A propaganda na era JK. Um estudo exploratório da publicidade em jornal da região de Campinas1. Flailda Brito GARBOGGINI2 e Felipe Ribeiro Brochado de ALMEIDA3 RESUMO Trata de pesquisa exploratória qualitativa, tendo como objetivo principal conhecer a publicidade do período JK. Foram observados e analisados alguns anúncios de jornal, veiculados no período de governo Juscelino Kubitschek (1956-1961). No arquivo do principal jornal campineiro Correio Popular, foram investigados e selecionados anúncios, procurando-se verificar como se referiam a fatos político-econômicos do período, em decorrência da abertura ao capital internacional. Verificou-se como a publicidade relacionava-se ao crescimento da indústria automobilística no Brasil. Foram analisados, sob a luz da semiótica, elementos que compõem os anúncios selecionados, procurando-se identificar a forma, estilo da redação das peças publicitárias. A observação analítica deste material, sob uma perspectiva teórica, possibilitou realizar reflexões e tecer considerações sobre os progressos da sociedade regional refletidos nos meios de comunicação. Palavras-chave: Propaganda, história, mídia jornal, semiótica. Apresentação Este projeto teve como objetivo principal conhecer, levantar e classificar anúncios de jornal, veiculados na década de 50, sobretudo no período de governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), através de uma pesquisa exploratória qualitativa. No arquivo do jornal campineiro Correio Popular, foram investigados e selecionados anúncios que fazem referência a fatos políticos e econômicos do período estudado, como o ingresso de diversas empresas norte-americanas no país – oriundo da abertura ao capital internacional – bem como peças que fazem alusão ao crescimento da indústria automobilística no Brasil. Foram analisados, sob a luz da semiótica, elementos que compõe os anúncios selecionados pelo pesquisador e sua orientadora, assim, percebendo reflexos da sociedade e da polícia brasileira da época, além de identificar a forma, estilo e a redação das peças publicitárias. O discurso publicitário pode representar um registro da sociedade de uma determinada época e lugar, documentando a vida social, política e econômica. Como estudantes, sabemos que através da publicidade, podemos identificar tipos de referência e valores, positivos e negativos, marcantes da história da sociedade. Estudar a mídia, mais especificamente o material publicitário da década de 50 colabora com uma maior compreensão do período em que Juscelino Kubitschek foi presidente do Brasil, bem como investiga de que forma os aspectos sociais e políticos do país, estavam representados nas propagandas em Campinas. A observação analítica deste material, sob uma perspectiva teórica, nos possibilitou realizar reflexões e tecer considerações sobre os progressos da sociedade refletidos nos meios de comunicação. 1 2 Trabalho apresentado no Congresso de História da Mídia – 2008 – UFF – Niterói no Grupo de PP Professora da Faculdade de Publicidade e Propaganda e Coordenadora do Centro de Memória da Publicidade da PUC-Campinas. 3 Pesquisador, com bolsa FAPIC, (Bolsa de Iniciação Científica da PUC-Campinas) aluno do curso de Publicidade e Propaganda da PUC-Campinas. Como justificativa secundária deste trabalho consideramos que o resgate e a análise do material colhido contribuíram para o arquivo do Centro de Memória da Publicidade, da PUCCampinas, de nossa responsabilidade. Com efeito, nesta pesquisa procuramos levantar e classificar anúncios veiculados em jornal, a partir da metade da década de 50, buscando verificar a forma como a situação política da época era inserida na publicidade. Esperamos com isso contribuir na recuperação de material para a preservação da memória da publicidade, podendo assim ser disponibilizado para futuros projetos de pesquisa e estudos aplicados a área da história da propaganda no Brasil. Procurou-se então: 1) Compreender a situação política e econômica no Brasil durante o governo de Juscelino Kubitschek, procurando estabelecer uma relação com a publicidade; 2) Delinear os estilos e técnicas da criação e produção de anúncios de mídia de jornal durante o período estudado; 3) Realizar um estudo analítico das peças publicitárias encontradas. O estudo analítico do material foi realizado, tendo como linha teórica e metodológica a semiótica, de acordo com proposta de Charles Sanders Peirce, de três anúncios pertencentes à segunda metade da década de 50, anos em que Juscelino foi presidente da república. Seguindo também a linha da História Nova, consideramos como Mark Ferro, Fernand Braudel entre outros, que devemos partir de documentos e registros, como textos e imagens, para realizar análises e desenhar parte da história de uma sociedade. Efetivamente, um anúncio publicitário é uma representação simbólica que pode ser retomada para análise pela relevância de seu sentido, refletindo tendências da sociedade ou de grupos sociais de uma época. “O método da pesquisa, partindo da análise de documentos pode ser combinado com outros materiais para a realização de uma análise mais completa de determinado assunto. (...) a maioria dos documentos humanos são reflexos do processo de produção" (ALTHEIDE, 1993). A análise do material publicitário coletado, realizada sob a luz da semiótica peirceana. “Na face da referência, a análise semiótica nos permite compreender aquilo que as mensagens indicam, aquilo a que se referem ou se aplicam. Também nesta face encontramos três aspectos: o primeiro aspecto deriva do poder meramente sugestivo tanto sensorial como metafórico das mensagens. O segundo aspecto deriva do poder denotativo das mensagens, sua capacidade para indicar algo que está fora delas. O terceiro aspecto deriva da capacidade das mensagens para representar idéias abstratas e convencionais, culturalmente compartilhadas” (SANTAELLA, 2002, 60). De acordo com Peirce, existe uma reação entre signo (“aquilo que representa algo para alguém”), objeto (“aquilo que representa”) e interpretante (“efeitos que gera”). “Para os semioticistas, a publicidade é um terreno instigante onde podemos reconhecer as categorias de uma descrição da significação. (...) Em muitos países, a semiótica tornou-se, após os anos sessenta, um dos métodos principais de estudos qualitativos da criação publicitária. Existe nela um discurso complexo, composto por diversos tipos de signos em sobreposição, passíveis de análises em vários níveis de profundidade”.(GARBOGGINI, 2005, 03). 2 Os anúncios foram analisados em três níveis de interpretação: Análise da forma; Análise do significado, Interpretação do conjunto. 1. Análise da forma: O anúncio é composto por imagens e textos, além de outros elementos. Neste nível, foram analisados os aspectos visuais do anúncio, sem contextualizá-lo. Tudo que foi observado na peça é observado neste tópico. 2. Análise do conteúdo: Uma vez criado um “mapa físico” do material, neste nível foram interpretados os textos e as imagens, observando a mensagem que o anunciante pretendeu transmitir. Procura-se analisar os aspectos textuais, levando em consideração a linguagem e os recursos lingüísticos que a propaganda comunica. 3. Interpretação do conjunto: Por fim, foram cruzadas as análises anteriores para realizar uma interpretação do anúncio com base no contexto históricopolítico-social no qual o anúncio estava inserido. Foi, então, realizada uma análise geral da peça sem se ater aos fragmentos do discurso, mas sim ao argumento e mensagem global transmitidos. Avaliamos que a escolha da teoria de Peirce foi adequada, porque o estabelecimento dos sentidos coletivos – os que podem ser visualizados no material estudado - é construído através da publicidade para a venda de idéias e produtos. O comunicador, no caso o publicitário, seleciona e instala no anúncio os signos da comunicação, e estes são disseminados e sustentados pela publicidade. “A construção dos sentidos coletivos só é possível, hoje, por meio da publicidade. O homem constrói os signos da comunicação empresarial, mas eles só são disseminados e sustentados pela publicidade, especialmente quando nos referimos à produção sígnica de massa” (PEREZ, 2004, 142). Para a seleção de material de análise, foram procurados anúncios que apresentaram em seu conteúdo alguma relação com as questões discutidas sobre as políticas desenvolvimentistas do governo JK, como por exemplo, a abertura comercial e a instalação de indústrias, principalmente, a automobilística e de produtos eletrônicos, com a vinda de empresas estrangeiras para o nosso país. Uma pesquisa de caráter exploratório foi realizada inicialmente, tendo como finalidade recuperar material para o Centro de Memória da propaganda da PUC-Campinas e, sobretudo, localizar, classificar e analisar os sentidos do material publicitário em seu contexto histórico. O corpus de estudo deste plano ficou, então, constituído por anúncios de jornal, veiculados entre 1956 a 1961 na região de Campinas, no período do governo JK, principalmente, a segunda metade da década de 50. Os diretores do jornal e os responsáveis pelo arquivo do “Correio Popular”, jornal pertencente à Rede Anhangüera de Comunicação e local de coleta do material de pesquisa, demonstraram muita disposição para auxiliar na busca dos anúncios do período procurado. Por estarem localizados em exemplares com mais de 10 anos, os pesquisadores não possuem acesso ao material impresso, mas sim ao microfilme das páginas individuais. Na época, notamos que a publicidade inserida no jornal encontrava-se concentrada na primeira e ultima páginas das edições, e algumas ficavam dispersas entre as notícias. Todas as 3 edições contavam também com a seção dos “classificados”, que ao mesmo tempo são categorizados como propaganda. O Jornal Correio Popular e seus primeiros anunciantes O Correio Popular foi fundado em 4 de Setembro de 1927 pelo então vereador campineiro Álvaro Ribeiro. No início da década de 50, quando já completava seus vinte e poucos anos de circulação, o jornal ainda possuía uma tiragem pequena e pouca circulação na cidade. Nos primeiros três anos dessa década, o jornal manteve o mesmo formato - eram sete páginas, só ultrapassando este limite em datas especiais como o aniversário da cidade e a posse do prefeito. O jornal era composto além da capa, pelos classificados e as sessões Coluna do povo, sociedade e esporte. Poucos anúncios eram veiculados. Além dos “classificados”, os que existiam eram quase sempre inseridos na capa do jornal. Na edição de 01/01/1950, apenas duas peças publicitárias foram encontradas: uma da “Companhia Imobiliária Campineira” e a outra do “Presépio mecanizado” que fora instalado no Largo do Rosário. Nos anos seguintes, o jornal cresceu, editorial e comercialmente. Em 1956, já era impresso com cerca de 12 páginas, no ano seguinte, algumas edições chegaram a ter até 27 páginas. Em 1958, o Correio passou a ter 31 páginas e divisões por cadernos. Os anunciantes mais freqüentes eram: Casa Nilo (General Electric), Kibon, Casa General (General Foods), A Soberana, Monark, Elgin, Regulador Xavier, Eternit, A Especialista, Philco, Gulliver, Reizinho Autopeças, Varig, entre outras. Apresentamos um exemplo recuperado deste período a seguir: Data: 05/01/1956 Nota-se que boa parte dos anunciantes eram as lojas revendedoras e distribuidoras dos produtos na região e não o fabricante propriamente dito. Na década de 50, as agências de publicidade em Campinas eram embrionárias ainda, sendo que os anúncios na década de 50 eram criados e produzidos no próprio jornal ou por alguns profissionais de gráficas. Alguns eram realizados fora do país ou em agências de São Paulo. Um pouco de História do Brasil 4 Para compreender o contexto, foi fundamental retomar leituras sobre história e discutir para compreender o cenário ao qual o estudo ficou inserido. Buscamos verificar de que forma os aspectos sociais entravam na discussão da publicidade. Sabe-se que no início da década de 50, o Brasil era ainda um país prioritariamente agrário e subdesenvolvido. Recém criadas, as associações de profissionais da área de propaganda ABA (Associação Brasileira de Propaganda) e a ABAP (Associação Brasileira de Agências de Publicidade), traziam otimismo para o mercado publicitário do país. Essa década foi um período de transição entre guerras mundiais da primeira metade do século XX e o período das revoluções comportamentais e tecnológicas da segunda metade. Sob o governo de Juscelino, o Brasil, cada vez mais, deixou de ser um país apenas rural para alavancar seu desenvolvimento industrial, atraindo assim, investimentos internacionais. A população passa, então, a poder optar cada vez com mais ofertas de bens e multiplica-se a quantidade de produtos e marcas nas lojas e mercados. Aumentando a concorrência, surge a necessidade de diferenciação de marca e, a partir daí, começam a ser desenvolvidas e aperfeiçoadas a atividades de comunicação de massa. Assim, também, a atividade publicitária no país passa a ser tratada com maior profissionalismo. Breve histórico do governo JK Antes mesmo do seu início, o governo de Juscelino Kubitschek enfrentou adversidades políticas que permearam o período de sua indicação como candidato. A aliança PSD-PTB, partido de JK, foi hostilizada pelos partidos da oposição como a União Democrática Nacional (UDN). A única forma encontrada para driblar a oposição, era o apoio da opinião pública que, sobretudo, foi a maneira de garantir a manutenção de Kubitschek no cargo. Era preciso ser arrojado e o novo Presidente ousou ao anunciar seu programa de governo – 50 anos de progresso em 5 anos de realizações, com pleno respeito às instituições democráticas. Com a posse do presidente em 1956, o plano desenvolvimentista foi consolidado num conjunto de 31 objetivos a serem alcançados em diversos setores da economia, sendo que a 31ª meta era a construção de Brasília e a transferência da capital federal. O governo previa a modernização e industrialização do país. “(...) Seu programa de industrialização, associado ao capital estrangeiro, previa um plano de metas: “50 anos em cinco”. Decidido a reduzir o desemprego, empenhou-se em um maciço programa de trabalho público que incluía a criação da nova capital, Brasília. Veio a prosperidade econômica, ao custo, porém, de uma alta inflação; a dívida nacional do Brasil subiu para US$ 4 bilhões.” (FOLHA, 1996). O slogan de campanha e de administração de governo do presidente era “50 anos em 5”, propondo um grande desenvolvimento do país em um curto período de tempo. Até então marcado pelo progressivo déficit orçamentário e da balança comercial e pela crescente desvalorização internacional do preço do café, o governo JK teve inicialmente que definir os instrumentos de política econômica dos quais viria a lançar mão. A abertura ao capital estrangeiro de investimento no Brasil produz um rápido crescimento industrial – tido como o maior de toda a história do país, chegando à marca de 80%. A demanda por divulgação dos 5 produtos/serviços e ampliação dos mercados consumidores faz com que as empresas e indústrias instaladas aqui utilizem as técnicas de publicidade e de marketing para suprir seus objetivos. O ensino do ofício da publicidade e do marketing se inicia no país com a Escola de Propaganda de São Paulo, que deu origem à ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing). Houve crescimento do número de agências de propaganda em São Paulo – capital, enquanto em Campinas as agências ainda não existiam, os anúncios eram produzidos pelas gráficas ou pelo próprio veículo, ou vinham prontos da agência de São Paulo, no caso das empresas maiores ou mesmo do exterior, sendo traduzidos os anúncios em São Paulo, no caso da Chevrolet ou da Coca Cola cuja agência já era a McCann-Erickson. O investimento publicitário das companhias estrangeiras cresceu com a chegada ao Brasil das agências de publicidade norte-americanas N. W. Ayer & Son, J. W. Thompson e McCann-Erickson, entre os anos de 1929 e 1931 (RAMOS; MARCONDES, 1995, 33). Na década de 50, surge a televisão de forma restrita com transmissão em preto e branco. Aos poucos foi sendo considerada como mais uma possibilidade para a veiculação de comerciais. Inicialmente foram poucos os anunciantes que se arriscavam a investir num veículo novo que levou, pelo menos, uma década para se estabelecer de modo compensador (cf. Garboggini, in PINHO, 1995, 73-91). Grande parte da veiculação publicitária nos anos do governo de Juscelino Kubitschek ficou restrita aos meios: revista, jornal e rádio. A inauguração de Brasília em 1960, no último ano deste governo, foi que gerou um grande interesse pela compra de televisores, tornando o veículo a partir daí muito mais interessante para os anunciantes. Em Campinas não havia uma revista exclusiva da cidade, seus habitantes liam revistas nacionais da época como Seleções, O Cruzeiro e Manchete. Existiam então, jornais e rádios campineiros. Verificamos, inicialmente, a possibilidade de recuperar material dessas mídias. Constatamos não haver, ou pelo menos, não foi encontrado nenhum registro gravado de comerciais ou programas de rádio nesta cidade da época. Não era fácil a gravação particular e notamos que as rádios da cidade não tiveram o cuidado de preservar material produzido em outros tempos. O jornal, ao contrário, ao menos o Correio Popular, teve a preocupação de registrar e manter em microfilme volumes de outras épocas. Assim foi feita a opção de utilizar tal acervo. Daí a escolha por mensagens impressas veiculadas exclusivamente nesta cidade em seu principal jornal. Buscamos uma perspectiva da linguagem e das imagens componente das peças. Anúncio 1 Jornal: Correio Popular Data: 19/06/1957 Anunciante: Theodoro Oliva S.A., Com. e Imp. GM 6 Análise da forma Este anúncio é visualmente simples. Contém poucas imagens e textos indicativos. Não existe grafismo no plano de fundo, sendo, apenas, os da cor do suporte (papel de jornal) em que foi impresso. Na parte superior da peça, o título “nós conhecemos melhor seu Chevrolet!” é escrito em caixa alta e com borda de espessura mais grossa, chamando atenção do leitor diretamente para esta área. Logo abaixo, o anúncio é dividido entre o logotipo do serviço automotivo da Chevrolet, com a ilustração de um mecânico consertando um carro. Mudando o esquema tipográfico, o texto “Confie-nos sua manutenção” é escrito com fonte serifada, bem como o texto que segue abaixo “uma organização para bem servi-lo”, este em caixa alta. Outra imagem é inserida, esta para “marcar” como sendo este, um serviço da General Motors (GM), através do logotipo da empresa. Por fim, na parte inferior da peça, indica-se o nome do estabelecimento que presta este serviço na cidade de Campinas, assim como o endereço e outras formas de contato. Análise do conteúdo Relacionando a categoria de pensamento com o anúncio em questão, é possível identificar ícones, índices e símbolos dentro da categoria secundidade. O desenho do carro sendo consertado (índice) nos remete ao passado, o tipo de fonte e linguagem também. O logotipo da GM, um ícone, é responsável pela credibilidade que o publicitário buscou passar para o emissor, se favorecendo da marca consolidada e reconhecida da empresa. O argumento: a excelência do serviço, nesse caso, é passado através dos signos verbais, classificado como símbolo verbal pelo Pierce. São três os símbolos verbais responsáveis pelo argumento desse anuncio: “nós conhecemos melhor seu chevrolet”, “confie-nos sua manutenção”, “uma organização para bem servi-lo”. E é através destes argumentos, que a peça desvenda o apelo emocional que pretende transmitir, mais até do que o cognitivo que está mais relacionado à categoria deste serviço. Acerca do ponto de vista do receptor da mensagem, no primeiro momento o ele é tomado pelo estranhamento em relação a peça e sua intenção. No segundo ele individualiza cada elemento presente no anúncio (ícones, índices e símbolos) e os entende separadamente. No último momento ele é capaz de interpretar, fazer associações e entender a coesão interna da peça, unindo os elementos que na secundidade ele havia avaliado individualmente. Interpretação do conjunto Sabe-se que a abertura de mercado, incentivada durante o governo JK, motivou a instalação de indústrias estrangeiras no país, principalmente a automobilística. Com isso, houve uma massificação no consumo de carros e serviços automotivos, bem como, uma supervalorização do rótulo “produto (marca, serviço, empresa) importado” pela população. Este valor está agregado neste anúncio, quando visualizamos a repetição da marca Chevrolet e o destaque ao logotipo GM (General Motors). Isto dá status à peça publicitária, uma vez que este apelo era garantia de qualidade e satisfação durante a década de 50. Ainda que este fora um serviço praticado por mecânicos brasileiros, que instalados na região, prestavam a manutenção sob o rótulo da fabricante. 7 Anúncio 2 Jornal: Correio Popular Data: 09/06/1957 Anunciante: Casa Boris/ Philips Análise da forma Este é um anúncio com diversos elementos textuais e gráficos. Compondo uma página inteira do jornal, ele estabelece uma divisão visual: a primeira, na parte superior, que demonstra o produto e as informações relacionadas, a segunda, na área inferior, promove a loja anunciante. Começaremos analisar a primeira parcela da peça. No lado esquerdo, o texto referente a promoção do dia dos namorados, divulga o preço do produto: “Sugestão para 12 de junho. Para ele ou para ela. Um rádio de Cabeceira com apenas Cr.$ 199,00 mensais”. Nota-se que algumas palavras são grafadas em caixa alta, sobressaindo-se ao conjunto da sentença; são elas, sugestão, junho, ele e ela. A direita, no alto se encontra o logotipo do fabricante Philips (o mesmo que é usado até os dias de hoje), e logo abaixo a fotografia do produto. Segue uma descrição técnica do rádio, contendo o modelo, e as inovações que esta versão apresenta. Mais abaixo, o texto “... e lembre-se”, faz a ligação das duas partes que compõe o anúncio. Na segunda parte desta peça – a inferior – o publicitário divulga a loja em que o produto anunciado na área superior está sendo vendido. Para isso, ele utiliza uma gravura de um casal que posa abraçado, em frente a uma casa. O homem utiliza uma camisa social, com uma gravata. Ele apóia uma das mãos sobre o cinto, e a outra, posa espalmada, cruzando o braço da companheira. A mulher veste uma camisa comum, e percebe-se que utiliza uma saia. Ela se apóia nos ombros do companheiro, ao mesmo tempo em que “ajeita” a gravata dele. Ambos sorriem. Já a casa que figura ao fundo, parece ser uma boa construção de uma típica residência dos anos 50: Com uma entrada em forma de arco, janelas que abrem para fora, uma lareira e um confortável jardim. No alto desta área do anúncio, está inserido o seguinte título: “Casados... eternos namorados”. Em baixo o texto que completa a divulgação da loja. “Para presente ou conforto do seu lar... artigos da [seta para o nome da loja]”. É notável o constante uso de reticências; 8 recurso este ainda pouco explorado pelo estilo de redação publicitária, percebido nos anúncios do período. Por fim, no rodapé da propaganda, o nome do anunciante, Casa Boris, seguido pelo endereço e telefone da loja. Análise do conteúdo: Quanto ao texto deste anúncio, devemos analisá-lo em diferentes blocos: O título inicial apresenta a promoção ao leitor. O uso de algumas expressões em caixa alta define as palavras-chave para este anúncio. Direciona-o tanto para o homem quanto para a mulher, dispondo então atender os dois públicos. O preço vem com maior destaque neste bloco, pois se tratando de uma mecânica de promoção de vendas, merece maior atenção por parte do leitor. Nota-se então, a estratégia visual de aumentar o tamanho gráfico do preço, reduzindo a informação que este se trata de apenas uma parcela de um financiamento, assim, colocando a palavra “mensais”, em escala reduzida. O logotipo da Philips aparece evidente no alto da folha, logo acima da foto do produto, concentrando então, o primeiro olhar do leitor para esta área do anúncio. O texto informativo, por conter informações mais técnicas, não possui grande destaque na peça, servindo mesmo para respaldar a imagem do rádio com as suas características. No centro, a frase “... e lembrese”, chama o foto do leitor para a área de baixo da peça. Fazendo assim a ligação entre as duas áreas e dando continuidade a idéia central do dia dos namorados. Em destaque, sobre um box de cor escura, o ditado “Casados... eternos namorados” aparece escrito com uma tipografia que imita a caligrafia, agregando uma atmosfera romântica ao anúncio. Embaixo do texto de apresentação da loja, uma seta direciona para o nome da empresa. Com isso, percebemos que o publicitário desejou guiar o olhar do leitor através do anúncio. Diversos elementos provam isto: A divisão em hemisférios, na parte superior a separação entre os lados, o texto “... e lembre-se”, a seta que aponta a logomarca da Casa Boris, o rodapé com plano de fundo diferenciado. Já a gravura que ilustra o anúncio, mostra um casal feliz e satisfeito. Parecem que não possuem preocupação e que, como sugere o título ao lado, estão sempre enamorados. A figura da casa ao fundo, faz referência a uma vida estável, em família, com a residência própria, o que induz o consumo de um eletrodoméstico de lazer, como é o rádio anunciado. Interpretação do conjunto: Assim como previamente observado, a entrada das empresas estrangeiras no país foi auxiliada pela abertura de mercado realizada por meio das políticas desenvolvimentistas de JK, e o consumo dos produtos trazidos de fora, foi facilitado e ampliado. Custos reduzidos e uma maior cobertura em números de pontos-de-venda se reverteram em maior investimento em publicidade para anunciar os produtos que então, estavam sendo comercializados mais amplamente no país. 9 Anúncio 3 Jornal: Correio Popular Data: 12/06/1958 Anunciante: Ford Motors Análise da forma Dentre muitas edições do jornal Correio Popular pesquisadas, este anúncio destaca-se por ser um dos únicos a ocupar uma página inteira do jornal. Todos os outros se restringiam à “ilhas” dentro da folha, ou no máximo ocupando 1/3 dela. Iniciando a observação do formato da peça pela parte superior, nota-se um grande destaque no nome (e nesta época, o então logotipo) do fabricante, a Ford. Em tamanho real, as quatro letras bastão ocupam a área de 7,0 x 12,5 cm, ou seja, um espaço relativamente grande diante dos outros elementos. Ao lado esquerdo do logotipo, duas frases que comparam o modelo antigo produzido pela montadora, ao atual anunciado nesta peça: “Do modêlo T, 1907... ao possante F-600” (sic). Ilustrando a analogia, um ícone do modelo do automóvel antigo. Outro ponto a ser notado, é a grafia da palavra ‘modelo’, escrita ainda com acento circunflexo. O slogan da marca segue como uma assinatura ao logotipo: “[Ford] continua o Melhor Caminhão do Mundo!”. Escrito também em letra tipo bastão, ele se destaca, intermediando a logomarca e a ilustração do produto. No centro da peça, a foto do caminhão anunciado ocupa cerca de 30% do espaço. Explorando toda parte da frente e também a carroceria, o veículo mostra-se robusto, visto que a foto, sob um ângulo abaixo da linha horizontal que corta o produto em um plano frontal, causa a impressão de que o caminhão é maior. Logo abaixo, encontra-se um box com a mesma cor do fundo do anúncio, sobrepondo a parcela inferior da imagem do caminhão. Observamos que esse recurso gráfico era pouco utilizado nos anúncios do período. Inseriram, ainda, informações acerca do motor V-8 do automóvel. Sob o título “Nenhum outro caminhão apresenta tantas vantagens a preços tão reduzidos!”, blocos de textos e uma imagem são inseridos para informar das características desta componente. No espaço inferior do anúncio, o nome do produto aparece ao lado do “selo” brasileiro da Ford. Por fim, a logomarca dos serviços de peças e acessórios da montadora foi colocado no canto direito. Análise do conteúdo: A análise do significado de uma peça publicitária consiste em relacionar os elementos presentes com a categoria de pensamento da secundidade, proposta por Peirce. 10 Acerca do logotipo, o que se destaca é a dimensão em que foi inserido no anúncio. Por ser grande, reforça o tamanho e a importância da montadora para o mercado de automobilístico, não só no Brasil, mas também no mundo. Este sentido de grandeza fica enfatizado pelo slogan da marca, “(...) o Melhor Caminhão do Mundo!”. A comparação feita entre os dois modelos de veículos, visa representar o crescimento que a Ford vinha obtendo no país e a evolução dos seus produtos. Além disso, grande parte dos títulos deste anúncio foi confeccionada com uma tipologia reta, sem curvas, imprimindo modernidade ao produto e à marca. Analisando a imagem do produto no centro do anúncio, é perceptível o apelo emocional e visual que o criador pretende transmitir: um imponente caminhão, que se sobressai ente os concorrentes. Efeito causado pelo ângulo em que a foto retrata o veículo. Os blocos de texto apresentando o motor V-8, cumprem seu dever mostrando a eficiência do caminhão, como promessa de atendimento à principal expectativa do receptor em relação ao produto. Os títulos “Maior economia!”, “Maior eficiência!” e “Maior resistência!” são predicados que prometem outros benefícios de qualidade pretendidas pelo consumidor visado. Interpretação do conjunto: Em seu governo Juscelino Kubitchek voltou-se para uma chamada política desenvolvimentista, implantando o conhecido Plano de Metas. Dentre seis pilares de desenvolvimento, a área de transportes recebera um grande investimento público e privado durante a década de 50. As rodovias cresciam em larga escala – o que no futuro viria a reprimir o sistema ferroviário – e a necessidade de veículos que obtivessem melhor desempenho eram cada dia mais requisitados pelo sistema de transporte brasileiro. Neste momento então, a demanda por caminhões econômicos, eficientes, e resistentes era crescente. Fato este muito presente e visível no anúncio analisado, em que estas características são amplamente exploradas pelo texto. A expressão “usina de força” utilizada no título do box informativo, remte a todo este cenário em que a economia brasileira estava passando. Assim como nos transportes, a setor de energia estava recebendo grandes investimentos por parte do governo JK. Algumas considerações finais A partir das leituras, pesquisas e análises realizadas, constatamos que os anúncios veiculados no jornal Correio Popular, não faziam referência direta ao governo o que aparecia nas reportagens das revistas e jornais da época. Mesmo se considerarmos anúncios das revistas “Manchete” e “O Cruzeiro”, observados em paralelo (mas não analisados), o mesmo acontecia. Em geral o que se verificou é que cresceram os anunciantes das novas áreas industriais que surgiam na época como automóveis e eletro domésticos e, conseqüentemente, surgiram novas empresas prestadoras de serviços de manutenção assim como lojas revendedoras ou concessionárias de veículos e de produtos, então fabricados no país, assim como peças e autopeças. Esses passaram a ser anunciantes importantes que cresceram a partir de então graças aos incentivos desse governo. Essas novas empresas nacionais e multinacionais que vieram para o Brasil geraram um crescimento no setor de comunicação, passando a necessitar 11 de prestadores de serviços empresariais, entre eles as Agências de Publicidade e Propaganda, além de consultorias de Marketing e de Relações Públicas. Com o incremento do setor da Comunicação vimos surgir e crescer o número de cursos do setor como as Faculdades de Comunicação no Brasil. Quanto maior se tornou a produção desses bens, incentivados pelo governo JK, além do crescimento da malha rodoviária, novas oportunidades apareceram em termos de consumo de bens industrializados e mais as empresas cresceram gerando mercado de trabalho e necessidade de realizar uma comunicação eficiente com seu mercado. Através desse estudo exploratório entendemos melhor o processo, confirmando a crença de que a recuperação, classificação e análise de materiais produzidos por profissionais, ou pelo ser humano de uma maneira geral, em uma determinada época, devem ser realizadas, pois ajudam a contar às novas gerações os passos percorridos por seus antecedentes. Para os profissionais pode servir para gerar maior compreensão do passado o que ajuda no entendimento das transformações da sociedade e dos aspectos profissionais de todos os setores. Em nosso caso, o das atividades ligadas às Comunicações e por considerar o discurso publicitário, como reflexo da sociedade de determinado período, acabamos por defender e aprender com os teóricos que propõem que a preservação dos anúncios antigos deve ser estimulada para a preservação da história da profissão e, a partir dela, para colaborar, ajudando a estudar e compreender outros contextos e épocas das empresas e da humanidade. Por fim, acreditamos que esta pesquisa e estudo contribuíram, ainda que de forma restrita e localizada, com o acervo do Centro de Memória da Publicidade, projeto de extensão da PUC Campinas, abrindo um caminho de pesquisa, para que no futuro, outros alunos, professores e pesquisadores continuem, a partir do acesso ao material publicitário obtido, a aprofundar seus estudos sobre a história da publicidade desde o âmbito regional até o âmbito mundial, de acordo com seus interesses ou necessidades. 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