UNIVERSIDADE FEDERALDE SERGIPE NÚCLEO DE PÓS GRADUAÇÃO E ESTUDOS DO SEMI-ÁRIDO PROGRAMA REGIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE Maria Luiza Rodrigues de Albuquerque Omena ESTUDO ETNOFARMACOLÓGICO DE PLANTAS COM AÇÃO NO SISTEMA NERVOSO CENTRAL: PERSPECTIVA DE SUSTENTABILIDADE EM UMBUZEIRO DO MATUTO - PORTO DA FOLHA/SE (DISSERTAÇÃO DE MESTRADO) SÃO CRISTÓVÃO, SETRAGETÓRIA 200 SÃO CRISTÓVÃO, SE 2003 Maria Luiza Rodrigues de Albuquerque Omena ESTUDO ETNOFARMACOLÓGICO DE PLANTAS COM AÇÃO NO SISTEMA NERVOSO CENTRAL: PERSPECTIVA DE SUSTENTABILIDADE EM UMBUZEIRO DO MATUTO - PORTO DA FOLHA/SE Dissertação apresentada à Universidade Federal de Sergipe como parte das exigências do Curso de Mestrado do Programa de Desenvolvimento e Meio Ambiente do Núcleo de Estudos do Semi-Àrido PRODEMA-NESA, área de concentração Desenvolvimento Regional e subárea de concentração Desenvolvimento de Regiões SemiÁridas. Orientador: Prof. Dr. Ângelo Roberto Antoniolli Co-orientador: Prof. Dr. Murilo Machioro SÃO CRISTÓVÃO, SE 2003 O55e Omena, Maria Luiza Rodrigues de Albuquerque Estudo etnofarmacológico de plantas com ação no sistema nervoso central: perspectiva de sustentabilidade em Umbuzeiro Matuto - Porto da Folha/SE / Maria Luiza Rodrigues de Albuquerque Omena. - São Cristóvão, 2003. 123p. : il. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente) – Núcleo de Pós-Graduação e Estudos do Semi-Árido, Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Universidade Federal de Sergipe. 1. Ecologia social. 2. Etnofarmacologia. 3. Plantas medicinais. 4. Sistema nervoso. 5. Sustentabilidade ambiental – Porto da Folha (SE). I. Título. CDU 504.03(813.7Porto da Folha):633.888 Maria Luiza Rodrigues de Albuquerque Omena ESTUDO ETNOFARMACOLOGICO DE PLANTAS COM AÇÃO NO SISTEMA NERVOSO CENTRAL: PERSPECTIVA DE SUSTENTABILIDADE EM UMBUZEIRO DO MATUTO - PORTO DA FOLHA/SE Dissertação apresentada à Universidade Federal de Sergipe como parte das exigências do Curso de Mestrado do Programa de Desenvolvimento e Meio Ambiente do Núcleo de Estudos do Semi-Àrido PRODEMA-NESA, área de concentração Desenvolvimento Regional e subárea de concentração Desenvolvimento de Regiões SemiÁridas. COMISSÂO EXAMINADORA ___________________________________________________________________________ Prof. Dr. Ângelo Roberto Antoniolli (Presidente) Universidade Federal de Sergipe ___________________________________________________________________________ Prof. Dr. Adauto de Souza Ribeiro Universidade Federal de Sergipe ___________________________________________________________________________ Profª. Drª. Clarice Novaes da Mota Associação Nação de Jurema Aprovada em Defesa Pública Em 11/ 06/2003 SÃO CRISTÓVÃO, SE 2003 Dedico este trabalho Aos meus familiares, cuja distância geográfica não se configurou limite para que compartilhassem do meu desejo de realizá-lo. Aos filhos, Antonio (Tony), Amanda e André, parte de mim mesma, aos quais devo toda a minha força interior. A Larissa, criança amada, por quem me orgulha, embora precocemente, ser chamada vovó. A autora AGRADECIMENTOS Às energias cósmicas, que certamente, por algum motivo superior, me conduziram ao NESA e me inspiraram na realização deste trabalho. Ao Prof. Dr. Ângelo Roberto Antoniolli, pela oportunidade e confiança depositada. Ao Prof. Dr. Murilo Machioro, pela co-orientação segura, e cuja abnegação e comprometimento com a ciência me serviram o tempo inteiro de exemplo. À comunidade de Umbuzeiro do Matuto, sem a qual não seria possível as reflexões constantes desta dissertação. À Prof. Dra. Clarice Novaes Mota, pelas orientações e sugestões. Ao Professor M.Sc. Roberto Jerônimo, incentivador primeiro do meu crescimento profissional. Ao companheiro Gilvan, cujo tempo restrito não impossibilitou auxiliar-me na fase inicial das atividades de campo e de laboratório. Às amigas Ieda e Marlene, que embora acercadas de compromissos, estiveram sempre disponíveis para colaborar nas atividades que envolveram o trabalho. A Valéria, aluna da graduação de medicina, a quem devo a presença sempre fiel durante as atividades experimentais que consubstanciam o estudo. A Jeane, pela valiosa contribuição nas análises de dados estatísticos. Ao Prof. Joilson Vasco Gondim, pela criteriosa revisão gramatical. Ao aluno Jomaks, graduando de Biologia, pelo auxílio na identificação botânica das espécies vegetais. Aos professores do mestrado, cuja orientação segura encontra-se agora refletida nas entrelinhas deste trabalho. Aos funcionários do NESA: Aline, Almir e Catiene, que de forma competente e gentil souberam conduzir suas atividades em prol dos mestrandos. Aos colegas de turma, pela corrente positiva formada em volta do grupo, especialmente àqueles que o destino me levou para mais próximo, para que eu aprendesse a fazê-los amigos. Aos amigos, os quais preferi não listar a fim de não cometer injustiça, que se aventuraram no sol forte da caatinga para ajudar-me a coletar os dados da pesquisa. Aos outros amigos, dos quais tive que me distanciar do convívio por algum tempo, por necessidade das atividades que envolveram este estudo, e que tenho certeza, estiveram do outro lado torcendo pela minha vitória. SUMÁRIO RESUMO ................................................................................................................................ iv ABSTRACT. ............................................................................................................................ v LISTA DE FIGURAS ............................................................................................................ vi LISTA DE QUADROS ........................................................................................................ viii LISTA DE TABELAS ............................................................................................................ ix INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 1 1 INTERFACE ENTRE DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE ................. 6 1.1 Breve panorama da situação global ............................................................................... 7 1.2.Abordagem nacional: o nordeste em foco. .................................................................... 12 1.3 Estabelecimento de novos paradigmas .......................................................................... 18 2 ENDOGENEIDADE COMO PRINCIPIO DO DESENVOLVIMENTO SÓCIOECONÔMICO ................................................................................................................. 24 2.1 No potencial florístico regional um elemento favorável à descoberta de novos fármacos ......................................................................................................................................... 26 2.2 Da preservação da sociobiodiversidade ao uso sustentável dos recursos naturais ....... 32 2.3 Perspectivas para o semi-árido sergipano ..................................................................... 37 3 UM OLHAR SOBRE UMBUZEIRO DO MATUTO ..................................................... 44 3.1 Cultura, especificidade e ambiência .............................................................................. 50 4 IMPORTÂNCIA DA FITOTERAPIA NOS DISTÚRBIOS DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL ........................................................................................................................... 59 5 METODOLOGIA .............................................................................................................. 65 5.1 Caracterização da pesquisa ........................................................................................... 65 5.2 Procedimentos metodológicos ..................................................................................... 67 5.2.1 Atividades de campo ......................................................................................... 67 5.2.2 Trabalho de laboratório...................................................................................... 69 5.2.3 Análise de dados ................................................................................................ 72 6 RESULTADOS E DISCUSSÃO ........................................................................................ 74 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 104 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA ................................................................................. 109 APÊNDICE .......................................................................................................................... 117 ANEXOS .............................................................................................................................. 120 iv RESUMO OMENA, Maria Luiza Rodrigues de Albuquerque. Estudo etnofarmacológico de plantas com ação no sistema nervoso central: perspectiva de sustentabilidade em Umbuzeiro Matuto - Porto da Folha/SE. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe (UFS), 2003. 130 f. (Dissertação – Curso de Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente)1. Em todo o mundo a procura por fármacos naturais, que apresentem menos efeitos colaterais que os fármacos sintéticos e de custos mais baixos, torna-se cada vez mais crescente. No Brasil, dada sua megabiodiversidade, o grande nível de pobreza que marca a sociedade, destaque para o semi-árido nordestino, e o hábito que diversas comunidades isoladas ainda têm do uso de plantas para fins terapêuticos, não é aceitável que esse recurso deixe de ser aproveitado, de forma sustentada, e em prol da própria população. Partindo desse princípio, esse estudo, realizado junto aos moradores do povoado Umbuzeiro do Matuto, município de Porto da Folha/SE, onde o hábito do uso de “plantas medicinais” se faz presente, teve como objetivo identificar a eficiência das espécies vegetais com suposta ação no sistema nervoso central, no intuito de validá-las cientificamente, estabelecendo assim a relação entre a importância da prática do uso e a utilização sustentável da biodiversidade. Para tanto, recorreu-se a uma metodologia pautada na “fala” dos atores sociais, a partir da qual foram selecionadas e testadas as seguintes plantas: imburana de cheiro (Amburana cearensis Fr. All; Smith.), aroeira (Astronium urundeuva Engl.), alecrim de vaqueiro (Líppia mycrophylla Cham) e bom nome (Maytenus rígida Mart.), chegando-se à constatação que três, das quatro espécies submetidas aos ensaios farmacológicos, e das quais a população faz uso, possuem o efeito indicado. Entretanto, as pesquisas na comunidade também revelaram que aos poucos esse costume vem sendo influenciado pelo processo de uniformização de culturas, embutido no fenômeno já instaurado de globalização. Essa realidade suscita na necessidade de se valorizar a pluralidade e diversidade cultural dos povos, sociobiodiversidade, desencadeando a compreensão que o contexto cultural, traduzido em saberes práticos sobre a natureza, que fazem parte do cotidiano das diversas populações, constituem-se num patrimônio de grande valor; unicamente através da transmissão oral pelos diversos grupos humanos (indígenas, agricultores, ribeirinhos etc) é possível se conhecer os modos de produção e forma como os saberes foram engendrados, saberes esses que podem servir de ferramenta útil para impulsionar a pesquisa científica. Palavras-chave: Etnofarmacologia, plantas medicinais, sistema nervoso, sustentabilidade. 1 Orientador: Prof. Dr. Ângelo Roberto Antoniolli – UFS v ABSTRACT OMENA, Maria Luiza Rodrigues de Albuquerque. Ethnopharmacological study of plants with action nervous central sistem: perspective of sustentability in Umbuzeiro Matuto Porto da Folha/SE, São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe (UFS), 2003. 130 f. (Dissertação – Curso de Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente)2. All over the world the search for natural pharmacos that presents less collateral effects that the syntheticals pharmacos and the low costs, turns each time more crescent. In Brasil, according to its biodiversity, the great level of poverty that marks the society, to detach for the northeastern semi-arid, and the habit, that the several communities still have form the use of the plants to ends of healing, it’s not acceptable that this resource stop being profitable, of the defensible form, and on favor of the own population. Starting from the beginning, this study, to be realized together the dwellings from the village Umbuzeiro do Matuto municipality of Porto da Folha/SE, where the habit of the use of “Medicinal Plants” makes present, had as objective identify the efficiency of the vegetal species with supposed action in the nevours system central, on itent to validate them scientifically, stabilishing in this way the relation between the practice’s importance of the use and the defensible utilization of the biodiversity. Otherwise, resorted to a methodology ruled in “speech” from the social actors, from wich were selected and tested the following plants: aroeira-do-sertão (Astronium urundeuva), alecrim de vaqueiro (Lantana sp), bom nome (Maytenus rígida Mart.) and imburana de cheiro (Amburana cearensis), come to verify that three, from the four species submited to the pharmacologics essays, and from which the population makes use, have the indicated effect. Meanwhile, the search in community also revealed that little this custom come being influenced by the process of culture’s standardzation, sunk in the phenomenon already founded of globalization. This reality rises up on the necessity to give value the plurality and the cultural diversity of the people, sociobiodiversity, unchainning the comprehension that the cultural context, brougth in practics knows about the nature, that makes part of the quotidian of several population that constitute on a great value’s patrimone, singly throug the oral transmission by several humans groups (indigenous, farmers, riparian etc) it’s possible nows the ways of production and the form how the nkows were engendered, knows that can serve as a useful tool to impel the scientific search. Keys-words: Etnopharmacologic, medicinal plants, nervous system, defensibly. 2 Orientador: Prof. Dr. Ângelo Roberto Antoniolli - UFS vi LISTA DE FIGURAS Figura 01 – Mapa de localização da área de pesquisa ........................................................... 45 Figura 02 – Estrada de acesso a Umbuzeiro do Matuto ........................................................ 46 Figura 03 – Esboço do povoado Umbuzeiro do Matuto ....................................................... 48 Figura 04 – Cerca feita com estacas: propriedade do Sr. Beijo ............................................. 51 Figura 05 – Mulungu (Erythrina velutina Wild.) em frente a uma casa do povoado ............ 52 Figura 06 – Trilha na caatinga no período de seca – Umbuzeiro do Matuto ......................... 53 Figura 07 – Assentamento dos sem terra ............................................................................... 55 Figura 08 – Plantação de palma ............................................................................................. 56 Figura 09 – Resumos referentes a plantas medicinais de ação sobre o SNC ......................... 63 Figura 10 – Entrevista com D. Enide – benzedeira ............................................................... 75 Figura 11 – Conversa com D. Pastora e D. Cecília, moradoras do povoado......................... 80 Figura 12 – Efeito do extrato aquoso do Astronium urundeuva no número de cruzamento dos animais ................................................................................................................ 88 Figura 13 – Efeito do extrato aquoso do Astronium urundeuva no número de levantamentos dos animais ......................................................................................................... 88 Figura 14 – Efeito do extrato aquoso do Astronium urundeuva nos rituais de limpeza dos animais ................................................................................................................ 88 Figura 15 – Latência e tempo de sono em animais submetidos a tratamento com extrato aquoso do Astronium urundeuva ........................................................................ 89 Figura 16 – Astronium urundeuva Engl. ................................................................................ 90 Figura 17 – Efeito do extrato aquoso da Amburana cearensis no número de cruzamento dos animais ................................................................................................................ 91 Figura 18 – Efeito do extrato aquoso da Amburana cearensis no número de levantamentos dos animais ......................................................................................................... 91 Figura 19 – Efeito do extrato aquoso da Amburana cearensis nos rituais de limpeza dos animais ................................................................................................................ 91 Figura 20 – Latência e tempo de sono em animais submetidos a tratamento com extrato aquoso da Amburana cearensis .......................................................................... 92 Figura 21 – Amburana cearensis Fr. All; Smith .................................................................. 93 Figura 22 – Efeito do extrato aquoso da Maytenus rigida no número de cruzamento dos animais .............................................................................................................. 94 vii Figura 23 – Efeito do extrato aquoso da Maytenus rigida no número de levantamentos dos animais ............................................................................................................. 94 Figura 24 – Efeito do extrato aquoso da Maytenus rigida nos rituais de limpeza dos animais ........................................................................................................................... 94 Figura 25 – Latência e tempo de sono em animais submetidos a tratamento com extrato aquoso da Maytenus rigida .............................................................................. 95 Figura 26 – Maytenus rigida ............................................................................................... 96 Figura 27 – Efeito do extrato aquoso da Lippia mycrophylla no número de cruzamento dos animais .............................................................................................................. 97 Figura 28 – Efeito do extrato aquoso da Lippia mycrophylla no número de levantamentos dos animais ............................................................................................................. 97 Figura 29 – Efeito do extrato aquoso da Lippia mycrophylla nos rituais de limpeza dos animais .............................................................................................................. 98 Figura 30 – Latência e tempo de sono em animais submetidos a tratamento com extrato aquoso da Lippia mycrophylla .......................................................................... 98 Figura 31 – Lippia mycrophylla Cham ........... ................................................................... 99 viii LISTA DE QUADROS Quadro 01 – Número de resumos referentes a plantas medicinais, em eventos nacionais por ano de publicação .......................................................................................... 29 Quadro 02 – Categoria de atividades, relacionadas com plantas medicinais, existentes no cadastro Técnico Federal do Ibama com seus valores para registro .................... 40 ix LISTA DE TABELAS Tabela 01 – Resultados apresentados com a espécie Astronium urundeuva (aroeira) na triagem farmacológica comportamental ................................................................................ 83 Tabela 02 – Resultados apresentados com a espécie Amburana cearensis (imburana de cheiro) na triagem farmacológica comportamental ............................................................... 84 Tabela 03 – Resultados apresentados com a espécie Maytenus rigida (bom nome) na triagem farmacológica comportamental .............................................................................................. 85 Tabela 04 – Resultados apresentados com a espécie Lippia mycrophylla (alecrim de vaqueiro) na triagem farmacológica comportamental ........................................................... 86 INTRODUÇÃO A Convenção sobre Diversidade Biológica, Agenda 21 (subscrita na CNUMAD1/1992), sugere que sejam adotadas medidas decisivas para conservar os genes, as espécies e os ecossistemas com vistas ao manejo e uso sustentável dos recursos biológicos, considerando que os mesmos constituem um capital com grande potencial de produção de benefícios sustentáveis. As recomendações explicitadas no documento arrematam este estudo que tem como objetivo avaliar farmacologicamente a eficiência das plantas medicinais com ação no sistema nervoso central utilizadas pela população do povoado Umbuzeiro do Matuto, Município de Porto da Folha, semi-árido sergipano. Tal avaliação leva à validação científica e permite que se estabeleça a relação entre a importância da prática do uso e a utilização sustentável da biodiversidade. A comunidade local, portanto, é elemento essencial a essa abordagem, conforme importância também mencionada na CDB2. Nessa perspectiva, recorreu-se a uma metodologia pautada na observação de fatos e no discurso dos moradores locais, especialmente rezadores e benzedeiras, como forma de captar um saber produzido pelas práticas cotidianas, na construção social do ambiente, que se encontram impressos em estratégias próprias de sobrevivência. Para tanto utilizou-se a técnica de entrevista aberta com roteiro semi-estruturado, definida por Nogueira (1978) como o instrumento mais adequados para “conhecer opiniões, atitudes e crenças”. Endossando o conceito sugerido por Bruhn & Holmstedt (1980 apud Amorozo, 1996, p. 49) de que “a etnofarmacologia consiste na exploração interdisciplinar de agentes 1 2 Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, Rio de Janeiro-1992. Convenção sobre Diversidade Biológica, in Agenda 21, cap. 15 p. 175-176. 2 biologicamente ativos, tradicionalmente empregados ou observados pelo homem”, procurouse empregar conhecimentos da ecologia, antropologia, botânica, sociologia, economia, química, farmacologia e agronomia, com ênfase na etnofarmacologia, que é a síntese entre antropologia e farmacologia, para tentar elucidar as diversas facetas envolvidas na intrincada relação sociedade-natureza-desenvolvimento, com fins à sustentabilidade. Nortearam o estudo as seguintes questões de pesquisa: O conhecimento popular das plantas medicinais com ação no sistema nervoso central insere-se na comunidade alvo do estudo? Qual a relação entre o conhecimento empírico da comunidade sobre as plantas com atividade no SNC3 e o conhecimento científico? É possível conciliar a prática do uso de plantas pela comunidade do povoado com o uso sustentável da biodiversidade? As questões levantadas suscitaram o estabelecimento dos seguintes objetivos específicos: Identificar as plantas com ação no SNC mais utilizadas pela população, caracterizando as respectivas formas de uso; Verificar as propriedades das plantas com ação no SNC, utilizando testes farmacológicos específicos; Estabelecer relação entre os resultados científicos e a prática do uso pela comunidade da região em foco; Relacionar os resultados do estudo com a utilização sustentável dos recursos da natureza pela comunidade. O interesse por fármacos que atuam ao nível de SNC justifica-se nesse trabalho por quatro razões: a primeira delas é a constatação de que os fármacos sintéticos, tradicionalmente 3 utilizados para o tratamento de doenças neurológicas, apresentam diversos efeitos indesejáveis aos seus usuários; a segunda deve-se ao fato de os estudos que investigam plantas com essa atividade ainda serem restritos, principalmente no Estado de Sergipe; a terceira é atribuída à importância econômica das plantas com esse efeito para os usuários que delas necessitam; e a quarta é o uso comum de plantas com essa ação entre a população do povoado. Partindo dessa realidade e do entendimento de que desenvolvimento só se efetiva quando é capaz de atender às necessidades humanas, sociais, econômicas e ambientais, essa dissertação traz em seu primeiro capítulo uma breve análise do modelo de desenvolvimento até então adotado no cenário mundial, enfocando suas conseqüências para o Brasil e para o nordeste, em particular, sob o ponto de vista da exaustão dos recursos naturais e da qualidade de vida da população, questionando os pressupostos que constituem o pano de fundo dos novos paradigmas ambientais recentemente impostos. Na segunda parte do trabalho, analisa-se a possibilidade de partindo dos componentes endógenos ao semi-árido sergipano, se buscar a conciliação entre desenvolvimento e preservação da biodiversidade. Nesse ponto são retratadas as potencialidades florísticas brasileira, regional e local, destacando-se a importância do saber etnobotânico mantido pelas comunidades tradicionais e locais, que encontra-se inserido num contexto social, ecológico e científico. O terceiro capítulo configura-se em um olhar sobre o povoado Umbuzeiro do Matuto, que apesar de já começar a apresentar sinais de influencia do massificante processo de globalização e de alguns indícios de devastação ambiental, ainda comporta algumas 3 Sistema nervoso central. 4 singularidades, principalmente no tocante à preservação de uma cultura própria, relativa ao uso de plantas para fins terapêuticos, tornando propício os estudos etnofarmacológicos. O quarto capítulo tece breves considerações acerca da importância das plantas no tratamento de distúrbios do SNC, incluindo informações sobre as substâncias químicas, naturais ou sintéticas, que de alguma forma atuam alterando seu metabolismo básico. No quinto capítulo consta a descrição dos procedimentos metodológicos utilizados para o desenvolvimento do trabalho, que compreenderam atividades de campo, procedimentos de laboratório e análise integrada. O sexto e também último capítulo do trabalho, analisa a relação existente entre os dados obtidos em campo a partir do etnoconhecimento dos atores sociais, confrontando-os com dados estatísticos que revelam o potencial terapêutico das plantas com suposta ação no SNC, que foram submetidas aos ensaios farmacológicos. Contextualizando o estudo, aprecia-se, nas considerações finais, a importância do conhecimento mantido pela comunidade pesquisada, do ponto de vista dos potenciais ambientais locais, não apenas em termos de uso dos recursos naturais, mas ainda sob o aspecto do delineamento de estratégias sociais e culturais, para manutenção dos benefícios gerados e da adoção de iniciativas locais e sustentáveis de desenvolvimento. Comenta-se posteriormente sobre a importância da mobilização comunitária no sentido de viabilizar ações que integrem a dimensão ecológico-cultural com a sustentabilidade social (desenvolvimento endógeno). Pretende-se dessa forma corroborar para o uso sustentável da biodiversidade no povoado, em consonância com o recomendado pela CDB e com três das cinco dimensões da sustentabilidade, propostas por Sachs (1996): 5 1) Dimensão da sustentabilidade social - sugerindo alternativas de subsistência para as famílias moradoras do povoado, através do desenvolvimento de cooperativas para aproveitamento econômico das plantas de ação terapêutica e toxicologia devidamente comprovadas; 2) Dimensão ecológica - incentivando técnicas de manejo para espécies vegetais utilizadas com fins medicinais, visando a manutenção da floresta para a continuidade de sua utilização; 3) Dimensão cultural - estimulando a efetivação de programas de Educação Ambiental como forma de preservação do etnoconhecimento sobre o uso de plantas para fins medicinais. 6 1 INTERFACE ENTRE DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE Se há uma síntese possível para esse final de século, pode-se caracterizá-la como o esgotamento de um estilo de desenvolvimento que mostrou-se ecologicamente predatório, socialmente perverso e politicamente injusto (BRASI, 1991, p.15). O comentário acima aludido resume de forma clara e precisa o cenário de insustentabilidade com o qual a humanidade se deparou neste inicio de milênio. O uso da natureza como mercado, além de causar sérios problemas de ordem social, redundou em graves riscos ambientais de caráter global, como é o caso da extinção de grande parcela da biodiversidade, da destruição da camada de ozônio e do efeito estufa. Por certo, todas as convulsões evidentes fizeram com que emergisse, no final do século passado, uma preocupação mundial com os limites da biosfera, impondo a necessidade de se rever o modelo de desenvolvimento adotado até então. Sob essa ótica, a natureza assumiria um novo papel, que não mais o de recurso inesgotável, o qual se poderia explorar ilimitadamente. A partir dessa nova concepção a temática conservação da natureza passou a ganhar espaço nos debates de cunho ambiental global. Atualmente compreende-se que a biodiversidade suscita o desafio de sua proteção e do aproveitamento do seu potencial econômico aliado aos benefícios sociais. Entretanto, segundo Albagli (1998) esse novo paradigma que gira em torno da preservação e do aproveitamento da diversidade biológica, subscrito no escopo da CDB, vem precedido de contradições que levam à possibilidade de privatização da natureza, haja vista os recursos biológicos serem considerados como recurso global ou herança comum da 7 humanidade, mas estarem ali declarados como patrimônios nacionais, afirmando-se o direito soberano dos Estados de explorarem seus próprios recursos. Outra questão que merece análise cuidadosa refere-se ao próprio entendimento dos termos desenvolvimento e sustentabilidade. O que representa cada um deles? Para quem? E mais, de que lógica deve-se partir para avaliar o desenvolvimento? Da ciência e da tecnologia? Do crescimento do PIB4? Da conservação da biodiversidade? Dos dados do IDH5? De acordo com Gomes (1995) as respostas para essa indagações dependerá muito mais do ponto de vista e do interesse do observador, tendo como elemento crucial seu entendimento acerca de economia, meio ambiente e sustentabilidade. Com base nessas considerações iniciais, será abordado neste capítulo, de forma sintética, o modelo de desenvolvimento adotado no cenário global, voltando o foco para o nordeste brasileiro, a fim de observar suas conseqüências e avaliar a possibilidade de adoção dos novos paradigmas impostos, como alternativa de desenvolvimento para a região. 1.1 Breve panorama da situação global O século XX foi iniciado com duas convicções: a aposta no desenvolvimento cientifico e tecnológico como saída para a crise vivida pela economia capitalista6; e, provavelmente pautada na lei de Lavoisier7, a crença que os recursos naturais eram ilimitados. Com base nessas duas premissas, as forças produtivas, necessitando reinvestir incessantemente para não entrar em colapso, passaram a utilizar-se de novas fontes de energia 4 Produto Interno Bruto Índice de Desenvolvimento Humano 6 Sistema econômico e social baseado na propriedade privada dos meios de produção, na organização da produção visando o lucro e empregando trabalho assalariado, e no funcionamento do sistema de preços (Dicionário Aurélio – Século XXI). 5 8 (baseada na eletricidade e nos combustíveis fósseis, não renováveis), chegando a atingir o auge do limite da produção. “A corrida da tríade que tomou a seu cargo a aventura humana, ciência/técnica/indústria, perdeu o controle” (MORIN, 1993, p.76). Incontestavelmente, como resultado dessas ações, além da exaustão dos combustíveis fósseis e da escassez dos recursos hídricos, em parte usado como matriz energética, a humanidade chega ao último cartel do século numa situação de miserabilidade nunca antes vivenciada. Philippi Jr., Coimbra e Pelicione (2000) assinalam que o conjunto de riscos globais que constitui séria ameaça a todo o ecossistema planetário foi originário da competição científica, tecnológica e industrial entre vários países, agravada com a revolução industrial do pós-guerra. Atualmente, segundo Albagli (1998), toda essa crise também se encontra revelada na interdependência e na fragilidade das economias emergentes, na exploração e na perda da biodiversidade, na inversão de valores éticos e no crescente aumento da pobreza em escala mundial. Compartilha desse mesmo intento Foladori (1999) que atribui ao padrão de desenvolvimento centrado na produção e reprodução do capital a responsabilidade pela maximização do potencial de destruição ecológica e pela emergência do desemprego crônico que também se evidenciara. Dessa maneira, o capitalismo além de destruir o entorno natural, tornara supérflua ampla fração da sociedade, na medida que a tendência de substituição de trabalho humano por máquinas adensaram a taxa de desemprego e subemprego em todo o mundo. A lógica do mercado houvera submetido, de forma indiscriminada, a natureza aos imperativos do lucro. Em situação de desemprego e impossibilitada de vender sua força de trabalho no mercado 7 Antoine Laurent de Lavoisier, cientista que viveu no séc. XVII autor da célebre frase “Na natureza nada se perde e nada se cria, tudo se transforma”. 9 alienado dos meios de produção, significativa parcela da população ficou à margem da riqueza social. Entretanto, muito mais profunda do que possa parecer à primeira vista, a raiz da questão resulta de um processo histórico-cultural que tem origem numa concepção de natureza objetiva e exterior ao homem, e no próprio conceito que foi sendo formado pelos grupos humanos sobre desenvolvimento. Segundo Gonçalves (1990) a filosofia platônica medieval que propunha a separação entre espírito e matéria, tendo posteriormente assumido feições modernas com a teoria de Descartes, foi a principal influência na separação entre sujeito e objeto na sociedade capitalista ocidental: o homem – o sujeito debruçara-se sobre a natureza – objeto. Com isso, confirma-se mais uma vez a tese que o homem está localizado fora da natureza, ao menos quanto à própria autoconsciência. Ocupando e explorando a natureza na prática, o homem moderno está vivendo como se não fizesse parte dela [...] (KESSELRING, 1992, p.35). Gradativamente, o processo de domínio presente na relação Homem-Natureza, foi dividindo espaço com um antropocentrismo intra-específico, pautado na exploração do homem pelo homem, observável desde a mais antiga forma de organização do trabalho: a escravidão até os preconceitos de ordem etnocêntricas (racista, classista e sexista), presentes hoje nas organizações sociais advindos da lógica capitalista. Exemplo clássico do etnocentrismo foram os modelos políticos impostos pelos países “mais avançados” aos países “menos avançados”, como é o caso do Brasil, justificado pela concepção de que o homem branco, europeu ocidental, seria mais desenvolvido, mais civilizado e superior aos latino-americanos, africanos e asiáticos. 10 Com base nessa visão antropocêntrica e etnocêntrica, a sociedade ocidental também passara a inferir a si mesma a teoria de Charles Darwin sobre a evolução das espécies, aplicada ao comportamento natural comum entre os animais e as plantas em termos de luta pela existência, lei dos mais aptos, originando o que os sociólogos denominam “Darwinismo social”8, ideologia que refletiu principalmente nas divisões de trabalho e abertura de novos mercados. Kesselring (1992, p. 35) a esse respeito infere o seguinte comentário: “O que segundo a teoria da evolução é o mais nítido indício de adaptação, o crescimento populacional, transformou-se, no caso da espécie Homo sapiens, num indício de desadaptação”. Por certo, a analogia entre a teoria de Clarles Darwin e as relações societárias não refletiu exclusivamente na competição de mercado, mas em todas as esferas das sociedades humanas, envolvendo a violação dos direitos fundamentais, Humanos e Constitucionais, vindo a ameaçar os fundamentos mesmo do social. As formações sociais mais complexas são fruto de complicados processos históricos de integração, seja pela troca, seja pela persuasão ou pela guerra, de unidades sociais menores que acabam sendo absorvidas por unidades sociais e territoriais maiores, tais como aquelas que são controladas por ‘Estados’ modernos (VIRTLER, 1999, p.19). Indubitavelmente, deve-se ao modelo econômico adotado, ele próprio fruto do antropocentrismo e etnocentrismo, a crise instaurada não só do ponto de vista ambiental, mas ainda das próprias transformações societárias, às quais a natureza foi submetida indiscriminadamente aos imperativos do lucro e a espécie humana miseravelmente negligenciada. As duas grandes Guerras Mundiais configuraram-se na forma mais explícita de 8 Corrente teórica da segunda metade do séc. XIX e primeira metade do séc. XX, ou a doutrina por ela formulada, que aplica alguns princípios básicos da idéia darwinista de evolução (como as de seleção natural, luta pela existência, e sobrevivência do mais apto) ao estudo e interpretação da vida humana em sociedade (Dicionário Aurélio – Século XXI). 11 mostrar para o mundo a competitividade e a luta humana pelo controle da natureza e dos outros homens. Com relação ao entendimento do conceito de desenvolvimento, já mencionado anteriormente como outra razão para a crise global ora enfrentada, há de perceber-se que este também resulta da condição antropocêntrica humana, que fora se cristalizando ao longo da história. Caiden e Caravantes (1998) relatam que na antiguidade desenvolvimento era atribuído exclusivamente aos processos de mudança seqüencial de um estágio para outro, numa ordem preestabelecida, invariável. Na renascença, houvera se modificado, passando a expressar uma ordem na qual a natureza não mais se revelaria livremente, à sua própria maneira, e a partir de então o homem iria redescobri-la, devendo empregar todo o seu talento e energias para melhorar a condição humana. Daí em diante, até pelo menos a década de 40, desenvolvimento passara a significar, sobretudo, desenvolvimento econômico. Criou-se, a partir de então, uma contradição manifesta. Enquanto a racionalidade econômica levou ao enriquecimento alguns poucos privilegiados, a maior parte da população se vê hoje privada de seus direitos mais básicos: moradia, saúde e alimentação. A riqueza não é distribuída igualmente entre os habitantes do planeta. Atualmente cerca de um bilhão de pessoas vive em estado de completa pobreza, e embora seja corrente nos meios midiáticos, e inclusive acadêmicos, representar o recrudescimento da pobreza ou crescimento populacional como um problema ambiental, Foladori (1999, p.120) afirma que “a pobreza ou o incremento populacional não são senão conseqüências, manifestações, da falta de acesso ao mercado capitalista”. Diante da total imprevisibilidade que marcou o final do século XX, Buarque (1995, p.69) conclui: “O século que se iniciou com sonhos de igualdade graças ao progresso técnico 12 e ao crescimento econômico, terminou com uma desigualdade nunca antes vista na história da humanidade”. 1.2 Abordagem nacional: o nordeste em foco Segundo Philippi Jr., Coimbra e Pelicione (2000) o Brasil tem um relatório próprio de ações degradadoras contra o meio natural, originárias de convulsões que perduram por mais de cinco séculos e que acarretaram a exaustão de recursos minerais, vegetais e animais. Para esses autores “os ciclos econômicos sucessivos: gado, cana, ouro e café são a origem de um desmatamento feroz, cego e impiedoso que consumiu milhões e milhões de hectares e arruinou irremediavelmente a biodiversidade em vários biomas brasileiros” (p.321). Todas essas ações, além de se mostrarem deletérias ao entorno natural, mostraram-se do mesmo modo disruptivas para o próprio entorno social humano, sobretudo na região Nordeste9, que embora tenha servido de berço para a recente história de ocupação do país e base para a implantação do engenho da cana-de-açúcar, ou seja, da primeira “indústria” nacional, é hoje, paradoxalmente, a mais pobre, mais marginalizada, e de acordo com Dourojenni (2001) a mais devastada em seus recursos naturais. Além disso, ainda concentra grande quantidade de pessoas muito pobres, que até agora não puderam beneficiar-se do chamado processo de desenvolvimento nacional. O quadro que ora emoldura o nordeste denuncia claramente as marcas herdadas da exploração ocorrida durante a colonização do Brasil. Com base em Almeida e Vargas (1997) pode-se atribuir às práticas de agricultura e pecuária extensiva adotadas secularmente, mais 9 Como foi mencionado por Beni Veras, Ex-Ministro-chefe da Secretaria de Planejamento Orçamento e Coordenação da Presidência da República, no capítulo introdutório do Projeto Áridas, 1995. 13 expressivamente no século XIX, parte do agravamento do processo ainda em curso, de ameaça à sua biodiversidade. Mendes (1997) comenta que a pecuária extensiva, aliada às superpopulações humanas, teria contribuído para a diminuição da flora nativa da região e se apresenta atualmente como condicionante para a situação de miserabilidade dos nordestinos. Dourojenni (2001) classifica essa atividade como mais impactante do que a exploração florestal ou as atividades extrativistas. Segundo esse autor no período compreendido entre 1960 e 1990, 20% das florestas tropicais desapareceram, sendo que no Brasil o bioma mais prejudicado foi a caatinga. Essa triste realidade, atrelada às fragilidades naturais de um ecossistema caracterizado por vegetação vulnerável, predominantemente composta por plantas xerófilas e cadulcifólias, coloca a região Nordeste em desvantagem com relação às demais regiões do país. Considere-se ainda o risco quase iminente de desertificação da sua porção semi-árida, que ocupa 80% da extensão total da região (SILVA, 1986), sendo em parte atribuída à baixa precipitação, com chuvas que não ultrapassam 800 mm/ano (MENDES, 1997), e é responsável pelo comprometimento do seu calendário agrícola, pela escassez de recursos hídricos, e pelas condições do solo. Talvez por estar constituído em área geologicamente muito antiga ou por ser raso em função da falta de proteção por parte da vegetação, o solo, segundo Mendes (1997) se apresenta pobre em matéria orgânica e com tendência à salinização. Além dos problemas já mencionados (uso de técnicas agrícolas inadequadas, baixa capacidade de enfrentar as secas, alta densidade populacional), também são apresentados como fatores limitantes para a região situações como o mega desemprego e o baixo nível de escolaridade. Tem-se então o retrato de uma região onde os recursos são escassos e as 14 necessidades são abundantes. Dadas essas condições, as projeções do Projeto Áridas, realizadas no ano de 1995, apontavam tendencialmente nas décadas seguintes, para um cenário de ameaçadora insustentabilidade. O Nordeste padece de vulnerabilidades – constituídas por fragilidades de natureza geoambiental, econômico-social, científico-tecnológica e político-institucional, as quais podem vir a comprometer, no futuro, a já precária sustentabilidade de seu desenvolvimento (PROJETO ÁRIDAS, 1995, p.39). Segundo o Censo demográfico 2000, o drama do mercado de trabalho que assola o país tem seu pico nas áreas mais carentes do nordeste. Com relação à escolaridade, os registros da mesma fonte indicam que a região atualmente comporta aproximadamente 10 milhões de analfabetos (concentrando a maior taxa do país), sendo que dos que têm acesso à escola muitos são considerados analfabetos funcionais10. Talvez seja essa a causa de o nordeste continuar inspirando discursos políticos préeleição, oportunidade em que são apresentadas “fórmulas milagrosas” para a solução dos seus problemas, através de propostas que parecem pouco ter de aplicação prática, algumas das quais rotuladas desenvolvimento sustentável. O que se percebe de fato é que a maioria dos políticos pregam o desenvolvimento sustentável, talvez sem compreenderem o que significa e nem acreditarem no que dizem. Dourojeanni (2001) argumenta que mesmo após quatro décadas de proposto pela comissão Brundtland, o conceito de desenvolvimento sustentável ainda não se solidificou, nem foi compreendido, tampouco universalmente aceito. Compreende-se, apesar dos dados alarmantes, que para desenvolver o Nordeste não basta somente investir na educação, sobretudo em aumentar os índices de escolaridade. Essa 10 Conceito ainda discutido entre especialistas, mas que se refere basicamente às pessoas que embora consideradas alfabetizadas, têm dificuldade para interpretar textos básicos. 15 medida é extremamente importante, mas não deve ser suficiente. Também querer combater a pobreza transformando pessoas e comunidades em beneficiárias passivas e permanentes de programas assistenciais, a exemplo do Bolsa Escola, não parece ser a saída. No contexto aqui apresentado, a pobreza é entendida como sendo fruto da incapacidade de desenvolver potencialidades e aproveitar as oportunidades. Na opinião de Franco (2000), que parece coerente, combater a pobreza significa fortalecer a capacidade de as pessoas satisfazerem necessidades, resolverem problemas e melhorarem sua qualidade de vida. No entanto, a história tem mostrado que as propostas de desenvolvimento para o nordeste vêm se configurando numa soma de erros originários, por um lado, de grupos políticos, que na maioria dos casos foram guiados exclusivamente por interesses eleitoreiros, e de outro, mais recentemente, por planos de cunho preservacionista que, na perspectiva de uma racionalidade científica de conservação da natureza, ignoram que o espaço construído pela comunidade local, da forma como é construído, tem para ela diversas representações. Segundo Gomes (1995), referindo-se ao Brasil, essas ações sofreram influência ideológica tanto dos partidos de direita como dos de esquerda, que em diferentes momentos empunharam a bandeira do conservadorismo e protecionismo contra o progresso, na busca de voto, e deixaram de considerar a importância da participação das comunidades tradicionais no tocante ao desenvolvimento da região, negando a importância dos saberes e práticas tradicionais para a manutenção do ambiente, práticas essas que ocorrem de forma natural e contínua. Esse aspecto pode ser analisado sob o ponto de vista das três correntes citadas por Dourojeanni (2001): o desenvolvimentismo, o preservacionismo e o socioambientalismo, este último designado por Diegues (2000) de ecossocialismo. De um lado o movimento 16 desenvolvimentista, predominante até a metade do século passado, preocupava-se exclusivamente com o crescimento econômico, concebendo que a natureza existia somente para ser explorada; do outro, o preservacionismo, originado a partir da década de 70, via a natureza como algo intocável, que deveria servir apenas como fonte de apreciação. Dourojeanni (2001) comenta que, apesar de os dois movimentos serem totalmente distintos, ambos tiveram em comum o extremismo exacerbado, tendo por sua vez o sociopreservacionismo sido de igual maneira extremista. O autor critica os socioambientalistas argumentando que para seus adeptos a natureza não interessa, só interessa o benefício imediato ou mediato do ser humano. Apesar de existirem movimentos mais recentes que tentam dar igual ênfase à valoração econômica da natureza e ao patrimônio natural, o que até agora poucos perceberam foi a inelutável união que precisa haver entre o natural e o cultural (DOUROJEANNI, 2001). Ademais, as intervenções feitas no nordeste não têm procurado comportar as especificidades locais dentro da própria região. Considerando as particularidades do nordeste, Gomes (1995, p.14) ressalta que “desenvolvimento, mesmo sem sustentabilidade ecológica, faz sentido, ao passo que sustentabilidade sem desenvolvimento não faz [...] sustentável qualifica desenvolvimento, e não o contrário” (grifos do autor). Além disso, algumas análises sobre os impactos causados ao ambiente pelo crescimento econômico são predominantemente apocalípticas; as interpretações de alguns estudiosos acerca dos efeitos da ação antrópica sobre a região são fruto de uma visão estreita sobre economia e meio ambiente, que deixa de explorar todas as relações envolvidas no desenvolvimento sustentável (GOMES. 1995). O mesmo autor acentua que, sendo conduzido corretamente, o crescimento econômico não tem que conflitar com preservação ambiental, pois com certeza existem muitos problemas 17 ambientais associados ao processo de crescimento econômico no nordeste, da mesma forma como existem muitos problemas (ambientais ou não) associados à falta de crescimento econômico da região. No seu entendimento a avaliação sobre desenvolvimento irá depender muito mais do observador, pois partindo de uma ética centrada nas necessidades humanas, uma certa área a ser desmatada para implantação de uma agricultura (sustentável), de alta produtividade, por exemplo, deveria ser considerada como uma melhoria no meio ambiente e não o inverso. Com base nessa afirmação, compreende-se que o propósito de resguardar a natureza não se configuraria na proteção simplesmente, mas no benefício que traria à humanidade, não sendo importante apenas conservar a biodiversidade regional, mas melhorar a qualidade de vida dos que dela fazem uso. Nesse sentido, cabe ressaltar ainda que, Quanto mais diversificadas forem as atividades no sertão, menos impactos trarão à caatinga. Exemplo disso são alguns programas de ação florestal e exploração sustentada da caatinga, no qual a idéia é garantir o ‘uso múltiplo equilibrado pecuário-florestal’, o que é compatível com a manutenção do equilíbrio da floresta. Ou seja, esta nem ‘empobrece’, como ocorre quando há superexploração, nem ‘envelhece’, como acorre quando há subexploração (MENDES,1995, P.38). Sob essa perspectiva pode-se afirmar que nem todo o desenvolvimento é gerador de impacto negativo. Além do mais, nenhum processo de desenvolvimento econômico poderá ser considerado sustentável sem que haja, concomitantemente e correspondentemente, desenvolvimento ambiental, econômico, sócio-político e cultural. Compreendendo desenvolvimento como um movimento sinérgico, capaz de estabelecer um equilíbrio dinâmico em um sistema complexo, no caso uma coletividade humana, então o ponto de vista de Gomes merece ser analisado em sua essência. Nesse 18 sentido Bispo (1998, p.90) também enfatiza que: “desenvolver ou não desenvolver, é o mesmo que escolher entre atraso e modernidade. O desenvolvimento sustentável deve conciliar tradição e inovação, o conhecimento empírico e o técnico-científico”. Dentro desse entendimento, desenvolvimento não pode ser reduzido a crescimento. Criar, renovar, mudar, reinventar - tudo isso é desenvolvimento, não apenas crescer. Essa forma de pensar o desenvolvimento diverge totalmente daquela que atribui ao crescimento do produto o crescimento de todos os fatores extra-econômicos do desenvolvimento, como o capital humano e o capital social. Para além desses limites, o desenvolvimento deixa de ser sinérgico, e assim deixa de significar desenvolvimento. 1.3 Estabelecimento de novos paradigmas É manifesto que os desequilíbrios herdados do século passado em conseqüência da desarmônica relação sociedade-natureza-desenvolvimento, evidenciados prioritariamente no ocidente, resultaram em profundas desigualdades sociais principalmente nos países “menos desenvolvidos”, e refletiram na inadequada produção e distribuição de renda e na escassez de outras condições essenciais à saúde e à vida das populações. Contudo, embora tendo trazido conseqüências desastrosas tanto no aspecto social como no ambiental, não convém olvidar que igualmente no século XX foram descobertos recursos de grande valor para a humanidade. Tal acesso operou uma transformação radical no modo de vida das pessoas, tanto no setor de comunicações (telefone, telégrafo, cinema), como nos serviços públicos (lâmpada elétrica, transmissão de energia por cabo), e ainda na medicina (produção de vacina, soro e antibiótico entre outros). 19 Mesmo assim, é necessário não se perder de vista que para ter acesso a determinados bens pagou-se um preço muito alto. Além disso, dadas as condições em que se encontra a biosfera e ao recente processo já instaurado de globalização, é importante que seja formada uma consciência crítica capaz de questionar o modelo de desenvolvimento imposto à sociedade e suscitar novos desafios para o planejamento das sociedades humanas. Segundo Albagli (1998) uma nova forma de ver a biosfera, emergida por volta do fim da década de 60, início de 70, teria servido para despertar o mundo ocidental efetivamente para a crise ambiental pela qual passa o planeta. De acordo com Mandel (1990) foi também nessa época que a expansão do acúmulo de capital, alcançada no pós-guerra e adotada por mais de 30 anos, começou a apresentar sinais de esgotamento, engolfando-se em um processo de crise, marcado, sobretudo, pelo descenso da taxa média de lucro. A economia baseada no padrão de alto consumo de massa encontrou, portanto, seus limites estruturais. A crise econômica, aliada à nova consciência crítica que começara a emergir, fez surgir novas concepções acerca de desenvolvimento. A comissão Brundtland (CMMAD11 1991) no documento intitulado “Nosso Futuro Comum”, o redefiniu como sendo: Mais do que uma passagem da condição de pobre para a de rico, de uma economia rural para outra mais sofisticada: carrega ele consigo não apenas a idéia de melhor condição econômica, mas também a de melhor dignidade humana, mais segurança, justiça e equidade. Para Berguer (1974 apud CAIDEN E CARAVANTES, 1998, p.31), Desenvolvimento não é uma coisa a ser decidida por especialistas, simplesmente porque não há especialistas naquilo que constitui metas desejáveis da vida humana. Todo desenvolvimento material é, afinal, uma coisa fútil, a menos que sirva para ampliar o propósito pelo qual os seres humanos vivem. É por isso que é importante e se tenha cuidado no que tange a menosprezar valores e instituições tradicionais [...]. 11 Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento 20 Gomes (1995) expressa que desenvolvimento consiste em um processo pelo qual um organismo, uma pessoa humana ou sistema social materializa suas capacidades potenciais atingindo níveis superiores e mais desejáveis de realização e organização. Esse processo é regido por condições que se relacionam intimamente e se influenciam mutuamente, pois segundo este modo de ver, o desenvolvimento só é possível se for humano, social e sustentável. A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (Estocolmo, 1972), foi o marco das preocupações com as questões ambientais globais e a necessidade de se desencadear um conhecimento científico mais acurado acerca dos problemas gerados pelo modelo de desenvolvimento adotado até então, e de suas conseqüências para a perpetuação da vida na Terra (ALBAGLI, 1998). Nos últimos anos as discussões envolvendo a temática têm deixado de ser restrita ao meio técnico-científico e se popularizado através da mídia, empresas, governos, organizações e organismos internacionais e multilaterais, passando a apresentar caráter global e tornando-se capaz de gerar o movimento contrário que agora começa a emergir (ALBAGLI, 1998). Dentre as mudanças significativas em torno da questão, Brito (2000) destaca o enfoque, que de “conservação da natureza”, surgido em Estocolmo-72, passou nas duas últimas décadas por uma metamorfose, cedendo lugar a discussões sobre a “conservação da biodiversidade”, segundo consta da CDB, que sugere como pontos essenciais: 1. A soberania nacional e a preocupação comum da humanidade; 2. A conservação e o uso sustentável; 3. Os aspectos relativos ao acesso aos recursos genéticos; 21 4. O financiamento; 5. A implementação. Os organismos internacionais finalmente concluiram que o estilo de desenvolvimento baseado na produção e consumo gerou condicionais de insustentabilidade, que levaram à maximização do potencial de destruição da natureza, podendo ser traduzido na perda de oportunidade de utilização da biodiversidade, na qual se inclui: A variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade de espécies, entre espécies e de ecossistemas (CDB, 1992). Porém, na obra “Geopolítica da Biodiversidade”, Albagli (1998) levanta questões polêmicas relacionadas à CDB que envolvem não só o acesso aos recursos genéticos, mas que partem da disputa de controle sobre a biodiversidade, o direito de patente, passando pela proteção dos conhecimentos tradicionais, pela garantia e benefícios advindos dos mesmos às comunidades e pelos riscos da biotecnologia. Um dos aspectos não claramente resolvidos no texto da CDB é justamente o que se refere ao papel e aos direitos das comunidades locais e populações tradicionais no acesso aos recursos genéticos e na partilha de benefícios decorrentes do seu uso, conforme explicitam as contradições contidas no preâmbulo, artigo 8º (J), artigo 10 (C) e artigo 15 do documento (ALBAGLI, 1998). Emerge dessa indefinição a mercantilização dos saberes das comunidades, que estão sendo utilizados como meio para orientar o capital de risco para as empresas de biotecnologia, contribuindo assim para uma forma mais rápida de bioprospecção, a etnobioprospecção 22 (LEFF, 2001). E nesse sentido, deve-se atentar sobre quais as recompensas que as comunidades usuárias e conhecedoras da biodiversidade obterão por suas informações. No Brasil, o Projeto Lei nº 306/95, que dispõe sobre os instrumentos de controle do acesso a recursos genéticos do país, sob denominação de Lei de Acesso à Biodiversidade Brasileira, apresentada ao senado federal em outubro de 1995 pela senadora Marina Silva, ainda em discussão (ALBAGLI, 1998), seria a via para garantir que parte do lucro gerado com o aproveitamento industrial dos recursos da biodiversidade servisse de fonte de renda para as populações provedoras de informações. Os pontos apresentados devem servir de alerta para que seja conformada uma visão crítica, tanto acerca dos problemas ambientais a serem enfrentados pela humanidade, quanto sobre às próprias políticas e paradigmas recentemente impostos. Interessa, não menos, sublinhar que o fator econômico é fundamental em qualquer processo de desenvolvimento. É impossível promover o desenvolvimento sem estimular a multiplicação das atividades produtivas, sem democratizar esse acesso, ou, em outras palavras, sem socializar a riqueza. Caso contrário, não há crescimento econômico, e conseqüentemente, não há desenvolvimento. Esse é o caso, por exemplo, de um país ou região onde haja crescimento do PIB, sem que, entretanto, os valores sejam compatíveis com o capital humano e com o capital social. Nessa percepção, o desenvolvimento só se efetiva na prática quando consegue ter amplitude social, sendo capaz de promover o desenvolvimento das pessoas que estão vivas hoje e das que viverão amanhã. Em outras palavras: desenvolvimento humano, social e sustentável, que pode ser traduzido na seguinte equação: DS = QV+QA12. 12 DS: desenvolvimento sustentável; QV: qualidade de vida, QA: qualidade ambiental. 23 Além do mais, considerando que o processo de globalização tem contribuído para a massificação e uniformização das culturas, deve-se procurar formas de desenvolvimento capazes de respeitar as particularidades de cada sociedade, nas quais estão impressas as diversas maneiras de entender o mundo que as cerca, sendo condição básica para isso a valorização e o reconhecimento de suas potencialidades endógenas. Fazer valer esse pressuposto implica encontrar para a região nordeste, prioritariamente para o semi-árido, meios para efetivar o desenvolvimento econômico, que se apresenta como uma necessidade emergente, conciliando os interesses sociais e a preservação ambiental. Esta via suscitaria uma ruptura dos modelos existentes, e uma redefinição de estratégias a partir dos anseios da comunidade local, devidamente conscientizada de suas opções. 24 2 ENDOGENEIDADE COMO PRINCIPIO DO DESENVOLVIMENTO SÓCIOECONÔMICO [...] o local constitui-se assim em espaço de articulação – ou de síntese – entre o moderno e o tradicional, sinalizando a possibilidade de gestarem-se, a partir das sinergias produzidas por essas interações, soluções inovadoras para muitos dos problemas da sociedade contemporânea (ALBAGLI, 1998, p.82). O mundo inaugura o século XXI maravilhado com uma nova utopia. Dessa vez a expectativa volta-se para a globalização. Tal processo surge trazendo a promessa de diluir as fronteiras entre os países “mais desenvolvidos” e os “menos desenvolvidos”. Porém, ao invés de atenuar a distância, o que se esconde no pano de fundo do atual cenário globalizado é um afastamento e uma dependência cada vez mais crescentes. Albagli (1998) comenta que os países que detêm a tecnologia de ponta monopolizam a ciência através da fabricação de produtos de alta sofisticação e de elevado valor agregado no mercado mundial, vendendo para os que só consomem, e têm que dispor de recursos financeiros para adquiri-los. No entanto, ao fazê-lo, adquirem também um conjunto de padrões culturais e de estilos de vida e de consumo. Para Viertle (1999) o processo de globalização constitui antes um interesse social dos detentores do capital financeiro, manifestação de uma ideologia, do que uma proposta de cunho científico; em sua conseqüência a sociedade encontra-se agora fundamentada numa ordem econômica imprevisível e incontrolável por impactos predatórios que devem corroer cada vez mais as condições de uma autêntica diversidade cultural entre os vários grupos da espécie humana e levar a desequilíbrios irreversíveis, como os que já se encontram impressos na constante redução da biodiversidade e no aumento de massacres, genocídios, fome, doenças e misérias humanas. 25 E ainda que predomine de forma irreversível nas pautas contemporâneas, os padrões da globalização econômica já começam a ser questionados por grande contingente de pessoas e instituições que defendem a idéia de desenvolvimento local como estratégia que posicione vantajosamente espaços territoriais delimitados em face ao mercado globalizado, sem o qual inúmeras localidades, dos mais diversos cantos do planeta, deverão ficar marginalizadas pelo desaproveitamento de suas potencialidades. Sob essa ótica, considerando os recentes padrões impostos pelo “rolo compressor uniformizador" do processo de globalização, o capítulo que segue versará sobre a importância da identificação e do uso, sustentável, do potencial ambiental endógeno, bem como da necessidade das pequenas comunidades assegurarem o enraizamento dos seus saberes acumulados para que possam deles se beneficiar. 26 2.1 No potencial florístico regional um elemento favorável à descoberta de novos fármacos Conforme informações do INPE13 referentes ao ano de 1995, a destruição do meio ambiente ocorre a nível acelerado, o equivalente a 10.000 km² de florestas por ano, o que constitui um grande obstáculo ao aproveitamento do potencial associado à biodiversidade (FERREIRA, 1998). Segundo Myers (1992 apud ALBAGLI, 1998) de acordo com dados bioclimáticos, as florestas tropicais que já ocuparam cerca de 15 milhões de Km², foram reduzidas à metade. Sua extensão estaria correspondendo atualmente a cerca de 6% da superfície terrestre. Essa realidade exige urgente proteção às coberturas vegetais do planeta, até porque, pelas evidências do aumento do seu aquecimento, futuramente a necessidade de se ter áreas florestadas será muito maior. No entanto, a avaliação em termos numéricos do grau de destruição da diversidade biológica se torna difícil não só devido à inexatidão dos dados referentes ao potencial de espécimes ainda existentes em todo o mundo, como também por não existirem estudos mais específicos acerca das variedades que já foram extintas. No caso do potencial dos espécimes vegetais, por exemplo, os dados contrastam muito entre autores. Na obra Plantas Medicinais Antidiabéticas na Abordagem Multidisciplinar, Bragança (1996) apresenta dois dados divergentes; o primeiro, obtido de Oliveira et al (1992), indica que a variedade de espécies superiores em todo o planeta estaria por volta de 60 a 250 mil, não tendo sido a maioria objeto de descrição científica. Já o segundo, que cita dados de Fansworth, perito da OMS, referente ao ano de 1984, estima existir cerca de 250 a 750 mil 13 Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. 27 espécies superiores, das quais muitas ainda não foram estudadas. Ferreira (1998 apud CECHINEL FILHO e YUNES, 2001) contabiliza o número de espécies vegetais existentes no planeta entre 250 a 500 mil, enquanto Nodari e Guerra (1999) avaliam que em todo o mundo exista em torno de 350 a 550 mil espécies. Está visto que o confronto entre os números apresentados denota uma grande disparidade, indicando por certo que muitas espécies em todo o mundo ainda não foram catalogadas e identificadas botanicamente. No caso do Brasil, dada a megabiodiversidade que o país comporta e ao grande nível de pobreza que marca a sociedade, com destaque para o semi-árido nordestino, não é aceitável que esses recursos deixem de ser aproveitados, de forma sustentada, e em prol da própria população. Diversos autores indicam que a riqueza da biodiversidade brasileira, na qual se estima existir aproximadamente 55 mil espécies de plantas, está entre os elementos favoráveis ao desenvolvimento de medicamentos a partir de produtos naturais. “Somente a região amazônica cobre 5 milhões de km², com 33.000 espécies de plantas superiores, sendo pelo menos 10.000 destas medicinais, aromáticas e úteis.” (BARATA, 1994; BRAWN,1992; BRITO, 1993; DI STASI, 1989; GOTTLIEB, 1980; MORS, 1966 apud FERREIRA, 1988, p.78 ). Silva; Buitrón e Martins (2001) também assinalam que o Brasil se revela como um provedor de muito valor com relação às plantas medicinais. No entanto declaram que muitas plantas freqüentemente utilizadas por populações locais ainda não foram estudadas; seus princípios ativos ainda não foram identificados para validá-las como medicamento ou para aproveitá-las economicamente. Nodari e Guerra (1999) enfatizam que apenas uma pequena porcentagem de plantas utilizadas como medicinais foi objeto de estudo (cerca de 15%), e, somente para algum efeito 28 específico. Esses dados tomam maior expressividade se considerados os obtidos de Ferreira (1998) baseados em informações da revista Scientific American (jan/93), indicando que menos de 10% das espécies existentes no planeta foram exaustivamente investigadas com vistas ao descobrimento de propriedades terapêuticas; podendo o percentual ser inferior a 5%. Segundo Ferreira (1998), o Brasil possui a maior base universitária e técnica das Américas, excluindo os EUA, e conta com uma inegável capacitação científica nas áreas de química de produtos naturais (aproximadamente 900 profissionais) e farmacologia (pelo menos 1500), significando que o país pode ter um futuro promissor no que se refere ao desenvolvimento de fitofármacos. O mesmo autor declara que as outras áreas afins como medicina, botânica, farmácia e engenharia, estão igualmente bem qualificadas e em número adequado. Aproximadamente setenta grupos lidam com a pesquisa de produtos naturais no país e alguns dedicam-se especificamente a plantas medicinais. Ao fazer referência à formação etnofarmacológica, Ferreira (1998, p. 37) assim expressa: A etnofarmacologia é uma ciência ainda mal desenvolvida e mal compreendida no Brasil, onde há poucos profissionais que se definem como etnofarmacólogos e a disciplina praticamente não existe nos cursos de pós-graduação. Além disso é pouco acreditada por amplos setores da ciência oficial. No entanto, a etnofarmacologia é um elemento metodológico hoje fundamental para empresas dos EUA e Europa buscar medicamentos de plantas nos trópicos. Ferreira (1998) ressalta ainda que no país a pesquisa com plantas medicinais está praticamente vinculada às instituições universitárias. O quadro 1, apresenta dados compilados pelo autor, constando o número de resumos expostos por pesquisadores seniores, estudantes de graduação e pós-graduação, no período compreendido entre 1996 e 1995, nos seguintes eventos nacionais: 29 Congresso Nacional de Botânica – BOT; Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia experimental – FESBE; Congresso nacional de genética – GEN; Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química – QUI; Reunião Anual sobre Evolução, Sistemática e Ecologia Micromoleculares – RESEN; Congresso da sociedade brasileira para o progresso da ciência – SBPC; Simpósio de Plantas medicinais do Brasil – SPM. NOME DOS EVENTOS Nº DE RESUMOS ANO DE PUBLICAÇÃO 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 - - 05 07 - 09 - - 16 10 32 39 54 57 64 86 78 79 37 129 655 GEN - - - - 10 - - 23 12 - 45 QUI - - - - - - 31 23 35 60 150 RESEN - 19 30 17 - - - - 03 04 65 SBPC 158 112 - 173 07 02 02 11 10 - 476 SMP 81 - 115 - 114 - - - 196 - 506 271 170 204 254 195 97 11 136 309 203 1950 047 BOT FESBE TOTAL DE RESUMOS Quadro 1 – Número de resumos referentes a plantas medicinais, em eventos nacionais por ano de publicação. Fonte: Ferreira-1998. 30 Apesar de os dados apresentados mostrarem-se significativos, no contexto geral, percebe-se que o investimento científico do país nessa área ainda é restrito. De acordo com dados recentes US$ 100 milhões de dólares foram aplicados nos últimos dez anos na pesquisa científica relacionada a produtos naturais e apesar disso, nenhum medicamento baseado em plantas medicinais foi desenvolvido, nem mesmo a CEME que pesquisou 72 plantas medicinais chegou a qualquer fitomedicamento (FERREIRA, 1998). Sabe-se, no entanto, que o comércio das plantas medicinais no Brasil vem sendo estimulado pela crescente população que demanda cada vez mais desse recurso para o cuidado de sua saúde e para seus cultos e tradições religiosas. De acordo com dados OMS14, 80% da população do planeta utiliza, de alguma forma, plantas medicinais como medicamentos e 25 mil espécies de plantas são utilizadas nas preparações da medicina tradicional. O uso de plantas medicinais é justificado por seus usuários devido a razões como: facilidade de acesso devido a custos elevados da medicina ocidental, efeitos colaterais provocados pelos fármacos sintéticos, por representarem a única fonte de medicamentos, especialmente nos lugares mais isolados e distantes (BERG, 1993), e como resposta aos problemas mais imediatos de saúde (DeFILIPPS, 2001). Recentemente também vem aparecendo como estimuladores do uso de plantas na terapia de doenças a superficialidade, o mercantilismo e o autoritarismo na relação médico-paciente (SILVA; BUÍTRON e MARTINS, 2001). Como exemplo de plantas medicinais valiosas no país, pode-se alistar o curare indígena ou dedaleira (Digitalis purpúrea) utilizada na preparação de chá contra hidrópsia, a casca dánta (Drimys brasiliensis) com propriedade estomáquicas, a quina (Chichona calisaya) utilizada na cura da malária, a ipecacuanha (Cephaelis ipecacuanha) utilizada para tratar 14 Organização Mundial da Saúde 31 diarréias, disenteria amebiana, catarros crônicos, hemorragias e asmas, e a sapucainha, (Carpotroche brasiliensis) com efeitos antiinflamatórios comprovados cientificamente e cujo óleo, extraído da semente, é empregado no tratamento da lepra (CARRARA, 1996). No caso do semi-árido, conforme indica Mendes (1997) até a década de 50 muitas plantas nativas eram utilizadas para a formação da economia regional, inclusive as que produziam fármacos e cosméticos; a maior parte da população rural (pobre) supria suas necessidades de medicamentos às custas dos recursos vivos da região. De acordo com Cruz (2002), citando dados obtidos da Universidade Aberta do Nordeste, na microrregião dos Cariris Velhos, Ceará, foram identificadas cerca de 40 plantas medicinais, das quais 57% eram utilizadas somente para essa finalidade. As pesquisas de Almeida e Vargas (1997) em vinte e quatro localidades do sertão sergipano revelaram que em vinte e duas comunidades se utilizavam plantas para fins medicinais, tendo sido indicadas pelas mulheres entrevistadas 46 plantas para esse fim, usadas no preparo de chás, lambedores, compressas e banhos. No povoado Umbuzeiro do Matuto, alvo desta pesquisa, Bispo (1998) levantou as seguintes plantas de uso exclusivo na medicina popular: alecrim de vaqueiro (Lantana sp), alfavaca (Ocynium micranchium), ameixa (Ximenia americana), angélica (Guettarda angelica Mart.), angico (Anadenanthera macrocarpa), batata de purga (Operculina convolvulas), batata de teiú (Jatropha elliptica), cabeça de negro (Annona coreaceae), cana de macaco, cansanção branco (Jatropha urens), carrapicho (Cenchrus echinatus), catingueirinha (Caesalpinia sp), catingueira rasteira (Caesalpinia microfila), cipó de leite (Sapium sp), embira (Xilopia frutescese), fedegoso (Cassia ocidentalis), folha amargosa, gravatazinho (Tilandsia sp), imburana de cheiro (Amburana cearensis), jurubeba (Solanum ariculatum), labirinto, malva (Sida sp), malva branca (Walteria indica L.), mamoeira, manjiroba, 32 marmeleiro branco (Croton arginophylloides Muell. Arg.), mata-pasto (Cassia uniflora), mentraste, papaconha (Hybanthus caceolaria), pau ferro (Caesalpinia ferrea), pau piranha (Pisonia sp), pega pinto (Boerhavia coccinea), pinhão bravo (Jatropha pohliana Muell. Arg.), pitó, sambacaideira, sambacaitá (Hypitis mutabilis), tinguí (Allophilus quercifolius Martt, Radlk), urtiga (Cnodosculus urens), vassourinha de botão (Scoparia dulcis), veladinho (Croton sp) e xique xique (Piloscereus gounellei). Com base na pesquisa de Bispo, percebe-se que o Umbuzeiro do Matuto, semi-árido sergipano, apresenta um grande potencial a ser investigado do ponto de vista da fitofarmacologia, aventando a possibilidade de por essa via, tomando como base o etnoconhecimento e a valorização dos componentes endógenos, se conciliar ciência e preservação da sociobiodiversidade. 2.2 Da preservação da sociobiodiversidade ao uso sustentável dos recursos naturais Sob o ponto de vista da preservação ambiental a CDB recomenda que se promova a utilização sustentável dos recursos, para beneficio das gerações presentes e futuras. Todavia, compreende-se que não há como salvaguardar a biodiversidade sem que de igual maneira seja preservada a diversidade cultural, pois subentende-se que ambas sejam efeitos do mesmo fenômeno. [...] a diversidade cultural humana – incluindo a diversidade de línguas, crenças e religiões, práticas de manejo do solo, expressões artísticas, tipos de alimentação e diversos outros atributos humanos – é interpretada como sendo um componente significativo da biodiversidade, considerando as recíprocas influências entre os ambientes e as culturas humanas. Desse modo, o conceito de biodiversidade vem sendo ampliado para o de sociobiodiversidade (ALBAGLI, 1998, P.63, grifo da autora). 33 O acervo de informações sobre o ambiente que cerca os diversos grupos sociais e suas culturas, originário de uma conexão espaço-temporalidade, e que lhes possibilita interagir no sentido de promover suas necessidades de sobrevivência, constitui-se no objeto de estudo das etnociências. “Nesse acervo, inscreve-se o conhecimento relativo ao mundo vegetal com o qual estas sociedades estão em contato” (AMOROSO, 1996, p. 48). Posey (1997) esclarece que todos os conhecimentos e conceituações desenvolvidas por qualquer sociedade a respeito do mundo vegetal, englobando tanto a maneira como um grupo social classifica as plantas, como o uso que dá a elas se constituem no elemento de investigação da etnobotânica. Com base nos conhecimentos etnobotânicos de determinados grupos sociais, a etnofarmacologia, disciplina correlata da etnobotânica, serve-se dos indicativos sobre o uso terapêutico das plantas como fio condutor para impulsionar a produção de fármacos. Diferenciando a etnofarmacologia da farmacologia de produtos naturais Elisabetsky (1987, p.138) afirma que “a etnofarmacologia trata especificamente do estudo de preparações feitas a partir de plantas medicinais, levando em conta as informações fornecidas pela população usuária”. Dentre os meios que podem ser empregados para a seleção de plantas medicinais destacam-se: seleção ao acaso, emprego de conhecimentos farmacológicos e ecologia química. Entretanto, segundo Calixto (2000), com base na literatura, os resultados mais satisfatórios são aqueles obtidos a partir de estudos etnofarmacológicos. Nesse sentido Amoroso (1996) destaca que, A abordagem ao estudo de plantas medicinais a partir de seu emprego por sociedades autóctones, de tradição oral, pode, pois, dar-nos muitas informações úteis para a elaboração de estudos farmacológicos, fitoquímicos e agronômicos sobre 34 estas plantas, com uma grande economia de tempo e dinheiro. Ela nos permite planejar a pesquisa a partir de um conhecimento empírico já existente, e muitas vezes consagrado pelo uso contínuo, que deverão então ser testados em bases científicas (p.50). Para Elisabetsky (1987), essa abordagem, que permite o desenvolvimento tecnológico a partir do saber popular, é um dos mais preciosos patrimônios nacionais, Uma vez que esse conhecimento está concentrado em populações isoladas, hoje em risco real de extinção física e/ou cultural, ou em populações rurais cujos hábitos estão sendo rapidamente alterados pelos meios de comunicação. O inventário destes conhecimentos é fundamental e urgente (p.136). Segundo Bragança (1996), a prática do uso de plantas para fins medicinais, que parte da utilização dos recursos naturais como forma de tratamento e cura de doenças, perde-se no tempo, na história do ser humano e estaria interligado com a própria história da botânica e da medicina, pois inúmeros são os medicamentos que foram desenvolvidos, direta ou indiretamente de fontes naturais, especialmente de plantas. Diferentes sistemas da prática medicinal teriam sido originados através de informações sobre os usos das plantas medicinais e suas virtudes terapêuticas, que acumuladas durante séculos, muitas delas resultantes de métodos empíricos, passaram a fazer parte das tradições locais. Inúmeras espécies vegetais foram incorporadas à medicina tradicional, única e exclusivamente pelo acaso, caracterizado pelo uso empírico de espécies vegetais, seguido de avaliação, mesmo que rústica e grosseira, dos sinais e sintomas que apareciam após seu consumo, até selecionar pela qualidade de respostas se determinada espécie lhe seria útil ou não. O método usado é o mesmo da tentativa e erro, ainda muito comum e útil em pesquisas de algumas áreas do conhecimento científico, que serve para mostrar a forte ligação entre o conhecimento popular e o conhecimento científico (DI STASI, 1996, p.19). 35 Os vários povos e culturas foram, dessa forma, mesmo que despretensiosamente, dando sua contribuíção para a fundamentação da gênese da ciência moderna. No que se refere à etnobotânica, as pistas deixadas pelas diversas comunidades e grupos étnicos espalhados pelo mundo durante o processo de construção de suas histórias serviram de referência ao conhecimento que se tem atualmente sobre a utilização da flora. Os alquimistas, por exemplo, na busca da cura de doenças e do alcance da longevidade (e até mesmo da imortalidade), através do uso de produtos de origem natural, incluindo as plantas, exerceram grande influência e contribuição para diversas áreas do conhecimento científico (DI STASI, 1996). Os antigos egípcios, da mesma forma, por meio da arte de embalsamar, na qual muitas plantas eram experimentadas, ocasionando na descoberta ou confirmação do seu poder curativo, colaboraram consideravelmente com o conhecimento existente no momento sobre o efeito terapêutico de espécies vegetais (BALBACH, Sd apud BRAGANÇA, 1996). A concepção mística das tribos indígenas que habitavam o solo brasileiro entre os séculos XVI e XVII, as quais atribuíam a todas as doenças de origem não identificada influência do mundo espiritual, também constituiu grande acervo para a seleção de plantas a serem utilizadas em estudos farmacológicos atualmente (BRAGANÇA, 1996). As considerações traçadas, denotam nitidamente a importância das diversas culturas e grupos sociais para o desenvolvimento da ciência, suscitando a necessidade de se reconhecer nos estudos etnobiológicos, etnobotânicos, etnoecológicos e etnofarmacológicos uma ferramenta útil não só do ponto de vista do desenvolvimento científico, mas também para a preservação da sociobiodiversidade, sendo ela própria a base para o desenvolvimento da ciência. Nesse contexto, é imprescindível considerar que nas localidades onde a comunidade 36 faz uso das plantas para fins medicinais, descansam restos de uma cultura milenar, que também faz parte da biodiversidade, e precisa igualmente ser preservada. Nesse sentido G. Myrdal (1998 apud DI STASI, 1996, p.21), afirma: “a ciência nada mais é que o senso comum refinado e disciplinado, e por tal componente os pesquisadores devem respeitar e atribuir o devido valor ao conhecimento comum e popular, pois dele fazem uso para a execução de suas pesquisas”. Dessa forma, os estudos relacionados às etnociências, nos quais se valoriza simultaneamente a expressão cultural embutida no conhecimento acumulado de pessoas e no ambiente onde essas práticas são espontaneamente aceitas, ultrapassam os limites da botânica aplicada e da medicina tradicional, estando caracterizado pelo entendimento da realidade física como um todo sistêmico, uma estrutura holística, que interpreta o mundo de forma interligada e em interdependência (CAPRA, 1995). Fenômeno que segundo DiStasi (1996) não atinge apenas a ciência, reflete-se também no comportamento humano, a ponto de se verificar, atualmente, o retorno às antigas tradições práticas e procedimentos, incluindo o caráter mágico e ritualístico que se perdera. Entretanto, o mesmo autor ressalta que, apesar de se verificar um retorno à medicina tradicional e folclórica, em suas mais variadas manifestações, um enorme contingente de críticas e questionamentos tem sido gerado dentro da medicina oficial, na qual muitos cientistas têm relutado em aceitar e adotar uma estrutura de trabalho mais inclusiva, por considerarem-na anticientífica. E nesse sentido, se faz cogente frisar que as populações tradicionais têm muito o que ensinar à humanidade. Entretanto, seus conhecimentos não substituem os gerados pela ciência moderna, apenas os complementam. 37 Elisabetsky (1991) sublinha: A pesquisa com plantas medicinais tem sido e continua a ser considerada uma abordagem frutífera para a procura de novas drogas, e que a maior parte da flora quimicamente desconhecida e o conhecimento medicinal associado a ela existe nos países do terceiro mundo, especialmente os que ainda possuem florestas tropicais extensas, como é o caso do Brasil. (p.49). Fundamentando-se nessa afirmação, a etnofarmacologia deve partir da compreensão de que o entendimento que as comunidades têm sobre o ambiente, bem como a relação travada com o mesmo e a forma de utilização dos seus recursos, estão embutidos numa rede de significação própria, que faz parte de um imaginário coletivo na produção do espaço. No semi-árido sergipano, apesar de as praticas tradicionais do uso de plantas para fins medicinais estarem arraigadas no cotidiano das pessoas, Almeida e Vargas (1997) verificaram que esse costume vem aos poucos, como em outras localidades, perdendo lugar devido não só ao processo feroz da globalização, que cada vez mais influencia as diversas culturas, fazendo-se refletir na própria relação sociedade-natureza, mais ainda, pela própria necessidade de sobrevivência em local onde as adversidades se fazem presentes. Em conseqüência dessa constatação, é urgente que se encontrem mecanismos para salvaguardar esses saberes. 2.3 Perspectivas para o semi-árido sergipano Embora se reconheça atualmente a importância do papel das comunidades locais na condução de estratégias de sociodesenvolvimento (LEFF, 2001), tem-se visto que as políticas públicas propostas para o semi-árido nordestino não têm surtido o efeito esperado, por não 38 serem políticas focalizadas. Em muitos casos trata-se apenas de políticas assistenciais que até agravam as desigualdades sociais, ou conformam-se em cópias desastrosas de modelos homogeneizantes que não comportam as especificidades locais e acabam implicando a eternização da pobreza à custa da degradação ambiental evidente. Essas políticas desconsideram que, Uma das riquezas das comunidades que vivem em constante interação com a caatinga,é o conhecimento das relações mantidas nesse domínio, envolvendo a flora e a fauna. Esse conhecimento, que se transmite de geração à geração, começa a se perder pela “abertura” dessas comunidades a outras regiões, outros padrões culturais (BISPO, 1998, p. 96). Um fator de suma importância a ser considerado com relação ao semi-árido sergipano é que o domínio morfoclimático da caatinga, que ocupa atualmente uma área de 10.395 Km², se apresenta como uma flora bastante rica em plantas medicinais (CRUZ, 2002). Na busca de apreender as expressões culturais do sertanejo, Almeida e Vargas (1997) constataram que nas vinte e quatro localidades do sertão sergipano envolvidas nas pesquisas, a flora da caatinga era amplamente utilizada pela população para fins medicinais, alimentícios, madeireiros (lenha) e para artesanato. O trabalho dessas autoras serviu como precursor para outros, inseridos no Núcleo de Pós-Graduação e Estudos do Semi-Árido, Programa de Pós-graduação da Universidade Federal de Sergipe, que igualmente constataram que “a relação sertanejo-formação vegetacional consolida-se principalmente através do aproveitamento feito da exploração da caatinga” (ALMEIDA e VARGAS, 1997, p. 475). Primeiramente, Bispo (1998) investigou no Povoado Umbuzeiro do Matuto, pertencente ao município de Porto da Folha, locos desta pesquisa, os diversos usos que o 39 sertanejo fazia de seus recursos naturais. Verificou a utilização, pelos habitantes do povoado, de 93 espécies da flora, sendo a maioria para fins terapêuticos, como anteriormente descritas, seguida pelos usos para alimentação, construção, lenha, crenças, ração para o gado e confecção de utensílios domésticos entre outros. Com relação à fauna, foram destacadas no mesmo trabalho 47 espécies as quais eram utilizadas prioritariamente para alimentação, logo depois vinha o uso medicinal seqüenciado pelo lazer e comércio. A pesquisa de Bispo foi sucedida por outras (CARVALHO, 1999; TOURINHO, 2000; BOMFIM, 2001; CRUZ, 2002), que se voltaram, mais especificamente, ao interesse pelo uso medicinal, as quais constataram na flora da caatinga um grande potencial para o desenvolvimento de fármacos. Tourinho (2000) tendo identificado 51 plantas utilizadas como medicinais pela comunidade do povoado Capim Grosso, município de Canindé do São Francisco, após comprovada a eficácia de três das espécies testadas para uso diurético, concluiu seu estudo sugerindo o fortalecimento da “farmácia viva” e a intensificação do cultivo de plantas medicinais a fim de que a população pesquisada pudesse ser beneficiada, principalmente face à dificuldade de acesso aos medicamentos industrializados. Mais recentemente Cruz (2002), após avaliar a atividade antifúngica de plantas usadas pela comunidade do povoado Curituba, também no município de Canindé de São Francisco, sugeriu que além da farmácia viva, ou “farmácia verde local”, como assim denominou, também fosse incentivada a criação de hortas populares. Carrara (1996, p.02), reportando-se à região da Grande Rio, afirma que ali “existe uma grande rede comercial de plantas medicinais que abastece feiras e ervanários. O comércio é crescente, e demonstra a existência de grupos atacadistas responsáveis pelo abastecimento de todas as feiras livres das regiões”. 40 Conforme atestam Silva; Buitrón e Martins (2001) o IBAMA é um dos órgãos competentes no controle das atividades de extração, produção e comercialização (doméstica e internacional) de plantas medicinais, incluindo as espécies utilizadas como aromáticas e para cosméticos. O valor pago para registro no órgão varia de acordo com o tipo de pessoa (física ou jurídica), com o porte da empresa e com a atividade desenvolvida, conforme quadro 2. VALORES EM R$ (REAIS) CÓDIGO DESCRIÇÃO DA CATEGORIA PESSOA FÍSICA MICRO EMPRESA DEMAIS EMPRESAS 0210 1- Extrator de plantas medicinais/aromáticas/partes 100 125 200 0406 2- Produtor de plantas medicinais/aromáticas nativas 100 110 125 0502 3- Comerciante de plantas medicinais/aromáticas nativas/partes _ 125 250 0707 4- Industria de aperfeiçoamento de plantas medicinais/aromáticas _ 125 500 0901 5- Exportador de plantas vivas, produtos e subprodutos da flora. _ 125 200 0902 6- Importador de plantas vivas e subprodutos da flora. _ 125 200 Quadro 2 – Categoria de atividades, relacionadas com plantas medicinais, existentes no cadastro Técnico Federal do Ibama com seus valores para registro. Fonte: Portaria-IBAMA 113, de 20.09.97 Além da portaria, a exploração florestal também está prevista na Lei n. 4.771/67 que instituiu o Código Florestal Brasileiro. Com relação à caatinga, particularmente, outro documento que da mesma forma assegura o uso dos recursos naturais é a Instrução Normativa n. 1 de 25 de fevereiro de 1994, que regulamenta sua exploração sustentável (SILVA; BUITRÓN e MARTINS, 2001). 41 Ressalte-se que, conforme a mesma fonte, algumas espécies medicinais desse ecossistema estão protegidas, de alguma maneira, por instrumentos legais e específicos, como é o caso da aroeira legítima (Astronium urundueva), das braúnas (Melanoxylon brauna e Schinopsis brasiliensis) e do Gonçalo-Alves (Astroniun fraxinifolium), asseguradas pela portaria – IBAMA n. 83-N/91, de 26 de setembro de 1991, que proíbe o corte e a exploração em bosque primário15. Cruz (2002, p.36), referindo-se ao povoado Curituba, município de Canindé de São Francisco, registra que “as plantas medicinais não são comercializadas ou cultivadas e como na maior parte do semi-árido sergipano, não contribui para a renda familiar”. Com base nessa constatação Bispo (1998) sugere para a caatinga o adequado manejo, incluindo a reprodução e/ou reflorestamento de suas essências nativas, que poderiam ser exploradas para fins medicinais em escala comercial. Mediante essa realidade, percebe-se que as populações que ocupam o domínio da caatinga são detentoras potenciais de conhecimentos com relação ao uso da biodiversidade, podendo vislumbrar formas de utilização da diversidade biológica local, com fins à geração de renda. Atividades como extração, produção e comercialização de plantas medicinais poderiam se constituir em possibilidades para a promoção do desenvolvimento no semi-árido sergipano capazes de levar à auto-sustentação. Atestando os comentários pode-se afirmar que o uso da caatinga, de forma sustentada, configuraria-se numa alternativa de desenvolvimento para a região, considerando que esta além de ser provedora de grande potencial relacionado ao uso dos recursos naturais, sua população também é detentora de conhecimentos que igualmente precisam ser preservados. 15 Se entende por bosque primário a vegetação composta de árvores altas e fustes normalmente finos e retilíneos. Nessa formação existe uma densa subselva de arbustos e uma enorme quantidade de plântulas de regeneração. Entre os arbustos se destacam representantes das famílias Myrtaceae, Melastomataceae e Rubiaceae (Art. 1, Parágrafo único). 42 Compreende-se, portanto, que principalmente em regiões menores e mais pobres, as iniciativas de desenvolvimento endógeno são viáveis e podem constituir-se numa possibilidade real. Para isso, no entanto, é necessário que se leve em conta as dimensões econômicas, sociais, culturais, ambientais, físico-territoriais, político-instrucionais e científico-tecnológicas de cada localidade em particular. De acordo com Franco (2000) esse tipo de alternativa contemplaria o aproveitamento mais eficiente dos recursos endógenos existentes em determinada zona para criar empregos e melhorar a qualidade de vida da população local, o desenvolvimento de estratégia contrahegemônica de questionamento do padrão atual excludente, tomando o espaço para exercício de novas formas de solidariedade, parceria e cooperação, a conquista da sustentabilidade como modo de contribuir para a transição de um novo padrão de desenvolvimento sustentável e a adoção de uma nova utopia, estratégia de transformação da sociedade. O mesmo autor acrescenta que essa forma de desenvolvimento não privilegia apenas o “crescer mais”, e sim o crescer, mas quando isso for melhor para a comunidade de determinado local. Parte daí a importância de se valorizar o conhecimento tradicional, respeitando os conceitos, crenças e relações com o ambiente, que o alicerçam. Em consonância com o que foi referenciado até o momento, pode-se então afirmar que o respeito às diferentes culturas deve implicar o reconhecimento da existência de diferentes sistemas de valores, com realidades econômicas e institucionais particulares, desenvolvidas em um entorno natural próprio. Esses aspectos reforçam a idéia da coexistência de sociedades diferenciadas, e confere singular identidade a cada comunidade, região ou país. Do ponto de vista da pesquisa etnofarmacológica interessa ainda salientar que a perda da biodiversidade não se expressa somente do ponto de vista biológico, mas ainda na expressão cultural que é fator condicionante para seu desenvolvimento. Isso faz com que a 43 etnofarmacologia se configure na verdade em uma alternativa para apoiar a população local na exploração, de forma sustentável, dos recursos naturais da região, estando a pesquisa científica, nesse caso, a serviço da preservação da biodiversidade. 44 3 UM OLHAR SOBRE UMBUZEIRO DO MATUTO Condi eu vim pra cá o mato era fechado, tinha muita macambira, croatá, aroeira. A roça acabou com o mato, tá capoeirão, quando era mata mesmo, a chuva vinha caindo direto [...] (Sr. Maurício - morador de Umbuzeiro do Matuto). As ações originárias do antropocentrismo e etnocentrismo humano (modelo de desenvolvimento adotado, políticas “in-públicas”16, recente processo de globalização) foram determinantes para ocasionar os problemas contemporâneos com os quais o planeta se depara e que têm repercutido inclusive em regiões menores e mais pobres, como é o caso do povoado Umbuzeiro do Matuto, que se encontra inserido no domínio morfoclimático da caatinga do nordeste sergipano. O povoado, surgido no ano de 1978 em conseqüência dos movimentos migratórios no sertão sergipano e da consolidação da malha viária a partir de 1958, ação conjunta do Departamento Nacional de Obras contra a seca – DNOCS e da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, segundo descrições de Bispo (1998), Dista 12 Km da calha do São Francisco, em linha reta [...] possui um relevo plano, suave ondulado e suas terras não são cortadas por rios representativos, embora existam nascentes intermitentes, sub-bacia do riacho Marroquinho (com direção E/W) e sub-bacia do riacho Novo Gosto (com direção S/N)”. (BISPO, 1998, p.38). Umbuzeiro do Matuto tem como sede o município de Porto de Folha, na fronteira com o município de Poço Redondo, conforme se observa na figura 1. 16 Políticas que não se voltam a atender os reais interesses da população 45 46 O acesso ao povoado é dado por uma longa e estreita estrada de terra (figura 2), cujo solo é bastante arenoso, com afloramento rochoso em vários pontos, na qual durante o percurso pode-se observar a presença de mancha da caatinga arbustiva arbórea, vegetação secundária, resultante da recuperação da caatinga nativa, retirada no processo de desmate. Figura 2 - Estrada de acesso a Umbuzeiro do Matuto Fonte: Omena-2001 O fato de estar localizado em área de difícil acesso não fez com que Umbuzeiro do Matuto deixasse de sofrer interferências de um processo global de uniformização de culturas que ocorre com grande rapidez. Ao utilizar como parâmetro as descrições de Bispo (1998) sobre a comunidade, foi possível perceber alterações significativas tanto no aspecto físico quanto no social. As impressões captadas por Bispo (1998) em suas pesquisas na comunidade em muito diferem do contexto atual. O que antes era um arruamento sem pavimentação, com apenas duas ruas paralelas e outra perpendicular a elas, tendo construídas apenas 48 residências, das 47 quais somente 08 possuíam aparelho televisor; deu lugar a um povoado já pavimentado, com aproximadamente 600 habitantes em sua área urbanizada, incluindo-se as pequenas propriedades localizadas num raio de 1 Km, aproximadamente, sendo o televisor e a antena parabólica acessórios presentes na maioria das residências, algumas das quais já possuem inclusive vídeo cassete e TV por assinatura. E, apesar de o povoado não contar ainda com linhas telefônicas residenciais, já tem instalado um telefone público que serve a toda a comunidade. O transporte de tração animal, carro de boi, mencionado por Bispo (1998) como sendo um dos principais meios para carregar materiais, foi quase que totalmente substituído por automóveis. A despeito dos automóveis o povoado já possui quatro, três deles pertencentes aos dois vereadores locais, e o jegue, utilizado na roça para conduzir o gado, foi praticamente trocado por motocicletas. O Grupo Escolar “Florêncio Eduardo da Silva”, que oferecia apenas o ensino fundamental de 1ª a 4ª série (BISPO, 1998), foi ampliado e deu lugar à Escola Municipal “Florêncio Eduardo da Silva”, hoje com dez salas de aula, e ofertando inclusive o Ensino Médio. Atualmente a escola conta com mais de 600 alunos, oriundos do povoado e de sítios circunvizinhos, grande parte deles matriculados nas turmas do EJA (Educação de Jovens e Adultos). O “progresso” que ali se instalou, além de ter modificado o ambiente físico, refletiu da mesma forma no modo de vida das pessoas, fato esse revelado não só na observação do cotidiano, mas também nos depoimentos dos moradores, em comparação com as pesquisas de Bispo (1998). 48 Município de Poço Redondo Município de Porto da folha Figura 3 – Esboço do Povoado Umbuzeiro do Matuto. 49 A propósito do uso de plantas, as entrevistas realizadas com membros da comunidade demonstraram estar havendo preferência pelo uso de medicamentos alopáticos, dada principalmente a sua praticidade. Enquanto estes já estão prontos para o uso, o remédio à base de plantas exige, muitas vezes, uma preparação demorada e trabalhosa. Percebeu-se ainda na fala dos moradores do povoado, ao se referirem às plantas, que além das receitas típicas da cultura local, a comunidade também faz uso de preparações de ampla divulgação na mídia, como por exemplo, uma mistura de babosa, bebida alcoólica e mel, deixando transparecer que os meios de comunicação de massa estão influenciando o processo de modificação de costumes. Para Amoroso (1996, p. 56), À medida que estas sociedades relativamente isoladas e fechadas vão se tornando cada vez mais exposta à sociedade ocidental, vários fatores interferem para desestruturar a rede de transmissão do conhecimento tradicional. Um deles é justamente a mudança de valor atribuído a este saber para assegurar a sobrevivência e a reprodução da sociedade: em face de novos problemas e novos desafios, surge um componente de incerteza quanto à eficácia dos novos modos de agir. Entretanto, mesmo num cenário que já começa a dar indícios de depauperamento ambiental e cultural, ainda existem pessoas que chegam, inclusive de outros estados, em busca das receitas dos rezadores locais, e mesmo os que preferem os remédios alopáticos recorrem às plantas quando aqueles não surtem o efeito desejado. O povo do sertão com suas redes informais de comunicação, seu tempo particular e seu sofrimento comum, ainda resiste. A temática abordada neste capítulo será a analogia conflitiva entre o antigo e o moderno presente no cotidiano do povo de Umbuzeiro do Matuto, que também se apresenta como componente essencial e regulador das inter-relações entre o sistema sociocultural e o meio ambiente, e que está implícita na labuta diária do sertanejo pela manutenção da vida. 50 3.1 Cultura, especificidade e ambiência Na forma simples e particular de interpretar o ambiente, o caatingueiro revela as várias nuanças de sua relação com o meio natural na luta diária pela sobrevivência. Dentro dessa ótica, a natureza não se configura em elemento de apreciação, mas sim na base de suas necessidades. Sr Beijo, um dos informantes, assim testemunha: Aqui já foi tudo catinga, eu num me arrependi de ter tirado porque era uma mata virge, um croatá que ninguém entrava [...] 135 tarefa de terra, eu já fiz roça dela todinha, eu só. Para os que vivem da roça, geralmente de milho, feijão e mandioca, a mata, como assim denominam o bioma, representa o local de onde é retirado o “sustento”, sendo a lei da sobrevivência o único imperativo. A caatinga é mesmo a única fonte de sobrevivência. Friedman (1968 apud IANNI, 2000) atribui essa percepção, não apenas a interpretações sobre as relações que os homens estabelecem com seu meio ambiente, seu habitat e aos conhecimentos acumulados sobre os processos vitais em suas relações com as condições ambientais, mas ao fato de tais representações (interesses, valores, identidades) se tratarem, sobretudo, de elementos constitutivos da Ecologia Humana17. O homem caatingueiro se mantém ocupado em apropriar-se dos recursos da natureza e cada qual o faz a seu modo, sendo condicionado pelo ambiente em que vive. De acordo com Ianni (2000, p.320) “as necessidades de produzir as suas próprias condições de existência faz emergir de forma intensa, o valor de uso das coisas, dos objetos, sejam eles naturais ou sociais”. 17 Sugerido por Ianni (2001) como sendo a parte de um processo que integra – intrínseca e determinísticamente – as condições de existência humana, envolvendo as percepções, representações, práticas sociais, enfim, a cultura. 51 Para muitos representantes das comunidades rurais a natureza é um recurso ilimitado e com grande poder de reconstituição. Essa forma de compreender o ambiente foi assim explicitada por moradores de Umbuzeiro do Matuto, quando mencionada a substituição de árvores por pequenas roças: Tem muito mato por aí, se cortar depois nasce tudo outra vez (D. Pastora); Um pé de árvore a mais é um pé de capim a menos pro gado (Verleide-assentada). Os depoimentos acima aferidos respaldam a idéia que o fato de conhecer o ambiente em que vive por gerações, não faz com que as comunidades locais tenham, necessariamente, comportamentos ambientais adequados. Ianni (2000, p.326) assim explica essa conduta: “a idéia de uma natureza abundante, dadivosa, surge na relação com a condição de precariedade vivida na esfera social”. Ademais, no repertório cultural da maioria dessas pessoas não cabe a lógica que uma árvore cortada para dar lugar à roça ou servir de cerca pode contribuir para uma reação corrente sobre outras espécies de animais e plantas da biocenose. Figura 4 – Cerca feita com estacas: propriedade de Sr. Beijo. Fonte: Omena-2002 52 Quando abordados sobre a importância do manejo das espécies exploradas percebe-se que também não existe muita preocupação a respeito: Minha fia, isso quando vai ficar em pé é heras (D. Cecília); As arvores que a gente planta é só de frutas (Edvaldo); Eu planto pra conseguir estacas ( Sr. Beijo). Em Umbuzeiro do Matuto, o uso abusivo e mal feito da caatinga já começa a ser percebido. Ao invés de apresentar um ambiente natural exuberante, o que se observa aolongo de um raio de aproximadamente 5 Km no seu entorno, são poucas árvores espaças, não havendo sequer necessidade de zoneamento ecológico florestal para listar certas espécies. Algumas árvores já podem ser enumeradas numa rápida caminhada pela área. É esse o caso do mulungu, que durante todo o tempo de pesquisa apenas um representante foi identificado, servindo para sombrear uma das casas do povoado. Também são raros os umbuzeiros, árvore que no passado emprestara nome à localidade. Figura 5 – Mulungu (Erythrina velutina Wild.) em frente a uma casa do povoado. Fonte: Omena-2002 53 As conseqüências do empobrecimento da mata local, da mesma forma, podem ser percebidas na diminuição da fauna silvestre nativa. Segundo depoimentos de moradores, os animais estão cada vez mais difíceis de serem encontrados. Conforme ADEMA (2000) o povoamento da fauna da caatinga, que é constituído em sua maioria por espécies do cerrado, se apresenta reduzido em conseqüência do clima semiárido ocorrente no sertão nordestino. Segundo registros do mesmo órgão, dentre essas espécies está o mocó, a raposa, que em decorrência da pequena extensão de manchas da mata apresenta declínio na população, o gato-de-macambira e o tatu-peba. Os répteis não são endêmicos, mas, variados. Entre as aves encontram-se animais como: o inhambu, a codorna, a perdiz, o gavião, o caburé, o urubu, o carcará e o teteu entre outros. Figura 6 – Trilha na caatinga no período de seca – Umbuzeiro do Matuto Fonte: Omena-2001 54 A avifauna da caatinga da mesma maneira já se mostra diminuída em decorrência do intenso desmatamento que vem ocorrendo, ameaçando espécies como o papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva) e a avoante (Zenaida auriculata) (ADEMA, 2000). A constatação serve para confirmar que esse domínio já começa a dar sinais de insuficiência. Nas inúmeras trilhas percorridas no povoado Umbuzeiro do Matuto, para observação do território e coleta de espécies, não se viu um único exemplar de animal nativo, à exceção de pássaros. Bispo (1998) durante as pesquisas realizadas na comunidade há cinco anos, igualmente observou uma certa insuficiência da população pertencente à fauna nativa. Conforme seus comentários, essa diminuição seria decorrente da caça indiscriminada e da retirada da cobertura vegetal da área no entorno do povoado, que estaria contribuindo para a diminuição dos habitats. Contudo, os trabalhos realizados anteriormente na comunidade, primeiro por Almeida e Vargas (1997) e posteriormente por Bispo (1998) demonstraram que, mesmo em menor proporção que a flora, a comunidade também se utilizava da fauna nativa para fins medicinais. Foram citados por Bispo (1998) animais como o tatu-peba, cuja banha seria utilizada para tratar dor de qualquer procedência, o preá, do qual também se utilizava a banha para dor e rigidez nas articulações e o teiú, do qual era extraído a banha e o fel que serviriam como cicatrizante, como antídoto para mordida de cobra e para “estrepada” (espinhos ou farpas que penetram no corpo), a depender da forma de preparo. Essas verificações, que conflitam com o quadro atual, evidenciam o início de um desencadeamento de impacto no povoado, que pode ser conseqüente dos cortes indiscriminados de árvores para transformação em carvão ou para servir de cerca, ou ainda 55 dos recentes acampamentos do MST18, nos quais se percebe que a terra está sendo quase que exclusivamente destinada ao uso pecuário tradicional. Em seu estudo no povoado, Bispo (1998, p.87) denuncia: “os caminhões de lenha são vistos saindo das imediações”. Essa constatação pode evidenciar que a diminuição da flora nativa também esteja vinculada à venda de madeira de corte proibido para olarias ou carvoarias próximas, contribuindo dessa forma para o quadro de desolação que começa a se instaurar no povoado. Figura 7 – Assentamento dos sem terra Fonte: Omena-2002 Em Umbuzeiro do Matuto já podem ser observadas extensas áreas nas quais a vegetação nativa foi substituída por plantações de palma que serve para alimentar o gado. 18 Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra 56 Almeida e Vargas (1997) comentam que a intensificação do sistema agro-pastoril vem transformando a paisagem sertaneja em um grande pasto. A pecuária, sob os moldes extensivos com o gado “pé-duro” criado solto, não alterou o domínio da caatinga no sertão. A partir da década de 60, a introdução de espécies melhoradas foi concomitante com a formação de pastos artificiais estabelecendo, assim, o marco atual do padrão de ocupação (ALMEIDA E VARGAS, 1997, p. 473). Figura 8 – Plantação de palma Fonte: Omena-2002 Todavia, é importante ressaltar que este estudo não tem a intenção de investigar se a relação da comunidade para com o meio ambiente é benéfica ou maléfica, mas sim de reconhecer a existência e importância dessa relação, considerando que no povoado, além de natureza, existe uma cultura, que também é biodiversidade e precisa ser preservada. Para Almeida e Vargas (1998) essa relação muitas vezes conflitante estabelecida entre o sertanejo e a caatinga faz parte da realidade local, e é exatamente nessa análise do cotidiano 57 que são reveladas as relações e as práticas empreendidas pelo grupo social. As autoras pontuam que, A relação estabelecida sertanejo-formação vegetacional consolida-se principalmente através do aproveitamento feito da exploração da caatinga [...]. A complexidade e o grau de conhecimento da caatinga testemunham o interesse do indivíduo ou do grupo social pelo mundo que o cerca e, consequentemente, do seu investimento na proteção e reprodução de espécies (p.475). Gomez-Pompa et al., (1972 apud DOUROJEANNI, 2001, p.180) comentam que “o homem ao invés de ser um elemento de destruição e alteração da natureza, é um fator de diversificação genética”. Além disso “há populações tradicionais que amam a natureza e a defendem, mesmo quando a prejudica a curto prazo, e há outras, a maioria que a explora como pode para sobreviver...tal como fazem todos os cidadãos do mundo.” (DOROJEANNI, 2001, p. 181). De acordo com esse autor outro aspecto a ser considerado é que os habitantes tradicionais são ligados ao seu estilo próprio de vida, sendo o enfoque filosófico entre as sociedades e seus entornos vinculado à bagagem cultural, profissional e política da maior parte dos integrantes de cada grupo. Dessa forma, partindo do entendimento de que as comunidades não são homogêneas, tanto com relação às propostas de apropriação da natureza como aos próprios estilos de vida, percebe-se que o ambiente faz parte de um coletivo social, e que para se planejar estratégias de sócio-desenvolvimento este deve ser considerado ao nível do usuário, e nesse contexto, se faz necessário compreender que os elementos próprios da identidade cultural constituem a base da sustentabilidade comunitária. 58 Goergen (1983 apud BISPO, 1998) destaca que a necessidade de sobrevivência do sertanejo o leva a criar condições de adaptação à caatinga, processo pelo qual ele é levado a desenvolver um saber/conhecimento comum que é determinado/determinante. Dentro desse saber, insere-se o conhecimento e uso das plantas para fins medicinais, que nasce de uma lógica natural entre sertanejo e caatinga pela própria necessidade de sobrevivência e passa a fazer parte de um repertório cultural próprio que envolve muitas relações, entre elas o binômio saúde-doença, expresso de forma simbólica, no qual estão embutidas várias percepções que não a da medicina convencional, conferindo-lhe singularidade. 59 4 IMPORTÂNCIA DA FITOTERAPIA NOS DISTURBIOS DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL Sendo a sede da memória, do pensamento e da emoção, o sistema nervoso, que consiste no cérebro e na medula espinhal, está conectado a uma rede de células nervosas (neurônios) espalhadas por todo o corpo, que é responsável pela maioria das funções de controle e regulação. Por seu intermédio as informações são transmitidas sob forma de impulsos nervosos, que passam por uma sucessão de neurônios, um após o outro, através das sinapses (ponto de contato entre um neurônio e outro), conduzindo atividades como contrações musculares, fenômenos viscerais e ritmos de secreção de algumas glândulas endócrinas entre outras (GUYTON, 1997 ). Dentre as substâncias químicas, naturais ou sintéticas, que de alguma forma atuam sobre o SNC modificando as funções mentais e físicas, excitando, deprimindo ou provocando ação perturbadora, geralmente alterando o funcionamento básico das células nervosas, ou a comunicação entre elas, estão as genericamente denominadas: psicotrópicas ou psicoativas (MASUR e CARLINI, 1989), psicolépticas ou depressoras, antinociceptivas ou analgésicas, neurolépticas ou tranqüilizantes (REIS, 2000). A respeito dos psicotrópicos, o primeiro relato acerca de substâncias com essa atividade é o do psiquiatra francês Jacques Moreau, datado de 1845, que teria utilizado a Cannabis em modelo de psicose. No entanto, os estudos sobre os psicotrópicos ganharam realmente impulso a partir do livro de Emil Kraepelin, publicado em 1892, que trata da farmacologia clínica. Ali constam os resultados sobre a investigação da influencia da morfina e de outras substâncias em determinados distúrbios psíquicos elementares (REIS, 2000). 60 As drogas que apresentam propriedade psicoativa agem predominantemente como estimulante do SNC, seu efeito ocorre principalmente no sentido de combater alguma alteração de humor, no pensamento ou de comportamento, normalizando o fluxo de substâncias transmissoras (neurotransmissores) que alteram a atividade cerebral (STAHL, 1996). Rang; Dale e Rither (2000) classificam os psicotrópicos nas seguintes categorias: convulsivantes e estimulantes respiratórios, estimulantes psicomotores e drogas psicomiméticas. Já as substâncias depressoras ou psicolépticas, que embora também atuem na regulação do fluxo de neurotransmissores, moléculas capazes de promover alterações na transmissão do impulso nervoso entre um neurônio e outro (STAHL, 1996), ao contrário dos psicotrópicos, agem no sentido de diminuir o excesso de funcionamento cerebral que pode ser resultante de condições clínicas adversas, como a sensação de dor ocasionada por lesão em alguma parte do corpo, por ansiedade ou por stress (REIS, 2000). Dentre os principais grupos farmacológicos que atuam como depressores estão os sedativos-hipnóticos, representados pelos barbitúricos, como o fenobarbital, ainda utilizado no tratamento da epilépsia (JACOB, 1998). O controlar a dor é uma das indicações mais importantes a que se destinam os medicamentos (RANG; DALE e RITHER, 2000). Em condições normais a dor está associada a uma atividade elétrica nos nervos periféricos. Esses nervos possuem terminações sensoriais e são ativados por estímulos mecânicos, térmicos e químicos (CESAR & MC NAUGHTON, 1997; KRESS & REEH, 1996 apud RANG; DALE e RITHER, 2000, p. 485). De acordo com Sherrington, (s.d, apud RANG; DALE E RITHER, 2000, p. 489) “estímulos nocivos podem causar uma sensação semelhante à dor denominada como nocicepção”. Diferentemente da dor, essa percepção inclui um forte componente emocional. 61 A sensação induzida apresenta relativa importância para a realização de testes com a finalidade de avaliar a dor. Ensaios de agentes analgésicos em animais medem comumente a nocicepcão e consistem em avaliar a reação de um animal a um estímulo levemente doloroso, quase sempre mecânico ou térmico. Testes semelhantes podem ser utilizados em seres humanos, e vão indicar simplesmente quando determinado estímulo passa a ser percebido como doloroso. Todavia, a dor nessa circunstância carece do componente afetivo. Clinicamente, a dor espontânea de origem neuropática começa a ser reconhecida como particularmente importante. Porém, é difícil de modelar em estudos animais por motivos técnicos e éticos (RANG; DALE e RITHER, 2000, p. 490). Reis (2000) assinala que, O alívio ou cessar da dor, sem perda da consciência, podem ser obtidos pelo uso farmacológico de substancias químicas capazes de produzir esses efeitos, entre eles estão os chamados analgésicos ou antinoceptivos, que podem ser divididos em dois grandes grupos: os analgésicos periféricos ou não opiáceos e os analgésicos de ação central ou opiáceos. Além das drogas com ação sobre o SNC, já mencionadas, existem ainda os neurolépticos, também chamados de tranqüilizantes maiores, que surgiram, segundo Reis (2000), a partir da década de 50 através da síntese da clorpromazina. Dessa época em diante, houve um salto quantitativo na área de psiquiatria devido ao uso de medicamentos contendo a droga no tratamento da psicose, patologia que se caracteriza por um estado alterado da personalidade, no qual o indivíduo tem sensações que não correspondem à realidade e pensamentos que fogem ao seu controle (alucinações). Reis (2000) destaca que os psicofármacos há muito se fazem presentes como alternativa terapêutica para tratar, ou mesmo aliviar, os mais diversos distúrbios psíquicos, embora tenha sido somente a partir do século XX que sua utilização deixou de ser empírica e 62 passou a ocupar reconhecido papel no meio científico. A mesma autora comenta que a tendência atual da procura por drogas mais eficazes e seletivas, que causem menos efeitos colaterais, tem levado pesquisadores a se utilizarem dos produtos naturais como sua maior fonte de investigação. Devido aos efeitos reconhecidamente indesejáveis das drogas que atuam sobre o SNC, Batista (1993), referindo-se às de ação analgésica, sugere que as pesquisas de novas substâncias sejam realizadas particularmente no campo de produtos naturais de origem vegetal. Dentro dessa perspectiva, Yunes e Filho (2001) mencionam que potentes fármacos originários de plantas foram descobertos ainda no século XVI, e que alguns deles ainda são utilizados na terapia atual, como é o caso da Valeriana officinalis, empregada como sedativo, que aparece citada em trabalhos desenvolvidos nos séculos IX e X, e também o da amilocaína e o da procaína, sintetizadas já entre 1904-1905, tomando como modelo a cocaína, que apresentava efeitos anestésicos locais. Na última década vários estudos clínicos foram realizados com alguns fitoterápicos que atuam sobre o Sistema Nervoso Central, a exemplo do Gingko biloba (BRAUTIGAN et al., 1998; CHAVEZ e CHAVEZ, 1988; KANOWSKI et al., 1997; KLEIJINI, 1992 apud CALIXTO, 2000, p. 298) e do Hypercurium perforatum, usados no tratamento da depressão leve e moderada (ERBST et al., 1998; HARRER et al., 1999; JOSEY E TACKCKETT, 1999; LAAKMANN et al., 1998; LINDE et al., 1996; WOELK et al., 1994; VITIELLO, 1999 apud CALIXTO, 2000, p 298). Da mesma forma, o Panax ginseng, usado como tônico estimulante do SNC, o Tanacetum partenium, empregado para o tratamento de enxaqueca; a Piper methysticum, empregada como sedativo e no tratamento de insônia, são alguns dos medicamentos que 63 foram analisados nos vários estudos clínicos (ARMSTRONG e ERNEST, 1999; BAUER e TITTEL, 1996; BELL et al., 1989; CHAVEZ e CHAVEZ, 1998; CHAVEZ, 1999; GRASSO et al., 1995; HOGEL E GAUS 1995; JOHNSON et al., 1985; MASSHOUR et al., 1998; MORRIS et al., 1995; MURPHY et al., 1998; SCHUPPAN et al., 1999; WARSHAFSKY et al., 1993; WILT et al., 1993; VOGLER et al., 1998 apud CALIXTO, 2000, p.298). Segundo Yunes e Filho (2001) foi comprovado recentemente que o Hypercurium sp, usado para tratamento de depressão leve e moderada, possui diferentes compostos químicos que atuam em conjunto para aliviar as depressões leves em várias formas diferentes. Também há pouco tempo, o alcalóide galantamina, isolado do Galanthus wronowie e de várias outras espécies de plantas da mesma família, foi aprovado nos EUA e em vários países europeus para o tratamento do mal de Alzheimer (CALIXTO, 2000, p.298). Ferreira (1998) contabilizou em 112 os resumos referentes a espécies vegetais que atuam sobre o SNC publicados em eventos nacionais no período compreendido entre 1986 e 1995, conforme gráfico 1. O total de trabalhos apresentados no período equivale aproximadamente a um resumo a cada ano. Anticonvulsivantes 28% 50% Psicoestimulantes Neuroprotetores Outros 5% 4% 12% Antidepresssivos Analgésicos 1% Figura 9 – Resumos referentes a plantas medicinais de ação sobre o SNC Fonte: Ferreira, 1998 64 Percebe-se que apesar do reconhecido valor dessas pesquisas, não só do ponto de vista da bioprospecção, mas por serem as plantas um recurso de ainda muito utilizado, principalmente pelas populações mais carentes, e ainda pela expectativa de estas apresentarem menos efeitos colaterais que os produtos sintéticos, os estudos relacionados a drogas que atuam no SNC ainda são escassos, suscitando a necessidade de que se intensifiquem as pesquisas na área. Calixto (2000) comenta que para ser registrado e prescrito pela classe médica o remédio à base de plantas precisa ser estudado cientificamente, seguindo os mesmos critérios empregados para o desenvolvimento dos medicamentos sintéticos, visando confirmar sua segurança e eficácia clínica. Assim, as etapas como estudos farmacológicos pré-clínicos, estudos toxicológicos em animais (agudo e crônico) e estudos clínicos devem ser realizados, utilizando-se protocolos científicos rígidos, segundo critérios aceitos internacionalmente. 65 5 METODOLOGIA 5.1 Caracterização da pesquisa De acordo com Elisabetsky; Moraes (1998) a seleção de espécies para investigação farmacológica compreende três tipos diferentes de abordagem: a randômica, a quimiotaxonômica ou filogênica e a etnofarmacológica. No recorte etnofarmacológico, empregado nesse estudo, insere-se um esquema misto de pesquisa, haja vista os dados etnofarmacológicos fornecidos por uma determinada população (como o uso de plantas para fins medicinais) serem submetidos à constatação através da manipulação experimental (testes farmacológicos). Amoroso (1996, p. 63) afirma que, Com relação a plantas medicinais, um dos principais objetivos dos estudos etnobotânicos quantitativos é tentar aferir, a partir de dados levantados, o grau de importância que certas plantas tem pela freqüência e consistência do seu uso. Argumenta-se que, se uma planta é universalmente utilizada em uma comunidade para propósitos semelhantes, é mais provável que ela contenha algum composto ativo que justifique este uso. Este seria, então, um tipo de screening etnobotânico, que funcionaria como base de escolha de plantas, para os próximos passos, de investigação farmacológica e fitoquimica [...]. Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (1998), mencionam que os estudos com essa característica guiam-se através de dois tipos de pesquisa: 66 Descritiva analítica: caracterizada pela descrição de fenômenos obtidos através de opiniões, atitudes e crenças do grupo que culminam na geração de dados etnográficos, capazes de refletir a realidade; Experimental: que se constitui na manipulação de variáveis relacionadas com o objeto de estudo através de experimento. Para Koche (2000, p. 125) “Não se pode, a rigor, querer estabelecer uma nítida separação entre um ou outro tipo. Muitas vezes se encontram esquemas mistos que utilizam tanto a constatação como a manipulação de variáveis”. Tais características conferem ao trabalho um caráter quali-quantitativo, no qual as informações etnofarmacológicas obtidas da população resultam em evidências para a seleção das espécies, que submetidas a experimentos, geram dados que podem ser analisados estatisticamente. Uma particularidade dos trabalhos relacionados às etnociências é que estes se caracterizam por só poderem ser viabilizados em estreita colaboração com os integrantes de um grupo humano. E nesse sentido, Amoroso (1996, p. 59) destaca que “qualquer membro de uma sociedade, que possua ‘competência cultural’, pode se constituir em um informante válido.”. Contudo, caso o objetivo específico da pesquisa seja avaliar o mais rápido e eficientemente possível a utilização de espécies para fins medicinais, deve-se selecionar os informantes mais habilitados neste tipo de conhecimento (PHILLIPS & GENTRY, 1993 apud AMOROSO, 1996, p.62 ). Miles e Huberman (1984 apud ALVES-MAZZOTTI E GEWANDSZNAJDER, 1998, p. 163) entretanto, “alertam para o fato de que a tendência de procurar pelos ‘atores principais’ do fenômeno estudado pode resultar na perda de informações importantes. Recomendam, assim, que se investigue também a ‘periferia’, ou seja, os ‘coadjuvantes’ e os ‘excluídos’.”. 67 Partindo desse princípio, a amostra do trabalho foi escolhida por conveniência ou por julgamento intencional. Assim, foram entrevistados subgrupos como benzedores, professores e parteiras, sem deixar de lado outras pessoas da comunidade, independente de sexo e idade, que pudessem fornecer as informações convenientes. Conforme já descrito na introdução do trabalho, os dados foram obtidos através da observação e da técnica de entrevista aberta com roteiro semi-estruturado, o qual foi redimensionado após um pré-teste na comunidade. Os dois recursos selecionados possibilitaram captar de forma eficiente as percepções dos diversos grupos sobre o objeto de estudo. Com base em Canter (2000), foram selecionados para esse estudo dois indicadores de meio ambiente socioeconômico: principal atividade econômica do povoado e qualidade dos serviços de saúde; e dois biofísicos: espécies vegetais utilizadas como medicinais pela população e presença de atividade sobre o SNC nos espécimes submetidos aos testes farmacológicos. 5.2 Procedimentos metodológicos 5.2.1 Atividades de campo Nas atividades de campo, foram contemplados os seguintes aspectos: Caracterização do meio físico e sociocultural, expresso na relação sociedadenatureza; 68 Coleta de dados sobre as plantas usadas pela comunidade, especialmente as que apresentam efeito no SNC, e a partir dos quais foram selecionadas as espécies a serem testadas; Coleta de espécies de interesse farmacológico, em seu habitat natural, para identificação botânica e realização de experimentos. Para a obtenção de dados levou-se em conta as características do estudo. Dessa forma, as entrevistas abertas, seguindo um roteiro semi-estruturado (anexo 1) baseado em Amoroso (1996), possibilitaram a percepção dos fatos de forma direta, sem qualquer intermediação, facilitando a organização e o registro das informações, que foram feitas em um caderno de campo e em fita cassete. As questões abertas tiveram como objetivo explorar ao máximo o tema objeto de estudo e cobrir todas as facetas do mesmo. A técnica de entrevista contribuiu, assim, para a obtenção de dados qualitativos em profundidade, além de ter proporcionado maior número de respostas e apresentado maior flexibilidade. Seu uso serviu ainda para captar a expressão corporal do entrevistado e a ênfase dada a cada resposta, além de poder ser realizada de forma individual ou coletiva. A ordem das perguntas também pôde ser alterada, de acordo com o conteúdo de cada resposta dada. Também a observação, realizada através das visitas ao campo, tendo os entrevistados como guia, oportunidade em que se lançavam perguntas que os levavam a falar livremente sobre as plantas que utilizam, resultaram no rápido acesso aos dados e na captação de fatos reais. Outra vantagem da observação foi a interação com o meio físico e sócio-cultural e com a apreensão “in loco” de elementos referentes às plantas, facilitando sua caracterização, possibilitando o registro fotográfico. A coleta das plantas, que seguiu as orientações de Ming (1996), foi realizada com o auxílio de moradores locais, sendo previamente estabelecidas as partes da espécie a serem 69 retiradas, considerando tanto a necessidade de material para a identificação botânica como daquele que seria utilizado na preparação dos extratos. 5.2.2 Trabalho de laboratório Identificação botânica A identificação botânica das cinco plantas selecionadas para os testes farmacológicos foi realizada no departamento de botânica da Universidade Federal de Sergipe, por comparação com exicatas já depositadas no herbário da instituição. Essa forma de identificação foi priorizada devido à ausência de partes dos vegetais essenciais para a classificação via chave. Utilizou-se para tanto as excicatas conforme os seguintes registros: 02960 (Amburana cearensis Fr. All; Smith.), 01874 (Astronium urundeuva Engl.), 00981 (Líppia mycrophylla Cham), 00121 (Maytenus rígida Mart.), 00679 (Mimosa hostilis Mart.). Preparação dos extratos aquosos Para a preparação dos extratos, as plantas foram inicialmente submetidas à desidratação em estufa (37º C) e posteriormente trituradas em moinho elétrico. A etapa seguinte consistiu na preparação da infusão a partir do pó, com adição de água destilada na proporção de 200g/1000ml, seguida da filtração a vácuo. O material obtido foi submetido a liofilização resultando nas amostras a serem utilizadas nos testes com animais, na forma de extrato bruto aquoso. 70 Animais Foram utilizados ratos Wistar e camundongos Swiss, machos ou fêmeas, a depender do tipo de ensaio, todos provenientes do biotério da Universidade Federal de Sergipe. Os grupos a serem testados foram mantidos em jejum algumas horas antes da realização dos testes. Para o screening comportamental e o teste de tempo de sono induzido por barbitúrico, respectivamente, empregaram-se grupos de 10 camundongos, com peso compreendido entre 25 e 40g, nos quais por via intra-peritoneal administraram-se os extratos das plantas selecionadas nas doses de 20, 100 e 500 mg/kg, preparadas minutos antes do experimento, em quantidade proporcional ao peso do animal. Já para o teste do campo aberto utilizou-se o mesmo procedimento, sendo que os camundongos foram substituídos por ratos e a administração passou a ser feita por via oral, que, segundo Yunes e Filho (2001), é a mais indicada, por se aproximar da forma como as pessoas normalmente fazem uso das plantas. Testes farmacológicos Os ensaios farmacológicos obedeceram à seguinte seqüência: triagem farmacológica (screenig comportamental), teste do campo aberto e teste de tempo de sono induzido por barbitúrico. 1. Triagem farmacológica Consiste em uma metodologia que tem por objetivo avaliar o comportamento de animais ante a administração de preparações à base de plantas com possível atividade no SNC, de forma a permitir a seleção de espécies que apresentaram resultado mais significativo (ALMEIDA et al, 1999). Trata-se, portanto, de um teste preliminar a partir do qual as plantas poderão ser conduzidas a testes mais específicos. Os parâmetros utilizados para a avaliação comportamental encontram-se em anexo. 71 2. Campo aberto O campo aberto foi originalmente descrito por Hall (1941) como uma arena circular para testar os efeitos de ambientes não familiares sobre a emocionalidade em ratos de laboratório. A assertiva envolvida no teste é que um ambiente não familiar marcadamente distinto de seu ambiente usual elicia medo e/ou ansiedade no animal e atividade exploratória. Esse medo geraria uma reação no SNC que o levaria à defecação e à paralisação (freezing) (NAHAS, 2001). Por estar historicamente relacionado a pesquisas sobre emocionalidade, o campo aberto vem sendo utilizado para avaliar o potencial ansiolítico de drogas (BRUHWYLER, e COL, 1991 apud NAHAS, 2001, p. 02). A avaliação do desempenho do animal consiste na contagem de tempo de cada comportamento verificado, número de quadrados percorridos no tempo, taxa de ambulação, imobilidade (freezing), auto-limpeza (grooming) e comportamento de levantar-se nas patas posteriores (rearing). A defecação pode facilmente ser quantificada pelo número de bolotas fecais despejadas pelo animal durante uma sessão experimental. Atualmente, o teste de campo aberto pode ser desenvolvido de forma mais rápida e eficaz através do uso do X-Plo-Rat19 que além de possibilitar a monitoração do comportamento dos animais na arena, apresenta a vantagem de armazenar os dados em arquivo do Microsoft Excel. 3. Tempo de sono induzido por barbitúrico Para verificação de atividade depressora, todas as plantas foram submetidas ao teste de tempo de sono induzido por barbitúrico. Esse teste, conforme descrito por Batista (1993), se 19 Programa computadorizado desenvolvido no Laboratório de Comportamento Exploratório do Departamento de Psicologia Experimental da USP-Ribeirão Preto. 72 baseia no fato de que, em geral, as drogas depressoras do SNC aumentam o tempo de sono induzido por barbitúricos. Com base em Batista (1993), foi admitido para o tempo de indução do sono (latência) o período decorrido da administração do barbitúrico Thionembutal (tiopental sódico), na dose de 60mg/kg, até o animal perder o reflexo de endireitamento. O tempo de duração do sono foi considerado como sendo o intervalo de tempo entre a perda e a recuperação desse reflexo. O tempo máximo estabelecido para o sono foi de 120 minutos. 5.2.3 Análise de dados A análise de dados realizada de forma integrada, compreendeu os aspectos etnográficos (qualitativos) e os farmacológicos (quantitativos), que serviram de subsídios para a discussão que se encontra compondo o capítulo seguinte do trabalho Análise qualitativa Foi referenciada pelos dados etnográficos obtidos da comunidade de Umbuzeiro do Matuto, acerca de suas concepções sobre o ambiente, especialmente no tocante ao uso de plantas de interesse medicinal que atuam ao nível de SNC, e envolveu informações referentes as partes das plantas utilizadas, bem como as respectivas formas de preparo dos medicamentos. Análise quantitativa Para verificação dos resultados dos testes de campo aberto e tempo de sono induzido por barbitúricos se expressou o valor através da media + o erro padrão (EPM). A diferença 73 entre os grupos experimentais foi avaliada pela análise de variância de uma via (ANOVA) seguida, quando necessário, do teste de comparações múltiplas de Tukey. Para tanto utilizouse o programa estatístico Prisma 3.0. 74 6 RESULTADOS E DISCUSSÃO Através das entrevistas no povoado Umbuzeiro do Matuto, envolvendo 03 benzedores, 01 parteira, 08 professores e 88 pessoas da comunidade em geral, foi possível apreender diversas impressões envolvidas na relação saúde-doença e no uso de plantas para fins terapêuticos. São interpretações que muitas vezes se materializam através de crenças ligadas ao misticismo e que incluem rituais nos quais são contemplados: banhos, aplicação de defumador, forma de preparo de remédio, guarda de resguardo, restrições alimentares e de prática sexual entre outros. Amorozo (1996, p.51), acrescenta que: Costuma-se reconhecer, em diversas sociedades “primitivas”, pelo menos três níveis etiológicos a partir dos quais as doenças, ou estados caracterizados como doenças são diagnosticados: o nível físico, ou “natural”, no qual a origem da doença deve ser procurada entre causas físicas ou fisiológicas; o nível sobrenatural, no qual o estado mórbido é causado pela intervenção de uma entidade sobrenatural; e, finalmente, o nível social, quando a causa é decorrente de relações sociais conflituosas, que culminam com a intervenção acidental ou deliberada, de uma pessoa ou grupo, que vai provocar doença em outra pessoa ou em um grupo rival. De acordo com essa autora, e diversos outros que compartilham da mesma idéia, a eficácia terapêutica de qualquer tratamento, inclusive de plantas para fins medicinais, apresenta um conteúdo simbólico. Dessa forma, a cura de determinada enfermidade tanto pode ser atribuída a um efeito farmacológico sobre a fisiologia do indivíduo, como também pode ser resultante da expectativa e crença do paciente e de seus familiares na cura. 75 Essas convicções puderam ser percebidas nas declarações dos benzedores de Umbuzeiro do Matuto. D. Ivete (benzedeira) comenta: Quando a pessoa tá triste é receitado banho depois da reza. D. Enide (benzedeira), por sua vez afirma: A doença que Jesus Cristo deu, encosto, não passa com remédio, só com banho, sumador20 e reza. Quando eu curo gente com essa doença ela passa pra mim. Agora eu só faço benzer, aqui o pessoal num guarda dieta. No dia que a gente toma remédio pra cabeça, bem sabe que não é pra comer carne de porco, não é pra levar sol nem chuva, tem que ficar de resguardo, não é pra namorar com a mulé, se possível... tá na dieta (Sr. Lourival-benzedor). É comum encontrar em locais onde as comunidades fazem uso da medicina popular, várias misturas em garrafas (garrafadas) sendo vendidas em botecos ou feiras. Essas misturas compreendem desde plantas no álcool ou vinho branco até cobras na cachaça. D. Enide, benzedeira de Umbuzeiro do Matuto, afirma não fazerem mal, dependerá apenas do tipo de doença. Figura 10 – Entrevista com D. Enide – benzedeira Omena: 2003 20 Defumador 76 Entre as convicções relacionadas ao uso das plantas para a cura de doenças no povoado, está a de acreditar que as raízes só podem ser recolhidas do lado que o sol nasce, e, preferencialmente, no final da tarde antes do pôr do sol. Segundo os relatos, esses costumes foram ensinados pelos mais velhos. Na compreensão de Amorozo (1996), essas constatações devem se relacionar com a concentração de compostos bioativos nestes locais e períodos, variando de acordo com sua diluição, que dependerá da disponibilidade hídrica da plantas. Segundo Bragança (1996), já se comprovou em muitas plantas medicinais que os princípios ativos apresentam variações ao longo do dia, dado conhecido há séculos pelos herborístas e curandeiros da medicina indígena. O autor cita como exemplos a morfina (extraída do ópio ou suco da papoula, a Papaver somniferum) e a antropina (obtida da Antropa belladona), cuja produção do principio ativo é quatro vezes maior pela manhã que durante a noite. Segue comentando que em alguns casos o princípio ativo varia também segundo a fase de germinação da planta e de acordo com o tipo de solo e de clima. Essas explicações reforçam a idéia de que todas as informações obtidas das comunidades usuárias e que dizem respeito às plantas (locais, horários e épocas determinadas para coleta), devam ser valorizadas nas pesquisas etnofarmacológicas. Para Calixto (2000, p. 307), O teor dos constituintes presentes nas plantas varia consideravelmente em função de fatores externos, incluindo: temperatura, umidade, luminosidade, nutrientes do solo, método de coleta, secagem e transporte, parte da planta usada. Cada um desses fatores pode afetar diretamente a qualidade da matéria prima vegetal e, conseqüentemente, o produto final e a eficácia clínica dos medicamentos fototerápicos. Dentre outras interpretações ligadas à prática do uso de plantas, também faz parte do ideário da comunidade relacionar a cura à mistura de diversas espécies e de não utilizá-las 77 concomitante com fármacos sintéticos. D. Enide, benzedeira, assim declara: O remédio de planta e a cura só pode ser feita dois dias depois que parou o remédio de farmácia. Apesar de os benzedores do povoado afirmarem fazer uso de diversas plantas misturadas, há pessoas na comunidade que acreditam ser perigoso. Nem toda planta você pode misturar com outra. Eu me intoxiquei misturando quebra-pedra com AAS. (Neuza). D. Valdecira se intoxicou usando angico com juazeiro para tratar de tosse. O rosto inchou todo (Prof. Aparecida); A esse respeito Xue (1998 apud YUNES e FILHO, 2001, p.37) relata o caso da “Angelica Sinensis Aloes”, fórmula composta por onze tipos de ervas, usada para tratamento da leucemia mielógena, cujos testes demonstraram que somente uma espécie era ativa, e que apenas uma substância era responsável pela atividade que se encontrava na planta. No entanto, o mesmo autor também revela que um estudo realizado na Inglaterra para avaliar os efeitos de um mistura de dez ervas, denominada “Zemafrite”, empregada contra enfermidade da pele, constatou que nenhum extrato individual possuía o efeito desejado, o qual era otimizado através da combinação dos extratos das diversas plantas. Outra crença percebida entre os moradores do povoado se relaciona ao gosto da planta: A planta que faz mal é a que amarga como a quina-quina, o angico e o juazeiro; não podem ser misturados (Neuza). Procedimentos envolvendo a forma de preparo e de utilização dos remédios de plantas também fazem parte dessa tradição. De acordo com o relato do Sr. Lourival, as plantas podem ser misturadas para fazer remédio, contanto que seja em número ímpar (3, 5...); Sr. Maurício menciona que para curar a epilepsia o paciente tem que tomar 70 aplicações de defumador, ou seja, o equivalente a setenta crises epilépticas. Devido às concepções que envolvem o uso das plantas, os atores sociais que detêm maior conhecimento, como os curandeiros, benzedores e parteiras exercem uma liderança 78 natural nas comunidades das quais fazem parte, chegando em alguns casos a serem considerados “gurus espirituais”. Os três benzedores identificados no povoado atribuíram seus “poderes” de cura a uma divindade. D. Enide relata que é filha de caboclo e que trabalha com cura desde os quinze anos, que aprendeu tudo sozinha, pois o dom foi dado por Deus. Define-se como católica e rezadeira das almas. Ela própria prepara os remédios e garrafadas que recomenda. As plantas são recolhidas na caatinga pelos netos, sob sua orientação. Da mesma forma D. Ivete, também benzedeira, diz que aprendeu sozinha a conhecer as plantas, com o dom de Deus. Já Sr. Lourival assim declara: Com sete anos eu já curava, quem ensinou foi Jesus. Adivinhava, condi uma mulé casava que ficava de gravidez mandava me chamar pra dizer se era home ou mulé. Num era pra eu me casar, mas home que num casa num é home, eu me casei com 20 anos. Os filhos e netos geralmente ajudam os pais na tarefa de pegar as plantas no mato, aprendem desde cedo a reconhecê-las no convívio com os mais velhos, muitas vezes acompanhando-os durante as tarefas rotineiras na roça. Com relação ao atendimento médico local, que acontece dois dias na semana num pequeno posto de saúde, em aparente contradição, este aparece como um dos fatores favoráveis ao uso de plantas para fins terapêuticos. Os relatos a esse respeito evidenciaram que o serviço prestado é precário e insatisfatório. D. Neuza demonstra indignação com a assistência médica prestada ao relatar que uma das meninas que está adotando “a ruivinha” teve que ir para Monte Alegre, município mais próximo, por ocasião de um problema de saúde. 79 Um dos fatores apreendidos na fala dos moradores para classificar o serviço médico no povoado como insuficiente foi o fato de o único médico que presta serviço à comunidade nem sempre comparecer ao trabalho. A esse respeito Sr. Luorival declara: A gente tá doente, condi o doutor vem receber a gente é dois, três dias. Condi chega diz daqui a um mês. Condi vai vortá a atender é com dois, três meis. Se a gente tiver que morrê já tem morrido. Aí eu me trato com mato. Também a inexistência de especialistas para os diversos tipos de enfermidades é motivo de reclamação. D. Cecília, que perdeu a visão após uma cirurgia de catarata, se queixa: Tem um médico só pra receitar tudo quanto é gente: mulher barriguda, menino... E isso dá certo? D. Pastora, da mesma forma, reclama do serviço afirmando que quando o médico aparece não dá um remédio: Eu quando quero faço meu próprio remédio. A declaração de Sr. Beijo também deixa clara a deficiente assistência medica à população de Umbuzeiro do Matuto. Tive que vendê todas as minha vaquinha pra pagá médico e ixame. Todos os que necessitam de cirurgia no povoado têm que se deslocar para a capital do estado, Aracaju. Os depoimentos indicam que a precariedade da assistência médica contribui para que a comunidade se automedique e faça uso de plantas na busca de cura para suas enfermidades, confirmando o comentário aludido por Silva; Buítron e Martins (2001), de que a dificuldade de oferecer assistência médica farmacêutica integral, deixa espaço aberto para que a comunidade recorra aos tratamentos com raizeiros e curandeiros em busca de alívio imediato para seus males. 80 Figura 11 – Conversa com D. Pastora e D. Cecília, moradoras do povoado Fonte: Omena-2002 Algumas das pessoas entrevistadas também deram como justificativa para o uso de plantas a facilidade de não ter que sair de casa. Contudo, a maioria dos relatos evidencia que o uso de plantas ainda se deve à crença de encontrar nestas a melhor opção para se tratarem e prevenirem-se contra doenças. Quem vai me curar é Deus, e minhas cascas de pau e meus remédios que já está no fogo (D. Enide-benzedeira); Remédio só serve quando Deus qué, quando não qué vai pra debaixo do chão (D. Pastora); No início da gastrite procurei um médico, passei um ano tomando remédio, mas foi com plantas que me curei (Prof. Ademar); Remédio de planta cura e num faz mal. (D. Ivete-benzedeira). Outro fator que também apareceu com freqüência na fala dos moradores foi o financeiro. As entrevistas indicaram ser fator preponderante para a continuidade do uso das plantas na cura de enfermidades a baixa renda da população. No povoado predomina o 81 trabalho rural. A maioria dos moradores sobrevive da agricultura de subsistência. Aqueles que não possuem terra mantêm suas famílias através da colheita em roças de terceiros ou na criação, para venda, de animais de pequeno porte, como carneiro, bode, galinha e porco. O comércio restringe-se a um mercadinho, uma lanchonete, uma mercearia e um boteco, incapazes de absorver a mão de obra local. Os únicos órgãos públicos existentes são o posto médico (no qual trabalham 3 pessoas da comunidade) e a escola (que conta com 21 profissionais, incluindo professores, auxiliares administrativos e executores de serviços básicos). Os dois órgãos juntos não chegam a absorver nem 10% da população em idade ativa. É fato que no povoado Umbuzeiro do Matuto os dois fatores mencionados, o atendimento médico precário e a baixa renda da população, atrelados à tradição local, legitimam o ainda existente hábito do uso de plantas para fins terapêuticos. As entrevistas revelaram 66 plantas das quais os moradores fazem uso para esse fim, como consta no apêndice 1, onde as mesmas aparecem grafadas pela nomenclatura própria da localidade, sem preocupação, a priori, de identificar as espécies pelo nome científico, dando destaque à forma de obtenção, a indicação, a parte utilizada e a forma de preparo. Entende-se, neste levantamento, como plantas adquiridas aquelas in natura ou primariamente beneficiadas, em feiras da região, ou mesmo sob encomenda, provenientes de regiões mais distantes; como cultivadas espécies não nativas, que em vista de sua utilidade, passam a ser cultivadas em casa ou terrenos das propriedades para uso doméstico; e como nativas espécies encontradas originalmente na região, procedentes da caatinga. Apesar de não constar no rol de plantas indicadas pela comunidade, apêndice, também foram mencionadas nas entrevistas preparações à base de associações de diversas espécies, a exemplo de: mistura de mandacaru com semente de melancia cozida e pisada, usada para febre; mirassol (girassol) e maracujá de estalo, dos quais o chá feito da semente é utilizado 82 como calmante; juazeiro junto com pixilinga, noz moscada e a semente do melão de São Caetano, que pisados viram um café para derrame; mirassol (girassol) com mostarda, o chá serve para epilepsia; jureminha, jurema do mato, pinhão roxo e pinhão bravo cujo defumador serve para epilepsia; jericó com o mororó, o chá da folha é usado para diabete; unha de gato junto com o alecrim de vaqueiro, usa-se o chá para dor nos ossos; entrecasca de cajueiro, de angico, de aroeira, acompanhado do mastruz e do pinhão roxo que se usa para banho, tendo efeito em casos de inchação. O levantamento na comunidade mostrou-se essencial para a seleção de espécies nativas da caatinga, conforme folder divulgado pela ADEMA (s.d), a serem classificadas botanicamente e submetidas a testes farmacológicos específicos para avaliação de efeito no SNC. Para tanto, consideraram-se as plantas que tiveram maior número de indicações da população pesquisada para esse fim específico. A saber: a aroeira (Astronium urundeuva Engl.), a imburana de cheiro (Amburana cearensis Fr. All; Smith.), o bom nome (Maytenus rígida Mart.), o alecrim de vaqueiro (Líppia mycrophylla Cham) e a jurema (Mimosa hostilis Mart.) Devido à excessiva viscosidade, a jurema (Mimosa hostilis Mart.) não respondeu satisfatoriamente ao sistema de filtração à vácuo, impossibilitando sua utilização nos experimentos. Os efeitos comportamentais em camundongos albinos Swiss, a partir da administração por via i.p.21 dos extratos das quatro plantas selecionadas, nas doses de 20, 100 e 500 mg/kg, foram observados nos primeiros 30, 60 e 120 minutos após os respectivos tratamentos, indicando que todas as plantas testadas apresentaram de alguma forma perfil de droga com ação no SNC, considerando que houve alteração no comportamento normal dos animais, quando comparados ao grupo controle, como demonstram as tabelas 1, 2, 3 e 4, construídas com base no instrumental utilizado para a triagem farmacológica (ALMEIDA et al, 1999). 83 Tabela 1 - Resultados apresentados com a espécie Astronium urundeuva (aroeira) na triagem farmacológica comportamental. Atividade no SNC Controle/NaCl Dose 20 mg/kg 0,5 h 1 h 2 h 0,5 h Depressora 0 0 0 0 Hipnose 0 0 0 (1) – Ptose palpebral 0 0 0 0 Sedação 0 0 0 0 Anestesia 0 0 0 0 Ataxia 0 0 0 0 Reflex. endireitamen. 0 0 0 0 Catatonia 0 0 0 – Analgesia 0 0 0 0 Resp. toque dimin. 0 0 0 0 Refl. córneo dimin. 0 0 0 0 Refl.auricular. dimin. Outros 0 0 0 0 Ambulação 0 0 0 0 Bocejo excessivo 0 0 0 + Auto limpeza 0 0 0 0 Levantar 0 0 0 0 Escalar 0 0 0 0 Vocalizar 0 0 0 0 Sacudir a cabeça 0 0 0 0 Contorção abdominal 0 0 0 0 Abdução posterior 0 0 0 0 Pedalar 0 0 0 + Estereotipia 1h 0 + + 0 0 0 0 – – – – – 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 Dose 100 mg/kg Dose 500 mg/kg 2 h 0,5 h 1 h 2 h 0,5 h 1 h 0 0 0 0 0 0 + – + + – + + 0 + + 0 + 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 + 0 – + 0 + + 0 + + + + + – – – – – – – – – – – – 0 + 0 0 0 0 0 0 0 0 – 0 + 0 0 0 0 0 0 0 + – 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 – 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 – 0 – 0 0 0 0 0 0 0 0 – 0 – 0 0 0 0 0 0 0 0 2h 0 + + 0 0 0 0 + + – – – 0 – 0 0 0 0 0 0 0 0 Quantificação dos efeitos: (0): sem efeito; (–): efeito diminuído; (+): efeito presente; (++): efeito intenso. Todos os animais submetidos ao teste com a espécie Astronium urundeuva (aroeira), apresentaram comportamentos que dão indícios de atividade depressora sobre SNC. Na primeira 0,5 h. do teste com a dose de 20 mg/kg apenas uma animal apresentou ptose palpebral (efeito diminuído). Contudo, no tempo restante, 1 e 2 h., esse efeito foi observado em todos os animais, fato que se repetiu nas demais doses utilizadas (100 e 500 mg/kg). Também para a característica sedação seguiu-se o mesmo critério, o efeito não foi observado nas primeiras 0,5 h. do teste, mas esteve presente no tempo seguinte em todas as dosagens. Para a analgesia, aparentemente a planta também apresenta efeito, haja vista os animais testados terem apresentado na primeira hora de teste nas doses de 20 e 100 mg/kg um 21 Intra peritoneal 84 efeito diminuído, que aumentou no tempo restante. Na dose de 500 mg/kg esse efeito esteve presente já a partir de 1h após a administração do extrato da planta. Observou-se em todos os animais uma diminuição na resposta ao toque e de reflexos córneos e auriculares. Também o decréscimo na taxa de ambulação, observada nos animais, servem de evidência de algum efeito da planta sobre o SNC. Tabela 2 - Resultados apresentados com a espécie Amburana cearensis (imburana de cheiro) na triagem farmacológica comportamental. Atividade no SNC Controle/NaCl Dose 20 mg/kg 0,5 h 1 h 2 h 0,5 h 1 h 2h Depressora 0 0 0 0 0 0 Hipnose 0 0 0 (3) + (3) + (3) + Ptose palpebral 0 0 0 (3) + (3) + (3) + Sedação 0 0 0 0 0 0 Anestesia 0 0 0 0 0 0 Ataxia 0 0 0 0 0 0 Reflex. endireitamen. 0 0 0 0 0 0 Catatonia 0 0 0 (3) – (3) – (3) – Analgesia 0 0 0 0 (3) – (3) – Resp. toque dimin. 0 0 0 0 0 0 Refl. córneo dimin. 0 0 0 0 0 0 Refl.auricular. dimin. Outros 0 0 0 + – – Ambulação 0 0 0 0 0 0 Bocejo excessivo + + 0 (2) + (2) – + Auto limpeza 0 0 0 0 0 0 Levantar 0 0 0 0 0 0 Escalar 0 0 0 0 0 0 Vocalizar 0 0 0 0 0 0 Sacudir a cabeça 0 0 0 0 0 0 Contorção abdominal 0 0 0 0 0 0 Abdução posterior 0 0 0 0 0 0 Pedalar 0 0 0 0 0 0 Estereotipia Dose 100 mg/kg Dose 500 mg/kg 0,5 h 1 h 2h 0 0 0 (2) + (3) + (3) – (3) + (3) – (3) – 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 (3) + (3) + (3) + 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0,5 h 1 h 2h 0 0 0 (2) + (3) + (3) – (3) + (3) – (3) – 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 (3) + (3) + (3) + 0 0 0 – – – – – – – – 0 0 0 (1) + 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 – 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 – 0 – 0 0 0 0 0 0 0 0 – 0 – 0 0 0 0 0 0 0 0 – 0 – 0 0 0 0 0 0 0 0 Quantificação dos efeitos: (0): sem efeito; (–): efeito diminuído; (+): efeito presente; (++): efeito intenso. Como se observa na tabela 2, na dose 20mg/kg, três dos animais testados apresentaram ptose palpebral durante o tempo total em que foram submetidos ao teste. Nas doses de 100mg/kg e 500mg/km um dos três animais deixou de apresentar essa atividade na primeira 0,5 h., voltando a apresentá-la somente uma hora após o início da observação. A atividade teve efeito diminuído no tempo restante (2 h.). Na dose de 20mg/kg os camundongos 85 pareciam sedados durante todo o tempo de teste. Nas outras duas doses (100 e 500 mg/kg) o efeito esteve presente na primeira 0,5 h., diminuindo no tempo restante. Com relação à atividade de analgesia, na dose de 20mg/kg os três animais apresentaram efeito diminuído durante o tempo total observado. Nas doses seguintes (100 e 500 mg/kg), o efeito esteve presente do início ao final do teste. A resposta ao toque esteve diminuída em três dos animais tratados com a dose de 20 mg/kg, a partir de 1 hora do início do teste e até o final do mesmo. Dois dos animais apresentaram atividade de auto limpeza na primeira hora do teste com dose de 20 mg/kg, vindo a diminuí-la no tempo restante. Na dose de 100mg/kg apenas um animal apresentou essa atividade após a primeira 0,5 h. do teste, prolongando-a por aproximadamente 1 hora. Tabela 3 - Resultados apresentados com a espécie Maytenus rígida Mart (bom nome), na triagem farmacológica comportamental. Atividade no SNC Controle/NaCl Dose 20 mg/kg 0,5 h 1 h 2 h 0,5 h 1 h Depressora 0 0 0 0 0 Hipnose 0 0 0 (1) + 0 Ptose palpebral 0 0 0 0 0 Sedação 0 0 0 0 0 Anestesia 0 0 0 0 0 Ataxia 0 0 0 0 0 Reflex. endireitamen. 0 0 0 0 0 Catatonia Analgesia 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 Resp. toque dimin. 0 0 0 0 0 Refl. córneo dimin. 0 0 0 0 0 Refl.auricular. dimin. Outros 0 0 0 0 0 Ambulação 0 0 0 0 0 Bocejo excessivo 0 0 0 (1) + 0 Auto limpeza + 0 0 (1) + (1) + Levantar 0 0 0 0 0 Escalar 0 0 0 0 0 Vocalizar 0 0 0 0 0 Sacudir a cabeça 0 0 0 0 0 Contorção abdominal 0 0 0 0 0 Abdução posterior 0 0 0 0 0 Pedalar 0 0 0 + 0 Estereotipia Dose 100 mg/kg Dose 500 mg/kg 2 h 0,5 h 1 h 2 h 0,5 h 1 h 2h 0 0 0 0 0 0 0 0 (1) + (1) + (1) + (3) + (3) + (3) + 0 0 + – 0 (3) + (3) + 0 0 0 0 0 – – 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 + – – 0 (3) + 0 0 0 0 0 0 (3) + 0 0 0 0 0 (3) + (3) + 0 0 0 0 0 (3) + (3) + 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 (1) + (1) + (1) + 0 (1) + (1) + (1) + 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 Quantificação dos efeitos: (0): sem efeito; (–): efeito diminuído; (+): efeito presente; (++): efeito intenso. 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 86 Três dos animais testados com o extrato aquoso da espécie Maytenus rígida, apresentaram na dose de 20 mg/kg de extrato aquoso, movimentação intensa das vibrisas (comportamento presente em drogas com atividade estimulante do SNC). Essa atividade permaneceu em dois dos animais na dose seguinte (100mg/kg), durante o tempo total do teste. Na dose de 100mg/kg um dos animais apresentou movimentos intensos de auto limpeza, primeira 0,5 h, e movimento de escalar até o tempo médio de 1hora. Tabela 4 - Resultados apresentados com a espécie Líppia mycrophylla Cham (alecrim de vaqueiro), na triagem farmacológica comportamental. Atividade no SNC Controle/NaCl Dose 20 mg/kg Dose 100 mg/kg 0,5 h 1 h 2 h 0,5 h 1 h 2 h 0,5 h Depressora 0 0 0 0 0 0 0 Hipnose 0 0 0 0 0 (1) + + Ptose palpebral 0 0 0 0 (1) + (1) + 0 Sedação 0 0 0 0 0 0 0 Anestesia 0 0 0 0 0 0 0 Ataxia 0 0 0 0 0 0 0 Reflex. endireitamen. 0 0 0 0 0 0 0 Catatonia 0 0 0 0 0 0 0 Analgesia 0 0 0 0 0 (1) + 0 Resp. toque dimin. 0 0 0 0 0 0 0 Refl. córneo dimin. 0 0 0 0 0 0 0 Refl.auricular. dimin. Outros 0 0 0 0 0 (1) + 0 Ambulação 0 0 0 0 0 0 0 Bocejo excessivo 0 0 0 0 0 0 0 Auto limpeza + 0 0 0 0 (1) + (1) + Levantar 0 0 0 0 0 0 (1) + Escalar 0 0 0 0 0 0 0 Vocalizar 0 0 0 0 0 0 0 Sacudir a cabeça 0 0 0 0 0 0 0 Contorção abdominal 0 0 0 0 0 0 0 Abdução posterior 0 0 0 0 0 0 0 Pedalar 0 0 0 + 0 0 0 Estereotipia 1h 0 + + 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 Dose 500 mg/kg 2 h 0,5 h 0 0 + + + 0 + 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 + + + (3) + 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1h 0 + + – 0 0 0 + + + + 2h 0 + + + 0 0 0 (3) + (3) + (3) + (3) + 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 Quantificação dos efeitos: (0): sem efeito; (–): efeito diminuído; (+): efeito presente; (++): efeito intenso. 87 Na dose de 20 mg/kg de extrato aquoso da Lippia mycropylla, as alterações comportamentais observadas não se mostraram significativa, contudo, nas doses seguintes, 100 e 500 mg/kg, grande parte dos animais submetidos ao tratamento apresentaram conduta típicos de droga depressora, como ptose palpebral, sedação, resposta ao toque diminuída e reflexos córneos e auriculares diminuídos. A partir dos dados preliminares obtidos na triagem farmacológica comportamental, as quatro plantas selecionadas foram submetidas a testes específicos para avaliação de efeito depressor do SNC, a partir dos quais obteve-se o seguinte resultado: Astronium urundeuva (aroeira) A ANOVA revelou que há diferença entre o número de cruzamentos para o grupo controle e os tratados com o extrato da espécie Astronium urundeuva (F3,24 = 4,865, p<0,01). As doses de 100 e 500 mg/kg do extrato diminuíram o número de cruzamentos (Aro100:q = 3,98; p<0,05; n = 7; Aro500: q = 5,14; p<0,01; n = 7) em comparação com o grupo controle, figura 12. Com relação ao número de levantamentos sobre as patas traseiras A ANOVA não apontou diferença na comparação entre os animais submetidos ao tratamento com o grupo controle (F3,24 = 0,931; p>0,05), figura 13. Quanto ao número de rituais de limpeza a ANOVA mostrou diferença entre os grupos (F3,24 = 4,50; p<0,05). Nas doses de 100 e 500 mg/kg o extrato do Astronium urundeuva (aroeira) reduziu o número de rituais de limpeza dos animais, com relação ao grupo controle (Aro100:q = 4,82; p<0,05; n = 7; Aro500: q = 3,92; p<0,05; n = 7). figura 14. 88 30 75 número de levantamentos número de cruzamentos 100 20 50 * * 25 10 0 0 salina Aro20 Aro100 Aro500 salina Aro20 Aro100 Aro500 Figura 13 – Efeito do extrato aquoso do Astronium urundeuva no número de levantamentos dos animais. Fonte: Omena-2003. Fonte: Omena-2003. nùmero de rituais de limpeza Figura 12 – Efeito do extrato aquoso do Astronium urundeuva no número de cruzamento dos animais. 15 10 * * 5 0 salina Aro20 Aro100 Aro500 Figura 14 – Efeito do extrato aquoso do Astronium urundeuva nos rituais de limpeza dos animais. Fonte: Omena-2003. No teste de tempo de sono induzido por barbitúricos a ANOVA não mostrou diferença para o tempo de latência (F3,51 = 2,114; p>0.05), mas revelou diferença para o tempo de duração do sono (F3,51 = 13,46; p<0.05). As doses de 20, 100 e 500 mg/kg do extrato aquoso da planta mostraram diferença significativa quando comparadas ao grupo tratado com solução salina (Aro20: q = 4,663, p<0,01, n = 12; Aro100:q = 5,403, n = 9; p<0,01; Aro500: q = 8,268, p<0,001, n = 10), figura 15. 89 tempo (min) 150 latência duração *** 100 ** ** 50 0 salina Aro20 Aro100 Aro500 Figura 15 – Latência e tempo de sono em animais submetidos a tratamento com extrato aquoso do Astronium urundeuva. Fonte: Omena-2003. 90 Figura 16 - Astronium urundeuva Engl. Fonte: Omena-2003 91 Amburana cearensis (imburana de cheiro) De acordo com a análise estatística, no teste de campo aberto, o extrato aquoso da espécie Amburana cearesis não demonstrou resultado significativo em nenhuma das doses administradas nos animais (20, 100 e 500 mg/kg), para qualquer dos comportamentos observados, em comparação com o grupo controle. No número de cruzamentos A ANOVA revelou que (F3,24 = 1,958, p>0,05), para o número de levantamentos (F3,24 = 2,157, p>0,05) e para os rituais de limpeza (F3,24 = 2,157, p>0,05). Figuras 17, 18 e 19, respectivamente. 30 número de levantamentos número de cruzamentos 100 75 20 50 10 25 0 salina Imb20 Imb100 Imb500 0 salina Imb20 Imb100 Imb500 Figura 18 – Efeito do extrato aquoso da Amburana cearensis no número de levantamentos dos animais. Fonte: Omena-2003. Fonte: Omena-2003. número de rituais de limpeza Figura 17 – Efeito do extrato aquoso da Amburana cearensis número de cruzamentos dos animais. 15 10 5 0 salina Imb20 Imb100 Imb500 Figura 19 – Efeito do extrato aquoso da Amburana cearensis nos rituais de limpeza dos animais. Fonte: Omena-2003. 92 No teste de tempo de sono induzido por barbitúricos a A ANOVA revelou que a espécie Amburana cearensis não mostrou diferença para o tempo de latência (F3,50 = 1,089, p>0.05), pórem indicou resultado estatístiticamente significativo para o tempo de duração do sono (F3,51 = 4,430; p<0.05). O teste de Tukey aplicado para avaliar as diferenças entre os grupos demonstrou que houve significância com o extrato na dose de 20 mg/kg. (Imb20: q = 4,710, p<0,01, n = 20; Imb100:q = 2,747, p>0,05, n = 9; Imb500: q = 3,103, p>0,05, n = 10), figura 19. tempo (min) 100 ** 75 50 25 0 salina Imb20 Imb100 Imb500 Figura 20 – Latência e tempo de sono em animais submetidos ao tratamento com a espécie Amburana cearensis. Fonte: Omena-2003. 93 Figura 21 – Amburana cearensis Fr. All; Smith Fonte: Omena, 2003 94 Maytenus rigida (bom nome) A ANOVA revelou que não há diferença entre o os grupos tratados com o extrato da espécie Maytenus rigida em nenhum dos comportamentos analisados no teste do campo aberto. Conforme a análise, para a taxa de ambulação, cruzamentos, (F3,24 = 0,9362, p>0,05), para o número de levantamentos (F3,24 = 3,24, p>0,05), para os rituais de limpeza (F3,24 = 1,026, p>0,05). Figuras 22, 23 e 24. 40 número de levantamentos número de cruzamentos 100 30 75 20 50 10 25 0 0 salinaBom20 Bom100 Bom500 salina Bom20Bom100Bom500 Figura 23 – Efeito do extrato aquoso da Maytenus rigida no número de levantamentos dos animais. Fonte: Omena-2003. Fonte: Omena-2003. número de rituais de limpeza Figura 22 – Efeito do extrato aquoso da Maytenus rigida no número de cruzamentos dos animais. 20 10 0 salina Bom20 Bom100 Bom500 Figura 24 – Efeito do extrato aquoso da Maytenus rigida nos rituais de limpeza dos animais. Fonte: Omena-2003. 95 No teste de tempo de sono induzido por barbitúricos a ANOVA revelou que a espécie Maytenus rigida não mostrou diferença para o tempo de latência (F3,37 = 0,09486, p>0.05), tampouco para o tempo de duração do sono (F3,37 = 1,668; p>0.05). tempo (min) 75 latência duração 50 25 0 salina Bom20 Bom100 Bom500 Figura 25 – Efeito do extrato aquoso da Maytenus rigida nos rituais de limpeza dos animais. Fonte: Omena-2003. 96 Figura 26 – Maytenus rígida Mart. Fonte: Omena-2003. 97 Líppia mycrophylla (alecrim de vaqueiro) Através da comparação entre os animais do grupo controle e os tratados com o extrato da espécie Líppia mycrophylla, a ANOVA revelou diferença em dois dos comportamentos analisados, número de cruzamentos (F3,36 = 4,339, p<0,05) e número de levantamentos (F3,36 = 6,318, p<0,05). No pós-teste de Tukey, obteve-se para o número de cruzamentos os seguintes resultados: (Ale20: q = 2,845; p>0,05; n = 7; Ale100: q = 5,082; p<0,01; n = 7, Ale500: q = 2,408; p>0,05; n = 7). Para o número de levantamentos obteve-se que: (Ale20: q = 4,985; p<0,01; n = 7; Ale100: q = 5,539; p<0,01; n = 7, Ale500: q = 2,408; p>0,05; n = 7). Figuras 27, 28 e 29. 75 número de cruzamentos 50 25 * número de levantamentos 15 10 * 5 ** ** 0 0 salina Ale20 Ale100 Ale500 salina Ale20 Ale100 Ale500 Figura 27 – Efeito do extrato aquoso da Lippia mycrophylla número de cruzamentos dos animais. Figura 28 – Efeito do extrato aquoso da Lippia mycrophylla no número de levantamentos dos animais. Fonte: Omena-2003. Fonte: Omena-2003. número de rituais de limpeza 98 4 3 2 1 0 salina Ale20 Ale100 Ale500 Figura 29 – Efeito do extrato aquoso da Lippia mycrophylla no rituais de limpeza dos animais. Fonte: Omena-2003. No teste de tempo de sono induzido por barbitúricos a ANOVA não mostrou diferença para o tempo de latência (F5,80 = 6,92; p>0.05), contudo, revelou diferença para o tempo de duração do sono (F3,51 = 39,29; p<0.05). As doses de 20, 100 e 500 mg/kg do extrato aquoso da planta mostraram diferença significativa quando comparadas ao grupo tratado com solução salina (Ale20: q = 5,808, p<0,01, n = 16; Ale100:q = 5,808, n = 17; p<0,001; Ale 500: q = 8,440, p<0,001, n = 14). Figura 30. tempo (min) 100 latência duração *** *** 75 50 ** 25 0 salina Ale20 Ale100 Ale500 Figura 30 – Latência e tempo de sono em animais submetidos ao tratamento com a espécie Lippia mycrophylla. Fonte: Omena-2003. 99 Figura 31 – Lippia mycropylla Cham. Fonte: Tourinho-2000 100 A análise estatística referentes às quatro espécies de plantas submetidas aos testes farmacológicos para avaliação de atividade no SNC, a partir dos extratos brutos aquosos, permite deduzir que: o Astronium urundeuva (aroeira) e a Lippia Mycrophylla (alecrim de vaqueiro) apresentaram o efeito relatado pela comunidade do povoado Umbuzeiro do matuto, lócus da pesquisa, dando indícios que as espécies mencionadas possam conter substâncias de efeito psicoléptico (depressor) ou neuroléptico (tranqüilizante). A espécie Amburana cearensis (imburana de cheiro), apresentou a ação indicada pelos informantes apenas na dose 20 mg/kg, indicando que por se tratar de extrato bruto, outras substâncias podem ter agido antagonizando o efeito, ou seja, o aumento da dose pode ter ativado substâncias que se contrapuseram às de ação depressora. Ao ser submetida aos testes para avaliação da atividade depressora, a espécie Maytenus rigida (bom nome), apresentou indícios de droga psicoativa (estimulante do SNC), suscitando a realização de testes mais específicos para essa comprovação. Os ensaios farmacológicos confirmam, dessa forma, a proposição levantada anteriormente de que Umbuzeiro do Matuto constitui-se num grande potencial a ser explorado com relação ao uso de plantas para fins medicinais, servindo para consolidar a importância de que a ciência deve conferir ao saber empírico, no sentido de que as informações obtidas das comunidades locais possam servir de subsídio para impulsionar a pesquisa cientifica. Os dados apresentados no apêndice 1, plantas de interesse farmacológico utilizadas na comunidade, no qual são elencadas 66 plantas, das quais 31 qualificadas como nativas, conforme classificação apresentada pela ADEMA (s.d), ganham maior relevância quando comparados à pesquisa de Bispo, realizada no mesmo povoado no ano de 1998, que indicam 42 plantas nativas da caatinga, de uso exclusivo pela comunidade para fins medicinais, e cuja maioria não apareceram na pesquisa atual. 101 Apenas 15 das plantas identificadas por Bispo (1998) reincidiram neste estudo, podendo significar que, além das plantas nativas que só foram mencionadas na pesquisa atual, a comunidade pode, ainda que em menor proporção, fazer uso das 26 plantas que apareceram exclusivamente no trabalho de Bispo (1998). A soma das plantas nativas que aparecem em cada uma das pesquisas isoladamente, resulta, em 57 plantas, além das 15 que coincidem nos dois levantamentos. A análise leva a inferir que o uso de plantas medicinais no povoado ainda se mostra bastante significativo. Todavia, é importante não perder de vista que a variação acima mencionada pode ter ocorrido devido às inúmeras nomenclaturas que geralmente são dadas a uma mesma planta, inclusive dentro de uma mesma comunidade, razão pela qual é fundamental se buscar a classificação científica das mesmas. Bragança (1996) assinala que muitas espécies botânicas recebem o mesmo nome popular, por semelhança com outras espécies ou por o igual uso empírico, como é o caso do capim-limão (Cymbopogon citratus), da erva cidreira (Lippia citriodora) e da melissa, utilizadas como tranqüilizantes, e conhecidas popularmente como “erva-cidreira”. Ademais, embora os testes realizados com as plantas selecionadas tenham apresentado resultados que confirmam os relatos da comunidade, é importante ressaltar que grande parte dos ensaios que avaliam os efeitos dos fármacos no SNC, quer sejam eles sintéticos ou de produtos naturais, se relacionam ao comportamento de animais e incluem tanto respostas reflexas atencionais imediatas como as respostas voluntárias típicas. E apesar de amplamente utilizados, apresentam algumas limitações, pois inúmeros são os fatores externos que podem de alguma forma alterar seus resultados. No teste de campo aberto, por exemplo, dentre as situações que provocam aumento na resposta de medo nos animais, ou seja, maior taxa de defecação e menor taxa de ambulação, 102 estão: iluminação forte da arena, introdução de som de fundo no ambiente, aumento do tamanho do aparelho e choque nas patas precedente ao teste (NAHAS, 2000). Outro fator a ser considerado durante a aplicação desses experimentos é a diferença de comportamento intrínseco ao gênero (masculino ou feminino) do animal testado. Broadhurst; Gray & Lalljee (1957; 1974 apud NAHAS, 2000) observaram que há desigualdades sexuais no desempenho de tarefas que envolvem comportamento emocional no rato, a julgar pela maior taxa de ambulação e menor taxa de defecação em fêmeas. Dessa maneira, os testes envolvendo substâncias que atuam ao nível do SNC, exige muitas vezes a repetição exaustiva dos experimentos, a fim de que se eliminem as discrepâncias e se chegue a um resultado seguro. Também é importante atentar para o fato de que a tradição sobre o uso medicinal das plantas, que acompanha a humanidade desde os tempos mais remotos, expressa através de técnicas, conhecimentos e práticas, também vem perdendo espaço, num concomitante processo de degradação ambiental e cultural. Pôde-se perceber entre a população mais jovem do povoado, principalmente adolescentes, total desinteresse em participar das rodas de conversas e das entrevistas. No que se refere ao desinteresse dos jovens Amorozo (1996, p.56) destaca que, Assimilando a ideologia da sociedade ocidental de forma ampla, este saber começa a ser percebido, sobretudo pelos mais jovens, como algo inferior, em contraste com o corpo de novas informações que se tornam acessíveis pelo contato com o mundo exterior, seja por agentes sociais, seja pelos meios de comunicação [...] O conhecimento tradicional também acaba se perdendo, na medida em que a educação formal retira os jovens do convívio com os mais velhos durante uma parte significativa de tempo e fomenta seu desinteresse por este saber. 103 Entre os benzedores também não foi percebido maior interesse com relação à transmissão de ensinamentos. Quando indagados a esse respeito dois, dos três identificados no povoado, assim responderam: “Pode ser que a pessoa pra quem eu ensinar mate o povo, só vou dar o saber quando ficar bem velhinha” (D. Enide); “Já tive vontade de ensiná aos meus filhos ou meu neto, mas condi a gente se vê mais velho a gente num pensa condi morre, conte mais a gente veve, mais pensa que veve.” (Sr. Lourival). A constatação é preocupante, haja vista não apenas a idade avançada das pessoas que denominam esse conhecimento e ao importante papel por elas exercido no povoado, mais ainda devido à importância econômica das plantas utilizadas como medicinais para a população que delas necessita e faz uso. 104 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Na troca de conhecimentos com membros do povoado Umbuzeiro do Matuto, ficou evidenciada a possibilidade de se estabelecer uma relação dialética entre conhecimento científico oficial e conhecimento empírico, assim como sugere IBAMA (1996). As entrevistas revelaram que a comunidade faz uso de uma imensa diversidade de plantas para fins terapêuticos. De acordo com os relatos 66 espécies são utilizadas de forma isolada para esse fim e outras ainda são usadas de forma combinada, a depender do resultado que se espera. Os dados levantados constituíram-se elemento essencial na seleção das plantas com suposta atividade no SNC submetidas aos testes, e a partir dos quais foi possível constatar que apenas uma das espécies, a Maytenus rigida Mart (bom nome.), deixou de apresentar o efeito compatível com droga depressora do SNC, mencionado pelos moradores do povoado. Considerando o fato de os ensaios farmacológicos terem confirmado duas das questões problematizadoras que conduziram esta pesquisa, cabe refletir sobre a possibilidade de conciliar a prática do uso de plantas na comunidade Umbuzeiro do Matuto com a utilização sustentável da biodiversidade. E nesse sentido, é importante esclarecer que, conforme a apreensão da fala dos atores envolvidos, o conhecimento acerca dos potenciais florísticos do povoado tem se configurado unicamente em termos de exploração dos recursos naturais, não tendo sido verificado nenhuma estratégia social e cultural para a manutenção dos benefícios gerados, tampouco iniciativas locais e sustentáveis de desenvolvimento. Compreende-se pois que, para pôr em prática estratégias socioculturais a comunidade deva estar consciente tanto do potencial terapêutico das plantas nativas existentes no povoado, como do valor da preservação da cultura popular e ainda da importância conferida ao manejo sustentado a fim de garantir a manutenção da floresta. Os três aspectos mencionados devem 105 configurar-se em fatores essenciais à continuidade do aproveitamento dos recursos ambientais da região. Contudo, para que uma mudança de concepção possa ocorrer de fato é necessário que as informações sejam disseminadas, tendo como principal meio difusor o sistema educacional, que deve objetivar a formação ampla do indivíduo, dentro de um ambiente cultural que o estimule a ser o autor de seu desenvolvimento. Nesse sentido, o espaço do povoado dispensado à educação formal (escola), da mesma forma que aqueles onde se realiza a educação não formal, como é o caso da igreja e associação de moradores, deve exercer papel fundamental na formação ambiental da comunidade. É certo que para se desenvolver um programa de formação ambiental faz-se necessário, além de pessoas competentes na área, o estabelecimento de políticas capazes de assegurar sua continuidade. Dessa maneira, cabe o envolvimento da administração pública municipal e de órgãos como IBAMA e universidade, objetivando, posteriormente, incluir a Educação Ambiental na escola, inserida no planejamento de todos os professores, se possível, como sugerido por Cascino (2000); Guimarães (2000); Medina (2000), de maneira interdisciplinar, conforme exige a temática. A Educação Ambiental pode ser um caminho viável tanto para a adoção de estratégias que visem valorizar a cultura local, através da legitimação, em detrimento da cristalização dos saberes, como por meio da conscientização e orientação à comunidade para uma melhor utilização dos seus recursos naturais. Obviamente, deve-se pensar num projeto de intervenção educativa cuja metodologia adotada conte com a participação e colaboração de todos os atores sociais envolvidos na problemática, de modo que conhecendo as tradições, se possa interferir positivamente na construção do futuro. 106 Também o manejo sustentado, que exerce grande importância nesse processo, poderia ser orientado em um programa de Educação Ambiental. Dourojeanni (2001) menciona que para fazer um plano de manejo não é imprescindível que se tenha conhecimento aprofundado sobre flora, geologia e geomorfologia entre outros. Na sua concepção para a realização de um plano eficaz e de baixo custo é condição essencial conhecer profundamente a área e aproveitar os conhecimentos da população local. Dessa forma, órgãos como Escola Agrotécnica, EMATER e EMBRAPA poderiam estar envolvidos nessas ações. No que concerne às alternativas de sócio-desenvolvimento, a comunidade poderia utilizar os recursos biológicos da região com fins à auto-sustentação através de iniciativas como a criação da farmácia viva e de cooperativas para extração e comercialização de plantas de ação medicinal comprovada. Para a efetivação dessa idéia, uma das primeiras (senão a primeira) metas a serem atingidas seria a identificação do potencial de recursos que podem servir como base para o desenvolvimento local. E nesse caso, torna-se necessária a avaliação do conjunto de informações disponíveis sobre a base de recursos naturais, para que seu uso sustentável melhor se adapte aos novos parâmetros de desenvolvimento, como recomenda Sachs (1997). Compreende-se que somente por meio da identificação do potencial e do respeito às características locais se torna possível elaborar iniciativas capazes de traduzir os princípios gerais de gestão em modelos endógenos de desenvolvimento. A utilização das características ecológicas e sociais assume, portanto, papel central na configuração das linhas gerais dos modelos de desenvolvimento a serem implantados. Visando a conciliação entre ciência e preservação da sóciobiodiversidade, as sugestões apresentadas configuram-se na verdade em alternativas para apoiar a população local na “exploração” dos seus recursos, de forma sustentada, estando a pesquisa científica, nesse 107 caso, a serviço da preservação da diversidade biológica e da cultural local. Os conhecimentos mantidos por comunidades tradicionais, inseridos no contexto social e ecológico, a despeito do uso das plantas para fins terapêuticos, podem, dessa forma, ser empregados em prol da própria sociedade, pois compreende-se que um dos grandes desafios da contemporaneidade é fazer do saber construído pelo homem, um instrumento para o homem. De acordo com a CDB, a gestão dos recursos naturais deve configurar-se como um dos componentes essenciais do processo de regulação das inter-relações entre os sistemas socioculturais e o meio ambiente biofísico, a partir dos quais devem surgir modelos alternativos de desenvolvimento que se caracterize pelo princípio da autenticidade. Parte-se desse contexto para concluir que é inviável propor estratégias de conservação da biodiversidade do semi-árido, se igualmente não for preconizada a proteção da sociedade que a rodeia, vive e sobrevive dela. Convém ainda não perder de vista que além da própria fragilidade inerente ao ecossistema do semi-árido, que por suas características já impõe a necessidade do seu uso equilibrado, a caatinga já começa a apresentar sinais de depauperamento no povoado Umbuzeiro do Matuto, vindo a reforçar a idéia da necessidade de se conter seu uso desordenado. Outro aspecto que também merece destaque é o fato que algumas das espécies desse ecossistema, das quais a comunidade faz uso para fins medicinais, como é o caso da aroeira-do-sertão (Astronium urundeuva Engl.), da quixabeira (Brumelia obtusifolia), da imburana-de-cheiro (Torresea acreana) e da brauna (Schinopsis brasiliensis), encontram-se incluídas na lista de espécies ameaçadas de extinção de acordo com a Portaria IBAMA Nº 37N, de 3 de abril de 1992, suscitando seu uso racional e equilibrado. Dessa forma, chega-se à conclusão que embora constatando a ação no SNC, de três, das quatro espécies testadas, de uso na comunidade, esta pesquisa deve servir como base para 108 o desenvolvimento de estudos mais detalhados a respeito da ação das plantas avaliadas, de forma compartilhada entre profissionais como bioquímicos, farmacólogos, psicologistas e biofísicos para que os dados obtidos neste estudo possam ser complementados com outras informações existentes no país. E, nesse sentido, cabe à Universidade se abrir a novas possibilidades, que incluam o diálogo de saberes, intensificando as pesquisas nessa área e aproximando as profissões e os setores que podem efetivamente contribuir para que sejam implementadas ações no sentido de conservar os recursos culturais e economicamente significativos, considerando sua contribuição à saúde humana e ao desenvolvimento rural, através de medidas efetivas de manejo, bem como do desenvolvimento do comércio e do controle dos recursos utilizados. É necessário ainda se refletir sobre o papel que as pesquisas científicas devem representar para a sociedade das quais se utilizam para a obtenção de informações no sentido mesmo de dar-lhes o retorno, “feedback”, para que as sugestões inferidas nos estudos possam, caso seja do interesse de seus atores, se conformar na prática. 109 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADEMA: Administração estadual do meio ambiente. 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Maceió: PRODEMA/UFAL, 1999. 117 APÊNDICE 1 VARIEDADES DE PLANTAS MEDICINAIS UTILIZADAS EM UMBUZEIRO DO MATUTO Nome vulgar Fonte de obtenção Indicação Parte da planta Preparo cultivo rins folha chá frio Alecrim de vaqueiro nativa calmante, dor de cabeça, febre gripe, pressão, insônia, tosse folha, raíz defumador chá Alecrim de caco cultivo dor de cabeça folha chá Alfavaca cultivo Gripe folha Chá Agulha de mocó adquirida dor de cabeça folha cozida (banho) Anador cultivo analgésico folha Angico nativa gripe, tosse folha nativa derrame raiz Abacate Araticum chá chá chá Aroeira nativa Babosa adquirida dor de cabeça, dor folha Um pano envolto na cabeça de ouvido, abortiva, diabete, chá da folha, chá frio da calmante, gastrite, folha, entrecasca casca (molho), banho de gripe, inflamação assento, defumador de mulher batida com leite gastrite folha adquirida antiinflamatório folha batida com leite nativa dor de cabeça, tontura semente chá nativa DST raiz chá nativa abortiva nativa calmante, fígado, inflamação, purgação, rins folha chá adquirida fígado folha chá nativa coluna semente chá nativa gripe, revigorante entre casca banho de asseio Arruda Barbatimão Batata de purga branca Batata de teiú Boa noite Bom nome Boldo Braúna Cajueiro cultivo 118 da musculatura vaginal cultivo febre folha chá nativa dor de barriga, diarréia, impotência folha chá infusão nativa memória cansada raiz imersão em cachaça nativa derrame (endurecer os nervos) entrecasca mel nativa hemorrída miolo molho na água Erva cidreira cultivo calmante, pressão alta folha chá Espinheira santa nativa gastrite raiz chá cultivo abortiva raíz chá adquirida expectorante folha chá nativa pancada entrecasca macerado das raspas nativa câncer, tontura semente caldo Capim santo Catingueira rasteira Catuaba Cedro Croá Espirradeira Eucalipto Favela Feijão andu Gergelin cultivo Hortelã cultivo Imburana de cambão nativa Imburana de cheiro nativa Jatobá nativa Jericó nativa Juazeiro nativa Jureminha de caboclo nativa Jureminha do mato Jurema preta Jurubeba coceira,menstruaç semente ão atrasada, sangue novo gripe, dor de folha barriga febre folha calmante, derrame, dor de folha barriga, febre, semente gastrite, pressão, tontura nervo, inflamação folha, casca de mulher dentição, diabete adstringente, dental, gripe, gastrite derrame, dor, febre, inflamação de mulher chá chá chá chá (folha) chá (semente torrada) chá folha chá folha chá macerado chá defumador nativa epilepsia folha seca defumador nativa olhado folha seca defumador nativa asma, gripe folha chá 119 cultivo calmante,pressão alta folha chá nativa sangue cabeça torrada cultivo coluna, inflamação uterina, próstata folha chá frio banho adquirida dor de cabeça semente cozida-óleo Mandissoba adquirida cólica, dor, informação folha chá Maracujá de estalo nativa calmante, hérnia flor roxa chá Mastruz nativa gripe, verminose, gastrite, olhos folha sumo retirado num pano Melão de São Caetano nativa abortivo semente chá (semente pisada) nativa diabete folha, raiz imersão em água nativa calmante folha chá Mulungu nativa calmante entrecasca Pau d’arco roxo nativa gastrite folha nativa pancada, sangue folha, raiz chá nativa abortivo folha, flor chá cultivo calmante, pressão alta folha chá nativa picada de cobra folha banho cultivo dor de cabeça, inflamação nativa rins folha, flor chá nativa abortivo, gripe caule (graveto) imersão na água nativa pancada, rim entrecasca, folha molho, chá nativa gastrite folha chá adquirida câncer, cansaço folha chá nativa diurético, hérnia miolo molho Laranjeira Macambira Malva branca Mamoneira Mororó Mucunã Pau ferro Pega pinto Pinha Pinhão bravo Pinhão roxo Quebra pedra Quina quina Quixabeira Sambacaitá Trombeta Urtiga Velande branco Velande de vaqueiro nativa nativa dor de dente, inflamação dor de barriga, cólica chá defumador + couro de jacaré chá frio imersão em água reza, banho lavagem local folhas, raiz folhas, raiz chá, infusão chá, infusão 120 ANEXO 1 INSTRUMENTAL 1 ROTEIRO PARA ENTREVISTA NA COMUNIDADE A) DADOS DO INFORMANTE Nome (opcional): Idade: Sexo: Naturalidade: Escolaridade: Ocupação: Competência cultural/função na comunidade: B) ASPECTOS SÓCIO CULTURAIS Saber se é nativo da caatinga ou veio de outro lugar. Investigar as mudanças que ocorreram na caatinga em comparação com antigamente (20, 30 anos atrás). Indagar sobre o tipo de vida que leva, se já foi melhor do que é hoje. Verificar o conhecimento sobre a caatinga. Saber se reconhece as plantas na caatinga. Como aprendeu? Verificar se passa esses ensinamentos para alguém. Quem? Como ensina? Verificar se já foi curado usando alguma planta da caatinga. Investigar quem recomenda o uso das plantas. Saber se faz o remédio de planta que utiliza ou se procura o benzedor. Se só usa plantas quando está doente. Se acha que remédio de planta funciona Saber se mistura plantas diferentes no preparo dos remédios.. Questionar se uso da planta errada pode causar problemas de saúde. Saber a qual religião pertence e se já usou alguma planta na religião. Investigar se tem médico na comunidade e com que regularidade procura esse serviço. Perguntar se ganha remédio do posto de saúde. Qual a renda aproximada da família. Se os familiares usam plantas para tratar da saúde ou preferem remédios de farmácia. Se já usou remédio de farmácia junto com remédio de planta, e se fez algum mal. Se já viu gente de fora procurando plantas para remédio na caatinga, quais os matos mais procurados e em que quantidade levam. Saber que vantagens vê no uso de plantas medicinais. Investigar se já fez remédio para vender e ajudar na renda familiar. Levantar as plantas que mais utiliza, e para que servem. ---------------------------------------------------- ----------------------------------------------------------------------------------------------- ----------------------------------------------------------------------------------------------- ----------------------------------------------------------------------------------------------- ----------------------------------------------------------------------------------------------- ----------------------------------------------------------------------------------------------- ----------------------------------------------------------------------------------------------- ----------------------------------------------------------------------------------------------- ----------------------------------------------------------------------------------------------- ----------------------------------------------------------------------------------------------- ----------------------------------------------------------------------------------------------- ----------------------------------------------------------------------------------------------- -------------------------------------------- 121 C) PLANTAS COM AÇÃO NO SISTEMA NERVOSO Plantas para tratar problema de nervo (acalmar, parar tremores, diminuir a tristeza, curar dor de cabeça). NOME POPULAR FINALIDADE PARTE UTILIZADA QUANTIDA DE FORMA DE PREPARO DOSAGEM E INTERVALO DE TEMPO Verificar: Como sabe se a planta utilizada resolveu o problema. Se já ouviu falar de alguém que tenha tido problema por usar a planta errada. Se uso de alguma dessas plantas tem contra indicação. Se sabe dizer se o uso de alguma dessas plantas causa reação no doente. Se já usou duas os mais plantas, indicadas para doenças diferentes, ao mesmo tempo, e se fez algum mal. D) INFORMAÇÕES BOTÂNICAS E ECOLÓGICAS Levantar: Se as plantas utilizadas são fáceis de encontrar pelas redondezas. Se existe algumas plantas que são mais difíceis de encontrar do que outras. Se atualmente está mais difícil encontrar na caatinga plantas para fazer remédio. Por quê? Se utiliza para remédio somente planta da caatinga ou também cultiva outras ervas no quintal. Como são as plantas retiradas da caatinga para remédio. ( ) nativas ( ) introduzidas ( )cultivada ( )espontânea Pesquisar: Se sabe como e porque algumas plantas são cultivadas e quem as cultiva. Se tem livre acesso ao ambiente onde se encontram as plantas. Como reconhece as plantas utilizadas como medicinais no meio de outras. ( ) tipo de folha ( ) altura ( ) ramificação ( ) odor ( ) cor ( ) presença de latex ( ) época de floração ( ) tipo de flor ( ) fruto ( ) local de ocorrência E) INFORMAÇÕES SOBRE COLETA Levantar: Se existe uma forma adequada pra se coletar uma planta. Qual a parte da planta que deve ser coletada. Existe uma quantidade certa para coletar. Existe alguma época preferida para a coleta de plantas medicinais. Existe um estágio de desenvolvimento preferido para coleta da planta. Qual a melhor hora para a coleta das plantas medicinais. Como as plantas coletadas são armazenadas. 122 ANEXO 2 INSTRUMENTAL 2 EXEMPLO DE QUESTIONAMENTOS FEITOS NAS ENTREVISTAS DADOS DO INFORMANTE Nome: Idade: Sexo: Naturalidade: Escolaridade: Ocupação: Competência cultural/função na comunidade: Aspecto sócio-cultural O(a) senhor(a) mora aqui há quanto tempo? O(a) senhor(a) conhece a caatinga? Como o(a) senhor(a) aprendeu sobre plantas? O(a) senhor(a) usa planta quando está doente? O(a) senhor(a) acha que remédio de planta serve? O que acontece se uma pessoa usar a planta errada? O que seus familiares usam para tratar da saúde? O(a) senhor(a) já ensinou a alguém a usar planta? Quem faz o remédio de planta? 123 ANEXO 3 TRIAGEM FARMACOLÓGICA COMPORTAMENTAL Nome da planta: Veículo: Data: / Grupo:___________________________ / Dose: Parte usada: Via de administração: Instantes de observação Atividade farmacológica 0,5h 1h 2h 3h 4h 1- SNC a) Estimulante Hiperatividade Irritabilidade Agressividade Tremores Convulsões Piloereção Mov. Int. vibrissas b) Depressora Hipnose Ptose palpebral Sedação Anestesia Ataxia Refle. Endireita. Catatonia Analgesia Res. Toque Dimi. Refl. Corne. Dimi. Refl. Auri. Dimi. c) Outros Ambulação Bocejo excessivo Auto limpeza Levantar Escalar Vocalizar Sacudir a cabeça Contorção abdominal Abdução posterior Pedalar Estereotipia 2- SNA Tippo de feses Respiração forçada Lacrimejamento Micção Salivação Cianose Tono muscular Força para agarrar Quantificação dos efeitos: (0): sem efeito; (-): efeito diminuído; (+): efeito presente; (++): efeito intenso. 124