Coletânea Luso-Brasileira
Volume 3
EDUCAÇÃO, GESTÃO DA INFORMAÇÃO
E SUSTENTABILIDADE
Organizadores
Francisco Alberto Severo de Almeida
Armando Malheiro da Silva
Mário José Batista Franco
Carla Conti de Freitas
Copyright © 2012 por
Francisco Alberto Severo de Almeida
Armando Malheiro da Silva
Mário José Batista Franco
Carla Conti de Freitas
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida sob quaisquer meios existentes
sem a autorização por escrito dos organizadores.
Este livro foi escrito por autores brasileiros e portugueses em suas línguas nativas. Em respeito a este fato, os
organizadores optaram por manter a linguagem dos capítulos tal como foi escrita.
Impresso no Brasil pelo SENAI Goiás
Editor: Faculdade de Letras da Universidade do Porto (Porto, Portugal)
Projeto Gráfico e Capa: Leize Oliveira Dias Bruno Carvalho
Tiago Alves Mota
Comitê Editorial
Prof.ª Dr.ª Fernanda Ribeiro
Prof. Dr. George Leal Jamil
Prof. Dr. José Luiz de Freitas Júnior
Prof.ª Dr.ª Maria Helena Guimarães
Prof. Dr. Manuel Ennes Ferreira
Prof. Dr. Manoel Pereira da Costa
E24
Universidade do Porto - Portugal
Universidade FUMEC, Minas Gerais, Brasil
Faculdade de Tecnologia SENAI de Desenvolvimento Gerencial – Goiás - Brasil
Escola de Economia e Gestão, Universidade do Minho - Portugal
Instituto Superior de Economia e Gestão, Universidade Técnica de Lisboa – Portugal
Diretor de Educação e Tecnologia SESI/SENAI Goiás - Brasil
EDUCAÇÃO, GESTÃO DA INFORMAÇÃO E SUSTENTABILIDADE.
FRANCISCO ALBERTO SEVERO DE ALMEIDA, ARMANDO MALHEIRO
DA SILVA, MÁRIO JOSÉ BATISTA FRANCO E CARLA CONTI DE FREITAS
(ORGS.). PORTO (PORTUGAL): UNIVERSIDADE DO PORTO, 2012.
323 P.
ISBN 978-972-8932-99-2
1. EDUCAÇÃO 2. INFORMAÇÃO-GESTÃO. 3. SUSTENTABILIDADE
I. ALMEIDA, FRANCISCO ALBERTO SEVERO DE...[ET AL.]. II. TÍTULO.
CDU: 37:504.06
Sumário
PREFÁCIO José Veiga Simão
INTRODUÇÃO Manoel Pereira da Costa
7
9
EDUCAÇÃO
Capítulo 1 - O MODELO QUADRIPOLAR APLICADO À EDUCAÇÃO
MEDIADA POR TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO:
UM ESTUDO EMPÍRICO Francisco Alberto Severo de Almeida, Armando Malheiro
da Silva, Antonio Teodoro Ribeiro Guimarães
11
Capítulo 2 - O PAPEL DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS E O
DESENVOLVIMENTO LOCAL Yara Fonseca de Oliveira e Silva, Carla Conti de
Freitas, Julia Paranhos, Lia Hasenclever
29
Capítulo 3 - ITINERÁRIOS DE APRENDIZAGEM
COLABORATIVA/
COOPERATIVA EM CONTEXTO ON LINE Sofia Sant’Ana Lopes Malheiro da
Silva
31
Capítulo 4 - A NOÇÃO DE COMPETÊNCIA E SUAS VÁRIAS IMPLICAÇÕES
Manoel Pereira da Costa retirar parentesis sumario
41
GESTÃO DA INFORMAÇÃO
Capítulo 5 - A GESTÃO DA INFORMAÇÃO COMO FERRAMENTA
ESTRATÉGICA DE GESTÃO DA ESCOLA SUPERIOR DE TECNOLOGIA E
GESTÃO DE ÁGUEDA Sónia Catarina Lopes Estrela
Capítulo 6 - FATORES QUE LEVAM AS ORGANIZAÇÕES A OPTAREM
OU NÃO PELA TERCEIRIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE TECNOLOGIA DA
INFORMAÇÃO Gislaine Fernandes, Rita de Cássia da Silveira Marconcini Bittar,
Oswaldo Luiz Agostinho
Capítulo 7 - REDES DE COOPERAÇÃO COMO UM MECANISMO PARA
O REFORÇO DA COMPETITIVIDADE TERRITORIAL: O CASO DA
ASSOCIAÇÃO QUALIFICA Manuel Belo, Mário José Batista Franco
Capítulo 8 - UMA POLÍTICA PÚBLICA DE INTELIGÊNCIA ECONÓMICA:
UM INSTRUMENTO PARA A COMPETITIVIDADE DAS EMPRESAS
PORTUGUESAS André Magrinho, Joaquim Ramos Silva, Mário José Batista Franco
113
135
151
175
Capítulo 9 - POR UM NOVO PROFISSIONAL PARA O SETOR DE
INFORMAÇÃO-DOCUMENTAÇÃO: COMPETÊNCIAS E ATITUDES
EXIGIDAS PELO MERCADO DE TRABALHO BRASILEIRO José Antonio
Moreiro González,Waldomiro Vergueiro
Capítulo 10 - INFORMAÇÃO, CONHECIMENTO E SERVIÇO PÚBLICO:
UM ESTUDO DE CASO EXPLORATÓRIO COM CONTRIBUTOS PARA
A GESTÃO DA INFORMAÇÃO E DO CONHECIMENTO NA CÂMARA
MUNICIPAL DE VISEU Sofia Vasques, Maria Manuel Borges, M. Cristina V. de Freitas
199
213
SUSTENTABILIDADE
Capítulo 11 - PRODUÇÃO DE BIOCOMBUSTÍVEL NO CERRADO
Christiano de Oliveira e Silva, Dimas Moraes Peixinho, Suzana Ribeiro Lima
Oliveira, William Ferreira da Silva
Capítulo 12 - INFLUÊNCIA DA POLÍTICA DE REGULAÇÃO
AMBIENTAL
NO
DESEMPENHO
ECONÔMICO
E
SOCIOAMBIENTAL DA INDÚSTRIA DE LACTICÍNIO EM GOIÁS BRASIL Francisco Alberto Severo de Almeida, Isak Kruglianskas, Antonio
Teodoro Ribeiro Guimarães, Felipe Martins Severo de Almeida
Capítulo 13 - MOTIVAÇÕES PARA O DESENVOLVIMENTO DE
CONTRATOS DE DESEMPENHO ENERGÉTICO NA UNIÃO
EUROPÉIA: UMA PERSPECTIVA DE COOPERAÇÃO EMPRESARIAL
Victor Santos, Mário José Batista Franco
Capítulo 14 - USO SUSTENTÁVEL E ECONOMIA RURAL NA ERA
DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS GLOBAIS: UM ESTUDO DO PEQUI
CARYOCAR BRASILIENSE EM MUNICÍPIOS BRASILEIROS João Carlos
Nabout, Jordana Moura Caetano, Maria Tereza Ribeiro Alves, Gislene Oliveira,
Mara Rúbia Magalhães
247
265
283
307
Prefácio
O livro “Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade”
conduz-nos, através de estudos de diagnóstico e prospectivos e
de experiências-piloto em espaços diferenciados, portugueses e
brasileiros, a reflexões úteis sobre novos conceitos e práticas em áreas
vitais do “conhecimento”, como alimento do “crescimento económico
e desenvolvimento cultural”. Assim acontece quando se analisam
modelos de educação mediados pelas tecnologias de informação e
comunicação e itinerários de aprendizagem colaborativa/cooperativa
em ambientes virtuais de construção do conhecimento. Assim acontece
ao sugerirem-se perspectivas de gestão da informação como ferramenta
de sucesso para o desenvolvimento de organizações e mecanismos
inovadores conducentes a terciarização de tecnologias de informação
para aumentos de competitividade organizacional. Neste contexto
compreendem-se melhor a natureza das mudanças permanentes na
cultura de profissionais da informação e documentação, adequadas à
evolução da sociedade do conhecimento.
Noutros capítulos deste excelente livro são tratados temas com óbvia
conexão com os anteriores, relacionados com a competitividade entre
nações no quadro do desafio da globalização. E assim a Universidade
emerge como actor estratégico do desenvolvimento, inserida numa
Hélice Tripla que privilegia espaços de cooperação entre o poder
político, o poder académico e o poder económico, em prejuízo das
esferas clássicas de competência; a inteligência económica, colocada no
coração da estratégia e das políticas públicas para o desenvolvimento,
aponta para a valorização da criação do conhecimento associada à
sua transformação em bens de riqueza económica e cultural, assente
em reformas estruturais, de modo a valorizar os activos de bens e
estratégias para atrair investimento estrangeiro; as redes de cooperação
estratégica dirigidas para a valorização dos aspectos distintivos e
diferenciadores dos territórios e para reforço da competitividade
territorial. Neste quadro, como era de esperar, clarifica-se a noção de
competência como conceito mais abrangente que a qualificação numa
lógica empresarial em matrizes de referência do condutivismo, do
funcionalismo e do construtivismo.
E por que, parafraseando Boltzman, a energia está na base do progresso
na vida humana e no centro de mudanças civilizacionais este livro
contem dois capítulos relacionados com o binómio desenvolvimentonatureza, um sobre a produção de energia através de biocombustível
(uma grande aposta na matriz energética brasileira) e outro relacionado
com a cooperação empresarial, associada a contratos de desempenho
energético como determinantes da competitividade regional.
E como era exigido o último capítulo ligado ao desenvolvimento humano
elucida-nos sobre o impacto de mudanças climáticas relacionado com
a disseminação de doenças e com a agricultura e a segurança alimentar
no mundo rural.
Em síntese, da leitura destes catorze capítulos autónomos, surgem
com naturalidade sugestões para o leitor sobre novos trabalhos de
investigação e demonstração, determinantes para a competitividade
entre nações, como sejam os binómios educação-formação, gestão
da informação-gestão do conhecimento e desenvolvimento-meio
ambiente. Como pano de fundo situa-se a questão da criação de
riqueza com o valor acrescentado para mercados em mudança, e,
naturalmente, a justa repartição dos rendimentos. Numa visão mais
longínqua verificamos que na base desta questão se encontram as
razões porque algumas nações são tão ricas e outras tão pobres.
David S. Landes responde a esta questão afirmando que “instituições
e cultura, primeiro; a seguir, o dinheiro; mas desde o princípio e cada
vez mais o factor essencial e recompensador cabe ao conhecimento”.
Eis o desafio permanente que se coloca ao Brasil, país do Futuro e
emergente no presente, a Portugal, país do Amanhã com Presente
incerto, e aos outros países de língua portuguesa, países da esperança,
alguns com sinais claros de forte desenvolvimento humano.
José Veiga Simão
Introdução
Ao se falar em educação, gestão da informação e sustentabilidade fala se
numa mudança de modelos mentais na busca incessante de passagem
de trabalhadores mudos a equipes falantes.
Max Weber assim se expressa: “O destino de uma época que comeu da
árvore do conhecimento é ter de... reconhecer que as concepções gerais da
vida e do universo nunca podem ser os produtos do conhecimento empírico
crescente, e que os mais elevados ideais, que nos movem com mais vigor,
sempre são formados apenas na luta com outros ideais que são tão sagrados
para os outros quanto os nossos para nós”.
A imagem do apertador de parafusos compulsivo, física e
psicologicamente deformado pela hiperespecialização da fábrica
taylorista, foi imortalizada por Charlie Chaplin, no filme Tempos
Modernos e, até bem pouco tempo atrás, dramatizou o modelo
de expectativas de desempenho associadas ao trabalho industrial.
Hoje, porém, verificam-se drásticas mudanças nesse cenário, com a
exigência crescente de um trabalhador pró-ativo e polivalente, capaz
de responder e, em alguns casos, até mesmo antecipar-se à volatilidade
do ambiente tecnológico e econômico e à realidade de equipes cada
vez mais enxutas para compensar, com ganhos de produtividade, o
estreitamento generalizado das margens de lucro.
A base técnico-científica da era mecânica teve seu desenvolvimento
acelerado em dois momentos de progressão, considerando-se a
estrutura básica de um equipamento genérico: transmissão/ferramenta/
controle. O primeiro momento foi quando, progressivamente, a
eletricidade (motores elétricos) tornou possível a separação entre
mecanismos de transmissão e a ferramenta da máquina, simplificando
os projetos mecânicos. Com o aparecimento da válvula, abriu-se a
possibilidade da separação do terceiro elemento, o controle.
No primeiro momento (transmissão), com a difusão do uso da
eletricidade e dos motores elétricos, houve a expansão da organização
e racionalização do trabalho, nos moldes tayloristas e fordistas,
incluindo a divisão de funções propagadas por Fayol – planejamento,
produção, manutenção – que caracterizaram a Era da Mecânica. Nessa
era o trabalhador semiqualificado desempenhava tarefas rotineiras
que não exigiam mais que uma preparação profissional elementar; o
trabalhador qualificado e o técnico desempenhavam uma gama mais
ampla de tarefas de maior complexidade, dentro de uma estrutura
relativamente fixa de qualificação.
No segundo momento (ferramenta), instaurado pelo aparecimento da
válvula e, posteriormente, com o uso dos dispositivos de estado sólido,
foi possível, progressivamente, separar o terceiro elemento da máquina
– o controle, que pode ser programável e que vai ser alimentado por
informações. É o advento da Era da Cibernética, que facilita e acelera o
“transporte” da informação, com profundas implicações na organização
do trabalho.
Vale, cada vez menos, o que a pessoa diz saber fazer e, cada vez mais, o
que ela é capaz de fazer em situação real de trabalho.
A produção em massa (ou em grande escala) perde o privilégio de
ser a grande diferença de competitividade predominante. A partir daí,
desestabilizaram-se os sistemas de produção de trabalho, entendidos
como “a combinação de tecnologias, de modos de organizar o trabalho
e de tipos de qualificação”.
Os gestores se aperceberam logo da produção em massa, em outras
economias, tornava a tecnologia, por si só, variável insuficiente para
garantir o diferencial de produtividade exigido pela concorrência.
O tempo de resposta das equipes de trabalho frente a uma meta a
cumprir passa a ser a variável estratégica,substituindo o controle dos
movimentos, da destreza e velocidade de operação do trabalhador
individual, relacionados à configuração de um posto de trabalho
homem-máquina. Essa tendência teórica é denominada de “sistemas
sócioprodutivos”.
Manoel Pereira da Costa
Capítulo 1
O MODELO QUADRIPOLAR APLICADO
À EDUCAÇÃO MEDIADA POR
TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E
COMUNICAÇÃO: UM ESTUDO EMPÍRICO
Francisco Alberto Severo de Almeida
Armando Malheiro da Silva
Antonio Teodoro Ribeiro Guimarães
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
A
12
compreensão do fenômeno da educação, mediada pelas
tecnologia da informação e comunicação, transcende os
preceitos culturais, econômicos e políticos que norteiam
os princípios e fundamentos relacionados à educação
tradicional. A Educação tradicional, com a sua organização didáticopedagógica rígida e com a estrutura espacial e temporal limitada ao
uso de infraestrutura física disponível, tem dificuldade para flexibilizar
e ampliar as ações de ensino. Entretanto, já o fenômeno da educação
à distância, mediada por tecnologia da informação e comunicação,
alicerça-se em paradigmas que dimensionam o processo de ensino
aprendizagem sob a ótica da educação sem fronteiras. Por isso, a
Educação à Distância firma-se como a alternativa viável para enfrentar
esse desafio da educação contemporânea de romper as barreiras de
espaço e tempo.
É a adoção da concepção de educação centrada na escola-função – a escola que
vai ao encontro do aluno onde quer que se encontre, com a flexibilidade das condições
de aprendizagem e fundamentos no auto-estudo, no estudo independente e orientado e
com respeito ao ritmo de cada um. (MAFRA, 1998). Por outro lado, democratiza o acesso
à educação a um número significativo de pessoas que não são assistidas pela educação
na modalidade presencial. Para Lobo (1991), a educação à distância é estratégica para
ampliar o acesso à educação, pois deve sedimentar e aprofundar o compromisso do projeto
pedagógico com o projeto histórico, político e social de uma nação.
Desta forma, hão de se pensar as contribuições que um modelo institucional de
educação a distância, via web, implementado em uma Instituição Pública de Ensino
Superior, traz para sedimentar e fortalecer as suas políticas educacionais. As contribuições
da Educação à Distância - EAD são importantes para vencer o obscurantismo social forjado
na falta de oportunidade de acesso à educação de uma parcela significativa da sociedade,
mediante a oferta de cursos de graduação, pós-graduação e de educação continuada. Há de se
pensar, também, na ampliação das novas fronteiras do conhecimento em relação às questões
relacionadas à aplicação de modelos de educação mediada pela tecnologia da informação
e comunicação, principalmente no que concerne à sua estrutura e funcionamento, desde
a definição das diretrizes metodológicas e dos conteúdos interdisciplinares das disciplinas
curriculares, à aplicação de recursos de multimídias, análise de consistência do material
didático até a inserção e aplicação, via ambiente virtual de aprendizagem.
Problema de pesquisa e objetivos
Os paradigmas da educação, mediada por tecnologia da informação e comunicação,
relacionados às questões de educação a distância, apresentam alguma associação com a
performance do sistema de educação a distância via web ?
Sendo este o problema ou a questão basilar da nossa pesquisa, fixamos como um
objectivo geral já acima expremo e objectivos específicos que importa especificar:
◊Analisar como os paradigmas da educação, mediada por tecnologia da
informação e comunicação, são percebidos pelos alunos de educação a
distância via web;
◊Analisar os efeitos da aplicação dos paradigmas da educação, mediada por
tecnologia da informação e comunicação, no sistema de educação a distância
da UEG;
◊Verificar como os elementos que compõem os paradigmas da educação,
mediada por tecnologia da informação e comunicação, relacionam-se com a
performance dos sistema de educação à distância via web da UEG;
◊Identificar aspectos dos paradigmas da educação mediada, por tecnologia da
informação, que possam ser objeto de aprimoramento das práticas de gestão
do sistema de Educação a Distância, objeto deste estudo.
O modelo quadripolar aplicado à Educação mediada por Tecnologia da
Informação e Comunicação: um estudo empírico
Neste contexto, as contribuições do presente estudo serão relevantes sob dois
aspectos: sob o ponto de vista de avaliar o desempenho da gestão de um sistema de Educação
via web e, também, no que se refere à aplicação de conhecimentos científicos baseados nas
abordagens da teoria de sistemas e do método quadripolar de investigação para explicar o
construto da educação mediada por tecnologia da informação e comunicação.
Com base neste cenário, é que se processa a investigação sobre o modelo de educação
a distância mediada por tecnologia da informação e da comunicação da Universidade
Estadual de Goiás (UEG), Brasil, centrado no construto de uma abordagem do método
quadripolar sob o enfoque da teoria de sistemas. Neste contexto, o objetivo da investigação
é aprofundar o conhecimento sobre a relação entre a educação mediada tecnologicamente e
a performance do sistema de educação à distância via web da UEG, com vistas a contribuir
para o avanço do conhecimento das Ciências da Informação e da Comunicação e verificar
como os elementos que compõem os paradigmas da educação, mediada por tecnologia
relacionam-se com a performance dos sistema de educação a distância via web da referida
universidade.
13
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
1. A Dinâmica Quadripolar: do método ao modelo
14
Com base no cenário exposto, ensaia-se algo que aguardava ser feito depois que três
autores canadenses ligados às Ciências da Educação adaptaram a este campo científico
a proposta pouco conhecida, se bem que não completamente ignorada, de três autores
belgas e publicada pelas credenciadas Presses Universitaire de France (PUF) em 1974 – a
proposta de um método pós-positivista e holítisco pensado para a investigação qualitativa
em Ciências Sociais e Humanas1. E o que aguardava ser feito era simplesmente converter
em modelo de aplicação a um construto estratégico – o Sistema de Ensino à Distância – as
traves-mestras da metodologia quadripolar.
Com efeito, em 1990, os referidos autores canadianos publicaram Recherche
qualitative: fondements et pratiques, traduzida para português e editada em 1994 pelo
Instituto Piaget (LESSARD-HÉBERT, GOYETTE & BOUTIN, 1994). O prefácio que
apresenta a obra sublinha que os autores se empenharam em trazer para uma discussão
profunda e séria a problemática da metodologia qualitativa, contrariando a ideia comum
de que a atividade científica que explora problemas sociais e humanos é uma atividade
“jornalística”, de “segunda categoria” ou até posta de lado sob pretexto de não ter ainda
demonstrado a sua “credibilidade científica”. Na Introdução os autores começam logo por
dizer que se interessam pelas questões metodológicas levantadas pela investigação qualitativa
no campo da educação. E na busca de respostas mais eficazes e eficientes enfrentaram o
debate epistemológico, urgente nesse campo, indo buscar a três autores
belgas uma grelha de análise que lhes permitissem organizar, enquadrar e aperfeiçoar
os dados relativos às abordagens qualitativas recolhidas no decurso da revisão de literatura:
essa grelha tem, pois, por base um modelo geral de compreensão da metodologia da
investigação. Trata-se do modelo quadripolar, ou seja, Paul De Bruyne, Jacques Hermam
e Marc De Schoutheete (1974) conceberam a prática metodológica como um espaço
quadripolar desenhado em um determinado campo de conhecimento.Eles situaram-se
em nível de uma metodologia geral, ficando-se mais pelas directrizes orientadoras e não
tanto pela inscrição numa perspectiva instrumental e tecnológica ou lógica, que reduziria
a investigação a um conjunto de procedimentos ou etapas lineares (como as sete etapas de
QUIVY; CAMPENHOUDT, 1998: 30).
1. Com quatro pólos: o epistemológico; o teórico; o técnico; e o morfológico. O processo de investigação desenvolve-se, pois,
a partir de um campo estruturado nesses quatro pólos ou diferentes instâncias metodológicas, que o submetem a exigências
próprias, sem se constituirem em momentos separados, antes articluando-se entre si em cada etapa de investigação alcançada
(ideia extraída da contra-capa - DE BRUYNE; HERMAN, Jacques; DE SCHOUTHEETE, Marc, 1974).
Figura 1 - A Quadripolaridade de um Método concebido para a investigação
qualitativa imprescindível nas Ciências Sociais, em cujo campo largo a Ciência da
Informação se insere
Antes dos canadianos, já o livro de De Bruyne e colaboradores tinha atraído a
curiosidade de investigadores e editores que o traduziram e publicaram no Brasil (DE
BRUYNE, HERMAN, DE SCHOUTHEETE, 1977), chegando à quinta edição em 1991
com o título traduzido literalmente da edição francesa: Dinâmica da pesquisa em ciências
sociais: os pólos da prática metodológica (Rio de Janeiro: Francisco Alves). Este sinal de
interesse pela proposta quadripolar culmina na publicação recente de um manual de
investigação de dois universitários brasileiros Gilberto de Andrade Martins e Carlos Renato
Theophilo concecbido para as Ciências Sociais Aplicadas (MARTINS, THEOPHILO,
2007). Na introdução do manual os seus autores falam de um “modelo paradigmático”
e salientam algo que é fundamental para se perceber a originalidade e importância da
proposta quadripolar de De Bruyne e colaboradores: a complexidade da problemática nas
Ciências Sociais Aplicadas impede que a investigação não seja reduzida a uma sequência de
operações baseadas em procedimentos ou etapas imutáveis. Pelo contrário, a construção de
um trabalho científico exige interpretações e voltas constantes entre as diferentes instâncias
dos vários pólos. Gilberto Martins e Carlos Theophilo (2007) aos quatro pólos conhecidos
decidiram acrescentar mais dois – pólo metodológico e pólo de avaliação -, num excesso
didáctico que não se justifica, mas que não cabe aqui discutir (MARTINS; THEOPHILO,
2007:4)
As vantagens da metodologia quadripolar decorrem do pensamento pós-positivista,
O modelo quadripolar aplicado à Educação mediada por Tecnologia da
Informação e Comunicação: um estudo empírico
Fonte: SILVA, 2002: 29.
15
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
16
sistémico e construtivista que lhe é subjacente e convém, por isso, que nos detenhamos um
pouco sobre a relação desta base filosófica com a necessidade de construirmos um modelo
flexível e holístico aplicável à EAD.
A Teoria Geral de Sistemas veio revolucionar a maneira de se conhecer e compreender
os fenômenos sociais. A principio é vista como o contraponto do pensamento lógico, que
se alicerçou nos princípios cartesianos da evidência, análise, síntese e de enumeração, na
representação de suas partes como o somatório que forma o todo. Entretanto, a teoria
de sistemas com os seus princípios fundamentados em conceitos de que o todo não se
constitui da simples somatória das partes, revoluciona a forma de pensar os fenômenos
sociais. A corrente da teoria de sistemas sustenta idéias contrárias a dialética cartesiana,
onde o todo é representado pelo conjunto de suas partes e as suas relações e interações
entre si e o ambiente (BERTALANFFY, 1975; CHURCHMAN, 1971; CAPRA ,1999 e
VASCONCELLOS, 2007).
Assim, o pensamento sistêmico é formado pela compreensão analítica do conjunto
das partes inter-relacionadas que constituem um processo dinâmico de interação entre as
diversas divisões que tem um determinado fenômeno. No pensamento sistêmico busca-se a
compreensão de um fenômeno a partir do todo que ele representa e não pelo comportamento
de suas partes, sendo, portanto, uma antítese ao pensamento cartesiano onde as leis que
governam o comportamento do todo são consideradas fundamentais (RAPOPORT, 1976,
p. 27). Le Moigne (apud VIEGAS, 1977: 8-23) apresenta um paralelismo entre a visão
cartesiana e sistêmica que retrata essa dicotomia.
Quadro 1 - Visão Cartesiana e Visão Sistêmica: um paralelismo
Todavia, a dualidade entre o pensamento cartesiano e o pensamento sistêmico, como
forma de pensar dos educadores, apresenta-se como uma barreira para a compreensão dos
fenômenos educacionais nas organizações modernas, principalmente quando se trata da
Educação à Distância. O universo das organizações modernas tem sua gênese no modelo
de pensamento cartesiano. Daí que ao se materializarem os processos educacionais em
modelos lógicos prescritivos, fundados nos preceitos da educação tradicional, bloqueiase a capacidade dos profissionais da educação compreenderem o universo da educação à
distância sob o prisma da abstração.
Pensar a EAD sob o prisma de uma dicotomia — da dialética cartesiana ou
sistêmica — transcende as perspectivas da compreensão dos fenômenos educacionais, pois,
procedendo assim, direciona-se o pensamento para a compreensão das realidades distintas
sob pontos de vistas específicos. O modelo lógico (cartesiano) descreve a realidade pelas
partes sem abranger o todo, portanto, é reducionista; já o modelo sistêmico amplia essa
abrangência pela visão do todo. Mas as duas abordagens muitas vezes não tornam possível a
operacionalidade dos modelos concebidos devido a incapacidade do educador de entender
e de construir as relações e interações dos fenômenos referenciados, seja pela descrição
lógica ou de uma abstração cognitiva de uma realidade observada. São construtos eivados
de um viés centrado na forma de pensar lógica com o substantivo (a razão) ou forma de
pensar abstrata como o verbo (agir) para conceberem seus modelos de gestão da educação.
As abordagens da educação e suas principais correntes ensejam essa dualidade: positivismo
versus construtivismo. Entretanto, faz-se mister entender essas diferenças metodológicas
dessa dualidade entre a dialética cartesiana e a sistêmica para a compreensão adequada dos
fenômenos relacionados à educação tradicional e à distância.
São, todavia, métodos científicos complementares na construção dos modelos
educacionais. Enquanto a abordagem sistêmica, pela sua interpretação das interações
orgânicas e sociais de determinados fenômenos, busca a compreensão do todo e permite a
construção de modelos abstratos que demonstram todas as interações entre um conjunto
hierarquizado de sistemas, a abordagem cartesiana, pela perspectiva substantiva da razão,
O modelo quadripolar aplicado à Educação mediada por Tecnologia da
Informação e Comunicação: um estudo empírico
Fonte: Viegas (1977, p.8-23)
17
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
18
permite a operacionalidade e a descrição desses modelos abstratos em representações
lógicas da realidade observada.
A necessidade de construção de um modelo que satisfaça esses requisitos filosóficos
essenciais leva-nos a entrar, finalmente, no texto da proposta quadripolar original com
uma brevíssima chamada de atenção para o Prefácio do professor da Universidade de
Louvaina, Jean Ladrière, que considerou o livro “obra de reflexão, esclarecimento de um
caminho, esforço prospectivo, contribuição à autoconstituição da razão científica, mas,
verdadeiramente, pensada. Por detrás do discurso sobre o método anuncia-se, a palavra
do fundamento” (DE BRUYNE; HERMAN & SCHOUTEETE, 1974: 19). E destaca um
aspecto relevante que não pode passar desapercebido: a conceção epistemológica subjacente
à proposta metodológica dos três autores não é a de uma doutrina analítico-normativa que
poderia se apresentar como espécie de cânone da razão científica. É, antes, uma tomada
de consciência metodológica que, por ser animada por um cuidado eficaz de radicalidade,
tende a estar sempre inacabada, a ficar suspensa de uma exigência indefinida de autocompreensão ou a permanecer sempre insatisfeita.
De Bruyne e colaboradores atacaram o problema delicado e central de discutir a
cientificidade das Ciências Humanas e Sociais, rompendo com o complexo que os praticantes
destas disciplinas se habituaram a sofrer em face do poder “objectivo e esmagador” das
ciências naturais, capazes de imporem critérios e formalismos metodológicos. A alternativa
não reside, segundo eles, na cópia, mas na busca de uma autonomia da pesquisa científica,
efectiva e própria, em articulação com o princípio construtivo da interdisciplinaridade.
Seguindo por aqui chegaram à ideia de que “a autonomia da prática científica, autonomia
cuja precaridade é aparente, pode ser concebida do ponto de vista metodológico como a
articulação de diferentes instâncias, de diferentes pólos determinando um espaço em que
a pesquisa se apresente como implicada num campo de forças, submetida a certos fluxos,
a certas exigências internas” (DE BRUYNE; HERMAN & SCHOUTHEETE, 1974: 34).
Distinguiram, por isso, quatro pólos metodológicos no campo da prática científica:
o epistemológico, o teórico, o morfológico e o técnico.
Segundo os autores, o primeiro e decisivo pólo em toda a dinâmica de pesquisa é o
epistemológico que “exerce uma função de vigilância crítica” (DE BRUYNE; HERMAN &
SCHOUTHEETE, 1974: 34). Ao longo da investigação, garante da objetivação – ou seja da
produção – do objeto científico, da explicação das problemáticas da pesquisa. Encarrega-se
de renovar continuamente a rotura dos objetos científicos com os do senso comum. Em
última instância, decide as regras de produção e de explicação dos fatos, da compreensão
O modelo quadripolar aplicado à Educação mediada por Tecnologia da
Informação e Comunicação: um estudo empírico
e da validade das teorias (DE BRUYNE; HERMAN &SCHOUTHEETE, 1974: 34).
Tem na sua órbita uma “gama de processos discursivos”, de “métodos” demasiado gerais
que impregnam com a sua lógica as iniciativas do investigador. São, nomeadamente, a
dialéctica, a fenomenologia, a lógica hipotético-dedutiva, a quantificação – processos que
não se excluem mutuamente, alguns até podem ser omnipresentes, outros podem nem
aparecer em pesquisas específicas.
O pólo teórico guia a elaboração das hipóteses e a construção dos conceitos. È o
lugar da formulação sistemática dos objetos científicos. Propõe regras de interpretação dos
fatos, de especificação e de definição das soluções provisoriamente dadas às problemáticas.
Lugar, enfim, da elaboração das linguagens científicas e que determina o movimento da
conceitualização (DE BRUYNE; HERMAN & SCHOUTHEETE, 1974: 35) e que é vizinho
de “quadros de referência” que fornecem inspirações e problemáticas provenientes das
contribuições teorético-práticas das disciplinas e dos “hábitos” adquiridos. Estes quadros
de referência desempenham um papel paradigmático implícito. Eis alguns: o “positivista”,
o “compreensivo”, o “funcionalista” e o “estruturalista”.
O pólo morfológico é a instância do enunciado das regras de estruturação, de
formação do objecto científico, impondo-lhe uma certa figura ou forma, uma certa ordem
entre os seus elementos. Permite colocar um espaço de causalidade em rede em que se
construam os objetos científicos, seja como modelos/cópias, seja como simulacros de
problemáticas reais (DE BRUYNE; HERMAN & SCHOUTHEETE, 1974: 35). Suscita,
também, diversas modalidades de quadros de análise, diversos métodos de ativação dos
elementos constitutivos dos objetos científicos: a tipologia, o tipo-ideal, o sistema, os
modelos estruturais. Estas diversas formas de configuração comprometem, na maior parte
dos casos, a pesquisa nas escolhas mutualmente exclusivas. A causalidade é pensada de
maneira particular em cada um destes quadros de análise.
O pólo técnico controla a recolha dos dados, esforça-se por constatá-los para pô-los
em confronto com a teoria que foi suscitada. Exige a precisão na constatação, mas não
garante, por si só, a exactidão (DE BRUYNE; HERMAN & SCHOUTHEETE, 1974: 3536). Estes modos de investigação indicam escolhas práticas pelas quais os investigadores
optam por um tipo particular de encontro aos fatos empíricos.
A interacção dialética dos diferentes pólos constitui a essência do Método proposto
que inspira concretamente a modelização que aqui opracionalizamos tendo em conta a
implementação aberta e sistémica da EAD. Método/teoria e modelo são conceitos distintos
e cabe, aqui, lembrá-lo sumariamente (SILVA, 2010).
19
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
20
No verbete modelo do DeltCI – Dicionário Eletrônico de Terminologia em
Ciência da Informação, a estratégia seguida estava limitada à partida pela meta que se
pretendia atingir no imediato: colocar o conceito operatório de modelo no arsenal teóricometodológico da Ciência da Informação, campo emergente e carente de apropriações
teórico-conceptuais, devidamente ajustadas aos seus temas e problemas específicos, e até
de formulações teórico-conceituais próprias. Para isso, convém partir do campo envolvente
das Ciências Sociais e estabelecer os elos e as especificações mais adequadas. No entanto,
a abordagem é demasiado curta e restrita, quando é certo que modelo e modelização
constituem um filão rico que acompanha o desenvolvimento científico desde meados do
séc. XIX, merecendo debates e reflexões epistemológicas aprofundadas.
E qual o panorama a este respeito? A escassez domina, ainda que date de 1969
um pequeno livro do filósofo francês Alain Badiou intitulado Le concept de modèle,
introduction à une épistémologie matérialiste des mathématiques (BADIOU, 1969),
que colocou o tema no campo das discussões sobre o projecto estruturalista nas Ciências
Sociais e Humanas e fez que o conceito de modelo chamasse a atenção para uma questão
filosófica essencial: a relação instituída pela Ciência Moderna entre epistemologia e
ontologia e que se multiplica em várias interrogações como sejam “que é um modelo?”,
“que “significa modelizar um problema?”, “estas expressões tem o mesmo sentido em lógica
que em física?”, “o mesmo sentido em biologia que nas engenharias?”, “o mesmo sentido
em climatologia que em economia?”, “o mesmo sentido nas ciências do ambiente que nas
ciências políticas?”. Na resposta a esta e a outras questões se desenlaça e se vai esclarecendo
os meandros da questão essencial acima enunciada.
Aqui importa, sobretudo, frisar a distinção entre teoria, modelo e método, sendo
que em Ciências Sociais conceber e operacionalizar um modelo não prescinde de uma base
teórica clara, assim como não se esgota numa praticidade meramente instrumental.
A teoria emerge como um instrumento de explicação geral dos fenômenos que
visa responder, uma vez corretamente formulada, a múltiplas questões relativas “sistemas
concretos diversos”, enquanto modelo cinge-se, com frequência, a objectivos precisos e
bem delimitados. Mas, como enfatiza o autor, numa grande parte da literatura científica
moderna, esbateu-se e até tende a desaparecer a diferença semântica, existindo, antes, uma
confusão para a qual muito contribuiu o empirismo, depois da Renascença, e o cepticismo
“que devia inevitavelmente resultar das conclusões duma boa parte da filosofia das ciências
e da epistemologia quanto à dificuldade de alcançar certezas indiscutíveis quando se trata
de conhecimentos científicos e da sua conformidade a uma realidade última e unívoca”
(DELATTRE, 1992: 270). O relativismo acabou propiciando o uso extensivo do termo
“modelo”, entendido, então, como “uma espécie de understatement do conceito de teoria”
(DELATTRE, 1992: 270).
Posto isto, em termos genéricos, sublinha-se que a metodologia quadripolar serviu
não apenas de inspiração mas de referencial à iniciativa legitima e necessária de se encontrar
um instrumento teórico-prático – um modelo - que ajude a implementar e a rever em
permanência a EAD como sistema formativo.
É, sem dúvida, importante salientar o papel das novas tecnologias para a
democratização da Educação a Distância, pois amplia o universo do conhecimento e insere
o aluno como sujeito de seu processo de aprendizagem, com a vantagem de que ele também
pode descobrir a forma de tornar-se sujeito ativo da investigação e do compartilhar de
conteúdos.
Entretanto, cabe ressaltar que os sistemas de e-learning são ferramentas tecnológicas
importantes para o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem nos sistemas de
educação à distância - são meios e não fins, propriamente ditos; posto que a educação à
distância constitui-se em um processo que transcende para além do ensino à distância.
Enquanto o ensino à distância centra-se no processo da aprendizagem, da socialização da
informação e da instrução, a educação assenta-se no processo da formação humana, o saber
pensar, criar, inovar e a construção do conhecimento (MAFRA, 1998). Neste sentido, o
sistema e-learning constitui-se em uma parte desse todo, a que denominamos de educação
mediada por tecnologia da informação e comunicação. Daí a necessidade de se ver a
Educação a Distância sob o prisma da teoria de sistemas.
Desta forma, ao tratar de educação a distância mediada por tecnologia da informação
e comunicação, pode-se ter como referência, para uma determinada realidade educacional
observada, o construto Sistema de Educação a Distância sob o enfoque do modelo
quadripolar.
O modelo quadripolar aplicado à Educação mediada por Tecnologia da
Informação e Comunicação: um estudo empírico
2 . Um Modelo Quadripolar para a EAD
21
Figura 2 - Sistema de Educação a Distância sob o Enfoque
do Método Quadripolar
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
Fonte: Autores
22
O Pólo Epistemológico tem como pressuposto o desenvolvimento de uma ação
diagnóstica fundamentada na atitude questionadora e interrogativa quanto às questões
temáticas a serem abordadas e os pré-requesitos pedagógicos necessários para a definição
do objeto do conhecimento a ser explorado na organização e construção de uma unidade
do saber curricular. Por outro lado, centra-se em elementos que conduzem à identificação
de métodos e práticas relacionadas com o processo ensino aprendizagem para atender aos
preceitos do projeto pedagógico, em referência ao conjunto de habilidades e competências
a serem transmitidas ao discente.
O Pólo Teórico, em referência às diretrizes metodológicas do componente curricular,
estabelece o conjunto de abordagens teóricas e práticas para a fundamentação da unidade
do saber curricular, estabelecendo uma sistemática trans e interdisciplinar para os conteúdos
temáticos dos componentes curriculares.
O Pólo Técnico é o referencial de análise da pertinência e da consistência da unidade
do saber curricular, quanto à aplicação da trans e interdisciplinaridade aos conteúdos
temáticos da componente curricular e a interatividade de uso dos recursos de multimídias.
O Pólo Morfológico fundamenta-se na teleologia da aprendizagem em ambiente
virtual via web. A finalidade do ambiente virtual de aprendizagem é estabelecer condições
propícias para o desenvolvimento de um espaço que promova a interlocução e a interação
entre o tutor e o discente, como o uso de ferramentas de multimédias, de tal forma a
promover, de maneira satisfatória, o processo de ensino aprendizagem.
Portanto, a forma de pensar sistêmica a educação à distância, sob o prisma do método
quadripolar e através de um modelo correlato, amplia a compreensão dos fenômenos da
educação mediada por tecnologia da informação e comunicação ao introduzir a proposição
de unificação entre a intuição e a razão, como uma síntese derivada do resultado analítico
da razão observante, expressa na ótica de sistema, e que representa a construção de modelos
abstratos de realidades observadas e a razão operante, a lógica, que descreve analiticamente
a estrutura lógica do modelo abstrato observado.
O desenho formal da investigação, para o levantamento de dados primários, foi
estruturado no Sistema de Educação a Distância a partir do modelo quadripolar com o
objetivo de identificar, sob o ponto de vista dos alunos de EAD, evidências, isto é, se
há associação entre os paradigmas da educação mediada por tecnologia da informação e
comunicação e a performance do sistema de educação à distância via web da UEG.
Figura 3 - Paradigmas da Educação à Distância mediada por
tecnologia da informação e comunicação e a performance
do respectivo sistema
Fonte: Autores
O modelo quadripolar aplicado à Educação mediada por Tecnologia da
Informação e Comunicação: um estudo empírico
2.1.O Modelo Aplicado à Investigação
23
Os resultados da investigação empírica foram analisados mediante a utilização da
estatística inferencial. Os dados foram obtidos por intermédio da aplicação do questionário
estruturado aos alunos participantes do curso de capacitação para elaboração de material
didático, na modalidade de educação à distância via web, da UEG. A análise foi baseada
na aplicação da técnica de Correlação de Pearson para determinar o grau de associação
entre as variáveis estudadas. Aplicou-se, também, a correlação de Pearson e o alfa Cronbach
para a validação do instrumento de investigação aplicado, bem como mensurar o grau de
confiabilidade interna dos dados coletados.
Do universo dos alunos pesquisados obteve-se o retorno de 84 (oitenta e
quatro) questionários. Descartaram-se 4 (quatro) questionários por erros e omissões no
preenchimento do instrumento de coleta de dados. Portanto, a amostra compõe-se de 72,
73% dos participantes do referenciado curso, o que nos permite inferir a representatividade
da amostra. O grupo não respondente é homogêneo ao grupo respondente, considerando
os critérios estabelecidos para definição da amostra, ou seja, alunos participantes do curso
de Elaboração e Produção de Material Didático-Pedagógico.
O teste de validação do questionário, medido por intermédio do Alfa Cronbach,
obteve uma classificação de grau de consistência bom. Esse resultado confirma a validação
e confiabilidade do instrumento de coleta de dados.
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
2.2 Análise das Correlações entre as Variáveis
24
Confirma-se a existência do grau de associação positiva entre as variáveis do
construto, paradigmas da educação mediada por tecnologia da informação e comunicação
e a performance do sistema de educação a distância via web, a partir do modelo conceitual
denominado sistema de educação à distância sob o enfoque do modelo quadripolar. Para
inferir o grau de associação entre as variáveis explicativas, paradigmas da educação mediada
por tecnologia da informação e comunicação (VI) e as variáveis explicadas de performance
do sistema de educação a distância via web (VD), fez-se a correlação múltipla entre as
variáveis independentes designadas diretrizes metodológicas para disciplina curricular
(VI.1); dinâmica interdisciplinar da disciplina curricular (VI.2); pertinência interdisciplinar
da disciplina curricular (VI.3) ; teleologia da aprendizagem virtual (VI.4) e as variáveis
dependentes nomeadas de método de ensino (VD. 1), material didático pedagógico (VD.
2), recursos multimídias (VD. 3) e tutoria (VD. 4) .
Desta análise obtiveram-se os seguintes resultados:
O modelo quadripolar aplicado à Educação mediada por Tecnologia da
Informação e Comunicação: um estudo empírico
As correlações são todas significativas para p ≤ 0, 05, embora com intensidades
diferenciadas entre elas. Portanto, infere-se que há associação positiva entre as variáveis
independentes: diretrizes metodológicas para disciplina curricular (VI. 1), dinâmica
interdisciplinar da disciplina curricular (VI.2), pertinência interdisciplinar da disciplina
curricular (VI.3); teleologia da aprendizagem virtual (VI.4) e as variáveis dependentes de
método de ensino (VD. 1), material didático pedagógico (VD. 2), recursos multimídias
(VD. 3) e tutoria (VD. 4).
A associação positiva da variável explicativa, diretrizes metodológicas para disciplina
curricular e para as demais variáveis explicadas sinaliza que o mapa conceitual da disciplina e
a designação dos recursos de multimídias têm influência direta nas variáveis de performance
do sistema de educação via web. Desta forma, pode-se inferir o grau de relevância do pólo
epistemológico para o sistema de educação a distância via web;
A variável explicativa dinâmica interdisciplinar da disciplina curricular tem associação
positiva com as demais variáveis explicadas. Portanto, há evidências que a fundamentação
teórica e prática construída, a partir das diretrizes metodológica da disciplina curricular,
tem influência direta nas variáveis de performance do sistema de educação à distância via
web. Por isso, infere-se o grau de relevância do pólo teórico para o sistema de educação à
distância;
A pertinência interdisciplinar da disciplina curricular, variável explicativa, está
associada às demais variáveis explicadas de forma positiva. Desta forma, a análise
de consistência interdisciplinar do material didático pedagógico e a interatividade
interdisciplinar das multimídias têm influência direta nas variáveis de performance do
sistema de educação à distância via web. Razão pela qual se pode inferir o grau de relevância
do pólo técnico para o sistema de educação à distância;
Há associação positiva entre a variável explicativa ambiente virtual da aprendizagem
e as demais variáveis explicadas. Portanto, o ambiente virtual de aprendizagem tem
influência direta nas variáveis de performance do sistema de educação à distância via web.
Dessa forma, infere-se o grau de relevância do pòlo morfológico para o sistema de educação
a distância como na Tabela 1.
25
26
Fonte: Autores
Tabela 1 – Matriz de correlação múltipla das variáveis independentes de paradigmas da educação mediada
por tecnologia da informação e as variáveis dependentes de performance do sistema de educação a distância
via web, em nível de significância de 5%
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
O modelo quadripolar aplicado ao sistema de educação à distância é uma proposta
exequível, que retrata a perspectiva de integração da educação mediada por tecnologia da
informação e comunicação e as teorias e práticas da educação. Os dados desta investigação
corroboram essa assertiva, pois o construto sistema de educação à distância sob enfoque
do modelo quadripolar se mostra consistente, quando submetido a testes estatísticos para
a determinação do grau de associação entre as variáveis explicativas e as explicadas do
construto analisado. A seguir, os pontos de destaque da investigação:
Confirma-se a validade do construto sistema de educação à distância sob o enfoque
do modelo quadripolar, mediante aplicação dos paradigmas da educação mediada
por tecnologia da informação e comunicação: diretrizes metodológica para disciplina
curricular (polo epistemológico), dinâmica interdisciplinar para disciplina curricular (polo
teórico), pertinência interdisciplinar da disciplina curricular (pólo técnico) e teleologia da
aprendizagem virtual (pólo morfológico);
Os paradigmas da educação, mediada por tecnologia da informação e comunicação,
exercem influência positiva na performance do sistema de educação à distância via web
em relação às questões focada no método de ensino, no material didático pedagógico, nos
recursos de multimédia e na tutoria;.
Na percepção dos alunos há evidências de que a organização e estruturação de um
curso sob o enfoque do modelo quadripolar tem efeito positivo no processo de ensino
aprendizagem em cursos na modalidade à distância via web .
Finalmente, os resultados da investigação sinalizam com evidências que o sistema
de educação à distância sob o enfoque do modelo quadripolar é factível, tendo como
parâmetro a metodologia aplicada pela UEG – Brasil, nos cursos de modalidade à distância
via web. Porém, esses resultados obtidos nesta investigação não devem ser universalizados,
sem antes promover uma ampla aplicação em outros sistemas de educação na modalidade
à distância. Por isso, recomenda-se a reaplicação dessa investigação em outras Instituições
de Ensino para servir de base comparativa para novos estudos.
REFERÊNCIAS
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O modelo quadripolar aplicado à Educação mediada por Tecnologia da
Informação e Comunicação: um estudo empírico
Considerações Finais
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DELATTRE, Pierre (1992). Teoria/Modelo. In Enciclopédia Einaudi. Vol. 21 – Método-Teoria/Modelo.
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memeo
Capítulo 2
O PAPEL DA UNIVERSIDADE
ESTADUAL DE GOIÁS
E O DESENVOLVIMENTO LOCAL
Yara Fonseca de Oliveira e Silva
Carla Conti de Freitas
Julia Paranhos
Lia Hasenclever
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
A
30
sociedade moderna tem como recurso fundamental
o conhecimento e, nessa conjuntura socioeconômica,
discute-se a condição da universidade, suas formas
de produção e difusão do conhecimento e sua contribuição
para o desenvolvimento do país. A universidade, assim
como a empresa, é um dos principais atores estratégicos no
contexto de reestruturação produtiva e inovação em países
em industrialização na medida em que o progresso técnicocientífico é considerado importante para o desenvolvimento.
Este capítulo discute o papel da universidade e sua parceria com
a empresa por se considerar que tanto a universidade quanto
a empresa são necessárias para o fortalecimento dos sistemas
nacionais de inovação nos países em desenvolvimento.O foco
deste estudo é a Universidade Estadual de Goiás (UEG) e isso se
justifica pela urgência da discussão do papel desta universidade
na sociedade, cada vez mais baseada no conhecimento, e de suas
parcerias que visam a contribuir com o desenvolvimento local.
Para isso, a partir da pesquisa que será brevemente descrita aqui,
investiga-se o tipo de estrutura e de práticas da UEG e se estas se
aproximam (ou não) do modelo de universidade empreendedora,
isto é, de universidade que contribui diretamente para o
desenvolvimento socioeconômico de uma região.
Este estudo, ao considerar os papéis que diferentes atores como governo,
universidade e empresa representam no desenvolvimento econômico e social do Estado,
busca compreender como a UEG tem consolidado sua proposta de ampliação do acesso
ao ensino superior em sua primeira década e como contribui para o desenvolvimento
do Estado de Goiás no contexto de reestruturação produtiva e do Sistema Regional
de Inovação. Nesse sentido, analisa-se a UEG em seu contexto, como caso único a ser
investigado, para buscar definir seu papel como instituição universitária e sua interação e
relação com o desenvolvimento local.
Entende-se que a UEG resulta de uma política de governo e que a sua criação se deu
a princípio em atendimento a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN
- 9.394/96, que preconizava a obrigatoriedade do ensino superior a todo professor da
educação básica. Essa iniciativa ao possibilitar acesso aos cursos superiores, principalmente
1. O modelo da Hélice Tríplice
A universidade tem sido redefinida por várias abordagens que a compreendem de
diferentes maneiras. Para abordagem da hélice tríplice, a universidade é entendida como
O papel da Universidade Estadual de Goiás e o
Desenvolvimento Local
de licenciaturas, garantiu a formação dos professores no Estado e, portanto, provocou
melhorias na condição social e, consequentemente, diminuiu o atraso econômico.
Assim, considera-se que o governo, ator central da consolidação da UEG, criou uma
instituição que contribuísse com o desenvolvimento econômico local, mas em sua gênese
não vislumbrou a cooperação com as empresas locais, pois não investiu em sua infraestrutura
científica inicial e pouco desenvolveu a criação, a produção e o uso do conhecimento
para um futuro sistema regional de inovação. No decorrer de sua evolução, a UEG tem
apresentado uma mudança incremental por estar à sombra das políticas públicas e por ser
uma instituição que tem tido interação direta com o desenvolvimento local, neste processo
de reestruturação produtiva que a direciona para uma proposta de nova economia, novo
ensino e perspectivas políticas a partir de um diálogo entre esses atores, governo e empresa.
Este estudo utiliza-se de uma abordagem sistêmica, presente nas teorias evolucionária
e institucionalista que consideram a análise histórica, a importância das instituições e
também a compreensão do relacionamento dos atores envolvidos no contexto de mudanças
tecnológicas e do papel que a inovação assume no desenvolvimento socioeconômico
local. Adota-se, então, o modelo da hélice tríplice, a partir dos autores Etzkowitz (1995)
e Leydesdorff (2000) que defendem a universidade como atora do desenvolvimento
econômico e o relacionamento de três esferas: a universidade, empresas e o governo.
O caminho metodológico inclui um processo de investigação qualitativa. Conforme
Yin (2001), essa metodologia pode ser classificada de acordo com o seu conteúdo e objetivo
final, sendo assim, considera-se a adoção dos dois tipos caracterizados por descritivos e
interpretativos. Quanto à amostra, consideram-se as quarenta e duas Unidades Universitárias
da UEG no primeiro momento e, posteriormente, selecionam-se as Unidades Universitárias
que apresentam nas atividades de ensino, pesquisa e extensão, relacionamento com as
empresas locais. A população e o universo estudados incluem os profissionais da UEG e
os atores que se relacionam com a universidade e com o local. Como dados secundários
são considerados os documentos institucionais (Plano de Desenvolvimento Institucional,
Projeto Político Pedagógico e outros) e como dados primários, as observações, as entrevistas
estruturadas e os questionários nas três esferas consideradas.
31
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
32
ator do desenvolvimento econômico e criadora de empresas (Etzkowitz; Leydesdorff, 1995;
2000). Outras abordagens também discutem o papel da universidade como a abordagem
latino-americana que a considera ator do desenvolvimento social (Dagnino, 2003; Arocena;
Sutz, 2005) e a abordagem dos sistemas de inovação que a considera formadora de recursos
humanos qualificados e parceira das empresas para a inovação (Lundvall, 2002; Rosenberg;
Nelson, 1994; Mowery; Sampat, 2005).
A abordagem principal que sustenta este estudo e que será discutida a seguir é a do
modelo de hélice tríplice, a partir do referencial de Etzkowitz e Leydesdorff (1995; 1997;
1998; 2000) que formalizaram este modelo para explicar o relacionamento entre os atores.
Esse modelo se constitui de três esferas de influências que representam as universidades
como criadoras de conhecimento, as empresas como os usuários do conhecimento e o
governo que através de suas políticas e agências impõe e influenciam regulação e estimula
ações e atividades empreendedoras. Assim, os estudiosos adicionam um terceiro papel à
universidade que é o de desenvolvimento econômico e social além dos papéis de ensino e
pesquisa.
Esse modelo é definido como não-linear e, ao propor a interação entre
universidade, empresa e governo, visa a melhorar as condições para a inovação numa
sociedade baseada no conhecimento. Conforme Etskowitz e Leyderdorff (1998, p. 198),
“a hélice tríplice é principalmente um modelo para analisar a inovação em uma economia
baseada no conhecimento”. Portanto, o sistema de inovação pode ser representado por esse
modelo que surge em resposta ao crescimento técnico-científico e sua importância para o
desenvolvimento.
No contexto da década de 1990, em que o mundo se organiza para pensar o futuro
de seus países e, portanto, o seu desenvolvimento econômico, a tendência foi reorganizar os
papéis das instituições e propor estratégias de desenvolvimento baseadas no conhecimento.
Assim, a mudança na sociedade atual tem sido motivada pela relevância do conhecimento,
ou seja, as estratégias de desenvolvimento se baseiam no conhecimento e não mais apenas
em estratégias do setor industrial ou governamental. A sociedade atual conta com uma
parte de sua infraestrutura baseada na economia do conhecimento e daí a relevância do
papel da universidade (Etskowitz e Leyderdorff, 2000).
Diante disso, as definições sobre o papel da universidade, que por um longo
período manteve-se focada em ensino e pesquisa, sugerem uma reorganização que inclua
a missão empreendedora e um dos argumentos para essa transição é que as atividades
empreendedoras contribuem com o desenvolvimento nacional e regional na sociedade
O papel da Universidade Estadual de Goiás e o
Desenvolvimento Local
baseada nos avanços tecnológicos e no conhecimento. Nesse sentido, o empreendedorismo
acadêmico é, por um lado, uma extensão das atividades de ensino e pesquisa e, por
outro lado, uma proposta de inversão de papéis quanto a capacidade de transferência
de tecnologia, tradicionalmente desempenhado pela indústria, que passa a ser também
atribuído à universidade.
É evidente que a discussão a partir desse modelo provoca divergências entre
estudiosos da academia, pois, de um lado, alguns teóricos sinalizam a perda da condição
de criticidade da universidade caso assuma o papel de empreendedora, submetendo-se à
lógica do mercado e, por outro lado, há os que defendem que não há como separar ensino,
pesquisa e atividades de negócio, reafirmando o paradigma empreendedor esperado em
diversos cenários acadêmicos (Etskowitz e Leyderdorff, 2000).
O modelo de hélice tríplice pode ser usado para interpretar o processo de mudança
interna da universidade e, de certa forma, estimula a cultura empreendedora dessa
instituição. A concepção de universidade empreendedora apresenta uma estrutura e uma
função acadêmica que é revisada através do alinhamento do desenvolvimento econômico
com as missões da academia como pesquisa e ensino. O paradigma empreendedor não é
confinado às novas tecnologias inventadas ou às pesquisas intensivas nas universidades
porque ele necessita de relacionar-se tanto com o ensino quanto com a pesquisa universitária,
gerando inovações.
Conforme Etzkowitz (2000), a emergência da universidade empreendedora é uma
resposta para a crescente importância do conhecimento no sistema de inovação nacional e
regional e o reconhecimento de que a universidade é ator principal, um inventor criativo
e um agente de transferência tanto do conhecimento quanto da tecnologia. Os estudos de
Etzkowitz e Leydesdorff (1998) afirmam que o modelo da hélice tríplice é apropriado para
abordar o atual sistema de pesquisas em seu contexto social e destacam a importância dos
pesquisadores das universidades como elementos chave que influenciam o resultado da
transferência do processo de tecnologia no desenvolvimento econômico regional, pois a
ciência e a tecnologia têm assumido um papel essencial para o desenvolvimento dos países
e que os sistemas de inovação têm sido historicamente importantes no que se referem ao
alcance de competitividade nacional.
A construção do modelo pode ser interpretada a partir da evolução do conceito,
sendo que, inicialmente, houve a definição das esferas institucionalmente, que são o
estado, indústria e a universidade. Em seguida, a criação de um foco comunicativo entre
as instituições que podem ser institucionalizada para um grau maior ou menor, com
33
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
34
essa proposta de adicionar o componente comunicativo. As interfaces entre as diferentes
funções operam em um modelo distribuído que produz potencialmente novas formas
de comunicação como em uma interface de transferência de tecnologia. E, por último, a
compreensão de que as esferas institucionais, da universidade, indústria e governo, além
de suas funções tradicionais, sejam capazes de assumir os papéis das outras, sendo um
complexo conjunto de tópicos organizacionais entre as esferas que crescentemente quebram
as barreiras entre elas, além das ligações entre as esferas institucionais, exemplo disso seria
a universidade criando uma penumbra industrial ou assumindo o papel do governo que é
de desenvolver uma inovação para o local.
Ao considerar esse movimento é preciso destacar que a hélice tríplice não propõe
mesclar as comunicações diferentes, mas permitir uma reflexão delas nos diferentes
sistemas de valor e, ao definir cada instituição, reitera a ideia que cada uma tem suas
funções próprias e novos códigos de comunicação são desenvolvidos na transição que elas
causam pelas interações (Etskowitz e Leyderdorff, 2000). A justificativa para o modelo de
hélice tríplice, de acordo com Etskowitz e Leyderdorff (1998), se fundamenta em diversos
argumentos como o de que a oposição dos lados tem um custo maior para o país e o da
importância de se considerar as dimensões global e local, pois o desenvolvimento global
induz o desenvolvimento local e as recombinações locais constituem a variação para o
sistema numa ordem maior, que é o global.
Etskowitz (2000) afirma que este é um modelo que representa o sistema de inovação
em que os atores assumem um movimento em espiral que captura múltiplas relações
recíprocas como pontos diferentes no processo de captação de conhecimento. As três
hélices, representadas pela universidade, empresa e governo, têm múltiplas formas de se
relacionar e o autor apresenta três dimensões. A primeira dimensão se refere à transformação
interna que ocorre dentro de cada uma das hélices, como o desenvolvimento de laços
laterais entre companhias através de alianças estratégicas ou o reconhecimento da missão
de desenvolvimento econômico pelas universidades. A segunda dimensão é a influência de
uma hélice sobre a outra e a terceira é a criação de um envolvimento de redes e organizações
trilaterais a partir do envolvimento das três hélices, formado com o propósito de fazer
surgir novas ideias e formatos para desenvolvimento de alta tecnologia.
2. A Universidade Estadual de Goiás
O final do século XX foi palco de reivindicação por reformas do Estado e conforme
dito na seção anterior, a década de 1990 apresenta um relevante crescimento no campo
econômico e, isso reflete no ensino superior. Nesse período, o Estado de Goiás vivencia
um desenvolvimento econômico e um incremento tecnológico que ocasionam mudanças
nas relações de produção e de trabalho. Para Dourado (2001, p. 63),
Assim, são criadas em Goiás iniciativas de políticas de expansão e interiorização
do ensino superior, implementadas em decorrência da necessidade de desenvolvimento
regional de cidades consideradas polos econômicos. Avolumam-se, então, os atos de criação
de faculdades estaduais, de fundações municipais e de outras instituições de ensino superior
no Estado. Tem-se como argumento legítimo dessas políticas o crescimento populacional,
com tendência predominante urbana e a expansão da fronteira agrícola, o que aumenta o
dinamismo dos setores agropecuário e industrial.
O Estado de Goiás até 1979 contava apenas com duas universidades – a
Universidade Federal de Goiás e a Universidade Católica de Goiás – e nove estabelecimentos
de ensino superior isolados, entre privados, estaduais e municipais, criando-se, a partir
de então, inúmeras instituições isoladas, com diferentes dependências administrativas –
federal, estadual e municipal. O crescimento do ensino superior se dá, portanto, a partir
de documentos oficiais como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/96
e o Plano Nacional de Educação, os quais definem a obrigatoriedade do curso superior
para os profissionais da educação brasileira. De um lado tem-se a rápida proliferação das
instituições particulares, com frágil regulação do Estado e, por outro, a criação da UEG em
1999 como uma instituição pública e gratuita.
A criação da UEG pode ser entendida como uma resposta a antigas mobilizações
de diversos segmentos e atores da sociedade, tendo suas primeiras manifestações expressas
na década de 1950, por ser interesse dos movimentos sociais, estudantis e de professores
a interiorização do ensino superior em Goiás. Essa criação se deu a partir das faculdades
isoladas já existentes no Estado de Goiás e verifica-se que os atores, tanto professores como
alunos, mantêm-se, ou seja, a instituição se modifica, pois agora redireciona seu propósito
enquanto instituição interiorizada, pública e formadora, promovendo sua condição
de universidade com a ampliação de suas unidades universitárias, sua infraestrutura,
O papel da Universidade Estadual de Goiás e o
Desenvolvimento Local
essas alterações passaram a exigir novos padrões de qualificação para
o trabalho, justificando as políticas de expansão e interiorização
de serviços. Nesse sentido, destacam-se os serviços educacionais,
particularmente a oferta do ensino superior, vista como emblema de
modernização e progresso.
35
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
36
como prédios, material permanente (carteiras, quadros, armários e outros) e os recursos
audiovisuais são reorganizados para possibilitar a expansão da formação em nível superior
em todo estado goiano.
O objetivo se modifica na medida em que muda sua estrutura, pois a UEG, uma
vez consolidada, assume a responsabilidade definida pelo governo do Estado de Goiás
que, conforme a Lei n. 16.272./2008 (PDI-UEG, 2010-2019), em seu Art. 6º, define que a
UEG deve oferecer “a qualificação e a capacitação de profissionais nas mais variadas áreas
de abrangência do ensino, da pesquisa e da extensão universitária”. A UEG se compõe por
quarenta e duas Unidades Universitárias em diversos municípios. Cada uma apresenta
uma estrutura, cultura e forma de gerir o conhecimento e a questão central deste estudo
se refere à interação da UEG com o desenvolvimento local, particularmente, as empresas
locais e os impactos e resultados provocados por suas ações no Estado de Goiás.
A criação da UEG ocorreu também a partir da dinâmica do processo político, da
atuação e dos interesses dos atores que promovem as decisões. A coordenação dos atores
em nível estadual e federal e a estrutura de poder dessas esferas definem certo nível de
consenso para a mudança, pois ambos teriam de cumprir a formação em nível superior
dos profissionais da educação brasileira a partir da legislação (LDB 9.394./96). Importa
também destacar o tempo, pois, no contexto de liberalização, esses atores interessavam-se
pelas políticas de expansão do ensino superior, bem como pela ampliação da formação dos
seus cidadãos, contribuindo para o crescimento do Estado.
Essa mudança institucional é resultado de uma política pública gestada à luz do
modelo capitalista neoliberal, com priorização para o mercado de trabalho competitivo
imposto pelas mudanças e pelas exigências da atual conjuntura. As reformas educacionais
em curso desde a década de 1970, tanto no Brasil como em outros países da América
Latina, apresentam como principais objetivos adequar o sistema educacional ao processo
de reestruturação produtiva e à nova organização do Estado.
A compreensão da política pública de governo e seu processo de mudança servem
para pensar a atuação da UEG no contexto regional e suas possíveis contribuições não
apenas para o crescimento, mas para o desenvolvimento do Estado de Goiás. De acordo
com a CAAI1 (2005), a UEG é uma das maiores universidades brasileiras em quantidade de
campi, o que pode ser positivo na medida em que promove acesso ao ensino superior, pois,
1. Comissão de Autoavaliação Institucional
O papel da Universidade Estadual de Goiás e o
Desenvolvimento Local
para Pinheiro (2011), a UEG, na década de 1999 a 2009, formou 36.010 alunos nos cursos
de graduação regular, 28.027 na Licenciatura Plena Parcelada (formação de professores) e
8.879 nos cursos sequenciais. Segundo dados do INEP/MEC, de 1999 a 2007, registrou-se
um aumento de 2.411 vagas, pois, de 3.039 vagas em 1999, tem-se, em 2007, 5.450 vagas.
Percebe-se que o foco da política da UEG foi da expansão periférica, aumentando
significativamente o número de unidades e de atendimentos. A UEG, ao promover
o incremento de vagas no ensino superior, participa do contexto das transformações
econômicas que ocorreram após a década de 1990 e, ainda, das políticas que se relacionam
à expansão desse nível de ensino.
A UEG pode ser considerada como uma instituição que favorece o crescimento
da região, na medida em que possibilita ao indivíduo o acesso e conclusão de uma
formacão acadêmica e que antes se mantinha isolado e distante da formação superior e,
com isso contribuí para o desenvolvimento do Estado, mas é preciso investigar quais são
suas expectativas para alcançar o desenvolvimento em parceira com os atores local, como
exemplo, as empresas, no sentido de contribuir com a economia dos municípios goianos.
Em seus 11 anos, a UEG já é a segunda instituição com maior participação em redes
de pesquisa no Estado. Nesse sentido, é preciso verificar o tipo de relacionamento entre
a pesquisa e a empresa local e se isso tem realizado “transformações” nos municípios
goianos.
Neste sentido, quanto à análise do papel da UEG no desenvolvimento socioeconômico
local do Estado de Goiás, pode-se observar que essa instituição tem se modificado no
contexto atual no qual a criação, produção e a transferência de conhecimento, inovação
e de tecnologia são fundamentais para o desenvolvimento local. É possível visualizar o
desenvolvimento de pesquisa e tímida interação entre os atores econômicos dos municípios
onde as unidades universitárias desenvolvem pesquisas.
A UEG também tem investido, ainda que de forma incipiente, em formação docente
e em pesquisa básica e aplicada, mesmo sem investir em uma infraestrutura científica
adequada. Assim, a instituição requer liderança comprometida com ensino e pesquisa de
qualidade. O desafio é ter foco no contexto de mudanças, tendo a pesquisa como potencial
diferencial competitivo. Para tanto, é preciso harmonizar uma cultura de inovação com
uma visão de longo prazo que seja sustentável.
O Estado de Goiás atualmente acompanha o contexto de economia acelerada e
recentemente tem investido no sistema regional de inovação. Isso indica que o trabalhador
pode acompanhar as modificações constantes e buscar que novas competências sejam
37
adquiridas para sua atuação profissional. O ensino superior em Goiás, assim como no Brasil,
em sido amplamente reformado e a pesquisa em questão espera conseguir, a partir de seus
resultados finais, analisar, na evolução da UEG, uma trajetória de instituição articulada
com o modelo regional integrado à experiência prática do local. Assim, contribuir para
ações estratégicas e implementação de políticas públicas em prol do desenvolvimento local.
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
3. Contribuições da Universidade para o desenvolvimento local
38
A partir da investigação sobre as condições da UEG, especialmente quanto às
atividades de pesquisa, de ensino e de extensão; à contribuição para o desenvolvimento
econômico e social; e ao custo para o processo de inovação em parceria com os atores
do desenvolvimento local, poderá se compreender o papel da universidade. Espera-se
encontrar durante a evolução da UEG, uma trajetória de instituição articulada com a
demanda regional integrado à experiência prática do local. E, ainda, descobrir o tipo de
relacionamento entre a Universidade e a Empresa e a articulação com a nova estrutura do
Sistema Regional de Inovação em Goiás, além de sinalizar as atividades que tem ou que
podem ter relacionamento com o desenvolvimento local.
A pesquisa sobre a UEG pode contribuir para algumas questões: revelar as
adversidades locais e esclarecer questões relacionadas à estagnação econômica histórica
do Estado; reverter ou diminuir a disparidade do nível de desenvolvimento científico em
relação a outros estados brasileiros; incentivar a melhoria da estruturação de atividades de
pesquisa da universidade goiana e a interação com o desenvolvimento local.
A UEG, caso de fato tenha relacionamento com as empresas locais, pode ser
considerada estratégica para o desenvolvimento do Estado de Goiás e as alianças entre a
universidade, o estado e as empresas podem facilitar o sistema de inovação. Para analisar o
seu papel na produção de inovação é necessário também analisar o seu relacionamento com
as empresas, pois se constata duas questões fundamentais. A primeira é a de que a empresa
é o objeto central, o motor da economia capitalista, e a segunda é que a inovação está
ligada ao desenvolvimento da empresa que, ao produzir inovação, lança no mercado novas
combinações de invenções antigas e invenções novas. A proximidade com a universidade e
uma maior interação com as empresas são fundamentais para o processo de concorrência
no mercado.
Considerações Finais
As conclusões deste estudo são preliminares, mas é possível visualizar que
em Goiás, um dos principais desafios para o desenvolvimento local é a construção e a
articulação do sistema de inovação. A prática de pesquisas realizadas na Universidade, por
ser relativamente pequena e com pouca participação com as empresas no fomento público
à P&D está aquém do esforço de inovação.
Em suma, acredita-se que essa investigação seja proveitosa por analisar o contexto
da universidade e, consequentemente, sua relação com o desenvolvimento socioeconômico
do Estado de Goiás em relação à formação dos recursos humanos, em especifico o papel da
UEG, na medida em que se elucida o papel dessa instituição superior na criação, produção
e transferência do conhecimento, os atores envolvidos podem repensar novas pesquisas que
divulguem ações estratégicas e políticas públicas em prol do desenvolvimento local.
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__________________________________ Relatório da comissão de autoavaliação institucional da UEG CAAI (2005).
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Trad. Daniel Grassi. 2a ed. Porto Alegre: Bookman, 2001.
40
Capítulo 3
ITINERÁRIOS DE APRENDIZAGEM
COLABORATIVA/COOPERATIVA EM
CONTEXTO ON LINE
Sofia Sant’Ana Lopes Malheiro da Silva
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
C
42
om o dealbar de um novo contexto de ensino / aprendizagem
– o virtual –, bem como de todo o grupo de factores satélite
que circulam em suas órbitas interdependentes, agregado
ao facto de acreditarmos que o e-learning permite desenhar
um novo cenário, de potencial impacto, na utilização das tecnologias
na formação e na educação de todos nós, o presente estudo procura
debruçar-se sob estes enredos de forma a fazer emergir as dimensões
pedagógicas que revestem o envolvimento e a participação, numa
comunidade de aprendizagem em espaço virtual, ao assumir-se os
alunos como actores empreendedores na construção do seu próprio
conhecimento, facilitada pela relação empática, via Web, enquanto
tecnologia de suporte.
Assim sendo, esta pesquisa pretende constituir-se como um contributo para a
abordagem aos Itinerários de Aprendizagem colaborativa / cooperativa em ambientes
virtuais de construção de conhecimento, no contexto específico dos cursos de formação dos
tutores em e-learning, ministrados em regime online na Universidade Aberta em Portugal.
Esta problemática específica centra-se na procura de repostas para duas macro questões
norteadoras da investigação desenvolvida:
“Na especificidade do Ciberespaço, num contexto de sala de aula virtual:
• Quais os factores facilitadores / inibidores da aprendizagem
colaborativa / cooperativa?
• Que dimensões e subdimensões pedagógicas emergem, como
fundamentais, na construção e design de uma actividade, para que o
trabalho colaborativo / cooperativo seja potenciado?”
Para que pudessem ser atingidos os propósitos conducentes às respostas que se
procuravam, foi necessário “mergulhar”, pelos meandros de olhares disciplinares diversos.
Deste modo, através de “atalhos” e “caminhos complementares” adequados à natureza do
objecto da investigação, foi construída uma moldura teórica, interdisciplinar, que nasce no
tronco da especificidade da Pedagogia e das Ciências da Educação.
Fica a consciência de que esta investigação constitui apenas e somente uma
contribuição que abre a porta a uma das mais ricas experiências de aprendizagem –
“aprender juntos” – na especificidade de um ciberespaço – online – em que já reside muito
do oxigénio que, dia-a-dia, nos fornece energia para construir conhecimento.
Não há educação sem raízes, o futuro de qualquer pedagogia conquista-se, antes de
mais, pela capacidade de criar alicerces no tempo histórico.
A ideia de juntar os estudantes em pequenos grupos de trabalho, dentro da sala de
aula, para que obtenham melhores resultados nas aprendizagens, não é nova.
Já no século XVII Comenius provocava a reflexão em torno das metodologias
de ensino / aprendizagem quando, metaforicamente, associava a Botânica à Educação,
proferindo as seguintes palavras: “(…) não se consegue de uma só semente produzir a mesma
árvore? De um só método farei estudantes capazes!(…)”.
Comenius revolucionou a linha de pensamento da época, levando o Homem a
procurar um novo método universal de “ensinar tudo a todos”. Reencontrar as ideias
deste grande pedagogo, pode auxiliar-nos a entender melhor os desafios da Educação
contemporânea. Se transferirmos as suas convicções para os dias de hoje, percebemos que,
com as novas tecnologias e com a democratização do acesso à informação, esse antigo
sonho parece cada vez mais real.
Actualmente conceitos como “educação permanente”, “democratização do ensino”,
“aprendizagem global”, “estimulante e significativa”, “diferenças individuais”, “inteligências
múltiplas”, ou “condições apropriadas para a aprendizagem”, são muito frequentes e reais.
O surpreendente é o facto de há quatro séculos atrás, estas questões já estarem patentes nas
obras de Comenius.
Uma proposta interessante para criar aprendizagens significativas e motivantes
reside nas teorias que enfatizam a aprendizagem em grupo nas suas dimensões colaborativa
e cooperativa. A premissa básica deste paradigma fundamenta-se na epistemologia
construtivista. Cada uma destas dimensões representa um extremo do espectro do
processo de ensino / aprendizagem que percorre um trajecto que se inicia no “altamente
estruturado” pelo professor (cooperativo) e termina na transferência da “responsabilidade
pela aprendizagem” quase que exclusivamente para o estudante (colaborativo).
1.2. Fundamentos epistemológicos da aprendizagem
Ao longo dos tempos, o conceito de aprendizagem foi sofrendo alguma evolução
quanto ao seu entendimento. Entendida como “substância” da educação, a aprendizagem
pode ser posta em prática de diferentes formas, sendo que a diversidade dos modos “como
Itinerários de Aprendizagem Colaborativa/Cooperativa em
Contexto On line
1. Colaboração e Cooperação: Sinergias para uma definição de conceitos
43
aprendemos” está relacionada com o maior ou menor ênfase que atribuímos a processos
e / ou a produtos.
A Tabela 1, adaptada de Ramsden (1992), (Cf. Aires, 2007), apresenta, de forma
clara, estes paradigmas emergentes.
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
Tabela 1 – Paradigmas de Aprendizagem
44
Fonte: adaptada de Ramsden (1992)
Itinerários de Aprendizagem Colaborativa/Cooperativa em
Contexto On line
Pela leitura da Tabela 1, podemos concluir que as teorias cognitivas têm vindo a
preocupar-se com a forma como cada indivíduo recebe, percebe, interpreta e armazena
mentalmente a informação, dedicando-se ao estudo dos processos de desenvolvimento
cognitivo dos indivíduos. Os primeiros estudos sobre a influência da interacção social
nesse mesmo desenvolvimento cognitivo individual surgiram com as abordagens
teóricas que defendem uma visão de interacção do desenvolvimento cognitivo. Estas
abordagens contribuem para a fundamentação e compreensão da Aprendizagem
Cooperativa / Colaborativa, atribuindo especial relevância à participação social e à
colaboração no desenvolvimento cognitivo do indivíduo.
A implementação das tecnologias da informação e da comunicação no âmbito da
Educação também revolucionaram as formas e as modalidades de trabalho, questionando
a natureza do próprio conhecimento e, consequentemente, as formas de o adquirir através
da aprendizagem (Aires, 2007).
Em 1995, Bates afirma que o modelo de transmissão da informação do professor
para o estudante não responde às necessidades de aprendizagem numa sociedade onde
o conhecimento muda rapidamente e onde as competências necessárias ao trabalho e às
nossas vidas sociais estão a tornar-se cada vez mais complexas.
Para Tiffin, & Rajasingham (1995), o modelo tradicional é baseado no ensino
presencial, onde os estudantes estão organizados numa sala de aula, isolados do mundo
externo por quatro paredes, que os distancia de qualquer forma de interrupção que os
possa distrair, escola essa que reflecte “arquipélagos de solidões”. O posicionamento do
professor é o de mediador principal entre a informação do mundo e os estudantes.
Bates (1995) defendia a necessidade de um modelo educacional que fornecesse aos
indivíduos as competências para comunicarem efectivamente, trabalharem em equipa,
procurarem e analisarem novos conhecimentos, participando activamente na sociedade,
ao mesmo tempo que assimilam conhecimento.
Autores como Vigotsky, Bruner, ou Paulo Freire, deram contributos muito relevantes
à intersubjectividade e à criação colectiva de significados, implicando a interacção social
como fonte que alimenta a aprendizagem.
Para Aires (2007), esta fonte – a interacção social – fundamenta as teorias dialógicas
que tornam a dialogicidade a substância da linguagem e do conhecimento.
Para melhor compreendermos o processo de aprendizagem, apresentamos na
Tabela 2 uma síntese das principais linhas orientadoras que caracterizam os modelos
de ensino / aprendizagem de cariz tradicional e os de natureza socio-construtivista,
45
equacionando uma análise comparativa dos dois tipos de Paradigmas de Aprendizagem
que lhe estão subjacentes.
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
Tabela 2 – Análise comparativa de Paradigmas de Ensino / Aprendizagem
46
2.2. Fundamentos epistemológicos da Aprendizagem Colaborativa/ Cooperativa
Após a breve resenha teórico-epistemológica no âmbito das teorias da aprendizagem
em geral, que apresentámos anteriormente, pretendemos, neste ponto, focar a nossa atenção
sobre a mesma fundamentação no âmbito da aprendizagem colaborativa / cooperativa.
Nesta área, inerente às formas e modos de aprender, têm sido defendidas múltiplas teorias,
sendo que para qualquer uma delas a aprendizagem está intimamente ligada ao termo
Itinerários de Aprendizagem Colaborativa/Cooperativa em
Contexto On line
Fonte: Autora
47
“relação”, exigindo-a de forma uni ou multidireccional (Aires, 2007). No que diz respeito
à aprendizagem colaborativa / cooperativa o foco de aprendizagem é o grupo e a relação
estabelecida assume uma natureza multidireccional. Neste contexto, Dillenbourg et al. (1996)
que têm teorizado sobre estas questões sustentam e defendem a Colaboração / Cooperação
com base nas teorias do socio-construtivismo, social e da cognição partilhada, conforme
ilustra a Figura 1.
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
Figura 1 – Teorias Raiz da Cooperação / Colaboração
48
Fonte: Dillenbourg et al. (1996)
Autores como Garrison & Anderson (2005) realçam o conceito de “paradigma
construtivista cooperativo” assente exactamente na influência que as três teorias descritas
anteriormente têm tido na aprendizagem. A relação educativa reconstrói-se e beneficia
da existência desta interdependência estreita entre a construção pessoal de significado e
a influência que o ambiente social exerce sobre a mesma. Também Koschman (1996) se
refere à aprendizagem colaborativa / cooperativa online como um paradigma em fase de
crescimento. O autor defende que a convergência das teorias anteriormente descritas, com
o potencial inovador das tecnologias, produz um terreno fértil para a criação de novos
cenários de comunicação, interacção, relação social e trabalho colaborativo / cooperativo.
2.3. Colaboração / Cooperação: Conceitos e Preconceitos
(…) acção de colaborar com alguém; trabalho em conjunto; trabalho
em comum com outrem; cooperação; participação; ajuda; auxílio (…)”.
O conceito de cooperação descreve-se como “(…) acto de colaborar
para a realização de um projecto comum ou para o desenvolvimento
de um campo de conhecimento; acto de unir esforços para um assunto
ou problema, facilitando o acesso aos meios práticos para o conseguir
(...) (Dicionário Porto Editora, 2006).
Na verdade, sendo domínios de investigação cruzados e sobrepostos, nasce uma
tendência para se confundirem significados, o que explica a existência de autores que
se referem indistintamente tanto ao termo cooperação, como ao conceito de colaboração,
considerando-os sinónimos, enquanto outros procuram distingui-los (Aires, 2007).
Seguidamente, iremos debruçar-nos sobre o carácter híbrido destes conceitos. De
facto, o debate “colaboração” versus “cooperação” é complexo. Numa primeira abordagem,
é possível afirmar que ambos os paradigmas assentam numa epistemologia construtivista,
com especial preponderância para o “papel activo do sujeito aprendente”. Para tornar
clara a distinção entre os termos “colaboração” e “cooperação”, é importante destacar a
discussão que os envolve.
Segundo Dillenbourg, & Schneider (1995), os termos colaboração e cooperação são
utilizados como se tivessem o mesmo sentido, o que não corresponde à verdade. Também
Aires (2007) salienta o facto destes dois termos terem raízes distintas: a palavra colaboração
fixa-se em processos, isto é, vai acontecendo, desenvolvendo-se, seguindo determinadas
trajectórias, enquanto o conceito de cooperação visa produtos, ou seja, é uma técnica de
Itinerários de Aprendizagem Colaborativa/Cooperativa em
Contexto On line
É inegável que o fenómeno da aprendizagem ocorre a nível individual, mas quase
todos os teóricos nesta matéria, entre eles Piaget e Vygotsky, enfatizam a importância das
trocas sociais para a promoção e enriquecimento desse mesmo fenómeno. Estas “actividades
colectivas de aprendizagem” são também designadas por “aprendizagem em grupo (group
learning)” e são, normalmente, divididas em aprendizagem cooperativa, quando o processo
é imposto e existe uma certa ordenação nas tarefas, ou aprendizagem colaborativa, quando
os elementos possuem uma meta em comum e não existe uma hierarquia pré-definida.
Tanto na língua francesa, como na inglesa, os termos cooperar e colaborar parecem
sinónimos, na medida em que, ambos significam “trabalhar conjuntamente para alcançar
uma tarefa comum”. De igual modo, no dicionário da língua portuguesa define-se
colaboração como
49
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
50
trabalho utilizada de forma consciente para alcançar determinados objectivos. Estes autores
afirmam que, seguindo este entendimento, é frequente afirmar-se que a cooperação é “mãe
da colaboração”. Ainda Dillenbourg, & Schneider (1995), diferenciam os termos pela
forma como a actividade é executada pelo grupo.
Assim, a cooperação seria caracterizada como uma actividade em que existe divisão
do trabalho entre os participantes, sendo que cada indivíduo é responsável por uma parte
da resolução do problema. Por outro lado, a colaboração caracterizar-se-ia pela participação
mútua dos participantes, num esforço coordenado, para juntos resolverem o problema,
sem necessidade de uma hierarquia pré-estabelecida.
Porém, a diferença não reside, apenas, na divisão de tarefas, mas na forma como
a divisão é feita, ou seja, como se coordena a divisão de actividades. Na cooperação, cada
tarefa é dividida hierarquicamente em sub-tarefas independentes, sendo a sua coordenação
apenas obrigatória na montagem dos resultados parciais (Dillenbourg, & Schneider, 1995).
Na colaboração
(…) o processo pode ser dividido em camadas entrelaçadas, coordenadas
e sincronizadas, que é resultado de um esforço contínuo para construir e
manter uma concepção partilhada de um problema. (Dillenbourg, &
Schneider, 1995).
Na distinção proposta por Panitz (1996), o termo colaboração corresponde a uma
“(…) filosofia de interacção e de estilo de vida pessoal, onde os indivíduos são responsáveis
pelas suas acções, respeitando as capacidades e os contributos dos seus pares”.
O termo cooperação é entendido, segundo o mesmo autor, como uma
(…) estrutura de interacção que visa facilitar a realização de uma
meta ou fim específico, através do qual os indivíduos trabalham,
conjuntamente, em grupos”. A aprendizagem cooperativa é,
então, definida por um conjunto de processos que ajudam os
indivíduos a interagirem entre si, para alcançarem um objectivo
específico (Panitz, 1997).
Também para Dillenbourg (1999), o termo colaboração é diferente do conceito de
cooperação. Para este autor a colaboração é uma actividade sinergética e contínua por parte
dos indivíduos, para criar e manter uma concepção partilhada com vista à resolução de
uma determinada tarefa ou problema. Já o termo cooperação, para o mesmo autor, pode,
e deve, ser compreendido como a divisão de trabalho entre os participantes, onde cada um
Itinerários de Aprendizagem Colaborativa/Cooperativa em
Contexto On line
terá, à sua inteira responsabilidade, uma determinada tarefa ou parte de um problema que
se pretende ver resolvido. Sendo assim, este autor distingue os dois conceitos ao nível de
três características principais: grau de simetria na interacção; objectivos partilhados; divisão
do trabalho.
Para Dillenbourg, as situações podem ser caracterizadas como mais ou menos
colaborativas, ou mais ou menos cooperativas, conforme se posicionem em relação aos
três critérios acima enunciados. Assim, para o autor: as situações de simetria na interacção
(acção, conhecimento e estatuto), analisadas do ponto de vista objectivo e/ou subjectivo
podem ditar a classificação da tarefa como sendo mais colaborativa ou mais cooperativa; a
existência, ou não, de objectivos partilhados no seio do grupo conduz-nos à definição de um
indicador suficientemente forte, para que possamos classificar a tarefa como colaborativa
ou cooperativa; a forma como os diferentes elementos do grupo estabelecem a divisão do
trabalho também nos conduz à distinção de que, na cooperação, os parceiros dividem o
trabalho de forma vertical, em subtarefas independentes, resolvem-nas individualmente e
depois juntam o trabalho final e, na colaboração, os parceiros trabalham conjuntamente,
podendo, todavia, ocorrer algumas subdivisões horizontais.
Interessante verificar ainda, analisando as opiniões dos autores até agora
mencionados, que tanto a aprendizagem colaborativa, como a cooperativa, estão também
ancoradas no Paradigma Interpessoal, cujo objecto de estudo se centra no aspecto relacional
dos indivíduos quando são capazes de promover o desenvolvimento de competências de
partilha, entreajuda, construção de comunidade, gosto e motivação para aprender juntos,
aprendendo harmoniosamente sobre a atmosfera da interdependência e da pertença (Aires,
2007).
Cooperação é uma forma de colaboração, é trabalhar em conjunto para alcançar uma
meta (Johnson, & Johnson, 1999). Enquanto o processo de colaboração se pode observar
em pequenos ou grandes grupos, a cooperação refere-se, principalmente, a pequenos grupos
de indivíduos que trabalham juntos. Na esfera educativa temos professores que têm já
adoptado a cooperação como uma estrutura fundamental para a aprendizagem em contexto
de sala de aula. Parece, assim, pertinente tentar distinguir os dois conceitos e arriscar
afirmar que aquilo a que poderemos chamar de aprendizagem colaborativa é consequência da
assumpção de princípios de solidariedade e empatia para com os outros, sem que existam,
no entanto, outras obrigações explícitas. A aprendizagem colaborativa desenvolve-se no âmbito
da comunidade que veicula as relações, os seus membros sentem que “(…) ensinam uns aos
outros (…)” e “(…) aprendem uns com os outros (…)” (Aires, 2007), enquanto que a aprendizagem
51
cooperativa tem como elementos essenciais princípios claros que regem as técnicas de forma
a serem usadas pelos grupos: a presença de objectivos / metas comuns a todos os elementos
e uma divisão fixa e explícita, à partida, do trabalho de cada elemento do grupo.
Na sequência do que ficou referido anteriormente, parece-nos ser o conceito de
cooperação mais complexo do que o de interacção e colaboração, pois, o primeiro, para além de
pressupor ambos, requer relações de respeito mútuo, não hierárquicas entre os envolvidos,
uma postura de tolerância e convivência com as diferenças num processo de negociação
constante, mas, também, objectivos e actividades / acções conjuntas, coordenadas e
comuns. Em seguida, passaremos a analisar separadamente os dois conceitos, de forma a
melhor entendê-los.
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
2.3.1. Na encruzilhada da Aprendizagem Cooperativa
52
A aprendizagem cooperativa desvendou, pacientemente, as filiações e juntou as teias
de homens e mulheres que marcaram a Pedagogia e a Psicologia, sobretudo, durante os
séculos XIX e XX, criando, assim, um passado, do qual se fez, legitimamente, herdeira.
A aprendizagem cooperativa pode ser definida como uma aproximação estruturada e
metódica que, por um lado, define o encaminhamento educacional dos aprendentes e, por
outro lado, determina as técnicas de ensino utilizadas. Assim, os estudantes caminham,
em pequenos grupos, na procura de aprendizagens de níveis de cognição variados,
sendo o professor o elemento que fornece as indicações para favorecer a cooperação e a
interdependência entre os grupos (Legendre, 1993).
A Tabela 3 pretende dar uma visão geral, embora simplista, dos fundamentos teóricos
da aprendizagem cooperativa, na medida em que foi nosso propósito, no âmbito deste
trabalho, sustentar as suas raízes mais profundas nos constructos histórico-filosóficos em
que este tipo de estratégia está alicerçada Esse desenvolvimento foi objecto do sub-capítulo
anterior. Contudo, e uma vez que pretendemos desvendar os significados e as ambiguidades
inerentes aos conceitos “colaboração” e “cooperação”, pareceu-nos pertinente reforçar com
um “olhar pedagógico” o cenário de enquadramento teórico destes conceitos.
Fonte: adaptado de Johnson, & Johnson (1999)
A Tabela 4 procura sintetizar os elementos básicos constituintes da aprendizagem
cooperativa.
Itinerários de Aprendizagem Colaborativa/Cooperativa em
Contexto On line
Tabela 3 – Aprendizagem Cooperativa – Fundamentos Teóricos
53
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
Tabela 4 – Elementos básicos da Aprendizagem Cooperativa
54
Fonte: adaptado de Johnson, & Johnson (1999)
Estudos levados a cabo no âmbito de uma ampla variedade de tarefas de aprendizagem
comprovam as grandes vantagens da aprendizagem cooperativa sobre a aprendizagem
individualizada (Ferreiro, & Calderón, 2006).
Quando comparada com a aprendizagem individualizada e competitiva, a
aprendizagem cooperativa evidencia alto aproveitamento individual, alta qualidade de
estratégias de raciocínio, maior frequência na transferência para o grupo, alto nível de
novas ideias e soluções na resolução de problemas. Para além disso, os participantes que
trabalham em grupos cooperativos tendem a estar mais motivados e intelectualmente mais
activos. Sabemos hoje que estes momentos de aprendizagem cooperativos fazem também
emergir, nos estudantes, um conjunto de competências cooperativas essenciais que se
apresentam na Tabela 5.
Itinerários de Aprendizagem Colaborativa/Cooperativa em
Contexto On line
Tabela 5 – Descrição das Habilidades / Competências Cooperativas
55
Fonte: Autores
A Tabela 6 exemplifica algumas das habilidades/competências referidas na Tabela 5.
Tabela 6 – Exemplificação de Habilidades / Competências Cooperativas
HABILIDADES RELACIONADAS
COM A INTERACÇÃO
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
FORMAÇÃO
56
HABILIDADES RELACIONADAS
COM A ELABORAÇÃO COGNITIVA
FUNCIONAMENTO
FORMULAÇÃO
Respeitar as opiniões
dos outros elementos.
Dar apoio e energia ao grupo quando
Manter o nível de
ruído.
Controlar o tempo de realização da
tarefa.
Permanecer com o
grupo.
pressar pontos de vista
respeitando a tarefa que se está a
realizar.
Cuidar dos materiais
com que se está a
trabalhar.
membros do grupo que e pliquem
rientar o trabalho de grupo
Dar atenção ao
elemento que fala.
Manter uma postura
corporal correcta em
relação aos outros.
Chamar pelo nome os
outros elementos do
grupo.
controlando o tempo para o
trabalho oferecendo procedimentos
sobre as formas de realização mais
Disponibilizar se para esclarecer
d vidas ou aclarar ideias.
ceitar os contributos de outro
elemento do grupo.
omar decisões baseadas na
negociação e no consenso.
.
para desenvolver a tarefa. ssim
consegue se que esse raciocínio se a
evidente e se mostre aberto
correcção e discussão.
Corrigir o resumo de outro e agregar
a informação importante não
incluída no resumo.
consiste o con
seus componentes pensando
Fomentar a
.
sua consequ ncias e elegendo a
melhor.
Pedir a uda e aclararno que diz
respeito ao que se está fazendo
dentro do grupo.
entar gerar outras soluções
inventariar outras possíveis
soluções que possamos
escolher.
conclusão dada por um dos
elementos do grupo.
Resumir
se acabou de ler. Comentar de forma
o mais completa possível sem
recorrer a notas ou a material
original. odos os elementos do
grupo devem resumir com base na
mpliar a resposta ou a
conclusão de outro elemento
do grupo agregando
informação ou implicações.
assim a sua mem ria.
Formar os grupos
rapidamente e sem
grandes ruídos
Fazer perguntas que
conduzam a uma
compreensão análise mais
profunda.
laborar. Procurar relações entre o
que se está a aprender e outros
conte dos apreendidos
anteriormente.
pressar apoio e aceitação
Respeitar as regras /
vezes de intervir.
CONSOLIDAÇÃO
Procurar formas inteligentes de
recordar ideias e factos importantes.
Recorrer a desenhos imagens a
mentais e outras a udas para a
há las com o grupo.
plicar. Descrever como se há de
realizar a tarefa sem dar as
respostas e pedir aos colegas que o
façam.
Fonte: Autora
ntegrar ideias diferentes
numa nica conclusão.
No termo da revisão de literatura, sintetizam-se na Tabela 7 as vantagens que a
aprendizagem cooperativa tem vindo a realçar, quando aplicada como estratégia promotora
do sucesso escolar.
Itinerários de Aprendizagem Colaborativa/Cooperativa em
Contexto On line
Tabela 7 – Vantagens da aprendizagem cooperativa
57
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
2.3.2 – Nos percursos em Teias de Aprendizagem Colaborativa
58
Considerando o trabalho colaborativo como uma forma de organização deliberada,
complexa, que se constrói na inteligência da acção, com o intuito de encadear determinadas
actividades que envolvem vários elementos, aqui considerados actores, trabalhar
colaborativamente com os outros não tem sido uma prática frequente nem evidente.
Neste empreendimento, a motivação, a comunicação e a interacção constituem o núcleo
duro do trabalho colaborativo eficaz (Levan, 2004). A aprendizagem colaborativa tem
como objectivo fundamental desenvolver a dimensão social da própria aprendizagem dos
estudantes. Um dos aspectos chave no âmbito desta dimensão social da aprendizagem é o
valor da relação entre iguais, que afasta a convicção de que para aprender é indispensável
seguir as concepções de alguém dito mais competente. A aprendizagem colaborativa é,
assim, uma estratégia segundo a qual um pequeno grupo de estudantes trabalha para atingir
um determinado fim. Contrariamente ao que acontece na aprendizagem cooperativa, a
aprendizagem colaborativa não pressupõe a divisão de tarefas, na medida em que todos
os elementos do grupo trabalham de forma conjunta para a realização da tarefa do grupo.
Nos grupos colaborativos, os membros discutem as suas estratégias para solucionar
um problema, expõem as suas razões e definem o seu trabalho. Percebendo o que um
formando expressa, outro colega pode apresentar a saída alternativa, pode pedir-lhe
que explique melhor as suas ideias, que torne o seu pensamento público. Desta forma,
os formandos desenvolvem um processo contínuo de reavaliação das suas ideias através
do diálogo, da interacção, conseguindo maiores e melhores resultados em salas de aula
colaborativas, do que nas salas ditas tradicionais. Os professores, assumindo o papel
de mediadores, dedicam mais do seu tempo ao estabelecimento de interacções com os
estudantes, orientando o grupo na procura da informação e na partilha das suas próprias
experiências e conhecimentos, do que na transmissão de um saber hermeticamente
considerado. Estes mediadores em acção movem-se num grupo, modelando estratégias
de aprendizagem, intervindo na discussão e reforçando as interacções. A aprendizagem
colaborativa destaca, assim, a participação activa e a interacção tanto de estudantes, como
de professores. O conhecimento é visto como uma construção social e, como tal, o processo
educativo é favorecido pela participação social em ambientes que propiciem a interacção,
a colaboração, a avaliação e, consequentemente, o crescimento do grupo. Os estudantes
assumem-se, assim, com um novo papel no processo de ensino / aprendizagem, que
consiste em colaborar e participar no grupo de forma entusiasta e activa. O docente apenas
2.3.3 – Semelhanças e Diferenças entre Aprendizagem Cooperativa e Aprendizagem
Colaborativa
Vejamos agora alguns dos principais aspectos em que a aprendizagem cooperativa e
a aprendizagem colaborativa se assemelham e/ou diferem.
Na verdade, ambas são abordagens pedagógicas de grupo nas quais se partilham
tarefas a realizar, de forma a construir novos conhecimentos. No entanto, tal processo
apresenta-se mais formal no modelo cooperativo e menos formal no modelo colaborativo,
na medida em que, na primeira abordagem, após cada elemento ter realizado a sua tarefa,
os membros do grupo colocam o “todo” em comum. Na abordagem colaborativa o produto
final da tarefa a realizar constrói-se ao longo do processo (Ragoonaden, 2001).
Em qualquer uma destas abordagens socio-construtivistas, o papel/função
do professor/formador experimenta importantes modificações, deixando de ser um
transmissor de conhecimentos e assumindo-se como facilitador/animador do grupo e
Itinerários de Aprendizagem Colaborativa/Cooperativa em
Contexto On line
desempenha a função de mediador ajudando os formandos no cumprimento dessa função.
A colaboração envolve sinergias e parte da premissa de que “o todo é maior que a soma
das partes individuais”. Assim, aprender de forma colaborativa produz ganhos superiores
à aprendizagem dita “solitária”. Aprender colaborativamente não significa aprender em
grupo, mas implica a possibilidade de poder contar com outras pessoas para apoiar a sua
aprendizagem e dar retorno, se e quando necessário, no contexto de um ambiente de
aprendizagem não competitivo. O objectivo destes trabalhos, ditos colaborativos, é permitir
aos estudantes que trabalhem de forma autónoma sem intervenções directas do professor,
que utilizem mecanismos de colaboração como o compromisso, o encorajamento e a
negociação para interagirem entre si. Aprende-se em grupo e pelo grupo, partilhando e
construindo conhecimentos. Estas eficientes interacções permitem explorar as forças
dos pares e contrariar as fraquezas individuais num ambiente equitativo e democrático.
Valoriza-se as habilidades de pensamento crítico tais como as de clarificação, elaboração,
análise e síntese, para chegar finalmente a um entendimento. As interacções, suscitadas
pela colaboração entre pares, criam um contexto propício para a construção de novos
conhecimentos.
Para Aires (2007), a aprendizagem colaborativa desenvolve-se, então, segundo um
processo de participação, de partilha, com e pelo diálogo. Trata-se de uma aprendizagem
dialógica, baseada na interacção entre todos os participantes envolvidos.
59
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
60
organizador dos parâmetros do ambiente cooperativo e/ou colaborativo, facilitadores da
aprendizagem dos estudantes. O professor/formador clarifica os objectivos dos conteúdos
a apreender, fornece instruções sobre o material necessário e estrutura o ambiente, com o
objectivo de potenciar ao máximo as interacções entre os aprendentes. É ainda o professor/
formador quem se ocupa da distribuição dos trabalhos, da estrutura, seja cooperativa, seja
colaborativa, da observação e do acompanhamento das interacções entre os estudantes.
Por seu lado, os formandos devem procurar, não só adaptar-se ao novo papel
desempenhado pelo professor/formador, assumindo-o como membro de uma equipa
cooperativa e/ou colaborativa, como devem, também, procurar “saborear” a sua
aprendizagem e a dos seus parceiros, partilhando o seu conhecimento com os seus pares, ao
invés de “declarar” a aprendizagem como fruto de um cenário de competição (Ragoonaden,
2001). Aqui o estudante aprende não com o intuito de obter uma boa nota no exame/teste,
mas porque está interessado na apreensão de conteúdos, quer em cooperação, quer em
colaboração, com os seus pares, aperfeiçoando os seus conhecimentos (Ragoonaden, 2001).
O grupo funciona como agente motivador dos estudantes, estimulando-os a ir para
além das exigências inerentes ao trabalho dito académico. Estes processos proporcionam
um apoio ao estudante isolado geográfica ou socialmente, permitindo-lhe manter a
comunicação com os seus pares, dando-lhe oportunidade para fazer parte de uma pequena
comunidade de aprendizagem. A aprendizagem cooperativa e/ou colaborativa permite,
ainda, aos estudantes, tornarem-se participantes activos nas actividades dos seus cursos. Os
estudantes, organizados em pequenos grupos, assumem, efectivamente, a responsabilidade
da sua própria aprendizagem. Eles aprendem em grupo e pelo grupo (Ragoonaden, 2001).
As investigações neste âmbito mostram, ainda, que os reagrupamentos cooperativos
e/ou colaborativos permitem que os estudantes trabalhem a um nível de cognição mais
Em qualquer uma destas abordagens socio-construtivistas, o papel/função do professor/
formador experimenta importantes modificações, deixando de ser um transmissor de
conhecimentos e assumindo-se como facilitador/animador do grupo e organizador dos
parâmetros do ambiente cooperativo e/ou colaborativo, facilitadores da aprendizagem dos
estudantes. O professor/formador clarifica os objectivos dos conteúdos a apreender, fornece
instruções sobre o material necessário e estrutura o ambiente, com o objectivo de potenciar
ao máximo as interacções entre os aprendentes. É ainda o professor/formador quem se
ocupa da distribuição dos trabalhos, da estrutura, seja cooperativa, seja colaborativa, da
observação e do acompanhamento das interacções entre os estudantes.
Por seu lado, os formandos devem procurar, não só adaptar-se ao novo papel
Itinerários de Aprendizagem Colaborativa/Cooperativa em
Contexto On line
desempenhado pelo professor/formador, assumindo-o como membro de uma equipa
cooperativa e/ou colaborativa, como devem, também, procurar “saborear” a sua
aprendizagem e a dos seus parceiros, partilhando o seu conhecimento com os seus pares, ao
invés de “declarar” a aprendizagem como fruto de um cenário de competição (Ragoonaden,
2001). Aqui o estudante aprende não com o intuito de obter uma boa nota no exame/teste,
mas porque está interessado na apreensão de conteúdos, quer em cooperação, quer em
colaboração, com os seus pares, aperfeiçoando os seus conhecimentos (Ragoonaden, 2001).
O grupo funciona como agente motivador dos estudantes, estimulando-os a ir para
além das exigências inerentes ao trabalho dito académico. Estes processos proporcionam
um apoio ao estudante isolado geográfica ou socialmente, permitindo-lhe manter a
comunicação com os seus pares, dando-lhe oportunidade para fazer parte de uma pequena
comunidade de aprendizagem. A aprendizagem cooperativa e/ou colaborativa permite,
ainda, aos estudantes, tornarem-se participantes activos nas actividades dos seus cursos. Os
estudantes, organizados em pequenos grupos, assumem, efectivamente, a responsabilidade
da sua própria aprendizagem. Eles aprendem em grupo e pelo grupo (Ragoonaden, 2001).
As investigações neste âmbito mostram, ainda, que os reagrupamentos cooperativos
e/ou colaborativos permitem que os estudantes trabalhem a um nível de cognição mais
elevado (Hertz-Lazarowitz et al., 1980; Sharan, & Shachar, 1988; Johnson, Johnson, &
Holubec, 1990, citados por Ragoonaden, 2001). O intercâmbio entre estudantes reforça a
interacção e permite-lhes trabalharem conjuntamente na realização de uma determinada
tarefa. Os estudantes aprofundam técnicas de análise, de interpretação, de negociação e de
comunicação e têm oportunidade de explorar ideias novas, justificar as suas opiniões e fazer
a síntese dos seus conhecimentos num ambiente de aprendizagem enraizado de respeito
mútuo. Eles não são encorajados a competir, mas, pelo contrário, a compartilhar o seu
conhecimento, a entre ajudarem-se para produzirem um trabalho de qualidade superior
(Ragoonaden, 2001).
Atendendo a que a interacção / comunicação é fortemente encorajada, o nível de
socialização entre os estudantes também é muito elevado (Slavin, 1995), especialmente entre
aqueles que estão inscritos num programa de formação à distância, onde o enquadramento
dos aprendentes é de primordial importância. Slavin (1995) demonstrou que a cooperação
e a colaboração afectam de maneira positiva o rendimento académico, as relações sociais, o
conceito de si mesmo e as relações interculturais entre os aprendentes. Este autor referiu,
no entanto, que, para que isso seja possível, a aprendizagem cooperativa e/ou colaborativa
deve estar estruturada de forma a favorecer a interacção e a motivação necessária para
61
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
62
um trabalho em grupo, pelo que é necessário criar, com rigor, ambientes pedagógicos
que permitam aos aprendentes a utilização de determinadas habilidades cognitivas que
facilitem o trabalho em grupo.
Resumindo, observa-se, através de diversos conceitos, que os termos “cooperação”
e “colaboração” designam actividades de grupo cujo objectivo é comum. Apesar das suas
diferenças teóricas e práticas, ambos os conceitos derivam de dois postulados principais:
por um lado, a rejeição ao autoritarismo, à condução pedagógica com motivação
hierárquica, unilateral. Por outro lado, trata-se de concretizar uma socialização, não só
“pela” aprendizagem, mas, principalmente, “na” aprendizagem. Desta forma, os dois
postulados organizam-se mediante um instrumento que equaciona a comunicação directa,
contínua e construtiva.
Contudo, embora as abordagens cooperativa e colaborativa salientem a participação
activa dos estudantes no processo de aprendizagem, encorajem comportamentos sociais
como a clarificação, a negociação, o encorajamento e o compromisso, e desenvolvam
competências cognitivas como as associadas à investigação, à análise e à síntese, as aplicações
destas abordagens pedagógicas são diferentes.
De acordo com Bruffee (1995), a abordagem colaborativa tem as suas origens num
construtivismo social em que o enfoque é colocado na construção dos saberes com base
nas interacções que se estabelecem no seio de uma comunidade de aprendizagem (cf.
Ragoonaden, 2001). Para além do “Grupo de Consenso de Sala de Aula” de Bruffee (1995),
existem poucos modelos colaborativos escritos. Na abordagem colaborativa, a tónica é
sempre colocada nos procedimentos de negociação e compromisso entre os estudantes. O
papel do professor no grupo torna-se, por isso, bastante diminuto.
Assim, segundo Panitz (1997), a aprendizagem colaborativa é uma filosofia pessoal
e não apenas uma estratégia de trabalho pedagógico. Em todas as situações colaborativas
emerge uma forma de ser e de estar que respeita e enaltece as competências e contribuições
individuais de todos os elementos do grupo. Deste modo, a premissa básica da aprendizagem
colaborativa é a construção do consenso através da cooperação dos membros do grupo.
A actividade colaborativa é, antes de mais, voluntária, apela à autonomia e combina
processos de trabalho individual e colectivo. É um processo mais democrático do que
a cooperação, concedendo mais poder ao formando, num clima de responsabilidade e
autonomia. Na colaboração, a ênfase é colocada na realização da tarefa pelo formando,
podendo utilizar o grupo como recurso.
Por seu lado, a cooperação é, para o mesmo autor, uma estrutura de interacção
Itinerários de Aprendizagem Colaborativa/Cooperativa em
Contexto On line
desenhada para facilitar o alcance de um(a) objectivo/meta/finalidade específico(a) por um
grupo de indivíduos que trabalham juntos. Na cooperação, a ênfase recai na realização da
tarefa pelo grupo, baseada nas subtarefas de cada formando. A aprendizagem cooperativa
consiste, assim, num conjunto de processos que ajudam os elementos do grupo a interagirem
para alcançar o resultado final, sendo um processo mais dirigido e controlado do que um
sistema colaborativo. A cooperação é uma abordagem muito mais estruturada, isto é, tanto
os estudantes, como o professor/formador, assumem o desempenho de papéis específicos.
Na perspectiva cooperativa dita mais formal, nem o professor, nem os estudantes, podem
divergir do percurso traçado pelo modelo a seguir.
Ainda que o objectivo mais importante, quer da aprendizagem cooperativa, quer da
colaborativa, seja tornar os estudantes responsáveis pela sua própria aprendizagem, para
Bruffee (1995) a aprendizagem colaborativa tende a diminuir essa mesma responsabilidade,
dado o tipo de procedimentos que se vão estabelecendo no trabalho de grupo.
As relações estabelecidas entre estudantes e professores permanecem as mesmas
no agrupamento colaborativo, ou no agrupamento cooperativo. Os aprendentes são
conjuntamente responsáveis pelas suas aprendizagens. No entanto, é possível evidenciar
uma interdependência positiva nas metodologias ditas cooperativas e uma independência
nas abordagens mais colaborativas.
Ainda que seja reconhecido que, tanto no processo da cooperação, como no da
colaboração, o professor tenha que gerir os parâmetros e deva fazer a avaliação do trabalho
individual e de grupo, há duas pequenas distinções a estabelecer quanto aos papeis do
professor e dos aprendentes: (a) na abordagem cooperativa, o professor integra-se no grupo
de trabalho, enquanto que (b) na abordagem dita colaborativa, o professor distancia-se do
grupo.
Tal como o professor, também os aprendentes têm papéis específicos a desempenhar,
ou seja, assumem vários papéis numa equipa de trabalho cooperativo, enquanto que, numa
equipa de trabalho tipicamente colaborativo, têm apenas o papel de animador. As grandes
distinções entre as duas abordagens situam-se ao nível da aplicação dos modelos pedagógicos,
traduzindo-se num percurso muito estruturado para a aprendizagem cooperativa e num
percurso muito mais flexível para a aprendizagem tipo colaborativa.
Bruffee (1995) analisa estes dois enfoques com base numa linha de continuidade
(Figura 2), que vai de um sistema muito controlado e centrado no professor (cooperativo) a um
sistema centrado no estudante, onde o professor e os estudantes dividem a responsabilidade,
a autoridade e o controlo do processo ensino / aprendizagem (colaborativo).
63
Figura 2 – Linha de Continuidade Colaboração / Cooperação
Fonte: Autora
O facto de a abordagem colaborativa favorecer a independência do aprendente,
torna-a suficientemente adequada para o ensino à distância. Mais adiante iremos ver as
razões que sustentam esta afirmação.
As semelhanças e as diferenças entre as aprendizagens colaborativa e cooperativa
são as que se resumem na Tabela 8, pese embora o facto de nos enunciados, propostos por
Bruffee (1995), algumas das distinções entre as duas abordagens se revelarem controversas.
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
Tabela 8 – Aprendizagens colaborativa e cooperativa. Semelhanças e
diferenças
64
Fonte: adaptado de Oxford, 1997, p. 444
Itinerários de Aprendizagem Colaborativa/Cooperativa em
Contexto On line
Pela análise dos dados contidos na Tabela 8, constata-se que Bruffee (1995) enaltece
as principais características que definem as aprendizagens colaborativa e cooperativa,
emergindo aspectos muito interessantes em torno de alguns indicadores:
•
em ambos os cenários, os estudantes são conjuntamente responsáveis
pelas suas aprendizagens;
• embora sendo reconhecido que o professor tenha de gerir os parâmetros de
cooperação e colaboração e deva fazer a avaliação do trabalho individual e de grupo,
registam-se duas pequenas distinções quanto aos papéis do professor e dos estudantes:
• na abordagem cooperativa, o professor deve integrar-se no grupo de trabalho,
enquanto que, na abordagem colaborativa, se deve distanciar do grupo;
• também os estudantes assumem funções específicas em cada uma das abordagens,
ou seja, desempenham vários papéis numa equipa de trabalho cooperativo, mas, numa
equipa de trabalho colaborativo, têm apenas o papel de animador;
• de acordo com o que ficou apresentado na Tabela 8, as únicas grandes distinções
entre as duas abordagens são ao nível da aplicação dos modelos pedagógicos, o que se
traduz num percurso muito estruturado para a aprendizagem cooperativa e num percurso
muito flexível para a aprendizagem colaborativa.
Para completar de forma mais enriquecedora a moldura em torno das sinergias
para a definição daqueles dois conceitos, apresenta-se na Tabela 9 a distinção proposta
por Henri, & Lundgren-Cayrol (1997) baseada num conjunto diversificado de elementos
diferenciadores.
65
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
Tabela 9 – Comparação entre a abordagem cooperativa e colaborativa
66
Fonte: adaptado de Henri, & Lundgren-Cayrol, 1997
Para completar de forma mais enriquecedora a moldura em torno das sinergias
para a definição daqueles dois conceitos, apresenta-se na Tabela 10 a distinção proposta
por Henri, & Lundgren-Cayrol (1997) baseada num conjunto diversificado de elementos
diferenciadores.
Tabela 10 – Comparação entre a abordagem cooperativa e colaborativa
Fonte: adaptado de Henri, & Lundgren-Cayrol, 1997
Mais recentemente, Barbosa & Pessoa (2007) elaboraram um quadro comparativo
entre a aprendizagem cooperativa e a aprendizagem colaborativa, conforme se transcreve
na Tabela 11.
Fonte: adaptado de Barbosa & Pessoa, 2007
Pela análise da Tabela 11, é possível observar que, tanto a aprendizagem cooperativa,
quanto a colaborativa, estão direccionadas para actividades de grupo com um mesmo
objectivo. As diferenças são percebidas, fundamentalmente, na regularidade da troca, na
organização do trabalho em conjunto e na coordenação, a saber: a colaboração implica um
processo mais aberto; a cooperação exige uma maior organização do grupo, com controlo
da situação pelo professor / formador.
Embora, do ponto de vista conceptual estes dois conceitos consigam ser enunciados
Itinerários de Aprendizagem Colaborativa/Cooperativa em
Contexto On line
Tabela 11 – Comparação entre aprendizagem cooperativa e
aprendizagem colaborativa
67
de forma a evidenciar semelhanças e diferenças, nos contextos de prática educacional
nem sempre tal diferenciação se torna por demais evidentes o que se reflecte na constante
controvérsia em torno do significado destes dois termos.
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
3 – Um novo contexto do processo de ensino aprendizagem: o virtual
68
O facto do ensino online pressupor o uso de ferramentas informáticas promotoras de
interacção, faz despontar um novo “contexto” do processo ensino / aprendizagem onde se
estabelece um binómio interrelacional de partilha e combinação de traços identitários, quer
do Ensino a Distância – a independência do espaço e do tempo e a comunicação centrada no
texto –, quer do ensino presencial – a comunicação baseada no grupo-classe. Tal contexto
de virtualização proporciona uma comunicação não só bidireccional, como também
multidireccional, onde professor e alunos iniciam e respondem a interacções de todos os
participantes (comunicação um – para – um, um – para – muitos, muitos – para – muitos),
caracterizando-se, por isso, pelo desenvolvimento de um elevado nível de interacção
(e-feedback) entre indivíduos.
A reflexão que tem vindo a ser feita no âmbito do presente estudo mostra um
claro e evidente consenso para a necessidade e urgência em transformar os sistemas de
educação / formação vigentes para conseguir dar resposta às exigências actuais da sociedade
da informação e do conhecimento. Tal transformação coloca ao ensino online um conjunto
de desafios que se destacam em torno da emergência do grupo enraizado na comunicação
mediada por computador.
Este factor introduz alterações suficientemente profundas relativamente a aspectos
estruturantes do Ensino a Distância dito convencional. Alguns autores sustentam, mesmo,
a ideia de uma mudança de paradigma no universo do Ensino a Distância. Outros realçam,
apenas, um novo domínio educativo. De acordo com a tese de Morgado (2003, 2005), é a
emergência do grupo e do aprender juntos que abre, verdadeiramente, as portas a um vasto
conjunto de metodologias de trabalho até então não aplicáveis na Educação a Distância e
que se enraízam na interacção e colaboração entre os membros desse grupo. Na opinião
de Garrison & Anderson (2005), a característica fundamental da Educação online não se
restringe ao facto de facilitar o acesso à informação, mas sim de potenciar a comunicação
e a interacção.
No contexto do Ensino a Distância, onde a socialização estava omissa, estes desafios
sustentam o aumento e a diversificação exponencial de variáveis como: a possibilidade de
Itinerários de Aprendizagem Colaborativa/Cooperativa em
Contexto On line
interacção (aluno / conteúdos, aluno / aluno e aluno / professor); a partilha de informação;
a construção individual e colectiva do conhecimento.
O leque de “mais valias” conquistadas com o Ensino online e com a existência do
“grupo” na Educação a Distância vai permitir redimensionar o “olhar pedagógico” numa
perspectiva de construção e implementação de uma maior diversidade de actividades,
materiais e formas de trabalho, combinando o estudo individual com uma forte
componente colaborativa – a génese de uma comunidade de saber(es) – , o que pode
afirmar-se como sendo um dos traços identitários do Ensino online. Com efeito, a definição
de uma área de interesses e de objectivos comuns fomentará a noção de que todos os
elementos da comunidade partilham uma identidade de grupo. A criação desses laços
potenciará relações de interdependência que permitirão uma resolução mais eficaz de
problemas (partindo da contribuição de cada um dos elementos da comunidade), o que
tenderá para a tal construção e (re)construção colectiva de conhecimentos já prevista por
Teilhard de Chardin e defendida por Lévy (1999). Por outro lado, o Ensino online reúne os
processos de ensino / aprendizagem e reintroduz o professor como elemento fundamental
na condução, orientação e validação das aprendizagens. A boa ou má mediação depende
muito do professor, não havendo tecnologia que “salve” a situação quando ele não for
capaz de colocar os grupos de trabalho a funcionarem de modo a que todos aprendam,
individualmente e em conjunto. Estes aspectos parecem aproximar o Ensino a Distância
do ensino presencial, no que concerne o papel e funções desempenhadas pelo professor,
na medida em que o processo de ensino / aprendizagem vai, nestes novos contextos,
depender, tal como acontece no ensino presencial, do perfil de competências profissionais
do professor / formador.
Para Harasim (2000) o Ensino online permite reunir todas as possibilidades técnicas e
pedagógicas para se afirmar como um novo domínio, pedagogicamente superior ao sistema
de ensino presencial e à modalidade de Educação a Distância tradicional, juntando as mais
valias daquele e desta.
A Tabela 12 apresenta uma tentativa de caracterização do potencial da Educação
online, demonstrando os benefícios emergentes das convergências possíveis entre as mais
valias do ensino presencial e as do Ensino a Distância dito convencional.
69
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
Tabela 12 – Convergências do Ensino Presencial (EP) e do Ensino a
Distância (EaD) para o Ensino Online
70
Fonte: Autora
4. Investigação Empírica
4.1. Dimensões para a construção da problemática
O presente projecto de investigação pretende constituir-se como um contributo para
o estudo da problemática dos Itinerários de @prendizagem colaborativa / cooperativa
em ambientes virtuais de aprendizagem, no contexto específico dos cursos de formação
de tutores em e-learning, ministrados em regime online, na Universidade Aberta
portuguesa. Esta problemática específica centra-se nas dimensões histórico-filosoficopedagógicas, em contexto de ensino / aprendizagem online, que influenciam o trabalho
colaborativo / cooperativo numa sala de aula virtual.
4.2. Objectivos e questões de partida geradoras de investigação
Tendo em consideração a problematização atrás descrita, constitui-se objectivo deste
estudo analisar e estudar a forma como, os oitenta e sete formandos dos cursos de e-tutores,
ou seja, os futuros e-tutores a integrar nas turmas dos cursos das licenciaturas oferecidas
pela Universidade Aberta Portuguesa, vivenciam e analisam o trabalho cooperativo e
colaborativo desenvolvido no âmbito das diferentes actividades do curso de formação de
Itinerários de Aprendizagem Colaborativa/Cooperativa em
Contexto On line
Para Garrison e Anderson (2005), o Ensino online transforma, inevitavelmente, a
forma de abordar a Educação e a aprendizagem no século XXI. Em virtude da sua natureza
inovadora, ele produz novos modos de organizar as actividades e de gerir o tempo, alterando
as relações entre os elementos intervenientes nos processos de formação. Tudo isto pode
transformar profundamente os anteriores cenários de formação e tornar outros actuais,
com características próprias, ainda não passíveis de delimitação.
71
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
72
tutores em e-learning que frequentam antes de iniciarem a sua actividade profissional nesta
instituição universitária num total de cinco semanas de formação.
Interessava-nos compreender, tendo em conta o curso de formação / preparação que
frequentaram, o que nele destacam, quer do ponto de vista positivo, quer do ponto de vista
dos problemas/constrangimentos. Pretendemos, desta forma, identificar os elementos
facilitadores e os elementos inibidores da aprendizagem colaborativa / cooperativa, em
contexto online e, eventualmente, equacionar perspectivas de reflexão, no que concerne às
dimensões e sub-dimensões pedagógicas que lhe são subjacentes no âmbito do design das
respectivas actividades presentes na especificidade destes cursos.
Do problema de estudo e dos objectivos, fizemos emergir, neste contexto, as seguintes
macro questões que norteiam esta investigação:
“Na especificidade do Ciberespaço, num contexto de Sala de Aula Virtual desenhada
exclusivamente para os Cursos de Tutores em E-learning da Universidade Aberta
• Quais os factores facilitadores/ inibidores de aprendizagem colaborativa /
cooperativa?
• Que dimensões e sub-dimensões pedagógicas emergem como fundamentais, na
construção e design de uma actividade, para que o trabalho colaborativo/cooperativo seja
potenciado?”
• Que variáveis influenciam a organização e a condução das actividades
colaborativas / cooperativas em contexto de “sala de aula virtual”?
• Quais os elementos essenciais que influenciam o trabalho colaborativo/
/cooperativo ao nível de uma comunidade virtual de aprendizagem?
• Será que os formandos (estudantes) percepcionam as diferenças teóricas entre
trabalho colaborativo e cooperativo (defendidas por muitos autores na literatura) ao
vivenciarem a especificidade deste curso de formação?
Foi na procura de algumas possíveis soluções para o problema em estudo, bem
como de algumas respostas às questões norteadoras deste estudo que empreendemos esta
investigação.
4.3. Opções metodológicas
Enquadrando a moldura deste estudo no âmbito do espírito científico, entendido
como uma rectificação do saber, um alargamento de quadros de conhecimento,
percorremos os Itinerários de @prendizagem colaborativa / cooperativa em ambientes
virtuais de aprendizagem, no contexto específico dos cursos de formação de tutores em
e-learning, ministrados em regime online na Universidade Aberta, definindo-o como “palco”
da investigação única a desenvolver.
Num total de 87 formandos, este cenário de investigação permitiu acompanhar
a 3ª edição do Curso de Tutores em e-learning, constituído por quatro turmas virtuais,
que vivenciaram um design de curso, composto por três actividades de natureza distinta:
colaborativa, individual e cooperativa. Foram construídos, aplicados e tratados os dados
recolhidos com a aplicação de três inquéritos (questionários) a cada um dos formandos
participantes, de forma a fazer emergir a suas opiniões, tendo em consideração as diferentes
actividades do curso pelas quais passaram. Da mesma forma procedemos a um extenso e
moroso processo de análise de conteúdo das intervenções destes mesmos formandos em
Fórum Colaborativo (Actividade 1) e em Fórum de Equipas (Actividade 3).
A consequente análise de dados permite-nos responder com total transparência, às
questões que deram sentido à “bússola” que norteou esta investigação.
“Na especificidade do Ciberespaço, num contexto de sala de aula virtual:
• Quais os factores facilitadores / inibidores da aprendizagem colaborativa /
cooperativa?”
No que diz respeito a esta questão, o estudo por nós conduzido alerta-nos para
o facto de não ser, na verdade, e ao contrário do que nos faria supor por uma intuição
contagiada pela experiência do presencial, um factor inibitório o desconhecimento dos
elementos do grupo / equipa; nem o facto desta aprendizagem ser realizada através da
mediação da tecnologia, nem o factor tempo, motivação ou formação prévia. Assumemse estes como elementos neutros no processo por estes formandos vivenciado. Contudo,
parece-nos facilitar este tipo de aprendizagem aspectos relacionados com o design do curso
(clareza de objectivos, natureza das tarefas, qualidade de recursos disponibilizados pelo
formador, entre outras) e com as interacções sociais online ocorridas não só entre colegas
como também entre estes e o formador. Sendo que, este último, se assume com carácter
facilitador ao processo se desempenhar a importante função de mediador da comunicação
ou de elemento de bastidor estruturante de toda esta dinâmica.
• Que dimensões e sub dimensões emergem, como fundamentais, na construção e design de
uma actividade, para que o trabalho colaborativo / cooperativo seja potenciado?”
Relativamente a esta macro questão, o estudo por nós desenvolvido fez enaltecer a
Itinerários de Aprendizagem Colaborativa/Cooperativa em
Contexto On line
Considerações Finais
73
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
dimensão de design instrucional do curso como aquele que nos parece mais responsável
pelo sucesso, quer da actividade colaborativa, quer da cooperativa em contexto online. Se
bem que líder de todas as sinergias sentidas em cada uma das actividades, esta dimensão
controlou as rédeas de todo o “palco” onde as “personagens” interagiram no processo de
construção do conhecimento. É a dimensão instrucional que se afirmou como motivo e
motor das restantes dimensões, favorecendo o exponenciar da dimensão da interacção
social (e consequentemente da dimensão pessoal) minimizando, de forma explícita, o factor
que poderia apresentar-se como inibitório e que se prende com a dimensão tecnológica.
Mais uma vez afirmamos convictamente que, a aprendizagem colaborativa/cooperativa em
contexto online assenta em premissas de design instrucional muito consciente e articulado
entre todos os seus elementos curriculares, ditando a eficácia, ou não, da aprendizagem
colaborativa e/ou cooperativa nestes contextos virtuais, com base na eficaz utilização das
ferramentas tecnológicas de comunicação que podemos ou não ter ao dispor de uma
determinada situação do processo ensino-aprendizagem online.
A este propósito e com base em todo o processo de investigação empírica construído
neste estudo, ousámos desenhar uma figura piramidal que transmite, de forma clara e
hierarquizada (pela quantidade de intervenções ocorridas em fórum) as dimensões inerentes
à especificidade da aprendizagem colaborativa emergentes neste contexto de investigação
74
Figura 3 – Dimensões da Actividade Colaborativa emergentes do
contexto específico desta investigação
Fonte: Autora
Tendo em consideração a dimensão do design instrucional que se apresentou como
“motivo e motor” da figura piramidal acima apresentada, verificamos que os formandos
Figura 4 – Dimensões da Actividade Cooperativa emergentes do
Contexto específico desta investigação
Fonte: Autora
A actividade cooperativa surge-nos com uma nova engenharia de dimensões.
Embora e mais uma vez o design instrucional do curso fosse “o leme” de estruturação do
que se vivenciou em fóruns de equipa, verificámos que o início do princípio nasce numa
dimensão psicológica de cariz motivacional explícito, em que se deseja a coesão do grupo/
Itinerários de Aprendizagem Colaborativa/Cooperativa em
Contexto On line
iniciaram todo o seu processo colaborativo através de uma fase de trabalho autónomo,
individual, tendo em conta a temática a tratar, a natureza da tarefa a realizar, os recursos
disponibilizados e os objectivos a alcançar. De seguida, esta fase da actividade dá lugar a uma
dimensão pedagógica de natureza mais colaborativa onde os formandos são convidados de
forma espontânea a interagir uns com os outros, concordando, discordando, comentando,
complementando, enriquecendo, questionando a fase anterior. Lançar dúvidas sobre o
pensamento do outro, questionar o nosso próprio pensamento até então…. Enfim: reflectir.
De uma forma menos presente mas espelho da existência de uma ligação contínua entre
os indicadores mais colaborativos com os indicadores mais cooperativos, damos conta de
que a actividade colaborativa permitiu aproximar-nos de um fugaz momento de produção
colectiva, de síntese construída, de conhecimento filtrado e partilhado. Uma actividade
em que a dimensão pedagógica se impôs pela sua vitalidade recorrendo espontaneamente à
natureza da participação em grande grupo também ela geradora de motivação oculta, não
necessariamente explícita em indicadores escritos.
Procedemos de igual modo para a Actividade cooperativa deste curso desenhando
uma figura que apresentamos de seguida.
75
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
76
equipa, se ousa chamar a si o seu “semelhante”, se desenha uma necessidade oculta de
sentir “colo” nos seus pares. Assim que este novo “nicho ecológico” se arquitecta, há que
orientar a “alcateia”, há que liderar a tarefa, há que organizar o espaço, o tempo, o grupo em
torno de um objectivo comum: conseguir. Assim que a dimensão psicológica está enraizada
numa plataforma de segurança ousa-se avançar para a dimensão pedagógica de natureza
individual em que cada um cumpre religiosamente a sua tarefa de forma autónoma e
independente. Mas… o “porto de abrigo” torna-se um íman…atrai de forma espontânea os
seus elementos, em diferentes momentos como se de um sistema solar se tratasse. O Sol é
o Fórum de Equipa que atrai os formandos - planetas que giram com total independência à
sua volta num espaço virtual imenso mas que, pela força da gravidade se mantêm em órbitas
próximas. É esta metáfora que nos ajuda a demonstrar a existência da fase seguinte em que
a dimensão psicológica da entreajuda se desenha em grande número de intervenções. Por
fim, a dimensão pedagógica volta a surgir numa apresentação de produto final conseguido
pela forma cooperativa com que todos desempenharam a sua função.
Numa procura mais cirúrgica de respostas às questões mais particulares, entretanto
definidas para este estudo, a saber:
• Que variáveis influenciam a organização e a condução das actividades
colaborativas / cooperativas em contexto de “sala de aula virtual.
Transparece que as variáveis mais influentes na condução de actividades de cariz
colaborativo e/ou cooperativo online se prendem com a natureza da actividade em si, com
os objectivos a alcançar e com o tipo de tarefas que lhe estão subjacentes, na medida em
que, são estas que “ditam”a necessidade maior ou menor interacção e construção conjunta
de conhecimento.
Dentro deste conjunto de variáveis salientam-se: a definição de objectivos claros
e operacionalizáveis; a qualidade dos recursos científicos e tecnológicos promotores de
diálogo e interacção assíncrona, que enquadram a respectiva tarefa; o tempo planificado
para a mesma e o papel do formador não como transmissor de conteúdos mas como
mediador da distância transacional desejada.
• Quais os elementos essenciais que influenciam o trabalho colaborativo /
cooperativo ao nível de uma comunidade virtual de aprendizagem?
Compreender bem os objectivos inerentes à actividade, fazer uma boa gestão do
tempo, utilizar de forma potenciada os recursos tecnológicos e científicos disponibilizados,
participar de forma regular e motivada nas tarefas que exigem essa solicitação bem como
nutrir sentimentos de entreajuda e compreensão pelos colegas, assente num diálogo
Itinerários de Aprendizagem Colaborativa/Cooperativa em
Contexto On line
constante e na manutenção de uma distância transacional adequada, parecem assumiremse como elementos essenciais a um estudante online que, no âmbito de uma comunidade
virtual de aprendizagem, poderá tirar benefício acrescido de toda a dinâmica colaborativa
e/ou cooperativa instalada num cenário desta natureza.
• Será que os formandos (alunos) percepcionam as diferenças teóricas entre trabalho
colaborativo e cooperativo (defendidas por muitos autores na literatura) ao vivenciarem a especificidade
deste curso de formação?
É interessante notar que a investigação desenvolvida neste estudo sublinha,
na generalidade, todas as premissas teóricas que sustentam o sucesso da aprendizagem
colaborativa / cooperativa em contexto presencial ou online. Demarca-se a importância da
participação, da partilha com e pelo diálogo (Aires et al; 2007) e da produtividade não só na
construção de conhecimento como também no estabelecimento de interacções sociais que
relevam a postura de que “aprender juntos” é mais motivante, mais produtivo e desafiador
do que “aprender sozinho”. Contudo, salientamos que, nesta investigação os resultados
não apontam para uma diferença nítida de opiniões entre os formandos relativamente à
separação teórica inerente ao design da Actividade de cariz colaborativos e ao da Actividade
de cariz cooperativo, não sendo muito clara a distância de separação entre a eficácia,
produtividade, interacções, etc, entre estes dois tipos de aprendizagem vista pelo olhar de
opinião dos formandos.
Concluímos assim que, no cenário palco deste estudo de investigação, a natureza do
design instrucional das actividades não permitiu aos formandos posicionarem-se de forma
mais nítida e clara quanto o desejaríamos relativamente às diferenças teóricas entre um tipo
de aprendizagem e o outro.
Tal como Brufee (1995) refere, existe uma linha de continuidade entre estes dois
tipos de enfoques pedagógicos, sendo que, neste curso, somos levados a pensar que estas
duas actividades se situam em pontos muito próximos desta mesma linha imaginária.
Numa sociedade já com mais de uma década de vivência no século XXI nascem,
crescem e desenvolvem-se contextos e pretextos para o processo ensino / aprendizagem
online ser considerado, hoje em dia, o cerne do debate em agenda, a propósito dos temas
educacionais que perspectivam a sua utilização eficaz e potenciada em termos de formação/
educação num mundo global com espaços de arquitectura virtual. “Dar novos mundos
ao mundo” é o grito da flexibilidade na aprendizagem por itinerários de colaboração /
cooperação online, onde o berço do virtual parece ser o “nicho ecológico” ideal para a
construção do conhecimento que se deseja colectivamente construído e partilhado através
77
da génese das comunidades virtuais formais ou informais que se despoletam em redes sociais,
via Web. Urgiu tomar consciência reflexiva sobre algumas contradições e tensões associadas
a este novo desabrochar do mundo. Em contexto online, a acção de colaborar/cooperar, por
si só, não conduz necessariamente a novos conhecimentos, há que desenhar um processo
de encaminhamento, de mediação pedagógica de modo a que sejam desencadeadas todas
as variáveis potenciadoras e facilitadoras desta emergência, bem como prever todo um
cenário de controlo dos factores inibitórios adjacentes a esta situação. O dealbar de um
novo contexto de ensino aprendizagem – o online, bem como de todo o grupo de factores
satélite ao nível da comunicação, que circulam em suas órbitas interdependentes, de forma
a potenciar (ou não) a aprendizagem em contexto colaborativo e/ou cooperativo, fizeram
deste estudo uma “lupa”. Esta “lente” procura aumentar a nitidez sobre as dimensões
que revestem o envolvimento e a participação, dos estudantes, numa comunidade de
aprendizagem online específica, onde estes se assumiram como actores empreendedores
na construção do seu próprio conhecimento, facilitada pela relação empática, via Web,
enquanto tecnologia de suporte e assente num design instrucional solidamente sustentado
do ponto de vista teórico.
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
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78
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Capítulo 4
A NOÇÃO DE COMPETÊNCIA E SUAS
VÁRIAS IMPLICAÇÕES
Manoel Pereira da Costa
A
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
ntes do compromisso, há hesitação, a oportunidade de
recuar; uma ineficácia permanente. Em todo ato de
iniciativa (e de criação), há uma verdade elementar
cujo desconhecimento destrói muitas idéias e planos esplêndidos.
No momento em que nos comprometemos de fato, a providência
também age. Ocorre toda espécie de coisas para nos ajudar;
coisas que de outro modo nunca ocorreriam. Toda uma cadeia
de eventos emana da decisão, fazendo vir em nosso favor todo
tipo de encontros, de incidentes e de apoio material imprevistos,
que ninguém poderia sonhar que surgiriam em seu caminho.
Começa tudo o que possas fazer, ou que sonhas poder fazer.
A ousadia traz em si o gênio, o poder e a magia. (Goethe) O
82
propósito deste capítulo é o de buscar entender competências
nas matrizes de referências do condutivismo, do funcionalismo
e do construtivismo.
Busca-se, também, verificar a correlação existente entre modelos do mundo do
trabalho e a noção de competência, e, no final, mostrar que competência é mais abrangente
que qualificação. As questões que orientam a reflexão são: os objetivos do ensino visam a
eficiência social? Até que ponto? Como superar o objetivismo? Como deslocar o foco dos
processos educativos de conteúdos para o sujeito que aprende?
O segundo bloco de questões atém-se a correlação do significado de competência
e seu atrelamento ao taylorismo, toyotismo, neo-taylorismo e holismo: como manifestase
ela em cada um dos modelos? O terceiro bloco: competência e qualificação são semas
idênticos? Em que diferenciam?
No mundo da educação, a que acolheu a competência foi a educação profissional.
Mas a polissemia e a plasticidade da noção de competência permitiram que ela se adaptasse
a vários contextos. Tanguy (1997, p. 38-39) observa:
A união com a noção de competência efetuou-se mais facilmente no
meio escolar porque já parecia naturalizada pela difusão que conhece
em outros meios, e porque sua plasticidade permitia a cada um fazer
prevalecer um cuidado partilhado de mudança sobre diferenças de
concepção pedagógica.
A ambivalência dessa noção é, sem dúvida, a origem de transposições específicas ou
aplicações, algumas vezes muito afastadas da Carta, que foram feitas nos diferentes graus de
ensino (ensino secundário geral, técnico e profissionalizante) e nas próprias disciplinas [...]
Por outro lado, no ensino geral, assim como no ensino profissionalizante que o precedeu
nesse domínio, a noção de competências e aquelas que lhe estão associadas (saber,
savoirfaire, objetivos) é acompanhada de um explicação das atividades (ou tarefas) em que
elas podem se materializar e compreender; explicitação essa que revela a impossibilidade de
dar uma definição a essas noções separadamente das tarefas nas quais elas se materializam.
Isso ocorre porque a “abstratização”, que está na base de seu uso social requer, na prática,
a operação oposta: sua tradução em uma lista de tarefas elementares.
Essa visão de uma lista de tarefas elementares refere-se apenas à iniciação profissional,
pois, como ver-se-á, ela se complexifica nas habilitações técnicas de nível médio e nas
graduações tecnológicas de nível superior.
Segundo Ramos (2002), três são as principais matrizes de referências dos métodos
de investigação de competência: a “condutivista”6 (Skinner, Bloom e Mager), utilizada
predominantemente nos Estados Unidos; a “funcionalista”7 , que se tem tornado
hegemônica; e a “construtivista”8 (Piaget), de origem francesa. O aprofundamento dessas
matrizes é o que veremos a seguir.
A tendência condutivista considera que o uso da noção de competência deve-se à
necessidade de se expressarem claramente os objetivos de ensino em termos de condutas
e práticas observáveis. Essa associação estaria fundada sobre uma homologia entre os
objetivos operacionais de formação e os objetivos operacionais de produção, alimentada
por uma cultura psicológica dominada pelo behaviorismo de Skinner (1970), apropriada
pedagogicamente por Bloom (1984) e Mager (1974).
Em meados da década de 1960, nos Estados Unidos, argumentava-se que os
tradicionais exames acadêmicos não garantiam nem o desempenho no trabalho, nem o
êxito na vida, postulando-se a busca de outras variáveis para predizer um certo grau de
êxito. Bloom (1984), em seu artigo “Aprendizagem para o Domínio”, declarava que 90 a
95% dos alunos teriam possibilidade de aprender tudo o que lhes fosse ensinado, desde
que lhes oferecessem condições para isso e que o ensino fosse orientado por três objetivos
comportamentais: pensar, sentir e agir, englobados em três áreas: cognitiva, afetiva e
psicomotora. Ramos (2002, p. 89-90) ressalta que:
A noção de competência e suas várias implicações
1. Competência: Processos Cognitivos e de Aprendizagem
83
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
A matriz condutivista de análise do trabalho advém da mesma
estrutura comportamentalista que nasce nos Estados Unidos por meio
de Skinner na psicologia, e de Bloom, Mager e outros, na pedagogia,
que se estenderam a diversos países e campos de atuação. Guarda
forte relação com o propósito da eficiência social e se manifesta,
mais fortemente, também nos Estados Unidos, na elaboração de um
modelo genérico de competência gerencial.
A competência é definida como as características de fundo de um
indivíduo que guarda uma relação causal com o desempenho efetivo
ou superior no trabalho. O desempenho efetivo é um elemento central
na competência e se define como a forma de alcançar resultados
específicos com ações específicas, em um contexto dado de políticas,
procedimentos e condições da organização. As competências são
as características que diferenciam um desempenho superior de um
desempenho médio ou pobre. Aquelas características necessárias para
realizar o trabalho, mas que não conduzem a um desempenho superior,
são denominadas habilidades mínimas. A análise condutivista parte
das pessoas que fazem bem seu trabalho de acordo com os resultados
esperados. Passando do âmbito das competências gerenciais para os
trabalhadores em geral e seguindo alguns dos princípios da análise
condutivista, preparou-se, ao início dos anos 90 nos Estados Unidos,
um informe sobre as mudanças que se deveriam fazer nas escolas
para que delas saíssem jovens melhor preparados para os desafios da
competitividade e produtividade do futuro próximo, assim como para
definir a agenda de capacitação e requalificação de trabalhadores para
os postos avançados do futuro.
84
Os objetivos de ensino expressam, portanto, a forma como as teorias sobre o
comportamento humano desenvolvidas por Skinner (1970) foram inicialmente apropriadas
pela pedagogia. Para esse autor, a noção de comportamento não se distingue dos mecanismos
da sua instalação, confundindo-se com o próprio domínio do saber que estruturaria o
comportamento. Bloom (1984), um pedagogo com estudos baseados na obra de Skinner,
definiu os objetivos como a formulação explícita dos métodos que visam transformar o
comportamento dos alunos; em outras palavras, os meios pelos quais estes modificarão a
sua maneira de pensar, os seus sentimentos e as suas ações.
Mager (1974), por sua vez, tenta afastar-se do behaviorismo preferindo a noção de
performance ou desempenho à de comportamento. Para ele, os objetivos do ensino são as
ações manifestas, descritas minuciosamente. Um objetivo útil definese pelo desempenho
(o que o estudante é capaz de realizar), pelas condições nas quais deve transcorrer o
desempenho e pela qualidade ou pelo nível de performance considerado aceitável.
Os principais problemas detectados no condutivismo, decorrentes da análise
A noção de competência e suas várias implicações
da teoria de Mager, são: 1) a redução dos comportamentos humanos às suas aparências
observáveis; 2) a redução da natureza do conhecimento ao próprio comportamento;
3) a consideração da atividade humana como uma justaposição de comportamentos
elementares cuja aquisição obedeceria a um processo cumulativo; 4) o ocultamento da
efetiva questão sobre os processos de aprendizagem que subjazem aos comportamentos e
desempenhos: os conteúdos da capacidade. O condutivismo respalda, então, os primeiros
estudos sobre currículo realizados por Bobbitt (1972), em 1918, os quais, em nome da
eficiência econômica, transferem para o trabalho escolar os princípios tayloristas-fordistas
de organização do trabalho industrial na forma dos princípios lógicos de Tyler (1971) de
organização curricular. Por essa perspectiva, o currículo tomava por base as deficiências dos
indivíduos, no sentido de superá-las em benefício do desenvolvimento racional e eficiente
do trabalho. Desses padrões, originaram-se os métodos de análise ocupacional utilizados
para a elaboração de currículos da formação profissional. Esses padrões assentam-se no
preestabelecimento de objetivos, na seleção e no direcionamento das situações de ensino
e na avaliação precisa da aprendizagem. Em outras palavras, a educação era dirigida e
controlada por propósitos que estavam fora dela, como as necessidades econômicas da
produção capitalista. A economia da educação e a teoria do capital humano constituíramse numa precisa sistematização econômica de como e por quê adequar perfeitamente a
produção científica dos recursos humanos num contexto socioeconômico de pleno
emprego.
A tendência funcionalista é a tentativa de analisar a associação entre competências e
objetivos, na perspectiva de superar o condutivismo. A análise, nesse caso, preocupa-se não
com a educação em geral, mas com a formação do adulto, destacando que, diferentemente
daqueles que estão na formação inicial, os adultos recorrem a novos períodos de formação
em função das exigências explícitas de sua ação social e profissional. Dessa forma, a formação
orienta-se para as finalidades, e esse processo aparece como um processo de produção das
capacidades necessárias ao exercício das atividades sociais e profissionais que os formandos
exercerão no final de sua formação.
Deduz-se que a formação deve produzir efeitos necessariamente ligados à atividade
futura dos formandos. Esta atividade mobiliza capacidades ou competências que a formação
pode e deve visar, e que se tornam, portanto, seus próprios objetivos.
Malglaive (1995), entretanto, faz uma distinção entre a perspectiva adotada na
América e na Europa sobre os objetivos, considerando que os pedagogos europeus teriam
sido muito mais influenciados por Rousseau e por uma psicologia ainda literária ou
85
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
86
filosófica, centrada mais na pessoa, do que por uma psicologia condutivista.
Considera, ainda, que a fonte de muitos mal-entendidos ou equívocos posteriores
sobre os objetivos ocorreram devido à extrapolação que se fez de seu uso em relação à esfera
a que, efetivamente, eles atendem: a da avaliação.
Malglaive (1995) considera também ultrapassada a problemática da definição
dos objetivos, devido tanto à evolução do trabalho quanto ao advento da psicologia
cognitiva. Nesse novo contexto, a noção de comportamento, antes confundida com o
próprio conteúdo da capacidade, daria lugar à de competência. Segundo ele, a noção de
objetivos em pedagogia teria evoluído do controle normal da aquisição de conhecimentos à
determinação de conteúdos de formação ordenados pelas atividades – mais freqüentemente
profissionais – para as quais eles são supostamente preparados.
Perrenoud (2002) é menos enfático sobre a possível superação da problemática
relativa à definição dos objetivos. Ele não considera que as abordagens advindas da tradição
da pedagogia do domínio estejam em absoluto superadas, mas sim que seus excessos –
behaviorismo sumário, taxonomias intermináveis, excessivo fracionamento dos objetivos,
organização do ensino por objetivo, dentre outros – foram controlados.
Sendo assim, falar a respeito de competência pode não acrescentar muita coisa à
idéia de objetivo, pois é possível ensinar e avaliar por objetivos sem se preocupar com a
transferência dos conhecimentos e, menos ainda, com sua mobilização diante de situações
complexas. Ou, ainda, como afirma o próprio Malglaive (1995), é possível descrever um
conjunto de ações que remeta para a competência subjacente sem se perguntar como ela
funciona. É o que acaba ocorrendo quando se tenta nomear, classificar, repertoriar as
competências ao acrescentar ao verbo “saber” ou à locução “ser capaz de” uma expressão
que caracteriza uma ação ou um conjunto de ações. Isso designaria, de fato, uma atividade
e não uma capacidade ou competência.
Conseqüentemente, mantém-se aberta a questão de saber o que devem adquirir os
estudantes para serem capazes de fazer o que se pretende que eles façam.
Essa questão tem sido equacionada por Malglaive (1995) pelo que ele denomina
de estrutura dinâmica das capacidades. Esta baseia-se na idéia de “saberes em uso”,
compreendida como a ação do pensamento sobre os saberes que orientam uma ação
material ou simbólica, estruturante de novos saberes. Os saberes em uso incluem o saber
teórico ou formalizado e o saber prático. O saber teórico - que, a partir da realidade, define
o que é -, investido na ação, desdobra-se em saber técnico - que, define o que se deve fazer - e
saber metodológico - como se deve fazer.
A noção de competência e suas várias implicações
O saber prático é o conhecimento gerado da ação, não formalizado, expresso mais em
atos do que em palavras. Relaciona-se com os primeiros, mas não se reduz a eles, podendo
ser de ordem tácita.
O agrupamento desses saberes, então, estruturaria as capacidades ou competências,
cujo aspecto dinâmico está na mobilização desses saberes por uma inteligência prática, que
orienta o investimento dos saberes em uso na ação, e por uma inteligência formalizadora,
definida como a ação autônoma do pensamento sobre os saberes em uso, afastada da ação
quando a amplitude, o ritmo e a duração do trabalho do pensamento requerido para a
aquisição de novos saberes são incompatíveis com o tempo da ação. Portanto, enquanto a
inteligência prática realiza-se a partir da ação, a inteligência formalizadora é o processo por
meio do qual se desenvolve a problematização e o pensamento abstrato.
A competência, tal como compreendida por Malglaive (1995), tem relação com o
que Zarifian (2001) chama de competências em último-plano ou competências recurso, ou
seja, aquilo que se apreende de mais estável e de mais durável das atitudes, em face do real
e da vida social que poderia sustentar as competências mais especificamente profissionais.
A tendência construtivista representa a estrutura dinâmica das competências na
perspectiva da superação do condutivismo. Incorpora ela a idéia da construtividade do
conhecimento, com base na teoria da equilibração de Piaget (2002), pela qual se compreende
ocorrer um “desequilíbrio” quando o sujeito se defronta com situações desconhecidas ou
desafiadoras. Diante de um desequilíbrio estruturalmente perturbador, o aluno reorganiza
seu pensamento num nível mais elevado do que o previamente atingido, num processo
recursivo que conduz a um crescimento indefinido dos conhecimentos, quer no plano
quantitativo, quer no plano qualitativo. As competências seriam, portanto, as estruturas
ou os esquemas mentais responsáveis pela interação dinâmica entre os saberes prévios do
indivíduo – construídos mediante as experiências – e os saberes formalizados.
Compreendidas como um atributo subjetivo, as competências exigiriam o
deslocamento do foco dos processos educativos dos conteúdos disciplinares para o
sujeito que aprende, gerando a possibilidade de uma efetiva e contínua transferência das
aquisições cognitivas. É nesse ponto que tomam importância as teses sobre as aprendizagens
significativas que destacam a relevância de todo tipo de aquisições cognitivas, desde os
saberes e conhecimentos formalizados até os saberes e conhecimentos tácitos.
O construtivismo, com suas diversas nuanças, constitui-se no aporte psicológico da
pedagogia das competências que se apresenta com finalidades também socioeconômicas,
decorrentes do reconhecimento, pela sociedade, das competências adquiridas na vida
87
profissional do indivíduo. Vale registrar que as pedagogias psicológicas, das quais o
construtivismo é a expressão contemporânea, aplicam-se tanto aos processos intra-escolares
de ensino e aprendizagem, quanto aos processos mais globais de justificação e organização da
ação educativa, nas mais diversas expressões, compondo fortemente o discurso educacional
contemporâneo.
Um dos princípios da metodologia construtivista que visa regular a aquisição de
competências em coerência com as competências requeridas é que a capacitação individual
só tem sentido dentro de uma capacitação coletiva. Ramos (2002, p. 95) observa:
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
Por isso supõem-se que a definição das competências e da capacitação
deve realizar-se segundo uma investigação participante. Compreendese, também, que o envolvimento do pessoal não qualificado repercute
em evolução dos seus próprios comportamentos. A identificação das
competências e dos objetivos do trabalho começam por identificar e
analisar as disfunções próprias a cada organização.
88
A definição de competências requeridas e a perspectiva de capacitação permitem
gerar um ambiente de motivação fundamental para a aprendizagem. Percebese, então, o
quanto essa teoria pedagógica confere uma excessiva ênfase aos aspectos subjetivos dos
alunos, em especial àqueles relacionados à aprendizagem, negligenciando o conjunto das
determinações históricas e sociais que incidem sobre a educação, promovendo uma certa
despolitização de todo o processo formativo e de inserção social. Portanto, à medida que
o foco do processo educativo é o sujeito, seu projeto e sua personalidade, com vista à
adaptação e à instabilidade social, evidencia-se um conceito de homem como ser natural e
biológico voltado para si e para sua sobrevivência.
A crítica, então, afeta a compartimentação disciplinar do conhecimento e, como
conseqüência, a defesa de um currículo que ressalte a experiência concreta dos sujeitos como
situações significativas de aprendizagem. Pelo fato de a competência implicar a resolução de
problemas ou o alcance de resultados, defende-se que a pedagogia das competências poderia
promover a oportunidade de se converter o currículo em um ensino integral, mesclando-se
nos problemas os conhecimentos gerais, os conhecimentos profissionais, as experiências de
vida e de trabalho que, normalmente, são tratadas isoladamente.
Do ponto de vista das relações pedagógicas, a epistemologia construtivista apresenta
um modelo que, além de resgatar a importância dos pólos da relação, conquista uma
dinâmica própria no processo do conhecimento. O suporte desse modelo encontra-se
na psicologia genética de Piaget (2002). Segundo Moraes (2003, p. 94), a percepção das
concepções e do significado concreto se dá no construtivismo, como se expressa a seguir:
Essa auto-organização possibilitará autonomia do sujeito de aprender a aprender.
Isso significa que no construtivismo o indivíduo reflete, analisa e toma consciência dos
seus saberes, conectados às transformações que estão ocorrendo no undo. Desse ponto
de vista, a educação promove as condições básicas ancoradas no manejo e na produção do
conhecimento, mediante o desenvolvimento de atitude de investigação e de competência
para a criação de sua própria competência. O construtivismo tem origem nas propostas de
Piaget (2002) com sua Epistemologia Genética, em que o conhecimento é gerado (e não
herdado) e construído pelo indivíduo na sua progressiva descoberta do mundo e na sua
interação com ele. Em relação à competência, o “construtivismo” vê o desempenho final
competente como um processo único e original de “construção pessoal”. Tal construção
depende basicamente das experiências conquistadas pelo indivíduo no processo de seu
desenvolvimento, a dos conhecimentos por ele adquiridos através de suas descobertas no
decorrer do exercício da atividade profissional, de suas realizações e criações pessoais e do
reconhecimento pela sociedade dos frutos de toda a sua vida profissional.
A abordagem construtivista não abandona totalmente a análise da realidade
ocupacional. Apenas, não considera essa análise um produto acabado, mas, sim, o resultado
de diversas experiências profissionais que estão sendo constantemente modificadas
pela ação das mudanças tecnológicas, pelas descobertas que os profissionais realizam na
sua experiência diária e pela constante negociação travada nas relações trabalho versus
capital. Para os construtivistas, as normas não são vistas como metas absolutas, mas como
“construtos”, que estão sujeitos a constantes mudanças, revisões e negociações. Não podem
ser vistas como objetivos finais de um processo de formação, mas como sinalizadores
importantes que podem orientar uma espiral de currículo para atingi-lo ou ultrapassá-lo.
O processo de formação não pode ficar restrito a elementos finais de competência, mesmo
A noção de competência e suas várias implicações
Para o construtivismo, o conhecimento se constitui pela interação
do indivíduo com seu meio ambiente, pela força de sua ação, pela
capacidade de atuação, reconhecendo, portanto, o diálogo existente
entre o indivíduo e o meio ambiente, a existência de uma dependência
do ser em relação ao ambiente, ou seja, o contextualismo. Esse diálogo
faz parte da teoria piagetiana de construção do conhecimento no qual
o homem é visto como uma organização viva, um sistema aberto que,
embora possua uma estrutura de auto-regulação, de auto-organização,
que lhe é inerente, não é de nenhuma forma um ser auto-suficiente;
ele está inserido no meio biológico no qual vive e com o qual interage.
89
porque a competência é individual e inédita. A competência, na visão construtivista, é
entendida como a capacidade de mobilizar os conhecimentos, as habilidades, atitudes
e emoções para exercer uma ou várias funções de forma eficiente, eficaz e criativa. A
abordagem construtivista não é de todo incompatível com a análise funcional. Apenas ela
não a toma como um objetivo absoluto do processo de formação, pois qualquer fixação de
objetivos é limitador do processo de construção educativa.
No caso da análise de competências, o levantamento das funções não é suficiente
para o estabelecimento das normas, pois essas só serão definidas no decorrer do processo
de desenvolvimento das atividades no ambiente de trabalho e como fruto de negociações.
Uma vez definidas, as normas sempre podem ser revistas por um novo processo. Na busca
pelos pressupostos fundantes sobre a noção de competência, há que se refletir sobre os
movimentos do mundo do trabalho nas últimas décadas. É o que se fará a seguir.
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
2. Mundo do Trabalho e Noção de Competência
90
O modelo das competências profissionais, segundo Deluiz (1995), começa a ser
discutido no mundo empresarial a partir dos anos 1980, no contexto da crise estrutural do
capitalismo que se configura, nos países centrais, no início da década de 1970. Essa crise
expressa-se pelo esgotamento do padrão de acumulação taylorista e fordista, pela hipertrofia
da esfera financeira na nova fase do processo de internacionalização do capital, por uma
acirrada concorrência intercapitalista, com tendência crescente à concentração de capitais
devido às fusões entre as empresas monopolistas e oligopolistas, e pela desregulamentação dos
mercados e da força de trabalho, resultantes da crise da organização assalariada do trabalho
e do contrato social. As noções estruturantes do modelo das competências no mundo do
trabalho são a flexibilidade, a transferibilidade, a polivalência e a empregabilidade. Para o
capital, a gestão por competências implica em dispor de trabalhadores flexíveis para lidar
com as mudanças no processo produtivo e para enfrentar imprevistos, requerendo, para
tanto, a polivalência e a constante atualização de suas competências, o que lhes dá a medida
correta de sua empregabilidade.
2.1. Organização clássica – modelo taylorista clássico: competência de especialista
Essa organização traz em seu bojo as tendências capitalistas da organização do
trabalho que podem ser assim resumidas: a desqualificação (mediante a destruição do
trabalho artesanal); o parcelamento do trabalho em tarefas simples e repetitivas; a redução
[...] Taylor expressa com brutal cinismo o objetivo da sociedade
americana: desenvolver em seu grau máximo, no trabalhador, os
comportamentos maquinais e automáticos, quebrar a velha conexão
psicofísica do trabalho profissional qualificado, que exigia uma
certa participação ativa da inteligência, da fantasia, da iniciativa do
trabalhador, e reduzir as operações produtivas apenas ao aspecto físico
A noção de competência e suas várias implicações
dos custos do trabalho (aspecto econômico); a hegemonia do capitalismo no local de
trabalho e na sociedade como um todo (aspecto político); a separação do trabalho mental
do manual pela máquina; a subordinação do trabalhador às condições de trabalho (ritmo
e jornada), conseqüência necessária do emprego da tecnologia; o trabalhador como um
apêndice para uma já existente condição material de produção. Percebe-se, então, as
características marcantes das competências que caracterizam o condutivismo.
O período de 1945 a 1973, chamado de fordista-keynesiano, teve como base
um conjunto de práticas de controle de trabalho, tecnologias, hábitos de consumo e
configurações de poder político-econômico. A partir de 1973, iniciou-se um período de
rápida mudança, de fluidez e de incerteza, tornando significativa a passagem do fordismo
para um regime de “acumulação flexível”.
Gramsci (2001) observa que o americanismo e o fordismo equivaliam ao maior
esforço coletivo até para criar, com velocidade sem precedentes, e com uma consciência de
propósito sem igual na história, um novo tipo de trabalhador e um novo tipo de homem.
Os novos métodos de trabalho são inseparáveis de um modo específico de viver e de pensar
e sentir a vida. Questões sobre sexualidade, família, formas de coerção moral, consumismo
e ação do Estado estavam vinculadas, na visão de Gramsci (2001), ao esforço de forjar
um tipo particular de trabalhador adequado a um novo tipo de trabalho e de processo
produtivo.
O fordismo se deparou com dois fatores que o impediram de se expandir nos anos
entre-guerras: a) o estado das relações de classe, no mundo capitalista, que dificilmente
era propício à fácil aceitação de um sistema de produção que se apoiava muito na
familiarização do trabalhador com longas horas de trabalho puramente rotinizado; b) o
modo e mecanismos de intervenção estatal. O problema, como via o economista Keynes9,
era chegar a um conjunto de estratégias administrativas científicas e de poderes estatais que
estabilizassem o capitalismo, ao mesmo tempo que se evitassem as evidentes repressões e
irracionalidades, bem como toda beligerância e todo nacionalismo estreito que decorriam
das soluções nacionalsocialistas. Gramsci (2001, vol. 4, caderno 22, p.266-267) assim se
expressa:
91
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
maquinal ... é certo que os industriais americanos não se preocupam
com a “humanidade”, com a “espiritualidade” do Keynes (18821946) defendia a tese de que as exigência salariais dos empregados
contribuíam para a normalização da economia por meio do pleno
emprego. trabalhador, que, no nível imediato, são esmagadas. Esta
“humanidade e espiritualidade” só pode se realizar no mundo da
produção e do trabalho, na “criação” produtiva; ela era máxima no
artesão, no “demiurgo”, quando a personalidade do trabalhador se
refletia inteiramente no objeto criado, quando era ainda muito forte a
ligação entre arte e trabalho.
92
O problema da configuração e do uso próprios dos poderes do Estado só foi
resolvido depois de 1945. Isso levou o fordismo à maturidade como regime de acumulação
plenamente acabado e definitivo. O fordismo aliou-se firmemente ao keynesianismo,
e o capitalismo teve um surto de expansões internacionalistas de alcance mundial que
atraiu para a sua rede inúmeras nações descolonizadas. O Estado teve de assumir novos
(keynesianismo) papéis e construir novos poderes institucionais; o capital corporativo teve
que se ajustar para a obtenção de uma lucratividade mais segura; o trabalho organizado
teve de assumir novos papéis e funções relativos ao desempenho nos mercados de trabalho
e nos processos de produção. Com seu principal adversário sob controle (os sindicatos),
os interesses da classe capitalista resolveram o que Gramsci (2001) denominara antes de
problema de “hegemonia”e, dessa forma, estabeleceram uma base aparentemente nova
para relações de classe conducentes ao fordismo.
Notável é a maneira pela qual os governos nacionais de tendências ideológicas bem
distintas (gaulista, trabalhista, democrata-cristão) criaram tanto um crescimento econômico
estável como um aumento dos padrões materiais de vida através de uma combinação de
estado do bem-estar social, da administração social keynesiana e do controle de relações de
salário. O fordismo dependia da assunção pela nação-Estado, como Gramsci (2001) previra,
de um papel muito especial no sistema geral de regulamentação social. A legitimação do
poder do Estado dependia, cada vez mais, da capacidade de levar os benefícios do fordismo a
todos e de encontrar meios de oferecer assistência médica, habitação e serviços educacionais
adequados em larga escala, respeitando o ser humano. A condição de fornecimento de
bens coletivos dependia da contínua aceleração da produtividade do trabalho no setor
corporativo. Só assim o Estado keynesiano do bem-estar social poderia ser fiscalmente
viável.
A aplicação das novas tecnologias contribuiu muito para a superação da rigidez do
fordismo e para a aceleração do tempo de giro, desde a crise aberta, em 1973. A aceleração
na produção foi alcançada por mudanças nas organizações, tais como subcontratação,
transferência de sede etc., que reverteram a tendência fordista de integração vertical,
produzindo um caminho cada vez mais indireto na produção, mesmo diante da crescente
centralização financeira. Outras mudanças, como o sistema de entrega just-in-time,11 que
reduz os estoques, associado à produção em pequenos lotes, diminuíram os tempos de giro
em muitos setores da produção (eletrônica, máquinas-ferramenta, automóveis, construção,
vestuário etc.). Para os trabalhadores, tudo isso implicou na intensificação dos processos
de trabalho e na aceleração da desqualificação e requalificação necessárias ao atendimento
de novas necessidades de trabalho. A aceleração do tempo de giro na produção envolve
acelerações paralelas na troca e no consumo. Sistemas aperfeiçoados de comunicação
e de fluxo de informações, associados com racionalizações nas técnicas de distribuição,
possibilitaram a circulação de mercadorias no mercado a uma velocidade maior.
Gramsci (2001) afirma que a partir da “nova forma” do processo de trabalho
tem-se a “nova forma” da organização social moderna. A nova fábrica inicia e sintetiza a
nova totalidade social porque reúne as três produções fundamentais de sua constituição
e reprodução. De fato, ela é no americanismo: 1) produção material de mercadorias; 2)
produção do nexo social de salário e lucro, ou seja, da relação de classe central da sociedade
contemporânea e, por fim, é 3) produção de um imaginário, de uma visão do mundo; ou
seja, a partir de seus ritmos e de suas modalidades organizativas racionais e mecanizadas,
produz um estilo de vida capaz de uma ética puritana em oposição a comportamentos
dissipadores e improdutivos.
Braverman (1987) lembra o princípio de Adam Smith de que a divisão do trabalho
é limitada pela extensão do mercado. Por essa razão, o taylorismo não podia difundirse em qualquer indústria ou ser aplicado em situações particulares, somente quando a
A noção de competência e suas várias implicações
A transição para a acumulação flexível trouxe novas formas
organizacionais e tecnologias produtivas. A esse respeito Harvey
(2004, p. 179-181) assim se manifesta: A desvalorização da força de
trabalho sempre foi a resposta instintiva dos capitalistas à queda
de lucros. Mas a generalidade dessa afirmativa esconde alguns
movimentos contraditórios. As novas tecnologias aumentaram o
poder de certas camadas privilegiadas; ao mesmo tempo sistemas
alternativos de produção e de controle do trabalho abrem o caminho
para a alta remuneração de habilidades técnicas, gerenciais e de caráter
empreendedor.
93
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
94
escala de produção fosse adequada a arcar com os esforços e custos implicados na sua
“racionalização”. É por isso, observa Braverman (1987), que o taylorismo coincide com o
aumento da produção e sua concentração em unidades industriais cada vez maiores, na
última etapa do século XIX e durante o século XX. Coerentemente com sua crítica, ele
descola a atenção do problema da distribuição desigual de riqueza para o problema da
distribuição injusta de poder no local de trabalho.
Em 1913, Henry Ford começou a aplicar na prática os princípios de Taylor em sua
“indústria criadora” da produção em série racionalizada. Adotou a observação, os tempos
perdidos pelos operários em movimentos desnecessários, como por exemplo, buscar
parafusos no depósito. O problema foi solucionado com medidas simples, como trazer os
parafusos para junto do operário. Para acelerar o processo de montagem de automóveis,
fragmentou-se as tarefas e introduziu-se uma esteira rolante na qual as partes do automóvel
passavam enquanto os operários, em posições fixas, iam montando as peças.
Pode-se afirmar que, na organização clássica, o termo competência está relacionado
com especialista, em decorrência de como se organiza a produção. Os trabalhadores
passam a desempenhar funções que exigem cada vez mais ações operativas, acompanhando
a mecanização imposta pela produção. A esse respeito Braverman (1987) afirma que
a maquinaria, além da função técnica de aumentar a produtividade do trabalho, tem,
também, a função de destituir a massa de trabalhadores de seu controle sobre o próprio
trabalho. A função competência de especialista vem a ser a fonte não de liberdade, mas,
sim, de domínio e de confinamento do trabalhador dentro de um círculo onde a máquina
aparece encarnando o desenvolvimento e provoca o alienamento do trabalhador na sua
especificidade e por causa de sua especialização.
2.2. Organização enxuta - modelo toyotista japonês: competência de flexibilidade
As mudanças introduzidas na indústria nipônica, segundo Deluiz (1995), e
que provocaram a reviravolta na economia mundial, podem ser assim sintetizadas: os
empregados passaram a desempenhar tarefas anteriormente atribuídas aos supervisores,
engenheiros e especialistas, adquirindo, assim, novas responsabilidades nos processos de
decisão; foram introduzidos os círculos de controle de qualidade com equipes autônomas
e semi-autônomas, que assumiam algumas funções de supervisão direta e substituíam as
estruturas formais da gestão; foi feita a substituição das tradicionais linhas de montagem de
tarefas fragmentadas para a produção em equipes, que trocam tarefas por rotatividade dos
trabalhadores e treinamento cruzado, tornando a produção mais versátil e exigindo uma
Uma grande quantidade de estatísticas colhidas ao longo dos últimos
cinco anos, questionam seriamente os méritos de muitas das “novas”
técnicas gerenciais sendo introduzidas em fábricas e escritórios em
todo o mundo. Nas fábricas japonesas, por exemplo, onde a jornada
de trabalho anual é de 200 a 500 horas mais longa do que nos Estados
Unidos, o ritmo na linha de montagem é tão acelerado e estressante,
que a maioria dos trabalhadores sente uma fadiga significativa.
Segundo um levantamento feito em 1986 pela All Toyota Union, mais
de 124 mil dos 200 mil trabalhadores da empresa sofriam de fadiga
crônica. Deve ser salientado que os princípios da gerência científica
há muito já são conhecidos no Japão. Os fabricantes de automóveis
japoneses começaram a usá-los intensamente ao final da década de
1940. Em meados da década de 1950, as empresas japonesas haviam
criado uma forma híbrida de Taylorismo, ajustada exclusivamente
às suas próprias circunstâncias e metas de produção. Na produção
pós-Fordismo, as equipes de trabalho compostas de funcionários
em cargos administrativos e de produção participam das decisões
de planejamento para melhorar a produtividade. Uma vez que um
consenso é alcançado, no entanto, o plano de ação é automatizado
no processo de produção e executado sistematicamente por todos na
linha de montagem. Os trabalhadores também são encorajados a parar
a linha de produção e tomar decisões imediatas referentes ao controle
de qualidade, novamente com a finalidade de aumentar o ritmo e a
previsibilidade das operações.
As novas leis trabalhistas, introduzidas no Japão pela ocupação norteamericana,
fortaleceram os trabalhadores na negociação das condições de emprego com as empresas,
restringindo, com isso, o direito das empresas de demitir empregados. Se na América a
maioria da força de trabalho de produção era constituída por imigrantes temporários
ilegais, no Japão não existiam trabalhadores hóspedes. Além do mais, o governo havia
proibido investimentos externos diretos na indústria automobilística, garantindo, assim,
espaço para a indústria nacional.
Nesse clima favorável, Taiichi Ohno, o principal engenheiro da Toyota, introduziu
A noção de competência e suas várias implicações
capacitação mais diversificada; foram introduzidas políticas de incentivo à produtividade,
através de participação nos lucros, programas de segurança no trabalho, remuneração de
acordo com o desempenho e formação da capacidade de relacionamento e comunicação.
Estas características conotam as competências sintagmatizadas nas tendências condutivista
e funcionalista.
A esse respeito, é importante relacionar as observações de Rifkin (2001, p. 202-203):
95
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
96
uma nova técnica para troca de moldes com carrinhos, utilizando para isso os trabalhadores
que estavam ociosos. No final da década de 1950, ele conseguiu reduzir, de um dia para três
minutos, o tempo necessário para a troca.
Além disso, ele conseguiu que o custo por peça prensada se tornasse menor, devido à
substituição do processo de lotes imensos por produção de pequenos lotes, já que produzir
apenas poucas peças, antes de montá-las no carro, fazia com que os erros de prensagem
aparecessem quase que instantaneamente. Esse novo sistema gerava apenas duas horas (ou
menos) de estoques e exigia uma força de trabalho muito qualificada e altamente motivada.
Quando o Japão passou por uma forte recessão inflacionária, a Toyota teve que demitir
a quarta parte de sua força de trabalho. Isso levou os trabalhadores a uma greve prolongada
e à ocupação da fábrica. Após muitas negociações, empregados e a empresa chegaram a um
acordo de compromisso que eliminava um quarto da força de trabalho, mas os empregados
remanescentes receberiam dupla garantia: emprego vitalício e pagamentos gradualmente
crescentes, conforme o tempo de serviço. Os empregados também concordaram em ser
flexíveis na atribuição das tarefas, além de promoverem os interesses da companhia como
sendo parte de uma comunidade.
O segredo dessa produção, denominada “enxuta”, é coordenar esse processo
de modo que tudo combine na hora certa, com alta qualidade e baixo custo. A Toyota
passou a organizar os fornecedores em níveis funcionais, concedendo a cada firma um
nível de responsabilidade. Os fornecedores de 1º nível participavam integralmente do
desenvolvimento do novo produto junto à equipe responsável, descentralizando, assim, as
decisões de engenharia de peças.
A Toyota passou, então, a compartilhar seus recursos humanos com as demais
empresas de autopeças. Hoje, os fornecedores participam do controle acionário da empresa.
Em 1953, a Toyota introduziu o sistema denominado Kanban, que consistia num sistema
de fichas de controle de material com o objetivo de eliminar o excesso de estoque em
cada unidade de produção. O estoque nunca devia ultrapassar as necessidades específicas
de reposição de peças. Esse processo foi denominado “método do supermercado”
porque imitava a prática dos supermercados americanos, onde os clientes compravam
o que quisessem e quando quisessem. A gerência, em vez de armazenar as peças, apenas
recolocava-as após serem utilizadas. Já antes de 1950, a Toyota havia criado o sistema just in
time para a montagem e entrega de componentes.
Em 1963, os operários passaram a operar uma média de cinco máquinas cada um.
Em 1965, a empresa estendeu o sistema Kanban a todos os fornecedores de peças. Em
1971, adotou a prática de mover os operários para posições diferentes, de acordo com as
necessidades das linhas de montagem. Finalmente, em 1973, permitiu aos fornecedores
entregar as peças diretamente nas linhas de montagem, ligando-os ao sistema interno de
colocação de peças. Os fornecedores, mais próximos da fábrica, já estavam conectados com
terminais de computadores on-line. Chesnais (1996, p. 34-35), ao falar da tecnologia e das
relações capital-trabalho, assim se expressa:
Pode-se afirmar que, na organização enxuta, o termo competência está relacionado
com flexibilidade em decorrência do regime de acumulação. Harvey (2004) entende que a
emergência de modos mais flexíveis de acumulação do capital mostra-se como uma forma
de viabilização de obtenção de sucesso do sistema econômico capitalista e necessária para
o controle sobre o emprego da força do trabalho. Conforme o glossário de mecatrônica e
processos de manufatura (SENAI/ SP,1997), flexibilidade, em mecânica, é entendida como
a propriedade de máquinas ou robôs de serem adaptáveis ou reprogramáveis de forma a
serem utilizados em diferentes tarefas. A correlação de competência com flexibilidade é
entendida como sendo a capacidade de adaptar-se para trabalhar com mudanças rápidas
no ambiente e nos processos consensuais e interativos.
A noção de competência e suas várias implicações
É nesse contexto que deve ser situada a implementação, pelos grupos
industriais (tanto os do setor manufatureiro quanto os das grandes
atividades de serviços), das oportunidades proporcionadas pelas novas
tecnologias, a começar pelas tecnologias informacionais aplicadas à
produção industrial e às atividades de gestão de finanças. Beneficiandose, simultaneamente, do novo quadro neoliberal e da programação
por computadores, os grupos puderam reorganizar as modalidades
de sua internacionalização e, também, modificar profundamente suas
relações com a classe operária, particularmente no setor industrial...
Cada passo dado na introdução da automatização.
contemporânea, baseada nos microprocessadores, foi uma oportunidade
para destruir as formas anteriores de relações contratuais, e também os
meios inventados pelos operários, com base em técnicas de produção
estabilizadas, para resistir à exploração no local de trabalho. Em cada
fábrica e em cada oficina, o princípio de “lean production”, isto é,
“sem gorduras de pessoal” tornou-se a interpretação dominante do
modelo “ohnista” de terceirização e o “just-in-time” foram adotadas
ainda mais rápida e facilmente.
97
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
2.3 Organização flexível - modelo neo-taylorista americano: competência de
Multicompetências
98
As características principais da organização flexível desse modelo neotaylorista foram
influenciadas pelo modelo toyotista japonês. São elas: linhas de montagem, adotando
o just-in-time; qualidade assegurada pela responsabilidade de cada estação de trabalho;
aplicação do sistema de aperfeiçoamento contínuo (kaisen); inclusão de um programa ativo
de sugestões, um refinamento de procedimentos e a designação de grupos kaisen especiais
para estudar as sugestões pessoais ou desenvolver projetos específicos de aperfeiçoamento;
análise minuciosa de cada posto de trabalho pelos métodos tradicionais para conseguir a
máxima eficiência e qualidade; treinamento dos trabalhadores nas funções dos demais e
permissão aos grupos para mudarem de uma tarefa para outra. A denotação desse modelo
é de que a competência situa-se na tendência funcionalista. A noção de competência, nesse
caso, tem sua significação restrita à inteligência prática. Essa restrição é bastante propícia
ao uso dessa noção, num sentido instrumental ou funcionalista, posto que a supressão da
inteligência formalizadora da estrutura dinâmica da competência admite sua identificação
direta com o comportamento e desempenho, retornando-se, assim, ao princípio fundamental
do behaviorismo skinneriano, o que pressupõe que comportamentos se confundem com o
próprio domínio do conhecimento.
Em fevereiro de 1983, a General Motors - GM - resolveu fazer um joint venture13 com
a empresa japonesa Toyota, criando a New United Motor Manufacturing Inc. Em setembro
daquele ano, a GM reuniu-se com o Sindicato dos Trabalhadores automotrizes e assinou
uma carta de intenções bipartite. Por parte da empresa, ela reconhecia o sindicato como
o único agente de barganha para a força de trabalho da nova empresa, especificamente os
salários e benefícios e estipulando que a maioria da força de trabalho deveria ser contratada
entre os trabalhadores provenientes da GM-Fremont, garantindo o emprego. Em troca, o
sindicato concordava em apoiar a implementação do novo sistema de produção e negociar
um novo contrato.
Esse fato inaugurou uma mudança tanto na política quanto nas relações trabalhistas.
Isso representou uma guinada da estratégia do controle e do conflito para a estratégia
do compromisso e da negociação. Tal medida evidenciou uma completa reviravolta no
paradigma das relações trabalhistas.
A partir daí, muitas fábricas norte-americanas começaram a substituir trabalhadores
e máquinas, de simples função, por trabalhadores multicompetentes e máquinas de
multifunções. Além disso, novas práticas, como o just-in-time e a customização,14 foram
sendo adotadas rapidamente em todas as áreas. Esse modelo começou a ser adotado em
muitas indústrias americanas, recebendo a denominação de “Práticas de Trabalho de alta
Performance”, utilizando o capital humano.
Nessa direção, Wallerstein (2001, p. 73) afirma que:
Entretanto, no que se refere à mudança de paradigma da produção, a coisa não era
tão simples como quando começou a ser difundido até tornar-se opinião corrente. Adler
(1993), estudando as transformações ocorridas na fábrica GM-Toyota, afirmou que o que
a empresa adotou foi uma forma inovativa do sistema taylorista de tempos e movimentos.
Essa opinião soou como uma grande surpresa porque, durante anos, sustentou-se a crença
de que quando as tarefas são rotineiras e repetitivas, a eficiência e a qualidade requerem a
estandardização dos procedimentos de trabalho. Entretanto, altos níveis de estandardização
tiram dos trabalhadores o seu interesse intrínseco, reduzindo a motivação e a criatividade.
Para Adler (1993), a desmotivação do trabalho levava a uma série de comportamentos
disfuncionais do empregado, entre eles, o absenteísmo, o alcoolismo, alto turnover, pouca
atenção, greves e até sabotagens. Tal comportamento seria responsável por uma reação
autoritária da gerência, com aumento dos níveis hierárquicos e até mesmo altos níveis de
estandardização. Chegou-se à conclusão de que o taylorismo levava ao descontentamento
dos trabalhadores e à beligerância dos sindicatos e, em conseqüência, à elevação dos níveis
de excesso burocrático.
Adler (1993) argumentou que a segunda parte desse raciocínio era falsa. Na verdade,
estandardização do trabalho formal, desenvolvida pelos engenheiros industriais e imposta
aos trabalhadores, é alienada. No entanto, os procedimentos, quando são designados
pelos próprios trabalhadores em um contínuo e bem sucedido esforço de aumento da
A noção de competência e suas várias implicações
O processo de racionalização, central para o capitalismo, exigiu a
criação de um estrato intermediário que abrangesse os especialistas
dessa racionalização, como administradores, técnicos, cientistas e
educadores. A própria complexidade não só da tecnologia mas do
sistema social tornou essencial que esse estrato fosse grande e, com
o tempo, passível de ampliação. Os recursos usados para sustentálo
foram tirados do excedente global extraído por empreendedores e
Estados. Neste sentido – elementar, mas fundamental -, esses gerentes
são parte da burguesia, e sua reivindicação de participar na partilha do
excedente ganhou forma ideológica precisa no conceito – do século
XX – de capital humano.
99
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
100
produtividade, qualidade, habilidades e entendimento, podem humanizar mesmo as mais
disciplinadas formas de burocracia. A experiência da New United Motor, segundo ele,
mostra que a hierarquia pode prover suporte e expertise, em vez de uma mera estrutura de
comando.
A diferença entre o taylorismo tradicional e a versão orientada para a aprendizagem
aplicada na GM-Fremont, compara Adler (1993), é a mesma que há entre os programas de
computador considerados “à prova de idiota” e aqueles que levam em conta a capacidade
dos usuários. Os primeiros desqualificam as tarefas dos operadores até virtualmente
eliminar a possibilidade de erro. Assim, porém, acaba eliminando a habilidade do
operador de responder a situações imprevistas e às novas maneiras de usar o sistema ou
adaptar-se a novas aplicações. O sistema “à prova de idiota” pode ser fácil de usar, mas
também é estático e monótono. Nos sistemas da New United Motor Manufacturing Inc
- NUMMI -, levava-se tempo para aprender. Requeria mais reflexão e qualificação para
funcionar, mas era imensamente flexível e conseqüente, satisfazendo ao operário, uma vez
que atingisse seu domínio. Além disso, no sistema anterior, a relação entre o sistema de
produção e o trabalhador era adversa. Os padrões e a hierarquia serviam para coerção dos
trabalhadores relutantes. Havia pouco com que o operador pudesse melhorar e o sistema
era inteiramente rígido, quando falhava, tudo parava, até que um especialista chegasse
para fazer os reparos. Adler (1993) defende que dois aspectos do modelo taylorista ainda
persistem e são essenciais para que haja eficiência e qualidade: a disciplina do sistema de
tempos, os movimentos e as estruturas burocráticas formais.
Pode-se afirmar que, na organização flexível, o termo competência está relacionado
com multicompetência, em decorrência da implantação das máquinas de múltiplas
funções e das práticas de trabalho de alta performance. A multicompetência relaciona-se à
necessidade de dar respostas rápidas a situação de eficiência e qualidade. O trabalho mais
responsabilizado e precário exige a multiqualificação e a adaptação a situações diversas.
2.4 Organização autônoma - modelo holístico sueco: competência de polivalência
As principais características, segundo Deluiz (1995), do modelo holístico sueco,
podem ser traduzidas nos aspectos relacionados a seguir: 1) Arquitetura Ambiental — A
gerência da Volvo convocou arquitetos que trouxeram novas idéias de um edifício que
facilitasse o trabalho de equipe. As salas eram claras e bem arejadas e o nível de ruído
reduzido. Era uma grande inovação em relação às fábricas tradicionais que eram montadas
A noção de competência e suas várias implicações
em um grande galpão; 2) Eliminação da linha de montagem — A maior inovação estava
no sistema de transporte, mais flexível que uma esteira mecânica. Era feita por veículos
elétricos guiados automaticamente (Automatic Guided Vehicles – AGV), que era a maior
invenção de Kalmar. Os veículos não eram controlados pelas equipes, mas por uma central
de computação; 3) Planejamento Ergonômico — A nova fábrica levou em conta, também,
os aspectos ergonômicos, sendo que um meio ambiente harmônico levaria à motivação
da equipe, capaz de cooperar para o aumento da eficiência. A fábrica de Kalmar separava
cada equipe em seu próprio ambiente e atendia aos requisitos da moderna ergonomia.
Isso significava uma grande inovação em relação às fábricas tradicionais; 4) Novas
relações interpessoais — O objetivo era criar uma fábrica que, sem nenhum sacrifício da
eficiência ou de custo da empresa, desse oportunidade aos empregados de se comunicarem
livremente, trabalhar em grupos, mudarem de um posto para outro (com a finalidade de se
identificarem com o produto e variarem o ritmo de trabalho). Assim, conscientizar-se-iam
da responsabilidade pela qualidade do produto e influenciariam seu próprio ambiente de
trabalho; 5) Salário baseado em resultados - A empresa introduziu, em 1980, um salário
baseado em resultados para todos os empregados.
Dez anos depois, o tempo de montagem por carro era 25% menor que na fábrica
Toshiba, sendo reduzido em uma hora e meia. A qualidade era maior e os custos eram mais
competitivos. A flexibilidade do novo sistema elevou a intensidade do trabalho, reduziu as
conseqüências dos erros e conseguiu atingir um elevado nível de eficiência. Em 1985, os
trabalhadores de Kalmar eram ocupados, produtivamente, 95% do tempo. No mesmo ano,
o tempo total de ajuste mecânico era de 2.5 horas em Kalmar versus 4 horas em Gotemburgo.
É preciso assinalar que o sistema de Kalmar incluía, também, flexibilidade nas mudanças
do produto. As equipes organizadas por funções eram uma pequena fábrica dentro da
fábrica. A idéia original era a de que cada grupo deveria montar uma função completa,
como por exemplo, um sistema elétrico. O sistema salarial não se relacionava com o sistema
de empregos e, sim, de acordo com a posição (skill rate). Freqüência, permissões de tempo
de serviço e bônus de produtividade eram também considerados. Não eram considerados
nem a competência individual, dentro dos postos, nem o bônus grupal, para incremento
de responsabilidade. Esse modelo, que conota a tendência funcionalista e construtivista, é
espelhado na experiência desenvolvida, na Suécia, pela fábrica de caminhões Volvo, entre
1974 e 1985. É um caso clássico, no sentido de que trouxe muitos esclarecimentos tanto
sobre as tensões da transformação organizacional do trabalho de montagem, quanto sobre
os efeitos contraditórios da chamada “especialização flexível” (BERGGREN, 1992).
101
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
A experiência sueca partiu de conceitos totalmente novos: organização de grupo
e alto grau de delegação de funções e responsabilidade coletiva. A fábrica da Volvo, em
Kalmar, era pequena para os padrões internacionais de 1974, mas significava muito para
os seus idealizadores, pois foi a primeira fábrica de automóveis do mundo construída sem
linhas de montagem. Os engenheiros começaram projetando uma fábrica tradicional. A
gerência criativa, entretanto, tomou a iniciativa de organizar a produção de automóveis,
fazendo com que cada empregado encontrasse significado e satisfação no seu trabalho.
Entretanto, não encontrou, nessa ocasião, apoio dos sindicatos.
Pode-se afirmar que, na organização autônoma, o termo competência está relacionado
com polivalência em decorrência do alto grau de autonomia e criatividade, bem como a
exigência do trabalhador em ser capaz de articular conhecimentos específicos, aplicando-os
em situações diversas. Conforme glossário de metodologias (SENAI/DN-p.28), polivalência
designa o atributo de pessoa com diferentes habilidades e repertórios profissionais para a
realização de atividades de vários níveis de complexidade em áreas afins. Implica alto grau
de criatividade e autonomia e a capacidade de articular conhecimentos específicos com
seus fundamentos mais gerais, aplicando-os a outras situações.
Após análise feita nas organizações do mundo do trabalho, no qual competência, em
sua fluidez e polissemia, assumiu as conotações várias, entre elas, mais significativamente, as
de flexibilidade, especialista, multicompetência e polivalência, nessa construção semântica
há que se fazer uma reflexão entre competência e qualificação.
102
3. Competência e Qualificação
Ao se falar em competência profissional, é necessário abordar a relação existente entre
qualificação e competência. De acordo com Zarifian (2001), a noção de qualificação, noção
chave da esfera do trabalho, apareceu desde os primórdios do pensamento econômico com
Smith (1723-1790), que promoveu uma abordagemda atividade industrial, retomada mais
tarde pelo taylorismo, que buscava a eficácia das operações na linha de produção. Percebese, então, que tanto qualificação quanto competência são termos polissêmicos. É preciso
também registrar a abrangência de cada um e a forma como a competência passou a ser
realizada nas qualificações.
Relacionar a qualificação ao taylorismo é falar da qualificação intrínseca ao indivíduo,
que se torna extrínseca e aparece relacionada ao trabalho teórico, e não apenas a um
trabalho efetivo. Por não se tratar apenas de qualidades do indivíduo, mas de características
da atividade, Forté (1992) relaciona a qualificação ao determinismo tecnológico, societal e
princípio da eficiência produtiva.
Ao se falar do progresso técnico que permite uma modernização do aparelho de
produção e uma intensificação da taylorização na indústria de série, falasse do “determinismo
tecnológico” que traz a inquietação no que se refere ao empobrecimento da atividade e à
redução da formação necessária para cumprir a tarefa.
Deplorando a depreciação da mão-de-obra, Dadoy (apud Roche, 2004, p.35) retoma
essa constatação nos seguintes termos:
Concomitantemente aos trabalhos sobre o empobrecimento ou o enriquecimento
das tarefas, consecutivos ao progresso técnico, os debates sobre a qualificação organizamse também em torno das relações sociais e da luta pelas condições de trabalho e pela
determinação; é o chamado “determinismo societal”.
Fala-se, então, da avaliação da qualificação numa lógica macroeconômica, em
detrimento do conteúdo intrínseco dela própria. Nesse caso, afirma-se que o déficit da
análise do conteúdo da qualificação é ainda mais sensível e afeto à mudança, no momento
atual, quando o conceito de competência tende a suplantar o de qualificação. Tanto o
determinismo tecnológico quanto o determinismo societal mostram-se inoperantes a
partir dos anos 1980 quando importantes mudanças intervêm na organização do trabalho:
abandono dos princípios de divisão do trabalho, introdução da informática e das novas
tecnologias em organizações complexas. A partir desse momento, a qualificação entra numa
fase em que se adquire uma função estratégica de condição da “eficiência produtiva” e
reencontra a dimensão individual, rompendo com a idéia da produtividade adquirida pela
intensidade do trabalho. Para Dadoy (1990), a qualificação remete antes de tudo à pessoa
e vai além da relação social estabelecida entre as capacidades profissionais do trabalhador
e da sua faixa de salário. Segundo essa autora, a qualificação é também o conjunto do
saberes e do saberfazer realmente empregados pelos operários. Ela remete ao indivíduo,
à sua especificidade, à originalidade de sua trajetória pessoal, à sua experiência, às suas
capacidades, e mesmo às suas potencialidades.
A noção de competência e suas várias implicações
Desde então, a capacidade de um novo contratado de substituir com
sucesso, em algumas semanas, um operário cuja longa experiência
no trabalho era, ao mesmo tempo, o capital e o orgulho, só poderia
parecer, para a vítima, a prova de sua desqualificação, aliás, geralmente
sancionada por uma desclassificação nas grades hierárquicas, e o índice
de uma política sistemática de depreciação da mão-de-obra operária.
103
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
104
O deslocamento da qualificação para a competência explica-se não somente
pelas mudanças dos conteúdos da atividade, mas também por uma perda de referência
na definição dos postos de trabalho em sua classificação e na remuneração que lhes
corresponde. Constata-se, então, uma crise no que constitui a essência própria da
qualificação: a valorização dos indivíduos e dos conteúdos da atividade industrial. Significa
que os empregos, progressivamente reelaborados, não são caracterizados mais por critérios
tradicionais, nem se identificam, no que se refere à extensão das capacidades, à relação
dos conteúdos de formação ou de experiência. Percebe-se que, nessas condições, há
uma concorrência semântica no que se refere à competência e qualificação. A dimensão
experimental da qualificação cede, então, lugar a numerosos escritos desde os anos 1980,
a partir do momento em que é percebida como condição da eficiência produtiva nas
indústrias.
As discussões mantidas, então, sobre a noção de qualificação são reativas, pois a
categoria fundante da qualificação, pertença ela ao determinismo tecnológico societal ou
ao da eficiência produtiva, mantém um estatuto reativo como atributo do conceito de
trabalho que flutua no mesmo ritmo que este último. Nesse caso, não se pode mais pensar
a qualificação com base na tarefa, devendo ser pensada como fundamentada no indivíduo.
Essa mudança de lógica tem conseqüências importantes sobre a gestão dos recursos
humanos. Na verdade, quando se conhece alguma coisa é por toda a vida; quando se é
alguma coisa é, momentaneamente, de maneira transitória e contingente. Passando de
uma lógica do “ter” a uma lógica do “ser”, o indivíduo evolui de uma lógica de certeza
a uma lógica de incerteza, de uma lógica de estabilidade a uma lógica de instabilidade,
de uma lógica de permanência a uma lógica de transformação. O indivíduo competente
em uma dada situação, em um dado momento, pode não o ser em uma outra situação.
Competente aos 30 anos, ele pode não mais ser aos 40, se não evoluiu. Essa lógica do ser
impõe uma dinâmica, uma atitude adaptadora permanente, uma visão da transformação,
ausente na concepção da qualificação.
A ligação entre a qualificação adquirida com diploma e as competências requeridas
para exercer uma atividade profissional não é colocada em questão por nenhum dos
parceiros, nem na esfera do trabalho, nem na esfera educativa, nem pelos interessados que
são os jovens. A formação teórica, validada pelo diploma, traz os conceitos, as noções, os
princípios gerais que descrevem o real, o que Malglaive (1995) chama de “saber teórico que
se mostra suficiente para assegurar o emprego”.
A noção de qualificação é construída com base na sociologia e, após um grande
esforço para conceituá-la, parece haver, há algum tempo, um consenso entre os sociólogos
de que se trata de uma noção em aberto, em evolução permanente, porque tem na noção
de trabalho, esta também em aberto, uma referência fundamental. Assim, se antes se
limitava ao saber e ao saber-fazer, e era, ainda, historicamente relacionada às operações
de classificação dos trabalhadores e determinante dos seus salários, agora ela trata da
especificidade do indivíduo, da sua originalidade, trajetória profissional, experiência,
das suas capacidades e potencialidades. Seu caráter aberto de noção mostra-se, portanto,
importante para a sua sobrevivência e para o estabelecimento de uma diferenciação em
relação à competência.
A competência, ao contrário, como afirma Tomasi (2004, p. 157-158) é:
uma demanda do patronato, e o termo é empregado por ele e não
Para o novo modo de produção e acumulação flexível, com a organização e gestão
das empresas em redes, é preciso um novo trabalhador. Não basta mais o trabalhador que
desempenha funções repetitivas, mecânicas e sem iniciativa. Mesmo o trabalhador que
exerce as atividades mais simples, hoje, além de fazer, deve ser capaz de pensar, dominar
conhecimentos gerais relacionados ou não ao seu trabalho, interpretar textos, gráficos e
tabelas, ter conhecimentos na área de informática, capacidade de interpretação de dados,
iniciativa e crítica, e ser capaz ainda de trabalhar em equipe. Assim, além da educação
formal, ou seja, da qualificação profissional, é necessária toda uma gama de habilidades
relacionadas a novas tecnologias, bem como atitudes e comportamentos. É nessa nova
lógica que surge a noção de competência.
A noção de competência tem sido colocada como uma alternativa mais adequada do
que a de qualificação, pois está mais sintonizada com as “novas necessidades” do mercado
A noção de competência e suas várias implicações
pelos sociólogos. Ela trata das exigências de cada posto, que as
empresas já não sabem definir e cuja ausência se manifesta em uma
pane ou no prolongamento da pane. Ela independe das especificidades
do indivíduo e diz respeito às capacidades profissionais, à sua formação
sistemática e socialmente controlada. A competência se define,
portanto, pelo posto de trabalho. Ela prioriza o trabalho e constitui
medida de desempenho do trabalhador. Trata-se de um campo
de conhecimento partilhado com outras disciplinas e profissões:
psicólogos, antropólogos, ergonomistas, lingüistas, educadores etc. A
competência encontra-se, também, e sobretudo, nos comportamentos,
nas atitudes que têm por característica fundamental antecipar-se aos
problemas e não apenas solucioná-los.
105
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
de trabalho, introduzidas pelo progresso técnico e pelas novas formas de gestão, ligadas não
mais ao modo taylorista de produção, mas ao modelo baseado na organização japonesa
do trabalho, batizada de toyotista. Para ganhar competitividade num mercado em crise, as
empresas teriam de aumentar a qualidade e a diversidade de seus produtos e aumentar o
número de lançamentos e variedades de um mesmo produto, visando nichos cada vez mais
particulares do mercado.
O novo modelo de competências, do ponto de vista das empresas, com relação
aos trabalhadores, combinaria, variando conforme o caso, os seguintes elementos:
normas de recrutamento que privilegiam o nível de diploma; valorização da mobilidade
e do acompanhamento individualizado da carreira; introdução de processos de avaliação
contínua do desenvolvimento do funcionário na empresa; novos critérios de avaliação
que privilegiam as qualidades pessoais e relacionais como responsabilidade, autonomia,
capacidade de trabalhar em equipe, etc.; instigação à formação contínua, ou seja, aprender
sempre; desvalorização dos antigos sistemas de classificação fundada nos níveis de
qualificação e originados nas negociações coletivas; privilégio das negociações individuais.
Ramos (2002, p. 193-194) problematiza a qualificação enquanto relação social,
colocando as competências no plano da responsabilidade do indivíduo. Afirma ela:
106
Tensionada teoricamente com a qualificação, a competência, como
um conjunto de propriedades instáveis que devem ser submetidas
à prova, opõemse à qualificação avaliada socialmente pelo diploma,
título adquirido para sempre, e pela antigüidade e à própria idéia de
profissão. Opõem-se, portanto, à dimensão conceitual da qualificação.
Essas competências podem ter sido adquiridas em experiências
diferentes da educação formal, sendo tratadas como características do
indivíduo. Não remetendo a uma categoria formalizada, a noção de
competência não justificaria a reivindicação de direitos coletivos. A
competência passa a estar no princípio da organização do trabalho, no
lugar da qualificação/profissão. Enquanto o domínio de uma profissão,
uma vez adquirido, não pode ser questionado, as competências são
apresentadas como propriedades instáveis dentro e fora do exercício
do trabalho. Significa dizer que uma gestão fundada na competência
encerra a idéia de que um assalariado deve se submeter a uma validação
permanente, dando constantemente provas de sua adequação ao posto,
de seu direito a uma promoção ou a uma mobilidade promocional.
Nessa linha de pensamento, o desempenho individual passa a ser critério de sucesso.
Segundo Dupas (2003), o desempenho individual passa a ser o supremo critério de sucesso,
num contexto em que a sociedade oferece aos cidadãos cada vez menos oportunidades.
A noção de competência e suas várias implicações
Carnoy (2002) afirma que a mundialização exerceu um impacto considerável
sobre a educação, principalmente através das reformas de caráter financeiro defendidas
pelas instituições monetário-internacionais. Tais reformas propunham-se, antes de tudo,
a reduzir os gastos com o ensino público. Nessa versão do ajuste estrutural, a expansão
da educação e o ensino de melhor qualidade inscrevem-se, portanto, no âmbito de um
financiamento público, restrito nessa área. No novo ambiente mundial, é essencial que
os responsáveis pelas políticas educativas tenham pleno conhecimento de que o Estado
está realmente impossibilitado de aumentar o orçamento da educação e de que essa
“penúria” representa uma preferência ideológica em favor do investimento privado no
setor de educação. Segundo o mesmo autor, as consequências dessa nova organização do
trabalho são importantes para a educação. Se uma pessoa é levada a trocar com freqüência
de emprego, quanto melhores conhecimentos gerais tiver adquirido, tanto mais facilmente
conseguirá adquirir as competências exigidas para os diferentes postos que vier a ocupar.
Por outro lado, os empregadores preferem sempre contratar pessoas que, além de possuírem
competências particulares, aprendem rapidamente. O ensino profissionalizante nunca
criou empregos, pois quando existem postos vacantes, a preferência é dada em geral aos
jovens com formação profissional que acabam recebendo uma remuneração mais elevada.
A flexibilidade na organização do trabalho significa que é mais valorizado um ensino geral
de melhor qualidade que ajuda o indivíduo a coletar e interpretar informações, além de
lhe proporcionar condições para resolver os problemas. No entanto, isso significa também
que a formação profissional deve ser fundamentada em um ensino geral e polivalente. É
forçoso constatar, igualmente, que os talentos de comunicação e cooperação são tanto mais
recompensados quanto mais flexível for o quadro de trabalho.
A noção de competência não se instalou, no entanto, apenas na lógica empresarial.
Este modelo chegou também a todos os segmentos da cultura e aos modelos de educação
de diferentes estados nacionais. É o que se tentará mostrar no tópico que abordará
competências no contexto internacional. No Brasil, as competências estão definidas
nos documentos do MEC na Lei Federal nº 9394/96 — LDB, bem como nas Diretrizes
Curriculares Nacionais— DCNs15 — de Ensino Fundamental e de Ensino Médio,
publicados como guias e enviados a todos os professores do país. Na esfera da educação, a
noção de competência vem conectada com “a defesa da democracia da cidadania, de justiça
social, de combate às desigualdades e respeito às diferenças”.
Para o MEC - Ministério da Educação16, o problema de diminuição da qualidade
está muito vinculado à falta de recursos. Constata referido Ministério que a gestão privada
107
do sistema priorizou uma visão economicista, com “loteamento de recursos a partir de
uma relação tempo/custo, substituindo o tempo de aprender, gerando um processo de
mercantilização do ensino”. A maneira como o setor público desempenha seu papel na
expansão e aprimoramento da educação repercute, de forma bastante diferenciada, na
manutenção das tarefas educativas.
Depreende-se que, no contexto atual, as qualificações, segundo Ramos (2002),
são modalidades de formação profissional e que competência é mais abrangente porque
articula conhecimentos, habilidades e valores. Na busca por princípios fundantes sobre a
noção de competência, verificar-se-á como é definida ou construída em alguns países. É o
que se fará a seguir.
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Capítulo 5
A GESTÃO DA INFORMAÇÃO COMO
FERRAMENTA ESTRATÉGICA DE
GESTÃO DA ESCOLA SUPERIOR DE
TECNOLOGIA E GESTÃO DE ÁGUEDA
Sónia Catarina Lopes Estrela
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
N
o fim da Era capitalista industrial, num período “pósindustrial”, surge uma nova sociedade de “serviços”
ou de “tempos livres”, em que a informação adquire
um valor central. Nesta sociedade, a produção de informação
substitui a produção de bens, tornando-se o principal bem
de consumo e, com uma importância crescente, institui-se
como a promotora da nova economia em que quem domina a
informação domina o mundo. Surge então a expressão Sociedade
da Informação1, noção operatória usada fundamentalmente por
sociólogos para designar os impactos sócio-económicos das novas
tecnologias da informação e comunicação (TIC), realçando a
importância que a informação detém no desenvolvimento com
êxito das organizações. Com efeito, o sucesso das organizações
está relacionado com a eficiência e a eficácia da utilização da
informação no seu dia a dia e com a capacidade que estas têm
em armazená-la e recuperá-la.A informação só é útil se estiver
devidamente tratada e organizada. Para isto é fundamental uma
boa gestão da mesma, pois esta nova sociedade exige respostas
rápidas e tomadas de decisão fundamentadas. Assim, este artigo
resulta do estudo de Gestão da Informação na Escola Superior
de Tecnologia e Gestão de Águeda (ESTGA) e visa propor um
modelo de Gestão de Informação para a ESTGA com o objetivo
de a apoiar nas respostas aos desafios que a Sociedade da
Informação lhe coloca.
Refutamos a visão tradicionalista e passiva dos serviços de informação - garantir
que a informação esteja disponível sempre que um utilizador a solicitar e defendemos
a visão de autores conceituados da Gestão da Informação como Choo, Davenport,
Drucker, McGee e Prusak, que veem a informação como um recurso estratégico e a
1. O conceito de Sociedade da Informação surgiu inicialmente nos trabalhos de Alain Touraine (1969) e de Daniel Bell
(1973) sobre as influências dos avanços tecnológicos nas relações de poder, mas apenas se afirmou no Livro Branco sobre
“Crescimento, Competitividade, Emprego – os desafios e as pistas para entrar no séc. XXI”. Este documento, publicado em
dezembro de 1993 na sua versão original, dedica uma secção à Sociedade da Informação. Aí é afirmado que a Europa dispõe
do know-how e da experiência indispensáveis para a implementação de um espaço comum da informação (http://ec.europa.
114
eu/communication_white_paper/doc/white_paper_pt.pdf, consultado em 31/01/08).
sua gestão como uma ferramenta estratégica. Defendemos uma Gestão da Informação
baseada em políticas que assentam na definição de critérios na produção, organização,
armazenamento, seleção, disseminação e uso da informação que permitirá à organização
ser mais competitiva no cumprimento dos seus objetivos e da sua missão. Para o efeito
adotamos o modelo de Gestão de Informação Sistema Integral de Informação Ativa e
Permanente (SIAP) proposto por Pinto & Silva.
Superior de Tecnologia e Gestão de Águeda
Sendo a informação a promotora da nova economia esta é um recurso que nenhuma
organização deve negligenciar. Mas de que falamos quando usamos a expressão Gestão
da Informação? Esta compreende um conjunto diversificado de atividades: produção,
tratamento, registo e guarda, comunicação e uso da informação, pressupondo que se lide,
administre e encontre soluções práticas.
Choo define Gestão de Informação como “um ciclo contínuo de seis atividades
estreitamente ligadas: identificação das necessidades de informação; aquisição de informação;
organização e armazenamento da informação; desenvolvimento de produtos e serviços de
informação; distribuição da informação; utilização de informação. (…) A conceptualização
da gestão de informação como um ciclo de atividades de informação interligadas que
devem ser planeadas, concebidas e coordenadas, oferece uma perspetiva de base processual
que complementa as ideias mais convencionais de gestão de informação como gestão de
tecnologia de informação ou gestão de recursos de informação. (…) O modelo processual
de gestão de informação devia abarcar toda a ideia de valor da informação (…)”2.
Da análise da definição podemos concluir que o autor não vê a Gestão da
Informação como uma disciplina científica, uma vez que estamos perante um conjunto
de atividades sequenciais e relacionadas com a produção /aquisição, tratamento, registo
e guarda, a comunicação e o uso da informação. O mesmo se verifica ao analisarmos a
definição de Zorrinho: “função que interliga e conjuga a conceção dos Sistemas de
Informação com a conceção dinâmica da organização. É, em consequência, uma função
de nível estratégico, que deve ser desempenhada ao mais alto nível da estrutura da
organização (vice-presidência ou assessoria direta do presidente ou diretor-geral). As
A Gestão da Informação como ferramenta estratégica de gestão da Escola
1. Gestão da Informação: revisão da literatura
2. CHOO, Chun Wei - Gestão de informação para a organização inteligente : a arte de explorar o meio ambiente. Lisboa :
Caminho, 2003. p. 58-60.
115
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
suas atribuições são múltiplas e diferenciadas, sendo o gestor da informação, antes de
mais, um controller estratégico”3. “(…) Para além das capacidades pessoais de liderança e
comunicação, o gestor de informação deve deter uma sólida formação de base em gestão,
uma boa formação em planeamento, conceção e gestão de Sistemas de Informação e alguns
conhecimentos sobre tecnologias informáticas e sua evolução”4.
Davenport, por sua vez, refere que a “Gestão da Informação é um processo que trata
de um conjunto estruturado de atividades que incluem o modo como as empresas obtêm,
distribuem e usam a informação e o conhecimento. Como processo, é necessária entre
os vários setores da organização. No entanto, o enfoque principal do processo deve estar
nas necessidades e na satisfação dos clientes da informação, o que torna a administração
informacional realmente efetiva”5.
Esta perspetiva alerta para o facto de a Gestão da Informação envolver permutas,
relações entre os vários setores, o que na prática significa envolver toda a organização. Nesta
sequência, McGee & Prusak propõem um modelo processual de Gestão da Informação
(Figura 1) e reafirmam a convicção de que a Gestão da Informação desempenha um
papel fundamental na definição da estratégia organizacional, porque poderá possibilitar
oportunidades e alternativas de estratégias que tornarão a organização mais competitiva6.
Este modelo apenas reafirma a perceção de muitos autores de que a Gestão da
Informação é um processo que se inicia com a identificação de necessidades de informação,
seguindo uma determinada tramitação que permitirá a análise e uso da mesma. Este
modelo processual subentende o desenvolvimento de um conjunto de atividades: recolha
da informação; classificação, armazenamento; tratamento e apresentação da informação
(a partir dos quais serão desenvolvidos os produtos e serviços de informação e que
permitirão a sua disseminação e distribuição) -, que depois de concretizadas deverão
dar uma resposta efetiva às necessidades dos que procuram a no seu duplo papel: o de
utilizadores e de beneficiários dessa mesma informação.
3. ZORRINHO, Carlos – A Gestão da Informação. Lisboa : Editorial Presença, 1997. p. 21.
4. Idem, p. 21-22.
5. ASSIS, Wilson Martins de – Metodologia para construção de produtos de informação nas organizações [Em linha]. Belo
Horizonte : UFMG, 2006. [Consult. 12 Dez. 2007]. Disponível em WWW:<URL:http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/
bitstream/1843/ VALA-6T7QWL/1/mestrado___wilson_martins_de_assis.pdf>.p. 29.
116
6. Idem. Ibidem.
Figura 1 - Modelo processual de Gestão da Informação
Superior de Tecnologia e Gestão de Águeda
Os mesmos autores afirmam que a criação de um Sistema de Informação7 é
relativamente fácil quando se baseia em necessidades pré-determinadas, mas que a
dificuldade tende a aumentar, exponencialmente, quando se tenta ir além dessa análise:
quando se tentam antecipar essas necessidades. É aqui que os novos profissionais da
informação se devem afirmar e fazer a diferença já que lhes pode permitir alcançar um
valor estratégico8.
Pinto & Silva vão um pouco mais longe que Mcgee & Prusak na sua proposta
de modelo para o estudo da Gestão da Informação e apresentam o Sistema Integral de
Informação Ativa e Permanente (SIAP)9. Modelo este que nos servirá de referência para
o presente caso e que foi o modelo seguido em outros casos, nomeadamente a análise
relativa à Universidade do Porto: estudo orgânico-funcional10, seguindo-se o Sistema
de Informação Municipal Ativa de Indaiatuba - SIMAI11 e o Sistema de Informação
Municipal de Vila do Conde12.
O SIAP é um modelo de Gestão de Informação (Figura 2) que abarca e apela ao
envolvimento de toda a organização. Exige o conhecimento do contexto, da estrutura, das
relações e dos fluxos informacionais que se estabelecem entre os agentes que os produzem.
Tem o seu sustentáculo no pensamento “sistémico, holístico e complexo, encontrando
a sua fundamentação ontológica e epistemológica na Ciência da Informação”13, o que
permite estudar todo o processo informacional desde a sua origem, passando pela sua
A Gestão da Informação como ferramenta estratégica de gestão da Escola
Fonte: (Mcgee & Prusak cit. por Assis).
117
tramitação, até ao seu destino final.
Figura 2 - SIAP
(adap. de Pinto & Silva, p. 8)
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
O SIAP, que tem a sua matriz fundadora no método quadripolar, é constituído
por quatro módulos. O primeiro módulo encerra toda a investigação científica que incide
7. Um Sistema de Informação é “uma totalidade formada pela interacção dinâmica das partes, ou seja, possui uma estrutura
duradoura com um fluxo de estados no tempo. Assim sendo, um Sistema de Informação é constituído pelos diferentes tipos de
informação registada ou não externamente ao sujeito, não importa qual o suporte (material ou tecnológico), de acordo com
uma estrutura (entidade produtora/receptora) prolongada pela acção na linha do tempo” (SILVA, Armando Malheiro da - A
informação : da compreensão do fenómeno e construção do objecto científico, p. 162).
8. ASSIS, Wilson Martins de – Metodologia para construção de produtos de informação nas organizações [Em linha]. Belo
Horizonte : UFMG, 2006. [Consult. 12 Dez. 2007]. Disponível em WWW:<URL:http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/
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9. PINTO, Maria Manuela Gomes de Azevedo; SILVA, Armando Malheiro da – Um modelo sistémico e integral de gestão de
informação nas Organizações [em linha]. [Consult. 30 Dez 2007]. Disponível em WWW: < URL:http://ler.letras.up.pt/uploads/
ficheiros/3085.pdf>.
10. RIBEIRO, Fernanda; FERNANDES, Maria Eugénia Matos - Universidade do Porto : estudo orgânico-funcional : modelo de
análise para fundamentar o conhecimento do Sistema de Informação arquivo. Porto : Reitoria da Universidade, 2001. ISBN
972-8025-12-2.
11. MASSON, Sílvia Mendes – Projeto SIMAP – SIMAI : SIMAP – Sistema de Informação Municipal Ativa e Permanente : SIMAI
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ler.letras. up.pt/uploads/ficheiros/artigo5641.PDF>.
12. PINTO, Maria Manuela Gomes de Azevedo – Gestão integrada do Sistema de Informação municipal: um estudo de caso.
118
Páginas a&B. ISSN 0873-5670. nº 12 (2003), p. 91-114.
13. Idem. p. 1.
Superior de Tecnologia e Gestão de Águeda
A Gestão da Informação como ferramenta estratégica de gestão da Escola
sobre a organização objeto de estudo, sobre o “fenómeno e processo infocomunicacional
ocorrido no seu interior”, o ambiente onde esta se movimenta e sobre os problemas
inerentes à Ciência da Informação com o objetivo de compreender e explicar o caso ou os
problemas a abordar14.
Neste módulo são formuladas hipóteses/teorias (pólo teórico do método
quadripolar), a adotar e usar e técnicas de obtenção de elementos para a pesquisa/estudo
científico (operações técnicas do pólo técnico), com o objetivo de compreender e explicar o
caso organizacional ou o tema/problema/situação colocados em estudo15.
No módulo II verifica-se o ajustamento e adequação prática da investigação teórica
ao caso concreto da implementação do Modelo. Como referem Silva & Pinto, deve ser
elaborado e desenvolvido um “esquema-pivot” que congregue, por um lado, os resultados
obtidos metodologicamente de acordo com os preceitos inscritos no primeiro módulo e,
por outro, as evidências empíricas que importa ter presentes quando se pretende intervir
numa organização. É usual as organizações necessitarem de:
a) descentralizar as suas atividades (logo os postos de trabalho) através da sua
crescente informatização;
b) aumentar a segurança e o controlo do acesso ao Sistema de Informação;
c) garantir um maior controlo da autenticidade, integridade e fiabilidade das
transações e do seu Sistema de Informação;
d) assegurar o uso da informação a médio e longo prazo;
e) distribuir os serviços de forma consistente e equitativa;
f) documentar as políticas, decisões e resultados de todas as partes envolvidas;
g) proteger os interesses e direitos da organização, dos seus colaboradores e
clientes, etc;
h) prevenir situações de emergência ou desastre e preservar a memória
organizacional16.
Estas questões têm, obrigatoriamente, de serem equacionadas. De tal forma que
a intervenção na Gestão da Informação deve ser antecedida e definida por um plano
detalhado em que seja focado como a informação deve ser produzida/recebida, reproduzida
e difundida/acedida. Após a elaboração deste plano, efetua-se a sua transposição para
o caso concreto de forma faseada17. Na primeira fase, e resultante dos módulos I e II, é
obtido o quadro orgânico-funcional que reflete a estrutura e as atividades da organização
119
ao longo dos tempos. De seguida, é necessário conhecer toda a informação produzida,
independentemente do suporte e da idade18.
A implantação do modelo SIAP é a etapa que se inscreve no terceiro módulo
(independentemente de se tratar de uma intervenção global ou parcial, num ou em vários
setores mais críticos no funcionamento da organização).
A sua implantação deve ser feita por setores, privilegiando aqueles anteriormente
identificados (considerados prioritários nesta reestruturação), que determinarão a sequência
dessa implantação aos restantes. Para realizar esta tarefa, é fundamental a constituição de
uma equipa interdisciplinar que garanta não só a avaliação do fluxo informacional mas
também dos instrumentos de recuperação da informação19.
Por fim, temos o módulo IV, no qual se processa a investigação científica sobre o
Modelo implantado e respetivo monitoramento. No fundo, é uma avaliação permanente
desse Modelo, porque se trata de uma realidade dinâmica.
Ao adotarmos o SIAP, temos como objetivo principal o desenhar das linhas
diretrizes para a reformulação do Sistema de Informação (SI) da ESTGA, com vista a um
funcionamento mais eficiente e eficaz que apoie a política global da organização.
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
2. Caracterização do caso
Tendo presente todo o percurso teórico e institucional relacionado com a Ciência
da Informação (pólo epistemológico) e partindo, metodologicamente, de uma perspetiva
de racionalidade indutiva, tomando-se como referência um contexto teórico baseado no
novo paradigma pós-custodial, dinâmico, informacional e científico (pólo teórico) e na
metodologia quadripolar, realizamos o nosso estudo de caso (pólo técnico) começando por
adotar os três primeiros módulos do SIAP.
O módulo I abarca a investigação científica (teórico-técnica) sobre uma organização,
o fenómeno e o processo info-comunicacional ocorridos no seu interior e/ou na sua
interação com o ambiente exterior. No módulo II procede-se ao ajustamento ou adequação
prática da investigação teórica (adquirida no decurso da formação) ao desafio concreto da
implementação do Modelo20.
14. Idem. p. 16.
120
15. Idem. p. 10.
16. SILVA, Armando Malheiro da ; PINTO, Manuela Azevedo – Ob. Cit. p.10-1.
Superior de Tecnologia e Gestão de Águeda
17. Idem. p.14.
A Gestão da Informação como ferramenta estratégica de gestão da Escola
O terceiro módulo consiste na implantação do modelo SIAP na ESTGA, sendo
selecionado como “sector-piloto”, para o início da referida implantação, a Secretaria
Administrativa porque se afigurava como sector prioritário já que acaba por centralizar
uma parte significativa das atividades da organização. Este módulo é composto por quatro
fases: a primeira tem como resultado a análise orgânico-funcional (desde 1994), o que
permite o conhecimento e a compreensão dos objetivos, competências e funções dos
diferentes órgãos (mediante a recolha e análise de legislação e regulamentos; análise de
documentação produzida e entrevistas aos funcionários); a segunda fase exige que seja
considerada toda a informação, independentemente do suporte e da idade, para que se
possa pensar nas soluções tecnológicas com a necessária articulação dentro de todo o
SIAP, o que torna imperativo o levantamento de toda a informação produzida, recebida
e expedida e um conjunto de tarefas de parametrização rigorosa de requisitos e funções
exigidas pela informatização integrada no Modelo; a terceira fase pressupõe a implantação
por sectores, escolhendo o “sector-piloto” e estratégico que irá determinar a sequência dos
restantes; a fase quatro pressupõe a constituição de um grupo interdisciplinar com vista ao
acompanhamento da implantação sectorial do Modelo e a avaliação do fluxo informacional
e dos instrumentos de recuperação da informação21.
Entre as etapas na execução prática do estudo de caso, inscritas no módulo III
podemos referir:
- o recenseamento da informação /documentação produzida (nos diversos
suportes) e cruzamento com os quadros orgânico-funcionais, daqui resultando
a quantificação e tipificação da produção informacional e respetivos suportes;
- a análise do sistema tecnológico de informação existente (hardware e
software);
- o levantamento, análise e representação dos processos organizacionais,
definindo circuitos, agentes e produção informacional (esta fase é fundamental
para o conhecimento e descrição da organização nas suas múltiplas facetas.
Efetivamente, é a base para a análise e conceção de novos processos, permitindo
identificar os aspetos que deveriam ser redefinidos e funcionando, ainda,
como um excelente meio de conhecimento organizacional);
18. Idem. p.11-2.
19. Idem. p.12.
121
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
- a estruturação do serviço de Gestão de Informação/Arquivo;
- o controlo de toda a produção informacional (nos diferentes suportes),
acompanhando todo o ciclo de vida da informação, a uniformização dos
modelos de documentos utilizados e convertê-los (os poucos que ainda não
existem) em formato eletrónico e a criação de meta-informação (que deve
obedecer a critérios e princípios rigorosamente definidos);
- o desenvolvimento de uma classificação que permita classificar a informação
no ato da sua produção;
- a avaliação da informação de acordo com os critérios e parâmetros do modelo
teórico concebido por Silva & Ribeiro22;
- a adoção de ferramentas de gestão eletrónica de documentos e Workflow
com vista a uma racionalização de tarefas e a uma efetiva comunicação
informacional interna e externa;
- a adoção de um sistema integrado de gestão de informação, tendo em conta
as especificidades da organização, sustentado na aplicação das Tecnologias
da –informação e da Comunicação. Esta solução deverá permitir, entre
vários aspetos: rápido acesso aos documentos (com pesquisa em metadados
e texto livre); controle do fluxo de trabalho; maior segurança no acesso
aos documentos; maior produtividade e redução de custos (tempo, papel,
cópias)23;
- o acompanhamento dos serviços produtores e a sua participação nos processos
de mudança organizacional (além das questões associadas à adoção de novas
metodologias e formas de trabalho, deve incluir ações de sensibilização junto
dos funcionários, alertando-os para as implicações decorrentes do facto de
trabalharem diariamente com documentação oficial);
- a identificação das estratégias, instrumentos e soluções a implementar no
sector que considerámos prioritário: a Secretaria Administrativa;
Estas etapas têm como objetivo final uma redefinição do Sistema de Informação
da ESTGA que, como parte integrante desse Sistema mais global (a própria organização),
deve estar em sintonia com o todo (organização) e com o modelo de gestão adotado por
e para esse todo. As partes convergem para o todo, numa perspetiva sistémica: todos os
20. SILVA, Armando Malheiro da ; PINTO, Manuela Azevedo – Ob. Cit. p. 16-7.
122
21. PINTO, Manuela Azevedo , SILVA, Armando Malheiro da – Ob. Cit. p. 12.
a&b. ISSN 0873-5670. Nº 14 (2004), p. 7-37. Estes autores defendem uma avaliação realizada por parâmetros científicos, que
incida no fluxo de informação do sistema em que está inserido e tem o seu apoio e fundamento em 3 tipos de indicadores: 1.
A pertinência dos atos informacionais em função dos objetivos da organização; da estrutura orgânica e competências/funções
Superior de Tecnologia e Gestão de Águeda
22. SILVA, Armando Malheiro da ; RIBEIRO, Fernanda - A avaliação de informação : uma operação metodológica. Páginas
A Gestão da Informação como ferramenta estratégica de gestão da Escola
subsistemas que compõem a organização estão em uníssono e o Sistema de Informação não
é exceção.
Cada organização é única, tem uma cultura própria que lhe dá um carácter singular
e o seu próprio modelo de gestão do Sistema de Informação. O modelo é indissociável
dessa organização em concreto porque é o indicador da sua unicidade e particularidade,
tornando-se percetível através do conhecimento do seu contexto, da sua estrutura e dos
seus processos. Ao conhecer estes fatores, estamos na posse de um instrumento que
permite descrever e perceber como é a realidade atual (que promove o seu desempenho
atual) e, simultaneamente, estamos a conceber uma ferramenta para atuar e conseguir
convergir para os resultados desejados.
Ao desenhar um modelo de funcionamento de uma organização com base
na análise dos processos, estamos a fazer uma representação dessa organização, no
fundo, a “fotografar” essa realidade. É esta aproximação (este modelo) que promove o
desempenho atual e que, por isso, gera os resultados atuais. A filosofia subjacente a esta
análise pressupõe que, se pretendermos atingir outras metas, tenhamos de criar uma nova
realidade, aperfeiçoar o modelo, modificar e transformar um ou mais processos desse
modelo. É essencial conhecer os processos atuais para determinar os pontos críticos e as
melhorias a incluir com vista ao desenvolvimento do modelo futuro.
Os resultados pretendidos obter-se-ão detetando os pontos críticos do modelo atual
e identificando as transformações que importa introduzir. Muitas vezes, para se conseguir
gerar os resultados desejados, não é necessário modificar todos os circuitos, basta melhorar
alguns, ou, pontualmente, criar novos circuitos ou, em última instância, conceber um novo
modelo organizacional.
Para que se compreenda e interprete o modelo organizacional importa conhecerse a ligação entre os circuitos informacionais e as atividades desenvolvidas, a estrutura
formal com os sistemas de relações internas informais, os desejos e expectativas dos agentes
intervenientes (internos e externos) e a sua ligação com as variáveis organizacionais e de
gestão.
do órgão; da memória institucional; 2. A densidade dos atos informacionais de acordo com o seu “volume” informacional; 3. A
frequência, isto é, periodicidade de uso/acesso à informação, quer na fase de produção/receção (fase genésica ou ativa), quer
na fase posterior (pós-genésica, estável).
123
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
Ao conhecer e compreender o seu modelo organizacional atual, as organizações
terão um instrumento para poderem recriar ou redefinir novas políticas e orientações
estratégicas, para desenvolverem novas metodologias e ferramentas de trabalho e de gestão.
O conhecimento do modelo atual pode levar também a uma reestruturação da própria
organização e a uma reanálise dos objetivos a alcançar.
Um modelo de gestão eficiente é, portanto, primordial, porque vivemos momentos
em que a concorrência é feroz e, para sobreviver, é necessário demonstrar qualidade e
competência em tudo o que se faz – na atual conjuntura, a excelência é fator determinante.
Longe vão os tempos em que os clientes se cingiam ao que o mercado lhes oferecia.
Atualmente, os clientes têm as suas opiniões, ideias, necessidades, expectativas e gostos
bem definidos. Compete às organizações ir ao encontro dos desejos dos clientes e, inclusive,
oferecer-lhes produtos/serviços que estes não esperariam, antecipando e criando novas
carências.
Os clientes ou potenciais clientes possuem um leque abrangente de opções para
dar resposta às suas necessidades e se a organização não conseguir corresponder às suas
expectativas, estes irão, certamente, procurar junto de organizações concorrentes soluções
mais adequadas às suas exigências e necessidades. Assim sendo, cada organização deve
procurar novas formas de gestão com vista a garantir que os clientes a procurarão pela
sua qualidade e excelência, caso contrário ver-se-á constantemente ultrapassada pelos seus
concorrentes e desaparecerá porque não consegue cativar nova clientela, não cumprindo
assim os objetivos para que foi criada.
É fundamental a qualquer organização monitorizar o ambiente externo, porque
se por um lado o ambiente interno pode ser controlado pelos gestores da organização
(já que este resulta das estratégias de atuação por eles definidas), por outro o ambiente
externo não está sob controlo da organização. Tal facto não deverá significar alienamento
da organização em relação ao exterior, antes pelo contrário, esta deve conhecê-lo e proceder
23. Entre as funcionalidades que o programa deve apresentar podemos destacar algumas fundamentais: Gestão integrada
de documentos; Pesquisa em Meta dados ou Texto livre; Classificação de Documentos; Histórico de Versões de Documentos;
Automatização de Ações sobre o Documento: Conversão para outro formato; Envio de e-mails de notificação; Contadores
automáticos; Possibilidade de definir ações personalizadas; Requisição e Devolução de Documentos; Agregar documentos
a processos e processos a processos; Configuração de Regras e Workflow; Definição de templates com estrutura e regras;
Integração com diversos motores de base de dados e Integração com sistemas de autenticação da informação. É igualmente
importante garantir a articulação e gestão integrada de toda a informação independentemente da sua idade e da época em
que foi produzida, associando-a ao processo histórico em que ela se insere. O que não é possível com o presente programa,
cujo objetivo fundamental é a gestão corrente da organização UA, que procura gerir, num contexto de rápidas alterações, o
124
processo informacional, assim como o seu produto - a informação.
à sua monitorização com frequência, de forma a aproveitar as oportunidades e evitar as
ameaças. Com efeito, apesar de nem sempre ser possível evitar as ameaças, é possível, se for
feito um planeamento adequado, minimizar os seus efeitos.
Superior de Tecnologia e Gestão de Águeda
A Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Águeda (ESTGA) está localizada na
cidade de Águeda. Esta é a maior cidade da região da Bairrada e situa-se a 50 Km de
Coimbra, a 20 km de Aveiro e a 75 km do Porto. Águeda é o terceiro concelho mais
populoso do Baixo Vouga, sendo apenas ultrapassado por Aveiro (com 19% do total da
população residente no Baixo Vouga) e Ovar (com 14,3%), apresentando uma população
mais jovem do que o resto do continente.
É num concelho altamente industrializado e com necessidade de mão-de-obra
qualificada. Tais características levaram a que, desde 1983, se começasse a discutir a
possibilidade de existência de um estabelecimento de ensino superior politécnico em
Águeda. Porém, um conjunto de fatores levou a que apenas tal se verificasse em finais
de 1994, registando-se o ato fundador da ESTGA, em 19 de Dezembro de 1994, com a
publicação do Decreto-Lei n.º 304/9424.
Após muitas vicissitudes, iniciaram-se, em outubro de 1997, as atividades da ESTGA,
depois de o Decreto-lei n.º 180/9725, de 24 de julho, a ter desafetado do Instituto Politécnico
de Aveiro e de ter autorizado a sua integração na Universidade de Aveiro, salvaguardando
o respeito pela natureza e pelos objetivos do ensino superior politécnico e nos termos do
nº 3, in fine, do artigo 14.º da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86, de 14 de
outubro).
Assim, a ESTGA foi a primeira escola superior26 a ser inserida na Universidade de
Aveiro, dando cumprimento ao estipulado no artigo 2., ponto 1 da Lei n.º 54/90, (Estatuto
e autonomia de Estabelecimentos de Ensino Superior Politécnico): “as escolas superiores
são centros de formação cultural e técnica de nível superior, às quais cabe ministrar a
preparação para o exercício de atividades profissionais altamente qualificadas e promover
o desenvolvimento das regiões em que se inserem”27.
Este foi, indubitavelmente, um dos objetivos que esteve subjacente à criação da
ESTGA. Com efeito, a sua criação visava contribuir, em particular, para o desenvolvimento
integrado da região de Águeda e para a revitalização do tecido produtivo existente.
A Escola tinha como objetivo a formação orientada para novas técnicas, em particular
A Gestão da Informação como ferramenta estratégica de gestão da Escola
2.1. Contexto
125
nas tecnologias polivalentes, especialmente nos domínios industriais de forte implantação
distrital e regional, e em domínios particularmente carentes a nível nacional. Estas linhas
de orientação permitiram traçar as diretrizes implementadoras dos diferentes cursos a
ministrar na ESTGA. Assim, no ano letivo de 1997/98, a ESTGA iniciou a sua atividade
letiva com os cursos de Engenharia Eletromecânica e Engenharia Geográfica. Em 2000/01,
passaram a ser ministrados na ESTGA mais quatro cursos: Engenharia Eletrotécnica,
Estudos Superiores de Comércio, Gestão Pública e Autárquica e Secretariado de Direção e,
por fim, em 2002/03, o curso de Documentação e Arquivística28.
Simultaneamente, a ESTGA assegura cursos de formação especializada (CFE),
cursos de pós-graduação nas áreas da Engenharia Geográfica e da Engenharia Eletrotécnica.
Na área da Engenharia Geográfica, os cursos em Modelação Tridimensional e em SIG
(Sistema de Informação Geográfica) Municipal e, na área de Eletrotécnica, o CFE de
Instalação de Redes de Comunicações.
Além dos CFE, a ESTGA fornece cursos de especialização tecnológica (CET), cursos
de formação pós-secundária não superior que conferem qualificação profissional de nível 4.
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
2.2. Estrutura
126
Para dar cumprimento aos seus objetivos e à sua missão a ESTGA necessita “estruturase” e adaptar-se às mudanças que se vão registando. A estrutura de uma organização
encontra-se intimamente relacionada com o contexto dentro do qual funciona, uma vez
que a modificação verificada nela pode ser explicada por fatores ou variáveis do contexto.
A estrutura constitui um conjunto de variáveis complexas, sobre as quais os
administradores e gestores fazem escolhas e tomam decisões. Define a forma como as
tarefas devem ser destinadas, especifica quem depende de quem e estabelece os mecanismos
formais de coordenação e controlo29.
Após a análise das fontes para conhecer a estrutura da ESTGA e a sua evolução
constatámos que, desde o ano da sua criação até ao ano letivo de 2006/07, teve duas fases
diferentes em termos estruturais (Cfr. Figura 3). A primeira fase, que podemos designar
de regime ou fase de instalação, estendeu-se desde a sua criação30 até ao fim do ano letivo
de 2005/06, com a aprovação dos Estatutos a 26 de Setembro de 2006, seguindo-se a
segunda fase, logo após a aprovação e consequente publicação no Diário da República, que
se encontra a decorrer, e que designamos de período de Afirmação.
Figura 3 - Barra cronológica das fases orgânico-funcionais da ESTGA
24. Este diploma criou igualmente o Instituto Politécnico de Aveiro, no qual foi integrada a ESTGA.
25. Decreto-Lei n.º 180/97. D.R. I Série-A. 169 (1997-07-24) 3735-3736.
26. Além da ESTGA são ainda escolas politécnicas da UA a ESAN (Escola Superior de Design, Gestão e Tecnologia de Produção
Superior de Tecnologia e Gestão de Águeda
A ESTGA é um Sistema inserido no macro sistema Universidade de Aveiro (UA)
com estatuto equivalente ao dos Departamentos. Nos termos dos seus estatutos, a UA
é estruturalmente organizada em Departamentos/Secções Autónomas31 e em Escolas
Politécnicas que constituem unidades organizacionais dotadas de recursos humanos e
materiais com vista à realização das funções da Universidade.
Os departamentos gozam de autonomia científica, pedagógica, administrativa e
financeira, nos termos dos Estatutos da UA e da lei, cabendo-lhes “propor o orçamento
respeitante às dotações orçamentais que lhes sejam atribuídas e as alterações aos efectivos
de pessoal que lhes estejam afectos”; “celebrar contratos de tarefa com vista à realização
de trabalhos técnicos, científicos e outros, de carácter eventual, necessários à prossecução
das suas atribuições”; “participar na prestação de serviços e na realização de trabalhos
efectuados por entidades públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, relacionados com
as suas actividades e de reconhecido interesse para a prossecução dos seus fins” e “ elaborar
o relatório anual de execução administrativa e financeira”32.
A Gestão da Informação como ferramenta estratégica de gestão da Escola
Fonte: ESTGA
Aveiro Norte), A ESSUA (Escola Superior de Saúde da Universidade de Aveiro e o ISCA-UA (Instituto Superior de Contabilidade
e Administração da Universidade de Aveiro).
27. Lei nº 54/90 Lei nº 54/90. D. R. I Série. 205 (1990-09-05) 35-80 – 3589.
127
A mudança da estrutura da ESTGA responde a imperativos legais (o período legal
definido para o regime de instalação tinha sido prorrogado por sucessivos despachos do
Reitor da UA) e ao crescimento e consequente complexidade da própria escola. A mudança
no percurso da ESTGA é patente quando comparamos a diferença no que se refere a
determinados elementos da estrutura: introdução de novos e eliminação de alguns da
primeira para a segunda fase e as mudanças a nível das competências de determinados
órgãos que se mantem em ambas as fases.
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
2.3. Processos organizacionais
Todas as áreas orgânico-funcionais desenvolvem atividades para dar cumprimento
aos objetivos da organização. Devemos ter sempre presente que, apesar de cada área
orgânico-funcional ter processos e atividades característicos e específicos, há que ter em
conta que o processo também se caracteriza por ser transversal, isto é, pode “correr” a
estrutura funcional da organização, ligando setores distintos e recorrendo a atividades de
diferentes setores, pressupondo inúmeras interações.
O conhecimento dos processos e atividades é fundamental para o estudo que nos
propomos fazer porque para se efetuar uma Gestão da Informação eficaz, é essencial
“determinar que informação deve ser produzida em cada processo de negócio... decidir
sobre a forma e estrutura dessa informação... as tecnologias a utilizar... a meta-informação
que a acompanha... quais os requisitos para a recuperação, utilização e transmissão dessa
informação”33.
Um processo pode ser regulamentado e definido através de um procedimento que
consiste quer numa forma específica de descrever uma atividade ou um processo, quer o
próprio documento que descreve, de modo formal, as tarefas a cumprir, para se atingir
28. Desde a sua criação até ao ano letivo de 2006/07 a ESTGA ministrou sete bacharelatos. Com a implementação do
Processo de Bolonha a escola passou a ministrar seis licenciaturas: Documentação e Arquivística, que resulta da adequação
do bacharelato com o mesmo nome; Técnico Superior de Secretariado, que resulta da adequação do curso de Secretariado de
Direção; Tecnologias da Informação (com Ramos de Sistemas de Informação Empresariais, Tecnologias da Informação e da
Comunicação e Tecnologias da Informação Geográfica), Gestão Pública e Autárquica, que resulta da adequação do bacharelato
com o mesmo nome; Comércio, resultante da adequação do bacharelato de Estudos Superiores de Comércio; Engenharia
Eletrotécnica (com Ramos de Instalações Elétricas e Mecatrónica), que resulta da fusão dos cursos de Bacharelato em
Engenharia Eletromecânica e em Engenharia Eletrotécnica e, no ano letivo de 2010/11, a licenciatura em Gestão da Qualidade.
29. BILHIM, João Abreu de Faria - Teoria Organizacional : estrutura e pessoas. Lisboa : Instituto Superior de Ciências Sociais
128
e Políticas, 2005. p. 246.
Superior de Tecnologia e Gestão de Águeda
30. A ESTGA foi criada formalmente em Dezembro de 1994, mas só iniciou as suas atividades letivas no ano letivo de 1997/98,
A Gestão da Informação como ferramenta estratégica de gestão da Escola
os objetivos fim de determinado processo. Com as normas da qualidade ganha força a
expressão “procedimentos documentados” em que se entende que devem ser formalizados e
registados os procedimentos dos processos chave da organização para que sejam conhecidas
por todos.
Os decisores, ao deterem informação sobre o ambiente externo e sobre as
características internas organizacionais, estão munidos da base para a gestão e planeamento
estratégico de uma organização. Daqui decorre a importância de conhecer os circuitos
informacionais decorrentes do exercício das atividades da organização e do qual resulta
informação produzida. Assim, para que a sua interpretação e análise sejam mais simples,
procedemos à sua representação gráfica, mediante o recurso a fluxogramas, indicando
os intervenientes e os documentos produzidos. Esta técnica de modelação de processos
organizacionais para o conhecimento e descrição da organização é a base fundamental para
a análise e conceção de novos processos, uma vez que, ao permitir identificar os aspetos
que devem ser redefinidos, funciona, igualmente, como um excelente meio de discussão,
controlo e difusão do conhecimento organizacional.
Estes processos resultam de uma série de atividades logicamente interrelacionadas
que quando executadas produzem resultados esperados, e que visam responder às
necessidades e expectativas dos clientes. O conhecimento destes circuitos permite, então,
compreender a informação gerada no exercício das atividades da ESTGA com o intuito de
realizar os respetivos objetivos e de cumprir a sua missão.
A nossa atenção inicial centrou-se nas atividades mais diretamente relacionadas com
a Secretaria Administrativa porque este foi, segundo as linhas orientadoras do modelo
SIAP, o “sector-piloto” elegido porque esta acaba por funcionar como o epicentro do
funcionamento da ESTGA. Partindo da análise das funções que competem à Secretaria
Administrativa, estudámos e representámos as suas tarefas e a forma como decorrem com
vista à aferição do modo de funcionamento. Com a deteção de algumas anomalias foram
introduzidas alterações que agilizam a Gestão da Informação e o funcionamento da própria
organização e que visam atingir, mais facilmente, os seus objetivos.
Promover a Gestão da Informação de modo eficiente e eficaz exige que se faça
uma reflexão meticulosa, transversal a toda a organização, de modo a implementar um
em regime de instalação.
31. A UA é constituída por 15 Departamentos e 2 Secções Autónomas, que se interrelacionam consoante a interdisciplinaridade
dos cursos que integram ou das áreas de investigação que partilham.
129
sistema de gestão de toda a documentação/informação, disciplinando, de modo integrado
e contínuo, todo o processo de produção/receção, gestão e conservação/eliminação da
informação produzida/recolhida, independentemente do seu suporte.
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
Considerações Finais
130
A importância da Informação exige que as organizações olhem a sua gestão como
um investimento no seu sucesso, porque se trata de um recurso tático e a sua gestão uma
ferramenta estratégica. O contexto em que a ESTGA está inserida exige a flexibilização
e a modernização da sua estrutura organizacional, a aposta incondicional na Gestão da
Informação e no aperfeiçoamento do seu Sistema de Informação. Esta aposta deve ser
assumida como uma atitude estratégica que a ajude a fomentar e ampliar os horizontes
em termos de oportunidades e lhe permita a deteção e defesa das ameaças provenientes do
ambiente externo. Desta forma, poderá atingir um novo equilíbrio no seu funcionamento
e afirmar-se enquanto organização moderna e competitiva.
Em jeito de súmula, podemos destacar algumas ideias principais resultantes do
estudo realizado, no sentido de disciplinar a gestão documental e informacional:
- Reformular alguns circuitos, nomeadamente os da correspondência
expedida e da correspondência recebida, com particular destaque no controlo
de entradas e saídas (nem toda a correspondência recebida, por exemplo, é
registada). Isto, porque se trata da esmagadora maioria da documentação
produzida/recolhida pela ESTGA no exercício das suas atividades;
- Erradicar a divisão da informação segundo a tecnologia e suportes utilizados,
passando toda ela a receber o mesmo tratamento (a informação é organizada
de acordo com a tecnologia usada. Por exemplo: e-mails faxs, etc);
- Numerar toda a correspondência oficial expedida (incluindo os e-mails);
- Adotar um sistema de Workflow com vista a uma racionalização de tarefas, já
que permitirá a automatização de processos, de acordo com um conjunto de
regras definidas, permitindo que estes possam ser transmitidos de um posto de
trabalho para outro de acordo com algumas regras (celeridade de distribuição
e troca de pautas são um exemplo das vantagens desta ferramenta);
32. Artigo 28.º do Despacho Normativo N.º 52/89. D.R. I Série. 140 (1989-06-21). p. 2403-10.
33. NP 4438-1. 2005 - Informação e documentação : gestão de documentos de Arquivo. Caparica: IPQ, 2005. p. 13.
Superior de Tecnologia e Gestão de Águeda
A Gestão da Informação como ferramenta estratégica de gestão da Escola
- Apostar em plataformas tecnológicas e nos documentos eletrónicos (incluindo
a uniformização dos modelos de documentos e convertê-los (os que ainda
não existem) em formato eletrónico; igualmente, apostar na digitalização da
documentação e distribuição pelas pessoas a que se destina com recurso à
certificação digital;
- Controlar toda a produção informacional acompanhando todo o ciclo de
vida da informação e de criação de meta-informação;
- Desenvolver uma classificação que permita disciplinar e classificar a
documentação no ato de produção (desenvolvimento da classificação já usada
na correspondência e alargá-la a toda a informação), em comunicação com a
UA;
- Adotar um sistema integrado de Gestão da Informação que ajude, por
exemplo, a agilizar processos que exigem uma constante troca de informações,
incluindo entre a Escola e a Universidade, tendo presentes as especificidades
da organização, sustentado na aplicação das TIC;
Atendendo que está a ser implementado o programa de gestão da informação
Docushare em três “departamentos-piloto” e que o objetivo é alargá-lo às restantes unidades
orgânicas da UA, este será a resposta à necessidade de simplificar e agilizar a Gestão da
Informação. Trata-se de uma solução que está a ser desenvolvida e melhorada, atendendo
às especificidades da organização.
Todavia, esta solução não inclui, ainda, a necessária articulação com massas
documentais que foram sendo produzidas e acumuladas ao longo da existência da UA e
das suas unidades orgânicas, nem as necessidades inerentes à gestão da informação nas
fases a jusante do termo da tramitação. Esta situação deve ser igualmente ponderada com
vista à sua resolução.
Para que a utilização desta solução seja pautada pelo sucesso, é importante que esta
implementação seja acompanhada por um conjunto de medidas, entre as quais destacamos:
- o seguimento dos serviços produtores de informação e a promoção de ações
de sensibilização/formação no sentido de estes compreenderem a importância
e a mais valia que poderá resultar da introdução de novos procedimentos e
tecnologias;
131
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
132
- a criação do regulamento de Arquivo que determine os procedimentos a
seguir para a transferência dos documentos dos setores produtores;
- a definição dos critérios e o estabelecimento de uma grelha de seleção,
avaliação e eliminação que deve ser desenvolvida em articulação com a UA.
Este processo deverá ser devidamente acompanhado. E para o efeito, sugerimos a
constituição de uma equipa interdisciplinar que deverá intervir e atuar neste processo com o
apoio das chefias (consideramos que podíamos aproveitar o grupo constituído pela Unidade
para a Informática, Avaliação, Acreditação e Qualidade (UNIAAQ), grupo interdisciplinar
de que fazem parte elementos de formação na área da ciência da Informação, Informática,
Direito, Gestão da Qualidade e ainda elementos como, por exemplo, a atual Secretária de
Departamento).
Uma organização, especialmente de ensino superior, deve ser dotada de determinados
serviços fundamentais como são os casos da Biblioteca e do Arquivo. Estas entidades
produzem/recebem e tratam informação (recurso ativo e potenciador) que, se devidamente
valorizados, contribuirão para a eficácia de todo o Sistema de Informação com altos níveis
de competitividade na prossecução dos objetivos da organização. Mais, são alimentadores
da própria organização e do respetivo Sistema de Informação. Esta valorização deverá ter
subjacente um conjunto de transformações em que sejam ponderadas:
- a determinação e preparação de um espaço para o Arquivo (com condições
indispensáveis em termos ambientais/materiais);
- a aquisição de estantes e de unidades de instalação mais adequadas para a
conservação e armazenamento da documentação;
- a criação de um espaço para a instalação definitiva da Biblioteca, com todos
os meios imprescindíveis ao seu funcionamento;
- a contratação de um profissional de informação.
Da análise realizada, constatámos a falta de autonomia da Escola relativamente
à UA. Há situações concretas em que esta condição provoca perdas de tempo e atrasos
de determinados procedimentos. Uma maior autonomia da ESTGA, sem ter que estar
dependente da unidade “mãe” em tantos pontos e aspetos, estamos certa, significará uma
mais-valia para todas as partes, porque diminui os circuitos e os intervenientes.
Esta reclamação de maior autonomia para a ESTGA aumenta a sua responsabilidade
para com os seus utilizadores e para com a UA e exige uma definição clara das competências
dos vários serviços e dos vários funcionários para que estes sejam responsabilizados pelas
suas ações enquanto intervenientes no processo infocomunicacional.
Tendo presente os desafios colocados às organizações em plena Sociedade da
Informação, esta é um elemento essencial para a solução de problemas da organização,
para a formulação das estratégias e para a tomada de decisões. No fundo, deve ser usada
para apoiar processos e decisões e melhorar o desempenho organizacional. É aqui que
marcamos a nossa posição enquanto adeptos do paradigma científico-informacional que
coloca de lado uma prática que vigorou durante séculos, em que a informação tinha um
peso essencialmente de memória. Mas não estamos satisfeitos com esta visão e os tempos
que vivemos reforçam esta convicção, porque é fundamental transformar a informação
em conhecimento, qual fluxo sanguíneo sustentáculo da vida, do crescimento e do
desenvolvimento do organismo ESTGA.
A informação é resultado de toda a atividade humana e a capacidade do Homem
de a produzir e usar, independentemente do seu suporte, tornou possível a sua difusão e a
sua continuidade ao longo dos tempos. É isso que queremos que continue a verificar-se na
ESTGA, contribuindo para que esta se torne uma instituição de referência no sistema de
ensino superior português.
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Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
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134
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Capítulo 6
FATORES QUE LEVAM AS
ORGANIZAÇÕES A OPTAREM OU NÃO
PELA TERCEIRIZAÇÃO DOS SERVIÇOS
DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO
Gislaine Fernandes
Rita de Cássia da Silveira Marconcini Bittar
Oswaldo Luiz Agostinho
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
A
136
área de Tecnologia da Informação (TI), há algum
tempo, deixou de exercer um papel técnico e de suporte
às atividades meio, que não gerava qualquer retorno
para o negócio. Diante do cenário atual, no qual a velocidade
das mudanças e a disponibilidade de informações crescem de
forma dinâmica e globalizada, o gerenciamento da informação
passou a ser um componente estratégico para se obter vantagens
e diferenciais competitivos. Desta forma, as organizações
perceberam a necessidade de gerir os negócios de forma que
possibilitasse ter eficiência e eficácia no uso da tecnologia,
face às áreas do negócio que estão exigindo cada vez mais a
diminuição dos tempos de resposta, agilidade e flexibilidade.
Neste contexto, a TI passou a ser percebida como ferramenta
de alavancagem dos negócios (SANTOS JUNIOR; FREITAS;
LUCIANO, 2005; COSTA e ALMEIDA, 2011; AGOSTINHO,
2011). A eficiência no uso da tecnologia está associada ao uso
dos recursos e a sua eficácia com a satisfação de metas, objetivos
e requisitos (LAURINDO, et al., 2001). O sucesso da gestão
da área de Tecnologia da Informação, seu desenvolvimento,
instalação e operação de computadores e sistemas de informação,
não dependem somente da eficiência dos equipamentos e
softwares, obtida pelos analistas e engenheiros de projetos
de tecnologia, mas também da eficácia, que compatibiliza os
objetivos dos sistemas de informação e do uso dos computadores
às necessidades da organização e dos usuários finais (BORGES,
et al., 2005).
Se antes a tecnologia era usada apenas para automatizar tarefas e eliminar o trabalho
humano, aos poucos ela começou a enriquecer todo o processo organizacional, auxiliando
a otimização das atividades e a eliminação de barreiras de comunicação. Dessa forma, o
conceito usual de Tecnologia da Informação ligado estritamente a aspectos técnicos dá
lugar a uma interpretação mais ampla, que leva em consideração aspectos humanos,
administrativos e da organização (LAURINDO et al., 2001). Por esta razão, a gestão de
TI, antes baseada somente em aspectos tecnicistas (BORGES, et al., 2005), passa a levar
em consideração a integração entre as diferentes áreas da organização, o fortalecimento do
1. Gestão de TI
A Tecnologia da Informação surgiu em meados de 1960 e foi mudando ao longo do
tempo por meio da quebra de barreiras de comunicação entre empregados e consumidores,
passando do mainframe para os microcomputadores, se tornando uma importante
ferramenta de auxílio à tomada de decisão (ATTARAN, 2004; LOPES e COSTA, 2006).
O que se observa atualmente é que, segundo Roberts e Sikes (2008) em pesquisa
realizada pela McKinsey, o desempenho da TI ainda está muito aquém do esperado pelos
executivos, pois ainda não satisfazem as estratégias de negócio das empresas. Entretanto,
em razão das mudanças ocorridas no ambiente corporativo nos últimos anos, a Gestão
de TI, que deve ser entendida como o “gerenciamento e o controle sobre a Tecnologia da
Informação” (DETLOR, 2010: 105), está alterando seu foco, explorando a TI como uma
Fatores que levam as organizações a optarem ou não pela
terceirização dos serviços de Tecnologia da Informação
relacionamento com os fornecedores e a criação de alianças estratégicas com os clientes
(PEREIRA e FRAZÃO, 2009; PIANA e ERDMANN, 2011).
Uma vez que a TI tem uma rápida evolução e passou a ser parte integrante do
planejamento do negócio, o modelo de sua gestão passa a ser rediscutido. A globalização
e a competitividade mudaram o pensamento gerencial, que por sua vez tem procurado se
adequar às tendências e solicitações do mercado a fim de satisfazerem um conjunto cada
vez mais exigente de requisitos (PEREIRA e FRAZÃO, 2009; FERREIRA e LAURINDO,
2009b). Por este motivo, as organizações passaram a buscar alternativas para seu
gerenciamento e a terceirização começou a ganhar espaço no setor de TI (FARIA, 2008),
conforme destacado por Saad (2006), como uma ferramenta gerencial que pode trazer
benefícios àqueles que demonstrem competências no exercício de sua prática.
Os motivos que levam as organizações a optar ou não por esta abordagem são
diversos, e o seu sucesso depende de uma série de fatores que devem ser observados pela
organização antes mesmo de sua adoção.
A revisão bibliográfica sobre este assunto levou a diferenciar as abordagens de como
o assunto vem sendo tratado, tendo como base o método de análise de conteúdo (Vergara,
2005).
O objetivo deste capítulo é destacar os fatores que conduzem os responsáveis pelo
processo decisório dentro das organizações a optarem, ou não, pela terceirização dos serviços
de TI, bem como discutir quais seriam os fatores determinantes para que a terceirização
seja efetivamente uma prática que favoreça o desenvolvimento da organização.
137
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
138
ferramenta competitiva, plenamente alinhada ao negócio (CRAIG e TINAIKAR, 2006).
Segundo Craig et al. (2007), é possível identificar três diferentes focos para a estratégia
de TI. Em um primeiro momento, a TI atua simplesmente como fornecedora de serviços,
focando basicamente as questões da informação para a empresa, sem um envolvimento
direto nos processos de negócio. Em uma outra vertente, que já é adotada por algumas
empresas, a TI envolve-se com os interesses do negócio e contribui para a empresa alcançar
suas metas. Finalmente, e talvez o próximo estágio para a gestão de TI, esta deve agir
como diferenciador competitivo, no qual se projeta além das necessidades dos negócios,
considerando tendências tecnológicas e o entorno competitivo para assumir um papel próativo na formulação da estratégia das atividades da empresa.
É a partir do alinhamento estratégico da TI com o negócio, e não somente de
aplicações específicas, que será possível obter tal vantagem competitiva (LAURINDO
e ROTONDARO, 2008). Dessa forma, a área de TI deverá seguir a linha estratégica de
negócios da organização, mudando de um setor de suporte para o negócio, para um setor
de integração entre o ambiente produtivo da empresa e a maximização da utilização dos
recursos operacionais tecnológicos em favor do atendimento da demanda do usuário final.
Essa nova vertente também é identificada por Smith e Mckeen (2006), que, a partir
de pesquisas realizadas desde 1990, apontam para uma mudança na Gestão da TI, buscando
aumentar a sua flexibilidade a fim de obter uma maior adaptação de suas atividades,
processos e estrutura aos interesses do negócio. É importante ressaltar, no entanto, que esse
novo papel desempenhado pela TI requer uma nova mentalidade do Gestor de TI, também
conhecido como CIO (Chief Information Officer), exigindo um conjunto de habilidades
e competências que vai além do conhecimento puramente tecnológico, atuando como
facilitador para realização das estratégias de negócio (PRAHALAD, 2006).
De qualquer forma, para que a TI possa, de fato, servir como diferencial competitivo,
é recomendado que as empresas gerenciem os investimentos em TI da mesma forma que
gerenciam seus investimentos financeiros, considerando investimentos de baixo, médio
e alto riscos (CRAIG e TINAIKAR, 2006). A maior parte dos investimentos em TI deve
ser destinada a manter ou melhorar serviços básicos, estritamente necessários para a
manutenção dos negócios. Outra parte dos investimentos (que pode variar entre 10~30%
do total de investimentos, dependendo da estratégia da empresa) deve ser empregada para
ajudar o negócio a reduzir os custos ou aumentar a produtividade em relação aos seus
concorrentes, alinhando, portanto, a TI aos interesses do negócio. E, finalmente, uma
pequena parte dos investimentos deve ser destinada a uma categoria de alto risco, buscando
inovações que possibilitem a abertura de novos mercados ou gerem novos produtos, mais
atrativos que os dos concorrentes.
O termo terceirização, do inglês outsourcing, se refere ao processo de transferência,
para terceiros, de funções que podem ser executadas por outras empresas possibilitando
a concentração em tarefas ligadas ao negócio em que atua (STAIR e REYNOLDS, 2006;
WEIMER e SEURING, 2008).
Desde o século XVIII e XIX, as organizações transferem, de forma parcial ou total,
suas atividades para empresas ou pessoas externas à organização. Porém, em meados dos
anos 60, com o advento dos computadores e sua utilização comercial, a terceirização das
atividades passa a estar presente na forma de compartilhamento dos recursos computacionais
e na alocação de mão de obra especializada. Na década de 70, observou-se a terceirização
de programadores, em razão do aumento da demanda por sistemas computacionais, assim
como pela falta de pessoal especializado na área de programação. Na parte organizacional
a integração e o controle de todo o ciclo da produção, deram a TI, um novo papel como
supridora das necessidades dos sistemas que surgiam (GROVER et al., 1996; LEE e KIM,
2003; BERGAMASCHI, 2005).
Nos anos 80, ocorreram mudanças importantes no pensamento gerencial. Isso
porque a produção em massa e em grande escala garantia custos mais baixos e competitivos
no mercado, até o momento em que concorrentes externos começaram a colocar produtos
de qualidade com menor preço no mercado. Em 1989, por exemplo, a Eastmann Kodak,
passou a terceirizar seus mainframes, contratando a ISSC, subsidiária da IBM. Nesse
sentido, a terceirização contribuiu para uma redução no custo dos recursos humanos e
materiais, além de propiciar uma maior flexibilidade na adequação desses recursos às
direções estratégicas das organizações, como por exemplo, nas competências centrais
(PRADO e TAKAOKA, 2002; ROUSE, 2009).
Saad (2006) denomina esse tipo de uso da terceirização de “Terceirização
Operacional”, que possui o foco nas atividades operacionais da organização contratante,
no qual são observados impactos positivos sobre seus custos de operação, bem como
sobre a qualidade dos serviços de TI utilizados pelos usuários da organização. Nesse caso,
as justificativas para o uso da terceirização estão normalmente associadas a problemas
específicos enfrentados pela organização contratante, como escassez de recursos financeiros
Fatores que levam as organizações a optarem ou não pela
terceirização dos serviços de Tecnologia da Informação
2. Terceirização de TI
139
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
140
para efetuar investimentos ou uma reestruturação para promover a redução de seu quadro
pessoal.
A partir dos anos 90, as organizações mudaram o enfoque de uma tendência a ser
auto-suficientes, por meio da integração vertical e do controle sobre todos os recursos,
para a integração vertical e horizontal, formando parcerias com outras organizações. Dessa
forma, passa-se a falar de uma “Terceirização Estratégica”, na qual a adoção da terceirização
tem seu foco sobre os processos de negócio da organização contratante, com benefício
sobre os custos e receitas do negócio e sobre a qualidade dos serviços de TI alcançada pelos
clientes da organização. Nesse caso, a organização se libera da responsabilidade de gerenciar
recursos associados a competências não essenciais para dar maior foco nas competências
centrais da empresa, visando criar um diferencial frente aos competidores. O relacionamento
entre a organização (cliente) e o provedor de serviços (ou simplesmente provedor) assume
características de uma parceria estratégica de médio a longo prazos, onde o provedor é um
componente-chave da estrutura do contratante, tornando-se parte integrante da estratégia
dos negócios da organização. Diante disso, a terceirização das atividades de TI, seja parcial
ou total, dos softwares, hardwares, pessoal e/ou serviços, passou a ser vista como uma
decisão estratégica que pode levar a mudanças estruturais, culturais e de procedimentos
da empresa (PRADO e TAKAOKA, 2002; SAAD, 2006; OLIVEIRA, 2007; FERREIRA e
LAURINDO, 2009b).
Finalmente, a partir de 2000, observa-se uma nova mudança no enfoque dado à
terceirização. Nesse cenário, denominado de “Terceirização Revolucionária”, os serviços
de terceirização são utilizados como agentes de mudança, e podem ser empregados para
alterar radicalmente a definição do negócio, abrindo novos mercados, aumentando a base
de clientes e criando novos produtos. Nesse caso, tanto provedor como cliente assumem a
responsabilidade gerencial conjunta pela entrega dos serviços, baseado, por exemplo, em
uma filosofia de compartilhamento de riscos e recompensas entre as organizações (SAAD,
2006).
É importante destacar que, além de uma mudança de foco dependendo do tipo
de terceirização observada, a evolução observada no enfoque dado para a terceirização
também se reflete em um maior valor agregado ao produto. Mesmo assim, apesar dos
potenciais benefícios, a terceirização é um processo de mudança. Sua adoção exige,
portanto, intenção, cooperação e apoio, e a sua eficiência depende da absorção de todo o
potencial e expectativa dos funcionários (SAAD, 2006; OLIVEIRA, 2007; ST. AMANT,
2009).
Parte da motivação para a terceirização é justificada pelos possíveis ganhos efetivos
que ela pode trazer para a organização, bem como alguns efeitos positivos externos à
organização (XAVIER e RODRIGUES FILHO, 2001).
Dentre os fatores internos, pode-se citar:
•Uma maior agilidade no processo decisório, devido à simplificação da
estrutura organizacional por meio do estabelecimento de parcerias. Isso,
além de refletir em uma redução dos custos, confere à empresa uma maior
flexibilidade econômica e adaptabilidade a mudanças, devido à redução de
custos fixos;
•Melhoria da administração do tempo da empresa, fazendo com que
seja possível focar a atenção naquilo que a empresa faz de melhor (corecompetence);
•Objetividade e definição das prioridades em TI, além da elevação do nível
de serviços em TI, muitas vezes inatingíveis pela empresa no estágio atual de
desenvolvimento. Isso aumenta a flexibilidade técnica da organização, fazendo
com que seja mais fácil implantar outros sistemas sem prévio desenvolvimento
interno;
•Maior objetividade de análise custo e benefício envolvidos em novos projetos
de TI;
•Maior possibilidade de controle sobre especificações técnicas (prazo,
preço, qualidade, volume da produção, etc) devido à visibilidade contratual
e financeira que é diretamente relacionada a uma maior previsibilidade de
gastos (custo x investimento) em TI.
Além das vantagens exclusivas para a empresa que contrata os serviços de terceirização,
há indiretamente alguns benefícios externos, como a possível criação de novas empresas, o
que se refletiria em uma maior arrecadação fiscal para o governo, além da possibilidade de
enxugamento de grandes organizações, principalmente as públicas.
Em outro estudo, realizado por Lacity et al. (2009), observou-se que a decisão para
terceirização de TI em larga-escala está usualmente ligada a um desempenho financeiro
insatisfatório das organizações, sugerindo que a intenção “estratégica” da terceirização é
simplesmente reduzir ou controlar os custos. Em outras palavras, a despeito da retórica
de usar a terceirização estrategicamente, a redução de custos ainda continua sendo um
Fatores que levam as organizações a optarem ou não pela
terceirização dos serviços de Tecnologia da Informação
3. Motivação para Terceirização
141
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
fator importante em um grande número de empresas. Mesmo assim, é possível identificar
exemplos na literatura nos quais a terceirização foi motivada por outros fatores, como:
•Alinhamento dos Sistemas de Informação à estratégia do negócio: talvez
a razão mais promissora dentre as demais. Isso porque, devido ao mercado
competitivo, globalizado e turbulento, as organizações necessitam, cada vez
mais, de informações oportunas e conhecimentos personalizados que auxiliem
de forma inteligente a sua gestão. Para tanto, é preciso que seu planejamento
empresarial e de Tecnologia da Informação (TI) sejam coerentes e estejam
integrados, e as respectivas estratégias plenamente alinhadas entre si.
•Foco em competências centrais: a empresa pretende focar suas atenções
apenas nas competências centrais, dedicando-se integralmente à atividade
principal do negócio;
•Necessidade de especialistas: a organização necessita especificamente de
algum conhecimento/expertise da empresa provedora de serviços.
•Melhora do desempenho do negócio: a organização busca parcerias para
contribuir com o desempenho do negócio, processos ou capacidades.
•Razões técnicas: a organização necessita de alguma tecnologia de ponta,
somente acessível por meio da terceirização.
142
4. Fatores Determinantes na Terceirização
Conforme ressalta Saad (2006: 10), “o relacionamento contratante-provedor se
caracteriza por ter alto valor agregado, ser permanente e de longa duração”. Os provedores
vendem o conceito de terceirização como uma parceria e o valor por eles agregado vem
do fato de que necessitam entender os negócios dos clientes (seus fatores críticos e suas
prioridades), assim como satisfazer seus requisitos e antecipar as futuras necessidades das
empresas. Desse modo, as decisões relacionadas à terceirização acarretam fortes impactos
sobre os negócios da organização. Por esse motivo, é importante que as organizações
tenham antes um plano estratégico que descreva a missão, a visão, as competências centrais
e os fatores chaves de sucesso.
Para se tomar uma decisão segura com relação à terceirização de uma função é
necessário, antes de tudo, conhecer o estado atual da empresa, identificando as competências
e habilidades atuais. A partir disso, é possível identificar, quais são as áreas potencialmente
terceirizáveis, e assim avaliar o alinhamento estratégico entre os diversos setores do negócio,
Quadro 1- Características vitais para implementação de projetos eficazes
de terceirização
Fatores que levam as organizações a optarem ou não pela
terceirização dos serviços de Tecnologia da Informação
especialmente os setores que são identificados como terceirizáveis (OLIVEIRA, 2007).
De maneira resumida, Saad (2006) destaca que a análise a ser realizada para apoiar
a decisão de se terceirizar ou não determinado setor da empresa deve englobar diferentes
questões, das quais pode-se destacar:
•Quais são os objetivos de negócio e, alinhados a ele, os objetivos de TI?
•Qual o desempenho interno por meio de benchmarking comparando com
seus pares?
•Qual o nível profissional de sua equipe e dos perfis necessários?
•Qual a capacidade dos provedores existentes no mercado?
•Além disso, é preciso observar outros pontos relevantes, a fim de facilitar o
alinhamento da área de negócios à de TI, como:
•Fomentar o diálogo entre a área de TI e as áreas de negócio da organização.
•Realizar medições detalhadas acerca dos custos e dos níveis de desempenho.
•Realizar levantamentos sobre as tendências do mercado de terceirização e de
sua aplicabilidade ao setor em que atua a organização (SAAD, 2006).
É interessante notar que organizações bem sucedidas no processo de terceirização
normalmente apresentam características semelhantes às descritas no Quadro 1, que define
um conjunto de pré-requisitos a serem estabelecidos pelas organizações que pretendem
obter bons resultados com a terceirização.
143
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
144
Fonte: SAAD, 2006, p. 23
5. Riscos da Terceirização das Atividades de TI
A terceirização das atividades de TI causa impactos no valor de mercado das empresas
(WILLCOCKS, 2010). E, caso não seja realizada de forma satisfatória, a gestão de um
Fatores que levam as organizações a optarem ou não pela
terceirização dos serviços de Tecnologia da Informação
provedor externo poderá trazer riscos à organização, tais como: a) perda de competências
centrais, caso a organização não compartilhe com o provedor externo sua visão de quais
são as competências centrais e não centrais; b) permitir que o provedor externo utilize
o relacionamento apenas para obter benefícios para si; c) levar a uma dependência do
provedor externo que resulte em perda de flexibilidade estratégica e de agilidade operacional
da organização (SAAD, 2006).
Cabe ressaltar que iniciar a terceirização das atividades de TI acreditando ser uma
função utilitária é diferente de entender que a terceirização tem um papel estratégico e
de valor agregado para a organização. Dessa forma, uma vez decidido o que terceirizar, é
importante considerar os riscos dessa decisão (FERREIRA, 2005). Diferentes trabalhos
na literatura lidam especificamente com essa questão, e pode-se destacar (LACITY e
HIRSCHHEIM, 1993; FERREIRA, 2008; LACITY et al., 2009;):
•A contratação de serviços terceirizados pode gerar insatisfação do “staff” de
TI interno a organização.
•Uma vez que parte dos serviços não está sendo mais desenvolvido e
executado na empresa, há o risco de dela não ser capaz de reter as capacidades
e habilidades.
•Dificuldades na realização de acordos para a adaptação rápida com relação
às mudanças tanto do negócio como da tecnologia, o que pode limitar o
desenvolvimento de novas tecnologias.
•Expectativas de qualidade de serviço e resposta rápida não são atendidas
adequadamente, fato que também pode estar relacionado a diferenças
culturais entre cliente e provedor (principalmente observado em terceirização
“offshore”).
•Corte de gastos inexpressivos ou custos de transação excessivos.
•Quebra de contrato por parte do provedor, que pode estar ligada a uma
baixa capacidade, qualidade, estabilidade financeira do provedor, ou mesmo
a problemas com funcionários.
•Dificuldade em se gerenciar grupos remotos e garantir a segurança/
privacidade.
•Provedor possui muito poder sobre o cliente, acarretando uma perda de
autonomia e controle sobre decisões de TI por parte da empresa contratante.
Outros autores, como Ferreira e Laurindo (2009a), ainda mencionam que os riscos
da terceirização têm uma relação direta com os outros aspectos, como, por exemplo, os
145
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
146
custos ocultos que estão diretamente relacionados aos riscos de falhas. Da mesma forma,
a perda de informações de privacidade e de segurança, assim como a perda de experiência
técnica de TI, também se relaciona com as questões estratégicas.
Embora não seja possível antever os resultados da terceirização frente a uma lista
extensa de possíveis condições adversas, é possível gerenciar os riscos associados a tal
decisão. O gerenciamento dos riscos, nesse caso, pode ser entendido como um “conjunto de
atividades que visam identificar, avaliar e controlar, eventos de risco que possam dificultar
ou impedir o alcance de um resultado desejado” (SAAD, 2006: 179).
Mesmo tendo essa precaução, conforme ressalta Tho (2005), o gerenciamento dos
riscos na terceirização de TI é uma combinação da arte de gerenciar e a ciência de calcular
eventos indefinidos. Ainda assim, é possível encontrar na literatura uma ampla gama de
trabalhos explicitando práticas para a redução do risco, que são normalmente definidas
especificamente para cada risco considerado.
De qualquer forma, embora a lista de possíveis riscos e práticas para a redução
dos mesmos seja extensa e até mesmo intimidadora, Lacity et al. (2009) argumenta que
a melhor forma de mitigar os riscos é por meio da experiência, pois não há substituto
para o conhecimento tácito adquirido através dela. Muitas vezes, executivos optam por
realizar parcerias piloto, com o intuito de obter maiores informações sobre as novas
opções de terceirização. Porém, cabe ressaltar que se o teste for reduzido, as capacidades
dos provedores podem ser totalmente avaliadas, e os benefícios esperados podem não ser
concretizados. Há, portanto, um compromisso entre a mitigação de riscos e a obtenção de
benefícios substanciais com a terceirização.
Discussão
Conforme apresentado anteriormente, a terceirização de TI pode trazer benefícios
à organização e, até mesmo, de uma maneira global, para o mercado. Dentre as vantagens
que podem ser obtidas pela empresa tem-se a redução dos custos, que por muito tempo
foi considerada a principal vantagem, além de uma maior disponibilidade para se dedicar
às suas core-competences, um dos fatores preponderantes no processo de inovação das
empresas.
Embora a análise a ser realizada a fim de balizar a decisão pela terceirização ou não
dos serviços seja elaborada, com base nos dados apresentados é possível construir uma
tabela (apresentada no Quadro 2) resumindo alguns prós e contras ligados a essa decisão.
Fonte: Adaptado de XAVIER e RODRIGUES FILHO, 2001; FERREIRA,
2008; LACITY et al., 2009
As vantagens e desvantagens deverão ser avaliadas caso a caso, de acordo com a
estrutura das empresas contratada e contratante. Mesmo assim, o sucesso ou o fracasso
na terceirização das atividades de TI, além de estar associado à capacidade da organização
contratante conduzir de forma eficaz a decisão acerca de quais funções deve ser ou não
terceirizadas, depende também do gerenciamento dos riscos inerentes ao processo (SAAD,
2006).
Do ponto de vista da estratégia, a construção de alianças entre cliente e fornecedor
é importante no processo de terceirização e pode trazer benefícios como: a utilização
das inovações dos clientes e de suas competências profissionais, diminuição dos riscos,
possibilidade de mudanças rápidas no mercado e no cenário tecnológico, além do
atendimento imediato às necessidades dos clientes. No entanto, a escolha da terceirização
implica, necessariamente, em mudanças no estilo de gestão da função de TI. Antes da
terceirização, as pessoas envolvidas na operação têm habilidades técnicas para garantir a
Fatores que levam as organizações a optarem ou não pela
terceirização dos serviços de Tecnologia da Informação
Quadro 2 – Vantagens e Desvantagens da terceirização de TI
147
operação do serviço. Mas após a terceirização, a habilidade técnica das pessoas se altera: de
técnica para administrativa (FERREIRA e LAURINDO, 2009b).
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
Considerações Finais
148
A partir do objetivo estabelecido para este estudo, foi realizada a análise descritiva
sobre o papel que a terceirização de TI tem desempenhado nas organizações. É apontada
como ferramenta de gestão, e deve ser encarada não só pelo seu aspecto econômicofinanceiro, mas também como solução que possibilita o aumento da competitividade
organizacional, o desenvolvimento de parcerias e a evolução tecnológica. Um dos maiores
desafios para o sucesso organizacional e o da terceirização como estratégia, buscando maior
adaptabilidade e sintonia entre os participantes da cadeia produtiva com a característica da
organização, respeitando o estilo, as crenças e os valores de cada um.
A linguagem que predomina nas organizações é a da mudança contínua e do
aperfeiçoamento constante. Além das organizações estarem mais enxutas, a antiga forma de
estrutura organizacional centrada em áreas funcionais cede lugar à gestão por processos, que
passou a privilegiar a integração e a orientar a consecução dos objetivos e fins almejados.
Muda-se radicalmente a forma de se relacionar e de ser das pessoas e das organizações. Por
isso, é importante que o Gestor tenha uma visão holística, tanto para entender o processo
de competição no qual está inserido e agir no sentido de tornar o negócio mais produtivo
quanto para compreender as estruturas formais e funcionais. É preciso rever práticas com
objetivo de tornar a gestão mais próxima das necessidades dos negócios.
Antes de a organização decidir terceirizar os serviços de TI, é de grande relevância
que seja feita análise detalhada das vantagens e desvantagens da terceirização, mas também
da sua capacidade de desenvolvimento interno das atividades de TI. Uma das preocupações
das organizações é a transferência do gerenciamento das atividades críticas a terceiros, que
pode colocar em risco o controle dos processos e as informações consideradas competitivas
para o negócio. Não há um processo preciso para terceirização, pois as adaptações são
necessárias e ocorrem ao longo do tempo em razão do dinamismo da política econômica e
do avanço da tecnologia.
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Capítulo 7
REDES DE COOPERAÇÃO COMO
UM MECANISMO PARA O REFORÇO DA
COMPETITIVIDADE TERRITORIAL:
O CASO DA ASSOCIAÇÃO QUALIFICA
Manuel Belo
Mário José Batista Franco
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
A
152
importância dos relacionamentos e das redes para
o desenvolvimento de negócios tem conquistado,
progressivamente, maior aceitação (Lundberg, 2010).
Esta constatação tem sido descrita como uma mudança de
paradigma, relativamente ao conceito de vantagem competitiva,
cujo patamar de análise evoluiu da unidade “organização”,
para a “rede de organizações” (Awuah and Gebrekidan, 2008),
independentemente do seu funcionamento - planeado ou não,
formal ou informal (Lundberg, 2010).
A capacidade de valorizar colectivamente os bens locais e de
manter os motores de crescimento, coloca novos desafios
à competitividade das regiões (Figueiredo et al., 2009). Na
globalização da economia, o Território é geralmente formado
por uma rede de lugares ou por uma rede de empresas (Chesnais,
1996). Deste modo, governar a sustentabilidade de um território,
implica mudar a programação de apoios de uma escala local e ao
nível das organizações/entidades, para uma escala regional (Potts,
2010). Uma política desta natureza implica o estabelecimento
de relacionamentos entre empresas, universidades, autoridades
municipais e grupos de cidadãos, actuantes numa escala
e enfoque regional (Burstrom and Korhonen, 2001). Esta
perspectiva requer uma mobilização social determinada, bem
como uma eficiente coordenação institucional (Berger, 2004).
Neste contexto, tem sido possível testemunhar uma viragem nas políticas adoptadas,
destacando-se o trabalho em rede, enquanto novo paradigma de medidas a implementar
e como pressuposto para o desenvolvimento regional. Através da constituição de redes
estratégicas, no âmbito de determinados territórios, é possível melhorar as condições
para o desenvolvimento de negócios (Lundberg, 2010). Neste particular, Figueiredo et
al. (2009) destacam a adopção de estratégias de eficiência colectiva. Estas estratégias são,
segundo os mesmos autores, a ilustração de dois tipos de ajustamentos de perspectiva na
política regional: (1) trata-se de assumir que a coesão se promove através da promoção da
competitividade, o que significa passar da lógica assistencialista a uma visão de política que
pretende impulsionar as regiões a formarem as suas próprias capacidades de competir no
mercado assegurando actividades economicamente sustentáveis; e (2) trata-se de assumir
O restante paper está estruturado como se segue. Começa-se por fazer um
breve enquadramento teórico sobre competitividade territorial e redes de cooperação.
Seguidamente apresentam-se os procedimentos metodológicos adoptados no presente
estudo e, posteriormente apresentam-se os resultados e análise do estudo de caso.
Finalmente, apresenta-se a discussão dos resultados e as conclusões.
Redes de Cooperação como um mecanismo para reforço da
competitividade territorial: o caso da Associação Qualifica
o princípio de que a competitividade não radica apenas nas instituições individuais, mas
também no conjunto, ou seja, a competitividade territorial assente na eficiência do todo,
que é mais do que a soma das partes.
Enquanto os académicos têm vindo a estudar as estruturas de redes interorganizações, os políticos e gestores territoriais têm mostrado preocupação crescente
com o papel das infra-estruturas institucionais no incremento destas redes, bem como na
facilitação do seu funcionamento, como instrumentos de estímulo ao desenvolvimento
económico (Huggins, 2001).
No entanto, é verificável e patente uma falta de estudos nesta área - que emerge
da crescente aplicabilidade do conceito de rede a uma diversidade crescente de actividades
- entre o discurso académico sobre redes inter-organizacionais e a perspectiva dos gestores
enquanto membros de redes de organizações (Huggins, 2001).
Para além disso e sendo o desenvolvimento de redes regionais um facto, não tem sido
possível identificar modelos claros, caracterizadores e descritivos, antes crenças e opiniões
generalizadas (Lundberg, 2010).
Nestas circunstâncias, dada a importância das redes de cooperação na competitividade
dos territórios, o presente estudo pretende ser mais um contributo para este particular.
Mais precisamente, o objectivo deste estudo passa por aferir e identificar, a partir de um
caso concreto, a estrutura de relacionamentos de uma rede inter-organizacional e o seu
papel no reforço da competitividade dos territórios. Para este efeito, foi seleccionada uma
rede de parceiros designada por a “Associação Qualifica”.
Em função deste desiderato, foram estabelecidas duas questões de investigação:
1) Será que a estrutura de relacionamentos e respectivas resultantes
traduz uma efectiva colaboração e cooperação entre actores?;
2) Será que a estrutura de relacionamentos existente na rede constitui
um instrumento importante para o reforço da capacidade competitiva
dos territórios?
153
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
1. Competitividade e Competitividade Territorial
154
O termo competitividade assenta na articulação de um conjunto de instituições,
políticas e factores que determinam o nível de produtividade de um território. Este
estabelece o nível de sustentabilidade da prosperidade que pode ser conquistada por uma
economia, ou seja, economias mais competitivas tendem a possibilitar níveis elevados de
rendimentos aos seus cidadãos (Schwab et al., 2009). Esta perspectiva significará um melhor
nível salarial e atractivos retornos de investimento. A prosperidade é determinada pela
produtividade de uma economia, que por sua vez é medida pelo valor dos bens e serviços
produzidos num espaço territorial, em função dos seus recursos humanos, naturais e em
capital. Assim, a competitividade será medida pela produtividade (Porter et al., 2008, p.43).
Existem de facto ligações fundamentais entre o conceito de competitividade
territorial e o mais tradicionalmente considerado conceito de desenvolvimento económico,
particularmente, quando se analisa o desenvolvimento económico centrado no
crescimento económico. Esta visão implica uma estreita relação entre uma análise focada
na produtividade e a competitividade territorial (Wilson, 2008).
Por outro lado, a capacidade competitiva de um território e a consequente alavancagem
da sua produtividade são consequência: (1) do desempenho produtivo ao nível de bens e
serviços característicos de um território; (2) do envolvimento da comunidade empresarial
local, o que depende de uma boa estratégia de governança ao fomentar a articulação de
dinâmicas públicas e privadas, bem como a criação de um ambiente favorável à iniciativa
empresarial.
A vantagem competitiva de um território consiste na qualidade do ambiente que
proporciona para a obtenção de níveis elevados de crescimento da produtividade. Desta
forma, Porter (1998) estabelece os princípios que considera fundamentais para o aumento
da competitividade territorial (constituindo, no seu conjunto e de forma interdependente,
a fonte de vantagem competitiva desse território) e, consequentemente, para melhoria dos
índices de produtividade, determinantes da qualidade de vida no território e vem realçando
o papel da criação de redes de cooperação como importante fonte vantagem competitiva
das regiões e empresas (Porter, 1998).
Mateus (2005) propõe um modelo que permite medir os contributos de diferentes
factores para o nível de competitividade territorial, articulando condições e nível de
competitividade e que denominou “Pirâmide da Competitividade Territorial”, onde o
território constitui um factor determinante.
Redes de Cooperação como um mecanismo para reforço da
competitividade territorial: o caso da Associação Qualifica
Este último investigador considera como basilares, os seguintes domínios da
competitividade territorial: (a) a especialização das actividades económicas e as dinâmicas
empresariais; (b) as infra-estruturas de suporte; (c) o potencial humano; (d) as redes
institucionais e de governança; e (e) a articulação entre a inovação e a qualidade ambiental.
Estas dimensões podem-se materializar em condições de competitividade, já que embora
inter-relacionadas, podem ser aglutinadas em duas ordens diferenciadas de condições,
considerando o seu contributo subsequente para o nível de competitividade do território.
Se, por um lado, a ênfase é colocada na dimensão das “pessoas“ e na sua “utilização”,
ou seja, o nível de utilização dos recursos humanos (demografia, mercado de trabalho,
qualificações - aferidos em função da actividade da população e empregabilidade) , por
outro, realça-se a componente mais dinâmica de utilização dos factores por parte das
“pessoas” , ou seja, o nível de produtividade (inovação, dinâmica empresarial, infraestruturas de suporte - aferidos em função da capacidade organizativa e de iniciativa, bem
como do progresso tecnológico). Isto significa que não basta produzir com eficiência, mas
também é importante a capacidade de criar emprego que mobilize os recursos humanos
disponíveis (Ferreira et al., 2008).
Existindo um sistema territorial de produção, torna-se evidente, que a sua
competitividade dependerá de dois grupos de factores, os recursos materiais (infraestruturas, matérias-primas, qualificação do trabalho e a disponibilidade de capital) e
imateriais (conhecimentos, competências, capital relacional e de cooperação), que quando
combinados traduzem os recursos específicos de um território, reflectindo a autonomia
e o modo como o sistema territorial orienta a sua política de desenvolvimento e,
consequentemente, a sua competitividade (Maillat, 2003).
Considerando que o emprego, a produtividade e o nível de vida são interdependentes,
quando a produtividade e o emprego aumentam simultaneamente, existem condições para
se conseguir um crescimento significativo e sustentado de uma dada economia (Mateus,
2005) e, assim, melhorar a sua competitividade, ou seja, o nível de vida num dado território.
As perspectivas apresentadas – os contributos de Porter (1998, 2004) e de Mateus
(2005) – permitem identificar dois pilares fundamentais onde assenta a competitividade
dos territórios. Por um lado, os recursos, os activos tangíveis e intangíveis de dado espaço
territorial. Por outro, as pessoas, bem como a forma como se organizam, interagem e se
relacionam na exploração e aproveitamento daqueles recursos.
De realçar a importância das comunidades locais e os seus actores (pessoas e/ou
redes organizacionais de carácter formal ou informal) que, de forma integrada, definem
155
e procuram uma estratégia de desenvolvimento, perseguindo de uma forma partilhada
soluções para os seus problemas, ao identificar, valorizar e aproveitar a suas potencialidades
e riquezas, construindo estratégias competitivas capazes de permitir a sua inserção num
mercado volátil e integrado (Cox, 1997). Assim, as estratégias competitivas de dado espaço
territorial devem ter em conta os seus aspectos particulares e os seus activos territoriais
(Dyer, 1996).
Relativamente à competitividade territorial e ao desenvolvimento regional, Diniz
e Gerry (2005) realçam dois paradigmas em que assentam as correntes teóricas que
marcam a política regional e, por consequência, o desenvolvimento regional. Um de base
exógena – contemplando as correntes neoclássica e Keynesiana – outro de base endógena,
territorialista, também designado por teoria do desenvolvimento endógeno.
Estas duas abordagens, uma mais voltada para explicações de foro economicista e por
via de vantagens comparativas regionais e a outra situando o centro da decisão na própria
região e na proximidade com os actores locais (recurso ao capital social) colocam a tónica
na valorização dos recursos de cada território e na sua exploração racional e sustentável
(Dinis, 2006) tendo-se afirmado a partir da década de 80 do Séc. XX (Alberto, 2008).
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
2. Redes de Cooperação
156
As redes são constituídas por um conjunto de actores - pessoas, serviços, empresas/
organizações e países - interagindo e mantendo relações estruturais – familiares, sociais,
comunicativas, financeiras, estratégica e de natureza comercial (Iacoucci, 1996). As
redes contemporâneas representam uma nova era na evolução progressiva da sociedade,
reflectindo a experiência quotidiana da condição humana (Thorne, 2009).
Caracterizadas pelo conjunto de influências que decorre do funcionamento de dado
sistema, num determinado espaço, em função de dado processo dinâmico de acumulação
de experiências e aprendizagem (Imai, 1989), as redes são consideradas uma importante
forma de criar oportunidades e transferir conhecimento. A formação de extensas redes de
relacionamentos possibilita, directa ou indirectamente, ter uma maior percepção do meio
envolvente (Franco, 2006). As redes são constituídas por um conjunto de organizações/
empresas que se encontram conectadas através de qualquer forma de interacção sustentável
e que apresenta um determinado grau de comunalidade. As redes pressupõem a existência
de duas ou mais organizações a trabalhar em conjunto para resolver problemas comuns
durante um dado período de interacção que seja sustentável (Huggins, 2001). A existência
Redes de Cooperação como um mecanismo para reforço da
competitividade territorial: o caso da Associação Qualifica
de uma rede pressupõe o estabelecimento de contactos e relacionamentos entre actores,
organizações, sendo factual que as empresas de sucesso são aquelas que criam e mantêm
relacionamentos (Rutten and Boekema, 2007).
Uma das virtudes das redes de cooperação é a capacidade universal em espelhar a
realidade, mostrando a sua complexidade, contexto e dinamismo (Gummeson, 2006), pelo
que tem sido objectivo dos investigadores entender a estrutura dos seus relacionamentos,
os seus processos de interacção, a sua dimensão, os seus comportamentos, influência e
capacidades (Iacobucci, 1996; Coviello, 2005).
As organizações operam num contexto relacional, num ambiente de
interconectividade, pelo que a sua sobrevivência e desempenho dependem de ligações e
relações críticas com outras organizações (Oliver, 1990). Segundo Granovetter (1992), os
parceiros ou actores não se comportam ou decidem fora de dado contexto social, estando
as suas atitudes enraizadas num concreto sistema de relações sociais em andamento. Este
autor defende ainda que a sociedade não consegue funcionar sem os homens colaborarem
em função de objectivos que se traduzam em benefícios mútuos.
Ibarra (1992) distingue entre redes formais e informais, em função do grau de rigor
e oficialidade dos acordos e contratos estabelecidos entre os parceiros constituintes da
rede. Rosenfeld (1996) identifica as redes ”hard” - de âmbito mais formal, envolvendo
empresas que se agregam para co-produzir, co-comercializar, co-comprar e co-operar no
desenvolvimento de produtos e de mercados – e as redes “soft”, mais informais – que
se aproximam para superar problemas comuns, partilhar informação ou adquiri novas
competências.
A conectividade económica entre parceiros ocorre num contexto de interacções
sociais e de redes sociais (Granovetter, 1985), pelo que é importante não desprezar o
contributo de aspectos sociais, muitas vezes contingencais, na mudança da lógica económica
(Hakansson e Prenkert, 2004). A teoria da rede social enfatiza processos e contextos sociais,
de modo a entender comportamentos individuais (Chae et al., 2005). Esta abordagem
orbita em torno de duas perspectivas. Uma assente na identificação de laços fortes e
fracos entre os actores de dada rede (Granovetter, 1973) – onde a intensidade da força
dos laços depende da combinação de diversos factores como a quantidade de tempo
investido, o nível emocional colocado, a intimidade conquistada e o tipo de reciprocidade
manifestada e que caracterizam os laços existentes – outra, que investigando a significância
dos relacionamentos, enquanto recurso para a acção social (Nahapiet and Ghoshal, 1998),
realça a importância do capital social, conquistado e manifestado pelos membros de dada
157
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
158
rede social. Existem estudos que apontam para a existência de uma relação positiva entre
a acumulação de capital social e os desempenhos dos membros da rede social (Edelman et
al., 2002). Coleman (1988) considera que as redes, independentemente da sua densidade,
são fundamentais na criação deste capital social, pois constituem estruturas facilitadoras e
estimuladoras de confiança entre os diversos actores envolvidos na rede.
Segundo Ford e Hankansson (2005), as interacções no âmbito dos negócios e das
empresas devem ser estudadas sob o paradigma das redes. De facto, as relações resultantes
daquelas interacções não podem ser entendidas na perspectiva individual de cada empresa
ou organização. Estas redes reconhecem que cada actor, cada componente, é heterogéneo
relativamente aos seus próprios recursos, necessidades e objectivos, não sendo o fluxo
desses recursos linear ou controlado por apenas um dos actores envolvidos (Akaka, 2007).
Assim, a cooperação entre empresas permite-lhes, em domínios diversos, reforçar ou
complementar recursos limitados, não pondo em risco a sua individualidade (Franco, 2005,
2011), constituir a disponibilidade de activos regionais um factor decisivo na efectividade de
uma rede de cooperação (Rutten and Boekema, 2007). Deste modo, o espaço e o território
constituem factores impulsionadores do estabelecimento de redes.
De uma forma generalista e abrangente, Doz et al. (2000) identificam dois tipos de
situações podem levar ao aparecimento das condições iniciais para o estabelecimento de
redes de cooperação: (a) a combinação de mudanças no ambiente externo com a ocorrência
de pontos de vista e interesses similares entre organizações e/ou grupos de organizações; e
(b) o emergir de entidades fomentadoras do espírito colaborativo para o aproveitamento de
oportunidades ou para a resolução de determinados problemas
Oliver (1990), após vasta revisão de literatura, particularizando e agregando em
determinantes, aponta seis razões para a ocorrência de comportamentos interactivos entre
actores, e que, de alguma forma, abrange e congrega perspectivas organizacionais, sistémicas
e contingenciais sobre redes, ao nível das organizações/actores (Quadro 1).
Quadro 1 – Determinantes no estabelecimento de redes
Ainda para Oliver (1990), embora estes determinantes possam individualmente
motivar relacionamentos, eles podem actuar em simultâneo e assim o estabelecimento de
relações entre actores é baseado em múltiplas contingências.
Em suma, o estabelecimento de relacionamentos colaborativos entre entidades,
de redes de cooperação, representa uma forma de parceria estratégica, apresentando um
denominador comum: a união de uma ou mais organizações, agregando valor de forma
sinérgica (Crotts et al., 2000). Como constatou Axelrod (1984), quando existe, da parte de
parceiros ou potenciais parceiros, a percepção de que os relacionamentos serão de longo
prazo e não fruto de aspectos conjunturais, as probabilidades de cooperação e de não
deserção são substancialmente maiores.
3. Tipo de Estudo e Selecção do Caso
Neste estudo adoptou-se a abordagem qualitativa (Cheuk et al., 2010; Holanda,
2006) e dentro desta a estratégia do estudo de caso. Seleccionou-se um estudo de caso
único (Yin, 2010), por força da tentativa de entender um fenómeno – mapear a existência
de pistas que evidenciem o contributo de dada rede de cooperação como um mecanismo
para o reforço da competitividade territorial – atendendo a um contexto particular e
eventualmente contingencial: os produtos e as produções materiais e imateriais tradicionais
Redes de Cooperação como um mecanismo para reforço da
competitividade territorial: o caso da Associação Qualifica
Fonte: Oliver, 1990
159
como um activo territorial, distintivo e diferenciador. Deste modo, a unidade de análise
foi uma associação sem fins lucrativos: “A Associação Qualifica”, sediada numa região do
Centro de Portugal: Portalegre.
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
3.1. Recolha da Informação
160
Após as questões de partida estarem formuladas, é fundamental definir quais
os dados relevantes, os que devem ser recolhidos e como analisar (Philliber et al, 1980).
Assim, as fontes de evidência, seguindo o roteiro proposto por Barañano (2008), foram de
origem primária, mediante a realização de uma entrevista à Secretária Geral da Associação/
Rede seleccionada e, de uma origem secundária, através da observação e interpretação
de formatos existentes de informação e comunicação desenvolvidos pela organização
(sítio na internet, os estatutos constitutivos da entidade e um documento que enquadra a
constituição da entidade).
A entrevista baseou-se numa conversa guiada e as questões abordadas revestiram-se
da necessária fluidez (Rubin e Rubin , 1995), embora seguindo uma linha de investigação
pré-determinada, ou seja, na procura de indícios sobre a estrutura de relacionamentos e
suas resultantes.
Seguindo a proposta de Yin (2010), foram adoptados três princípios de recolha
de dados, a) o uso de múltiplas fonte de evidência, b) a criação de modelos de registo e
sistematização da informação recolhida – as tabelas, de forma a facilitar, e c) o encadear de
evidências.
3.2. Análise e Interpretação da Informação
A análise dos dados recolhidos, mediante a sua triangulação, já que houve mais
do que uma fonte de evidências (Patton, 2002), foi realizada à luz da articulação entre
as evidências mapeadas a partir do trabalho de campo e a revisão da literatura efectuada,
fundamentando descrições, propostas de explicação e a construção de um quadro
conclusivo final.
Por outro lado, a informação obtida (análise de documentos e entrevistas) foi
encadeada, permitindo melhorar o seu índice de confiabilidade (Yin, 2010). A informação
foi sistematizada em tabelas criadas de modo a permitir um efeito tendencialmente
comprobatório relativamente à consistência da informação e do seu contributo para as
questões de investigação formuladas.
4.1. Caracterização da Qualifica
Composta por 65 membros ou associados, a Associação Nacional de Municípios
e de Produtores para a Valorização e Qualificação dos Produtos Tradicionais Portugueses
– QUALIFICA, é uma associação sem fins lucrativos com sede em Portalegre, tendo por
missão e objectivo principais: “a valorização, qualificação, defesa, promoção e dignificação
da identidade dos produtos tradicionais portugueses e subsidiariamente, dos seus
produtores e território” (Estatutos da Qualifica, 2008, p. 2).
Desta forma e mediante a definição de critérios concretos, um conjunto diverso de
actividades e/ou seus resultados são objecto de qualificação, por forma a garantir a sua
valorização e promoção junto do mercado, obtendo assim os associados o reconhecimento
da qualidade das suas e seus actividades/produtos e/ou do seu território. Assim, tratandose de uma associação de dimensão nacional, o seu impacto é local/regional mediante a
valorização de recursos endógenos, emblemáticos e idiossincráticos de um território.
Numa lógica de funcionamento integrado, a Associação é composta por parceiros
com diferentes características, não podendo ser considerada uma associação sectorial ou
representativa de classes ou de interesses corporativos.
Nesta Associação (caso) existem 3 tipos de associados:
a) Membros Efectivos – Agrupamentos de Produtores (gestores de DOP
– Denominação de Origem Protegida ou de IGP – Indicação Geográfica
Protegida, ou em processo de protecção, Agrupamentos de Produtores
de Especialidades Tradicionais Garantidas (ETG), ou em processo
de protecção; Agrupamentos de Produtores em Modo de Produção
Biológico ou em Produção Integrada, já reconhecidos ou em vias de
reconhecimento; Agrupamentos de Produtores utilizadores das menções
e qualificativos tutelados pela Qualifica ou em processo de utilização) e
Câmaras Municipais;
b) Membros Aderentes - Entidades públicas ou privadas, nacionais,
Redes de Cooperação como um mecanismo para reforço da
competitividade territorial: o caso da Associação Qualifica
4. Estudo de Caso: Uma Rede/Parceria para a Qualificação dos
Produtos Tradicionais
161
regionais ou locais de cariz sócio-cultural, económico ou profissional que
se identifiquem com os objectivos da Qualifica;
c) Membros Beneficiários - Produtores, preparadores, comerciantes,
industriais de restauração, etc.) utilizadores ou em vias de utilização das
menções e qualificativos tutelados pela Qualifica, apenas enquanto não
exista um Agrupamento que os represente.
A figura seguinte resume o âmbito da qualificação levada a cabo pela Associação
Qualifica.
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
Figura 1 – Âmbito de Qualificação
162
Fonte : Adaptado de www.qualifica.pt (consultado a 13/06/2011)
A origem geográfica dos diversos associados não constitui uma exigência estatutária
(a não ser a sediação em território nacional) não conferindo, portanto, à organização uma
dimensão regional. A figura 2 resume o trabalho que desenvolve esta Associação
Figura 2 – Vectores fundamentais das Actividades da Qualifica
Fonte : Documento de Constituição da Associação Qualifica
Este estudo de caso foi baseado na análise de três documentos, de modo a melhor se
preparar a entrevista realizada junto da secretária geral da Qualifica. As tabelas 1 e 2 estão
organizadas de forma a destacar aspectos mapeados nos documentos (ver Tabela 1) e na
entrevista (ver Tabela 2), de modo a referenciar tipologias, orientações e motivações de e
para a rede de cooperação.
Tabela 1 – Recolha de Dados - Fonte de Evidência
Redes de Cooperação como um mecanismo para reforço da
competitividade territorial: o caso da Associação Qualifica
4.2. Resultados
163
Fonte: Qualifica
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
Tabela 2 – Recolha de Dados - Fonte de Evidência – Entrevista
164
A entrevista realizada, junto do informante-chave desta Associação, permitiu despistar
evidências meramente intencionais vertidas em documentos cujos textos traduzem uma
ambição determinada e importante. Em função da auscultação da Secretária Geral, tentouse perceber a concretização de tais objectivos, através de que formas de cooperação e qual
a sua intensidade.
A partir das evidências que foram sendo recolhidas, foi possível agregá-las em torno
de resultantes da estrutura e do funcionamento – em função de linhas de orientação da
Associação – e enquadrar estas resultantes nas abordagens que foram realizadas sobre os
relacionamentos – Motivações – Orientações – Intensidade - Tipologia.
Nestas circunstâncias, resulta claro que existe uma cooperação evidente entre
actores, que embora esteja sujeita às formalidades previstas na legislação, ocorre com um
grau substancial de informalidade, atendendo a algumas interacções que ocorrem ao nível
da transferência de conhecimento, comunicação e informação (o caso da identificação
de novos produtos e formas de produzir e comercializar) e que traduzem uma orientação
horizontal de relacionamento, no caso dos produtores. A própria disseminação de
experiências pode ocorrer formal (cursos de formação) ou informalmente (promovendo
contactos, muitos deles em ambiente de clara descontracção, outros propondo a consulta
de manuais). Desta forma, inicia-se um percurso de fortalecimento dos laços intra-rede, que
permite conquistar e construir o capital social. Envolvidos na rede, os associados/parceiros
ganham estabilidade e legitimidade, pois passam a dispor de uma nova respeitabilidade e
quadro de garantias que lhes é dado pelos projectos desenvolvidos, dos quais fazem parte
integrante.
A centralidade das autarquias e o papel da estrutura Qualifica conferem uma
orientação vertical à cooperação, permitindo aos restantes associados ganhos ao nível das
Redes de Cooperação como um mecanismo para reforço da
competitividade territorial: o caso da Associação Qualifica
Fonte: Qualifica
165
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
166
restantes resultantes, como seja a aprendizagem, a certificação de produtos e criação de
marcas, a disponibilização de estruturas, equipamentos e recursos humanos e técnicos
– que permitem o aumento da eficiência - para projectos relacionados com a cadeia de
valor dos activos tangíveis e intangíveis tradicionais e regionais, específicos e distintivos de
dados territórios. Este facto reflecte numa maior capacidade dos associados produtores em
conquistar novos mercados, ganhando escala.
A reciprocidade é evidente. Se há ganhos associados aos produtores (já referenciados),
as autarquias beneficiam da visibilidade e da notoriedade que o seu território recolhe,
bem como das novas oportunidades de negócio que surgem e da sustentabilidade dos
existentes a partir dos activos locais. A orientação da actividade da Qualifica tem uma forte
componente estratégica que é do conhecimento e da qual beneficiam todos os envolvidos,
mediante a sua operacionalização. As evidências recolhidas são claras nesta questão. O
desenvolvimento de programas de progressiva certificação do património tradicional
e diferenciador é factual. O envolvimento dos produtores na operacionalização desta
estratégia confere a confiança necessária para o estabelecimento de relacionamento a prazo,
condição para o sucesso.
Todo o projecto nasce da intenção das autarquias em se agruparem. Constatando
uma progressiva desertificação do território, origem e resultado do encerramento de
unidades de negócio directamente envolvidas no desenvolvimento e comercialização de
produtos locais e tradicionais, assumiu-se o seu papel de gestores e implementadores de
políticas de planeamento e desenvolvimento regional. Desta forma, valorizando os seus
activos territoriais, tangíveis e intangíveis, melhorando a sua visibilidade e notoriedade,
percebendo que só contando com a participação activa dos agentes económicos locais é
possível levar a cabo tal objectivo.
Neste sentido, foram as mudanças no ambiente externo e os interesses similares
entre actores que fomentaram a constituição da rede, aproveitando estes a oportunidade
para resolver problemas comuns. O Documento de Constituição e a Secretária Geral
mencionam que:
- “Para inverter esta tendência de decréscimo abissal de actividades e produções
tradicionais e genuínas, as Autarquias têm um papel decisivo, sobretudo se
aliarem esforços entre si e com os produtores/transformadores/comerciantes
interessados, fazendo, como sempre, o papel de motor de desenvolvimento e de
agente cultural de mudança” (Documento de Constituição).
- “Foi intenção objectiva unir esforços entre as Autarquias – interessadas no
Redes de Cooperação como um mecanismo para reforço da
competitividade territorial: o caso da Associação Qualifica
desenvolvimento económico, na manutenção/criação de emprego na área
do município, em evitar a desertificação do seu território e as associações
sectoriais, interessadas em potenciar a sua produção e promover acções de
forma sustentável” (Entrevista).
Esta análise permitiu determinar as seguintes resultantes da actividade associativa,
função da articulação entre os seus objectivos, estrutura e funcionamento:
- Difusão e Disseminação de Experiências;
- Centralidade e Articulação das e com as Autarquias locais;
- Centralidade e Valorização dos activos materiais locais/regionais;
- Informação, Conhecimento e Canais de Comunicação;
- Valorização de activos territoriais intangíveis – O espaço relacional e o
território como factores impulsionadores da rede;
- A Qualifica como plataforma de reforços de laços de cooperação;
- A estrutura organizacional da Qualifica – Componente Estratégica;
- A estrutura organizacional da Qualifica – Componente Operacional.
A tabela 3 recorrendo às resultantes já identificadas e mediante evidências
provenientes das fontes identificadas, procura estabelecer conexões com pilares da
competitividade territorial.
Não foi difícil encontrar evidências, a partir da recolha efectuada e nas fontes
seleccionadas e possíveis, sobre a conexão entre aspectos que os autores consideram
determinantes no aumento da capacidade competitiva de um território.
O funcionamento em rede, estimulando um comportamento colaborativo e
cooperativo entre os actores, permite a valorização de activos materiais e imateriais
distintivos e diferenciadores, especializando actividades. Esta valorização, em razão da
intervenção em rede, é realizada numa perspectiva colectiva, complementando recursos e
visões, tornando-se mais eficiente, alicerçando-se na centralidade da capacidade instalada
e responsabilidades administrativas das autoridades locais, institucionalizando políticas. A
aprendizagem e disseminação de informação e do conhecimento, de uma forma horizontal,
permitem optimizar desempenhos produtivos.
A centralidade (enquanto eixo e sem comportamentos paternalistas) da estrutura
organizativa da Qualifica e das autoridades locais assegura e confere equilíbrio e estabilidade,
mediante a participação de todos, construindo laços relacionais que indiciam a construção
de um capital social que se prevê sólido e enraizável, sendo o “teatro de operações” um
verdadeiro espaço relacional.
167
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
Tabela 3 – Pontes e Contributos - Competitividade Territorial
e Redes de Cooperação
168
Fonte: Qualifica
Embora com dimensão nacional, esta rede de actores deve ser considerada de
impacto regional, atendendo aos impactos parcelares do ponto de vista territorial.
Numa perspectiva regional, a multiplicidade de razões e aspectos contingenciais
que determina o relacionamento e a colaboração destes intervenientes, está na base do
surgimento do seu trabalho conjunto, através da combinação de organizações de diferentes
origens sectoriais e tipológicas. Estas organizações perseguem determinados objectivos
comuns, assumindo que, em grupo, conseguem o que individualmente lhes estaria vedado
(Roberts, 2003; Armistead and Pettitgrew, 2004).
Estes modelos de parceria são, hoje, aceites como o método privilegiado de
desenvolvimento local e regional, sendo aplicado frequentemente como forma de estimular
a descoberta de novos recursos, trabalho conjunto, desenvolvimento de políticas e uma
implementação integrada, ao nível regional, de prioridades acordadas (Roberts and Lloyd,
1998).
No caso particular da valorização de produtos tradicionais (activos tangíveis) e de
aspectos idiossincráticos de dado povo e/ou região (activos intangíveis), está-se, segundo
Lundberg (2010), na presença de uma autêntica Regional Strategic Network (RSN) e
que abrange as iniciativas de desenvolvimento regional. Esta rede ao basear-se na visão
de que os actores regionais de determinados sectores se agruparem de forma a facilitar o
desenvolvimento de relacionamentos e alavancando a sua densidade entre os intervenientes,
as organizações envolvidas na rede acabam por beneficiar mutuamente.
Uma das características importantes das redes regionais é a capacidade de colocar
em contacto organizações complementares e autoridades locais e regionais (Mattsson and
Johanson, 2006), tal como acontece nesta rede aqui estudada.
Para recolher todos os benefícios que o estabelecimento de dada cooperação
estratégica permite, fica claro, mediante a constatação da centralidade estrutural e
organizacional da rede Qualifica, que foi fundamental definir prioridades, ter uma clara
ideia do quê e para quem (Tickell et al., 1995). Esta parceria, para ser efectiva, definiu
as capacidades requeridas, tanto individuais como organizacionais, de forma a potenciar
os benefícios, exigindo um contexto institucional de suporte e de práticas estabelecidas.
Roberts (2003) considera que só será possível envolver e motivar os actores locais/regionais
chave, desempenhando estes um papel crucial na estratégia da parceria, daí que, neste
estudo de caso, tenha sido o município a arrancar com a ideia e, posteriormente, foram de
Redes de Cooperação como um mecanismo para reforço da
competitividade territorial: o caso da Associação Qualifica
Considerações Finais
169
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
170
imediato convocados produtores e respectivos agrupamentos.
Estas autênticas plataformas de cooperação, englobando actores sectorialmente
representativos e complementares – a Qualifica congrega autarquias, produtores, retalhistas
e entidades provenientes da restauração e turismo - enraízam-se no território mediante a
criação de cadeias e redes de actividades que agregam competitividade e valor a produtos e
serviço (Potts, 2010).
Lundberg (2010) considera que, no tempo, o incremento de políticas que estimulem
o desenvolvimento de redes de cooperação estratégica à dimensão regional, implicará
a melhoria da competitividade dos actores envolvidos, factor sustentador da própria
competitividade territorial.
Percebendo que o desenvolvimento da rede de cooperação estratégica assenta na
valorização de aspectos distintivos e diferenciadores dos territórios (tangíveis e intangíveis)
e que lhes proporcionam dadas vantagens competitivas, o estímulo da especialização
produtiva em torno desses aspectos permitirá melhorar o desempenho dos agentes
económicos. Por esta via, consegue-se aumentar a competitividade do território, resultado
também de uma maior notoriedade e visibilidade para o exterior, em função da existência
de activos materiais e imateriais condignamente qualificados.
Este estudo não esteve isento de limitações e estas acabam por ser um contributo para
futuras investigações a realizar. Uma das limitações foi resultado da ausência de mais fontes
de evidência e a mais informadores/actores chave. Neste sentido, é importante realçar que
todas as informações e dados recolhidos provêm de documentos públicos da Associação
ou da responsabilidade de um único informante: a Secretária Geral. Teria sido crucial a
triangulação de dados com uma pesquisa feita a jusante relativamente aos associados, tais
como produtores e respectivos agrupamentos e comerciantes dos produtos tradicionais, de
forma a percepcionar o real efeito de rede. Relativamente às autarquias, principais motores
e impulsionadores do projecto, será que o seu território recolheu o benefício esperado?
Será que se preocuparam em verificar essa relação? A auscultação da população em geral
seria fundamental para avaliar a notoriedade da rede Qualifica. A informação que se obtém
destas populações é por via indirecta, ou seja, a partir da opinião da entrevistada. Estáse perante uma investigação de natureza exploratória, contudo, existe a possibilidade de
associar a este estudo um outro mais abrangente, de carácter quantitativo, onde outras
regiões de Portugal e outros países possam ser vistos como novos contextos de análise.
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173
Capítulo 8
UMA POLÍTICA PÚBLICA DE
INTELIGÊNCIA ECONÓMICA:
UM INSTRUMENTO
PARA A COMPETITIVIDADE DAS
EMPRESAS PORTUGUESAS
André Magrinho
Joaquim Ramos Silva
Mário José Batista Franco
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
A
176
economia e a sociedade portuguesa vivem atualmente
um período particularmente difícil, em que releva
a necessidade cumprir o programa de assistência
financeira negociado com a Troika, num contexto em que a
crise das dívidas soberanas a nível europeu e a crise financeira
internacional ainda fazem sentir fortemente os seus efeitos.
Todavia, os problemas da economia portuguesa estão longe de
serem meramente conjunturais, de desequilíbrio das contas
públicas. Portugal tem um problema de competitividade
e de sustentabilidade da sua economia por resolver. Aliás,
não é possível projetar o futuro replicando o modelo de
desenvolvimento do passado, isto é, fazendo mais do mesmo.
Neste sentido, o grande desafio que atualmente se coloca é o de
conjugar de forma inteligente o imperativo do saneamento das
contas públicas com uma agenda de crescimento devidamente
focada no enriquecimento e alargamento da carteira de
atividades transacionáveis com que Portugal se afirma perante
a globalização. Melhor dizendo, trata-se de uma agenda de
crescimento que dê corpo a uma grande campanha coletiva
orientada para a globalização, o que obriga a mobilizar esforços
e a encontrar espaços de cooperação estratégica em torno de
uma Hélice Tripla que envolva a comunidade empresarial, as
universidades (e demais centros de saber), e o governo (e as suas
instituições).
Esta é também a fórmula para valorizar o empreendedorismo, a qualificação e a
inovação a fim de reforçar a cadeia de valor e o potencial de crescimento da economia.
Numa perspetiva de médio e longo prazo, as condições mínimas de sustentabilidade da
economia portuguesa, na opinião dos mais reputados economistas, passam por crescer
a taxas médias anuais acima dos 2%, permitindo criar emprego e aumentar o peso das
exportações para valores superiores a 40% do PIB. É certo que uma agenda de crescimento
está hoje muito associada aos próprios desenvolvimentos da agenda e da estratégia da UE
que não tem revelado a devida capacidade, celeridade e eficácia na gestão da crise das
dívidas soberanas. A própria União Europeia é das regiões que menos cresce atualmente
no contexto da economia global. Mas, independentemente do que ao nível da UE se
competitividade das empresas portuguesas
Uma política pública de inteligência económica: um instrumento para a
espera, dos desenvolvimentos que possam vir a ocorrer em sentido positivo ou negativo,
aquilo que Portugal pretende ser no futuro depende essencialmente dos portugueses, da
sua vontade coletiva, da sua visão e ambição. Assim se justifica uma política pública de
inteligência económica e estratégica para trilhar o caminho do crescimento, para valorizar
os ativos de base e estratégicos que permitam um melhor posicionamento competitivo na
economia global. De acordo com Amaral (2008) o problema já não é o da acumulação
de capital físico, mas sim o da acumulação de conhecimento, o que tem consequências
não despiciendas em termos da política económica e, designadamente, das políticas
públicas de apoio à promoção do conhecimento, sendo a dinâmica de crescimento das
economias determinada, em grande parte, pelo sucesso na acumulação de conhecimento.
A inteligência económica “não custa nada, ou por assim dizer grande coisa: a sua eficácia
repousa nas redes, nos circuitos de informação, na mobilização dos poderes públicos, na
eliminação dos conflitos de capela e das divisões, num pouco de método. Também na
valorização de quem dá a informação e não apenas de quem a utiliza, na compreensão
pelas administrações públicas dos desafios da empresa e, para a empresa, das prioridades
do Estado e portanto da Nação” (Carayon, 2003: 11). Falta-nos a “a inteligência das coisas”
no dizer do heterodoxo Padre António Vieira. Ao longo das últimas décadas, as elites
portuguesas convenceram-se que a União Europeia lhes resolveria todos os problemas,
a nível financeiro, da inovação e dos mercados. Por isso, negligenciaram o pensamento
estratégico. E, na ausência de estratégia, inviabilizou-se a construção de um projeto coletivo
assente na sustentabilidade e competitividade da economia. Com igual leviandade é
frequente confundirem-se os instrumentos com a estratégia, os meios com os fins. Isso
tem sucedido ao longo do tempo e nada nos garante que não seja essa a trajetória atual.
É certo que se deram passos importantes nos últimos 15 anos, com progressos notáveis,
nomeadamente em relação a indicadores críticos associados à inovação, à tecnologia e
ao conhecimento. A balança tecnológica passou a presentar saldos positivos nos últimos
anos. Criaram-se empresas de elevado nível tecnológico, algumas delas a partir de spin offfs
universitários, o que era muito pouco frequente na nossa sociedade. O próprio European
Innovation Scoreboard da União Europeia reconhece esse progresso ao considerar-nos como
“país moderadamente inovador”. Houve uma injeção de capital intelectual bastante
significativa, como há muitas décadas não se verificava em Portugal, mas que pode não se
traduzir em ganhos substantivos ao nível da cadeia de valor da economia, e no crescimento
do PIB, se para tanto não existir inteligência económica para otimizar a ação estratégica.
Tornou-se, por isso, frequente exibir tais progressos, traduzidos no exercício do benchmarking
177
(que é muito útil como instrumento analítico e de ação), confundindo-o com a própria
estratégia. Pior do que isso, poderá suceder, caso se pretenda que o programa de assistência
financeira negociado com a Troika, que, no essencial, é um programa de consolidação das
finanças públicas e de proteção dos credores externos, seja a estratégia para a economia e
para o país. Este trabalho pretende chamar a atenção para a premência de uma política
pública de inteligência económica, evidenciando os seus contornos à luz da literatura sobre
a matéria e de outras experiências e, bem assim, provocar uma reflexão sobre as prioridades
a definir e os ativos de base e estratégicos que Portugal dispõe e que importa mobilizar para
lhe conferir sustentabilidade.
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
1. Elementos relevantes sobre a economia e a estrutura empresarial
portuguesa: quatro indicadores críticos
178
Quando se analisa o desempenho da economia portuguesa ao longo das três últimas
décadas com a preocupação de conhecer as suas principais fragilidades e constrangimentos,
várias ilações são possíveis retirar: uma balança bens cronicamente deficitária; níveis de
produtividade inferiores à média da UE, incompatíveis com o reforço dos indicadores de
qualidade de vida; um modelo exportador frágil, reativo e relativamente pobre em valor
acrescentado, embora com progressos positivos; défice de imagem-país e dos produtos
portuguesas, nomeadamente relacionada com inovação, qualidade, cumprimento de
prazos (…); falhas de informação e de ação, relacionadas com o Procurement das Instituições
Multilaterais que Portugal integra; insuficiente focalização na atividade internacional e
nos mercados-alvo; fraca atratividade de IDE e da sua ligação com a cadeia de valor da
economia portuguesa; transferências significativas de recursos, competências e de relações
de poder e influência das atividades transacionáveis para as não transacionáveis, ao longo
das últimas duas décadas, face ao modelo de crescimento adotado; um tecido empresarial
pouco produtivo e predominantemente centrado em atividades de baixo valor acrescentado
traduzindo um perfil competitivo pouco adequado aos imperativos da globalização e da
economia do conhecimento.
Dada a sua importância para a alteração do perfil competitivo da economia
portuguesa vale a pena atentar em três indicadores de base. Em primeiro lugar, a estrutura
empresarial portuguesa: em 2009 cerca de 86,7% (303.287) do total das sociedades não
financeiras eram microempresas; 13,3% (39.665) pequenas empresas; 1,7% (5.771) médias
empresas; 0,3% (888) grandes empresas, de acordo com o Quadro 1.
Quadro 1 - Estrutura Empresarial Portuguesa
Naturalmente que uma estrutura empresarial com estas características em que o
predomínio das PME e particularmente das microempresas é esmagador, coloca restrições
numa pequena economia aberta que se pretende competitiva, necessitando para isso, no caso
das PME, de “ganhar massa crítica e escala, nomeadamente por via do redimensionamento
empresarial através de estratégias interempresas adequadas” (Magrinho, 2009: 344).
Em segundo lugar, no que se refere à distribuição das empresas exportadoras: das
20.035 empresas exportadoras em 2011 (ver Quadro 2), apenas 106 exportaram mais de
50 M€ (47% do total das exportações); 140 exportaram entre 25 e 50 M€ (12% do total);
3.289 exportaram entre 1 e 25 M€ (36% do total); 16.500 exportaram menos de 1 M€ (5%
do total).
competitividade das empresas portuguesas
Fonte: NE, Dados de Abril 2011 (pedidos para IAE 2011)
Uma política pública de inteligência económica: um instrumento para a
179
Quadro 2 - Distribuição das Empresas Exportadores
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
Fonte: INE, Operadores Comércio Internacional
180
De um modo geral a primeira grande ilação é a de que a base exportadora portuguesa
é muito curta, pouco compaginável com o objetivo de incrementar o peso das exportações
no PIB, para valores acima dos 40%, considerado o limiar de sustentabilidade para uma
pequena economia aberta. Alargar a base exportadora é, pois, crucial, e esse desiderato
implica que uma fatia bastante maior de pequenas e médias empresas, que já têm alguma
massa critica, entrem no terreno da exportação.
Em terceiro lugar, veja-se o peso das exportações no PIB (Quadro III): em 2011
de acordo com a orientação exportadora das principais economias europeias, o peso das
exportações de bens e serviços no PIB de Portugal era apenas de 35,5 %, o que compara
com 105, 6 % da Irlanda; 92,5% da Hungria; 89,1 % da Eslováquia; 82,7% dos Países
baixos; 74,9% da República Checa; 72,3 % da Eslovénia; 57,3% da Áustria; 53,3% da
Dinamarca; 50,1% da Alemanha; 44,8% da Polónia; 39,1% da Finlândia; 32,3% do Reino
Unido; 30,1 % de Espanha; 28,8% de Itália; e, 27 % de França.
Uma análise fina deste quadro permite concluir que a maioria das pequenas economias
abertas e mais competitivas apresentam um peso das exportações no PIB bastante acima
dos 40%, resolvendo assim por via das exportações os problemas resultantes da reduzida
dimensão dos seus mercados domésticos. Facilmente se depreende que é insuficiente a
participação das exportações portuguesas no PIB quando se compara com os parceiros
europeus.
Quadro 3 - Grau de Abertura da Economia, Orientação Exportadora e
Exemplos de Economias Européias (2011)
Não menos crítico é também a elevada concentração das exportações portuguesas
nos mercados da União Europeia. Analisando o destino da exportações em 2011, de acordo
com os dados do INE 2012, verifica-se que 74,1% têm lugar a nível Intra-UE. Acresce que a
Espanha, Alemanha, França e Reino Unido absorvem cerca de 74% das exportações IntraUE. As exportações Extra-UE representam 25,9 %, onde os mercados da CPLP pesam
8,3%. A constatação desta elevada concentração em poucos mercados impõe naturalmente
a necessidade de diversificação, tanto mais que os mercados da UE são atualmente dos que
menos crescem à escala global.
Alargamento da base exportadora e da carteira de bens e serviços transacionáveis,
redimensionamento empresarial para ganhar escala, aumento do peso das exportações no
PIB e diversificação de mercados, terão que fazer parte de um quadro de objetivos e de ação
de uma política de inteligência económica.
1.http://www.intelligence-economique.gouv.fr/rubrique.php3?id_rubrique=6, acedido em 2008.07.08
competitividade das empresas portuguesas
Fonte: Eurostat, Base de Dados
Uma política pública de inteligência económica: um instrumento para a
alterar tabela
181
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
2. A Inteligência Econômica: instrumento estratégico do estado, dos
poderes públicos e das empresas
182
O Estado pelo facto de se situar no coração do sistema de inteligência económica
desempenha um papel incentivador e catalizador. Por isso, faz sentido que as Administrações
Públicas adaptem as suas missões aos novos desafios da globalização das economias. Como
refere Juillet (2012), a inteligência económica não serve apenas para pesquisar a informação
para construir uma estratégia ganhadora. Hoje uma boa estratégia não é suficiente para
ter sucesso sendo necessário acrescentar ações de influência para gerar um ambiente
positivo. Esta é a razão pela qual as empresas e as nações usam técnicas de influência nas
suas estratégias. Também é verdade que “para ser credível num século em que o poder
se difunde dos estados para os intervenientes não estatais, os esforços do governo para
projetar poder suave terão de aceitar que o poder é menos hierárquico numa era da
informação e que as redes sociais assumiram uma maior importância” (Nye, 2011: 123).
No atual quadro da competição internacional a luta pela influência, o acesso
e o controlo da informação revestem uma dimensão estratégica. Aliás, numa economia
fortemente concorrencial, em que as estratégias de influência desempenham um papel
importante, assim como o domínio da informação de suporte “é bastante lógico que
a condução de uma ambiciosa política pública de inteligência económica constitua
doravante um objetivo prioritário do Estado, tanto nas suas missões clássicas como no seu
papel de regulador económico e social” (Canepa, 2006). Veja-se a propósito da inteligência
económica, que o Alto Responsável da Inteligência Económica que passou a funcionar
junto do primeiro-ministro francês a partir de 2004, Allain Juillet, propõe a seguinte
formulação: “a inteligência económica consiste no controlo e na proteção da informação estratégica
para todo o ator económico”1, com a tripla finalidade: a competitividade do tecido industrial,
a segurança da economia e das empresas e o reforço da influência do país.
A importância do investimento na inteligência económica, numa ótica de parceria
público-privada, tem sido bastante enfatizada em França desde o Relatório Martre (2004)
e com mais intensidade a partir da apresentação do Relatório Carayon (2003) e da sua
consequente assunção como política pública. Assiste-se ao “aparecimento de verdadeiros
sistemas de inteligência económica que constroem a sua finalidade estratégica, segundo
vários eixos, declináveis à escala europeia, nacional, assim como a nível dos territórios”
(Clerc, 2004: 2), cujos principais vetores no entendimento deste autor são:
2. www.businesslink.gov.uk/bdotg/action/directory, acedido em 2008-10-18
3. TPR (très petite entreprise), é a designação francesa para microempresa
competitividade das empresas portuguesas
Também no Reino Unido, cuja prática de inteligência concorrencial (competitor
intelligence) e com maior acuidade a cultura ofensiva de informação económica estão bem
ancoradas nos grandes grupos britânicos, onde o papel do Estado através dos mecanismos
de inteligência económica não é negligenciável, pelo menos em dois domínios: o apoio
aos exportadores e às PME. Estas são incitadas a desenvolverem práticas de inteligência
económica encontrando para isso o apoio especializado que necessitam nos Business Links
que funcionam como rede de apoio, lançadas no início dos anos 90 pelo governo de John
Major. Os Business Links que processam informação para as PME, estão ligados a vários
ministérios e departamentos e, fundamentalmente, “fornecem informação, conselho e o
apoio necessário ao início, manutenção e crescimento do negócio. (...). O Business Links
Service é uma parte crucial da campanha do governo para promover a empresa e fazer do
Reino Unido o melhor lugar do mundo para iniciar e fazer crescer o negócio”2. Os Business
Links afirmam-se, de acordo com Clerc (2004), como redes territorializadas de apoio e
de difusão de práticas e de informações com valor acrescentado: exportação, inovação,
tecnologia, business intelligence, orientadas para as PME e TPE3.
A expressão dos poderes públicos em matéria de inteligência económica faz-se
também sentir através das coletividades territoriais ou das autarquias. Por exemplo, a
experiência do Quebec, Canada, que “consiste em montar, a nível governamental, uma
rede de vigilância integrada sobre as políticas públicas, lembra-nos a urgência que existe
hoje em pensar o futuro e reabilitar o pensamento estratégico, na base de uma prática de
inteligência económica” (op. cit.). Assim, em 1999, o governo do Quebec toma a iniciativa
de montar um dispositivo de inteligência económica, decidindo implementar uma rede de
vigilância integrada, fazendo interagir cerca de trinta ministérios e organismos públicos,
construindo redes de vigilância, estabelecendo competências para os vigias coordenadores
Uma política pública de inteligência económica: um instrumento para a
1. “Produção de conhecimentos” adaptados aos desafios da
globalização e “úteis às estratégias individuais e coletivas”;
2. “Desenvolvimento das organizações” mobilizando as capacidades
do Estado, das coletividades territoriais e das empresas;
3. “Definição de uma doutrina de segurança económica” visando a
proteção dos sectores chave e essenciais da economia;
4. “Definição e implementação de estratégias de influência” pela
promoção do modelo cultural, económico, social, nacional e europeu.
183
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
184
colocados em cada unidade (ministérios, organismos públicos e cinco grandes cidades).
Aliás, várias centenas de vigias passaram a alimentar uma rede que se ocupa da
recolha de informação sobre temas alvo dessa rede (os efeitos da globalização, o papel
e as funções do Estado, soberania, gestão das políticas públicas, a problemática
da NAFTA) Os seus membros estão ligados por uma Intranet, tornando possível o
funcionamento desta gigantesca rede de observação et alerta, de análise e de síntese.
Numa visão de longo prazo “o Estado deve propor uma visão estratégica global e
mobilizar os agentes económicos para as prioridades das acções definidas em função dos
polos múltiplos da economia nacional” (Hypolite et al, 2003: 3), cabendo-lhe, na ótica da
inteligência económica:
• Definir, conceber, organizar e conduzir as estratégias sectoriais da nação
por via da coordenação das forças nacionais;
• Antecipar, utilizando todos os recursos da prospetiva e do planeamento;
• Implementar estratégias de influência para projetar a sua voz a nível
internacional;
• Ganhar a guerra cognitiva e a guerra da informação num contexto de
guerra económica, em que a informação se tornou um capital estratégico;
• Favorecer a segurança global num mundo cada vez mais instável e incerto.
Deste modo, cabe ao Estado apoiar a valorização e a defesa dos interesses
nacionais e das suas empresas no mercado mundial, e configurar o seu enquadramento
tecnológico e humano, a sua formação e a sua interação o mais eficaz possível em função
dos constrangimentos que lhes são impostos e das oportunidades suscitadas. No mesmo
sentido, cabe ao Estado lutar diplomaticamente (sobretudo por via da diplomacia
económica) tendo em vista uma regulação internacional favorável aos interesses nacionais,
designadamente através de mecanismos de diplomacia económica ágeis.
Para esse fim, são implementadas diversas ações de inteligência económica, através
de diferentes serviços públicos, de documentação, de pesquisa, de informação e de
conselho, em relação aos quais, numa perspetiva de eficácia, se pressupõe capacidade de
coordenação conjunta. Refira-se que em França, a fim de melhor concentrar os esforços
sobre as empresas e as tecnologias essenciais, Juillet (2004), refere que o Estado foi levado a
selecionar os sectores estratégicos, e as sociedades que deles fazendo parte vão ser integradas
num dispositivo de vigilância e alerta.
Importa referir que, da mesma maneira que uma orientação no sentido da
inteligência económica progride lentamente nas empresas, o mesmo sucede com os poderes
competitividade das empresas portuguesas
Uma política pública de inteligência económica: um instrumento para a
públicos em muitos países. De facto, as estratégias e as ações desencadeadas por alguns
Estados mostram que tarda a impor-se uma postura de inteligência económica, enquanto
instrumento de gestão das relações de força geoeconómicas internacionais e como
instrumento de antecipação da gestão de crises, incluindo certas campanhas internacionais
de desinformação.
No atual estádio da globalização, a uniformização jurídica, induz a que os
afrontamentos mais importantes se projetem na capacidade dos atores públicos e privados
em impor a sua vontade, em criar as suas soft laws, em editar as normas. A batalha pelas
normas oscila entre uma tentação hegemónica por parte das nações ocidentais a fim de
regulamentarem a desregulação (sobretudo económica e comercial) e as aspirações das
novas potências cuja estratégia consiste em “multiplicar as fontes normativas a fim de
fragilizar um sistema universal pensado pelos Estados dominantes. Assim, a sobreposição
de normas nacionais, internacionais, (com vocação regional ou mundial) de origem estatal,
supra-estatal, ou privada, gera uma verdadeira proliferação de quadros jurídicos” (op. cit.).
Sublinha-se ainda a proliferação de comunidades virtuais que vão sustentar novos
movimentos não controláveis pelos Estados, conferindo protagonismo a actores não
estatais. Em consequência “vamos assistir a um afrontamento larvar e assimétrico entre os
Estados e os OSC (Open Source Centers) para a instauração de novos quadros normativos”
(Harbulot e Lucas, 2006:12). Com a globalização do conhecimento as atividades
internacionais tenderão a ser influenciadas pela produção de conhecimentos novos, o
que também terá implicações nos modos de governance a nas políticas de responsabilidade
social. Estas confrontar-se-ão com a resistência das novas grandes economias emergentes,
mais interessadas num crescimento acelerado imediato, que as consideram expedientes
moralistas do mundo ocidental.
Na perspetiva da inteligência económica, “o papel do Estado não é o de se substituir
às empresas, mas de lhes mostrar o caminho e ser um parceiro chave, graças aos seus recursos
específicos, à sua capacidade de sintetizar, de definir estratégias globais e de coordenar. A
proteção e a defesa económica são, por isso, um assunto da cooperação público-privada”
(Naftalski, 2004: 37). Seriam objeto desta cooperação público-privada, a proteção do
património nacional tecnológico, o controlo das tecnologias-chave, a proteção das pessoas
e suas estruturas no estrangeiro, a luta contra os ataques desleais e, ainda, a luta contra os
mecanismos fraudulentos internacionais.
A nível da intervenção europeia, o papel do Estado em matéria de inteligência
económica, coloca-se sobretudo ao nível da articulação e coordenação com os parceiros
185
da União, o que significa “determinar a nível nacional o que pode ser partilhado e o que
não pode ser” (Daguzan, 2004: 103). Trata-se de um assunto que coloca sérias dificuldades,
porque em muitos casos é cada vez mais difícil discernir, nomeadamente em relação aos
grandes grupos industriais (EADS, Alcatel) qual a nacionalidade das empresas, colocando
diversos condicionalismos em matéria de recolha e partilha de informação por parte dos
Estados. Perante sociedades transeuropeias, coloca-se porventura a necessidade de rever
comportamentos tradicionais forçando lógicas de cooperação, alicerçadas numa partilha
de informações (intelligence sharing).
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
2.1.Missão dos Poderes Públicos em Matéria de Pesquisa de Informação
186
O efeito conjugado da globalização e da explosão das tecnologias da informação e
da comunicação, sobretudo a Internet, faz com que as empresas e demais organizações, se
confrontem com uma superabundância de informação. A questão que se coloca é a de saber,
a partir deste fluxo de informações: como selecionar a mais útil? Na verdade o principal
elemento de complexidade reside no “carácter proteiforme das fontes de informação quer
elas sejam técnicas (escutas, análise dos sinais radar, imagens de satélite), ou humanas
(correspondentes, agentes, documentação aberta” (Hervouët, 2004: 73).
Impelidas pelos imperativos da inovação e da competitividade, as PME tomam
lentamente consciência da importância de deter boas informações para vencer os seus
concorrentes: conhecimento dos mercados, condições de acesso aos mercados, informações
jurídicas, tecnológicas, normativas ou outras. Para conseguir uma vantagem competitiva, as
empresas terão que saber utilizar a assimetria de informação a seu favor.
As informações económicas não devem ser consideradas como um factor económico
da mesma natureza dos outros. São efetivamente uma das matérias-primas mais preciosas
utilizadas pela empresa. Por isso, cada vez mais as administrações são incitadas a partilhar e
a fazer circular esse recurso essencial, verdadeira “alavanca do desenvolvimento económico”
(Hypolite et al, 2003: 5).
Cabe aos poderes públicos, de acordo com estes autores, assegurar a missão de
pesquisar e analisar a informação económica, nomeadamente, a pesquisa de informações a
nível nacional, cumprindo duas funções principais:
• Organizar, recolher e interpretar as informações económicas e sociais
a fim de publicar inquéritos (emprego), índices (preços) ou resultados
(recenseamento);
• Elaborar modelos económicos a fim de proporcionar instrumentos de
análise e de previsão da evolução económica e social.
Apesar do número crescente de intervenientes no ambiente
institucional da empresa, tais como os peritos e outras autoridades
científicas e técnicas, os media, as associações, os poderes públicos
(europeus, nacionais e locais) afirmam-se como a fonte privilegiada
das empresas para obterem informação específica. Estes já não são só
autoridades, mas também atores do jogo económico.(Hypolite et al,
2003: 8).
Em matéria de utilização, difusão e partilha da informação, de acordo com estes
autores, o papel dos poderes públicos, abrange domínios bastante diversos, destacando-se
“a pesquisa de informação a nível internacional” a qual envolve a “diplomacia económica”
e a “assistência e o apoio às empresas” (informar sobre mercados de países-alvo, facilitar
seleção de potenciais parceiros, promover as empresas e os produtos nacionais através da
organização de seminários e exposições nos países em observação, melhorar a imagem
competitividade das empresas portuguesas
No atual contexto da globalização, em que o Estado se afasta cada vez mais da
gestão direta dos sectores produtivos, perdendo significado muitas das atividades que até
há poucas décadas atrás eram consideradas estratégicas e como tal pertença do Estado
(telecomunicações, energia, ...), outras missões do Estado estão a ganhar relevância
estratégica, nomeadamente a distribuição de informação pertinente junto das empresas
nacionais e a diplomacia económica. O Estado está presente não apenas na distribuição da
informação útil e estratégica, como também lhe compete favorecer os produtos e serviços
nacionais fabricados por empresas nacionais, exercendo também a influência possível junto
de líderes políticos ou agentes económicos internacionais e mundiais. Aliás, as empresas
reivindicam frequentemente do Estado a necessidade de “reforçar o acesso das empresas às
informações sobre os mercados externos (...)” (Naftalski, 2004: 33).
Com efeito, esta missão coloca duas interrogações: como organizar a partilha
equitativa das informações recolhidas? Como assegurar de forma perene esta ligação entre
os serviços do Estado e o sector privado? Trata-se de questões às quais os poderes públicos
pretendem responder sob a forma de diferentes projetos.
Uma política pública de inteligência económica: um instrumento para a
2.2. Missão dos Poderes Públicos em Matéria de Difusão e Partilha da Informação
187
económica e industrial nacional nos diferentes países através de ações junto dos media e
dos jornalistas e outras formas adequadas). A prática da inteligência económica e estratégica
implica “a implementação de redes interativas destinadas a facilitar a perceção e a recolha
de informação com vocação estratégica para a empresa.
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
2.3. O Lobbying e a Diplomacia Económica
188
No contexto da globalização que se tem vindo a caracterizar, tanto as empresas,
incluindo as PME, como os poderes públicos necessitam de equacionar o lobbying,
com incidência nas relações com as diversas instituições ou entre as empresas, e muito
particularmente na ação externa. É um facto que o seu campo de aplicação se alargou,
os seus métodos são cada vez mais requintados, inserindo-se no quadro da comunicação
estratégica. Interessa, a este propósito, ganhar não tanto em termos de jogo de soma nula,
mas sobretudo num jogo de Win Win, na base de uma relação benéfica para as partes
intervenientes. Significa que num jogo a vários, “não há performance individual sem
inteligência coletiva” (Hypolite et al, 2003: 9).
O lobbying consiste em realizar intervenções destinadas a influenciar diretamente
ou indiretamente os processos de elaboração, aplicação ou de interpretação de medidas
legislativas, normas, regulamentos e, de forma geral, de qualquer intervenção ou decisão
dos poderes públicos. As estratégias e as táticas de lobbying que as empresas dispõem para
agir em face dos poderes públicos são múltiplas, pragmáticas e evolutivas. As empresas
em face de necessidades concretas podem, a curto prazo, optar por utilizar grupos de
pressão que elas integram no seu sector de atividade, recorrer aos seus próprios serviços
organizacionais, ou ainda contratar agências especializadas neste tipo de mediação. Aliás,
na maior parte dos casos, o lobbying exerce-se através da ação conjugada destes três vetores.
O lobbying está muito desenvolvido nos países anglo-saxónicos onde existem muitos
lobistas que trabalham para empresas ou agências privadas especializadas nesta atividade.
Junto dos principais organismos da União Europeia, em Bruxelas, existem grupos de
interesses que praticam o lobbying quotidianamente. Por exemplo, estes grupos de interesses
observam, analisam e aconselham as empresas que pretendem infletir a posição das
Administrações que preparam as futuras normas industriais ou comerciais. Mas, também,
de acordo com Hypolite et al (op. cit.), existem os gabinetes especializados no lobbying
que actuam junto das instituições nacionais, como os governos e os parlamentos, com o
propósito de defender interesses particulares.
competitividade das empresas portuguesas
Uma política pública de inteligência económica: um instrumento para a
Noutra dimensão também se verifica a existência de células de lobbying , normalmente
designadas células de influência que são a extensão de sistemas de inteligência económica
com elevado desempenho. Estas células defendem, por exemplo, na ONU, junto de vários
organismos internacionais (OMS, OMI, OMPI etc), interesses a longo prazo das empresas.
O mesmo acontece junto das várias instâncias da UE em que várias estruturas de lobbying
tentam influenciar a evolução, por exemplo, de determinadas normas que dizem respeito
aos sectores que representam.
Devem ser ainda mencionados outros organismos, a nível internacional, europeu,
nacional, regional e sectorial, como são os casos dos sindicatos, das Associações, das
Confederações, entre outros, que tratam e debatem problemas que interessam à empresa
e que, por isso, são tomados em conta nas orientações estratégicas. Por exemplo a nível
europeu, a BUSINESSEUROPE, a confederação europeia que defende os interesses dos
empregadores tem o estatuto de parceiro social reconhecido pela UE o que lhe confere um
poder funcional significativo em relação a muitos dossiers e matérias relevantes.
Refira-se também que, os anos oitenta e noventa do século passado, designadamente
após a queda do muro de Berlim, foram marcados por profundas transformações com
fortes repercussões ao nível da matriz da diplomacia clássica, constatando-se que “os
espaços diplomáticos atuais têm sido progressivamente transformados em áreas de apoio às
atividades económicas no exterior, em particular das empresas” (Silva, 2002: 97).
Em sentido amplo, os Estados estão em permanente negociação com diversos
atores, sendo que “a ação da diplomacia económica pode ser observada segundo três eixos,
consoante a importância relativa dos objetivos políticos ou económicos: a ação segurança onde
os objetivos políticos são dominantes, a ação reguladora onde as duas ordens de objetivos se
conjugam e a ação competitiva, de clara dominância económica” (Farto b, 2006:176). Farto
(2006) desenvolve ainda um subtema da diplomacia económica, denominado diplomacia
comercial, circunscrevendo-a à:
Análise, avaliação e apoio: análise de situação; identificação de restrições e entraves;
detecção de novas tecnologias; avaliação política de riscos de investimento (por exemplo o a
avaliação do risco-país); exploração de oportunidades de negócio e apoio diplomático; etc.;
Promoção do país em cada mercado-alvo: exportação de bens e serviços; atracção
do turismo; captação de investimentos; gestão da ajuda ao desenvolvimento; entre outros;
Activação dos canais de comunicação e influência: acompanhamento das empresas
nacionais; organização do lobby nacional; estruturação do lobby de contactos, envolvendo
associações empresariais, câmaras de comércio e agentes económicos nacionais estabelecidos
189
em determinado mercado externo; mobilização de apoios internacionais.
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
2.4. A Missão dos Poderes Públicos em Matéria de Securização da Informação
190
A defesa da economia e a inteligência económicas estão hoje intrinsecamente ligadas,
sendo consideradas necessárias para a prosperidade e o desenvolvimento de qualquer país.
Recomenda que as empresas se protejam eficazmente contra as desestabilizações e protejam
o seu património informacional. As novas tecnologias da informação e da comunicação,
sobretudo a Internet, tornam ainda mais premente esta necessidade.
A abordagem decorrente da inteligência económica mostra que não é apenas
necessário adquirir boas informações, mas sobretudo saber protegê-las, tanto para os
Estados como para as empresas. A segurança dos sistemas económicos representa, aliás,
um vetor de grande sensibilidade no contexto da inteligência económica. As estratégias
desenvolvidas pelos Estados para garantir a sua segurança e o seu poder, tanto a nível
militar como a nível político e económico, necessitam da análise e tratamento de muita
informação nomeadamente através dos serviços de informação. A este propósito relevamse, pela sua importância, as medidas de proteção:
Face às ameaças descritas, torna-se necessário a proteção da informação e a securização
das empresas, de modo a responder a um triplo desafio:
• Prevenir-se contra eventuais ações ilícitas;
• Proteger a sua informação sensível, isto é, montar no seio da própria
empresa um sistema de contrainteligência ;
• Cultivar uma “cultura de informação” no seio da empresa, nomeadamente
incentivando a recolha, o tratamento e a difusão das informações úteis,
evitando qualquer entrave por via de medidas de proteção excessivas ou
desadequadas.
A este propósito Amaral releva a importância de um serviço de informações na
empresa, entendido como
um conjunto de órgãos de estrutura constituído por profissionais de
informações que executam todas as atividades estratégicas e de segurança
que envolvem informações. Quando se fala em segurança está a considerarse a existência de espionagem, terrorismo e subversão. Para todas estas três
vertentes, a produção de conhecimento sobre o que se está a passar no meio
envolvente e as atividades de contraespionagem para recolha de dados e
noticias, criação de conhecimento e difusão de informações, são comuns à
vertente estratégica do serviço de informações (Amaral, 2008: 18).
competitividade das empresas portuguesas
Perante a espionagem industrial e comercial, a inteligência económica, utilizandose de procedimentos legais e éticos, acrescenta uma nova dimensão aos mecanismos que
visam proteger a produção científica e tecnológica, pelo que “por via de um conjunto
organizado de questões e respostas pertinentes, prepara as empresas para enfrentar toda
a espécie de ameaças e agressões provenientes do meio externo e coloca-se à disposição
para possibilitar a tomada de decisões estratégicas que garantam o alcance dos objetivos
organizacionais” (Besson e Possin, 1999: 222)
Existem ainda outros meios a que as empresas e os Estados podem recorrer para se
proteger da espionagem:
Utilização da legislação, como por exemplo faz os Estados Unidos abundantemente;
Solicitação da proteção aos organismos competentes, consoante a matéria em causa;
Construir mecanismos de segurança adaptados à empresa bem como a proteção de
material e dos software da empresa;
Sensibilizar os funcionários para os problemas da espionagem e das práticas ilícitas.
Em síntese, de acordo com Juillet (2004) a inteligência económica, deve permitir às
sociedades, às coletividades ou ao Estado que a praticam, a possibilidade de antecipar, de
se proteger, e de conseguir uma vantagem concorrencial defensável e durável por via do
domínio de quatro capacidades complementares no momento da decisão e da ação:
A vigilância permanente de cada um dos atores da vida económica;
A gestão da informação que pressupõe saber pesquisar dados, triar, analisar, avaliar e
difundir as informações e toda as ordem permitindo detetar as oportunidades e as ameaças;
A proteção do seu património imaterial que inclui o saber-fazer, a defesa da imagem,
a segurança dos fluxos, e as informações estratégicas;
Uma política pública de inteligência económica: um instrumento para a
Ainda de acordo com este último autor, a espionagem industrial gerou três formas
de luta contra as atividades ilegais dos agentes a soldo de países estrangeiros:
• A contraespionagem repressiva, visando identificar e, em consequência,
expulsar os agentes identificados;
• A contraespionagem defensiva, com a função de obter infirmações sobre
a atividade dos serviços secretos hostis;
• Por último a contraespionagem ofensiva, encarregada de montar
operações de “intoxicação”, nomeadamente através da manipulação dos
agentes em relação aos quais se veiculam informações erradas.
191
A ação sobre as organizações e os atores que podem ter um impacto sobre a sua
atividade através da comunicação, influência e as relações públicas.
Nesta perspetiva, ainda seguindo o raciocínio de Juillet (2004), este dá razão ao
adágio de Napoleão: «deixar-se vencer é escusado, deixar-se surpreender é imperdoável».
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
3. Vetores de uma política pública de inteligência econômica para
Portugal
192
Uma análise das propostas avançadas na última década pelos meios associativos
empresariais de referência em Portugal (CIP-Confederação Empresarial de Portugal, AIPCCI, AEP) para resolver o défice de competitividade e de internacionalização da economia
portuguesa, verifica-se uma significativa convergência em torno do seguinte quadro de
objetivos estratégicos:
•Reforçar a cadeia de valor, alargar e densificar a base exportadora nacional,
nomeadamente aproximando as capacidades existentes aos mercados com
maior procura internacional e, bem assim, um melhor posicionamento nas
cadeias globais que integram uma parte cada vez mais significativa dos bens e
serviços exportáveis;
•Diversificar as exportações a nível intra e extraeuropeu;
•Mobilizar para o terreno da internacionalização uma faixa alargada das
PME;
•Redimensionar o tecido empresarial por via de estratégias colaborativas
(fusões, aquisições, alianças estratégicas, etc.) para ganhar massa crítica para a
internacionalização
•Reforçar a atratividade do IDE (sobretudo de base tecnológica),
nomeadamente atraindo investimentos para a valorização da posição
geográfica portuguesa permitindo desempenhar funcionalidades importantes
no interface entre as grandes regiões da economia mundial (Europa e Asia(s);
Europa e América do Norte; e, Europa e Atlântico Sul).
3.2. Atrair Investimento Estrangeiro
Nessa campanha à descoberta de novas funções, novos mercados, novas atividades e
novas maneiras de realizar as atividades e de olhar o mundo, onde acumulou competências,
o investimento direto estrangeiro (IDE), e particularmente as empresas multinacionais,
é não só indispensável como permite fornecer escala em atividades que tenham forte
procura internacional, empreguem recursos humanos qualificados e permitam a Portugal
posicionar-se nas respetivas cadeias de valor. Enquanto isso, as PME e as start ups inovadoras
competitividade das empresas portuguesas
Em Portugal, o problema está também na incapacidade de se forjar (no passado
e porventura no presente) um espaço de cooperação estratégica em torno de uma tripla
hélice: governo (e as suas instituições); indústria (em sentido amplo, isto é todos os sectores
da economia); e, a universidade (os centros de saber, particularmente as instituições de
educação, ciência e tecnologia). E, na verdade, a riqueza e as vantagens competitivas
das Nações, na nova era global, assentam cada vez mais na interação, na dinâmica e na
inteligência em torno desta hélice tripla. É com inteligência económica e estratégica que
esta hélice tripla pode ser instrumentalizada e dinamizada para potenciar uma nova visão
e uma nova ambição para a economia portuguesa e para Portugal. Estamos a falar na
necessidade de valorizar os nossos recursos, assim como a informação e o conhecimento
atinente aos mercados, as parcerias e as redes de conhecimento que as suportam e permitem
agir proactivamente, os mecanismos de influência, em particular a diplomacia económica,
a gestão da perceção, da inovação e do conhecimento, enfim uma estratégia de poder para
nos reposicionarmos na globalização.
Para que Portugal possa fazer desta crise uma oportunidade para implementar as
transformações estruturais de que carece, e voltar a crescer em novos moldes tem que
organizar, como muito bem sintetiza um dos mais prestigiados economistas, Félix Ribeiro
(2012), uma “expedição coletiva à internacionalização e globalização. Não pode crescer
mantendo o seu foco exclusivamente no que já se exporta a partir de Portugal nem manter
uma fixação absoluta na Europa, fazendo mais do mesmo. A presença atual de Portugal
nos mercados internacionais é muito vulnerável à concorrência das grandes economias
emergentes e a cada vez maior número de economias em desenvolvimento. Por isso tem
que diversificar, inovar e subir na cadeia de valor para poder exportar de forma sustentável.
Uma política pública de inteligência económica: um instrumento para a
3.1 Dinamizar a Tripla Hélice
193
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
194
fornecerão a variedade. Escala e variedade são as duas componentes chave numa vaga de
internacionalização para que seja célere nos efeitos e ponderada no evitar dependência
exclusiva de um número restrito de grandes operadores e países. Naturalmente que a
atração de investimento direto estrangeiro (IDE) devidamente articulado com os polos
de competitividade na economia portuguesa, constitui também a melhor via para se
valorizarem os talentos e o conhecimento que foram incorporados na sociedade portuguesa
nos últimos quinze a vinte anos numa escala sem precedentes. Refira-se que não existe na
história portuguesa recente nenhuma vaga exportadora que não tivesse sido estimulada por
uma forte atratividade de IDE.
•Reposicionar-se na Globalização significa também estreitar relações de
comércio, de investimento, de financiamento, e de transferência de tecnologia
com países, regiões e operadores globais que permitam a Portugal:
•Aprofundar as relações com o Atlântico Sul e dinamizar a CPLP, mediante
uma política de valorização da língua portuguesa, aproveitando o potencial
de oportunidades que o “mundo de expressão portuguesa” por si só confere,
mas também as que resultarem da aproximação deste com o “ mundo anglosaxónico”, consolidando assim redes mundiais transversais de conhecimento
que permitem maximizar a autonomia regional dos países que nelas se
envolvem;
•Reforçar o relacionamento com as economias mais exigentes e desenvolvidas,
como é ocaso dos Estados Unidos e dos países da NAFTA de um modo
geral, bem como uma maior diversificação das relações a nível intraeuropeu,
excessivamente concentradas em quatro países;
•Atrair investimentos que absorvam capital humano altamente qualificado
e, e/ou permitam qualificar uma mão de obra jovem e escolarizada, mas sem
qualificação significativa;
•Atrair investimentos para a valorização da posição geográfica portuguesa,
com uma aposta na conectividade internacional, permitindo a Portugal
desempenhar funções de interface, ou de plataforma, entre grandes regiões
da economia mundial (Europa e Ásia; Europa e América do Norte, Europa e
Atlântico Sul).
competitividade das empresas portuguesas
Para esse reposicionamento na economia global, Portugal dispõe de um conjunto de
Ativos de Base e Estratégicos que importa saber valorizar:
•Uma língua universal que abrange diversos espaços do mundo, bem como a
pertença à comunidade atlântica e o portefólio de conhecimento de mais de
500 anos com quatro dos BRICS (Brasil, Rússia, China, Índia, África do Sul),
constitui uma das mais-valias portuguesas, que poderá ser transformada em
elemento diferenciador de Portugal no projeto europeu;
•Uma posição geográfica periférica na Europa mas localizada no Atlântico
quando o Mediterrâneo/Médio Oriente podem caminhar para um período
de instabilidade, e nesta perspetiva euro-atlântica, Portugal ocupa uma posição
central, que pode e deve potenciar;
•Recursos humanos e instituições de ensino superior e de investigação que
se foram desenvolvendo nas últimas duas décadas naquele que foi o maior
investimento em capital intelectual em Ciência e Tecnologia jamais feito nos
últimos séculos em Portugal;
•Uma estrutura de indústrias e serviços suficientemente diversificada para
acolher e suportar novas atividades;
•Recursos naturais, climáticos e ambientais que tornam Portugal atrativo
param serviços de acolhimento e lazer, e um território que na sua variedade e
património natural e histórico poderia gerar novos produtos ou conceitos no
imobiliário residencial e turístico, potenciando o cluster turismo-lazer;
•Um território urbano bem equipado e que em várias cidades já oferecem
condições de vida muito atraentes, estando dotadas de infraestruturas de
saúde, educação, lazer, telecomunicações e acessibilidades;
• Um território rural, hoje em muitas zonas relativamente abandonado, que
pode ainda ser recuperado para algumas funções agrícolas, juntando inovação
e tradição;
•Um espaço oceânico em fase de expansão territorial que permite avaliar,
desenvolver e explorar no futuro recursos energéticos, minerais e biológicos
de grande valor, investindo estrategicamente no hipercluster potencial da
economia do mar.
•Abundância e diversidade relativas de recursos minerais, incluindo
Uma política pública de inteligência económica: um instrumento para a
3.3 Valorizar os Ativos de Base e Estratégicos
195
potencialidades significativas em minerais estratégicos.
•Uma rede de portos que deve ser inteligentemente articulada com as rotas
comerciais e as rotas energéticas, o que é tanto mais importante quanto é
sabido que com o alargamento do canal do panamá a partir de 2014 vai
incrementar o comércio na bacia do atlântico, reforçando o papel funcional
dos portos portugueses nas ligações à Europa do Norte, e, potenciando
igualmente as ligações ferroviárias à Europa.
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
Considerações Finais
196
Portugal confronta-se com o imperativo inadiável de conjugar uma política rigorosa
de saneamento das contas públicas e de ataque às debilidades estruturais mediante um
processo contínuo de melhoria das políticas públicas que determinam a qualidade do
contexto (condição necessária), com políticas setoriais (condição suficiente) orientadas para
a produtividade, a qualidade, a inovação e a competitividade. Para tal impõe-se uma estreita
articulação em torno de uma hélice tripla geradora de espaços de cooperação estratégica
entre, a indústria (e demais atividades económicas), o governo (e as suas instituições) e as
universidades (e demais centros de saber) que permita em tempo oportuno transformar o
conhecimento em bens transacionáveis, bem como valorizar os ativos de base e estratégicos,
para uma melhor afirmação na economia global. Valorizar o espaço de língua portuguesa
subjacente à CPLP como vetor importante de uma estratégia de diversificação de mercados
e de internacionalização constitui uma oportunidade para Portugal. No mesmo sentido
importa ganhar quotas de mercado nas grandes economias emergentes, particularmente
os BRICS com os quais, à exceção da Rússia, Portugal desenvolveu relacionamentos
históricos que podem ser uma base para se restabelecer novas relações de confiança. De
igual modo se justifica uma política de redimensionamento empresarial que privilegie as
estratégias colaborativas (fusões, aquisições, alianças estratégicas, …) para ganhar massa
crítica. Um aspeto crítico consiste em reforçar a capacidade de atrair IDE (sobretudo de
base tecnológica), nomeadamente investimentos para a valorização da posição geográfica
portuguesa que permitam desempenhar funcionalidades importantes no interface entre as
grandes regiões da economia mundial (Europa e Asia(s); Europa e América do Norte; e,
Europa e Atlântico Sul).
E, para isso, é fundamental que exista um espaço de entendimento estratégico em
torno de uma visão de futuro, para que a estes Ativos de Base e Estratégicos se acrescentem os
fatores de atratividade resultantes de uma política de inteligência económica devidamente
focalizada e de reformas estruturais inadiáveis. Se assim for, Portugal revelar-se-á, de novo,
com novos alicerces baseados numa economia mais internacionalizada, mais competitiva e
mais inovadora. A base instrumental existe. É necessário saber valorizá-la.
Neste quadro a inteligência económica é indispensável para pilotar os recursos
informacionais do país e também do ponto de vista da gestão estratégica da informação
aplicada à conquista de mercados pelas empresas.
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198
Capítulo 9
POR UM NOVO PROFISSIONAL
PARA O SETOR DE INFORMAÇÃODOCUMENTAÇÃO: COMPETÊNCIAS E
ATITUDES EXIGIDAS PELO MERCADO
DE TRABALHO BRASILEIRO
José Antonio Moreiro González
Waldomiro Vergueiro
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
O
200
s profissionais do setor da Informação e Documentação
estão em permanente situação de mudança, devido
principalmente às características da própria Sociedade
da Informação. A isso não está alheio o ritmo marcado pelas
ferramentas técnicas que empregam. As funções que realizam em
seus centros de informação diversificaram-se e a profissão deixou
de se limitar a um espaço concreto, abrindo-se, com frequência,
a áreas decisivas, como o gerenciamento, a comunicação e a
informática (FORREST, 2008). Isto ocorre de tal forma, que as
próprias ferramentas profissionais utilizadas pelas disciplinas
da área de informação envelhecem em curto espaço de tempo,
obrigando os profissionais a se preocupar com a aprendizagem
contínua, se quiserem continuar competentes nas tarefas que a
profissão exige. A Sociedade muda depressa e em algumas áreas
do conhecimento essa mudança é mais acelerada.
Esta situação supõe uma redefinição, quase contínua, dos limites do mundo da
informação-documentação que, de alguma forma, têm impactos nos programas de ensino.
Esta situação supõe, também, a proposição de uma nova cultura acadêmica, que leve a
uma adaptação nas universidades, tanto do sistema administrativo como de docentes
e alunos. Com ela se busca uma convergência do ensino de nossos cursos com o papel
social que devemos desempenhar, com a investigação que nos move e, portanto, com a
realidade na qual trabalhamos. Nada é mais pernicioso na formação superior para uma
especialidade que a dissociação profunda com a realidade social e profissional, ainda
que devamos ser prudentes a respeito das modificações, que podem muitas vezes pecar
por serem desenfreadas. Estamos convencidos de que os programas de estudo que são
ministrados nas universidades formam bem os documentalistas no que diz respeito àquilo
que é fundamental nas exigências profissionais. Contudo, não garantem o desempenho de
todas as atividades que as empresas ou instituições públicas lhes solicitam. E algumas delas
têm tanta força no emprego que é conveniente segui-las de perto.
Empregando uma metodologia de gestão semântica do conhecimento, foi
desenvolvido um projeto conjunto, entre a Universidade de São Paulo (USP) e a
Universidad Carlos III de Madrid (apoiado pela FAPESP), com o objetivo de organizar
ontologicamente as competências e habilidades necessárias àqueles que optem pelas vagas
trabalho oferecidas. Para isso, foi necessário primeiramente identificar e analizar uma
primeira amostra de 200 vagas anunciadas por empresas brasileiras por meio da Internet
durante o ano de 2010. Os anúncios eram exclusivamente relacionados com serviços de
informação-documentação em empresas e instituições. A amostra serve de exemplo para
a mineração de dados (APPLEGATE, R., 2010) e sua análise está sendo ampliada a mais
1800. Este capítulo apresenta, portanto, a primeira amostra de resultados obtidos na fase
de coleta de dados e análise de alguns aspectos oferecidos por esses dados.
1. Objetivos
Seguiu-se o método descendente (JAGERMAN, 2006) para gerar as classes da
taxonomia. Para isso, foi necessário contar com uma estrutura de classificação, à qual
foram relacionados os conceitos a serem agregados. Essa estrutura taxonômica foi composta
originalmente pelas descrições existentes nos programas das disciplinas ministradas
pelo Departamento de Biblioteconomia e Documentação da Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), juntamente com as que constituem as
eurocompetências em português (INCITE, 2005). Posteriormente, suas expressões foram
revisadas tendo em vista o português brasileiro.
Para fins deste capítulo, extraiu-se manualmente o vocabulário contido nos
anúncios de trabalho (STARR, 2004), por meio de um processo de busca, identificação
e normalização das ocorrências. A identificação dos conhecimentos que eram solicitados
nesse tipo de anúncios seguiu as propostas de Cloonan-Norcott (1989) e Brimsek (1991).
Tomando-se como parâmetro a primeira estrutura taxonômica, foram selecionadas 200
ofertas de emprego aparecidas durante o ano de 2010 nos portais:
competências e atitudes exigidas pelo mercado de trabalho brasileiro
2. Metodologia
Por um novo profissional para o setor de Informação-Documentação:
Para realizar a taxonomia de competências, é necessário começar por classificar e
hierarquizar os requisitos feitos por esses anúncios. Para isso, devem-se cumprir os seguintes
objetivos:
- Selecionar um corpus de anúncios aparecidos na Web no Brasil;
- Tratar os conceitos neles contidos;
- Identificar as exigências de contratação por parte das empresas;
- Determinar os componentes ocupacionais e os novos perfis demandados.
201
Catho: http://www.catho.com.br/
Portal do bibliotecário: http://www.portalbibliotecario.com.br/.
A busca foi feita nos anúncios de perfil profissional cujo título contivesse os termos
bibliotecário, arquivista, museólogo ou documentalista. Foram selecionadas apenas aqueles
que contassem com descrição de tarefas e competências. Todos os sinônimos encontrados
foram aceitos, pois servem para expressar um conceito (CARLSON-NIRENBURGM,
1990). A amostra analizada foi suficiente para fornecer dados que permitem fazer uma
primeira projeção das competências e habilidades requisitadas.
Durante o processo, verificou-se a correção ortográfica e os campos vazios foram
eliminados. Revisou-se também a normalização das formas de entrada nos campos de
descrição. A partir daí, passou-se a considerar a informação que era relevante.
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
3. As competências mais requisitadas
202
Ao selecionar todos os termos aparecidos nas ofertas, foi possível transferir toda
a taxonomia da informação. Assim, ao relacionar todos os sinônimos com seu termo
escolhido, foram preparadas as futuras recuperações automáticas, de forma a se atingir
uma boa precisão (Z39.19: 2005).
Um primeiro comentário nos leva a determinar que o emprego praticamente se
estende a todos os setores de atividade (QUINT, 2009). Com somente 200 anúncios, foi
possível identificar 23 setores que apresentaram 75 diferentes descrições de empresas.
Os setores vão desde a alimentação aos restaurantes de comida rápida, passando pelos
serviços mais diversos, os recursos humanos, a construção e até peças de reposição para
automóveis. Destaca-se o número de ofertas de emprego em Educação/Idiomas, que
alcança 23,5%, reflexo do peso do ensino privado no sistema educativo brasileiro. Também
são representativas a demanda relacionada com Informática, setor do qual provêem 19%
das colocações, e a das empresas Provedoras de Serviços, 16%. Cerca de 10% ofereceram
os Recursos Humanos,enquanto que o agrupamento de ramos Jurídico/Auditoria/
Consultoria teve 7% e a área de Saúde 4,5%.
Tabela 1 - Solicitação de experiência
3.1. Conhecimentos mais destacados
Esta tabela agrupa em cada entrada uma classe inteira da taxonomia. O termo que
define a classe é o que aparece aqui. Em cada uma delas são consideradas as atividades,
conhecimentos e tarefas mais concretas e específicas.
competências e atitudes exigidas pelo mercado de trabalho brasileiro
A necessidade de experiência para obter uma colocação é solicitada em 53 ocasiões
para os Arquivos, tanto genericamente, como para arquivos de empresa, escritórios de
advocacia, de saúde, e inclusive para o uso de ferramentas Windows em arquivos. Nas
Bibliotecas, aparece como exigência 59 vezes, tanto para o exercício profissional como em
diferentes atividades, funções e serviços. O caso das bibliotecas escolares é muito destacado.
Muitas vezes, também é um diferencial ter trabalhado em escritórios de advocacia. Ou
conhecer os procedimentos de avaliação do Ministério de Educação e Cultura, contar
com experiência em normalização, na área administrativa o u na Gestão eletrônica de
documentos. Somente em quatro vezes é pedida experiência em museus, tanto em práticas
administrativas como pedagógicas. Em Documentação, ela apareceu 21 vezes. Por ser uma
atividade mais recente no setor, oferece maior variedade de denominações. Assim, gestão
da informação e do conhecimento, técnicas de taxonomia e semântica, identificação e
modelagem dos processos de negócio e até como Operadores de processamento de
documentos. Em vista desses comentários, cabe refletir sobre a importância da experiência
para os recém formados, que deverão ser perspicazes para ir com a maior bagagem possível
de trabalhos anteriores quando respondam a um processo de contratação.
Por um novo profissional para o setor de Informação-Documentação:
Fonte: Autores
203
Tabela 2 - Atividades, conhecimentos e tarefas mais solicitadas
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
Fonte: Autores
204
Evidencia-se aquí uma atividade mista entre as técnicas tradicionais dos sistemas de
informação e as novas tarefas que colocam o profissional como gerador de informação,
intermediário nos processos de comunicação, responsável pela imagem e comunicação
institucionais e inclusive com participação direta nas atividades de formação e até nos
processos de marketing. A formação comercial é um perfil que aparece significativamente
no estudo, estando presente nas próprias Técnicas comerciais, mas também na Atenção aos
clientes e no Fornecimento de informações.
As atividades técnicas comuns mais às diferentes especialidades do setor ocupam
grande parte das funções mais requisitadas, em especial as que têm que ver com a atenção
aos clientes e usuários, pois, se somamos a elas as atividades próprias de treinamento de
usuários, alcançam uma extraordinária importância. Isso é demonstrado pelo fato de que o
conjunto de entradas sobre atenção e apoio a usuários e clientes alcançou um índice de 88
ocorrências. Ocupar este lugar de destaque é muito lógico, pois se compreende que, por se
tratarem de anúncios provenientes de empresas e instituições, resulta fundamental prestar
um bom serviço aos usuários e clientes. Trata-se de garantir a relevância dos produtos de
informação que necessitam ou de que façam um emprego correto das buscas, pelo que é
essencial que o profissional domine as técnicas de avaliação de recursos e serviços, assim como
assegure a qualidade dos serviços prestados (19 ocorrências). A ele podem ser acrescentadas
as 25 solicitações para treinamento de usuários em habilidades de informação, em vários
casos de aprendizagem das habilidades de recuperação e representação da informação, para
competências e atitudes exigidas pelo mercado de trabalho brasileiro
Por um novo profissional para o setor de Informação-Documentação:
transferi-los à atividade docente e de pesquisa (como defende Tiana, 1997). Não restam
dúvidas da importância que tem para as organizações treinar seus membros no uso e
na gestão da informação. Mas também os clientes ou usuários externos. O impacto das
unidades de informação obriga ao aperfeiçoamento contínuo de nossa prática profissional
e ao compromisso com os usuários para a aquisição de habilidades e destrezas na busca e
compreensão da informação.
Estamos entrando na mercadotecnia, pois se depende do departamento de vendas
para solucionar qualquer dúvida dos clientes, mas também de atenção ao que pedem por
meio dos pontos de atendimento, para atender às solicitações de informação sobre ofertas
de serviços. Diretamente, as técnicas comerciais apareceram em 17 ocasiões.
Por trás do bloco de atenção aos usuários aparecem, com notável presença, as
técnicas de aquisição, possivelmente por ser um dos pontos mais pedidos nas vagas para
profissionais de biblioteca. Logo em seguida vêm as atividades de digitalização de acervos.
A necessidade de digitalizar afeta a todos os tipos de empresas e a todas as técnicas de
preservação, tratamento e transmissão de informação. Por isso, sua significação nas atuações
profissionais apresenta um indubitável crescimento.
De caráter mais técnico é a seção que agrupa as tarefas de Organização, conservação
e preservação (coincidindo com o afirmado por Heimer, 2002). Também é muito relevante
a ocorrência do contexto legal e administrativo da atividade profissional, que integra
conhecimentos sobre estrutura, funcionamento, missão, políticas, objetivos, produtos e
serviços das unidades de informação.
Outra exigência destacada é a preparação para a Gestão de recursos humanos,
característica dos níveis de maior responsabilidade. Aparece como enfoque desejável associar
a visão estratégica com uma excelente gestão de recursos humanos. A visão estratégica
associada ao conhecimento da indústria e à intuição de mercado são as únicas formas
de determinar que qualificações e capacidades serão necessárias no futuro. Além disso,
será necessário que a organização saiba quais são as capacidades de cada pessoa e como
relacionar os investimentos em recursos humanos com as habilidade e o conhecimento
necessários. Constata-se, assim, que o futuro dos profissionais da informação dependerá do
valor que possam agregar à sua instituição (como defendeu Barden, 1997). De forma que
deverão estar muito capacitados:
•Nas habilidades tecnológicas e na gestão de sistemas de informação.
•Na atenção próxima e eficaz às necessidades dos usuários.
•No armazenamento, na gestão e na recuperação dos suportes de informação.
205
Especialmente para cumprir esta última e ampla capacitação de nível operacional
estariam as exigências das empresas no que se refere aos processos de gestão, avaliação,
seleção, catalogação e descrição, classificação, organização, circulação e empréstimo,
indexação e resumo. Cada um desses processos vem determinado pelo tipo de empresa no
qual se levará a cabo, com normativas específicas e tratamento diferenciado conforme se
trate de arquivos, bibliotecas, centros e documentação e inclusive de museus.
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
Tabela 3 - Processamento técnico
206
Fonte: Autores
Esta tabela atende à solicitação de tarefas mais concretas, com uma presença
marcante das técnicas operacionais profissionais. As entradas mostram uma relação
imediata com os programas dos cursos de graduação na sua atenção às disciplinas técnicas.
Sobre elas se baseia a estrutura da profissão, pois concedem as capacidades relacionadas
com o tratamento e processamento documental.
No âmbito das Tecnologias da Informação, o conhecimento mais solicitado
foi o de Sistemas automatizados de informação. Conjuntamente ao saber manipular
automaticamente os dados nos diferentes processos técnicas, aprecia-se a habilidade técnica
e a boa compreensão das ferramentas informáticas para dominar o ambiente tecnológico e
os processos em transformação. Daí a necessidade de saber disseminar informação por meio
da Internet e de organizar informação em bases de dados. Estas habilidades exigem também
dominar as técnicas multimídia, saber navegar pelas redes de comunicação e conhecer em
profundidade as normas, formatos e métodos normalizados de descrição, apresentação e
transmissão. Trata-se, em conclusão, de saber gerenciar os conteúdos e a edição de bases de
dados em linha, tanto para Internet como para Intranet (MOREIRO, 2009). Sem esquecer
que o ambiente tecnológico profissional requer saber aplicar o Software documental, com
reiteração para o caso do programa Pergamum.
Tabela 4 - Conhecimentos destacados em tecnologias da informação.
Se relacionarmos estas exigências com as habilidades em Ofimática e com a
desenvoltura para trabalhar com Linguagens de Programação, vê-se com clareza como
está aumentando o peso dos conhecimentos informáticos, cada vez mais para além do
que se pediria a um usuário de informática comum. Nesse sentido, é particularmente
significativa a presença de onze solicitações de conhecimento sobre “Técnicas de edição
Web”. Encarregar-se da gestão dos conteúdos e de seu posicionamento na Web requer
um compromisso de atualização constante, pois sua visibilidade reflete de imediato na
empresa ou entidade que se vê representada na arquitetura escolhida e nos conteúdos
expostos. Cremos que a ocorrência de casos nesta seção é muito escassa ainda, como se
deduz dos resultados deste mesmo projeto para o caso espanhol, no qual foi a tarefa mais
solicitada e que reflete um perfil de atividade estreitamente unido às tarefas informáticas
(MOREIRO, 2009). Talvez estejamos deixando alguns setores de atividade (Arquitetura
Web, Posicionamento SEO,…) para os informáticos. Vemos esses setores com uma atitude
bastante negativa, quando na realidade entram em cheio em nossas tarefas por se tratar da
criação, manutenção e atualização de conteúdos. Existem âmbitos fronteiriços nos quais
competências e atitudes exigidas pelo mercado de trabalho brasileiro
Fonte: Autores
Por um novo profissional para o setor de Informação-Documentação:
207
sempre iremos competir com outros profissionais e devemos fazer isso sem medo, desde
que contemos com a preparação necessária.
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
4. Atitudes Instrumentais
208
Trata-se de destrezas e habilidades cuja posse devem demonstrar aqueles que se
candidatem a uma das colocações de trabalho convocadas (RUÉ, J., 2007). Englobam a
“capacidade de análise e síntese”, com uma escassíssima presença de só quatro entradas em
todo o corpus de anúncios; assim como a “capacidade de organização”, que é solicitada em
dez ocasiões; e a “capacidade de comunicação oral e escrita”, cuja importância se destaca
ao aparecer 19 vezes.
Sem dúvida, o avançado conhecimento tecnológico e o domínio de outras línguas,
além do domínio da técnica, fazem com que o salário possa dobrar em relação às demais
ofertas de colocações.
No conhecimento de línguas estrangeiras, deve-se salientar a importância do domínio
fluente do inglês. Sua ocorrência de máxima exigência é três vezes maior que os casos de
espanhol. O emprego correto do inglês resulta definitivo na hora de optar pelas melhores
propostas salariais e de trabalho (já comprovado em Duarte, 2010). Se expressar em inglês
está se tornando um requisito comum, dominá-lo és conclusivo para alcançar as vagas mais
desejadas. Se, além disso, coincide com um espanhol avançado, a vantagem é grande.
Tabela 5 - Colocações mais bem remuneradas.
Fonte: Autores
A oferta de emprego para os profissionais da Informação-Documentação pode vir de
qualquer setor de atividade empresarial e institucional.
Muitos anúncios solicitam experiência aos candidatos. A solicitação pode se fazer
com relação a trabalhos prévios em arquivos, bibliotecas ou centros de documentação em
geral, ou especificando a especialidade desses centros, assim como as tarefas e atividades
nas quais se tem conhecimento prévio.
Se avaliamos os requisitos que aparecem nos anúncios analisados, pode-se inferir as
principais competências que os estudantes devem adquirir na Universidade para sair dela
competências e atitudes exigidas pelo mercado de trabalho brasileiro
Considerações Finais
Por um novo profissional para o setor de Informação-Documentação:
A metade destas colocações exige experiência nas atividades e serviços a serem
desempenhados, três o fazem em tarefas de coordenação e gestão, assim como outras duas
no uso de sistemas informáticos. O conhecimento em Programação, o desenho Web ou
o domínio técnico de sistemas, junto a outros requisitos em tecnologias da informação
são uma garantia para qualquer empresa. Ainda assim, pede-se um bom conhecimento
da gestão empresarial em quatro casos, em três coordenação e execução de pesquisas e
projetos, e inclusive uma pede um alto nível na prática técnica (como viu antes Fallis,
2008). Em sete ocasiões é exigida a capacidade e coordenação e de supervisão dos processos
técnicos, assim como o conhecimento das normas internacionais do setor (OLIVEIRA,
2006). Muita importância é concedida à capacidade de comunicação oral e escrita, assim
como ao domínio de línguas estrangeiras, de forma que, entre seus requisitos, repete-se
dominar a expressão oral e escrita em português ou espanhol, e de maneira destacada em
inglês. Quando não também noções de inglês, espanhol ou francês. Inclusive, uma dessas
colocações é para um “Bibliotecário bilíngue”.
Anteriormente se falou também das habilidades informáticas. Sua presença é alta e
diversificada. Nas 63 entradas sobre esses aspectos os bons conhecimentos informáticos em
geral são apreciados, mas também os relacionados com produtos específicos, como Prolink,
Excel, Adobe, ou o pacote do Office.
Com respeito às competências pessoais, destacam-se nos anúncios a “Capacidade
de comunicação interpessoal”, com doze ocorrências. Seguem-se a “Formação para ações
pedagógicas”, com nove, e o “Trabalho em grupo”, com seis. No caso das competências
sistémicas, aparecem oito vezes “Iniciativa”, três “Atenção aos clientes” e “Liderança”, duas
“Criatividade”, e uma vez “Flexibilidade”.
209
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
210
com um nível aceitável de atividade profissional:
A preparação técnica que permita realizar com desenvoltura as atividades e funções
mais próprias do setor. Neste sentido, destaca-se quando tem que ver com a atenção
e treinamento de clientes e usuários, com as técnicas de aquisição e com os processos
de digitalização. Em especial, o tratamento e gestão de suportes digitais ocupou um
amplo espaço dos anúncios, pelo que se conclui que têm que ser atendidos com maior
importância nos programas dos cursos de graduação. Outro grupo notório aproxima as
tarefas de Organização, Conservação e Preservação dos acervos. Assim como a atenção aos
conhecimentos sobre o contexto legal e administrativo da profissão. Continuam a ter a
importância de sempre as técnicas de tratamento, como catalogação, descrição, indexação,
resumo, classificação, arquivo, gestão e desenvolvimento de coleções…
As tecnologias da informação aparecem como ferramentas e processos imprescindíveis.
No que diz respeito a elas, solicita-se desde o domínio da ofimática até um emprego avançado
da tecnologia, com clara vantagem dos programas e serviços automatizados relacionados
com os sistemas de informação. E se destaca também a importância do desenho e criação
de páginas web, assim como contar com um nível notável de usuário em Internet ou
ser especialista na criação, gestão e manipulação de bases de dados, junto à presença de
ambientes tecnológicos concretos.
Outro fator decisivo é conhecer a organização e gestão empresarial. Tanto para as
tarefas de gestão de processos e de recursos humanos, como de organização eficaz das
unidades de informação, assim como para integrá-las ativamente na gestão das empresas
a que servem. Alcança grande destaque o trabalho nos Centros de documentação
de negócios e na gestão de projetos, para os quais se necessita dominar as técnicas de
apresentação e elaboração de propostas. Aparece um novo profissional gerador, por vezes
intermediário, nos processos de informação e comunicação, que participa diretamente na
gestão das empresas e nas atividades de formação. A visão estratégica vem associada ao
conhecimento da indústria e à intuição das linhas que seguirá o mercado, como únicas
formas de determinar que qualificações e capacidades serão necessárias no futuro. Devido
à especialização nas atividades desenvolvidas, os candidatos necessitam ter conhecimentos
específicos de natureza pedagógica, jurídica, económica, de saúde…
Pode-se notar um grupo de aptidões provenientes das relações humanas, das
atitudes sociais e da comunicação interpessoal. Entre elas a capacidade de comunicação,
a facilidade para as relações públicas, o domínio da expressão oral e escrita, assim como o
conhecimento de línguas estrangeiras, particularmente do inglês. Além de outras atitudes
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profissional e competências de informação em Biblioteconomia e Documentação: pesquisa
competências e atitudes exigidas pelo mercado de trabalho brasileiro
REFERÊNCIAS
Por um novo profissional para o setor de Informação-Documentação:
de caráter pessoal e de outras habilidades criativas que marcam a idoneidade para os postos
oferecidos.
Os anúncios supõem que os candidatos possuem uma série de qualidades técnicas
adquiridas entre as competências básicas que outorgam os cursos universitarios, mas
além disso lhes pedem, em geral, um alto manuseio da tecnologia e a adaptação a sua
evolução, bem como conhecimento da ofimática e seu software mais habitual, experiência
em ambientes tecnológicos concretos, um nível cultural próprio de quem passou pela
universidade e, em exigência crescente, um bom domínio de idiomas.
Não se observa uma demanda importante por um dos aspectos mais peculiares de
nossa profissão, aspecto esse derivado de seu caráter de aplicação social. De fato, resulta
estranho não encontrar maior representação das competências sociais e políticas, que
refletem a função que os sistemas de informação devem cumprir no fomento da educação,
da cultura e do desenvolvimento. Escasseia, por tanto, a demanda por aquelas atitudes
de sensibilidade em relação ao comportamento com a comunidade a que se atende, de
ética profissional e de compromisso social que o mundo atual parece reclamar, tal como
identificou Valentim (2000). Pelo contrário, existem referências à responsabilidade e ao
trabalho em equipe.
211
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Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
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Capítulo 10
INFORMAÇÃO, CONHECIMENTO E
SERVIÇO PÚBLICO: UM ESTUDO
DE CASO EXPLORATÓRIO COM
CONTRIBUTOS PARA A GESTÃO DA
INFORMAÇÃO E DO CONHECIMENTO
NA CÂMARA MUNICIPAL DE VISEU
Sofia Vasques
Maria Manuel Borges
M. Cristina Vieira de Freitas
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
E
214
ste trabalho enquadra-se na área da Gestão do
Conhecimento entendida como um processo que visa
a criação, armazenamento, disseminação e utilização
do Conhecimento, integrando pessoas, sistemas e tecnologias,
fontes de Conhecimento internas e externas, alinhado com os
objetivos da organização. De acordo com Nonaka & Takeuchi,
a Gestão do Conhecimento prevê a existência de quatro formas
de conversão do Conhecimento (socialização, externalização,
combinação e internalização) que se revelam essenciais para que
a sua implementação na organização tenha êxito. Os principais
objetivos desta disciplina prendem-se com a organização de
um ambiente positivo onde a criação, a transferência e o uso
do Conhecimento sejam valorizados, com a conceção de
repositórios de Conhecimento, e com a melhoria no acesso à
Informação e ao Conhecimento.
A revisão bibliográfica realizada para este trabalho, explorada mais adiante, permite
concluir que, de uma forma global, a abordagem à Gestão do Conhecimento é mais
evidente no âmbito empresarial, mas tem-se assistido, nos últimos anos, a uma gradual
preocupação das instituições públicas com esta área, atentas à modernização administrativa
e à satisfação dos cidadãos, que passaram a ver vistos como clientes e não meros utentes,
o que veio alterar as prioridades, a abordagem, e as políticas administrativas. Por outro
lado, o próprio cidadão está mais consciente dos seus direitos e exige serviços públicos de
qualidade, eficientes e transparentes.
É neste contexto de mudança de paradigma que se enquadra este trabalho, que visa
não só contribuir para a investigação na área da Gestão do Conhecimento em organismos
públicos, como estudar a aplicação dos seus fundamentos numa organização concreta,
a Câmara Municipal de Viseu. Assim, pretende-se analisar o impacto das práticas de
modernização administrativa e da utilização de Tecnologias de Informação e Comunicação
(TIC) na instituição referida, e apresentar propostas que integrem e potencializem as
ferramentas existentes. Tais propostas visam constituir o ponto de partida para uma nova
abordagem da Gestão da Informação e do Conhecimento na Câmara Municipal de Viseu.
A constatação de que transformar o volume de Informação produzido em
Conhecimento é um dos desafios que se impõe às organizações, que o acesso ao
Conhecimento por parte dos decisores é uma das premissas da Gestão do Conhecimento,
Municipal de Viseu
A revisão da literatura permitiu verificar que dentre os autores que refletem
sobre o tema, uma grande parte começa por expor os conceitos de Dado, Informação e
Conhecimento de uma forma estratificada, referindo que a análise dos Dados (por exemplo
tabelas, gráficos e relatórios) pode dar origem à Informação que, por sua vez, quando
devidamente aplicada, se converte em Conhecimento. O Conhecimento é apresentado,
desta forma, como algo mais do que Informação, porque envolve o entendimento obtido
através da experiência e da aprendizagem (Martins, 2010, 17).
Nesta linha, Almeida (2007) refere que os Dados são factos, descrevem
acontecimentos, mas não os interpretam. Os mesmos convertem-se em Informação
quando lhe são atribuídos significados, quando se associam a algo e se contextualizam.
O Conhecimento ocorre quando se compreendem as relações de padronização entre os
Dados e a Informação, assim como as suas implicações.
com contributos para a Gestão da Informação e do Conhecimento na Câmara
1. Os Fundamentos da Gestão do Conhecimento
Informação, Conhecimento e Serviço Público: Um estudo de caso exploratório
e que a classificação arquivística se pode considerar um processo de organização da
Informação e do Conhecimento leva-nos a propor (i) a conceção de um portal corporativo
que congregue as várias ferramentas colaborativas e que possibilite uma fácil partilha
da Informação/Conhecimento a todos os interessados e (ii) a criação de uma unidade
de missão para a gestão do arquivo corrente e, consequentemente, a elaboração de um
instrumento que promova o acesso direto à Informação e indireto ao Conhecimento - um
plano de classificação parcial para o arquivo corrente, considerando que a organização
investigada não dispõe, neste momento, de nenhum.
De referir que, estruturalmente, este trabalho divide-se em três partes. Na primeira
parte concretiza-se o enquadramento teórico-científico da Gestão do Conhecimento.
Apresenta-se a revisão bibliográfica efetuada, acentuando os conceitos implícitos, os
objetivos, a relevância e os sistemas de suporte da Gestão de Conhecimento. Na segunda
parte são referidos alguns elementos subjacentes à modernização administrativa em curso
nas últimas décadas, e apontados exemplos da aplicabilidade dos fundamentos da Gestão
do Conhecimento em organismos públicos. Na terceira e última parte apresenta-se o
estudo de caso realizado na Câmara Municipal de Viseu, que começa com a caraterização
da organização em análise e finaliza com a apresentação de propostas que, espera-se, vão ao
encontro de uma mudança positiva na cultura organizacional, e contribuam para a criação,
partilha, acesso fácil e célere da Informação e do Conhecimento.
215
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
216
A mesma perspetiva é-nos dada por Sarmento & Correia (2002), que descrevem
Dados como registos, que se transformam em Informação quando contextualizados e
interpretados. Por sua vez, a associação entre os Dados e a Informação é suscetível de
gerar Conhecimento. Apesar de os Dados, intrinsecamente, não apresentarem significado
nem interpretação, são a base para criar Informação. A combinação e a organização
de determinados Dados permitem a obtenção de Informação que se transforma em
Conhecimento quando imbuída de interpretação, reflexão e síntese (Pinheiro, 2007, 61).
Cong & Pandya (2003, 26) referem que os conceitos de Dado, Informação e
Conhecimento são vulgarmente confundidos, apesar de possuírem significados diferentes.
Os Dados são entendidos como meros factos, que apenas ganham valor quando são
processados e, quando isso acontece, convertem-se em Informação. O Conhecimento é
entendido como Informação relevante, com significado, que resulta de comparações, da
identificação de consequências e de conexões. Os Dados e a Informação diferenciam-se
pelo tipo de organização, e a Informação e o Conhecimento distinguem-se pelo teor de
interpretação. De referir que estes autores acrescentam um quarto elemento: a Sabedoria
(Wisdom), que é a consequência do Conhecimento acumulado. Desta forma, é estabelecido
um processo contínuo entre os Dados, na base, e a Sabedoria, no topo, da pirâmide.
Outros conceitos que importa discutir, porque são operacionalizados neste trabalho,
são os de Gestão de Documentos, Gestão da Informação e Gestão do Conhecimento.
Refira-se que se entende por Gestão de Documentos a execução de determinadas tarefas
que compreendem todas as fases do ciclo de vida dos documentos, tendo por objetivo a
eficiência e a eficácia na criação, avaliação, aquisição, organização, preservação, acesso e
comunicação de arquivos (Portugal, 1997).
Por seu lado, a Gestão da Informação apresenta-se como um conjunto de operações
que tem por objetivo, numa primeira fase, o reconhecimento das necessidades da
organização ao nível da Informação para, numa fase posterior proceder-se à sua recolha,
organização, custódia e distribuição, tendo em vista o apoio à tomada de decisão e ao
desenvolvimento de atividades rotineiras.
Desta forma, a Gestão de Documentos prende-se com a realização de determinadas
tarefas, tendo por objetivo a organização, a preservação, a comunicação, a avaliação, a
seleção e a eliminação de documentos, e a Gestão da Informação com ações de diagnóstico
de necessidades de Informação e com o armazenamento e o acesso à Informação produzida
e recebida pela organização.
Choo (2003) entende por Gestão da Informação “a gestão de uma rede de processos
que adquirem, criam, organizam, distribuem e utilizam Informação” (Choo, 2003, 20). O
autor salienta que o seu objetivo é transformar Informação em Conhecimento, abrangendo
processos, recursos e tecnologias. Ainda faz uma interessante analogia com o corpo humano,
referindo que o objetivo da Gestão da Informação é criar procedimentos que funcionem
como o sistema circulatório, ao selecionar e difundir a informação importante, e como o
sistema nervoso, ao sintetizar a informação que é introduzida, transformando-a em valor
para a organização (Choo, 2003, 326).
A Gestão do Conhecimento, por outro lado, visa a criação, a aquisição, a partilha e
a utilização de ativos de Conhecimento, que auxiliem na tomada de decisões, na criação de
ideias e na resolução de problemas da organização, representando, pois, um passo adiante,
nos processos e objetivos institucionais.
Municipal de Viseu
com contributos para a Gestão da Informação e do Conhecimento na Câmara
Inicialmente, cumpre referir que o conceito de Conhecimento é indissociável do
autor Michael Polanyi (1881-1976), figura incontornável na área e uma das referências
teóricas mais relevantes no âmbito do desenvolvimento do conceito.
Na obra The Tacit Dimension (Polanyi, 1966), o autor refere a importância do
Conhecimento tácito, isto é, o tipo de Conhecimento que possuímos mas não conseguimos
explicar, ideia que expressa na emblemática frase we know more than we can tell (Polanyi,
1966, 4). Polanyi (1966) foi o primeiro investigador a debater, a desenvolver e a constatar a
importância decisiva deste tipo de Conhecimento, que descreveu como pessoal e de difícil
comunicação, em oposição ao Conhecimento explícito, que é sistematizado e pode ser
formalizado em textos, desenhos, bases de dados ou publicações.
Por influência de Polanyi, Nonaka & Takeuchi reconhecem, em definitivo, a diferença
entre Conhecimento tácito e Conhecimento explícito, acentuando a importância da sua
gestão, como se verifica na obra The Knowledge Creating Company (Nonaka & Takeuchi,
1995). Segundo os autores, ambas as definições do Conhecimento complementam-se.
Enquanto o Conhecimento explícito pode ser transmitido numa linguagem sistemática
e formal, estando contido em manuais e normas, o Conhecimento tácito é aquele que
o individuo possui, mesmo que não tenha consciência de que o detém. É obtido pela
experiência, sendo comunicado, indiretamente, por metáforas e analogias.
Nonaka & Takeuchi (1995,15) afirmam que a criação do Conhecimento
organizacional acontece na conversão do Conhecimento tácito em explícito, e deste em
Informação, Conhecimento e Serviço Público: Um estudo de caso exploratório
1.1 A relevância da Gestão do Conhecimento
217
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
218
tácito, e identificam os protagonistas desse processo, defendendo que não deve haver um
determinado setor responsável pela sua conceção, atribuindo a todos os colaboradores um
papel, pois o Conhecimento é um produto que resulta da interação entre todos. Identificam
os trabalhadores de primeira linha, que se preocupam com os detalhes de determinados
produtos, mercados e tecnologias; os gestores de topo, que produzem instrumentos
orientadores; e os gestores intermédios que sintetizam o Conhecimento tácito, a partir
destes dois grupos, transformando-o em Conhecimento explícito e incorporando-o em
novos produtos e tecnologias.
Deste modo, a criação de Conhecimento organizacional é fruto da conversão
do Conhecimento tácito em explícito, e vice-versa, num processo em espiral (Figura 1),
que envolve tanto a dimensão epistemológica (que pressupõe quatro modos possíveis de
conversão entre os dois tipos de Conhecimento: socialização; externalização; combinação e
internalização) como a dimensão ontológica (que prevê quatro níveis de agentes criadores
de Conhecimento: o indivíduo; o grupo; a organização e o nível interorganizativo).
Nonaka & Takeuchi desenvolveram o processo em espiral - Socialização,
Externalização, Combinação e Internalização (SECI) -, para explicar a criação do
Conhecimento através das quatro formas de conversão entre o Conhecimento tácito e
o Conhecimento explícito (Martins, 2010, 41-43): (i) a Socialização (de Conhecimento
tácito para Conhecimento tácito), que pressupõe a aquisição de Conhecimento através da
experiência; (ii) a Externalização (de Conhecimento tácito para Conhecimento explícito)
onde o Conhecimento pode ser partilhado (através da reflexão ou diálogo) por outros
indivíduos, gerando novo Conhecimento; (iii) a Combinação (de Conhecimento explícito
para Conhecimento explícito), que acontece quando o Conhecimento explícito é processado
de forma a ser distribuído por outros indivíduos; (iv) a Internalização (de Conhecimento
explícito para Conhecimento tácito), que acontece quando o Conhecimento explícito é
distribuído por todos os membros de uma organização, convertendo-se em Conhecimento
tácito, podendo iniciar uma nova espiral de criação de Conhecimento.
No âmbito da definição de Conhecimento, referimos, ainda, a perspetiva de Choo
(2003, 281) que, além do Conhecimento tácito e do Conhecimento explícito, reconhece
o Conhecimento cultural como algo fundamental para obter a coesão organizacional.
Deste fazem parte as convicções e os pressupostos, as convenções e as expectativas, aspetos
necessários “para atribuir valor e significado a Informação e Conhecimentos novos” (Choo,
2003, 281).
Figura 1 – Espiral do Conhecimento de Nonaka & Takeuchi
Municipal de Viseu
com contributos para a Gestão da Informação e do Conhecimento na Câmara
Para o autor, a organização inteligente será aquela que consegue congregar e gerir
estas três formas de Conhecimento. Será uma “organização aprendente” que se propõe
atingir os objetivos num ambiente competitivo e em mudança, ajustando a sua conduta ao
autoconhecimento e à perceção do universo onde atua.
Mentzas, Apostolou, Abecker & Young (2003) referem que, na atual economia do
Conhecimento, grande parte das organizações dependem do desenvolvimento, utilização e
distribuição de competências baseadas no próprio Conhecimento, para manter o seu valor
e competitividade. Cada vez mais, as organizações necessitam de desenvolver estratégias,
processos e instrumentos para a criação, transferência e desenvolvimento deste que vem
sendo considerado como o principal recurso estratégico do futuro. O desafio é encontrar
soluções que auxiliem as organizações a desenvolver, a beneficiar e a gerir o imenso
potencial do seu Conhecimento, para que criem novos instrumentos e medidas para a sua
reinvenção e inovação, de forma a destacarem-se no contexto.
Neste sentido, consideram que tanto o Conhecimento explícito como o
Conhecimento tácito são importantes e trazem valor para a organização. É do resultado da
conversão do Conhecimento tácito em explícito e do Conhecimento explícito em tácito
que surgem a criatividade e a inovação na organização.
Drucker (1993), ao descrever a sociedade pós-capitalista, também enfatiza o
Conhecimento, apresentando-o como o recurso económico básico das organizações,
deixando para segundo plano os recursos tradicionais (trabalho, capital e recursos
Informação, Conhecimento e Serviço Público: Um estudo de caso exploratório
Fonte: www.dgz.org.br
219
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
220
naturais). Para o autor, na “Sociedade do Conhecimento” o valor assenta na inovação e na
produtividade, e os principais grupos sociais são os “trabalhadores do Conhecimento”, os
“profissionais do Conhecimento” e os “empregados do Conhecimento”. O Conhecimento
é, assim, segundo o autor, a nova base da concorrência nessa sociedade.
Davenport & Prusak (1998) afirmam que o elevado interesse pela área do
Conhecimento deve-se a diversos fatores, nomeadamente à constante mudança, à
competitividade, à exigência dos consumidores, o que leva as organizações a procurarem a
vantagem que lhes permitirá sobressair.
Martins (2010) refere que o sucesso é possível numa “organização aprendente”, isto
é, aquela que utiliza o Conhecimento de todos os colaboradores e o partilha pela restante
organização. E o processo de transferência do Conhecimento revela-se, pois, fundamental
para a aquisição de vantagem competitiva.
Este reconhecimento da importância do Conhecimento para a inovação e mudança
organizacionais, partilhada por diferentes autores, vai estar na base dos projetos e iniciativas
de Gestão do Conhecimento, em crescimento desde o início dos anos noventa do século
passado.
No que respeita à evolução da área, Bustelo Ruesta & Amarilla Iglesias (2001)
referem que o conceito de Gestão do Conhecimento não é recente. Os fundamentos desta
disciplina foram abordados, pela primeira vez, nos finais do século XIX pelo economista
Alfred Marshall. No entanto, o desenvolvimento deste tipo de gestão nas organizações
apenas se torna uma realidade com a inovação tecnológica e com a Internet.
Entretanto, de acordo com Silva (2002), foi a partir da década de oitenta que a
relevância dada ao estudo da Gestão do Conhecimento se intensificou, em parte graças ao
advento do conceito de “Sociedade do Conhecimento” e de abordagens relacionadas com
a gestão estratégica e a aprendizagem organizacional.
Efetivamente, a transformação gradual da sociedade numa “Sociedade do
Conhecimento” coloca às organizações novos desafios e a necessidade de garantir uma
melhoria contínua tendo por base a inovação. Denota-se que as transformações e as
inovações tecnológicas estão a obrigar as organizações a operar rápidas mudanças nas
suas estruturas, a repensar as estratégias de negócio, as formas de gestão e de redes de
relacionamento, para manterem-se competitivas e adaptadas às características dessa nova
sociedade.
No âmbito deste estudo, a pesquisa bibliográfica realizada sobre a Gestão do
Conhecimento permitiu verificar a existência de vários pontos de vista e abordagens de
Municipal de Viseu
com contributos para a Gestão da Informação e do Conhecimento na Câmara
Informação, Conhecimento e Serviço Público: Um estudo de caso exploratório
autores de diferentes nacionalidades, vocações ou formações académicas que, de uma forma
geral, destacam a crescente importância do Conhecimento no âmbito das organizações. De
acordo com as suas asserções, a Gestão do Conhecimento apresenta-se como uma maisvalia para as organizações.
Terra (2011), por exemplo, indo na linha dos autores previamente referenciados,
menciona que a gestão proactiva do Conhecimento assume, atualmente, um papel fulcral
na competitividade das empresas e dos próprios países, sendo esta uma perspetiva diferente
daquela que era praticada no passado e que assentava em fatores como a localização, a
acessibilidade da mão-de-obra, a existência de recursos naturais e a disponibilidade do
capital financeiro. De acordo com o autor, a Gestão do Conhecimento tem um carácter
universal (aplica-se a qualquer organização), e promove a participação ativa, a comunicação
da administração, a mudança nos processos, nas estruturas, nos sistemas de informação
e no incentivo individual e coletivo. Deste modo, a Gestão do Conhecimento pode ser
uma mais-valia para as organizações, podendo aumentar a capacidade de gerar, difundir e
armazenar Conhecimento (Terra, 2011).
Rossetti, Pacheco, Salles, Garcia & Santos (2008) também salientam a importância
da Gestão do Conhecimento e afirmam que as mudanças operadas na “Sociedade do
Conhecimento” atingem diretamente as organizações, obrigando-as a repensar as estruturas,
as estratégias de negócios, as formas de gestão e as redes de relacionamento. De acordo
com os autores, no âmbito do projeto organizacional, é fulcral o papel dos indivíduos e da
tecnologia, apresentando-se as organizações, desta forma, como sistemas sociotécnicos, nos
quais o capital humano passa a ser, cada vez mais, valorizado.
Pérez-Montoro Gutiérrez (2003) alerta para o facto de estarmos perante a globalização
dos mercados, um cenário em que as empresas se veem forçadas a criar novas políticas de
aliança e de cultura organizativa para conseguirem adaptar-se a este novo e competitivo
ambiente. Desta forma, os ativos intangíveis apresentam-se como um valor acrescentado,
podendo garantir o bom funcionamento e a sobrevivência das empresas num mercado
globalizado.
É neste contexto económico que surge, de acordo com o autor, a Gestão do
Conhecimento, uma disciplina responsável, entre outros, pela conceção e implementação
de um sistema que visa capturar e partilhar, sistematicamente, o Conhecimento de uma
organização, de forma a ser convertido num valor para essa mesma organização. De uma
forma geral, o Conhecimento torna-se num valor para a organização quando contribui para
a persecução dos objetivos.
221
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
222
Mentzas, Apostolou, Abecker & Young (2003) referem que a Gestão do Conhecimento
pode ser considerada como uma nova disciplina que visa permitir que indivíduos, equipas
e organizações, de forma coletiva e sistemática, criem, partilhem e apliquem os ativos de
Conhecimento, de forma a atingir a eficiência, a agilidade, a competência e a inovação
organizacionais. Para os autores, a Gestão do Conhecimento é a chave para a inovação,
para a produtividade e para o crescimento.
De qualquer modo, cumpre ressalvar que as referidas opiniões sobre a Gestão do
Conhecimento não são de todo pacíficas nem generalizadas. Bustelo-Ruesta & Amarilla
Iglesias (2001) referem que existe alguma controvérsia, diferentes interpretações e
definições, e aproveitamento comercial à volta da Gestão do Conhecimento, o que levou
autores a apelidarem este tipo de gestão de uma contradição, de uma moda, que não traz
nada de realmente novo.
Pollard (2003) reflete sobre a temática e apresenta uma abordagem crítica sobre
a Gestão do Conhecimento. De acordo com o autor, esperava-se que a Gestão do
Conhecimento fosse capaz de melhorar, entre outros, o crescimento e a inovação nas
organizações, a produtividade, e o relacionamento com os clientes, mas, segundo ele,
apesar de o conceito ser bom e as expectativas serem altas, a sua aplicação prática, de
algum modo, falhou. Para o autor, a razão para esse insucesso foi a expectativa, demasiado
alta e irrealista, de que o comportamento humano organizacional poderia ser alterado, de
forma positiva, ao convencer as pessoas da relevância da captura, da partilha e do arquivo
do Conhecimento. Para Pollard (2003), a Gestão do Conhecimento ainda não provou ser
um elemento crítico ou uma chave diferenciadora, no que respeita ao conhecimento do
mercado, do negócio e das necessidades dos clientes e funcionários e ainda não demonstrou
nenhuma vantagem competitiva para as organizações que investiram nela.
Contudo, não existe unanimidade, já que há autores que apresentam a Gestão do
Conhecimento como um elemento chave na competitividade das organizações. Almeida
(2007, 50), por exemplo, refere que a Gestão do Conhecimento oferece vantagens de
diferenciação que advêm do capital intangível, decorrente da criatividade, da aptidão, do
instinto e da agilidade. A Gestão do Conhecimento está em consonância com a realidade da
sociedade atual, mais universal e interativa, e caracteriza-se por privilegiar o Conhecimento,
a criatividade e as aptidões dos trabalhadores, características importantes para conseguir a
vantagem competitiva.
A Gestão do Conhecimento deverá permitir a criação de competências e de valor.
Almeida (2007, 60) enfatiza a importância das organizações usarem o Conhecimento como
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com contributos para a Gestão da Informação e do Conhecimento na Câmara
Informação, Conhecimento e Serviço Público: Um estudo de caso exploratório
recurso estratégico e vantagem competitiva. Cabe aos gestores reconhecer os recursos e
as aptidões singulares, promover novas ideias, assim como a criatividade, o talento e a
inteligência emocional. Neste processo é também fundamental a correta utilização das TIC,
preservar o Conhecimento, distribuir experiências e saberes, e incorporar as organizações
em rede, onde o Conhecimento é partilhado e aperfeiçoado.
Pina (2010) identifica na bibliografia relacionada com a Gestão do Conhecimento os
benefícios que a sua prática pode trazer para a organização. O autor refere os três elementos
de mudança em que assenta cada benefício da Gestão do Conhecimento: o Conhecimento;
a tomada de decisão; e a execução de tarefas.
Do ponto de vista dos colaboradores, os benefícios da Gestão do Conhecimento
traduzem-se na partilha do Conhecimento, no processo de recompensa (financeiro ou
não), e no reconhecimento da organização, no status.
De uma forma geral, os benefícios que podem advir da sua prática são o aumento
da competitividade; a eficiência na tomada de decisão; a melhoria da resposta ao cliente;
a motivação dos trabalhadores; a melhoria da eficiência dos colaboradores, das operações,
dos serviços e dos produtos; e a inovação.
Outra perspetiva é-nos dada por Cong & Pandya (2003, 27) que referem que um
dos objetivos da Gestão do Conhecimento é perceber o que deve ser partilhado, como,
e com quem. Desta forma, a partilha do Conhecimento ganha importância quando este
é utilizado e reutilizado. A Gestão do Conhecimento produz valor quando existe um
ambiente de confiança e motivação que permite a partilha e utilização do Conhecimento,
quando existem processos para o localizar e criar e quando há tecnologia que permite
o seu armazenamento, localização e partilha, de forma a alcançar os objetivos de uma
determinada organização.
Como fica demonstrado, apesar de verificarmos alguma contracorrente, de uma
forma global, os autores consultados enfatizam a importância da Gestão do Conhecimento
para a inovação e mudança organizacionais, identificando três dos seus elementos chave:
os indivíduos, os processos e a tecnologia.
Em relação a este último, julgamos importante referir o estudo de Almeida (2007,
120-217) que identifica e desenvolve as principais ferramentas coadjuvantes da criação do
Conhecimento, sintetizadas no Quadro1.
223
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
Quadro 1 – Ferramentas de apoio à Gestão do Conhecimento
224
Fonte: Almeida, 2007.
Davenport & Prusak (1998) também refletem sobre as ferramentas de apoio à
Gestão do Conhecimento e destacam os mapas do Conhecimento, que o localizam mas
Municipal de Viseu
com contributos para a Gestão da Informação e do Conhecimento na Câmara
Informação, Conhecimento e Serviço Público: Um estudo de caso exploratório
não o contêm. Segundo os autores, para desenvolver uma ferramenta deste género é
necessário primeiro localizar o Conhecimento relevante da organização, para depois criar
um quadro que remeta para essa localização. Os mapas tanto apontam para pessoas, como
para documentos ou bases de dados. O seu principal objetivo é mostrar aos colaboradores
da organização como podem aceder às fontes do Conhecimento de que necessitam.
Ainda neste âmbito, refira-se o estudo de Mentzas, Apostolou, Abecker & Young
(2003, 5-8), que reconhecem duas diferentes abordagens, a saber, a do “produto” e a
do “processo”, e referem de que forma as particularidades de cada uma se refletem nos
instrumentos de apoio às iniciativas de Gestão do Conhecimento.
Assim, os softwares colaborativos utilizados no âmbito de iniciativas da Gestão
de Conhecimento que têm por base o “processo” visam a criação de locais de trabalho
virtuais e partilhados, onde pessoas com o mesmo objetivo podem interagir, partilhar
experiências e conhecimentos. Uma infraestrutura para a troca de mensagens e intercâmbio
de informações, na forma de serviços de correio eletrónico, com funcionalidades de
colaboração, tais como grupos de discussão, pastas partilhadas ou bases de dados e funções
de calendário e de agenda seria um bom exemplo. Os autores referem também, neste
âmbito, sistemas de Gestão Documental e workflow, que apresentam inúmeras vantagens
em processos que requerem várias pessoas a tratar um conjunto de documentos.
Por outro lado, o software que visa apoiar a abordagem do Conhecimento como
um “produto” fornece ferramentas para o armazenamento do Conhecimento, de
diferentes fontes, tais como sites da Internet e da intranet, servidores de arquivos, bases
de dados e sistemas de Informação, essenciais para encontrar informações relevantes para
o desempenho de algumas tarefas. Ainda segundo os autores, os sistemas baseados em
Conhecimento que visam substituir o raciocínio humano com Inteligência Artificial são
típicos de software de Gestão do Conhecimento centrado no “produto”. Estes sistemas
refletem este tipo de abordagem porque o seu papel é substituir (pelo menos parcialmente)
os seres humanos e o Conhecimento humano na realização de tarefas específicas.
Neste primeiro ponto quisemos deixar clara a distinção entre os conceitos de Dado,
Informação e Conhecimento, e entre os três patamares de gestão (de Documentos, de
Informação e do Conhecimento), explicação necessária para compreender a vantagem da
Gestão do Conhecimento nas organizações.
Procurámos, ainda, expor os contributos dos diferentes autores para a caracterização
da Gestão do Conhecimento, citar o modelo de criação do Conhecimento proposto por
Nonaka & Takeuchi, processo fundamental que deverá estar na base dos projetos de Gestão
225
do Conhecimento, e mencionar os diferentes sistemas de suporte.
De referir que o conteúdo desta primeira parte é a base teórica das propostas que
serão desenvolvidas no ponto três deste trabalho.
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
2. A aplicabilidade dos fundamentos da Gestão do Conhecimento em
organismos públicos em face dos princípios da New Public Management
226
A Reforma da Administração Pública, encetada no final dos anos setenta início
dos anos oitenta, teve como principal objetivo construir uma Administração Pública mais
eficiente e eficaz, preocupada com a melhoria dos serviços prestados e com a proximidade
aos cidadãos.
Terá sido o insucesso, no início da década de setenta, do Welfare State ou “Estado
Providência” (que se propunha resolver, em parte, os problemas económicos decorrentes
da II Guerra Mundial), que esteve na base da reforma administrativa, isto devido,
fundamentalmente, à recessão económica provocada pela crise petrolífera, e ao aumento
da despesa pública (Madureira & Rodrigues, 2006).
As reformas administrativas, acentuadas nas décadas de oitenta e noventa, baseavamse no conceito de que as organizações públicas deviam ser geridas de forma idêntica às
empresas privadas, tendo como principais objetivos a descentralização, a desregulação
e a delegação de competências. É neste contexto que surge a New Public Management,
com novos conceitos e instrumentos de gestão, que defendem a substituição da gestão
pública pela gestão empresarial, a descentralização, o controlo financeiro, a coordenação
orçamental e a importância dada ao consumidor (Madureira & Rodrigues, 2006).
As reformas do setor público assim obtidas caracterizaram-se, fundamentalmente,
pela utilização dos métodos no setor privado, com a introdução de fatores de concorrência,
o destaque na racionalidade económica e a valorização dos resultados obtidos (Mendes,
2001).
Com a New Public Management nasce a noção de “cliente” do serviço público, e
este novo conceito passa a comandar as decisões e os projetos na área. Este modelo denota
o esforço feito pelos governos, a partir da década de oitenta, para modernizar e tornar mais
eficaz o setor público. Este conceito baseia-se na tese de que uma gestão orientada para a
satisfação do cidadão contribui para uma maior eficiência de custos por parte dos governos.
No que respeita à sua evolução, as ideias e as ferramentas inovadoras promovidas pela
New Public Management, tendo em vista a aplicação de contratos de direito privado para
Municipal de Viseu
com contributos para a Gestão da Informação e do Conhecimento na Câmara
Informação, Conhecimento e Serviço Público: Um estudo de caso exploratório
prestar serviços públicos, começaram por ser implementadas no Reino Unido, nos inícios
dos anos oitenta, mas rapidamente se disseminaram por outros países como a Austrália,
a Nova Zelândia, a Finlândia, Suécia, a França e a Alemanha. Nos Estados Unidos da
América foram igualmente implementados os seus princípios, sob outra denominação.
Em Portugal foram tomadas as mesmas medidas reformistas, apesar do contexto
ser diferente daquele que caracterizava a generalidade dos países da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). De referir que é a partir da década de
oitenta que se pode falar, efetivamente, em reforma da administração pública portuguesa.
Esta teve como objetivos melhorar a ligação entre a Administração e os cidadãos, reduzir
os procedimentos administrativos e promover a formação dos trabalhadores públicos
(Araújo& Cândido, 2003).
Nos últimos anos é notória, em Portugal, a preocupação com a qualidade dos serviços
prestados ao cidadão, a orientação para os resultados, a introdução de novos instrumentos
de gestão de recursos humanos como a avaliação de desempenho e a mobilidade, e a
qualificação dos funcionários. No entanto, a aplicação destes princípios é complexa, muito
em parte devido a diferenças de base entre o setor público e o setor privado, a saber:
a clivagem entre a gestão empresarial e a gestão pública; a distinção entre consumidor
e cidadão; o facto de a descentralização, aliada à necessidade de controlo financeiro e
coordenação orçamental, trazer problemas à implementação de políticas públicas; e a
dificuldade em avaliar e medir a eficiência e a eficácia dos serviços públicos (Rocha, 2000).
A New Public Management pretende, em última análise, a responsabilização dos
agentes públicos, para que seja assegurada a satisfação das necessidades dos cidadãos, e
escrúpulo na gestão da “coisa pública”.
De acordo com Giacomo (2005), as TIC devem ser incluídas nas práticas da New
Public Management, dada a sua importância para as organizações e para a execução das
tarefas.
Não obstante a sua relevância, a implementação das reformas administrativas não
tem sido pacífica, e denota-se que as medidas preconizadas não foram e não são consensuais.
Efetivamente, apesar da reforma da administração pública acentuar a importância da adoção
de critérios de gestão privada na gestão pública, houve vozes críticas que acentuaram o fosso
entre os dois setores. São apontados obstáculos na identificação dos custos das atividades
e na avaliação de resultados com base em critérios objetivos, para além de se referir que os
novos paradigmas de gestão não são a solução para os problemas de prestação de serviços
públicos essenciais.
227
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
228
De mencionar que da leitura dos textos consultados retém-se que as diferenças entre
o setor público e o setor privado se acentuam nos seguintes pontos: objetivos (o interesse
público e o cumprimento de determinadas normas, para o serviço público, e o lucro e
os resultados para o privado); as limitações, de teor legal, impostas ao setor público; o
fator político que está presente na gestão pública; as diferenças nas relações de poder, nos
modelos organizacionais e na origem dos fundos; a concorrência, inerente ao setor privado.
No entanto, de acordo com Mendes (2001), apesar das diferenças verificadas entre
os dois setores, é possível adotar modelos de gestão similares, e a prova disso é o facto de a
Administração Pública ser gerida tendo por base planos de atividades, relatórios de gestão
e processos de avaliação de desempenho, e obter financiamentos em função dos resultados.
Em relação à realidade portuguesa, Mendes (2001) refere que estão estabelecidos, na
Administração Pública, princípios de gestão que fixam objetivos de eficiência, de eficácia e de
economia. O autor apresenta critérios que devem estar na base da reforma da Administração:
(i) descentralizar, tendo em vista a realização dos objetivos previamente delineados; (ii)
evidenciar o papel dos dirigentes, proporcionando condições para que executem o seu
cargo, destacando a sua avaliação e responsabilização; (iii) motivar os colaboradores para
um bom desempenho, e aumento da autonomia; (iv) praticar uma gestão participada em
todos os níveis da decisão, permitindo a identificação dos trabalhadores com os objetivos
institucionais e funcionais; (v) promover o diálogo transversal entre dirigentes, chefias e
trabalhadores; (vi) concretizar a avaliação do desempenho tendo por base os objetivos e
os resultados obtidos, não descurando a remuneração, os complementos e a formação
profissional adequados.
De referir, por último, que consideramos que o novo paradigma da administração
pública cria as condições para a implementação de projetos de Gestão do Conhecimento
em organismos públicos, alguns dos quais fazemos referência no ponto seguinte.
2.1. A Gestão do Conhecimento no Setor Público
A revisão bibliográfica que efetuámos revelou que são ainda escassos,
fundamentalmente em Portugal, os estudos sobre a Gestão do Conhecimento em
organismos públicos. No que se refere a outros contextos, localizámos iniciativas que
merecem alguma menção de nossa parte.
Pérez-Montoro Gutiérrez (2003) refere um estudo do qual participa, promovido
pela Organização das Nações Unidas (ONU) e intitulado Latin-American Government
Municipal de Viseu
com contributos para a Gestão da Informação e do Conhecimento na Câmara
Informação, Conhecimento e Serviço Público: Um estudo de caso exploratório
Network on Information and Knowledge Systems (LAGNIKS).
O referido projeto é uma tentativa de melhorar a governação em áreas desfavorecidas,
utilizando para isso uma iniciativa de Gestão do Conhecimento baseada, entre outros
fatores, nos recursos e benefícios que se obtêm através do tratamento documental e digital
da Informação.
Num outro estudo, Fresneda, Gonçalves, Papa & Fonseca (2009) apresentam
alguns dados sobre o diagnóstico de Gestão de Conhecimento em organizações públicas
brasileiras, utilizando o método designado Organizational Knowledge Assessment (OKA),
uma ferramenta gratuita desenvolvida pelo Banco Mundial. Um dos objetivos deste estudo
é estimular as organizações a não só aplicar o método OKA, como também a elaborar um
plano de Gestão de Conhecimento, que lhes permita identificar, guardar, criar, usar e
partilhar Conhecimento. Pretende-se, desta forma, avaliar a capacidade das organizações
para ampliar os seus ativos intelectuais, através da conjunção de três elementos essenciais
para gerar diferencial competitivo e atingir os objetivos organizacionais: pessoas, processos
e sistemas. Os autores concluem que a utilização da ferramenta OKA pode potenciar
a colaboração entre organismos brasileiros e entre estes e instituições internacionais
(Fresneda, Gonçalves, Papa & Fonseca, 2009, 12).
No âmbito das ferramentas de apoio à Gestão do Conhecimento, Amante &
Segurado (2010) abordam a relação entre esta e os repositórios. As autoras apontam a
importância que os mesmos assumem na Gestão do Conhecimento, nas Universidades,
revelando-se como um importante sistema de Informação para a guarda, a preservação e
a difusão da produção intelectual institucional. Segundo as autoras, a prática da Gestão
do Conhecimento nas instituições de ensino visa a melhoria dos processos de criação
(investigadores), de transferência (professores), de aprendizagem (alunos) e de utilização
do Conhecimento. O Repositório Institucional é um instrumento que se enquadra nas
iniciativas de Acesso Livre ao Conhecimento. É um sistema de Informação que permite
o armazenamento, a preservação e a difusão de conteúdo intelectual produzido pela
organização. Trata-se de melhorar o sistema de comunicação científica e facilitar o acesso
às publicações científicas através da Internet. A diminuição das barreiras ao livre fluxo de
Informação assume particular relevância no contexto de uma sociedade que se pretende do
Conhecimento (2010, 3).
Ainda neste mesmo âmbito, salienta-se um trabalho publicado no Brasil que revela
a importância da Tecnologia da Informação para a Gestão do Conhecimento. Trata-se
de uma curiosa ferramenta denominada Personal Brain, criada a pensar na sua aplicação
229
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
230
em instituições públicas, nomeadamente nas secretarias das “prefeituras municipais” (o
equivalente às Câmaras Municipais, no contexto português). Este instrumento visa o
mapeamento das informações, organizando-as com mecanismos similares aos que o ser
humano utiliza para estruturar as suas ideias, possibilitando o estabelecimento de ligações
entre elas (Araújo & Cândido, 2003, 41). Os autores da proposta afirmam que o Personal
Brain poderá ser fundamental como suporte na tomada de decisões.
Os estudos mencionados vão ao encontro das ideias de Benz & Sicsú (2010)
para quem a Administração Pública deve: (i) estar alerta para a evolução da sociedade
e promover, entre outros, a criação de uma “inteligência coletiva”, a melhoria da
performance e das condições sociais e humanas, e o desenvolvimento sustentável; (ii)
ambicionar o aperfeiçoamento contínuo e (iii) assegurar a prestação de serviços eficientes
e de qualidade, otimizando os recursos de que dispõe. Neste sentido, os projetos de Gestão
do Conhecimento são particularmente interessantes, considerando que podem trazer
benefícios: desenvolvimento, identificação, captação, partilha e divulgação da Informação;
otimização dos sistemas de trabalho e dos recursos públicos. Portanto, julga-se que as
iniciativas de Gestão do Conhecimento podem criar as condições ideais para a obtenção
de eficiência da Administração Pública, o equivalente, segundo os autores, à vantagem
competitiva para as empresas privadas.
Segundo os padrões atuais, não é suficiente que a Administração Pública cumpra
legalmente as funções administrativas que lhe são adstritas. É fundamental que o serviço
público apresente bons resultados e que dê uma resposta positiva às necessidades dos
cidadãos, e com um mínimo de recursos possível.
De acordo com Fresneda, Gonçalves, Papa & Fonseca (2009) os principais benefícios
da implementação da Gestão do Conhecimento nas organizações públicas são a melhoria
na qualidade e na eficiência dos procedimentos internos, a identificação e a partilha de
boas práticas e, consequentemente, a criação de resultados positivos no atendimento ao
cidadão.
Estes mesmos autores identificaram cinco problemas relacionadas com a ausência de
Gestão do Conhecimento nas organizações (2009, 4): (i) a existência de um grande volume
de informações estratégicas que não é partilhado nem analisado, e por isso não é levado
em conta nas tomadas de decisão; (ii) a anulação de aptidões individuais e coletivas; (iii) a
ausência de colaboração; (iv) o facto de não ser explorado o trabalho em grupo, virtual e
colaborativo; e (v) não ser promovida a aprendizagem coletiva, o que se traduz num entrave
à inovação e à criação.
Municipal de Viseu
com contributos para a Gestão da Informação e do Conhecimento na Câmara
Informação, Conhecimento e Serviço Público: Um estudo de caso exploratório
Segundo referem estes autores, a implementação de medidas de Gestão do
Conhecimento no setor público traz vantagens, pois vai ao encontro das expectativas tanto
dos trabalhadores públicos como dos cidadãos, porque promovem a transparência no
serviço público (através do acesso à Informação e capacidade de intervenção), a qualidade
dos serviços e a redução de custos, e o desenvolvimento de uma cultura de partilha do
Conhecimento (2009, 7).
Cong & Pandya (2003) referem que a nova economia trouxe desafios e oportunidades
tanto para o setor privado como para o setor público. A Administração Pública deve agarrar
essas oportunidades adotando e adaptando ferramentas de gestão e métodos de trabalho
do setor privado. Neste âmbito, a Gestão do Conhecimento pode e deve ser explorada pelo
setor público, de forma a trazer benefícios.
Os autores referem que os componentes chave da Gestão do Conhecimento são (i)
os indivíduos - deve ser fomentada a partilha e o uso do Conhecimento, (ii) os processos
- para identificar, criar, captar, partilhar e utilizar o Conhecimento -, e (iii) a tecnologia
- para guardar e tornar acessível o Conhecimento e para promover o trabalho remoto -,
afirmando que as organizações que introduzem os processos de Gestão do Conhecimento
conseguem níveis de produtividade elevados, que ao nível do setor público se traduz na
redução do custo dos procedimentos e na melhoria no atendimento ao público (Cong &
Pandya, 2003, 30).
Apesar da comprovação teórica e prática, nos últimos vinte anos, dos benefícios
da Gestão do Conhecimento, verifica-se, através da análise da bibliografia consultada e
referida ao longo deste trabalho, que, em Portugal, a investigação e a implementação de
sistemas neste domínio é relativamente recente e algo pontual.
De facto, no contexto português, denota-se que a Gestão do Conhecimento tem
despertado o interesse da comunidade académica, o que se pode atestar pelo número de
artigos, conferências, obras publicadas e sites dedicados à temática.
Refira-se, no entanto, que alguns autores como Almeida (2007), Sarmento & Correia
(2002), Lopes & Morais (2001) e Zimmermann (2010) apontam que, culturalmente, não há
tradição colaborativa e de partilha do Conhecimento em Portugal, o que se pode traduzir
num entrave ao êxito das iniciativas/projetos neste domínio.
Não obstante este facto, Portugal está a dar importantes passos na criação e utilização
de ferramentas de Gestão do Conhecimento, como o demonstra a distinção do país, na 8.ª
edição do United Nations Public Service Awards, pelas “boas práticas” na administração
pública, com o primeiro prémio na categoria “Fomentar a Gestão do Conhecimento na
231
Administração Pública”, com a “Rede Comum do Conhecimento”(RCC) . Esta Rede, a par
da “Rede Interministerial para as Tecnologias da Informação e Comunicação”, da “Rede
REAI - Regime de Exercício da Atividade Industrial” e da Rede Simplex Autárquico, é
um projeto promovido pela “Agência para a Modernização Administrativa”(AMA) . De
referir que a missão da AMA enquadra-se no desenvolvimento, coordenação e avaliação
de “projetos nas áreas de modernização e simplificação administrativa e regulatória, de
administração eletrónica e de distribuição de serviços públicos” (Quadro 2).
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
Quadro 2 – Projetos da Agência para a Modernização Administrativa
(AMA)
232
Fonte: Autores
De ressalvar que estas iniciativas de modernização administrativa, integradas num
governo que se pretende eletrónico, são fundamentais para a comunicação entre os
diferentes atores, permitindo a melhoria contínua da qualidade dos serviços públicos e a
agilidade do governo.
Apesar de se verificar que ainda não funcionam em pleno, nomeadamente por
razões que se prendem com a já referida falta de tradição colaborativa em Portugal e com o
acesso tardio às ferramentas implementadas (Zimmermann, 2010), é inegável a pertinência
destes projetos, tendo em vista o desenvolvimento de uma Sociedade da Informação e do
Conhecimento.
Municipal de Viseu
com contributos para a Gestão da Informação e do Conhecimento na Câmara
3.1 Contexto Organizacional
As autarquias locais portuguesas visam a satisfação das necessidades próprias das
comunidades locais, sendo constituídas pelas freguesias, pelos municípios e pelas regiões
administrativas. Atualmente existem, em Portugal, trezentos e oito municípios e quatro mil
duzentas e cinquenta e nove freguesias.
As principais atribuições das autarquias, definidas nas Leis n.ºs 159/99 de 14.09 e
169/99 de 18.09, alterada e republicada pela Lei n.º 5-A/2002 de 11.01, são o abastecimento
público, o saneamento básico, a saúde, o desenvolvimento socioeconómico, o ordenamento
do território, o ambiente, a educação, a cultura, e o desporto.
O Município de Viseu persegue as atribuições definidas na legislação atrás
mencionada, pretendendo criar as condições para um desenvolvimento socioeconómico
inclusivo, competitivo e sustentado.
De referir que, nos últimos anos, a Câmara Municipal de Viseu tem correspondido
aos desafios da Sociedade da Informação e da modernização administrativa, integrando
TIC, de acesso à totalidade dos colaboradores, e participando em programas e projetos nesse
âmbito, ações que nos parecem muito positivas, e que no nosso entender têm em vista a
promoção da cultura organizacional e uma gestão transparente, aberta e desburocratizada,
além de melhorarem a resposta às necessidades dos seus munícipes.
A Câmara Municipal de Viseu tem ao seu dispor ferramentas/iniciativas
habitualmente relacionadas com a Gestão do Conhecimento: o Correio Eletrónico,
a Intranet do Município, o Portal do Município, o Sistema de Gestão Documental e o
Informação, Conhecimento e Serviço Público: Um estudo de caso exploratório
3. A Gestão do Conhecimento em organismos públicos: estudo de
caso - Câmara Municipal de Viseu
233
Projeto Simplex (quadro 3).
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
Quadro 3 – Ferramentas de apoio à Gestão do Conhecimento
identificadas na Câmara Municipal de Viseu
234
No âmbito das TIC, salienta-se a posição de Carvalho (2006) que, após o estudo
sobre intranets, portais corporativos e Gestão do Conhecimento, alerta para o facto das
empresas de consultoria e dos fornecedores de software “venderem” o conceito de Gestão do
Conhecimento, apesar de atualmente se verificar alguma tendência para colocar a ênfase no
fator humano em detrimento da tecnologia nos projetos de Gestão do Conhecimento. Para
o autor, esses projetos devem ser pensados a longo prazo e entendidos como um processo de
Municipal de Viseu
3.3 Portal Corporativo
com contributos para a Gestão da Informação e do Conhecimento na Câmara
Os contributos que se apresentam resultam das ilações retiradas após a pesquisa/
revisão bibliográfica realizada no âmbito deste trabalho, e a caracterização e análise da
organização em estudo. Concluiu-se que: (i) um dos desafios que se impõe às organizações
é transformar o volume de Informação produzido em Conhecimento; (ii) para que a
implementação da Gestão do Conhecimento tenha êxito é necessário que as quatro formas
de conversão do mesmo sejam concretizadas; (iii) verifica-se, no contexto público, que os
projetos de modernização administrativa, o desenvolvimento tecnológico e a necessidade
de corresponder às necessidades dos cidadãos, obrigam as organizações a incluir, nas suas
estruturas, TIC, muitas vezes sem um diagnóstico e avaliação prévios; (iv) observamos, na
Organização em estudo, que não basta dispor de ferramentas tecnológicas, é necessário, a
nosso parecer, integrá-las e dotá-las de outras que permitam, apoiem e promovam a Gestão
do Conhecimento, envolvendo os colaboradores e a administração da organização.
É, portanto, no seguimento destas constatações que surgem as propostas para a
construção de um Portal Corporativo e para a Gestão do Arquivo Corrente.
Alerta-se para o facto de que apenas serão apresentados contributos, com o objetivo
de comprovar a diferença entre gerir documentos, gerir Informação e gerir Conhecimento
numa organização pública, esperando que estas propostas sirvam de ponto de partida/
modelo para a, efetiva, implementação da Gestão do Conhecimento na Câmara Municipal
de Viseu.
Pretendemos, igualmente, que estes contributos vão ao encontro das premissas
da Gestão do Conhecimento e do processo de conversão do Conhecimento (Nonaka &
Takeuchi, 1995), descritos na primeira parte deste trabalho, fazendo corresponder, desta
forma, as formulações teóricas ao estudo de caso realizado.
Informação, Conhecimento e Serviço Público: Um estudo de caso exploratório
3.2 Contributos para a Gestão do Conhecimento na Câmara Municipal de Viseu
235
mudança organizacional, envolvendo tanto o fator humano como o tecnológico. Carvalho
(2006) apresenta a contribuição das TIC para o processo de conversão do Conhecimento,
conforme o quadro seguinte.
Quadro 4 - Contribuição das Tecnologias da Informação para os
processos de conversão do Conhecimento
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
Fonte: Adaptado de Carvalho,2006.
236
Schons & Costa (2008) referem que os portais corporativos, ao integrarem tecnologia
de rede e reunindo numa mesma plataforma serviços de comunicação e de acesso e partilha
de Informação e Conhecimento, permitem que os utilizadores consigam extrair o valor da
Informação e transformá-la em Conhecimento e, posteriormente, reutilizá-lo, tornando
possível o processo de conversão.
Os portais corporativos, ao promoverem troca de informações entre os indivíduos
(tácito para tácito), permitem a socialização de uma ideia, Informação e/ou Conhecimento
(que a princípio estava apenas no nível tácito, ainda não verbalizado) iniciando o processo
de criação do Conhecimento.
Os autores fazem, também, referência à capacidade de coexistirem dois diferentes
espaços de acesso nos portais corporativos: um público, disponível a todos os utilizadores
da Internet, e outro restrito, acessível aos colaboradores e fornecedores, “obedecendo a
regras de personalização”, mediante o perfil de cada um (Figura 2).
Figura 2 - Modelo de uso do portal corporativo e seus serviços
Municipal de Viseu
com contributos para a Gestão da Informação e do Conhecimento na Câmara
Carvalho (2006) menciona que a análise de algumas intranets utilizadas em Portugal
e no Brasil permitiu concluir que estas, apesar de integrarem recursos colaborativos, são,
na grande maioria dos casos, ferramentas de apoio à Gestão da Informação e não de apoio
à Gestão do Conhecimento como era expectável, acrescentamos nós. O autor refere que,
nas organizações observadas, a administração da intranet faz-se de forma amadora e que os
profissionais da Informação nem gerem nem integram equipas de intranets. De qualquer
forma, o autor conclui que tanto as intranets como os portais contribuem para a criação do
Conhecimento e para o desenvolvimento de projetos de Gestão do Conhecimento, mas deve
ter-se em conta que não chega adquirir tecnologias e sistemas complexos, é preciso também
investir e preparar os recursos humanos da organização. É necessário que as organizações
percebam como se transforma Informação em Conhecimento e Conhecimento em ação.
Considerando esta breve exposição sobre portais e intranets, e após análise das
ferramentas atrás descritas (correio eletrónico, Intranet e Portal do Município) percebe-se
que uma solução que centralizasse a documentação e a Informação necessária, tanto ao
público interno como ao público externo, e integrasse as diferentes ferramentas de trabalho
e de comunicação, responderia não só à necessidade de criar um espaço de colaboração
interativa e de partilha do Conhecimento no Município, como também às premissas da
Administração Pública eficaz, eficiente e de qualidade, voltada para o seu cliente, o cidadão.
Propomos, desta forma, a criação de um Portal Corporativo na Câmara Municipal
de Viseu que incorpore, numa mesma plataforma, serviços e aplicações de acesso reservado
e de acesso público. O acesso reservado far-se-ia mediante a autenticação dos utilizadores,
garantindo dessa forma a segurança e privacidade no acesso à documentação, à Informação
Informação, Conhecimento e Serviço Público: Um estudo de caso exploratório
Fonte: Schons & Costa, 2008
237
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
238
e às aplicações.
Seria objetivo da plataforma possibilitar a partilha da Informação e do Conhecimento,
evitar a redundância da Informação – o que se verifica com o portal e a intranet separados -,
e a redução de custos com o papel e com a comunicação interna, ao incorporar ferramentas
de comunicação como o e-mail e o instant messaging.
Julgamos também importante a integração de ferramentas de colaboração como
fóruns, partilha de Informação, de recursos e de “boas práticas” e a criação de uma área
de consulta - dados pessoais, remuneração, férias, justificação de faltas -, integrando as
funcionalidades do cartão do cidadão.
O colaborador, ao autenticar-se, teria acesso aos novos e-mails, às notas de serviço
e despachos, aos fluxos de trabalho, à agenda, aos alertas e a uma pasta pública com
Informação indispensável à execução de tarefas.
Por outro lado, o acesso público apresentaria documentação e informação geral de
apoio ao atendimento (aos vários níveis, munícipes, turistas, cidadãos); um espaço para
a autenticação de fornecedores e clientes; e a integração de serviços da competência do
Município.
Propõem-se alterações que visem a integração de ferramentas de comunicação e de
sistemas de pagamento eletrónico, a realização de pedidos, o seu encaminhamento para os
serviços competentes, e a consulta da tramitação desses mesmos pedidos.
De referir que esta proposta apenas seria concretizável com a desmaterialização e
a simplificação dos serviços e processos, impostas pela modernização administrativa, um
procedimento que não está a ser ignorado pela organização.
Para a concretização do Portal Corporativo, deveria ser constituída, antecipadamente,
uma unidade de missão constituída por elementos da administração, profissionais de
Informação, especialistas em tecnologias de redes e representantes dos departamentos e dos
serviçospara (i) identificar as necessidades; (ii) analisar outras experiências, contribuindo
para a escolha das melhores soluções tecnológicas; (iii) estruturar e atualizar o conteúdo
e (iv) proceder à avaliação e controle contínuos da qualidade do portal nas vertentes de
acesso e navegação, personalização, disponibilidade e partilha.
Concluindo, a implementação de um portal corporativo, no âmbito da nossa
proposta, deverá ser um processo contínuo, de atualização e manutenção permanente,
com uma equipa adequada, analisando a satisfação das necessidades de Informação dos
utilizadores através de mecanismos próprios.
Propomos, desta forma, que o Portal não só permita o acesso à Informação, mas que
Municipal de Viseu
No atual panorama de modernização administrativa, desenvolvimento tecnológico e
simplificação do relacionamento com o cidadão têm sido implementados, nos organismos
públicos, sistemas de gestão de documentos eletrónicos. Como mencionámos atrás,
a Câmara Municipal de Viseu não fugiu deste contexto e implementou, em janeiro de
2005, um Sistema de Gestão Documental, com aplicação prioritária para as áreas de
Licenciamentos e Expediente, que teve como principal objetivo a tramitação e o acesso
célere, eficaz e seguro da Informação.
No entanto, esta implementação não teve em consideração, na nossa opinião,
estudos prévios ou acompanhamento técnico necessário, pelo que se detetam algumas
lacunas de normalização de procedimentos e de métodos arquivísticos, e práticas, de certa
forma, arbitrárias e subjetivas, nomeadamente nas ações de indexação, criação de entidades
e tramitação de documentos.
Face às falhas detetadas no funcionamento do Sistema de Gestão Documental, à
precariedade do Arquivo, e porque existe a possibilidade de aquisição de um novo sistema,
com contributos para a Gestão da Informação e do Conhecimento na Câmara
3.4. Gestão do Arquivo Corrente
Informação, Conhecimento e Serviço Público: Um estudo de caso exploratório
seja, acima de tudo, uma plataforma interativa e colaborativa, um ponto de encontro virtual
entre os trabalhadores da organização. O Portal Corporativo apresentar-se-ia não só como
um repositório de documentos e informação, mas também como um espaço de interação
e comunicação em tempo real, proporcionando a existência de grupos de discussão, de
partilha de Conhecimento.
Este portal deve ter uma interface amigável, intuitiva, com informações adequadas
à função e perfil de cada utilizador, que melhore o nível de colaboração dos trabalhadores,
a pesquisa e a localização da Informação, e a integração dos diferentes sistemas utilizados
na organização, um espaço para a partilha de recursos, de documentação, de notícias
relevantes para a organização, e de “boas práticas”.
De ressalvar que esta proposta não se reveste de especificações técnicas, dado que não
é esse o objetivo do presente trabalho. Pretendemos apenas propor algumas mudanças que,
pela pertinência, viabilizem o aproveitamento das ferramentas já existentes no Município
em prol da conversão do Conhecimento, nas suas formas clássicas (Nonaka & Takeuchi,
1995), e que apontem para a implementação de um projeto de Gestão do Conhecimento
na organização, envolvendo os seus diferentes protagonistas.
239
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
240
propõe-se a criação de uma unidade de missão multidisciplinar, que envolva representantes
da Administração e dos diferentes Departamentos e Serviços, do Setor de Arquivo e do
Setor de Informática, e que se comprometa a: (i) identificar e analisar as necessidades
gerais (através da recolha de dados e da elaboração de entrevistas junto dos serviços;
(ii) identificar, analisar e aplicar os requisitos dos documentos eletrónicos; (iii) analisar
outras experiências, de forma a tomar uma decisão mais realista; (iv) coadunar a escolha
do sistema com os objetivos pré-identificados e com as necessidades dos utilizadores; (v)
normalizar procedimentos administrativos; (vi) elaborar um regulamento que preveja esses
procedimentos; (vii) participar na criação de um plano de classificação, e respetivo manual
de procedimentos, tendo em vista a organização intelectual e hierárquica dos documentos
capturados pelo sistema; (viii) participar na elaboração de uma tabela de seleção; (ix)
introduzir, na aplicação informática, o plano de classificação; (x) determinar os workflow,
consoante a documentação/processos; (xi) criar um plano de preservação digital; (xii)
formar e sensibilizar os utilizadores do sistema; e, por fim, (xiii) aplicar técnicas de avaliação
que permitam a identificação de lacunas e a redefinição de estratégias.
Como ponto de partida para esse projeto, foi elaborado, de forma preliminar, um
plano de classificação parcial e que esperamos sirva de mote para a continuidade deste
trabalho.
Para a concretização do referido plano foram concretizadas as fases descritas
no Manual para a Gestão de Documentos, publicado pela Direção Geral de Arquivos
(Portugal,1997). Assim, caracterizámos o organismo produtor (levantamento da legislação,
de normas, de regulamentos, da estrutura orgânico-funcional); determinámos as funçõesmeio e as funções-fim da organização. Foi feita a análise macro das funções e atividades de
forma a estabelecer as Classes e as Subclasses (classificação funcional), tendo também por
base a Tabela de Seleção das Funções-Meio (Portugal, DGARQ, 2007). Posteriormente,
foi reconhecida a extensa documentação produzida no âmbito das competências do
Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística. De referir que a escolha recaiu por
esta fração da documentação por ser aquela que, neste momento, é custodiada e gerida
pelo Setor de Arquivo.
Assim, foi criado um quadro que estabelece 3 níveis hierárquicos (classe, subclasse
e série), com a atribuição dos respetivos códigos de classificação, uma pequena descrição
de conteúdo e um campo para estabelecer o destino final das séries documentais . Desta
forma, identificámos 35 classes, ordenadas alfabeticamente e precedidas de um código de
classificação, fruto da análise das funções-meio e das funções-fim, e reconhecemos as séries
Municipal de Viseu
Fonte: Autores
com contributos para a Gestão da Informação e do Conhecimento na Câmara
Quadro 5 - Plano de classificação parcial para
a Câmara Municipal de Viseu
Informação, Conhecimento e Serviço Público: Um estudo de caso exploratório
documentais, também sujeitas a uma codificação, das subclasses “Loteamentos” e “Obras
Particulares” (as quais integram a classe “Licenciamentos”), decorrentes do levantamento da
documentação produzida no âmbito das competências do Departamento de Planeamento
e Gestão Urbanística (Quadro 5).
De referir, por último, que estes contributos enquadram-se nos pressupostos teóricos
analisados, considerando que o Arquivo, além de desempenhar um papel importante
como repositório do Conhecimento explícito, poderá contribuir para a implementação da
Gestão do Conhecimento nas instituições. Constata-se que o Arquivo tem um papel fulcral
no acesso e na reutilização do Conhecimento, na interação dos colaboradores e na tomada
de decisão, premissas que são enfaticamente defendidas na Gestão do Conhecimento.
Além disso, as tarefas intrínsecas a um serviço de arquivo, como a descrição, a avaliação, a
conservação e a classificação, contribuem para o processo de organização do Conhecimento
e para a Gestão da Informação, gerando produtos utilizáveis pela organização.
De assinalar que o plano de classificação, à luz do explanado na primeira parte do
trabalho, poderá ser entendido como um Mapa do Conhecimento, um instrumento que
permite a localização do Conhecimento apesar de não o conter.
241
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
Considerações Finais
242
A revisão da literatura elaborada para este trabalho permitiu confirmar a
transversalidade da Gestão do Conhecimento e a crescente produção científica, nesta
área, nos últimos vinte anos. É igualmente notória, ainda que pontual, fundamentalmente
em Portugal, a preocupação das organizações com o desenvolvimento de projetos nesta
área, reconhecendo-se a importância do Conhecimento e da sua gestão para a inovação e
competitividade organizacionais.
A Administração Pública, no âmbito da modernização administrativa em prática
nos últimos anos, não ficou indiferente à Gestão do Conhecimento e, progressivamente,
tem desenvolvido projetos e adquirido ferramentas que permitem a gestão da Informação,
a criação, o desenvolvimento e a partilha de Conhecimento, para além de promover a
comunicação e a colaboração, indo ao encontro das necessidades dos cidadãos.
Verifica-se, neste setor, que Portugal está, ainda, a dar os primeiros passos, os quais
consideramos importantes e relevantes, no que respeita à investigação e à aplicação de
ferramentas de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) no suporte à Gestão
do Conhecimento nos organismos públicos. Exemplo disso é a, relativamente recente,
distinção de Portugal na 8.ª edição do United Nations Public Service Awards, que
premiou as boas práticas na administração pública, com o primeiro prémio na categoria
“Fomentar a Gestão do Conhecimento na Administração Pública” com a “Rede Comum
do Conhecimento” (RCC), um dos projetos de redes de colaboração da “Agência para a
Modernização Administrativa” (AMA).
É, pois, no âmbito da modernização administrativa e da Gestão do Conhecimento
que encetámos esta missão, a qual pretendeu apresentar uma revisão bibliográfica,
relacionada com a Gestão do Conhecimento, em geral, e com a Gestão do Conhecimento
em organismos públicos, em particular, e realizar um estudo de caso que permitisse transpor
a aplicabilidade das premissas desta disciplina para uma instituição pública.
Desta forma, registámos os principais contributos dos autores que considerámos
relevantes para a abordagem à Gestão do Conhecimento, e identificámos as ferramentas
coadjuvantes da criação do Conhecimento. Quisemos também apontar as iniciativas mais
relevantes a este nível em organismos públicos, enquadradas pela análise sumária das
reformas a que esteve sujeita a administração pública, nas últimas quatro décadas. Por
último, transpusemos para a realidade de uma organização em concreto a teoria explanada
ao longo do trabalho. Apresentámos propostas – criação de um portal corporativo e a
Municipal de Viseu
com contributos para a Gestão da Informação e do Conhecimento na Câmara
Informação, Conhecimento e Serviço Público: Um estudo de caso exploratório
gestão do arquivo corrente - que, no nosso entender, promovem a colaboração e a partilha
de Conhecimento.
Estes contributos visam a captação e distribuição de boas práticas internas, a criação
de uma inteligência coletiva. Pretende-se a otimização dos recursos disponíveis e dos
sistemas de trabalho, a melhoria dos procedimentos administrativos, a sensibilização dos
colaboradores para a Gestão do Conhecimento, para a colaboração, para a fomentação de
um ambiente criativo, inovador, de confiança e que incentive a aprendizagem. Iniciativas
que deverão, evidentemente, estar alinhadas com os objetivos e estratégias da organização.
De referir, por fim, que este estudo permitiu retirar algumas ilações: (i) é fundamental
distinguir Dados, Informação e Conhecimento, e Gestão de Documentos, Gestão da
Informação e Gestão do Conhecimento considerando que é da confusão entre estes
conceitos que resulta o insucesso de algumas iniciativas (Gerami, 2010); (ii) são três os
elementos chave da Gestão do Conhecimento: os indivíduos, os processos e a tecnologia;
(iii) transformar o volume de Informação produzido em Conhecimento é um dos desafios
que se impõe às organizações; (iv) para que a implementação da Gestão do Conhecimento
tenha êxito é necessário que as quatro formas de conversão do mesmo sejam concretizadas
(socialização, externalização, combinação e internalização); (v) o novo paradigma da
Administração Pública vem proporcionar a implementação de projetos de Gestão do
Conhecimento em organismos públicos; (vi) os projetos de modernização administrativa, o
desenvolvimento tecnológico e a necessidade de corresponder às necessidades dos cidadãos,
obrigaram os organismos públicos a incluir, nas suas estruturas, TIC, muitas vezes sem
um diagnóstico e avaliação prévios; (vii) julgamos que esses sistemas deverão ser utilizados
de forma integrada e colaborativa para que correspondam às premissas e objetivos da
Gestão do Conhecimento; (viii) concluímos que a Câmara Municipal de Viseu tem ao seu
dispor TIC, mas é necessário, na nossa opinião, integrá-las e dotá-las de ferramentas que
permitam, apoiem e promovam a Gestão do Conhecimento, de facto, envolvendo tanto os
colaboradores como a administração da Organização.
Em relação ao trabalho futuro, parece-nos fundamental, além da concretização
das propostas acima referidas, a implementação de técnicas de avaliação que permitam
a identificação de lacunas e a redefinição de estratégias. Propomos a aplicação da
matriz formulada por Mentzas, Apostolou, Abecker, & Young (2003, 141) para avaliar a
implementação e a presença da Gestão do Conhecimento na Organização e nas atividades
dos colaboradores.
Consideramos igualmente importante a conceção e a implementação do sistema de
243
arquivo da Câmara Municipal de Viseu, aprofundando as oito etapas referidas pela NP
4438-2:2005.
No que respeita às futuras linhas de investigação, considera-se que o facto da
investigação sobre a Gestão do Conhecimento nos organismos públicos em Portugal
ser ainda escassa deverá ser, por si só, um incentivo à realização de novos estudos e o
desenvolvimento de ferramentas na área da Gestão do Conhecimento.
Assim, sugerimos o levantamento e a análise das ferramentas TIC de suporte
à Gestão do Conhecimento nas Autarquias Locais portuguesas, podendo daí resultar
propostas interessantes e inovadoras para projetos conjuntos.
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Capítulo 11
PRODUÇÃO DE BIOCOMBUSTÍVEL
NO CERRADO
Christiano de Oliveira e Silva
Dimas Moraes Peixinho
Suzana Ribeiro Lima Oliveira
William Ferreira da Silva
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
A
248
matriz energética brasileira é bastante diversificada,
constituída basicamente por 37,8% de petróleo e seus
derivados; 32% de energia da biomassa (apenas os
derivados da cana-de-açúcar representam 18,1% do total); 15,3%
de energia hidráulica; e 14,9% divididos entre gás natural,
carvão mineral e urânio (EPE, 2009). Assim, somadas as fontes
renováveis, próximo aos 50%, o Brasil está em uma situação
privilegiada entre os demais países do mundo, que, juntos, têm
uma média de 14% de fontes renováveis. No conjunto das fontes
renováveis, os biocombustíveis (etanol e biodiesel) têm ocupado
cada vez mais espaço na organização de culturas voltadas para a
produção de combustíveis. A cana-de-açúcar, cultura que vem
sendo explorada a mais de 400 anos no país, ganhou maior
importância, especialmente a partir da década de 1970, com
o Programa Nacional do Álcool (PROÁLCOOL) e a soja, nos
últimos cinco anos, tornou-se a principal matéria prima da
produção de biodiesel. Do ponto de vista da produção e da
área ocupada, essas culturas tornaram-se as mais importantes do
país, a primeira tendo o maior volume de produção 717 milhões
de toneladas e segunda a maior área ocupada 23,3 milhões de
hectares (IBGE, 2012).
O Cerrado (savana), que nas últimas três décadas se consolidou como a principal
área de produção de soja no Brasil, hoje, está se tornando a principal área de expansão
da cultura da cana-de-açúcar do país. Portanto, nessa perspectiva, o Cerrado poderá se
tornar a principal área de produção de biocombustíveis do Brasil, tanto para atender o
mercado interno como para a exportação. O domínio morfoclimático do Cerrado, que
ocupa aproximadamente 2 milhões de km² no Brasil Central, apesar de ser considerado
o de maior biodiversidade do país, é o único, dos grandes complexos ambientais, que não
tem a devida proteção legal garantida na constituição brasileira, ficando assim, sujeito a
um ordenamento conforme os interesses dos setores agroexportadores de commodities
e, agora, dos biocombustíveis. A partir desse cenário, pretende-se analisar a produção
de biocombustíveis no Cerrado, considerando os diferentes processos produtivos da sua
ocupação, assim como, as condições de logísticas instaladas nos respectivos processos
produtivos, buscando avaliar como o Cerrado, enquanto domínio que carece de
conservação ambiental, está sendo inserido na contradição da sua destruição para produzir
biocombustíveis, ‘ambientalmente sustentáveis’.
O interesse pela produção dos biocombustíveis é crescente no contexto global. Os
vetores desse interesse são a diversificação da matriz energética, a redução da dependência
em relação ao petróleo e a tentativa de amenizar a emissão de gases poluentes. No
Brasil, condições de clima e solo favoráveis à produção em larga escala de matéria-prima,
especialmente a soja e a cana-de-açúcar, criam condições para que novos espaços sejam
incorporados aos circuitos produtivos dos biocombustíveis. De uma forma geral, significativa
porção do território brasileiro reúne condições para a produção de biocombustíveis, no
entanto, no Cerrado, as condições naturais se reúnem às econômicas e institucionais para
formar espaço privilegiado para essa crescente atividade.
A construção do espaço do Cerrado brasileiro, por atividades capitalistas, obedeceu
a lógica das frentes de expansão, sustentadas inicialmente pela exploração mineral
e posteriormente por atividades agropecuárias. Na medida em que essas atividades
avançavam sobre o Cerrado, novas formas espaciais eram criadas para atender às demandas
e proporcionar os fluxos, condições essenciais para a territorialização.
Um momento de grande importância no processo de ocupação do Cerrado, segundo
Barbosa (2002), foi a implantação da política de interiorização pelo então presidente da
república, Juscelino Kubitschek, em 1956. A construção de Brasília, além de representar
ação ordenadora do poder central e transformar as estruturas que fundamentavam a
economia do país até então, os consideráveis investimentos na implantação de vias do
modal rodoviário, abriram uma nova oportunidade para intensificar a ocupação das terras
do Cerrado por atividades econômicas.
Melo (2003) afirma que durante a década de 70, a política de integração nacional
alcançou, com maior intensidade, as terras do Cerrado e abriu caminho para novas culturas
agrícolas favorecidas pela modernização do setor agropecuário. A partir da implantação
dos planos de integração nacional e da modernização da agropecuária, um conjunto
de elementos espaciais, de forma articuladas, passou reordenar o espaço do Cerrado. A
implantação de infra-estrutura básica como estradas e hidroelétricas, o uso de técnicas de
correção dos solos, mecanização de operações agrícolas e, mais recentemente, a implantação
de indústrias processadoras de carnes, grãos e leite, atraíram investidores e mão-de-obra e
Produção de Biocombustível no Cerrado
1. Ocupar e metamorfosear o Cerrado: desafios para os biocombustíveis?
249
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
250
levaram a um salto na produção econômica nesse espaço.
A agroindústria que se instalou a partir da década de 70, estabeleceu vínculos de
complementaridade entre a produção de grãos e carne e, por consequência, potencializou
o processo de construção espacial do agronegócio no Cerrado.
Com a constituição do novo circuito espacial de produção houve a necessidade de
investimentos no setor logístico viabilizando o escoamento e também o armazenamento da
produção, além da formação de uma rede de sustentação que fornece desde os insumos
para produção até a manutenção de toda estrutura. Sabe-se que tais investimentos foram
insatisfatórios considerando a demanda que se estabeleceu.
A partir da territorialização e das novas interações socioespaciais da cadeia carnegrãos no Cerrado brasileiro, ocorre a ampliação da escala de produção e a transformação
socioeconômica da região. Um vetor de forte significado para esse processo é a incorporação
de tecnologias de informação e comunicação, formando o que foi denominado por Aracri
(2010) concordando com Chaparro (2004) como uma “nova fronteira digital rural”.
O Cerrado foi palco da implementação tecnológica na agropecuária, para suprir
expectativas de produção não apenas do local, mas aos também mercados externos. Com
um potencial produtivo latente, principalmente no setor agroindustrial, a esse espaço estão
sendo incorporadas novas atividades e técnicas que têm proporcionado a reorganização do
espaço/território pela capacidade de gerar divisas para o Brasil (BERNARDES e ARACRI,
2010).
A produção de biocombustíveis, fruto da expansão de uma matriz energética que
tem como proposta suprir demandas e gerar divisas para o país com fins sustentáveis, vem
se fortalecendo a cada dia e ocupando terras do Cerrado. A produção de etanol a partir
da cana-de-açúcar e a produção de biodiesel a partir da soja são atividades que se tornam
cada vez mais significativas no cenário produtivo do Cerrado e agregam a esse espaço novas
possibilidades de incorporação a circuitos produtivos globais.
As condições de clima, solo e relevo encontradas no Cerrado são adequadas à
produção de soja e de cana-de-açúcar em larga escala, a incorporação de técnicas de correção
de solo, de mecanização agrícola e de melhoramento genético de plantas potencializa a
produtividade e remunera o capital aplicado nessas atividades. Nesse cenário onde reinam
potencialidades produtivas, uma questão merece atenção: a infraestrutura de logística.
Para Bowersox e Closs (2010, p.20) é “por meio do processo logístico que os materiais
fluem pelos sistemas de produção de uma nação industrial e os produtos são distribuídos
para os consumidores pelos canais de marketing”. Com o advento da economia global,
Produção de Biocombustível no Cerrado
impulsionado pelo desenvolvimento das redes, o que era necessário para o setor estratégico
– a logística - se torna um dos fatores preponderantes para a tomada de decisões.
Segundo Santos (2009), as redes são infraestruturas adaptadas para transmitir
matéria, energia e informações com visão social, política e econômica. Por meio das redes
é possível a interação entre as horizontalidades e as verticalidades. As verticalidades são
espaços distantes, ligados pelos fluxos e as horizontalidades são as relações sociais do
lugar. “Quanto mais avança a civilização material, mais se impõe o caráter deliberado na
constituição das redes” (SANTOS, 2009, p. 265). Para cada novo segmento de mercado
surgem novas demandas para (re) criação do sistema de redes vigentes e até mesmo o padrão
geográfico ou territorial é definido pela circulação. Na atualidade, as redes ou a logística
apropriada são “[...] elementos catalisadores dos novos arranjos produtivos” (SILVA, 2003,
p. 84), e assim, a logística faz parte do território e essa se insere nas políticas públicas de
desenvolvimento.
O projeto de rede é uma responsabilidade básica da gerência de logística. Nesse
sentido ela deve considerar os modais de transportes básicos existentes: o ferroviário, o
rodoviário, o aquático, o dutoviário e o aéreo, e ainda, seus volumes e receitas. A maior
parte dos biocombustíveis produzidos no interior do Brasil, onde se localiza o Cerrado,
são transportados segundo Nazário (2008) por mais de um modal o que é conhecido
tecnicamente como transporte multimodal ou intermodal.
Usa-se mais de um tipo de meio para transporte conforme a necessidade estabelecida
pelo cenário atual. Sabe-se que o Brasil necessita urgentemente de investimentos em
infraestrutura de transporte, para que possa utilizar especificamente modais que atendam
a demandas específicas de cada setor. O uso prioritário do modal rodoviário é fator
que contribui para ampliar o custo operacional, onerando o preço final do produto ou
inviabilizando a competitividade.
Comparativamente, a logística requerida para a produção e distribuição de
biocombustíveis nos ambientes do Cerrado brasileiro pode ser analisada em diferentes
momentos, a produção da matéria-prima e a produção industrial.
Quanto à produção agrícola, a soja e a cana-de-açúcar, as duas principais matériasprimas usadas para biocombustíveis, demandam sistemas de transporte articulados de tal
forma a permitir que a lavoura e a unidade industrial sejam interligadas. Nesse caso, o
modal rodoviário praticamente está sendo o único usado para esse fim.
O armazenamento de matéria-prima apresenta-se como uma das principais distinções
entre os dois biocombustíveis. A soja pode ser armazenada por períodos relativamente
251
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
252
longos sem perder as suas propriedades, enquanto a cana-de-açúcar deve ser utilizada no
processo industrial logo após a colheita, por ser um produto perecível. Essa distinção faz
com que a organização da logística para os dois biocombustíveis apresente como diferença
principal os sistemas técnicos de armazenamento de grãos. O conjunto técnico formado
pelos equipamentos de armazenamento e conservação de grãos requer a instalação de
formas espaciais com funções específicas. Na região Centro-Oeste, onde está significativa
parte do Cerrado, existem 3990 unidades armazenadoras de grãos, sua capacidade de
armazenamento é de 48,8 milhões de toneladas (CONAB, 2012b).
Quanto à produção do etanol, a setor sucroenergético realiza a colheita entre abril e
novembro, no Cerrado, fato que demanda maior capacidade de logística entre a lavoura e a
indústria durante todo esse período. Um desafio enfrentado pelo setor na atualidade, está
na possibilidade de organizar as épocas de plantio e renovação dos canaviais e a escolha de
variedades com diferentes ciclos para que a maturação dos canaviais ocorra em diferentes
momentos.
Uma vez realizada a produção industrial do etanol, seu armazenamento ocorre,
principalmente, na unidade industrial. A distribuição se realiza pelo transporte da unidade
industrial para as bases de distribuição estatais e, a partir daí, para os postos de combustível
que realizam o varejo. Considerando que apenas cerca de 35% do etanol produzido no
Centro-Oeste é consumido na própria região (UNICA, 2012), o transporte de etanol dessa
região para os grandes centros consumidores, especialmente na região Sudeste do país, e
para portos, quando destinado a exportação, requer equipamentos de transporte que sejam
eficientes e viáveis economicamente.
Petraglia et al. (2009) afirmam que é notória a importância do etanol para o mundo
como um todo, e fica para o Brasil a responsabilidade de investimento em infra-estrutura
de transportes, para eles:
• duas opções são passíveis de aumentar a competitividade do etanol
brasileiro expressivamente: a concentração da produção em clusters e
o transporte por “alcooldutos”;
• a criação de clusters (15 usinas, em média) permitiria a melhoria da
logística;
• essas agregações de usinas são, por sua vez, combinadas em áreas que
congregam uma população de 200 mil habitantes, o que tornaria viável
uma série de aparelhos de interesse social, tais como hospitais, escolas
e centros de lazer (PETRAGLIA et al., 2009, p. 12).
Existem previsões de realização de investimentos públicos e privados na melhoria de
2. A produção de etanol no Cerrado
A produção de etanol no Brasil cresceu de forma rápida durante a primeira década
desse século sustentada pela abertura de novas unidades industriais e pela ampliação de
unidades mais antigas. Se comparada a primeira safra desse século a safra de 2010, a produção
Produção de Biocombustível no Cerrado
rodovias, na construção de ferrovias e portos fluviais no país para atender a essas demandas.
A construção de um duto ligando o Cerrado a região Sudeste tem sido um projeto de
destaque nesse contexto, onde se localiza a maior parte do consumo de etanol do país.
Segundo informações da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (UNICA), a obra
está avaliada em US$ 5 bilhões, terá 850 quilômetros de extensão, levando o etanol das
principais regiões canavieiras do Centro-Sul até Paulínia, e de lá para os portos de São
Sebastião (SP) e do Rio de Janeiro. Participam do projeto Petrobrás, Copersucar, Cosan,
Odebrecht que controlam a ETH Bioenergia, e a Uniduto que tem entre suas acionistas
São Martinho, Santa Cruz, São João e Bunge. A capacidade de transporte instalada será de
até 21 milhões de metros cúbicos de etanol por ano, permitindo a redução dos custos com
o transporte do etanol em 57%, gerando um aumento significativo na competitividade do
etanol brasileiro, tanto no mercado doméstico quanto no internacional (UNICA, 2011).
A instalação desse equipamento técnico é a materialização de uma forma espacial que
vem no sentido de atender a funções requeridas especificamente pelo setor sucroenergético.
A presença do setor neste espaço modifica o padrão de organização espacial através da
criação de novas formas no seu processo de territorialização. Esta forma espacial torna-se
capaz de alterar os processos e as estruturas locais, ao propiciar a otimização do sistema de
logística do setor sucroenergético e, consequentemente da rentabilidade do setor.
A solução da limitação seria a intermodalidade, atualmente, para o Brasil, uma
realidade tímida. Muito deve ser feito para atender as necessidades logísticas que possam
agregar valores aos produtos competitivos ao mercado nacional e internacional. No entanto,
a expansão da produção de biocombustíveis no Cerrado potencializa a pressão antrópica
sobre um bioma já seriamente comprometido pela ação da produção agroindustrial. Cria-se
um paradoxo, produzir “biocombustíveis” à custa da exploração de recursos naturais em
um bioma que carece de proteção. Como visto, ocupar e metamorfosear o Cerrado não
se coloca como um desafio intransponível para o setor de biocombustíveis, considerando
que existem condições naturais, institucionais, técnicas e econômicas que facilitam esse
processo.
253
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
254
saltou de 10,5 bilhões de litros para 27,7 bilhões de litros (CONAB, 2012a). Trata-se de
mais um ciclo de crescimento desse setor, que está presente no Brasil praticamente desde o
início da colonização e tem por característica ciclos de crescimento e crise (RAMOS, 1999).
As condições que proporcionaram esse ciclo de crescimento do setor podem ser
encontradas na conjunção entre fatores de ordem econômica, política e ambiental nas
escalas nacional e global. De uma forma geral a expansão vem sendo justificada, no
contexto global, pela necessidade de diversificar a matriz energética através da inserção
de fontes renováveis. No contexto nacional, se acrescenta a criação de políticas públicas
específicas para o setor de bioenergia como forma de garantir abastecimento a frota de
veículos bicombustíveis e reduzir a dependência do petróleo e seus derivados.
Diante do contexto apresentado, é possível identificar um movimento de expansão
para a porção central do país, onde se encontra o domínio do Cerrado. Os estados de
Goiás e Mato Grosso do Sul podem ser considerados como as principais áreas de expansão
do setor no ambiente de Cerrado, visto que a área cultivada com cana-de-açúcar nesses dois
estados cresceu 310% entre 2000 e 2010, enquanto o crescimento nacional foi de 88% no
mesmo período (IBGE, 2012).
Esses dois estados apresentam diversas características favoráveis à expansão do cultivo
de cana-de-açúcar a partir de um movimento que parte do oeste paulista, principal área
de produção no país, e alcança as terras do Cerrado goiano e sul-mato-grossense. Dentre
as principais condições que permitem essa expansão, trataremos aqui das características
naturais, da disponibilidade de terras e da ação do poder público.
Os ambientes de cerrado apresentam aspectos naturais de clima, solo e relevo
favoráveis a realização do cultivo de cana-de-açúcar, inclusive com a possibilidade de
mecanização das atividades agrícolas.
As mudanças recentes no processo de produção de etanol e açúcar dão origem à
formação de espaço adequado ao novo patamar técnico. Considerando que a mecanização
das operações agrícolas está cada vez mais presente na cultura da cana-de-açúcar, realidade
induzida pela redução dos custos operacionais e pela legislação, o relevo passa a ser
elemento de seletividade de áreas para o plantio de cana-de-açúcar. As máquinas usadas
para colher a cana-de-açúcar possuem capacidade de operar apenas em terrenos com baixa
declividade, fato que determina que a expansão deve ocorrer, prioritariamente, em áreas
com declividade baixa.
Ribeiro et al. (2009) realizaram estudo para identificar áreas propícias à expansão
do plantio de cana-de-açúcar no país, no bioma Cerrado. Os requisitos de áreas desejáveis
Produção de Biocombustível no Cerrado
para a expansão deveriam ser áreas agricultáveis ocupadas por pastagens, com latossolo,
declividade inferior a 6º e, ainda, que não ferissem a legislação ambiental vigente em 2009.
Os resultados do estudo apontam área de 8,9 milhões de hectares nessas condições no
domínio do Cerrado. Como visto, a presença de extensas chapadas se torna um fator que
habilita o uso de áreas nesse domínio para o cultivo de cana-de-açúcar.
Além do relevo, o solo e o clima predominante no Cerrado podem ser apontados
como facilitadores da expansão da atividade. O clima tropical, com dois períodos distintos
quanto a pluviosidade e temperatura, apresenta-se adequado ao desenvolvimento da canade-açúcar e a produção de sacarose, por sua vez, o predomínio de latossolos nesse ambiente
oferece possibilidades de bons resultados no rendimento agrícola. Levando em conta as
condições edafoclimáticas e do relevo, se torna possível afirmar que do ponto de vista
das características naturais, o Cerrado oferece condições favoráveis a expansão do setor
sucroenergético.
O processo de ocupação capitalista que se realizou no Cerrado forjou uma
organização do uso da terra na qual existe uma complementaridade entre a pecuária e
a agricultura de grãos. Para ilustrar a formação dessa complementaridade entre pecuária
e agricultura de grãos no processo de ocupação, vale levar em conta que a expansão da
sojicultura possibilitou a ampliação de ganhos por parte de proprietários tradicionais
através do arrendamento de terras pouco produtivas, quando usadas para a agricultura
tradicional e para a pecuária, aos sojicultores. Por sua vez, a possibilidade de ter acesso
a terras sem a necessidade de imobilizar capital com a sua aquisição era uma condição
desejável aos produtores de soja, geralmente dependentes de financiamentos públicos para
a realização da produção.
Esse cenário é visto pelo setor sucroenergético como uma possibilidade de
territorialização sem a necessidade de imobilização de capital na aquisição de terras. O
arrendamento de terras usadas, atualmente, para a produção de grãos, ou mesmo aquelas
usadas para a pecuária, se torna a principal estratégia de garantir terras suficientes para a
territorialização. Devido a condições de mercado favoráveis ao setor sucroenergético, durante
o período analisado, este passou a contar com grande capacidade de competição com os
setores de grãos e carne, inclusive com a possibilidade de disputar territórios já solidamente
controlados. O pagamento de arrendamentos por valores superiores aos que são pagos por
outros setores, o oferecimento de vantagens a fornecedores e arrendatários, a realização de
ações para convencer autoridades locais e a comunidade sobre as vantagens oferecidas pelo
setor, fazem parte da estratégia do capital sucroenergético para se territorializar.
255
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
256
A ação do Estado para incentivar a produção de etanol pode ser avaliada em
diferentes escalas. Políticas públicas nas diferentes esferas de governo não são novidades no
setor sucroenergético brasileiro. Historicamente o Estado tem fomentado o setor através de
diferentes instrumentos, como por exemplo, oferecimento de incentivos fiscais, mudanças
ou criação de legislação, elaboração e execução de planos e programas específicos para o
setor. No contexto da expansão recente para terras do Cerrado, destacaremos a realização
do Zoneamento Agroecológico da Cana-de-açúcar (EMBRAPA SOLOS, 2009) pelo governo
federal e os incentivos fiscais oferecidos pelo estado de Goiás, como exemplos de políticas
públicas que incentivam a expansão.
Em setembro de 2009, o Estado divulgou o Zoneamento Agroecológico da
Cana-de-açúcar, um abrangente estudo com a intenção de identificar terras apropriadas
para a expansão do cultivo de cana-de-açúcar e, a partir de seus resultados, programar
políticas públicas para induzir o crescimento do setor nestas áreas. A possibilidade de
que os empreendimentos que estejam nas áreas aptas para a expansão, pelo Zoneamento
Agroecológico da Cana-de-açúcar, sejam enquadrados em programas de benefício fiscal,
bem como o estabelecimento de sobretaxa a produção em áreas consideradas inaptas, se
torna ferramenta estatal capaz de manter relativo controle sobre o processo de expansão.
Os resultados do Zoneamento apontam como área prioritária de expansão, o Cerrado
da porção central do país, visto que a região Centro-Oeste possui a maior área considerada
apta a expansão (Figura1). Se considerarmos que foi excluído o Pantanal, a Amazônia e a
bacia do Alto Paraguai, os mais de trinta milhões de hectares de área consideradas aptas à
expansão no Centro-Oeste seriam áreas contidas no bioma Cerrado.
Quando analisados os resultados do Zoneamento Agroecológico da Cana-de-açúcar
na região Centro-Oeste, observa-se que, dentre as quatro unidades da federação aí presentes,
o estado de Goiás ocorre a predominância de áreas aptas (41,6%), seguido por Mato Grosso
do Sul (35,9%). Levando em conta que o Zoneamento teve como prerrogativa inicial não
indicar a expansão do cultivo da cana-de-açúcar em áreas dos biomas Amazônia e Pantanal,
além da Bacia do Alto Paraguai, os ambientes de Cerrado nos estados de Goiás e Mato
Grosso do Sul se tornam alvo da expansão.
Além das condições anteriormente descritas, a expansão, em parte, vem sendo
guiada pela atuação direta do Estado na concessão de benefícios em áreas onde haja
interesse de induzir o crescimento de uma atividade. Eventuais desvantagens de logística
e produtividade podem ser compensadas pela participação estatal, concedendo vantagens
fiscais e financiando a expansão de uma atividade. No caso do setor sucroenergético, os
benefícios fiscais são diferenciais para atrair a atividade para alguma área distinta. Na região
de expansão da atividade no Cerrado, podem ser identificados programas de renúncia
fiscal.
Figura 1 – Áreas aptas a expansão do cultivo de cana-de-açúcar segundo as
grandes regiões do IBGE e detalhamento da Região Centro-Oeste (em ha).
Castro (2007) analisa a expansão da atividade sucroenergética nos estados de Goiás,
Minas Gerais, Paraná e Mato Grosso, denominando essa área como a de expansão da
primeira onda. Dentre os estados analisados, o estado de Goiás vem sendo apontado como
o que oferece maiores incentivos fiscais ao setor sucroenergético. O principal mecanismo
de incentivo fiscal a disposição do setor no estado de Goiás é o Programa Produzir.
As empresas que se beneficiam desse programa recebem, a título de financiamento
subsidiado, o valor de até 73% do ICMS a ser recolhido. Mesmo se tratando de um
financiamento, a lei que regulamenta o programa Produzir prevê que pode ser concedido
um desconto que pode variar de 30% a 100% sobre o saldo devedor, a título de subsídio
para investimentos na instalação ou expansão de unidades industriais. Dessa forma,
o Estado oferece não apenas financiamento, mas passa a ter capacidade de subsidiar
atividades industriais no estado.
Entre os anos de 2003 e 2010, esse programa destinou R$ 28,1 bilhões à agroindústria
canavieira através da assinatura de 50 contratos de concessão, que equivalem a 37,5% de
Produção de Biocombustível no Cerrado
Fonte: Zoneamento Agroecológico da Cana-de-açúcar – EMBRAPA SOLOS, 2009.
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Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
258
todas as concessões no período (Ministério Público do Estado de Goiás, 2010).
Os subsídios oferecidos através do Produzir são significativos para proporcionar a
expansão do setor em Goiás, que, nos últimos quatro anos, ampliou de 11 para 36 unidades
industriais canavieiras em funcionamento, elevando o Estado à posição de segundo maior
produtor de etanol do país, com aproximadamente 2,94 bilhões de litros na safra 2010/2011
(CONAB, 2012a).
O cenário formado no contexto da expansão demonstra que o setor sucroenergético
está passando por um momento de reordenamento em sua organização interna e na relação
com outros setores e com a sociedade. Apesar das mudanças observadas no setor em sua
organização interna, a necessidade de garantir território para a realização de sua produção
em terras que estejam próximas à unidade industrial se mantém como característica.
As estratégias de territorialização tem se alterado como resultado da necessidade de
dar maior fluidez e flexibilidade ao território. No entanto, a necessidade de estabelecer
territorialidades sobre áreas para a produção se mantém. As novas territorialidades impostas
pelo setor sucroenergético modificam as territorialidades já estabelecidas e desencadeiam
um processo de des-re-territorialização (HAESBAERT, 2006) que alcança diferentes
dimensões.
A conjunção entre a ação estatal, as condições naturais e a possibilidade de ocupar
terras apontam para o Cerrado como a principal área a ser ocupada pela expansão. Esse
bioma, já duramente castigado por ondas de expansão do agronegócio, tem intensificado o
seu uso em nome de produção de energia ‘renovável e limpa’.
3. A produção do Biodiesel nos cerrados
Quando o governo brasileiro instituiu o programa de estímulo à produção e o uso do
biodiesel, em 2005, além da obrigatoriedade da aquisição de matérias-primas da agricultura
familiar nos percentuais mínimos de 30% nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul e de 10% das
regiões Norte e Centro-Oeste até a safra 2009/2010, e de 15% a partir da safra 2010/2011,
estabeleceu que as empresas receberiam, em contrapartida, incentivos fiscais, através do
PIS (Programa de Integração Social) e COFINS (Contribuição para o Financiamento da
Seguridade Social), sendo que: a) a mamona ou a palma, produzidas nas regiões Nordeste,
Norte e no Semi-Árido teriam 100% de isenção; b) qualquer matéria-prima produzida pela
agricultura familiar, independentemente da região, teria 67,9% da produção adquirida e a
mamona ou a palma produzidas pelo agronegócio nas regiões Norte, Nordeste e no Semi-
Produção de Biocombustível no Cerrado
Árido teriam 30,5%.
Percebe-se que essa política criou, ao mesmo tempo, obrigatoriedade e incentivos
fiscais para a aquisição de produtos da agricultura familiar. Fora das regiões Nordeste e
Norte não há incentivos para espécies vegetais específicas, valendo, portanto, quaisquer
culturas para a produção de biodiesel produzidas pelos agricultores familiares. “Este vínculo
declarado entre a oferta de matérias-primas para a produção de biocombustível e a geração
de renda pela agricultura familiar – sob o patrocínio do Estado, sob a operacionalização de
empresas privadas e com a legitimação contratual por parte do sindicalismo – parece ser
inédito, no plano internacional” (ABRAMOVAY e MAGALHÃES, 2010, p. 2).
Na região Centro-Oeste (região dos cerrados), de forma geral, a produção
familiar volta-se para as culturas de alimentos e, entre essas, as culturas de oleaginosas são
inexpressivas. No que se refere ao extrativismo, apesar da grande variedade de espécies do
Cerrado, a extração de óleos de plantas do Cerrado para abastecer a produção de biodiesel
não parece ser viável economicamente, seja pelo custo e/ou pela escala. Entretanto, a
região é a maior produtora de soja do país, cultura que ganhou expressão na produção
de biodiesel, mais pela escala de produção do que pelo teor de óleo em si, já que existem
outras culturas com maior rendimento, como por exemplo, o girassol, que rende até 48%
do peso em óleo, contra a soja que pode chegar a 18%. Mas, além da soja não estar entre
as culturas que possam ser adquiridas do agronegócio com incentivos fiscais, no CentroOeste o seu cultivo pela agricultura familiar não foi estimulado, já que o modelo técnicoprodutivo e as diretrizes políticas, quando da sua implantação nos cerrados, da década
de 1970 se voltaram para o incentivo de uma estrutura produtiva empresarial. Na época,
os idealizadores desse modelo justificavam que essa cultura só seria viável em áreas acima
de 400 hectares, por conta da escala de produção e dos altos investimentos, não sendo
adequada para a produção familiar. Entretanto, com o programa do biodiesel, o que
desconsiderado, parece ser a saída, ou seja, a produção de soja pela agricultura familiar
está em expansão nos assentamentos de reforma agrária e em pequenas propriedades.
Assim, a produção de biodiesel nos cerrados está articulada às seguintes variáveis: a) a soja
representa mais de 85,5% da matéria prima, seguida da gordura bovina 8,3% (ANP, 2012);
b) a produção de soja pela agricultura familiar está associada aos assentados da reforma
agrária e c) o seu custo de produção não é competitivo, mesmo como combustível regional,
portanto depende de subsídios públicos.
Apesar do custo, a produção de biodiesel aumenta a oferta nacional desse
combustível, consequentemente reduz a dependência da importação de diesel. Segundo
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Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
260
dados da Agência Nacional do Petróleo (2012), no período entre 2004 a 2011, o Brasil
deixou de importar 7,9 bilhões de litros de diesel, o equivalente a um ganho de cerca de
US$ 5,2 bilhões na balança comercial brasileira.
Estimulado pelo aumento da mistura de biodiesel ao diesel, que passou para 5%
a partir de 2010 e com perspectiva de chegar a 20% em 2020 (B20), a base industrial vem
sendo ampliada, sendo que das 86 usinas em atividade vinte estão no Mato Grosso, sete em
Goiás, oito em São Paulo e cinco no Rio Grande do Sul; juntos esses estados concentram
82% da produção do biocombustível (ANP, 2012). Os estados de Mato Grosso e Goiás,
principais produtores de soja na região Centro-Oeste, respondem por 97,7% dos 1.036.557
m3 de biocombustível produzido na região, que por sua vez representa 37,8% de toda
produção nacional (ANP, 2012).
A produção de óleo de soja destinado ao biodiesel é cada vez maior. Segundo dados
da Ubrabio/FGV (2012, p 14), “o Brasil produziu na safra 2009/10 aproximadamente 6
milhões de toneladas de óleo de soja, das quais 1,46 milhão foi exportado como óleo
bruto. Do consumo interno de óleo de soja de 4,52 milhões de toneladas, 25% foram
destinados para o mercado de biodiesel”. Entretanto, no Mato Grosso, a conversão passou
de 30%, em 2009, para 49,3%, em 2010, do total do óleo de soja produzido no estado.
A remuneração sobre o biodiesel certamente é um motivador para esse aumento. Pois,
conforme informações do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (IMEA),
que a produção de biodiesel proporciona, “pois enquanto a rentabilidade média de uma
tonelada de soja transformada em óleo e farelo é de R$ 780, sendo convertida em biodiesel
e farelo, o valor sobe para R$ 863” (Jornal Folha de São Paulo, 04/11/2010).
O aumento da adição de biodiesel ao diesel, conforme proposição das políticas
públicas, elevando a mistura para 10% em 2014 e 20% em 2020, a demanda por óleo
de soja mais que triplicará, pois além de ser a matéria prima mais usada é, também, a
que tem a capacidade instalada para atender essa demanda. Esse fato concorrerá para o
aumento do processo da soja no país, reduzindo a sua exportação in natura. Esse aumento,
ainda, implicará na expansão da área de soja, especialmente nos cerrados, e, também,
pressionará a produção de soja na agricultura familiar, pois a política do “Selo Combustível
Social” estabelece a obrigatoriedade da aquisição de pelo menos 15% da matéria prima da
agricultura familiar para que a empresa possa participar dos leilões de compras da Agência
Nacional do Petróleo (ANP) e Petrobras, bem como ter acesso aos incentivos fiscais e
facilidades de crédito do governo federal.
Há produção de soja em áreas de assentamento em Goiás, conforme Peixinho
Considerações Finais
O uso dos recursos naturais no ambiente do Cerrado brasileiro para a produção
de energia, especialmente o etanol e o biodiesel, é uma das principais apostas do governo
brasileiro para diversificar a matriz energética brasileira, garantir o abastecimento de energia
Produção de Biocombustível no Cerrado
e Scopel (2011), em março de 2010, a COPARPA (Cooperativa Mista do Rio Doce), que
atua no Sudoeste de Goiás, já contava com um quadro de 500 cooperados, dos quais 350
produziam soja para o biodiesel. Segundo, Gilmar Katzer, presidente da Cooperativa, em
2010, nove assentamentos (Perolândia - o da Lagoa do Bom Fim e o Três Pontes; Rio verde
- o Água Bonita e o Rio Verdinho; Vaianópolis: o Ponte de Pedra e o Pontal do Buriti;
Jataí - o Rio Paraíso), produziam soja para o programa do biodiesel. Apesar do núcleo
de produtores estar nos assentamentos, outros produtores familiares estão aderindo ao
programa, especialmente em Rio Verde, onde há um grande contingente de produtores
familiares.
A produção do biodiesel nos cerrados está associada à produção de soja. A conversão
do óleo de soja em biodiesel aumento o seu uso, elevando a sua condição frente ao farelo,
considerado o produto nobre da soja. A escala de produção no Centro-Oeste, região
nuclear dos cerrados (aproximadamente 70 milhões de toneladas na safra 2010/2011),
torna-se um elemento de compensação sobre o baixo teor de óleo no grão de soja frente a
outras culturas (gergelim, pinhão manso e girassol), que ainda estão em fase experimentais.
A pressão para aumentar a quantidade de biodiesel no óleo diesel repercutirá na expansão
de áreas para a cultura da soja nos cerrados, assim, como a sua produção em pequenas
propriedades.
Os impactos socioambientais dessa produção vão da pressão por abertura de novas
áreas para a produção de soja à redução de outras culturas, ampliando assim, o espaço
da monocultura no país. Com a expansão da cultura da cana-de-açúcar para os cerrados,
especialmente a partir de meados da década de 2000, ampliou as disputas entre os setores
da cadeia carne-grão e sucroenergético, podendo gerar uma redução em outras atividades,
pois juntos, deverão alocar as áreas com as melhores condições produtivas. Assim, o que
se pode visualizar a partir das disputas territoriais entre os setores da cadeia grane-grão
é que as suas respectivas culturas e seus derivados estão ampliando cada vez mais suas
áreas nos cerrados, gerando uma região monopolizada por essas commodities agrícolas,
incorporando inclusive as áreas das pequenas e médias propriedades.
261
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
262
e se colocar como um dos países com a matriz energética mais “limpa”. O poder público se
articula ao capital para potencializar a exploração dos recursos naturais energéticos desse
bioma, já duramente castigado pela ação humana para produzir alimentos.
Viabilizar a ocupação e exploração do Cerrado não é um objetivo recente. Desde
meados do século XX consistentes programas públicos incentivaram a ocupação e
a exploração desse espaço através da implantação de infraestrutura de transportes e
comunicações. A ligação ferroviária e, mais consistentemente, rodoviária entre as áreas de
Cerrado e os grandes centros consumidores no país e aos portos foi condição primordial
para acelerar a ocupação do interior do país.
As transformações que se instalaram no Cerrado brasileiro, são fruto do processo
de ocupação capitalista e, como tal, sempre estiveram condicionadas às novas demandas
econômicas. Vivemos, agora, um momento em que a demanda por energia possibilita
que a produção de etanol e de biodiesel no Cerrado seja justificada pela necessidade de
preservar recursos naturais através do uso de “energia limpa”. As questões ambientais no
Cerrado ficam em segundo plano, em detrimento de uma ação capaz de mitigar impactos
ambientais de alcance mais amplo. De forma contraditória, se promove a intensificação da
exploração de um bioma nome da preservação ambiental.
Apesar de vários estudos que mostram a importância do Cerrado como bioma, a
sua inserção nas políticas públicas a partir da década de 1970, tornaram-no a principal
região produtora de grãos e carnes do país e nos últimos anos está se tornando, a partir a
inserção do Brasil no mercado mundial de energia renováveis, como uma região produtora
de energia de biomassa. Essa expansão pressiona cada vez mais os recursos naturais desse
bioma, que é o único que não tem proteção constitucional, ficando vulnerável aos diversos
impactos ambientais decorrentes da sua intensa ocupação. Uma das poucas iniciativas para
torná-lo bioma protegido tramita em um projeto de lei na Câmara dos Deputados, através
do Projeto de Emenda Constitucional (PEC 115/95 Cerrado e Caatinga), que tem por
objetivo torná-los patrimônio nacional. Porém, enquanto não se dá a sua aprovação os
impactos ambientais continuam a repercutir sensivelmente em todas as áreas. Sabe-se que
o Cerrado “é considerado corredor ecológico entre quase todos os biomas do Brasil. A sua
destruição coloca em risco também a manutenção dos rios que compõem as maiores bacias
hidrográficas brasileiras – do Amazonas, do São Francisco e Platina.” (MACHADO, 2010,
p. 2).
O Cerrado, por fim, está colocado em meio a uma grande contradição, ao
mesmo tempo em que aparece como a maior região produtora de carnes e grãos, portanto
alimentos, e mais recentemente, como região de expansão de energia renováveis, portanto,
contribuindo para a produção de combustíveis “limpos”, é o bioma que recebe o maior
impacto recorrente dessa produção. Neste sentido, Chaveiro (2008, p.75) afirma que “o
cerrado se coloca no centro de uma disputa de sentido, de uso e de filiações simbólicas,
econômicas e políticas”.
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Capítulo 12
INFLUÊNCIA DA POLÍTICA DE
REGULAÇÃO AMBIENTAL NO
DESEMPENHO ECONÔMICO E
SOCIOAMBIENTAL DA INDÚSTRIA DE
LACTICÍNIO EM GOIÁS - BRASIL
Francisco Alberto Severo de Almeida
Isak Kruglianskas
Antonio Teodoro Ribeiro Guimarães
Felipe Martins Severo de Almeida
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
A
266
s questões relacionadas ao meio ambiente são objeto de
discussão a respeito das suas influências, direta ou indireta,
no desempenho das firmas, tanto no meio empresarial
quanto acadêmico (MARCOVICTH, 2009; FIEG,2009;
EPELBAUM, 2004). Há correntes pragmáticas e ideológicas com
relação ao trato das questões socioambientais. A comunidade com
forte influência ideológica apregoa uma ação mais efetiva do Estado
para combater os problemas gerados pela atividade econômica no meio
ambiente. Já a corrente pragmática posiciona-se como conciliadora,
entre os defensores do emprego dos recursos naturais pelas firmas e
a atenção às reinvindicações da comunidade ambientalista. Couto
(2009), em artigo publicado no Correio Brasiliense sobre as alterações
no Código Florestal (Lei nº 4771/65), referenciando-se ao embate
entre ruralista e ambientalista, pontua a divergência de opiniões
entre os dois segmentos sobre as mudanças propostas na referida
legislação, embora reconhecendo que os atores da discussão têm o
consenso sobre a necessidade de aliar desenvolvimento à preservação
da natureza. Entretanto, sob uma égide ideológica ou pragmática,
o Estado se manisfesta como interlocutor da sociedade, mediante a
elaboração e implementação de políticas públicas ambientais, seja
introduzindo marco regulatório, seja no desenvolvimento de programas
e projetos socioambientais focados nos principios do desenvolvimento
sustentável ou mediante a ação de poder descricionário na aplicação da
legislação ambiental, por intermédio dos órgãos dos sistema nacional e
subnacionais de meio ambiente.
Porém, políticas públicas ambientais e ações do poder público são instrumentos
de governo para atender as demandas da sociedade e são operacionalizados mediante
aplicação dos atos normativos e reguladores que impõem certas condicionantes para o
ecossistema empresarial. Assim, tais regulações são agentes que interferem na dinâmica do
ecossistema empresarial, podendo influenciar, de forma direta ou indireta, nos resultados
dos subsistemas empresariais que compõem determinados segmentos da atividade
econômica, em virtude de suas fronteiras espaciais ou geográficas. Não obstante, poderá
vir a influenciar os resultados do desempenho empresarial, portanto, de forma explícita
ou implícita, políticas públicas ambientais e ações do poder público, podem, via regulação
1. Política Pública e Ações Governamentais sob o Enfoque Ambiental
O estado da arte para compreensão dos fenômenos ligados ao desenvolvimento
empresarial econômico e socioambiental, dimensionados a partir de política pública
ambiental e ações governamentais, fundamenta-se no complexo sistema da legislação
ambiental e de decisões do Poder Público, emanados pelos órgãos nacional e subnacionais
do sistema de Meio Ambiente. Segundo Sanches (1997), as políticas públicas norteiam as
ações dos agentes de governo, enquanto que, para os agentes privados sinalizam os seus
investimentos e os seus processos de produção e comercialização. Para Keohane, Revesz
e Stavins (1998) uma política ambiental deve ser estabelecida a partir de duas questões
centrais: qual o nível de proteção ambiental desejado e qual instrumento político deverá ser
aplicado para realizar tal proteção, portanto, sob a gênese da legalidade e da legitimidade, o
Poder Público norteia suas políticas públicas e as ações governamentais de cunho ambiental
a um conjunto de diretrizes de carácter normativo e de regulação do uso, conservação e/
ou preservação dos recursos naturais pelo homem em prol da sociedade. Vários autores
Influência da Política de Regulação Ambiental no desempenho
econômico e socioambiental da indústria de lacticínio em Goiás - Brasil
dos órgãos do sistema ambiental, interferir no desempenho econômico e socioambiental
das empresas.
Segundo Marcovitch (2006), há diferenças significativas entre o tempo da lógica
política e da lógica empresarial. Razão pela qual, faz-se necessário buscar respostas para alguns
questionamentos: 1) As políticas públicas ambientais afetam o desempenho econômico
e socioambiental das empresas? 2) A legislação ambiental influência o desempenho
econômico e socioambiental das empresas? 3) As ações do poder público, relacionadas
às questões ambientais influenciam o desempenho econômico e socioambiental das
empresas? As respostas a essas perguntas são de grande valia para se conhecer até que
ponto as políticas públicas ambientais podem influenciar no desempenho econômico e
socioambiental das empresas.
Portanto, neste artigo, apresenta-se o resultado de uma investigação que buscou,
mediante aplicação de pesquisa empírica no segmento de lacticínio, abrir novas fronteiras
de conhecimento em relação à compreensão das questões ambientais, em especial, se
as políticas públicas ambientais e as ações do poder público, fundamentadas no marco
regulatório e normativo do Estado, exercem influências no desempenho econômico e
socioambiental das empresas de beneficiamento e industrialização de produtos lácteos e
seus derivados no Estado de Goiás-Brasil.
267
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
268
denominam esse processo de sistema de comando e controle (GU, 2000; ANDRADE,
MARINHO E KIPERSTOK, 2001; POLIZELLI, PETRONI E KRUGLIANSKAS, 2003).
São também intrínsecos ao contexto de formulação das Políticas Públicas Ambientais os
instrumentos institucionais de regulação direta no mercado prescritos pela ação do Estado
no ditamento de regras e padrões técnicos para os sistemas de produção e comercialização de
bens, produtos e serviços destinados ao mercado (CORREA, 1998; COUTINHO, NOYA
E NOBREGA, 2002). Associa-se, também, às questões de Políticas Públicas Ambientais o
conjunto de normas de sansões administrativas e penais aplicadas sob o enfoque da prática
de condutada e de atividade lesiva ao Meio Ambiente (Lei Federal nº 9.605/98). Nesse
sentido, a não observação ou a transgressão das normas ambientais por parte da gestão
empresarial ser-lhe-á imputada responsabilidade por danos ambientais, mediante aplicação
de sansões administrativas em compensações financeiras por danos ambientais, multas por
infrações ambientais; embargo de obras por danos ambientais e até a suspensão de venda
e/ou da atividade de produção por infração ambiental (SANTILI, 2007; PHILIPPI, 2002).
A governança institucional do sistema de Meio Ambiente é descrita na Lei 6938/81
de criação do PNMA – Política Nacional do Meio Ambiente, a qual instituiu o Sistema
Nacional de Meio Ambiente, estabelecendo as competências dos órgãos nacionais
e subnacionais para atuarem com as questões ambientais em nível Federal, Estadual e
Municipal. Segundo Azevedo, Pasquis, Burzstyn (2007), a lei de Política Nacional do Meio
Ambiente definiu os cenários de atuação dos entes federativos em referência às ações
relativas à formulação de política e execução de Políticas Públicas Ambientais e da ação
judiciária. Os autores, no Quadro 1 abaixo, descrevem os entes e as suas competências.
Alicerçam, ainda, esse cabedal de normatização e regulação ambiental as ações do
Poder Público com instrumentos econômicos de intervenção direta no mercado por meio
de incentivos creditícios e financeiros, para favorecer ou descriminar produtos ou processos
produtivos, sob um enfoque de promover a redução do uso e a demanda por recursos
naturais. Instrumentos econômicos são classificados em taxas e impostos, autorizações
de comercializáveis ou subsídios para produtos (CORRÊA 1998, COUTINHO, NOYA
E NOBREGA, 2002). A geração da Lei nº 11. 284, de criação das Flonas, denominada
- Lei de Gestão de Florestas, é um exemplo de ação do Poder Público, instituindo um
instrumento econômico composto de taxas, royalties e imposto sobre lucro, com vistas a
promover a exploração dos recursos naturais das florestas nacionais de forma sustentável
(POSTALI e NISHIJIMA, 2008; MARCOVITCH, 2006).
Quadro 1 - Entes Federativos e suas Competências
Inserem-se, também, ao contexto das ações do Poder Público, os acordos
internacionais e regionais, relacionados às questões ambientais. Estes atos normativos
e/ou reguladores, implementados via acordos multilaterais ou bilaterais de comércio
internacional, estabelecem padrões governamentais ou voluntários para produtos,
processos produtivos e na comercialização de bens e serviços. Os padrões oriundos dos
acordos internacionais socioambientais transformam-se em instrumentos de barreiras
técnicas que impactam o desempenho empresarial. Apresentam-se sob a forma de
exigências em aplicação de certificação ISO 14000, certificado de conformidade de análise
de ecoeficiência, rotulagem ambiental para produtos e de barreiras técnicas ambientais do
selo verde. Segundo Burnquist et al. (2007), as empresas brasileiras exportadoras percebem
as exigências técnicas como um fator altamente restritivo para o desenvolvimento de uma
política comercial mais do que as barreiras tarifárias.
Políticas Públicas Ambientais e Ações Governamentais são elementos que, direta
ou indiretamente, podem exercer influência no desempenho empresarial econômico e
socioambiental das firmas. O arcabouço regulador do Estado, mediante ação de controle e
comando ou por intermédio de aplicação de instrumentos econômicos ou também em razão
de acordos internacionais ou regionais, induz a uma sistemática intervenção no sistema de
produtivo das Empresas, seja pela via de investimento em infraestrutura para atender às
demandas dos órgãos do sistema ambiental ou pela necessidade em modernizar métodos
Influência da Política de Regulação Ambiental no desempenho
econômico e socioambiental da indústria de lacticínio em Goiás - Brasil
Fonte: Adaptado de Azevedo et al apud Burstyn e Burzstyn, 2007
269
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
270
e processos produtivos com vista a atender aos padrões ambientais para uso e conservação
dos recursos naturais. Todavia, as firmas buscam estabelecer uma relação de interação
com o ambiente sob o prisma da sustentabilidade. Os princípios da sustentabilidade estão
baseados em três dimensões: a econômica, a ambiental e a social.
Não obstante, o binômio: atividade empresarial e sustentabilidade - apresenta-se
como um fator relevante para as definições do portfólio de produtos das empresas. O
alinhamento das decisões estratégicas corporativas ou genéricas das firmas, com foco em
gestão ambiental, torna-se essencial para atender às demandas do mercado por produtos
designados ecologicamente corretos. Segundo Epelbaum (2004), o investimento em Meio
Ambiente contribui para elevar a competitividade empresarial com resultados tangíveis e
intangíveis. Por outro lado, a aplicação da legislação ambiental por parte das empresas traz
no seu bojo uma série de investimentos ligados ao ciclo de vida dos produtos, podendo
impactar os orçamentos das firmas. Entretanto, associado a esses investimentos, há também
melhoria de produtividade pelas práticas de gestão e de métodos e processos de produção,
via inovação tecnológica, que elevam a qualidade dos produtos. Tais fatores podem, de
forma direta ou indireta, elevar a competitividade das firmas. Para Almeida, Kruglianskas e
Guimarães (2008), as empresas, que adotam como estratégia a produção sustentável estão
preparadas para a nova realidade e prontas para atender às exigências do mercado. Também
são organizadas para atender aos requisitos de auditoria de gestão ambiental.
Destacam-se, também, os aspectos sociais relacionados à questão da sustentabilidade
sob a ótica da Responsabilidade Social Empresarial que se alicerçam nas crenças e valores
éticos que norteiam as relações da Empresa com as partes interessadas da sociedade
(stakeholders), de forma participativa e transparente. A responsabilidade social das
empresas é, essencialmente, um conceito segundo o qual as empresas decidem, numa
base voluntária, contribuir para uma sociedade mais justa e para um ambiente mais limpo
(COMISSÃO DA COMUNIDADE EUROPÉIA, 2001). Já a Confederação Nacional das
Indústrias – CNI assim define a responsabilidade social empresarial:
A Responsabilidade Social Empresarial consiste num
conjunto de iniciativas por meio das quais as empresas
buscam – voluntariamente – integrar considerações de
natureza ética, social e ambiental às suas interações com
clientes, colaboradores, fornecedores, concorrentes, acionistas,
governos e comunidades – as chamadas “partes interessadas”
– visando ao desenvolvimento de negócios sustentáveis.
A pesquisa foi organizada com o objetivo de verificar se o fenômeno política de
regulação ambiental baseado na legislação socioambiental guarda alguma associação
com o desempenho econômico e socioambiental das empresas de beneficiamento e
industrialização de leite e derivados no Estado de Goiás-Brasil.
Aplicou-se um questionário estruturado elaborado em uma escala do tipo Likert,
com valor de pontuação de 1 a 5, em 118 empresas registradas no Serviço de Inspeção
Federal, da Superintendência Federal da Agricultura, Pecuária e Abastecimento no Estado
de Goiás-Brasil, nas categorias de fábrica de laticínios, usina de beneficiamento e posto de
refrigeração . Estas empresas de produtos lácteos se enquadram na Resolução nº 237/97,
do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, como empresas que necessitam
de licenciamento ambiental para exercerem suas atividades econômicas. Do universo das
empresas pesquisadas obteve-se o retorno de 92 questionários.
Portanto, a amostra compõe-se de 77, 97% do universo das empresas do segmento da
indústria de lacticínio em Goiás, inscritas no Sistema de Inspeção Federal –SIF, o que nos
permite inferir que ela é representativa para o referido segmento. O grupo não respondente
é homogêneo ao grupo respondente, considerando os critérios estabelecidos para definição
da amostra, ou seja, empresas fiscalizadas pelo Sistema de Inspeção Federal – SIF e sujeitas
a aplicação da resolução nº 237/97, do Conselho Nacional do Meio Ambiente. Desta
forma, o resultado amostral atende aos requisitos estatísticos para definição da amostra por
população conhecida ao nível de confiança de P≤0, 05. Os resultados da pesquisa empírica
foram analisados mediante a utilização da estatística inferencial. A análise indutiva ou
inferencial é baseada na aplicação da técnica de Correlação de Pearson para determinar
o grau de associação entre as variáveis estudadas.e do uso da estatística F para se obter o
teste de significância das hipóteses. Aplica-se, também, a correlação de Pearson e o alfa
Cronbach para validação do instrumento de pesquisa utilizado, bem como mensurar o
grau de confiabilidade interna dos dados coletados. Os dados da pesquisa foram tratados
mediante o uso do software estatístico Sphinx e da planilha eletrônica Excel.
Estabeleceu-se,também, o conjunto de hipótese com objetivo de verificar se a politica
de regulação ambiental expressa via a legislação ambiental guardam alguma associação
com o desempenho econômico e socioambiental das firmas pesquisadas. São as seguintes
hipótese levantadas:
H1 - Há associação entre a variável independente, denominada legislação
Influência da Política de Regulação Ambiental no desempenho
econômico e socioambiental da indústria de lacticínio em Goiás - Brasil
2.Metodologia da Pesquisa
271
socioambiental e a variável dependente, denominada marketing ambiental
das empresas de beneficiamento e industrialização de leite e derivados do
Estado de Goiás;
H2 - Há associação entre a variável independente, denominada legislação
socioambiental e a variável dependente, denominada desempenho econômico
das empresas de beneficiamento e industrialização de leite e derivados do
Estado de Goiás;
H3 - Há associação entre a variável independente, denominada legislação
socioambiental e a variável dependente, denominada desempenho ambiental
das empresas de beneficiamento e industrialização de leite e derivados do
Estado de Goiás;
H4 - Há associação entre a variável independente, denominada legislação
socioambiental e a variável dependente, denominada desempenho social
das empresas de beneficiamento e industrialização de leite e derivados do
Estado de Goiás.
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
3 - Teste de consistência do instrumento de coleta de dados
272
3.1- Variável independente legislação ambiental
Os itens da questão sobre legislação ambiental apresentam o grau de associação,
medido pelo coeficiente de correlação de Pearson, classificado com positivo muito forte,
com uma variação entre 0, 85 a 0, 96. O Alfa Cronbach tem grau de densidade interno
determinado como bom e excelente. Portanto, pode-se aferir como consistente o conjunto
de dados referentes aos itens do instrumento de coleta de dados sobre legislação ambiental.
Tabela 1 - Matriz de validação da dimensão Legislação Socioambeintal
3.2. Variável dependente marketing ambiental (VD 1)
Os itens que compõem a questão marketing ambiental apresentam o grau de
associação, medidos pelo coeficiente de correlação de Pearson, classificado com positivo
muito forte. O Alfa Cronbach tem grau de densidade interno determinado como bom.
Portanto, pode-se aferir como consistente os dados relacionados aos itens da questão sobre
marketing ambiental.
Tabela 2 - Matriz de validação da dimensão Marketing Ambiental
Fonte: Autores
Influência da Política de Regulação Ambiental no desempenho
econômico e socioambiental da indústria de lacticínio em Goiás - Brasil
Fonte: Autores
273
3. 3. Variável dependente desempenho econômico (VD 2)
O grau de associação, medido pelo coeficiente de correlação de Pearson, para os
itens da questão desempenho econômico é classificado com positivo muito forte, com uma
variação entre 0, 82 a 0, 97. O Alfa Cronbach tem grau de densidade interno determinado
como excelente. Portanto, pode-se aferir como consistente os dados referentes aos itens da
questão sobre desempenho econômico
Tabela 3 - Matriz de validação da dimensão Desempenho Econômico
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
Fonte: Autores
274
3.4. Variável dependente desempenho ambiental (VD 3)
Os itens que compõem a questão desempenho ambiental têm o grau de associação,
medido pelo coeficiente de correlação de Pearson, classificado com positivo muito forte,
com uma variação entre 0, 72 a 0, 91. O Alfa Cronbach tem grau de densidade interno
determinado como bom. Portanto, pode-se aferir como consistente os dados referentes aos
itens da questão sobre desempenho ambiental.
Tabela 4 - Matriz de validação da dimensão Desempenho Ambeintal
Fonte: Autores
3.5.Variável dependente desempenho social (VD 4)
Os itens que compõem a questão desempenho social têm o grau de associação,
medido pelo coeficiente de correlação de Pearson, classificado com positivo muito forte,
com uma variação entre 0, 81 a 0, 86. O Alfa Cronbach tem grau de densidade interno
determinado como bom. Portanto, pode-se aferir como consistente os dados referentes aos
itens da questão sobre desempenho social.
Fonte: Autores
4. Teste de significância das hipóteses
Todos os coeficientes Fo calculados das hipóteses que compõem o grupo I foram
maior do que os Fc críticos. Por isso, em nível de significância de P ≤ 0, 05, pode-se rejeitar
as hipóteses nula H0: b2 = b3 =. . . . . . . bk = 0 e aceitar as hipóteses experimentais de H1:
b2 = b3 =. . . . . . . bk ≠ 0. Portanto, pode-se inferir que há evidências de associação entre
a variável explicativa, VI. 1 (Legislação Socioambiental) e as variáveis explicadas, VD. 1
Influência da Política de Regulação Ambiental no desempenho
econômico e socioambiental da indústria de lacticínio em Goiás - Brasil
Tabela 5 - Matriz de validação da dimensão Desempenho Ambeintal
275
(marketing ambiental); VD. 2 (desempenho econômico); VD. 3 (desempenho ambiental);
VD. 4 (desempenho social) das empresas de beneficiamento e industrialização de leite e
derivados do Estado de Goiás.
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
Tabela 6 - Teste de Hipóteses
276
Fonte: Autores
5. Análise das correlações entre as variáveis
Nesta seção, buscou-se inferir o grau de associação entre a variável explicativa de
legislação socioambiental (VI) e as variáveis explicadas de desempenho econômico e
socioambiental das empresas (VD) mediante a análise de correlação múltipla, cujos
resultados são mostrados a seguir. As correlações são todas significativas para p≤ 0, 05,
embora com intensidade diferenciada entre elas. Portanto, infere-se que há associação entre
a variável independente legislação socioambiental e as variáveis dependentes de marketing
ambiental, desempenho econômico, desempenho ambiental e desempenho social.
Baseado nesta evidência de associação pode-se ainda inferir:
•
Sob o contexto de uma política ambiental de comando
e controle, observa-se a eficácia da Legislação Socioambiental
(indicadores VI. 1. 1; VI 1. 2 e VI 1. 3), mediante a influência sobre as
ações de marketing ambiental(VD1) das empresas de beneficiamento e
industrialização de leite em Goiás. Por outro lado , como há influência
positiva, deduz-se que as firmas pesquisadas vêem as questões relativas
ao licenciamento ambiental não como fatores que possam afetar
diretamente o desempenho mercadológico , mas sim como contributo
para a comercialização de produtos com a marca ecológica, o que
denota a internalização da normativa por parte das empresas do setor.
•
O indicador da variável intensidade dos dispêndios para
atender a Legislação Socioambiental (VI. 1. 3) exerce influência,
positiva e diretamente proporcional, no desempenho econômico das
empresas pesquisadas. Portanto, infere-se que a aplicação da Legislação
Socioambiental, no que se refere aos estudos e ao relatório de impacto
Influência da Política de Regulação Ambiental no desempenho
econômico e socioambiental da indústria de lacticínio em Goiás - Brasil
Tabela 7 - Teste de Hipóteses
277
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
278
ambiental, investimentos em controle ambiental e social e nas
compensações ambientais, produz resultados positivos no desempenho
econômico das empresas.
•
Os indicadores das VI 1. 2 e VI 1. 1 tem uma associação negativa
com o indicador da VD. 2 - desempenho econômico. Correlação
negativa pressupõe uma inversão proporcional entre a variável explicada
e a variável explicativa. Assim, considerando, por exemplo, os elementos
que compõem o indicador da variável VI 1. 2 com correlação negativa:
tempo de liberação para licença prévia, tempo de liberação da licença de
instalação e tempo de liberação de licença de instalação, à medida que
há uma elevação do tempo de liberação dessas licenças, tal fato induz
em redução da atividade produtiva da empresa. Desta forma, infere-se
que, sob tais circunstâncias, há probabilidade de afetar o resultado de
desempenho econômico das firmas. Portanto, baseado nesses dados,
pode-se inferir que os indicadores VI 1. 1 e VI 1. 2 influenciam,
sobremaneira, para a redução do resultado do desempenho econômico
das empresas de beneficiamento e industrialização de leite em Goiás.
•
Com relação à VD 3 observa-se a influência positiva da dos
indicadores da VI 1. 3 no desempenho ambiental das empresas de
beneficiamento e industrialização de leite em Goiás, exercida pelos
seguintes elementos: estudo de impacto ambiental, relatório de impacto
ambiental, investimento em controle ambiental e compensações
financeiras. Todavia, há evidências de correlação negativa para alguns
dos indicadores VI 1. 1 e VI 1. 2. Por isso, considerando que há
correlação negativa, pode-se inferir que decisões e ações do órgão do
sistema ambiental que estabelecem condições de exigências técnicas e
temporal para liberação da licença prévia; licença de instalação, bem
como a ampliação do tempo de liberação da licença de instalação,
influenciam tanto na redução quanto no aumento do desempenho
ambiental das empresas de beneficiamento e industrialização de leite
em Goiás. Portanto, maior rigor da legislação na liberação das licenças
ambientais pressupõe redução do desempenho ambiental das firmas.
•
Pelas evidências dos dados correlacionais é possível deduzir que
os indicadores de VI 1. 2 e VI 1. 3 exercem uma influência positiva
no desempenho social (VD 4) das empresas de beneficiamento e
industrialização de leite em Goiás. Todavia, cabe destacar as correlações
negativas de dois elementos da VI 1. 1: licença prévia e licença de
instalação. Assim, pode-se inferir que o grau de exigências técnicas /
legais do órgão do sistema ambiental tem uma relação inversa com o
desempenho social das firmas. Portanto, no caso elevação do grau de
exigência técnica/ legal para obtenção da licença ambiental induz-se
que haverá uma provável redução nas ações de responsabilidade social
empresarial. Por outro lado, caso haja flexibilização aumentam-se as
probabilidades dessas ações por parte das empresas.
À luz das evidências apresentadas, embasado nos resultados da pesquisa empírica,
verifica-se que Políticas Públicas e Ações Governamentais relacionadas as questões de
legislação socioambientais guardam, sim, uma associação com o resultado de desempenho
empresarial econômico e socioambiental das empresas do setor lácteo de Goiás. Portanto,
pode-se inferir que as políticas ambientais exercem influência no desempenho econômico
e socioambiental das empresas de beneficiamento de leite e derivados em Goiás. Por isso,
pode-se concluir em relação as firmas pesquisadas:
a) Estudo de impacto ambiental, relatório de impacto ambiental, investimento
em controle ambiental e investimentos em compensações ambientais são
instrumentos de grande valia para gestão ambiental e empresarial. Pois, pode-se
inferir que a intensidade dos dispêndios realizados pelas empresas para atender
a Legislação Socioambiental não se constitui em um fator relevante que possa
afetar de forma negativa o desempenho econômico e socioambiental. Mas
sim, atributo para elevar a eficiência econômica e socioambiental da empresa.
b) O desempenho econômico das empresas pesquisadas sofre a influência
negativa da Legislação Socioambiental no que se refere as dificuldade
em atender exigências técnicas do órgão ambiental e o tempo de análise e
expedição da licença ambiental. Portanto, pode-se inferir que os padrões
técnicos e/ ou burocráticos relacionados a Legislação Socioambiental, no que
se refere a obtenção da licença ambiental, contribui de forma negativa para o
resultado econômico das empresas pesquisadas, com a probabilidade de gerar
Influência da Política de Regulação Ambiental no desempenho
econômico e socioambiental da indústria de lacticínio em Goiás - Brasil
Considerações Finais
279
perdas de receitas operacionais ou influir na margem operacional e demais
indicadores econômicos;
c) O desempenho ambiental tem influência positiva do indicador de legislação
ambiental . O indicador intensidade de dispêndio para ampliação atividade
e/ou na implantação de novo empreendimento sinaliza para a evidência que
quanto maior for o nível de dispêndio efetuado, quanto maior será o resultado
do desempenho ambiental focado na redução de consumo de matéria-prima,
energia, água, emissões de efluentes e gases de efeito estufa. Por outro lado,
há também uma associação negativa em relação ao licenciamento ambiental
, o que denota quanto maior a demora em liberar o licenciamento, maior a
probabilidade de afetar o desempenho ambiental das empresas;
d) O tempo de liberação do licenciamento ambiental, componente de
Legislação Socioambiental, tem associação positiva no desempenho
social. A relação de associação diretamente proporcional entre Legislação
Socioambiental e desempenho social denota o quanto a legislação ambiental
tem um papel significante para fomentar as ações de responsabilidade social
empresarial;
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
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281
Capítulo 13
MOTIVAÇÕES PARA O
DESENVOLVIMENTO DE CONTRATOS
DE DESEMPENHO ENERGÉTICO NA
UNIÃO EUROPÉIA: UMA PERSPECTIVA
DE COOPERAÇÃO EMPRESARIAL
Victor Santos
Mário José Batista Franco
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
N
284
o actual quadro do mercado e concorrência global,
emerge o conceito de competitividade como objectivo a
alcançar quer por indivíduos, empresas/organizações,
países, regiões e sectores de actividade, quer de âmbito nacional
ou supranacional (Ribeiro e Santos, 2001). Paradoxalmente
uma das respostas estratégicas ao incremento da concorrência
tem vindo a ser o incremento da cooperação entre concorrentes,
emergindo o conceito de coopetição (Cooperar para competir)
(Astley, 1984), como forma de designar as diferentes formas de
cooperação entre concorrentes. No alinhamento do “Dilema
do Prisioneiro” (Axelrod, 1984), a adequação da teoria das
estratégias colectivas, nas suas diferentes formas e âmbitos de
cooperação, como motor de desenvolvimento e incremento
da competitividade das entidades cooperantes, tem vindo a
ser defendida por políticos, responsáveis de diferentes áreas
e académicos, veja-se a título de exemplo, os apoios previstos
a projectos Estratégicos de Eficiência Colectiva previstos no
QREN (Quadro de Referência Estratégico Nacional). Esta
adequação é sustentada na avaliação de situações concretas nas
investigações efectuadas no âmbito da cooperação (e.g., Astley,
1984; Oliver, 1988; Academy of Management, 1990; Franco,
2003, 2010, 2011; Ring et al., 2010; Zeng et al., 2010).
Numa década marcada pela consciência ambiental, a poupança energética através
da redução dos consumos, da eficiência energética e do recurso às energias endógenas
são hoje objectivos prioritários numa Europa com elevada dependência energética de
outros países (Annual Energy Outlook 2011). O desempenho ambiental e os custos da
energia assumem um papel de relevância na competitividade das empresas, países e regiões.
Neste contexto, a eficiência energética, associada à utilização racional da energia, assume
uma importância crescente. O conceito de eficiência energética pressupõe a adopção de
medidas que permitem uma melhor utilização da energia, tanto no sector doméstico,
como nos sectores de serviços e indústria. A nível empresarial, uma eficiente política de
eficiência energética conduz a significativas poupanças de energia, permitindo aumentar
produtividade das actividades dependentes de energia, com vantagens do ponto de vista
económico e ambiental, (Renssen, 2011).
Motivações para o desenvolvimento de contratos de desempenho energético
na União Européia: uma perspectiva de cooperação empresarial
As directivas e regulamentação europeia apontam para uma crescente exigência
do desempenho energético, que, para as empresas, representa níveis de investimento em
equipamentos e gestão muito difíceis de suportar (Beckman, 2011). A gestão e racionalização
energética não é um tema novo, já nos anos 70 surgiram empresas de serviços de energia, as
chamadas ESCO (Energy Service Companies), numa lógica de segurança de preços, para o
fornecimento de energia com valores fixos ou indexados, de forma a contrariar as oscilações
dos valores do petróleo. Mais tarde, as ESCO diversificaram a sua oferta e, para além do
fornecimento de energia, avançaram para parcerias onde as melhorias de desempenho e
objectivos de eficiência energética passaram a assumir uma forma contratual. No contexto
actual, em que a “International Energy Agency” (IEA) prevê que entre 2004 e 2030 a
procura de energia cresça 53% (o equivalente a 5,9 biliões de toneladas de petróleo) e a
eficiência energética é apontada como uma solução inadiável para controlar o aumento da
procura e reduzir os consumos, as empresas ESCO tornar-se-ão parceiros imprescindíveis e
decisivos na gestão energética das empresas e organizações europeias (Dawson, 2010).
De entre os múltiplos serviços passíveis de serem prestados pelas empresas ESCO,
tem vindo assumir especial relevância os contratos de performance energética (EPC´s),
contratos de médio e longo prazo, nos quais as empresas ESCO assumem parte ou a
totalidade do investimento necessário para desenvolver e gerir projectos de eficiência
energética, envolvendo a racionalização, poupança ou produção descentralizada de energia,
partilhando com as organizações e instituições clientes, as economias energéticas obtidas.
Os modelos de contratos de performance energética estão a ser encarados como
grandes dinamizadores do sector energético, especialmente importante em momentos
como o actual, com políticas de apoio no seio da União Europeia (UE). Em Portugal,
as preocupações com a eficiência energética estão patentes no compromisso assumido
no contexto das políticas europeias relativas às alterações climáticas (Pacote Energia
-Clima 2020), no âmbito das quais, entre outras medidas, Portugal se comprometeu, até
2020, a reduzir em 20% o seu consumo de energia final. Relativamente aos contratos de
performance energética, a legislação Portuguesa enquadrante começa agora a ser publicada,
pelo que assume especial relevância a análise e compreensão dos modelos existentes noutros
países da UE.
Dadas as características dos modelos de contratos de performance energética, quer
pela sua duração temporal, quer pela partilha de riscos (podendo envolver a empresa ESCO,
a empresa cliente, entidade(s) financiadora(s) e outras empresas prestadoras de serviços),
quer pelos desafios à gestão operacional na implementação dos projectos de eficiência
285
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
286
energética (incerteza e interactividade entre ESCO e cliente ao longo do processo),
representa, um novo paradigma face á tradicional relação contratual. Neste contexto, a
compreensão dos modelos de cooperação empresarial pode assumir importância muito
relevante para a análise e compreensão das motivações no estabelecimento de contratos de
performance energética, bem como, na identificação e compreensão de estrangulamentos
e obstáculos à sua dinamização. Neste âmbito, consideramos que o Know-how, modelos e
experiências de diferentes formas de cooperação empresarial, poderão desempenhar um
papel fundamental para a compreensão e conceptualização dos aspectos motivacionais e de
liderança dos processos inerentes aos contratos de performance energética, aspectos que
consideramos determinantes para dinamização e internacionalização das empresas ESCO
portuguesas.
O presente artigo visa a apresentação dos aspectos mais relevantes da investigação
bibliográfica efectuada no âmbito da cooperação e dos Contratos de Performance Energética
adoptados na UE, nomeadamente, a caracterização dos conceitos, a identificação teórica
dos principais estrangulamentos e obstáculos á implementação dos processos de cooperação
em geral e dos Contratos de Performance Energética em particular. Por último, apresentase uma proposta para adaptação do modelo de cooperação proposto por Swierczek e
Hirsch (1994), aos Contratos de Performance Energética, realçando os aspectos teóricos
fundamentais em cada uma das diferentes fases do modelo.
Finalmente, importa referir, a nossa vontade de que o presente artigo venha a constituir
a base teórica da investigação empírica que pretendemos desenvolver, na qual pretendemos
identificar e conceptualizar os aspectos motivacionais e de liderança determinantes para
o sucesso dos Contratos de Performance Energética, enquanto processos de cooperação
empresarial, que, consideramos estratégicos para as empresas europeias.
1. Caracterização do mercado de energia na União Europeia
A Europa encontra-se na actualidade numa fase crítica do seu desenvolvimento. A
actual crise económico-financeira instalada, praticamente em todo o mundo, associada
à grande dependência de muitos países de combustíveis fosseis, tornaram as questões
energéticas factores de grande enfoque e importância. Esta constatação desencadeou uma
preocupação crescente, ao longo dos anos, em torno de assuntos não só ambientais, como
já se previa há algumas décadas, mas também aos assuntos relacionados com a estabilidade
energética dos países, o recurso dos mesmos a fontes ecológicas e renováveis para extracção
1.1. Alemanha
O mercado alemão das ESCO é considerado o mais bem sucedido e maduro da
Europa. O modelo de contrato mais usual na Alemanha é o de fornecimento de energia
Motivações para o desenvolvimento de contratos de desempenho energético
na União Européia: uma perspectiva de cooperação empresarial
de energia e, principalmente, com a gestão dessa mesma energia (Renssen, 2011). A lógica
do Desenvolvimento Sustentável (Rivera-Lírio e Muñoz-Torres, 2010) exige que a gestão da
energia deva ser específica e minuciosa, para que atinja a eficiência e eficácia necessária,
para preencher os requisitos mundialmente impostos, cada vez mais rígidos.
É neste âmbito que surge a necessidade dos serviços das empresas ESCO, ou seja,
empresas especializadas que, em parceria com os clientes, façam o balanço energético,
assumam a responsabilidade de implementação e operacionalização dos projectos de
eficiência energética, demonstrem capacidade técnica, garantam resultados e assumam
parte dos riscos, permitindo às organizações e instituições, economias energéticas e
consequente optimização de investimentos e diminuições do valor da factura de energia.
A racionalização da energia é, desde há algum tempo, uma prioridade para Portugal, com
forte investimento ao nível das energias limpas.
A União Europeia consome e importa cada vez mais energia, decorrendo da sua
insuficiente capacidade de produção de energia, o que resulta numa crescente dependência
energética. Esta dependência, naturalmente preocupante, representava em 1999 algo como
240 biliões de euros, ou seja, 6% do total das suas importações. Em termos geopolíticos,
45% dos produtos importados provêm do Meio Oriente e 40% do gás provém da Rússia.
Das actuais necessidades, apenas 6% da energia tem origem em fontes renováveis e,
mantendo-se a dinâmica actual, em 2030 este valor deverá apenas crescer para 8%. Este
quadro pressiona os países no sentido de procurarem soluções de Eficiência Energética
e do incremento da produção de energia baseada em fontes renováveis. Neste âmbito,
as empresas ESCO tem vindo a ser encaradas como resposta adequada para dinamizar
o sector energético, especialmente importante em momentos como o actual, em que a
economia exige uma forte especialização e concentração de recursos (Status Report 2010).
De acordo com o relatório “Energy Services Europe - Status Report 2010” da
European Commission's Directorates - General Joint Research Centre (JRC), o mercado
europeu de eficiência energética, período 2007/2010, mostra-nos que, na União Europeia,
a Alemanha apresenta o mercado com mais dinâmica ao nível das empresas ESCO, seguida
pela Itália e Reino Unido, nomeadamente.
287
(“Energy Supply Contract” – ESC), sendo que o modelo de contrato de desempenho
energético (“Energy Perfomance Contracting” – EPC) apenas representa uma pequena
fracção.
O valor do mercado de eficiência energética alemão está avaliado entre 1.7 a 2.4
biliões de euros/ano, disputado por cerca de 500 empresas ESCO.
1.2. Itália
No mercado de eficiência energética Italiano predominam as empresas ESCO
resultantes de parcerias regionais, com carácter público-privado. Ao parceiro público cabe
a responsabilidade da agregação da procura, da garantia da implementação das medidas de
eficiência energética e a compensação pelo risco de perdas financeiras. Normalmente, os
bancos locais e regionais participam nesta parceria.
O mercado de eficiência energética Italiano atingiu o valor de 387M euros em 2009,
sendo disputado por cerca de 150 empresas, das quais, apenas 50 têm capacidade técnico
financeira para efectuar contratos de longo prazo (“Energy Perfomance Contracting” –
EPC).
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
1.3. Reino Unido
288
O mercado de eficiência energética do Reino Unido é um dos mercados de “Third
Party Financy” - financiamento por terceiros – mais bem implementado e activo.
O mercado de contratação de serviços de energia existe desde 1984, quando as
subsidiárias das grandes empresas de energia e de engenharia, começaram a incluir na sua
oferta, serviços de valor acrescentando, nomeadamente, projectos de financiamento para
os seus serviços tradicionais. Desde essa altura, o mercado das ESCO britânico tem sido
por vezes reestruturado devido às alterações no mercado energético.
O mercado de eficiência energética do Reino Unido está avaliado em 400M euros/
ano, disputado por 20 empresas ESCO.
1.4. Mercado Português
De acordo com o relatório do General Joint Research Centre (JRC), já referido, o
mercado português de eficiência energética começou a ganhar expressão em 2008, com a
Motivações para o desenvolvimento de contratos de desempenho energético
na União Européia: uma perspectiva de cooperação empresarial
introdução de medidas e incentivos por parte do Governo. Até 2009, o mercado das ESCO,
em Portugal, centrava-se sobretudo em projectos no sector industrial, no qual, os projectos
de eficiência energética são obrigatórios para consumos superiores a 500 TOE`s (toneladas
equivalentes de petróleo) /ano. O mercado de eficiência energética está avaliado entre 3 a
10M euros/ano, existindo de acordo com o relatório referido entre 10 a 12 empresas ESCO
em Portugal.
A Estratégia Nacional para a Energia com o horizonte de 2020 (ENE 2020), aprovada
pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 29/2010, de 15 de Abril, prevê, como um
dos seus principais objectivos, o desenvolvimento de um cluster industrial associado à
promoção da eficiência energética, assegurando a criação de postos de trabalho e gerando
um investimento previsível de 13 000 milhões de euros até 2020.
Em termos de metas nacionais de eficiência energética, o Decreto -Lei n.º 319/2009,
de 3 de Novembro, que transpôs a Directiva n.º 2006/32/CE, do Parlamento Europeu
e do Conselho, de 5 de Abril de 2006, estabelece que Portugal deve procurar atingir,
globalmente, a nível nacional, um objectivo de economias de energia de 9 % para 2016.
De uma forma mais ambiciosa, o Plano Nacional de Acção para a Eficiência
Energética (PNAEE) — Portugal Eficiência 2015, aprovado pela Resolução do Conselho
de Ministros n.º 80/2008, de 20 de Maio, prevê uma melhoria da eficiência energética
equivalente a 10% do consumo final de energia até 2015.
Além das metas referidas, Portugal comprometeu -se, no contexto das políticas
Europeias de combate às alterações climáticas (Pacote Energia - Clima 2020), entre outras
medidas, a reduzir em 20 % o seu consumo de energia final até 2020.
No âmbito do Plano de Acção Nacional para a Eficiência Energética de 2008, foi
recentemente lançado o Programa de Eficiência Energética na Administração Pública
(ECO-AP), programa que pretende atingir mais de 20% de eficiência energética nos edifícios
públicos. Com base neste programa, as empresas ESCO passam a dispor, desde Janeiro
deste ano, de um novo mercado na área do Estado, enquadrado e sintonizado com a sua
actividade, estabelecendo o Decreto-Lei n.º 29/2011de 28 de Fevereiro, o regime jurídico
aplicável aos contratos de gestão de eficiência energética, a celebrar entre os serviços e
organismos da Administração Pública e as empresas de serviços energéticos.
De referir que o conceito de poupanças partilhadas só agora está a ganhar alguma
expressão, sendo raras as empresas ESCO que já disponibilizam o modelo de negócio EPC
(“Energy Perfomance Contracting”). Idênticas considerações se podem fazer relativamente
às entidades financeiras e/ou bancárias, que, começam a demonstrar interesse em participar
como parceiros financeiros deste modelo de negócio.
289
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
2. Caracterização do Modelo de Contrato de Performance Energética
290
No âmbito da pesquisa bibliográfica efectuada, são raros os estudos disponíveis, e
os existentes, abordam essencialmente o mercado dos Estados Unidos da Americana. Pese
embora não seja o mercado alvo desta pesquisa, tivemos de nos socorrer destes estudos,
face á inexistência de trabalhos académicos sobre contratos de performance energética no
âmbito do mercado europeu.
Dos vários serviços passíveis de serem fornecidos pelas empresas ESCO, conforme
já referido, assumem especial relevância os contratos de performance energética, os quais
deverão possuir quatro características específicas, nomeadamente (Frenkil 2010):
Deverão garantir poupanças de energia e/ou a prestação do mesmo nível de energia a
um menor custo, através da implementação de adequados projectos de eficiência energética;
Os riscos deverão ser partilhados entre a empresa ESCO e o cliente, sendo a
remuneração dos serviços directamente ligada às economias de energia alcançadas;
A empresa ESCO deverá financiar ou viabilizar a obtenção dos financiamentos
necessários para a instalação e implementação das soluções de poupança energética
contratualizadas com o cliente, sendo o risco financeiro sustentado nas poupanças
energéticas que virão a ser alcançadas;
Ao longo do prazo de implementação dos projectos de poupança energética, a
empresa ESCO e o cliente são parceiros na gestão operacional com impacto energético,
competindo à empresa ESCO a gestão da energia do cliente, a assessoria técnica e coresponsabilização nas decisões com impacto energético, as medições e verificações da
poupança de energia ao longo do projecto.
O estabelecimento de um “contrato de performance”, no qual uma empresa ESCO
se obriga, face ao Cliente, a alcançar um resultado proposto a partir da implementação
de um plano estratégico de eficiência em áreas como a iluminação, quantidade de água
quente, temperatura da água, temperatura do ar, etc., constitui, para o cliente, uma decisão
estratégica porquanto, pode focar sua atenção no seu negócio, delegando a gestão dos
seus serviços de energia, numa entidade especializada no sector, com melhores condições
técnicas e económicas na aquisição de equipamentos e energia. O cliente, para além de
beneficiar de uma percentagem das mais-valias geradas com a poupança energética, não
tem de fazer investimentos e minimiza o risco técnico e o risco financeiro, constituindo a
partilha do risco do projecto, a garantia de que a empresa ESCO irá procurar as soluções
mais adequadas. No final do contrato, o cliente será proprietário da solução energética e
equipamentos.
Conforme referido, o actual quadro do mercado e concorrência global obriga à
procura contínua de elevados níveis de inovação e competitividade, quer por indivíduos,
empresas/organizações, países, regiões e/ou sectores de actividade, quer de âmbito
nacional ou supranacional, contexto que tem conduzido ao incremento da cooperação
e interdependência entre concorrentes (Astley, 1984). No plano individual, o contexto
mais explicativo, remete-nos para a explosão do número de redes sociais e permanente
crescimento dos seus utilizadores (Breiger, 2004). Também no plano institucional, o
contexto da cooperação e o seu contínuo incremento e interrelação são múltiplas, quer
falemos de relações internacionais de âmbito global, envolvendo praticamente todos os
países e domínios (ex. ONU – Organização das Nações Unidas), de organizações não
governamentais de âmbito global (ex. Greenpeace), de âmbito regional (UE) (Rocha, 2002),
entre Países (CPLP – Comissão dos Países de Língua Oficial Portuguesa), entre regiões ou
cidades do mesmo país (ex. Associações de Municípios) ou de diferentes países (ARFE –
Associação de Regiões Fronteiriças Europeias) (Caramelo, 2007), ou de organizações locais
(ex. Comissões de Protecção de Jovens em Risco). Também a nível empresarial, o fenómeno
da cooperação teve um desenvolvimento semelhante, seja qual for a óptica de observação
(ex, Associações Internacionais, Regionais e/ou Locais de comercio/industria/sectores
de actividade) (Azevedo, 2000; Eiriz, 2005), bem como, merece referência, as formas de
cooperação entre empresas e instituições e/ou pessoas, nomeadamente as designadas
parcerias público-privadas1.
A importância do fenómeno da cooperação, seja qual for o âmbito considerado, fica
patente no número crescente, importância e diversidade das estruturas, formas e processos
de cooperação, bem como nos financiamentos necessários à sua manutenção e políticas de
incentivo e apoio, quer dos poderes locais, nacionais e internacionais (Caramelo, 2007).
A nível académico esta importância é materializada no elevado número e diversidade
dos estudos e artigos sobre esta temática (Dyer et al., 2001; Matos, 2008; Augustine and
Cooper, 2009; Culpan, 2009; Franco, 2010, 2011).
O carácter estratégico da cooperação foi abordado na literatura por vários autores,
nomeadamente nos trabalhos de Stafford (1994) e de Borys e Jemison (1989). Segundo
Ring (2000), Nurula e Dunning (1998), Hagedoorn e Nerula (1996) e Kogut (1988), uma
aliança tem carácter estratégico quando é estabelecida para possibilitar aos parceiros, a
Motivações para o desenvolvimento de contratos de desempenho energético
na União Européia: uma perspectiva de cooperação empresarial
3. Cooperação Empresarial como respota estratégica aos desafios da
concorrência global
291
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
292
prossecução de objectivos que eles definiram no decurso do seu processo de tomada de
decisão estratégica. Segundo os autores referidos, uma aliança estratégica diferencia-se de
qualquer outro tipo de acordo por afectar, a longo prazo, a posição de mercado da empresa
e contribuir para aumentar o seu valor no futuro. Segundo Morasch (2000), no caso dos
acordos tecnológicos, o carácter estratégico implica a transferência de conhecimento, pelo
menos, por parte de um dos parceiros. Para Ring (2000), as alianças/acordos não são a
estratégia em si mesma, mas sim a forma de a implementar. Dos objectivos estratégicos
identificados por Hermosilla e Solá (1989), salientamos a melhoria na utilização de
equipamentos e a prática de técnicas de gestão inovadoras, bem como as economias de
escala e as economias de experiência, referidas por autores como Narula e Hagedoorn,
(1999), Borch (1994), Morris e Hergert (1987), Porter e Fuller (1986). Para Porter (1986)
e Ireland et al. (2002), é importante alcançar vantagens competitivas na cooperação. Hax
e Majluf, Jojnson e Scholes, citados por Eiriz (2001), argumentam que para um acordo
de cooperação ser considerado estratégico, deverá resultar de um conjunto coerente de
decisões, visando desenvolver uma vantagem competitiva sustentável, com impacto
organizacional de longo prazo.
Conforme referido por Franco (2001), a cooperação empresarial tem sido sugerida
como uma estratégia viável para elevar o nível de competitividade das (PME´s), podendo
constituir uma forma organizativa de superação das limitações de ordem dimensional,
estrutural e financeira que caracteriza este grupo de empresas. Esta mesma abordagem
consta do Plano Operacional da Economia (POE), no qual é salientada a importância
da cooperação empresarial e a lógica das parcerias, como forma de melhorar a “eficiência
colectiva”, constituindo novas formas de iniciativa empresarial com bons resultados em
vários pontos do globo (Filho et al., sd).
Dada a complexidade e o vasto âmbito da cooperação, importa desde já caracterizar
alguns conceitos de forma a definir o âmbito da futura investigação e da pesquisa
bibliográfica.
3.1.Conceito e âmbito da cooperação
Ribeiro e Santos (2001) propõem a classificação do fenómeno da cooperação,
quanto à forma, âmbito e natureza. Quanto à forma, os autores consideram a cooperação
interpessoal (entre indivíduos), a cooperação empresarial (entre empresas) e a cooperação
institucional (entre entidades). Quanto ao âmbito da cooperação, os investigadores centram
Motivações para o desenvolvimento de contratos de desempenho energético
na União Européia: uma perspectiva de cooperação empresarial
a classificação em termos da localização geográfica dos cooperantes, sendo que outros
autores consideram outras dimensões, tais como a área funcional (Emulti e Kathawala,
2001; Das e Teng, 1998; Hermosilla e Solá, 1989; Morris e Hebert, 1987) ou a cadeia de
valor (Das e Teng, 1997; Root, 1988; Porter e Fuller, 1986), em que se centra o acordo
de cooperação. Quanto á natureza, a cooperação é classificada em formal ou informal,
classificação também adoptada por Menguzzato e Renau (1991).
Dado o âmbito da investigação empírica que nos propomos efectuar, quanto às
formas de cooperação, a pesquisa bibliográfica focaliza-se na cooperação empresarial e na
cooperação institucional.
No âmbito da cooperação empresarial assume especial relevância a “Teoria dos
Recursos e Capacidades”, como teoria explicativa do sucesso empresarial (Angel e Pulido,
2010) e a cooperação como forma de alavancar os recursos e capacidades internas de cada
empresa. Neste trabalho iremos assumir a definição de cooperação empresarial proposta
por Franco (2001, p. 3), segundo a qual, um acordo de cooperação empresarial (formalizado
ou não) é definido como “decisão estratégica adoptada por duas ou mais empresas
independentes, entre as quais não existe uma relação de subordinação, e que unindo ou
repartindo parte das suas capacidades e/ ou recursos, sem chegar a fundir-se, estabelecem
um certo grau de interrelação para alcançar um objectivo previamente definido”.
No âmbito da cooperação institucional são de realçar, de acordo com os múltiplos
estudos empíricos referidos por Angel e Pulido (2010), os factores externos e da
envolvente das instituições formais e informais que, de acordo com a “Teoria Económica
Institucional”, são passíveis de influenciar o êxito empresarial. O enfoque na pesquisa,
análise e compreensão da influência dos factores externos e da envolvente das instituições
formais e informais, assume grande importância, pois, poderão ser determinantes no
mercado emergente da racionalização energética, nomeadamente, no estabelecimento e
na implementação de EPC´s (“Energy Perfomance Contracting”). Neste trabalho iremos
assumir a definição de cooperação institucional proposta por Braillard (1990), segundo
a qual, um acordo de cooperação institucional “ocorre quando dois ou mais Estados,
entidades sub-nacionais, entidades transnacionais ou certas organizações internacionais,
estabelecem acordos de cooperação num ou vários domínios (económico, político, cultural
ou outro), com o objectivo de satisfazer interesses mútuos”.
Dada a investigação empírica que nos propomos efectuar, quanto ao âmbito da
cooperação, a pesquisa bibliográfica focaliza-se na gestão dos processos, nomeadamente,
nos aspectos motivacionais e de liderança de processos de cooperação empresarial,
293
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
294
institucional ou mista, bem como, a influência dos processos de cooperação na cadeia de
valor dos parceiros. De referir a escassez de literatura sobre este âmbito da cooperação. A
maioria da literatura sobre cooperação inter-organizacional centra-se fundamentalmente
em determinar e estabelecer as condições favoráveis ao estabelecimento e á formação
de acordos de cooperação (Das e Teng, 2003; Narasimhan e Nair, 2005), em examinar
os aspectos internos dos parceiros no acordo (Emden, et al., 2005), e em investigar os
factores externos que contribuem para a formação da cooperação (Chung et al., 2000).
Mais recentemente, alguns autores abordam aspectos relacionados com a partilha de
conhecimento e a aprendizagem conjunta dos parceiros (Dussauge et al., 2000; Grant e
Baden-Fuller, 2004; Kim e Inkpen, 2005).
Dado o âmbito da investigação atrás definido, mereceram especial atenção na
revisão bibliográfica efectuada, os trabalhos de Doney et al. (1998), que concluem que
a confiança baixa os custos de transacção e facilita o relacionamento interorganizações,
propondo um processo de construção de confiança entre empresas, de Yan et al. (2009),
que defendem a confiança entre PME´s e o conhecimento pessoal como elementos
facilitadores de ambientes de cooperação, de Bonet e Pechuán (2011), que estudaram a
importância do comportamento individual, social e institucional dos gestores e outros
membros das organizações, no estabelecimento de contratos e garantias, como mecanismos
de controlo nas organizações em geral e nas relações de agência em particular. De referir
ainda, no âmbito revisão bibliográfica efectuada, a relevância da “Teoria dos Recursos e
Capacidades” (Angel e David, 2010) e da “Teoria dos Custos de Transacção” (Klein 1999),
para a compreensão da influência dos processos de cooperação na cadeia de valor dos
parceiros.
Quanto á natureza da cooperação, dado o carácter formal dos Contratos de Eficiência
Energética (EPC), a pesquisa a pesquisa bibliográfica efectuada incidiu sobre os contratos
formais de cooperação empresarial, institucional ou mista. Dada a semelhança das
características dos EPC´s com as dos contratos de agência, nomeadamente o formalismo
(contrato escrito), a duração (longo prazo) e a extensão (incompletos e aspectos contratuais
implícitos), (Volery 1996), mereceu especial atenção o estudo da teoria da agência.
Este foi o âmbito da pesquisa bibliográfica que se procurou seguir, de forma a
identificar os aspectos motivacionais e de liderança de processos de cooperação empresarial,
institucional ou mista, em áreas e protagonistas com alguma(s) característica(s) semelhante(s)
aos modelos decorrentes dos EPC´s, bem como, os impactos teóricos dos EPC´s na gestão
de energia das empresas clientes.
Apresenta-se uma breve síntese das principais teorias no âmbito de cooperação,
que mais poderão contribuir como suporte teórico para a compreensão dos Contratos de
Eficiência Energética (EPC), enquanto contratos de cooperação empresarial.
a) Teoria dos Custos de Transacção
Hennart, citado por Reus e Ritchie (2004), usou a teoria dos custos de transacção
para explicar porque é que as empresas formam e desenvolvem acordos de cooperação,
sugerindo, assim, a diminuição dos custos de transacção como motivação para a cooperação.
Contudo, segundo Reus e Ritchie (2004), o conceito de custo de transacção já não oferece
uma explicação suficiente do comportamento organizacional, pois, segundo os autores
referidos, as empresas suportam custos relacionais decorrentes das incertezas na parceria.
Os custos relacionais, para cada empresa, ocorrem porque os parceiros têm que ajustar os
seus negócios e operações ao acordo. Participar num processo de cooperação pode exigir
reorganizações e/ou redução ou cessação de outros negócios.
Neste âmbito, considera-se importante compreender e identificar quais os custos
de transacção e relacionais que poderão estar associados aos Contratos de Eficiência
Energética (EPC).
b)Teoria dos Recursos e Capacidades
Segundo Angel e David (2010), os recursos e capacidades/competências básicas das
empresas, constituem a base das suas vantagens competitivas. Os recursos são definidos
como o conjunto de factores disponíveis que a empresa possui e/ou controla, tornando-se
necessário a sua integração em rotinas operativas adequadas ao ambiente externo em que
se inserem, de forma a poderem constituir uma vantagem competitiva sustentável (Angel
e Pulido, 2010).
A literatura sobre cooperação revela que, inicialmente, a teoria dos recursos e
capacidades (Wernerfelt, 1984; Barney, 1991; Peteraf, 1993; Das e Teng, 2000a, 2000b)
explicava amplamente o fenómeno da cooperação. A teoria dos recursos permite ao
investigador compreender como é que as alianças podem alcançar os objectivos estratégicos
centrais, para criar ou manter a vantagem competitiva e, assim, obter economias de custos
ou aumentar a rentabilidade em relação aos concorrentes. A cooperação é um meio
essencial para expandir as capacidades centrais da empresa através de um relacionamento
com outra empresa. Das e Teng (2000a) relacionaram a formação e o desenvolvimento das
Motivações para o desenvolvimento de contratos de desempenho energético
na União Européia: uma perspectiva de cooperação empresarial
3.2. Correntes teórias sobre a cooperação
295
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
alianças estratégicas com os recursos detidos pelos parceiros. Para estes autores, o conjunto
de recursos possuídos pela empresa é imperfeito, pois a sua troca eficiente nem sempre é
possível. Alguns recursos não são negociáveis, imitáveis ou substituíveis, uma vez que estão
inseridos na organização ou agregados a outros recursos, como por exemplo, a imagem, a
reputação e a utilização de tecnologia altamente inovadora. Assim, para se trocar, negociar
ou obter acesso a este tipo de recursos, as empresas formam relacionamentos inter-empresas.
Neste âmbito, considera-se importante compreender e identificar teoricamente os
impactos dos Contratos de Eficiência Energética (EPC), nos recursos e capacidades das
empresas clientes, nomeadamente, se as economias de custos energéticos alcançadas nos
contratos, poderão constituir uma vantagem competitiva sustentável.
296
c) Teoria Económica Institucional
Segundo Angel e Pulido (2010), de acordo com a Teoria Económica Institucional, o
desempenho empresarial é profundamente influenciado e condicionado pela envolvente
externa. O conceito de instituição refere-se a todo e qualquer factor externo à organização,
formal ou informal, idealizado pelo homem, para configurar e guiar a interacção e
comportamento humano. Neste âmbito, a instituição corporiza as normas e as regras
que regem a sociedade e definem as relações que nela se estabelecem (Angel e Pulido,
2010). As instituições evoluem no tempo e integram os aspectos legais, as crenças culturais,
valores, costumes, moral, ética etc.. A Teoria Económica Institucional relaciona a teoria da
conduta humana com a teoria dos custos de transacção, para explicar as funções e papel
das instituições na economia.
Segundo Klein (1999), na nova teoria económica institucional, a envolvente
institucional (aspectos legais, científicos, políticos, económicos, normas sociais e
convenções, etc) fornece os fundamentos às diferentes teorias organizacionais existentes,
para explicar as funções e papel das instituições na economia
Neste âmbito, considera-se importante compreender e identificar, teoricamente,
os factores institucionais com impacto no mercado de Eficiência Energética da EU.
De salientar a crescente consciencialização da população europeia para os problemas
ambientais associados ao consumo de energia, com reflexos na interiorização social do
conceito de Desenvolvimento Sustentável, conceito que não poderá deixar de estar presente
na evolução da legislação europeia para o sector da energia.
d) Teoria da Agência
Segundo (Volery 1996), toda a relação de cooperação empresarial corresponde a
3.3. Cooperação - Motivação e Liderança
A relevância da motivação e da liderança na condução dos processos é matéria
obrigatória em qualquer curso de gestão, aspectos que num qualquer processo de
cooperação não poderão ser ignorados, tal como defende Astley (1984) no seu artigo, no
qual faz uma apreciação da evolução histórica da gestão estratégica. Este autor parte da
gestão estratégica em que, cada empresa, com base nas suas forças e fraquezas, procura
circunscrever as ameaças e explorar as oportunidades (PEST análise), numa lógica
de confronto e de estratégia militar, para uma gestão estratégica baseada na lógica da
cooperação e complementaridade dos concorrentes, sustentada em estratégias colectivas,
nas quais, a auto-motivação dos participantes e a liderança estratégica, assumem um papel
central. Idênticas conclusões poderão ser retiradas de Osborn e Marion (2009) e do estudo
da Academy of Management (1990), relativo á aplicabilidade da teoria das estratégias
colectivas a indústrias fragmentadas, ou no estudo de Matos e Afsarmanesh (2008), em que
os autores propõem um modelo de referência para a modelização de redes de cooperação.
Mertins e Will (2008) concluem que a motivação e a liderança desempenham um
Motivações para o desenvolvimento de contratos de desempenho energético
na União Européia: uma perspectiva de cooperação empresarial
uma relação de agência que M. Jensen e W. Meckling, citados pelo autor, definem como
“contrato formal ou implícito, segundo o qual, uma ou mais pessoas (principal) recorre aos
serviços de uma outra pessoa (agente), para, em seu nome, assegurar uma qualquer tarefa.
Segundo o autor, a teoria da agência visa o desenvolvimento de estruturas contratuais que
minimizem os custos de transacção com origem no oportunismo dos parceiros, na sua
racionalidade limitada e assimetria de informação. Os problemas de agência surgem logo
que divirjam os objectivos do principal e do agente e quando se tornar difícil ou oneroso,
para o principal, verificar/controlar o comportamento do agente. De forma a minimizar
estes problemas emergem os custos de agência, ou seja, custos de controlo, custos de
obrigação/confiança e os custos de oportunidade.
Neste âmbito, considera-se importante compreender os referenciais teóricos
da Teoria da Agência, que potencialmente poderão estar associados aos Contratos de
Eficiência Energética (EPC), nomeadamente, o grau de assimetria, os formalismos, a
duração e extensão dos contratos de cooperação (incompletos e aspectos contratuais
implícitos), grau de divergência de interesses dos parceiros, bem como, os problemas de
agência e os mecanismos concebidos no âmbito da teoria para os limitar, nomeadamente,
os mecanismos das garantias contratuais, a reputação e a confiança nos parceiros.
297
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
298
papel tão ou mais importante que o know-how especializado, nas estratégias de inovação e
competitividade das PME´s, e Barczak et al. (2009) argumentam o mesmo relativamente á
inovação e desenvolvimento de novos produtos.
Burke et al. (2007) argumentam sobre a importância da liderança em todos os
níveis organizacionais, como elemento determinante da eficiência organizacional. Estes
investigadores argumentam ainda que, uma componente fundamental da liderança, é o grau
de confiança dos subordinados e co-trabalhadores no líder, apresentando os mecanismos de
desenvolvimento da confiança no líder, bem como, os factores que moderam essa relação.
Westaby (2010), com base nas teorias da racionalidade do comportamento, aborda os
processos de tomada de decisão e comportamento dos líderes e seu impacto na motivação
e desempenho organizacional.
Swierczek, é um dos autores, que em parceria com outros autores muito se tem
debruçado sobre a importância da motivação e da liderança para o desempenho
organizacional. Dos seguintes trabalhos do autor referido, Swierczek (1991), Swierczek e
Hirsch (1994), Swierczek, Quang e Chi (1998), Swierczek e Rodsutti (2002) e Swierczek e
Cuong (2008), é possível sintetizar que para estes autores, a satisfação e comprometimento
dos trabalhadores, com reflexos no desempenho individual e organizacional, estão
essencialmente relacionados com a cultura organizacional e competências de liderança das
organizações.
Neste âmbito, considera-se importante compreender e conceptualizar os aspectos
motivacionais e de liderança susceptíveis de influenciar o desempenho organizacional das
empresas, nas parceiras estabelecidas no âmbito dos Contratos de Eficiência Energética
(EPC).
4. Proposta de Modelo de Cooperação
Assumida a importância do conceito de cooperação, torna-se pertinente referir
as principais condições de sucesso e as principais barreiras aos processos de cooperação
empresarial, identificadas na literatura.
Segundo Franco (2010), da revisão bibliográfica e das experiências de cooperação
estudadas, as principais condições de sucesso nos processos de cooperação são: a
compatibilidade nos objectivos dos parceiros; a existência de sinergias; a contribuição das
partes para a cadeia de valor dos parceiros e o equilíbrio nas contribuições dos parceiros.
De acordo com a pesquisa efectuada, a cooperação empresarial apresenta, sob o
lustração 1 - Fases do Processo de Cooperação
Motivações para o desenvolvimento de contratos de desempenho energético
na União Européia: uma perspectiva de cooperação empresarial
ponto de vista teórico, várias vantagens, contudo, são também referidas desvantagens/
obstáculos que poderão condicionar os processos de cooperação. A primeira e talvez mais
importante natureza de obstáculos prende-se com questões inerentes à baixa sensibilidade
dos gestores para a importância da cooperação, com reflexos na motivação e liderança dos
processos.
Quanto ao processo de cooperação, merecem realce na bibliografia consultada,
eventuais conflitos sobre o acordo inicial, incompatibilidades culturais, complexidade
na coordenação das actividades, indefinições na estratégia e estrutura, falta de apoio dos
organismos oficiais, custos mais elevados do que o previsto, divergências nos objectivos/
estratégias/controlo, dificuldades de comunicação e resistência interna nas empresas
parceiras (Franco, 2001, 2010, 2011).
Quando confrontadas as características dos modelos de contratos de performance
energética (EPC´s), com as principais condições de sucesso e as principais barreiras aos
processos de cooperação, identificadas na literatura, constata-se que os EPC´s reúnem
as principais condições para se poderem constituir como processos de cooperação bem
conseguidos, bem como, os mesmos poderão fracassar, em virtude das barreiras identificadas
na literatura em outros modelos de cooperação empresarial.
Assumindo os contratos de performance energética como modelos de cooperação
empresarial, importa agora, ainda que de forma pouco profunda, reflectir sobre os aspectos
essenciais para a gestão e planeamento da cooperação.
Esta reflexão será baseada na seguinte adaptação do modelo proposto por Swierczek
e Hirsch (1994).
299
4.1. Negociação
As questões chave na fase de negociação passam pela identificação e quantificação
dos ganhos de energia, identificação e quantificação dos riscos técnicos e financeiros das
soluções a implementar, modelos de partilha de ganhos e riscos, bem como, os princípios
que iram nortear os processos de tomada de decisão e de interacção interempresarial
ao longo do contrato, nomeadamente, as responsabilidades e a autoridade individual e
colectiva dos parceiros e respectivas estruturas.
Dadas as características dos contratos de performance energética referidas,
nomeadamente, a sua duração temporal, a partilha de riscos e a incerteza presente na gestão
operacional dos projectos de eficiência energética, com elevados níveis de interactividade
entre a empresa ESCO e a empresa cliente, exigem que as diferentes fases do processo
nunca sejam encerradas, nomeadamente, a renegociação dos acordos deve estar prevista
sempre que necessário para atingir os objectivos acordados e/ou as circunstâncias exijam a
renegociação dos objectivos acordados.
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
4.2. Acordo
300
O acordo, materializado num contrato formal de performance energética (EPC´s),
deverá especificar todos os aspectos acordados na fase de negociação, nomeadamente, a
definição formal do âmbito, propósitos e finalidades do contrato de performance energética
(EPC´s), definição das políticas e objectivos a prosseguir, especificação e calendarização das
medidas e recursos, processos e procedimentos de implementação e controlo. Definição
formal do modelo de partilha de informação, de tomada de decisão e de interacção
interempresarial, nomeadamente, as responsabilidades e autoridade individual e colectiva
dos parceiros e respectivas estruturas, na condução dos projectos contratualizados, bem
como, nas alterações necessárias e/ou propostas por cada uma das partes. Definição formal
dos critérios de distribuição dos ganhos e dos riscos técnicos e financeiros do projecto.
Conforme referido, a renegociação dos acordos deve estar prevista sempre que
necessário para atingir os objectivos acordados e/ou as circunstâncias exijam a renegociação
dos objectivos acordados
4.3. Implementação
4.4 Desempenho e Controlo
As questões chave do desempenho e controlo prendem-se com o acompanhamento
e monitorização dos processos, procedimentos e canais estabelecidos, visando assegurar os
objectivos acordados.
No conceito de parceria subjacente aos EPC´s, a monitorização das metas e objectivos
contratualizados é uma responsabilidade da empresa ESCO. A adequada monitorização das
metas e objectivos contratualizados pressupõe a produção de informação, numa base regular,
para a gestão da empresa cliente, relativa ao grau de cumprimento das metas e objectivos
contratualizados, bem como, o grau de cumprimento dos procedimentos e instruções e/
ou constrangimentos ao seu cumprimento, aspectos fundamentais, para a construção da
indispensável confiança entre as partes. Os dados obtidos nesta fase constituem os inputs
para as alterações e ajustamentos dinâmicos das restantes fases do processo.
Motivações para o desenvolvimento de contratos de desempenho energético
na União Européia: uma perspectiva de cooperação empresarial
Esta fase é caracterizada pela, implementação dos processos e procedimentos
que viabilizem a efectivação do(s) acordo(s) contratualizado(s). As questões chave na
implementação dos EPC´s prendem-se com a liderança da interacção diária das estruturas de
cada uma das empresas, de acordo com os processos, procedimentos e canais estabelecidos.
Nesta interacção diária, de acordo com a revisão bibliográfica efectuada, assumem especial
relevância a motivação e compatibilização das culturas organizacionais e lideranças das
empresas parceiras, aspectos determinantes para o comprometimento organizacional das
suas estruturas, relativamente aos objectivos do contracto. Nesta fase é determinante a
permanente adequação dos processos e procedimentos às culturas organizacionais e aos
objectivos acordados.
A renegociação dos acordos deve estar prevista sempre que a implementação dos
processos e procedimentos acordados se revelem inadequados para atingir os objectivos
acordados e/ou as circunstâncias exijam a renegociação desses objectivos.
301
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
Considerações Finais
302
A pesquisa bibliográfica efectuada evidencia a importância da eficiência energética, no
actual contexto económico e social, caracterizado pela crescente interiorização do conceito
de Desenvolvimento Sustentável. Numa década marcada pela consciência ambiental, a
racionalização energética não pode deixar de estar presente nas opções estratégicas das
empresas, com relevância na sua competitividade.
A nível empresarial, a implementação de adequadas medidas de eficiência
energética, exigem um grau de especialização, recursos e know-how que, dificilmente as
empresas possuem internamente, tornando quase inevitável, o recurso à contratação de
serviços externos. Por outro lado, a pesquisa mostra a evidência empírica, da existência
de vantagens na adopção de modelos de cooperação empresarial, para a superação das
limitações referidas. Deste modo, a conjugação dos aspectos referidos, com as dificuldades
inerentes á operacionalização e liderança de contratos imperfeitos de médio e longo prazo,
justificam o propósito da investigação empírica que nos propomos desenvolver, no sentido
de identificar e conceptualizar os aspectos motivacionais e de liderança determinantes para
o sucesso dos Contratos de Performance Energética, numa óptica de cooperação estratégica,
adequada à gestão da energia a nível empresarial.
Tem-se consciência das muitas limitações da investigação que nos propomos fazer,
desde logo, porque os processos de cooperação, no âmbito da racionalização energética, são
um tema pouco estudado, a que acresce o facto de limitarmos a nossa investigação a um
único modelo de contrato (EPC). Idênticas considerações poderiam ser efectuadas quanto
á motivação e liderança dos processos de cooperação.
Entendemos que a importância do tema justifica estudos sobre o verdadeiro alcance
da cooperação empresarial, na melhoria do desempenho energético e, consequentemente,
no desempenho empresarial. Neste âmbito, consideram-se pertinentes estudos empíricos,
que suportem ou não, a cooperação como estratégia adequada para a gestão energética,
modalidades, metodologias, modelos de motivação e liderança dos processos, requisitos e
âmbitos de cooperação, “actores”, abordagens por sectores, dimensão dos intervenientes,
etc.
Dado o impacto significativo que a melhoria do desempenho energético empresarial
tem na economia em geral, consideram-se estes impactos, uma outra área muito importante
de investigação, a par de estudos de mecanismos e modelos de apoio à sua dinamização.
REFERÊNCIAS
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307
Capítulo 14
USO SUSTENTÁVEL E ECONOMIA
RURAL NA ERA DAS MUDANÇAS
CLIMÁTICAS GLOBAIS: UM ESTUDO DO
PEQUI (CARYOCAR BRASILIENSE) EM
MUNICÍPIOS BRASILEIROS
João Carlos Nabout
Jordana Moura Caetano
Maria Tereza Ribeiro Alves
Gislene Oliveira
Mara Rúbia Magalhães
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
O
310
estudo das mudanças climáticas não é um tópico recente
na comunidade científica (Parmesan 2009), entretanto
recentemente tem ganhado grande notoriedade tanto
na comunidade acadêmica quanto nos meios de comunicação
em massa (Nabout et al. 2012). Inúmeros trabalhos tem
avaliado o impacto das mudanças climáticas globais, como o
aquecimento global, sobre a distribuição geográfica das espécies
(Diniz-Filho et al. 2010; Beaumont et al. 2007; Nabout et al.
2009; Nabout et al. 2011), conservação biológica (Diniz-Filho
et al. 2009) e invasão de espécies (Bradley et al. 2010; Thuiller
et al. 2005). Além desses problemas relacionados a distribuição
das espécies, trabalhos recentes tem discutidos o impacto das
mudanças climáticas relacionados diretamente a humanidade,
como a disseminação de doenças (Lafferty 2009) e impacto na
agricultura e segurança alimentar (Assad et al. 2008).
Os impactos das mudanças climáticas sobre as espécies, tais como alterações na
distribuição geográfica ou nas características biológicas (i.e. intensidade de frutificação,
floração e outros) pode diretamente afetar populações humanas, pois diversas espécies
nativas de plantas e animais são utilizadas como alternativa econômica, contribuindo
para a manutenção da biodiversidade e na atividade econômica familiar. Até o momento
grande parte dos estudos acadêmicos têm avaliado o impacto das mudanças climáticas
sobre características biológicas e de distribuição geográfica das espécies (ver revisão em
Elith & Leathwick 2009), enquanto que carece de estudo que investiguem explicitamente
o efeito dessas alterações climáticas em espécies de uso sustentável e a magnitude desses
impactos sobre comunidades rurais.
O extrativismo sustentável é uma prática que tem ganhado grande espaço e apoio das
entidades governamentais, principalmente porque no extrativismo sustentável é possível
auxiliar na manutenção e conservação da biodiversidade e contribuir nas atividades
econômicas rurais (Scherr & McNeely 2008). No Brasil, leis como Sistema Nacional de
Unidades de Conservação (SNUC, Lei 9.985/00) regulamenta sobre a manutenção e criação
de unidades de conservação e as classifica como de Proteção Integral ou Uso Sustentável
(essas ainda com outras subdivisões). Ações políticas e atividades práticas das comunidades
rurais locais têm contribuído (apesar de ainda pouco) na conservação biológica das espécies
de biomas brasileiros. Dentre os biomas fortemente ameaçados, destaca-se o Cerrado,
Uso sustentável e economia rural na era das mudanças climáticas globais:
um estudo do Pequi (Caryocar brasiliense) em municípios brasileiros
que inclusive foi classificado como um Hotspot mundial de biodiversidade, ou seja, uma
área prioritária para conservação (Myers et al. 2000). Ainda assim, o Cerrado apresenta
inúmeras espécies de plantas nativas que são utilizadas como um recurso sustentável por
comunidades rurais. Essas comunidades têm utilizado a flora nativa do Cerrado para venda
de frutos, óleos, sabão e inúmeras outras aplicações (Almeida et al. 1998).
Uma espécie de planta do Cerrado muito utilizada no uso sustentável é o Pequi
(Caryocar brasiliense). Essa espécie distribui-se amplamente no Cerrado brasileiro sendo
frequentemente encontrada nos Estados da Bahia, Ceará Goiás, Maranhão, Mato Grosso,
Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Piauí, São Paulo, Tocantins e Distrito Federal
(Almeida et al. 1998). O Pequi tem sido explorado de inúmeras formas, e apresenta
contribuição importante na renda das famílias rurais. O fruto dessa espécie tem muitas
aplicações econômicas, por exemplo, o pericarpo (i.e. casca) pode ser utilizado na ração
animal, composto orgânico e na produção de sabão. Os putâmens, por sua vez, são
empregados no uso culinário, na produção de licor, sabão (Almeida et al 1998; Oliveira
2009). Dessa forma, essa espécie contribui significativamente na renda familiar das famílias
rurais, além disso, o Pequi é um importante símbolo cultural para muitos estados brasileiros
(e.g. Goiás, Minas Gerais, Bahia). O período de exploração econômica sustentável do Pequi
consiste principalmente nos períodos de frutificação da planta, que frequentemente ocorre
entre os meses de Outubro e Março (Almeida et al. 1998). Durante os outros períodos
do ano as comunidades promovem outras atividades sustentáveis, como a exploração de
outras espécies nativas (e.g. mangaba, baru e etc.) ou práticas agrícolas, como plantio e
colheita de soja, milho, mandioca dentre outras.
Recentemente, técnicas de modelagem de nicho, baseado no conceito teórico de
Nicho (Hutchinson 1957) têm sido empregadas para investigar a distribuição geográfica
potencial de espécies e conseqüente impacto das alterações climáticas sobre a distribuição
das espécies. Na literatura encontram-se inúmeras dessas técnicas de modelagem de nicho,
tais como: Maxent, GARP, Randon Forest, GLM, Bioclim, Domain. De forma geral, os
modelos de nicho são capazes de indicar a distribuição geográfica potencial de uma espécie,
bem como, quais regiões são climaticamente mais (ou menos) favoráveis para a ocorrência
da espécie. Em outras palavras, os modelos de nicho indicam a “adequabilidade ambiental”
(Suitability em inglês) das regiões de ocorrência da espécie (Peterson et al. 2011). Apesar
da aparente certeza, os modelos podem conter falhas, indicadas principalmente por erros
de omissão e comissão (ver detalhes em Elith & Leathwick, 2009). Além disso, os modelos
de nicho empregam somente condições ambientais, ou seja, indicam somente o nicho
grineliano das espécies (Soberón 2007). É importante salientar que outras características
311
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
além do ambiente determinam a distribuição geográfica das espécies, tais como interações
biológicas e processos históricos (Araújo & Luoto 2007). Apesar da incertezas geradas
pelos modelos de nichos, essa técnica tem sido muito utilizada para prever a distribuição
geográfica das espécies em cenários futuros de mudanças climáticas (Nabout et al. 2012).
Dessa forma, tendo como base a importância do Pequi para o uso sustentável e
economia de populações locais do bioma Cerrado, o objetivo desse trabalho foi avaliar
o impacto das mudanças climáticas globais sobre a distribuição geográfica do Pequi e
relacionar a mudança na distribuição geográfica dessa espécie no cenário futuro como os
municípios que atualmente utilizam o Pequi como exploração sustentável. Especificamente
buscou-se: i) Investigar a quantidade de extração de Pequi nos municípios produtores dessa
espécie e relação entre extração e o valor econômico (em Reais) do Pequi e o coeficiente
de Gini dos municípios; ii) Avaliar a distribuição geográfica de Pequi considerando o
cenário climático atual e futuro (projetado para 2050) e conseqüentemente investigar
adequabilidade ambiental (em ambos cenários climáticos) dos municípios que extraem
pequi; iii) Determinar a relação entre a adequabilidade ambiental (considerando o cenário
atual) e extração de Pequi nos municípios e estimar a equação da reta dessa relação; e iv)
Utilizando essa equação da reta estimar a produção do Pequi nos cenário climático futuro
e comparar com a produção de Pequi registrada atualmente.
312
1. Materiais e Métodos
1.1 O Pequi
A espécie utilizada no presente trabalho foi Caryocar brasiliense Camb., pertencente
a família Caryocaraceae. A espécie apresenta ampla distribuição geográfica, com freqüente
ocorrência nas fitofisionomias de campo sujo, cerrado sentido restrito e cerradão distrófico
(Ratther et al. 2003).
O Pequi é uma planta decídua, com floração entre os meses de junho e janeiro e
frutificação entre outubro e março (Leitê et al. 2006). O fruto é uma drupa de 12 cm de
diâmetro e 100 gramas (aproximadamente).
1.2. Uso sustentável e economia de municípios exploradores de Pequi
O Pequi tem sido utilizado como exploração sustentável em vários municípios
1.3. Modelo de distribuição geográfica potencial
Para modelar a distribuição geográfica potencial da espécie em questão, necessitou-se:
i) dados de ocorrência da espécie (i.e. coordenadas geográficas); ii) dados climáticos, no caso
do presente estudo, clima atual e clima futuro (considerando os cenários climáticos futuros
de mudanças globais) e, iii) o método de modelagem (i.e. um algoritmo computacional).
Dessa forma, seguindo essas etapas, inicialmente os dados de ocorrência do Pequi
foram obtidos da literatura (artigos, livros, dissertações e teses) e de um banco de dados
do Centro de Referência Informação Ambiental (CRIA; http://www.cria.org.br/). Ao
todo foram obtidos 312 pontos de ocorrência de Pequi, sendo esses pontos utilizados na
Uso sustentável e economia rural na era das mudanças climáticas globais:
um estudo do Pequi (Caryocar brasiliense) em municípios brasileiros
brasileiros. Os dados de extração de Pequi por município brasileiro foram obtidos no sítio
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, www.ibge.gov.br) no sistema de
recuperação automático (SIDRA) e no acervo de “Extração Vegetal”. Para cada município
obteve-se os valores de extração de Pequi para os anos de 2000 a 2009. Posteriormente foi
feita uma média da extração de Pequi destes 10 últimos anos. Como os municípios têm
tamanhos geográficos distintos, a extração média de Pequi por município foi dividido pela
área do mesmo município (de acordo com IBGE). Dessa forma, a extração média de Pequi
por município foi dada em kilogramas por quilômetros quadrado (kg/km2).
No sítio do SIDRA também foi obtido o valor (em Reais) da extração de Pequi por
município para o ano de 2008 (o ano mais recente disponível). Esse valor foi relativizado
com o valor do Produto Interno Bruto (PIB) dos municípios no mesmo ano, gerando o
Percentual de Contribuição Econômica do Pequi (PCEP). Assim, foi possível determinar
o quanto (em Reais), a produção de Pequi contribui para o PIB dos municípios, e dessa
forma estimar para quais municípios a produção de Pequi é economicamente importante.
Posteriormente, PCEP foi relacionado com a Extração de Pequi (kg/km2).
No sítio do IBGE também foi obtido o coeficiente de Gini, que é uma métrica que
avalia o nível de desigualdade de renda entre os habitantes do município. O coeficiente
varia de zera (0) a um (1). No qual o zero indica que não há desigualdade na renda dos
habitantes, ao passo que um (1) indica que completa desigualdade de renda, ou seja, uma
única pessoa detêm toda a renda dos municípios, enquanto que as demais não tem renda.
No presente trabalho o coeficiente de Gini foi correlacionado com a produção média do
município, buscando investigar se os municípios que produzem mais são aqueles com
maior desigualdade de renda.
313
modelagem de distribuição geográfica potencial (Figura 1). Os dados (coordenadas) dos
municípios que extraem o pequi não foram inseridos a fim de evitar problemas circulares
nas análises.
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
Figura 1 - Pontos de ocorrência utilizados para a modelagem
de nicho do Pequi.
314
Fonte: CRIA
Os dados climáticos são baseados em nove variáveis climáticas (temperatura máxima
no mês mais quente, temperatura mínima no mês mais frio, variação da temperatura anual,
precipitação anual, precipitação no mês mais seco, precipitação no mês mais úmido, desvio
padrão da precipitação, temperatura máxima média e temperatura mínima média). Essas
variáveis foram utilizadas no cenário climático atual e no cenário climático futuro. Para o
cenário climático futuro, essas variáveis climáticas foram derivadas do modelo climático
global CCCma (Canadian Center for Climate Modelling and Analysis), com projeções
obtidas para o cenário pessimista (A2a), ou seja, com maior emissão de gases de efeito
estufa (ver Karl & Trenberth 2005). Os dados de cenários climáticos (atual e futuro)
foram obtidos do sítio do WORDCLIM (www.wordclim.org), com os valores estimados
2. Análise de dados
As análises de dados consistem determinar a relação por município, por meio de
uma correlação, entre extração média de Pequi (kg/km2) e a adequabilidade ambiental no
cenário climático atual (obtidas pelo modelo gerado pelo Maxent, com valores variando
de 0 a 1). Para reduzir a dimensionalidade dos dados, ambas as variáveis (extração e
adequabilidade ambiental) foram log-transformadas (LogX+1). Além disso, as variáveis
PECP e extração média do Pequi (kg/km2) foram correlacionadas e ambas foram logtransformadas.
Após a determinação da relação entre as variáveis citadas acima, utilizou-se a equação
da reta (Y= a +bX+e) para determinar a produção de Pequi por município no cenário futuro
de mudança climática. Na equação da reta, os valores de Y (variável resposta) indicam
a produção de Pequi, enquanto que os valores e X indicam a adequabilidade ambiental
Uso sustentável e economia rural na era das mudanças climáticas globais:
um estudo do Pequi (Caryocar brasiliense) em municípios brasileiros
para o ano de 2050. Todas as variáveis climáticas foram convertidas para uma malha com
resolução de 0,0417 graus.
O método de modelagem empregado para estimar a distribuição geográfica atual e
futura do Pequi foi o Maxent (Maximum Entropy) utilizando um programa com o mesmo
nome (Phillip et al., 2006). O Maxent é um programa recente, sendo um método de
aplicação geral para fazer previsões ou inferências a partir de informações incompletas.
O Maxent tem como base uma técnica conhecida como Máxima Entropia. O método
parte do conceito que a distribuição que se conhece de uma espécie é a representação
adequada do seu nicho ecológico, a partir dai o método atribui valores de 0 a 1 para os
demais quadrantes (pixels) da área geográfica. Dessa forma, valores próximos de 0 indicam
regiões geográficas em que as condições climáticas não são favoráveis para a ocorrência
da espécies, enquanto que valores próximos de 1 sugerem que as condições climáticas
são favoráveis para a ocorrência da espécie. Diferentemente de outros métodos o Maxent
modela a distribuição das espécies apenas com dados de presença. Os parâmetros utilizados
para o modelo do Maxent foram os padrões (default), exceto por 1000 iterações e remoção
de duplicatas.
Para a avaliação do modelo utilizou-se o AUC (Area Under the Curve), no qual os
seus valores variam de 0 a 1. Valores próximos a 1 indicam alto desempenho do modelo,
enquanto que valores menores do que 0,5 indicam baixo desempenho do modelo (Elith et
al., 2006; Allouche et al., 2006).
315
no cenário atual. Como no cenário futuro, os municípios podem alterar os valores de
adequabilidade ambiental, é possível usar a equação da reta, e após determinar os parâmetros
a e b, adicionar os novos valores de X (adequabilidade ambiental) para prever a produção
de Pequi (Y) nos municípios. Posteriormente, foi obtida a diferença entre a extração atual e
futura de Pequi (D extração) e estimado o quanto cada município aumentará ou reduzirá a
extração de Pequi em relação a sua produção atual (valores percentuais).
Em análises de regressão, como outras análises estatísticas, deve-se atentar aos
pressupostos da análise. Dessa forma, em análises cujas variáveis apresentam uma
relação espacial pode-se comprometer o pressuposto da “independência das unidades
amostrais”. No presente trabalho, os municípios são as unidades amostrais, assim, a não
independência das unidades amostrais (identificada pela autocorrelação espacial), pode
ocasionar um aumento do erro tipo I e, consequentemente gerar interpretações errôneas
em testes de significância baseado em hipótese nula (Hawkins et al. 2007). Dessa forma,
o teste de significância foi baseado nos graus de liberdades geograficamente efetivos, que
foram obtidos utilizando o método de correção de Dutilleul (Dutilleul, 1993). Os testes
estatísticos, bem como a correção de Dutilleul foram feitas no programa SAM v.4 (Rangel
et al. 2010).
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
3. Resultados & Discussão
316
3.1. Uso Sustentável do Pequi e Economia Rural
Analisando os municípios brasileiros observou-se que 150 municípios apresentam
atividades de extração sustentável do Pequi. Esses municípios estão distribuídos em 10
Estados brasileiros, sendo 70 municípios são do Estado de Minas Gerais, 39 da Bahia, 17
do Mato Grosso, 7 de Goiás, 6 do Ceará, 3 do Pará, 3 do Tocantins, 2 do Pernambuco, 2
do Piauí e 1 do Maranhão (Figura 2). Além disso, os municípios que registraram maiores
valores de extração de Pequi estão principalmente concentrados nos Estados de Minas
Gerais, Bahia e Ceará.
Figura 2. Municípios brasileiros que apresentam dados de extração de
Pequi. Cada círculo indica a posição central do município. O tamanho dos
círculos demonstra a magnitude de extração de Pequi por município.
A produção média de todos os municípios analisados foi de 30,89 kg/km2. O
município que apresentou maiores valores de extração de Pequi foi Lontra (526,09 kg/
km2) e o município com menor extração foi Santa Fé de Minas (0,03 kg/km2), ambos os
municípios do Estado de Minas Gerais.
Uma análise do PIB dos municípios produtores de Pequi e o valor (em Reais) da
produção de Pequi do ano de 2008 permitiu determinar o quanto a extração do Pequi
contribui para o PIB do município (Percentual de Contribuição Econômica do Pequi –
PCEP). Dessa forma, 0,09% (valor médio) do PIB dos municípios brasileiros analisados no
ano de 2008 foram devido à extração de Pequi. Além disso, o município que apresentou
o maior PCEP foi Santana do Pirapama (Estado de Minas Gerais), no qual 1,38% do
PIB desse município foi devido a extração sustentável do Pequi. Ademais, o PCEP esteve
positivamente relacionado com a extração média de Pequi (r=0.459; P=<0.001; corrigido
pelo método de Dutilleul), evidenciando que municípios que extraem maiores quantidades
de Pequi, contribuem mais para o PIB do mesmo município. Além disso, a correlação
do coeficiente de Gini com a produção de Pequi, foi também positiva e marginalmente
significativa (r=0.18; P=0,07), indicando que os municípios que extraem mais Pequi são
aqueles que apresentam maior desigualdade de renda.
Esses resultados evidenciam a importância do Pequi para os municípios que mais
Uso sustentável e economia rural na era das mudanças climáticas globais:
um estudo do Pequi (Caryocar brasiliense) em municípios brasileiros
Fonte: CRIA
317
produzem sustentavelmente essa planta, pois são municípios em que essa prática contribui
para o PIB do município e, além disso, são municípios com maiores desigualdades de
renda. Além disso, esses resultados demonstram uma relação intrigada entre ecologia e
economia (Goodland 1995), pois certamente os municípios com maiores produções de
pequi têm maior preocupação ambiental, já que essa planta contribui para a economia
local.
3.2. Distribuição geográfica potencial atual e futura
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
O modelo de distribuição geográfica atual do Pequi demonstrou que essa espécie
possui de fato uma ampla distribuição geográfica, cobrindo todo o bioma Cerrado. O
modelo também demonstra que as regiões como centro de São Paulo, sul de Minas Gerais
e nordeste de Goiás apresentam condições climáticas muito favoráveis para a ocorrência
do Pequi (Figura 3A). Em um cenário futuro de mudança climática, observa-se uma grande
redução na distribuição geográfica da espécie, ou seja, muitas regiões do centro e noroeste
do Cerrado diminuirão a adequabilidade ambiental para essa espécie. Além disso, mesmo
regiões com São Paulo, Minas Gerais e Goiás, tenderão a perder adequabilidade ambiental
(Figura 3B e 3C). A análise de desempenho demonstrou que o modelo gerado Maxent
apresentou AUC igual a 0,98.
318
Figura 3. Mapa de distribuição geográfica potencial de Caryocar brasiliense,
considerando cenário climático atual (A) e futuro (B). Em (C) a diferença
entre adequabilidade ambiental futuro e atual (D adequabilidade),
evidenciando regiões onde ganharão (valores positivos; cor escura) e
perderão (valores negativos; cor clara) adequabilidade ambiental.
O modelo apresentou alto desempenho, como indicado pelo AUC, e claramente
evidenciou perda na distribuição geográfica da espécie em um cenário de mudança
climática projetado para 2050. É importante salientar que o presente modelo, considerou
somente aspectos climáticos para modelar a distribuição geográfica atual e futura da espécie.
Dessa forma, outras variáveis determinantes na distribuição geográfica das espécies, como
padrão de dispersão, mudanças evolutivas e interações ecológicas, não foram utilizadas
para modelar a distribuição potencial da espécie estudada (Hannah et al. 2002; Pearson
& Dawson 2003). Além disso, os resultados da alteração da distribuição geográfica do
Pequi, por mais que tenham sido preocupante, ainda é bastante conservador, pois outras
variáveis como o uso do solo não foram consideradas (Hannah et al. 2002). Assim, apesar
do modelo indicar presença da espécie no cenário atual ou futuro, eventualmente, a espécie
pode não ocorrer no local determinado, pois neste local o solo pode ter sido convertido
para agricultura e pecuária, eliminando a vegetação natural.
No presente modelo, isso fica claro para a região sul e sudeste do Bioma Cerrado
(englobando estado de Mato Grosso, Goiás e São Paulo), no qual o modelo sugere ter
condições climáticas favoráveis para a ocorrência do Pequi, entretanto, essa região apresenta
elevado impacto antrópico e conversão do uso do solo (Silva et al., 2006; Sawyer, 2008 ),
assim, diminui a possibilidade de ocorrência dessa espécie nessa região.
Uso sustentável e economia rural na era das mudanças climáticas globais:
um estudo do Pequi (Caryocar brasiliense) em municípios brasileiros
Fonte: CRIA
319
Figura 4. Histograma evidenciando a adequabilidade ambiental
registrada nos municípios que extraem Pequi, considerando os cenários
climáticos atuais e futuros.
Adequabilidade am biental no cenário futuro
Adequabilidade no cenário atual
40
35
Número de cidades
30
25
20
15
10
0.9
0.8
0.7
0.6
0.5
0.4
0.3
0.2
0.0
0
0.1
5
Adequabilidade am biental
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
Fonte: CRIA
320
Para cada município com dados de extração de Pequi, obteve-se os dados de
adequabilidade ambiental no cenário climático atual e futuro. Assim, analisando os
modelos de nicho por municípios, observou-se que em cenário climáticos futuros a maior
parte dos municípios irão perder adequabilidade ambiental (figura 4). No cenário atual,
a maior parte dos municípios tinha adequabilidade ambiental entre 0,5-0,6; entretanto,
no cenário futuro a maior parte terá adequabilidade entre 0,4-0,5. Além disso, mais de 30
municípios terão adequabilidade próxima de zero (0), ou seja, em um cenário futuro, não
apresentarão condições climáticas favoráveis para a ocorrência do Pequi.
3.3. Relação entre extração e distribuição do Pequi nos cenários atual e futuro
Após fazer uma descrição da extração de Pequi por município brasileiro e da
distribuição geográfica potencial dessa espécie, o próximo passo foi avaliar a relação entre
essas duas variáveis (extração e adequabilidade ambiental). A análise de correlação entre
essas duas variáveis evidenciou uma relação positiva e significativa (usando correção de
Dutilleul), indicando que regiões climaticamente favoráveis para a ocorrência do Pequi (de
acordo com os modelos de nicho) são regiões que têm se registrado maiores quantidades
de extração natural do Pequi (Figura 5).
Figura 5. Correlação entre o log da adequabilidade ambiental e log da
extração de Pequi, por município.
3.0
Log da Extração de pequi (kg/km2)
2.8
2.6
R2 = 0.146 r=0.382 P= 0.032
y=0.374 + 3.928*x + e
2.4
2.2
2.0
1.8
1.6
1.4
1.2
1.0
0.8
0.6
0.4
0.2
0.26
0.24
0.22
0.20
0.18
0.16
0.14
0.12
0.10
0.08
0.06
0.04
0.02
0.00
0.0
Log da adequabilidade ambiental
A princípio fazendo um cruzamento de informações, no qual os municípios irão
perder adequabilidade ambiental e, como essa variável está relacionada positivamente
com a extração de Pequi, espera-se que em cenários climáticos futuros esses municípios
analisados perderão ou diminuirão a extração de Pequi, o que geraria conseqüente impacto
econômica nas populações rurais. Para determinar a magnitude da perda na extração do
Pequi no futuro, foi utilizada a equação da reta obtida na relação da figura 5. Assim, utilizou
a adequabilidade ambiental de cada município registrada no futuro que corresponde a
variável X da equação da reta para estimar a produção de Pequi no cenário futuro (variável
Y). Por último analisou-se o quanto da extração de Pequi no cenário futuro se diferenciou
da produção atual (em percentual). Observou-se que a maior parte da extração de Pequi irá
diminuir de tal forma que a grande parte dos municípios irão reduzir em 50% a extração
do Pequi, além disso, aproximadamente 60 municípios perderão aproximadamente 100%
da extração de Pequi (figura 6).
Uso sustentável e economia rural na era das mudanças climáticas globais:
um estudo do Pequi (Caryocar brasiliense) em municípios brasileiros
Fonte: CRIA
321
Figura 6. Histograma da diferença da extração de Pequi no cenário futuro
em relação ao cenário atual (D extração) obtido em percentual. Valores
negativos indicam redução na extração de Pequi, enquanto que valores
positivos indicam aumento na extração de Pequi.
80
70
Número de cidades
60
50
40
30
20
401
351
301
251
200
150
100
50
0
(100)
-100
0
(50)
-50
10
D Extração (%)
Educação, Gestão da Informação e Sustentabilidade
Fonte: CRIA
322
Apesar desse cenário ruim, alguns poucos municípios investigados ganharão
condições climáticas para ocorrência do pequi e consequentemente poderão aumentar a
extração do Pequi em relação a sua produção atual. Esse é o caso do município de Brotas de
Macaúbas (Estado da Bahia) no qual, se mantidas as relações iniciais, a produção de Pequi
pode aumentar em 400%.
Esses resultados permitiram observar que as mudanças climáticas globais diminuirá
a distribuição geográfica do Pequi, afetando dessa forma os municípios que atualmente
usam essa planta como uso sustentável, prejudicando a economia local. Projeções futuras
do impacto econômico da diminuição e perda do Pequi são difíceis de serem mensuradas,
uma vez que o presente trabalho considerou somente a distribuição geográfica da espécie.
Certamente outras variáveis afetam a economia dos municípios produtores de Pequi, como
inflação, relação procura e oferta. Essas variáveis não foram inseridas no presente modelo.
Por fim, o impacto das mudanças climáticas globais na economia mundial tem sido
recentemente alvo de grande discussão. De fato, algumas previsões futuras tem desenhado
cenários no qual a economia passará fortes alterações (Grossmann et al. 2009). Sendo
assim, é de grande importância a previsão do impacto das mudanças climáticas globais em
um contexto global, regional ou até mesmo local, entretanto, estratégias para minimizar
os seus efeitos devem ser feitos em uma escala global, por meio de parcerias científicas e
tratados políticos internacionais (p.ex. protocolo de Quioto) (Reid et al. 2010; Grossmann
et al. 2009).
O presente trabalho associou a produção extrativista (e a economia) com a
distribuição geográfica potencial (adequabilidade ambiental) de uma espécie do Cerrado
e ainda estimou alterações na produção extrativistas considerando os cenários futuros
de mudanças climáticas. É importante salientar que o presente trabalho utilizou como
espécie modelo o Pequi, entretanto, a metodologia empregada no presente estudo pode ser
aplicada para qualquer espécie de animal ou planta de interesse econômica e sustentável.
Considerando as particularidades do presente trabalho que utilizou o Pequi,
observou-se que o Pequi apresentará grande perda na sua distribuição geografia para o
ano de 2050, além disso, inúmeros municípios exploradores de Pequi, não apresentarão
condições climáticas para o estabelecimento dessa planta, comprometendo conservação
dessa espécie e a economia de populações rurais. Dessa forma, algumas considerações e
orientações finais devem ser destacadas:
1. Conservação do Pequi – Estratégias como a criação de Unidades de Conservação
e extrativismo sustentável são importantes para conservação da biodiversidade. Além
disso, considerando as futuras mudanças na distribuição geográfica da espécie, torna-se
importante delinear Unidades de Conservação futuras, ou seja, regiões onde futuramente
apresentaram adequadas para a ocorrência dessa espécie.
2. Medidas pró-ativas – Algumas medidas, em instância federal, estadual ou municipal
podem ser tomadas para diminuir os riscos de perda do Pequi. Tais como, seleção de plantas
resistentes, bancos de germoplasma, além de criação de áreas de conservação em regiões
adequadas considerando as condições climáticas futuras como destacada no item anterior.
3. Novos municípios produtores – Estimular novos municípios que atualmente
estão em condições climáticas adequadas e extraírem o Pequi, e assim contribuir para a
economia local, pois o presente trabalho evidenciou que o Pequi tem um potencial para
contribuir para o PIB dos municípios. È importante salientar, que apesar de alguns
municípios apresentarem boas condições climáticas para o Pequi, o modelo em questão
não considerou aspectos relacionados ao uso e ocupação do solo, dessa forma, alguns
municípios podem atualmente apresentar o solo convertido, o que impossibilitaria ou
Uso sustentável e economia rural na era das mudanças climáticas globais:
um estudo do Pequi (Caryocar brasiliense) em municípios brasileiros
Considerações Finais
323
reduziria o uso sustentável da planta.
4. Aumento da produção e manejo – A extração de Pequi e a adequabilidade
apresentaram relação positiva significativa, além disso, foi possível observar que alguns
municípios apresentam condições climáticas favoráveis para a extração de Pequi, no
entanto a quantidade extraída ainda é reduzida. Dessa forma, um estudo importante
para ser associado aos resultados encontrados nesse trabalho é o manejo das populações
dessa espécie objetivando estudar os limites de extração permitida para a manutenção
dos indivíduos dessa espécie. O estudo do manejo é de grande importância para delinear
estratégias de aumento da produção em quilos e econômica e ainda de conservação da
espécie.
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325
Autores
André Magrinho - Doutor em Gestão pela Universidade da Beira Interior
(UBI), na área de inteligência económica. Licenciado e Mestre em Economia
pelo Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG). É docente no Instituto
de Estudos de Segurança da ULHT e no ISLA Campus de Lisboa. É adjunto
do presidente da Fundação AIP e do Conselho Geral da AIP-CCI. Vogal do
Conselho de Administração do CINEL - Centro de Formação Profissional da
Indústria Eletrónica, Energia, Telecomunicações e Tecnologias da Informação.
Desempenhou funções de Assessor para a Indústria, Comércio e Turismo
do Gabinete do Primeiro-Ministro entre 1995 e 2001. É signatário de várias
publicações especializadas sobre a economia portuguesa, nomeadamente
as Cartas Regionais da Competitividade, referentes a todo o Continente
português e, também, da Região Autónoma dos Açores (2012). E-mail: andre.
[email protected]
Antonio Teodoro Ribeiro Guimarães - Doutor em Administração
pela Universidade de São Paulo (2009). Professor da Universidade Estadual
de Goiás. É pesquisador associado do GPEADE - Grupo de Pesquisa em
Administração Avançada e Empreendedorismo/FEA/USP/CNPQ, pesquisador
do MACKLOGS - Núcleo de Estudos em Logística e Gestão de Cadeia de
Suprimentos/Mackenzie e do Grupo de pesquisa Estratégia em Gestão,Educação
e Sistemas de Informação. Estuda estratégia nas empresas e em modelos
supra-empresariais (redes e clusters de negócios) e gestão de cadeias de
suprimentos. Experiência em estratégia e logística. E-mail:teodoroguimaraes@
uol.com.br
Armando Malheiro da Silva - Doutor em História Contemporânea
pela Universidade do Minho. É Professor Associado do Departamento de
Jornalismo e Ciências da Comunicação da Faculdade de Letras da Universidade
do Porto. Docente da Graduação em Ciência da Informação, do Mestrado em
Ciência da Informação e do Programa Doutoral Informação e Comunicação
em Plataformas Digitais. Publicou, pelas Edições Afrontamento, em 2002
e em co-autoria com a Prof.ª Fernanda Ribeiro, o livro Das “Ciências”
Documentais à Ciência da Informação: ensaio epistemológico para um
novo modelo curricular e em 2006, pela mesma Editora, A Informação: da
compreensão do fenômeno e construção do objecto científico. Em 2010 e
em co-autoria com Fernanda Ribeiro foi publicado pela Universidade Aberta
Recursos de Informação: serviços e Utilizadores. Coordenou um projecto de
investigação financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia intitulada
A Literacia Informacional no Espaço Europeu do Ensino Superior: estudo das
competências de informação em Portugal. E-mail: malheiroletras.up.pt
Carla Conti de Freitas - Graduada em Letras Português Inglês (1995), Mestre
em Letras e Linguística pela Universidade Federal de Goiás (2003) e Especialista
em Psicopedagogia, Avaliação Institucional e Docência Universitária. Cursa
Doutorado em Politicas Públicas, Estratégia e Desenvolvimento na UFRJ/UEG.
Atua como Docente e como Coordenadora de Projetos e Publicações, na
Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Estadual de Goiás.
Participa do Grupo de Pesquisa em Gestão Estratégica, Educação e Sistemas
de Informação (EGESI/UEG/CNPQ). Email: [email protected].
Christiano de Oliveira e Silva - Professor e Diretor da Unidade
Universitária de Jatai da Universidade Estadual de Goiás.Possui graduação em
Administração pelo Centro de Ensino Superior de Jataí (2000), graduação
em Tecnologia em Logística pela Universidade Estadual de Goiás (2008) e
MBAE em Gestão e Estratégia em Marketing pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro.Tem experiência na área de Administração de empresas, Gestão
empresarial e Marketing. E-mail: dir.jatai@ueg.
Dimas Moraes Peixinho - Professor Adjunto da Universidade Federal de
Goiás .Possui graduação em Geografia pela Universidade Federal de Mato
Grosso (1991), mestrado em Geografia (Geografia Humana) pela Universidade
de São Paulo (1998) e doutorado em Geografia pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro (2006). Tem experiência na área de Geografia, com
ênfase em Geografia Regional, atuando principalmente nos seguintes temas:
sistemas produtivos (setor sucroenergético e cadeia carnes-grãos) dinâmica
socioespacial nos cerrados, políticas públicas, processos de arenização em
áreas dos cerrados. E-mail: [email protected].
Felipe Martins Severo de Almeida - Graduado em Comunicação Social
e pós graduando em Gestão de Projetos pela Faculdade SENAC de Brasília e
estuda a temática marketing com foco em desenvolvimento social e ambiental.
E-mail: [email protected].
Francisco Alberto Severo de Almeida. - Doutor em Administração
pela Universidade de São Paulo (2010).e Pós doutorado pela Universidade
do Porto - Portugal (2011). Professor e Diretor da Unidade Universitária de
Educação a Distância da Universidade Estadual de Goiás. Experiência na área
de Administração em Finanças Públicas e Estratégia Empresarial , atuando
principalmente nos seguintes temas: cooperação e estratégia empresarial,
tecnologia da informação, diagnóstico sócio-econômico , rede de negócios,
educação a distância e orçamento público. Lider do grupo de pesquisa em
Gestão Estratégia, Educação e Sistemas de Informação EGESI/UEG/CNPQ.
E-mail: [email protected].
Gislaine Fernandes - Possui graduação em Administração de Empresas pela
Sociedade Educacional Fleming (2004), Especialização em Gestão e Estratégia
de Empresas pela Universidade Estadual de Campinas (2008), e mestranda
em Engenharia Mecânica na Universidade Estadual de Campinas. Atua como
auxiliar administrativo pela Fundação de Desenvolvimento da UNICAMP
desde 2001 e seus interesses de pesquisa englobam as áreas de Gestão de
Tecnologia da Informação, Terceirização de Serviços e Gestão de Riscos.
(Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil). E-mail: gislaine@fee.
unicamp.br.
Gislene Lisboa de Oliveira - Graduação em Biologia Bacharel e Licenciatura
pela Pontifícia Universidade Católica - GO (1992) e mestrado em Biologia
pela Universidade Federal de Goiás (2000). Atualmente é professora efetiva
da Universidade Estadual de Goiás (UEG), lotada na Unidade de Educação a
Distância (UnUEAD) onde está como professora e coordenadora adjunta de
estágios e prática profissional dos cursos de graduação. Está como professora
titular da Faculdade Araguaia (FARA) no curso de Ciências Biológicas
(licenciatura). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em tópicos
específicos de educação presencial e a distância, atuando principalmente nos
seguintes temas: formação de professores, ensino e aprendizagem em Biologia,
educação a distância, educação ambiental, espeleologia e sensibilização
ecológica. E-mail: [email protected]
Isak Kruglianskas - Doutor em Administração e Professor Titular
do Departamento de Administração da FEA/USP, Universidade de São
Paulo. Coordenador do PROGESA - Programa de
Gestão Estratégica
Socioambiental .Membro do PGT - Programa de Gestão da Inovação e
Projetos Tecnoloógicos . Coordenador dos curso MBA-CTI - Conhecimento,
Tecnologia e Inovação e Pós Graduação em Sustentabilidade da FIA- Fundação
Instituto de Administração.Membro de conselhos editoriais de revistas
nacionais e internacionais. Autor de mais de 330 publicações entre artigos
em periódicos e em anais de reuniões científicas, capítulos de livros e livros
sobre temas de Administração relacionados com gestão da inovação, gestão
de projetos e gestão ambiental. E-mail: [email protected]
João Carlos Nabout - Graduação em Biologia pela Universidade Católica
de Goiás (2003), mestrado em Ecologia e Evolução (2006) e Doutorado em
Ciências Ambientais (2009) ambos pela Universidade Federal de Goiás e
Pós-Doutorado (PNPD/CNPq) no laboratório de Ecologia Teórica e Síntese
(UFG). Atualmente é professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG/
UnUCET). Experiência na área de Ecologia, com ênfase em ecologia aquática
e macroecologia. Na área de ecologia teórica e macroecologia interessa
em avaliar o impacto das mudanças climáticas globais sobre a distribuição
geográfica das espécies. Dessa forma, em linhas gerais atua principalmente
nos seguintes temas: Fitoplâncton, Limnologia, Métodos filogenéticos
comparativos, Modelagem de distribuição geográfica potencial, Mudanças
climáticas e Cienciometria. E-mail: [email protected]
Joaquim Ramos Silva - Professor Associado com agregação do Instituto
Superior de Economia e Gestão, Universidade Técnica de Lisboa e investigador
do SOCIUS. Doutoramento em “Análise e Política Económicas” pela École
des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris. Publicou quatro livros, onde se
destaca Portugal/Brasil: Uma Década de Expansão das Relações Económicas,
1992-2002 (2002), sendo também editor de cinco obras. No conjunto, é autor
mais de uma centena de publicações, incluindo várias dezenas de capítulos de
livros e mais uma vintena de artigos em revistas com arbitragem científica.
Foram concluídas sobre a sua orientação oito teses de doutoramento e
quarenta e cinco dissertações de mestrado. Professor e investigador visitante
em várias universidades estrangeiras, participou ainda em numerosos projectos
internacionais. E-mail: [email protected]
Jordana Moura Caetano - Possui graduação em Engenharia Agrícola
pela Universidade Estadual de Goiás (2011). Atualmente é Mestranda em
Engenharia Agrícola na área de Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental
pela Universidade Estadual de Goiás. E-mail: [email protected]
José Antonio Moreiro González
- Professor catedrático de
Biblioteconomia e Ciência da Informação e decano da Faculdade de Ciências
Humanas, Comunicação e Ciência da Informação, Universidade Carlos III
de Madrid. Possui doutorado em Historia(1980-85), e pós-doutorado pela
Universidade de São Paulo (1989), da Universidade Federal da Paraíba (1998),
e da Universidade Estadual de São Paulo (2001). Professor visitante nas
Universidades de Antioquia e Norte (Colômbia), e da Federal do Paraná e
da Bahia (Brasil); Católica de Lima (Peru) e na UNAM, México. É o autor
de três livros biobibliográficos sobre Agostinho Milhares Carlo (1989, 1991,
1997), uma introdução biográfica e estudo de desenvolvimento conceitual
de Documentação (1990), Introdução ao estudo de outras informações e
Documentação (1998 e 2002) , um manual de Documentação de Informação
(2000). E-mail: [email protected]
José Veiga Simão - PhD Cambridge University (1957); Doutor em
Ciências Físico-Quimicas (1957); Professor Extraordinário (1959), Professor
Catedrático (1961), Universidade de Coimbra. Reitor da Universidade de
Lourenço Marques (1963-70). Ministro da Educação Nacional (1970-74).
Embaixador de Portugal nas Nações Unidas (1974-75).Research Fellow e
Visiting Professor, Yale University (1975-78); Fellow, Lesley College (19761978); Director da Portuguese Heritage Foundation (1975-1978).Presidente
Conselho de Avaliação das Universidades Públicas (1993-97); Conselheiro do
“Legislative Reform Program” do Conselho da Europa (1994-1997). Ministro
da Defesa Nacional (1997-99). Doutor honoris causa por várias universidades
portuguesas e estrangeiras.
Julia Paranhos - Professora Adjunta da Universidade Federal do Rio de
Janeiro e coordenadora do Grupo de Economia da Inovação do Instituto
de Economia da UFRJ. Graduada em Ciências Econômicas pela UFRJ (2004),
mestre em Economia Industrial pela Universidade Federal de Santa Catarina
(2006) e doutora em Economia da Indústria e da Tecnologia pela UFRJ (2010)
com período de doutorado sanduíche no Science and Technology Policy
Research - SPRU (2009). Tem experiência na área de Economia, com ênfase
em Inovação, atuando principalmente nos temas: gestão da inovação e relação
universidade-empresa, em especial no setor farmacêutico, e desenvolvimento
econômico local no estado do Rio de Janeiro. E-mail:[email protected]
Lia Hasenclever - Graduada em Economia pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro (1977), mestrado em Economia Industrial pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro (1988) e doutorado em Programa de Pós Graduação Em
Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997).
Atualmente é Professor Associado I da Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Organização
Industrial e Estudos Industriais, atuando principalmente nos seguintes
temas: desenvolvimento econômico local, inovação, Nova Friburgo, indústria
farmacêutica e competitividade. E-mail: [email protected]
Mara Rúbia Magalhães - Graduação em Biologia Bacharelado e Licenciatura
pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2002), especialização em
Formação de Professores - Educação Ambiental pela Pontifícia Universidade
Católica de Goiás (2003), especialização em Métodos e Técnicas de Ensino
pela Universidade Salgado de Oliveira (2005) e mestrado em andamento
em Sociedade, Tecnologia e Meio Ambiente pela UniEvangélica. Atualmente
é Professora titular da Secretaria do Estado da Educação, Coordenador de
Curso da Universidade Estadual de Goiás, Coordenadora Geral da UnUEAD
da Universidade Estadual de Goiás e Professor Titular da Universidade
Estadual de Goiás. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em
Ensino-Aprendizagem e pesquisa na área de avaliação do impacto das
mudanças climáticas globais sobre a distribuição geográfica das espécies.
E-mail: [email protected]
Maria Manuel Borges - Doutorada em Letras, área de Ciências
Documentais, especialidade de Tecnologias da Informação pela Universidade
de Coimbra- Portugal onde lecciona, desde 1995.É actualmente Subdirectora
do Departamento de Filosofia, Comunicação e Informação, Coordenadora
Departamental Sócrates/Erasmus para a área de Ciência da Informação e
Directora dos Serviços de Biblioteca e Documentação.É, ainda, Directora de
Curso 2º ciclo em Informação, Comunicação e Novos Media e do Curso
de Especialização em Ciências Documentais da Universidade de CoimbraPortugal. E-mail: [email protected]
Maria Cristina Vieira de Freitas - Doutora em Bilbioteconomia e
Documentação pela Universidade de Salamanca – Espanha.Professora auxiliar
convidada da Faculdade de Letras e Membro do Conselho de Redação do
Arquivo da Universidade de Coimbra. E-mail: [email protected]
Maria Tereza Ribeiro Alves. Possui graduação em Engenharia Florestal pela
Universidade Estadual de Goiás (2009). Tem experiência na área de Recursos
Florestais e Engenharia Florestal, com ênfase nas áreas de florística e de solos.
E-mail: [email protected]
Mário José Batista Franco - Professor Auxiliar no Departamento de Gestão
e Economia da Universidade da Beira Interior (UBI) e investigador do NECE.
Doutoramento em Gestão pela UBI, com especialização em Cooperação
Empresarial. Em 1997, frequentou o European Doctoral Programme in
Entrepreneurship and Small Business Management in Barcelona (Espanha) e
Vaxjo (Suécia). Faz parte do conselho editorial de revistas de Gestão e é autor
e co-autor de vários artigos publicados em journals com arbitragem científica
internacional, tais como Long Range Planning, Management Decision, European
Journal of International Management, entre outros. Áreas de investigação:
alianças estratégicas, empreendedorismo, redes inter-organizacionais e gestão
de PME. E-mail: [email protected]
Manoel Pereira da Costa - Doutor em Educação pela Universidade Federal
de Goiás.Diretor de Educação e Tecnologia SESI/SENAI Goiás. Membro do
Conselho Estadual de Educação desde 2002, onde exerce atualmente a função
de Presidente da Câmara de Educação Profissional. Pesquisador do Núcleo
de Estudos e Pesquisa da FATESG – Faculdade de Tecnologia do Senai de
Desenvolvimento Gerencial. E-mail: [email protected]
Manuel Belo - Doutorando em Gestão na Universidade da Beira Interior
que iniciou em Outubro de 2010. Recebeu o diploma de Mestre em Marketing
pela mesma Universidade, em Julho de 2010. A sua Tese de Doutoramento
encontra-se em desenvolvimento e pretende investigar os factores
estruturantes da proposta de valor do produto território na perspectiva dos
diversos stakeholders. É também formador de Branding e Marketing na Escola
Hotelaria e Turismo de Portalegre e técnico superior na Escola Profissional de
Nisa, tendo sido seu Director Geral entre 1995 e 2009.
Oswaldo Luiz Agostinho - Possui Graduação em Engenharia Mecânica
pela Universidade de São Paulo (1966), mestrado em Engenharia Mecânica
pela Universidade Estadual de Campinas (1979), Doutorado em Engenharia
Mecânica pela Universidade de São Paulo (1985), e Livre Docência em
Engenharia Mecânica pela Universidade Estadual de Campinas (1995).
Atualmente é Professor Associado da Universidade Estadual de Campinas, e
Professor Doutor da Universidade de São Paulo. Em atividades empresariais,
foi Gerente Corporativo de Tecnologia da Informação da Eaton América
do Sul e atualmente é sócio proprietário da ORA Consultoria em Gestão
Empresarial Ltda. Suas linhas de pesquisa são: Competitividade, Estratégias
ligadas à Competitividade, Gestão de Tecnologia para Competitividade,
Flexibilidade e Integração dos Sistemas Produtivos , e Planejamento de
Processos. (Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil). E-mail:
[email protected]
Rita de Cássia da Silveira Marconcini Bittar - Possui graduação em
Engenharia Mecânica Enfase Produção pela Universidade Federal de Itajubá
(1987) e mestrado em Engenharia Mecânica pela Universidade Estadual
de Campinas (1993), cursando doutorado em Engenharia Mecânica pela
Universidade Estadual de Campinas (início 2010). Atualmente é Professora
Assistente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Tem
experiência na área de Engenharia de Produção, com ênfase em Planejamento,
Projeto e Controle de Sistemas de Produção, atuando principalmente nos
seguintes temas: Tecnologia da Informação, Gestão da Empresa Estendida e
Gestão dos Processos de Negócio. (Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, Brasil). E-mail: [email protected]
Sofia Sant’Ana Lopes Malheiro da Silva - Doutora em Ciências da
Educação pela Universidade Aberta, Portugal. Mestre e Licenciada em
Ciências da Educação pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação
da Universidade de Lisboa. Professora Auxiliar Convidada do Departamento
de Educação e Ensino a Distância da Universidade Aberta; Docente na Pós
Graduação em Educação Especial do Instituto D. Afonso III, Loulé, Portugal.
E-mail: [email protected]
Sofia Vasques - Licenciada em História pela Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra. Pós-graduada em Património Cultural pela
Universidade Católica Portuguesa e especialização pela Faculdade de Letras
da Universidade de Coimbra, em Ciências Documentais (opção Arquivo).
Mestrado em Informação, Comunicação e Novos Media pela Faculdade de
Letras da Universidade de Coimbra. Iniciou a sua atividade profissional em 1999
como Historiadora do Gabinete Técnico Local. Desde 2005 é coordenadora
do Setor de Arquivo na Câmara Municipal de Viseu.
Sónia Catarina Lopes Estrela - Licenciou-se em História , na Faculdade
de Letras da Universidade de Coimbra. No ano de 2003 concluiu o curso
de especialização em Ciências Documentais -ramo de Arquivo na mesma
universidade e, no ano seguinte, o ramo de Bibliotecas e Documentação.
Defendeu a dissertação de mestrado em 2008, na Universidade de Évora,
intitulada "A Gestão da Informação na Escola Superior de Tecnologia e Gestão
de Águeda."Desenvolveu várias actividades profissionais, nomeadamente no
Centro de Documentação e Informação da Cena Lusófona, em Coimbra, nos
anos de 2003 e 2004. Iniciou a sua actividade profissional como docente na
Escola Superior de Tecnologia e Gestão de ÁGueda- Universidade de Aveiro
no ano lectivo de 2004/05.Encontra-se actualmente a desenvolver a tese de
doutoramento no âmbito da Gestão da Informação.
Suzana Ribeiro Lima Oliveira - Professora Assistente da Universidade
Federal de Goiás.Realizou sua graduação em Geografia na Universidade
Federal de Goiás (1998) e graduação em Normal Superior na Faculdade Albert
Einstein (2006), Especialização em Metodologia do Ensino de Geografia no
Processo Educativo pela Faculdade de Educação São Luiz(2000) e Supervisão
Escolar pela Faculdade Albert Einstein (2006), Mestrado em Geografia pela
Universidade Federal de Goiás (2012). Tem experiência na área de ensino de
geografia, atuando principalmente nos seguintes temas: Educação, ensino de
Geografia e Gestão Escolar. Email: [email protected]
Victor Santos - Doutorando em Gestão na UBI e tem Mestrado em
Gestão/MBA (1998) e a Licenciatura em Gestão de Empresas (1994) no
I.S.E.G., o Curso Geral Naval de Guerra no I. S. N. G. (1995), a Especialização
em Electrotecnia no G.1E.A. (1990) e a Licenciatura em Ciências Militares
Navais na E. N. (1987). Frequentou diversos cursos, seminários e palestras nas
áreas da Gestão, tecnologias da formação, Qualidade, Ambiente e Segurança
Industrial, tendo desenvolvido actividades nestas áreas como consultor e
formador. Oficial da Marinha, até 2004, desempenhou funções de direcção,
chefia e comando em diversos organismos e unidades navais. No âmbito da
actividade docente, foi de Professor efectivo da E. N. (2005 a 2010), tendo
colaborado com o I. S. C. S. – Sul (2000 a 2003) e com a U. A. (2004 a 2005).
Actualmente é Consultor e Formador nas áreas de Gestão, Qualidade,
Ambiente e Segurança Industrial. E-mail: [email protected]
Yara Fonseca de Oliveira e Silva - Graduada em Pedagogia pela Pontifícia
Universidade Católica de Goiás (1988); especialista em Psicopedagogia
(ULBRA/RS, 1998) e em Avaliação Institucional (UEG/GO, 2005) e mestrado
em Educação pela Universidade Federal de Goiás (2005). Atualmente é
doutoranda no curso de Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento
(UFRJ/PPED/UEG) e professora titular da Universidade Estadual de Goiás.Tem
experiência e realiza pesquisa na área de Educação atuando principalmente
nos seguintes temas: políticas públicas, produção e difusão do conhecimento
da universidade no desenvolvimento regional/local, inovação, avaliação
institucional, inclusão e diversidade.
Waldomiro Vergueiro - Possui graduação em Biblioteconomia e
Documentação pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo
(1977), mestrado em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo - ECA/USP (1985), doutorado em Ciências
da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São
Paulo (1990) e pós-doutorado pela Loughborough University of Technology
(Inglaterra). Atualmente é professor titular ECA/USP, além de coordenador do
Observatório de Histórias em Quadrinhos, também na ECA/USP. Atua como
membro do corpo editorial da Revista Interamericana de Bibliotecología e da
International Journal of Comic Art . Produz principalmente nos seguintes temas:
historias em quadrinhos, historias em quadrinhos - brasil, biblioteconomia,
desenvolvimento de coleções e bibliotecas - qualidade.
William Ferreira da Silva - Professor Assistente da Universidade Federal
de Goiás. Possui graduação (Licenciatura) e Mestrado em Geografia pela
Universidade Federal de Goiás é doutorando do curso de Geografia do
Instituto de Estudo Sócio Ambientais da Universidade Federal de Goiás.
Tem experiência na área de Geografia Humana, atuando principalmente nos
seguintes temas: ensino de Geografia e expansão do setor sucroenergético no
Sudoeste de Goiás.
Este livro foi composto em Goudy Old Style Regular, corpo 11. Impresso pelo SENAI
GOIÁS - Rua Professor Lazaro Costa 348 - Vila Nova Canaã Goiânia - GO,
CEP: 74415-420 - sobre papel off-set 75g/m2.
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