Ano 8 • nº2056 Dezembro/2014 Januária Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Cooperativa de agroextrativistas valoriza a biodiversidade do Cerrado e estimula o desenvolvimento rural sustentável Situada na região Norte de Minas Gerais, a Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas de Pandeiros (Coopae) reúne cerca de 20 participantes diretos que produzem polpa de frutos do Cerrado, tais como pequi, caju, cajuí e cagaita; mel, óleo de pequi e de semente de sucupira; castanha, farofa e condimento a base de pequi; e licor de jenipapo. Além disso, coletam no campo a fava d'anta, de onde se extrai a rutina, substância com propriedades medicinais amplamente utilizada por laboratórios nacionais e estrangeiros. Extração do caroço do pequi, cuja polpa é saborosa e rica em óleo insaturado, vitaminas e sais minerais A cooperativa está localizada na Área de Proteção Ambiental (APA) da bacia do rio Pandeiros, que integra a bacia do rio São Francisco. Essa APA tem quase 400 mil hectares, o que lhe rende a posição de maior unidade de conservação do estado de Minas Gerais, e está inserida em uma região caracterizada pela diversidade de povos, costumes e saberes tradicionais. Comunidades de veredeiros, geraizeiros, chapadeiros, ribeirinhos e quilombolas ocupam o território há séculos e empregam os recursos naturais do Cerrado de maneira sustentável – com os conhecimentos tradicionais desenvolvidos. “Ao utilizarmos frutos e plantas da região, valorizamos os produtos e conhecimentos locais e o desenvolvimento rural sustentável, uma vez que a quantidade excedente não mais será desperdiçada, e sim transformada em fonte de renda”, pontua o presidente da Coopae, Ailton Fernandes, se referindo à terra coberta por frutos que acabavam se perdendo por falta de destinação. Segundo ele, a quantidade excedente era tão grande, que nem os animais silvestres que se alimentam desses frutos conseguiam prevenir o desperdício. Envasada como conserva, a polpa de pequi pode ser consumida o ano todo | O mel de aroeira produzido pela Coopae tem propriedades antibióticas Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Conhecida como ‘pantanal mineiro’, a região de Pandeiros tem paisagens encantadoras, infelizmente ameaçadas pela degradação ambiental A criação da Coopae, em 2008, foi fomentada pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF) – Área de Proteção Ambiental Pandeiros, no contexto do Projeto Pandeiros, lançado em 2004. A iniciativa pioneira tinha o objetivo de criar alternativas de renda para comunidades dos municípios de Bonito de Minas, Januária e Cônego Marinho, que viviam da produção do carvão de vegetação nativa para siderúrgicas. Essa atividade impacta de forma negativa no meio ambiente e na sociedade, pois promove o desmatamento, diminuindo a água das nascentes e extinguindo a mata original; poluição do ar; mão de obra escrava; trabalho infantil; doenças respiratórias causadas pelos gases, vapores de água e líquidos orgânicos que são liberados, restando como principal resíduo o alcatrão. Laurimar de Jesus, mais conhecido como Bauzinho, da comunidade do Traçadal, trabalhava com a extração de vegetação nativa do Cerrado para produção de carvão. Com a proibição da prática, perdeu o emprego e voltou a direcionar seus esforços ao cultivo da roça de sua família e à produção de farinha de mandioca para venda na região. Ele passou a fazer parte da Coopae assim que essa nasceu, e entre 2010 e 2014, liderou a cooperativa como presidente. Hoje, ele é um dos principais produtores de polpa de pequi. Além de agricultor, Bauzinho se consagrou como poeta e contador de ‘causos’ dos festejos das comunidades locais. É autor de 18 poemas que sabe “de cor e salteado” e de mais de 80 edições de cordéis. A preservação da natureza e fatos do cotidiano são temas recorrentes nas obras de Bauzinho História similar é a de José Gomes Lira, da comunidade de Barra de Mandins. Nego de Joel, como é conhecido, trabalhou até 2008 com a extração de eucalipto para produção de carvão vegetal. Nesse ano, as empresas ligadas ao negócio foram obrigadas a fechar as portas, o que deixou muita gente sem trabalho. Foi nessa época que se tornou apicultor e, em 2011, ingressou na Coopae. Hoje ele faz mel e é referência regional na produção de licor de jenipapo. “Fabrico duas versões; uma com açúcar e cachaça, para ser bebida, e outra com mel, que serve de xarope contra anemia profunda, gripe e alergias, para abrir o apetite e fortalecer a raiz do cabelo”, explica. Articulação Semiárido Brasileiro – Minas Gerais Uma história de resistência Com apenas dois anos de atividade, a cooperativa rapidamente atraiu mais de 130 agricultores. Em 2010, ano da extinção do projeto, esse número caiu para cerca de 20 cooperados, que hoje sustentam a Coopae e a c r e d i t a m n o s e u desenvolvimento. Ao lado de Bauzinho, Nego de Joel e Ailton, têm forte atuação na cooperativa, desde sua criação: Ione Gonçalves, funcionária do IEF Cooperados se reúnem, oficialmente, uma vez por mês e moradora de Pandeiros que oferece cursos de extrativismo; José Virgolino Oliveira Gomes (Dedé), da comunidade de Barra de Mandins, principal produtor de mel e fava d'anta da região; e o casal Conceição Imaculada (Cula) e José Antônio Guedes Alves (Cigano), habitantes de Cabeceira de Mandins e produtores de polpa de pequi, caju, cajuí, cagaita e mel. A cooperada Vicentina Bispo, ou Tina, como é conhecida, também faz parte da Coopae desde o início. Moradora de Januária, ela se ocupa da produção de doces, castanhas, farinhas, condimentos e óleos a partir do pequi, caju, cajuí e da semente de sucupira. Atualmente, a casa de Bauzinho é o local de trabalho do grupo, que conta com equipamentos de última geração para o processamento das polpas. Com o intuito de profissionalizar ainda mais o trabalho desenvolvido, os cooperados estão em busca de um local que possa se tornar a sede oficial da Coopae. “Estamos conversando com órgãos estaduais, entidades sem fins lucrativos e com o próprio IEF para termos um espaço que propicie o aprimoramento da nossa atividade”, conta Ailton. “A Coopae está crescendo e é preciso que a estrutura acompanhe esse desenvolvimento. Atualmente destinamos 80% da produção para a alimentação escolar, por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae)”, acrescenta. Cajuí, cajuzinho-do-cerrado ou cajuzinho-docampo são os nomes dados aos cajus nativos do bioma Cerrado Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Fé no campo Em meio a tantos agricultores experientes, uma das integrantes chama a atenção pela pouca idade e pelos olhos atentos. Ela é Luciana Ribeiro de Oliveira, da Comunidade das Tabocas. Desde julho de 2014 está aprendendo com os cooperados mais antigos como extrair polpas e armazená-las. A jovem de 23 anos teve uma infância dura. Foi obrigada a deixar a escola, aos 12 anos, para ajudar o pai na roça. Quem conhece essa menina esbelta de traços delicados mal imagina como era sua rotina até os 16 anos, idade em que se casou. “Acordava bem cedo para levar o gado para pastar, tirar leite das vacas, fazer queijo, alimentar as galinhas, capinar... A lista de afazeres era enorme!”, relembra. 2007: ano do casamento e do início de uma nova vida Mesmo tendo sido impedida de estudar para trabalhar na roça, Luciana não guarda rancor e não tem vontade de deixar o campo, o Norte de Minas, o Semiárido, para tentar a vida na cidade grande. Luciana com a filha Geovanna e o marido Edinei Em 2013, após participar do curso de Gestão de Recursos Hídricos, foi contemplada com uma cisterna de placas para captação de água da chuva para consumo humano. Isso facilitou a sua vida e a de sua família, uma vez que passaram a contar com água de qualidade bem ao lado de casa, e não mais a quilômetros de distância. Casada, mãe de uma filha de cinco anos, cursando o 8º ano do Ensino Fundamental, hoje diz ter recuperado sua juventude. “Está vendo esta foto aqui?”, pergunta, mostrando a carteira de identidade. “Fiz esse documento aos 16 anos. Na foto pareço muito mais velha do que hoje, não é mesmo?”. E ela tem razão. Além do trabalho junto à Coopae, Luciana se ocupa da criação de frango para venda e produção de ovos, em parceria com o marido Edinei Carneiro da Silva. Nas horas livres ensina sua filha Geovanna a ler e a escrever, deita-se na rede com olhar fixo no horizonte, e suspira aos risos: “Minha vida está boa demais... Eu não largo isso aqui é nunca!”. Realização Apoio O entardecer na Comunidade das Tabocas