma “sexualidade normatizada” é referenciada nas teses produzidas pela Faculdade de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro nos séculos XVIII e XIX. Este grupo de intelectuais institui através de seus discursos, uma sexualidade de que falam e não a representam fielmente. Estabelecem com a sociedade uma relação de poder pelo saber, já que os saberes, como nos coloca Foucault2, configuram os objetos de que falam transformando-os em verdade. Neste sentido encontramos a sexualidade normatizando, condutas comportamentos, gestos, sexo, de forma invisível. O corpo feminino contido revela nos seus gestos apertados e leves a representação da moral rígida, que espera da mulher, a passividade e um padrão de moral que designa para o sexo feminino as representações do “belo sexo”, do “sexo frágil”, “e das “restrições corporais”, incutindo na mulher de senhor de engenho e de fazenda, e mesmo da iaiá iaiá de sobrado, no Brasil, um ser artificial, mórbido, que segundo (Freyre 1961, p.94) podia-se representar como, “uma doente, deformada no corpo para ser a serva do homem e a boneca de carne do marido”. Ao homem era permitido, segundo Freyre (1961): “todas as oportunidades de iniciativa, de ação social, de contatos diversos, limitando as oportunidades da mulher ao serviço e às artes domésticas, ao contato com os filhos, a parentela, as amas, as velhas e os escravos (...) e uma vez por outra, ao contato com o confessor” ( p.93). Em relação a figura do confessor, citamos a expressão utilizada por Freyre, “cristianismo fálico”, para representar as características do tipo de religiosidade portuguesa praticada no Brasil. As características deste tipo de cristianismo refletem uma familiaridade exagerada no trato com os santos e uma intimidade conhecida através de rituais quase profanos, praticados sobretudo no interior da igreja. Freyre destaca que esta prática fazia parte da política imperialista portuguesa, procurando propagar junto aos povos conquistados um cristianismo menos ortodoxo. Por outro lado a miscigenação racial, evoca outra representação de sexualidade, permeada pela sensualidade, prazer, quente, tropical, lúdico, pelo gosto temperado (afrodisíaco e associado ao prazer sexual); esta representação está presente no público e no privado, na casa-grande e na senzala, e mais tarde nos sobrados e nos mucambos, espaços de experimentação dos sentimentos coletivos e de socialização. 2 Foucault, M. História da sexualidade I. A vontade de Saber. Rio de Janeiro: Graal, 1988, 12a. ed. Aparecendo como transgressoras encontramos também mulheres fantásticas e criadoras que fugiram as regras e foram capazes de governar, como foi o caso de, D. Brites mulher de Duarte Coelho. Destaca-se também neste sentido às mulheres que tinham energia social para dirigir a política partidária da família, energia guerreira, como a das matronas pernambucanas, e outras que dirigiam as fazendas e davam ordens, ainda que com os seus colares de ouro pendurados no pescoço. Contudo, o discurso de Freyre, nos aponta para uma maioria que tinha na decisão do patriarca seu destino. Na transação do casamento o pai encomendava sua filha ao cônjuge, como quem realiza um negócio entre dois chefes de família. A submissão era mais do que total, só se esperava da mulher atitude e comportamento de satisfação por ter-se concluído sua razão de estar entre os homens. Sujeito de seu destino havia sido aquele que decidiu sobre a vida da filha, certo de que por ela estava fazendo o melhor. Na interpretação de Freyre a sexualidade se apresenta de maneira ambígua. Ora é representada em seu caráter normativo, disciplinador, capaz de a todos e a tudo dominar. Mas também é percebida, de maneira positiva, isto é como aquilo que permite miscigenar e socializar os mais antagônicos extremos sociais, em relação harmônica na casa-grande e na senzala. III. Moda e aparência construídas na hierarquia o corpo polido Estudantes recém-chegados da Europa, trazendo novidades da França, incentivavam novos padrões de comportamentos, caracterizando o Brasil no século XIX, de acordo com a europeização da moda, desde o mobiliário até os mais modernos tratamentos de beleza e convívio social. Com isto, os homens por sua vez tentando parecer mais masculinos buscavam também através dos cortes de cabelo, barba, bigode e nas roupas, ostentar suas riquezas para conquistar as mulheres e mostrar sua masculinidade superior quando comparada aos atores de teatro que naquela época, por cuidarem de sua aparência física, por terem a pele lisa e barbeada e cabelos bem cortados eram tidos como efeminados ou maricas. Através do vestir, as diferenças de raça também apresentavam uma forma de domínio. Os negros tentavam se igualar aos brancos usando roupas de tecidos e cortes semelhantes, embora fosse proibido aos negros e aos escravos o uso de jóias e de tetéias de ouro, “que era para ficar bem marcado no trajo a diferença de raça e de classe”(Freyre, 1961, p.101). Os brancos para mostrar seu domínio e sua superioridade exageravam nos penteados e roupas, estes também marcavam diferenças em relação a mulher, por certas ostentações de virilidade agressivas no trajo, nas boas maneiras, no vozeirão, ao mesmo tempo de macho e de senhor, mas diferenciando-se do escravo pelo excesso quase feminino de ornamentação que caracteriza-se sua condição hierárquica de dono. O papel dos homens e mulheres brancas produzido no sistema patriarcal era baseado em diferenças físicas, no entanto, entre homens e mulheres negros, tais diferenciações não existiam. Neste contexto de relação entre os brancos, as submissões femininas físicas começaram a ser questionadas, fazendo com que o sistema discriminatório sofresse críticas, visto que o corpo ideal estava relacionado às ornamentações de vestidos e coletes apertados, e que por conta destes exageros exigidos às mulheres, muitas vezes ocorriam doenças pulmonares e mortes. Começavase com estes questionamentos, através dos moralistas, a defesa dos direitos femininos em relação a sua saúde física e sexual. Além da preocupação com a saúde feminina, os moralistas lutavam pelo casamento fiel, onde os homens deveriam se envolver apenas com suas mulheres dignas, pois as relações extras poderiam trazer outras doenças bactericidas e virais. Vale salientar que casamentos com mulheres ex-prostitutas não eram reconhecidos pela sociedade, tal que os filhos de uma relação conjugal deste tipo eram rejeitados. Assim, observa-se que o princípio que ligava o homem a obrigação de não ter parceira fora do casamento era diferente do da mulher, pois estando sob o domínio do esposo não poderia envergonhá-lo. No caso do homem é porque este exercia o poder e deveria dar provas de domínio de si nesta prática social, logo deveria restringir as escolhas sexuais num jogo onde cabia ao homem impor respeito ao seu casamento. A partir da evolução da ciência, os padrões de comportamento defendidos pela religião foram questionados, ocorrendo buscas sobre os significados do sexo, com intensa análise das diferenças sexuais e com obsessiva classificação das perversidades sexuais. A organização religiosa, o médico de família (final do século XIX), o marido, todos exerciam uma influência considerável sobre a mulher, tornando-a pressionada, coagida. No entanto, o médico ocupou o espaço do confessor e passou a cuidar das mulheres com mais atenção e carinho. Estas por sua vez, encontraram na figura do médico, o homem a quem confiar suas intimidades e suas angústias, surgindo então as histórias de adultério levando estas mesmas mulheres aos castigos executados pelos maridos feridos na sua honra de donos ou proprietários de suas mulheres. O médico do séc. XIX buscava entre outras coisas, formar um indivíduo eugênico e civilizado. IV. Nas brechas as mulheres vão exigindo novas formas de conduta A cultura social do vestir-se impecavelmente e do bom comportamento potencializava a falta de higiene e as deformações não só do corpo como também da alma. Freyre (1961), comenta que além disso, a mulher era vulnerável a uma vida sedentária e sem prazer, e para escapar de possíveis rituais estéricos provocados pela vida restritiva que levavam, encontrou no ato de confessar ou no de conversar com determinados homens em que isso era possível, primeiramente os padres e posteriormente os médicos, um escape para se livrar da solidão e aceitação da moral estabelecida. Dialogando sobre assuntos mais íntimos de sua sexualidade, muitas vezes tal abertura era confundida, gerando casos secretos reais e imaginários entre às mulheres os padres e posteriormente seus médicos confidentes. No decorrer da história estes valores mudaram de acordo com as relações políticas, religiosas e econômicas, como no caso da sociedade feudal, onde a mulher herdaria bens e títulos, modificando a estrutura social no momento que a conquista de terra gerava prestígio. O fato das mulheres herdarem e possuírem terras dava-lhes uma importância social sem precedentes, já que nas “brechas” ela se via com oportunidades de mostrar competência nos negócios e assim adquirir maior representação social. Com o passar do tempo e a partir destes fatos, a figura da mulher foi se libertando da excessiva autoridade patriarcal rural, elevando-se jurídica e moralmente a uma autoridade patriarcal urbana, graças a uma nova constituição familiar baseada no afeto e amor que começava a gerar poderes às mulheres, permitindo que estas interagissem nas escolas, nos consultórios médicos e na Igreja, comparando os próprios direitos e deveres nos espaços público e privado. Como a mulher se via diante de poderes patriarcais jamais discutidos, quando pôde experimentar estas vivências, ousou muitas vezes demasiadamente, sendo desrespeitada por alguns atos, como no exemplo das fugas destas mulheres com homens negros sem prestígio. Assim, a autoridade paterna começa a perder seu domínio e a dissolução dos vínculos familiares começa a decair. Para Freyre (1961), a busca de reconhecimento das mulheres e dos negros exigia novos padrões de comportamento já que não se sustentava os padrões antigos, no entanto nos livramos mais rapidamente dos preconceitos da raça do que dos de sexo. Contudo, a família do século XIX talvez não fosse somente monogâmica e conjugal, mas também uma rede de prazeres e poderes articulados, já que neste momento se questionava a masturbação, a sexualidade infantil, os medos de traição para com as serviçais, os métodos de vigilância dos pais a tudo que os filhos e as filhas realizavam, sem muita discussão explicativa. A partir daí muitos casais melhoravam o relacionamento, as interações e as formas de agradar, ao mesmo tempo que estavam sendo agradados. Sem dúvida coube às mulheres esta maior dedicação, já que como dominadas pelo sistema, deveriam conquistar seus parceiros de forma que se mantivessem fiéis aos seus relacionamentos. V. O século XX apresenta a modernidade e reatualiza a submissão com diferentes usos pela mulher No século XX segundo Highwater (1992), as relações afetivas são tratadas como preservação dos familiares, assim são numerosos os estudos a indicar que é particularmente o corpo da mulher que serve de símbolo coletivo dos importantes marcos fronteiriços que separam o grupo familiar dos estranhos. Normalmente, o isolamento vigiado das mulheres representa a privacidade do grupo, por isso, a castidade feminina é justificada como uma forma de proteção contra a evasão de “estranhos” numa sociedade baseada no parentesco, na qual assumem grande importância as linhas claras de descendência biológica. Assim, diz-se freqüentemente, que a sociedade moderna tentou reduzir a sexualidade ao casal heterossexual e legítimo, fazendo com que as construções das identidades do século XIX fossem superadas, quanto às modas, às oportunidades de trabalho e as escolhas de parceiros. Podemos também dizer que a modernidade inventou, ou pelo menos organizou cuidadosamente e fez proliferar segundo o mesmo Highwater (1992), grupos com elementos múltiplos e sexualidade em duplo sentido, podendo ocupar a posição por livre arbítrio; sexualidades parceladas, toleradas ou encorajadas. Como retrato da atualidade percebemos que os prazeres imediatos estimulam os indivíduos a sanarem seus desejos de diferentes formas, sendo uma das mais expressivas, o consumo de acessórios (roupas, enfeites, cremes) e as agressões (cirurgias, pircings) para embelezar o corpo. A cumplicidade dos cônjuges foi amenizada para as mulheres a partir dos anos 60 como lembra Silva (1995), com o emprego da pílula anticoncepcional, quando aumenta o controle de sua própria sexualidade, quando a política do corpo fica a seu arbítrio, permitindo-lhe liberdade de decidir sobre sua reprodução e porque não dizer maiores prazeres na vida pública, nos espaços onde viesse trabalhar e/ou freqüentar, e na vida privada com a família e com os compromissos domésticos. Em compensação, para os homens ocorreu o processo inverso, a cumplicidade ficou abalada, devido às desconfianças da vida pública de suas mulheres. No entanto, o fato dos homens precisarem da ajuda econômica das companheiras para manterem uma razoável qualidade de vida para seus descendentes, os envergonhava e os intimidava nos momentos prazerosas do casamento. Logo, geralmente procurando outras relações sexuais - não dependentes deles sob os seus pontos de vista - estes homens se auto-afirmaram e se auto-afirmam enquanto sujeitos provedores, idéias construídas no seu imaginário através do processo histórico. É claro que esta relação não pode ser tão simplista, no entanto talvez seja a base para uma maior compreensão dos desajustes nos casamentos, considerando que a traição nos remete a posse, e esta é tradicionalmente relacionada com o poder de uns sobre outros, relacionada com a dominação da sexualidade do homem sobre a da mulher, determinada ainda pelas representações simbólicas antigas, demonstrando que estas mulheres ainda se referenciam na masculinidade para conquistar novos espaços públicos pois, “a corrente da igualdade não varreu, contudo, a dissimetria profunda entre homens e mulheres na atividade sexual. Quando da realização do ato físico, desejo e excitação física continuam percebidos como domínio e espaço de responsabilidade masculina. O casal raramente conhece a existência e a autonomia do desejo feminino, obrigando-o a esconder-se atrás da capa da afetividade” (Del Priore, 2000, p.11) Nesta perspectiva, os casais não dialogam, reproduzindo os medos e preconceitos históricos em relação às suas sexualidades (tão subjetivas), fato que reproduz a banalização da mesma, sem maiores questionamentos. VI. Considerações finais Os resultados apontam que o controle exercido sobre a mulher é legitimado pelo regime patriarcal apoiado em conceitos que estabeleceram uma sociedade hierarquizada na divisão de classes e na ordem do gênero. Em relação a sexualidade encontrou-se no discurso de Freyre, um remanejamento de sentido dado aos prazeres, deveres, sentimentos, sonhos, interpretados pelas instituições religiosas, políticas e médicas. Diagnosticando as conquistas femininas a partir da análise do texto de Freyre em comparação com o olhar do hoje, identificamos também algumas armadilhas nesta trajetória. Os corpos femininos eram moldados pelos espartilhos, que tinham seu uso estimulado pela moda pois ressaltava os seios e os tornava provocativos e estes favoreciam a sensualidade feminina embora as causasse sérias enfermidades. Mas não podemos deixar de apontar as transformações radicais que sofreram os corpos femininos no Brasil do século XIX em relação ao Brasil do século XXI. Seus corpos que exibiam uma gordura flácida, que eram inativos, e que conseguiam suas formas pelo uso de indumentárias sufocantes, foram substituídos pela magreza, pela destreza cotidiana e suas formas são trabalhadas através de exercícios e de estéticas como a lipoaspiração, cirurgias plásticas e das diferentes técnicas de retoques das rugas. Os homens são hoje também usuários destas formas de garantir a sua aparência jovial e assim como a mulher estão se tornando escravos da balança e do espelho e de certa forma estão tentando salvar seus corpos da rejeição social. Hoje, a mulher brasileira, que de forma fantástica veio construindo sua emancipação social, mantém-se objeto de submissão pela mídia, mas com possibilidades hoje de utilizar do processo de dominação para dominar. Em relação ao trabalho, a profissionalização trouxe a independência econômica, mas associado a ela o estresse a fadiga a exaustão são ingredientes do cotidiano feminino hoje, que inclusive já eleva as estatísticas de infartos e problemas nervosos. Assim, a sociedade patriarcal calava as mulheres em todos os sentidos: na educação, na política, na economia e na religião, eram impedidas de sentir, pensar e agir com os seus corpos, ao mesmo tempo que liberava os homens em todos os sentidos: eram ativos na política, na economia, na religião, no prazer e na beleza. Comparando este levantamento com o século XX, temos um avanço surpreendente em relação à mulher e alterações muito sutis em relação ao homem. VII - Referências Bibliográficas DEL PRIORE, Mary. Corpo a corpo com a mulher: pequena história das transformações do corpo feminino no Brasil. São Paulo: Editora SENAC, 2000. ________, Histórias do Cotidiano. São Paulo: Contexto, 2001. FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade 1: a vontade de saber. 12a ed. Rio de Janeiro: Graal, 1997. ________, História da Sexualidade 2: o uso dos prazeres. 7ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 1994. ________, História da Sexualidade 3: o cuidado de si. 1ª ou 5ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 1985. FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos. 3a. ed. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1961. HIGHWATER, Jamake. Mito e sexualidade. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 1992. SIEBERT, Raquel Stela de Sá. As relações de saber-poder sobre o corpo. In: ROMERO, Elaine (org.). Corpo, mulher e sociedade. Campinas: Papirus, 1995. SILVA, Maritza Maffei da. Mulher, identidade fragmentada. In: ROMERO, Elaine (org.). Corpo, mulher e sociedade. Campinas: Papirus, 1995. Páginas, 109-124.