Rev. bras. fisioter. Vol. 5 No. 2 (2001), 65-71 ©Associação Brasileira de Fisioterapia INVESTIGAÇÃO DA VARIABILIDADE DA FREQÜÊNCIA CARDÍACA DE MULHERES NOS PERÍODOS MANHÃ E NOITE 2 3 2 Silva, C. S. da,l-2 Marques, L. S} Moraes, F. R} Catai, A. M., Oliveira, L. e Silva, E. Departamento de Bioengenharia, USP, São Carlos, SP 1 2 Laboratório de Fisioterapia Cardiovascular, Departamento de Fisioterapia, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, 3 Departamento de Física, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP Correspondênci a para: Cristiano Sales da Silva, Laboratório de Fisioterapia Cardiovascular, Departamento de Fisioterapia, Universidade Federal de São Carlos, Rodovia Washington Luiz, km 235, C.P. 676, CEP 13565-905, São Carlos, SP, e-mail: cristianossilva@ zipmail.com.br Recebido: 21/02/01- Aceito: 19/04/01 RESUMO A proposta desta investigação foi comparar a variabilidade da freqüência cardíaca (VFC) de mulheres de manhã e à noite. Foram estudadas sete mulheres saudáveis, com idade média de 23 (± 2,03) anos. As voluntárias foram avaliadas em repouso nas posições supina e sentada e durante o teste de esforço físico dinâmico do tipo degraus descontínuos, submáximo, nas potências de 20, 30, 40 e 50 Watts (W) em cicloergômetro eletromagnético na posição sentada. A freqüência cardíaca foi coletada a partir do eletrocardiogram a em tempo real pela manhã (8 h) e pela noite (20 h). A VFC foi analisada pelo índice de RMSSD dos intervalos R-R (iR-R) em milissegundos (ms). Em relação aos períodos do dia, foi observado que a VFC no período da manhã, em comparação ao período da noite, nas condições de repouso supino, sentado e durante o exercício físico na potência de 40 W apresentou diferença estatisticamente significativa (p < 0,05). Os resultados mostram, ainda, que da transição do repouso para o exercício físico nos dois períodos ocorre uma diminuição crescente da VFC com o aumento dos níveis de potência. Esses resultados sugerem maior modulação vagai no período da manhã, tanto no repouso quanto no exercício físico. Palavras-chave: variabilidade da freqüência cardíaca, repouso, exercício físico dinâmico, manhã e noite. ABSTRACT The purpose of this investigation was to compare the heart rate variability (HRV) of women in the morning and evening. Seven healthy women aged on average 23 (± 2.03) years took part in the test. The volunteers were evaluated at rest in the supine position and in the seated position, and in a submaximal dynamic physical test with discontinuous degrees o f power (20, 30, 40 and 50 Watts), performed on an electromagnetic cycle ergometer in the seated position. Heart rate was recorded by the electrocardiogra m in real time in the morning (8:00 AM) and in the evening (8:00PM) and the analysis was performed based on the RMSSD índices of the R-R intervais o f the electrocardiogram in milliseconds (ms). With respect to the periods of the day, it was observed that the HRV in the morning in the supine resting position and the seated resting position and during physical exercise in the power of 40 W was significantly different from the values obtained in the evening (p < 0.05). The results showed that in the transition from rest to physical exercise during the two periods (morning and evening) there was a growing reduction of HRV with increasing power levei. This results suggests that occurs a higher vagai modulation over the morning either at rest than at physical exercise. Key words: heart rate variability, rest, dynamic physical exercise, morning and evening. INTRODUÇÃ O O sistema nervoso autônomo no coração, por meio de seus ramos eferentes simpático e parassimpático, regula e modula as respostas e as oscilações da freqüência cardíaca (FC). A FC pode ser influenciada por diversos fatores, como idade, aptidão física, sexo, mudanças posturais, tipo de exercício físico, hábitos alimentares, ingestão de bebida alcoólica, tabagismo, condições ambientais (temperatura, umidade, altitude), musculatura envolvida e ritmo circadiano, 66 Silva, C. S. da entre outros (Molgaard et al., 1991; Gallo Jr. et a!., 1995; Gregoire et al., 1996; Tulppo et al., 1998; Silva et al., 1999). Tem sido referido na literatura que o controle autonômico do coração pode ser investigado a partir da análise da variabilidade da freqüência cardíaca (VFC), que constitui um meio relativamente simples e não invasivo (Longo et al., 1995). Portanto, a variação batimento a batimento do coração, observada pelo intervalo de duas ondas R (iR-R), pode fornecer informações importantes sobre a integridade da função neurocardíaca. Há uma considerável quantidade de pesquisas indicando que a VFC é de grande utilidade clínica, auxiliando na identificação de alterações do sistema nervoso autônomo nas doenças cardiovasculares (Ribeiro et a!., 2000; Burger et al., 1999) e em outras desordens não cardiovasculares, como neuropatias diabéticas e tetraplegia (Fallen & Kamath, 1995). Estudos prévios observaram que o controle nervoso autonômico do sistema cardiovascular possui um distinto ritmo circadiano, o qual pode influenciar a VFC, a pressão arterial e o tônus vasomotor (Murakawa et al., I 992; Cooke-Ariel, 1998). A investigação das mudanças tempodependentes na VFC tem sido extensivamente utilizada para compreender a distribuição de eventos cardíacos em determinados períodos do dia (Bexton et al., I 986). Alguns trabalhos sugerem que há um aumento da VFC no período da noite, atribuído à atuação predominante do tônus vagai, enquanto alterações da variabilidade durante o dia foram relacionadas à modulação simpática e vagai (Fallen & Kamath, 1995; Extramiana et al., 1999). Atkinson & Reilly (1 996), estudando atletas de elite, verificaram que há interferência do ritmo circadiano quanto ao desempenho durante a realização de atividade física. Entretanto, há várias contradições em relação ao comportamento da VFC em diferentes períodos do dia. Alguns estudos demonstram que a VFC, avaliada no domínio da freqüência, apresenta baixos valores no período da manhã em indivíduos saudáveis (Huikuri et al., I 992; Bernardi et a!., I 992). Por outro lado, Hayano et al. ( 1990) analisaram a VFC de indivíduos saudáveis a partir do ajuste de um modelo auto-regressivo e observaram que a VFC era maior no período da manhã comparativamente aos períodos da tarde. Já Furlan et al. (1 990), estudando sujeitos saudáveis, detectaram que ocorria um aumento da VFC entre o período das 23 h às 5 h da manhã e uma rápida diminuição da VFC no período das 6 h da manhã. De um modo geral, as investigações conduzidas no sentido de compreender melhor a interferência do período do dia na atividade do sistema nervoso simpático e parassimpático no coração, na modulação da FC, permanecem sem elucidação definitiva. Assim, a proposta desta investigação consiste em avaliar e comparar a VFC de mulheres nas condições de repouso e durante teste de esforço físico dinâmico submáximo em dois períodos do dia (manhã e noite). e/ a/. Rev. bras . .fisiola MATERIAL E MÉTODOS Voluntárias Foram estudadas sete voluntárias, do sexo feminino, sedentárias, não obesas, sem história familiar de coronariopatias, não fumantes, que não se encontravam em período pré ou pós-menstrual e não faziam uso de medicamentos. Os dados antropométricos foram: peso médio 5 I, 7 kg (± 6,48), altura de I 59,85 em (± 3,87) e índice de massa corpórea (IMC) de 20,41 kg/m 2 (± 2,09). Os sinais vitais em repouso foram: FC média 75,57 bpm (± 3,1 1), pressão arterial sistólica (PAS) média de I 00,71 mmHg (± 4,94) e pressão arterial diastólica (PAD) média de 64,28 mmHg (± 4,94). As voluntárias foram consideradas saudáveis a partir da avaliação clínica e do eletrocardiograma de repouso. Foi aplicado um questionário avaliativo contendo perguntas referentes à saúde atual e pregressa das voluntárias, bem como antecedentes familiares de fatores de risco ou acometimentos cardiovasculares. O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética da Universidade Federal de São Carlos e as participantes, após serem esclarecidas sobre a pesquisa, assinaram um termo de consentimento formal aceitando participar do estudo. Procedimento Experimental O experimento foi realizado na sala de ergometria do Laboratório de Fisioterapia Cardiovascular da Universidade Federal de São Carlos. O local encontrava-se em condições ambientais adequadas, com temperatura variando entre 23 e 24"C e umidade relativa do ar entre 47% e 63%. As voluntárias foram informadas sobre os procedimentos experimentais e familiarizadas com os equipamentos e com os integrantes da equipe de pesquisa. As voluntárias foram submetidas ao experimento em um mesmo dia. Os horários estabelecidos foram às 8 h na primeira coleta de dados e às 20 h na segunda. Todas as volun-tárias foram orientadas a fazer uma refeição leve antes dos testes, assim como não ingerir bebidas ou alimentos contendo cafeína, como café, chocolate e refrigerante, bem como ter uma boa noite de sono e não executar atividade física ou passar por situações estressantes antes dos testes. As voluntárias foram monitorizadas na derivação bipolar (MC5), com o eletrodo negativo no manúbrio esternal, o positivo no quinto espaço intercostal em direção à linha axilar anterior esquerda referente a VS e o eletrodo neutro no quinto espaço intercostal direito. O registro do eletrocar-diograma foi captado a partir de um monitor cardíaco de um canal (ECAFIX TC500) e processado por meio de um con-versor analógico digital Lab. PC+ (Nationallnstruments, CO.), que constitui uma interface entre o monitor cardíaco e o microcomputador Pentium II. A partir do eletrocardiograma, os iR-R foram registrados utilizando um programa de processamento de sinais (Silva et al., 1994). O registro da FC batimento a batimento foi realizado no repouso em supino durante 360 segundos (s), no repouso sentado em uma cadeira durante 360 s (com os pés apoiados no chão) e durante todo o período do teste de esforço físico dinâmico do tipo degraus descontínuos (TEFDD-D) sentado em uma bicicleta ergométrica de frenagem eletromagnética (Corival 400 Quinton). O protocolo do TEFDD-D, submáximo, compreendia um período de 60s em repouso sentado na bicicleta, durante 240 s em esforço nas potências de 20, 30, 40 e 50 Watts (W) e 60 s em repouso. Entre as cargas foram intercalados períodos de repouso por um tempo suficiente para que a FC retornasse aos valores de repouso. As voluntárias foram orientadas a pedalar na velocidade constante de 60 rotações por minuto (rpm). A pressão arterial foi aferida com as voluntárias em repouso deitado, sentado e nos 30 s finais de cada nível do esforço físico. Metodologia de Análise dos Dados A análise da VFC, no domínio do tempo, foi a partir dos iR-R (ms) obtidos nas condições de repouso supino e sentado e do Ju ao 4u minuto do exercício físico utilizando-se o índice RMSSD, que corresponde à raiz quadrada da somatória do quadrado das diferenças entre os iR-R no registro, dividido pelo número de IR-R em um tempo determinado menos um iR-R (Equação I) (Anti Ia, I979). Os dados foram analisados a partir do aplicativo analisador gráfico de eletrocardiograma (Gouvêa et al., 1998). RMSSD = 67 Variabilidade de Freqüência Cardíaca das Mulheres Vol. 5 No. 2, 2001 (Equação I) i=l N-1 Para a análise de significância dos dados da VFC foi utilizado o teste estatístico não paramétrica de Wilcoxon, para amostras pareadas. Já entre as diferentes condições (repouso e exercício), no mesmo período, foram aplicados os testes de Friedman e Dunn para medidas repetidas (ANOVA) e comparações múltiplas. Nível de significância ex= 0,05. RESULTADOS A Figura I ilustra o comportamento da resposta da FC obtida batimento a batimento em tempo real, durante o repouso de uma das voluntárias estudadas no período diurno (8 h). Observa-se nessa figura que a VFC encontra-se mais acentuada na posição supina e menor na sentada. A FC média das voluntárias estudadas (N = 7) em repouso durante os 6 min. na posição supina variou entre 64 e 82 batimentos por minuto (bpm) e na posição sentada, entre 70 e 90 bpm no período da manhã. Já no período da noite, a FC média variou entre 70 e 87 bpm em supino e entre 72 e 88 bpm na posição sentada das voluntárias estudadas (N = 7). A Figura 2 ilustra o comportamento da FC em esforço físico dinâmico, no qual se observa uma elevação rápida da FC no início do exercício, independente do nível de esforço físico. O tempo de elevação da FC entre o início do exercício e seu valor mais alto teve uma variação entre 7,2 e 18,3 segundos (s) no período M e entre I 0,0 e I6, I (s) no período N, não apresentando diferenças estatísticas entre os períodos. Já a diferença, ou o delta, da FC entre o primeiro minuto de repouso na bicicleta antes do exercício e o valor pico da elevação rápida inicial no período M variou entre 14 e 52 bpm. 120 115 110 105 100 Ê 95 c. e 90 "'u 85 ~ 75 "' "'u ·c; "'c 70 <QJ 65 i'! u.. 60 ·:::: o- 55 50 -ó- Sentado 45 400 60 120 180 Tempo (s) 240 300 360 -o- Supino Figura 1. Ilustração do comportamento das respostas das freqüências cardíacas (bpm) de uma das voluntárias estudadas no período diurno, em repouso, nas posições supina e sentada. 68 Silva, C. S. da et a/. Rev. bras . .fisiota --<>-20W -o-30W 60~----------------~------~~--------~--------~--------~ 360 300 240 180 120 60 o -6-40W -o- 50 w Tempo (s) Figura 2. Ilustração do comportamento das respostas das freqüências cardíacas (bpm) de uma das voluntárias estudadas no período diurno, durante o teste de esforço físico dinâmico, nas potências de 20, 30, 40 e 50 Watts (W). A Figura 3 apresenta valores do índice RMSSD nas condições de repouso, supino e sentado, e em esforço físico dinâmico nas potências de 20, 30, 40 e 50 W dos dois períodos do dia estudados. Constata-se uma diminuição da VFC estatisticamente significativa no período noturno quando comparado ao diurno nas condições de repouso, supino e sentado, e na potência de 40 W (p < 0,05). Ainda verificou-se que não ocorreram diferenças estatisticamente significativas entre as posições supina e sentada em um mesmo período (p > 0,05). No período N o delta variou entre 19 e 51 bpm, houve diferença estatística significativa entre os períodos (p < 0,05). Após o período de elevação rápida da FC, nota-se um decréscimo dependente do nível de exercício, ou seja, em potências menores a re-tomada é mais pronunciada do que em cargas de trabalho mais elevadas. Ainda é possível constatar uma fase de incremento lento da FC em níveis mais elevados de potência (40 e 50 W). Além disso, observa-se uma diminuição da VFC com a transição do repouso para o exercício físico, a qual acentua-se com o incremento de potências durante o TEFDD-D. 140 130 120 110 90 cr: 80 !:!: 70 o "' 60 o V'> 50 V'> 2 40 cr: 30 20 p < 0,05 g "' D ~ p < 0,05 8~ o Q® G -10 M N Supino M N Sentado M N 20W M p < 0,05 ~ [ãl ll!J lÃ! = N M N M N 30W 40W I Máximo Mínimo D 7s% 25% D Mediana sow Figura 3. Valores do RMSSD dos intervalos R-R (ms) das voluntárias estudadas (N = 7) nas condições de repouso, supino e sentado, e durante o teste de esforço físico dinâmico descontínuo nas potências de 20, 30, 40 e 50 Watts (W) nos diferentes períodos do dia, manhã (M) e noite (N). 69 Variabilidade de Freqüência Cardíaca das Mulheres Vol. 5 No. 2, 2001 55 r------------ p < o.oo1 - 1 45 8-p<O.o5- g 35 c:: oL 8 a:. ~ 25 "O o Vl Vl 2 15 c:: 5 Q ® p < 0.01 _ _ _ _ _ _ _ ____,I ::r:: Máximo Mínimo D 75% 25% _ 5 L--5-e-nt-ad~o----20_W_ _ _ _3_0_W_~---------~ c Mediana 50W 40W e durante o teste Figura 4. Valores do RMSSD dos intervalos R-R (ms) das voluntárias estudadas (N = 7) na condição de repouso sentado (M). manhã da período no (W) de esforço físico dinâmico descontínuo nas potências de 20, 30, 40 e 50 Watts o repouso e as potências de 30, 40 e 50 W (p < 0,05). Verificase, ainda, que entre as potências as diferenças dos valores da VFC foram estatisticam ente significativa s entre as potências de 20 e 50 W. A Figura 4 representa o índice RMSSD entre o repouso sentado e as potências de 20, 30, 40 e 50 W do TEFDD-D realizado no período da manhã. Notamos que ocorreu uma diminuição da VFC entre a condição de repouso para todos os níveis de potência. Verifica-se que, com o aumento da potência, a variabi- DISCUSSÃ O lidade diminui. Porém as diferenças foram consideradas significativa s somente entre a condição de repouso e as potências de 40 e 50 w (p < 0,05). Adicionalm ente, é possível constatar que a VFC entre os níveis de potência foi estatisticame nte significtiva entre as potências de 20 e 50 W (p < 0,05). Em relação à condição de repouso sentado e exercício no período noturno (Figura 5), a diferença foi estatisticame nte significativa entre Os resultados do presente estudo demonstram que os padrões de resposta da FC, quanto à mudança postura! da posição supina para a sentada, estão de acordo com os dados encontrados na literatura. Lindqvist (1990), pesquisando os efeitos da postura na oscilação do sistema cardiovascu lar, observou que a VFC foi maior na posição supina, mas que a simples transferência para a postura em pé produzia uma diminuição desta variabilidade . 55 r------------45 g 35 c:: ~ o "' "O 25 p < 0,001 p < 0,01 -p<OOSl o Vl Vl 2 15 5 -5 ~ ~ a: L Sentado ~ ciJ p < 0.01 20W 30W 40W 50W I Máximo Mínimo 0 75% 25% c Mediana e durante o teste Figura S. Valores do RMSSD dos intervalos R-R (ms) das voluntárias estudadas (N = 7) na condição de repouso sentado (N). noite de esforço físico dinâmico descontínuo nas potências de 20, 30, 40 e 50 Watts (W) no período da 70 Silva, C. S. da e/ al. Outros autores evidenciaram que a posição do corpo exerce um efeito significativo sobre a dinâmica circulatória. Na posição supina, o volume de ejeção em repouso é quase o máximo. Em contraste, a força da gravidade na posição ereta age contrariando o fluxo de retomo do sangue para o coração, resultando em volume de ejeção reduzido e FC aumentada (Bevegard & Shepherd, 1967). Quanto à resposta da FC nos vários níveis de exercício físico, encontradas neste estudo, foi semelhante à descrita na literatura, ou seja, no início do esforço físico dinâmico, após um período de 0,5 segundo, observa-se um acentuado aumento da FC, que pode ser atribuído à diminuição da estimulação parassimpática sobre o nódulo sinoatrial, o qual independe da intensidade da potência aplicada. Após esse período, verifica-se um decréscimo da FC que corresponde ao período da retomada vagai. Em níveis baixos de potência de esforço físico, a FC pode se estabilizar até o final do trabalho muscular. Já em níveis de potências mais elevados é evidenciável um acréscimo mais lento da FC, o qual se intensifica à medida que o nível de atividade física aumenta, tais acréscimos da FC, observados após o primeiro minuto do esforço físico, dependem quase exclusivamente da contribuição da atividade simpática sobre o nó sinoatrial (Maciel et al., 1986; Silva, 1988; Gallo Jr. et al., 1995; Catai, 1999; Marães, 1999). Em relação à VFC observada neste estudo no período M em comparação ao período da noite, em ambas as condições de repouso, assim como no exercício físico dinâmico na potência de 40 W, os resultados foram semelhantes aos encontrados por Hayano et al. ( 1990), em um estudo com indivíduos saudáveis utilizando como método de análise da VFC um modelo auto-regressivo no domínio da freqüência, nas condições de supino e em pé, o qual revelou maior VFC na posição supina de manhã. Esse autor refere que a maior VFC pode ser atribuída a um maior controle vagai nesse período. Entretanto, os padrões da VFC diurnos deste estudo diferem dos padrões de grande parte das pesquisas com VFC que evidenciam uma menor VFC pela manhã (Furlan et al., 1990; Huikuri et àl., 1992; Bernardi et al., 1992; Fallen & Kamath, 1995; Extramiana et a!., 1999). Os resultados do presente estudo mostram-se discrepantes com outros que documentaram que a atividade autonômica na modulação da FC mostra um ritmo circadiano com prevalência de baixa VFC nas primeiras horas da manhã e um marcado relativo aumento da VFC associado ao aumento do tônus parassimpático durante a noite (Ewing et al., 1991). No entanto, esta discordância pode estar relacionada ao período da noite relatado nesses estudos, que corresponde ao estágio de sono dos indivíduos, ao contrário do presente estudo em que a VFC foi analisada nas voluntárias em estado de vigília. Outro motivo para tal diferença pode ser a metodologia de análise aplicada entre os diferentes estudos, já que grande parte das pesquisas real i- Rev. bras. .fisiora zadas com VFC utilizam como forma de medida a análise no domínio da freqüência, enquanto neste estudo foi empregada a análise no domínio do tempo. A diminuição da VFC da transição do repouso supino para o sentado e com incrementos de potências foi caracteristicamente em ordem crescente, quando observada separadamente nos períodos manhã e noite, embora as diferenças estatísticas tenham sido encontradas somente entre o repouso sentado e o exercício nas potências de 40 e 50 W no período M e nas potências de 30, 40 e 50 W no período da noite. À medida que a intensidade do exercício físico dinâmico aumenta, na posição sentada, a VFC diminui, possivelmente, devido ao aumento do predomínio da atividade simpática no nó sinoatrial (Pagani et al., 1988; Osterhues et al., 1997). A análise da VFC, no domínio do tempo, possui um considerável valor para compreender as condições fisiológicas e patológicas do sistema cardiovascular. Entretanto, uma análise da VFC no domínio da freqüência poderia trazer contribuições adicionais a nossos dados, caracterizando melhor a atuação do sistema nervoso autônomo nas mudanças posturais, no exercício físico dinâmico e nas condições de diferentes períodos do dia estudados na presente pesquisa. CONCLUSÃO Os dados deste estudo sugerem que a maior VFC do grupo estudado no período da manhã comparativamente ao período da noite nas condições de repouso supino e sentado pode ser atribuída à maior modulação vagai no período da manhã. Assim como a diminuição da VFC com os incrementos de potências durante o teste de esforço em ambos os períodos, devida à diminuição da modulação do vago sobre o nó sinoatrial e ao aumento da atividade simpática. De um modo geral, nossos resultados sugerem que a VFC sofre interferências do período do dia, das mudanças posturais e do incremento de potências no exercício físico dinâmico. Um maior refinamento na metodologia de análise da VFC é requerido para compreender melhor as bases de interação dos processos de modulação do tônus simpatovagal na mesma. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTILA, K., 1979, Quantitative characterization of heart rate during exerci se. Scandinavian Jour of C/ mui La h Jnvest-Supplementum, /3: 58. ATKINSON, G. & REILLY, T., 1996, Circadian variation in sports performance. Sports Medicine, 21 (4): 292-312. BEXTON, R., VALLIN, H. O. & CAMM, A. J., 1986, Diurna! variation of QT interval- influence of the autonomic nervous system. B1: Heart 1., 55: 253-258. Vol. 5 No. 2, 2001 Variabilidade de Freqüência Cardíaca das Mulheres 71 BERNARDI, L., RICORDI, L., LAZZARI, P., SOLDÀ, P., CALCIATI, A., FERRAR!, M. 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