C TOC 119 - Fevereiro 2010 o n t a b i l i d a d e Acontecimentos após data de balanço – análise da NCRF 24 Por Alexandra Domingos, Rui Domingos e Sílvia Arsénio Com a entrada em vigor do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), Portugal passou a dispor de uma norma nacional específica sobre a contabilização e divulgação de acontecimentos ocorridos após a data de balanço e até à data em que as demonstrações financeiras são autorizadas para emissão. Trata-se da NCRF 24 que aqui é analisada em pormenor. N Alexandra Margarida C. R. Domingos Docente do ISCAL TOC n.º 67 398 Rui Manuel Delgado Domingos Docente do ISCAL TOC n.º 80 111 Sílvia Marina Fialho Arsénio Mestranda em Contabilidade pelo ISCAL TOC n.º 70 575 em sempre é possível obter todas as informações relevantes com referência à data do balanço, sem que decorra um período de tempo entre essa data e a de fecho efectivo de contas. Nesse período de tempo, os acontecimentos e as transacções continuam a verificar-se, uns com impacto no período de relato seguinte, mas outros ainda relacionados com o período tratado com referência à data de balanço. Até então, nem o POC nem as directrizes contabilísticas faziam referência aos acontecimentos após a data de balanço. Em termos de divulgação, apenas o CSC (1) exige que no relatório de gestão sejam divulgados os factos relevantes ocorridos após o termo do período, no seu artigo 66.º, n.º 2, b). Com a entrada em vigor do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), Portugal passou a dispor de uma norma nacional específica sobre a contabilização e divulgação de acontecimentos ocorridos após a data de balanço e até à data em que as demonstrações financeiras são autorizadas para emissão: NCRF 24 31/Dez./N-1 Data de referência do balanço 32 1/Março/N Data limite em que o órgão de gestão tem de entregar ao ROC os projectos do relatório de gestão e das demonstrações financeiras – Acontecimentos após a data de balanço. Esta norma teve como base a IAS 10 – Events after the balance sheet date (Acontecimentos após a data do balanço), emitida pelo IASB. Assim, o parágrafo 3 da NCRF 24 define alguns conceitos: Acontecimentos após data de balanço – são aqueles acontecimentos não só favoráveis mas também desfavoráveis, que ocorram entre a data de balanço e a data em que as demonstrações financeiras são autorizadas para emissão, pelo órgão de gestão. (2) Estes acontecimentos podem ser de dois tipos: – Acontecimentos após a data do balanço que dão lugar a ajustamentos: proporcionam prova de condições que existiam à data do balanço; e – Acontecimentos após a data do balanço que não dão lugar a ajustamentos: são indicativos de condições que surgiram após a data do balanço. Estes acontecimentos incluem todos os que, até à data em que as demonstrações financeiras são autorizadas para emissão, mesmo que esses acontecimentos ocorram após o anúncio público de lucros ou de outra informação financeira. Data em que as demonstrações financeiras são autorizadas para emissão – é o momento a partir do qual as demonstrações financeiras aprovadas pelo órgão de gestão se disponibilizam para conhecimento de terceiros. Esquematicamente: 16/Março/N Data limite da certificação legal de contas 31/Março/N Data limite da assembleia-geral anual para apreciação e deliberação sobre o relatório e contas do ano N-1 TOC 119 - Fevereiro 2010 Os parágrafos 5 a 10 da NCRF 24 definem o reconhecimento e a mensuração a dar aos dois tipos de acontecimentos enunciados atrás: Acontecimentos após a data do balanço que não dão lugar a ajustamentos Acontecimentos após a data do balanço que dão lugar a ajustamentos Exemplos: – Falência de um cliente que ocorre após a data do balanço; – Resolução, após a data do balanço, de um caso judicial que confirma que a entidade tinha uma obrigação presente à data do balanço; – Descoberta de fraudes ou erros que mostrem que as demonstrações financeiras estão incorrectas. Não é um acontecimento subsequente; logo não há nada a fazer Exemplos: – Destruição de uma importante instalação de produção devido a um incêndio; – Declínio no valor de mercado de investimentos financeiros; – Iniciar litígios importantes que provenham unicamente de acontecimentos que ocorram após a data do balanço. Podemos resumir o tratamento a dar a estes dois tipos de acontecimentos da seguinte forma: O acontecimento surge entre a data de balanço e a data de emissão das DF? Não Sim Pode pôr em causa: ajustamentos aos activos e passivos e actualização das notas de acordo com a NCRF1 Sim Pode pôr ou põe em causa a continuidade da entidade? Não O acontecimento traz provas adicionais de condições existentes à data de balanço? Não E um acontecimento subsequente mas não há nada a fazer Não Divulgação da natureza do evento e seu impacte financeiro futuro ou justificação porque não é possível fazê-lo Sim Actualização da divulgação efectuada em notas Ajustamento das demonstrações financeiras e actualização das notas que lhes façam referência Tem natureza material? Sim O acontecimento tem relação com dados apresentados no balanço ou na demonstração de resultados? Não Sim 33 c o n t a b i l i d a d e Efectuar ajustamentos aos valores reconhecidos nas demonstrações financeiras e divulgar no anexo. Não efectuar ajustamentos aos valores reconhecidos nas demonstrações financeiras. Divulgar no anexo os acontecimentos considerados significativos. C TOC 119 - Fevereiro 2010 o n t a b i l i d a d e A NCRF 24 estipula ainda o tratamento a dar aos dividendos (parágrafos 9 e 10). Assim: Se a entidade declara dividendos – Não deve reconhecê-los como um passivo à data do balanço (não cumprem os critérios definidos na NCRF 21 – Provisões, passivos contingentes e activos contingentes), mas – É obrigada a divulgar a quantia de dividendos que foram declarados após a data do balanço, mas antes das demonstrações financeiras serem autorizadas para emissão (de acordo com a NCRF 1 – Estrutura e conteúdo de demonstrações financeiras). Já no que respeita à continuidade (3), a NCRF 24 estipula nos seus parágrafos 11 a 13, que as demonstrações financeiras não devem ser elaboradas tendo por base o pressuposto da continuidade se: – Os gestores determinarem, após a data do balanço, que têm intenção de liquidar a empresa ou de cessar negócios, ou que não têm outra alternativa realista senão fazê-lo; ou – Existir uma deterioração nos resultados operacionais e da posição financeira após a data do balanço. A NCRF 1 exige que a entidade deve divulgar sobre a não adopção do pressuposto da continuidade. Existem vários acontecimentos ou condições que individualmente ou colectivamente, podem lançar dúvidas significativas acerca do pressuposto da continuidade. No quadro 1 apresentamos alguns indicadores de dúvidas acerca deste pressuposto. Complementemos o entendimento da NCRF 24, com os seguintes exemplos práticos: sabendo que as contas da empresa “X” foram aprovadas pelo conselho de administração no dia 23 de Fevereiro de “N”, como tratar contabilisticamente o seguinte acontecimento após data do balanço? • Destruição de uma parte das instalações devido a um incêndio que ocorreu em Janeiro de “N”, sendo a perda estimada em dez mil euros (quadro 2). • Venda de produtos acabados em Março de “N” por 15 mil euros, que apresentavam um valor contabilístico de 20 mil euros, ficando esta diminuição do preço de venda a dever-se ao surgimento de um novo concorrente no mercado em Janeiro de “N” (quadro 3). De acordo com o exposto, podemos afirmar que a obrigatoriedade de adopção do normativo específico do IASB sobre esta Quadro 1 - Indicadores de dúvidas acerca do pressuposto da continuidade Financeiros Operacionais • Capitais próprios negativos ou passivo corrente superior ao activo corrente; • Fluxos de caixa operacionais negativos indicados por demonstrações financeiras anteriores ou previsionais; • Dificuldade em cumprir as condições dos empréstimos obtidos; • Alteração das condições com os fornecedores, passando de transacções a crédito para transacções com pagamento contra entrega. • Perda dos principais gerentes, sem substituição; • Perda de um mercado, de um privilégio, de uma licença importante ou do principal fornecedor; • Acções legais pendentes contra a entidade que resultem em sentenças que não possam ser cumpridas; • Incumprimento de exigências relacionadas com o capital ou de outras exigências estatutárias. Fonte: Elaboração própria 34 TOC 119 - Fevereiro 2010 Quadro 2 Este acontecimento ocorre entre a data de balanço e a data de emissão das demonstrações financeiras? O acontecimento traz provas adicionais de condições existentes à data do balanço? S/N Justificação SIM Este acontecimento ocorre entre a data de balanço e a data de emissão das demonstrações financeiras. O acontecimento não traz provas adicionais de condições existentes à data do balanço. Neste caso, não há nenhum ajustamento a efectuar, mas poderá haver lugar a divulgações. NÃO O acontecimento é materialmente relevante? Se o for, há lugar a divulgação no anexo, mencionando a sua natureza e o seu impacto financeiro no futuro. S/N O acontecimento põe em causa a continuidade da empresa? c o n t a b i l i d a d e Descrição Se o acontecimento puser em causa a continuidade da empresa, há lugar a ajustamentos aos activos e passivos e actualizar o anexo de acordo com a NCRF1. S/N Quadro 3 Descrição S/N Este acontecimento não surge entre a data de balanço e a data de emissão das demonstrações financeiras, ou seja, não é um acontecimento após a data de balanço, logo, não há lugar a ajustamento nem a divulgações no anexo. Este acontecimento ocorre entre a data de balanço e a data de emissão das demonstrações financeiras? NÃO matéria (IAS 10), por parte das empresas cotadas, já veio impor um nível mais exigente neste tema. Prevendo essa obrigatoriedade, as empresas portuguesas foram incluindo, nos seus relatórios e contas, informação sobre os acontecimentos após data de balanço. Justificação Com relação ao facto de entrar um novo cliente no mercado (em Janeiro de “N”), este acontecimento é após data do balanço. Contudo, não traz provas adicionais de condições existentes à data de balanço, pelo que apenas poderá ser materialmente relevante para o divulgarmos no anexo. Com a entrada em vigor do SNC, as restantes empresas portuguesas abrangidas passarão a dispor de uma norma nacional específica sobre o tratamento de acontecimentos após a data de balanço: NCRF 24 – Acontecimentos após a data de balanço. ■ (Texto recebido pela OTOC em Janeiro de 2010) (1) Código das Sociedades Comerciais. (2) De acordo com o parágrafo 11 da Estrutura Conceptual, o órgão de gestão duma entidade tem a responsabilidade primária pela preparação e apresentação das demonstrações financeiras. (3) O parágrafo 23 da estrutura conceptual refere que as demonstrações financeiras são normalmente preparadas no pressuposto de que uma entidade é uma entidade em continuidade e de que continuará a operar no futuro previsível. Assume-se que a entidade não tem nem a intenção nem a necessidade de liquidar ou de reduzir drasticamente o nível das suas operações; se existir tal intenção ou necessidade, as demonstrações financeiras podem ter que ser preparadas segundo um regime diferente e, se assim for, o regime usado deve ser divulgado. 35