JOÃO GABRIEL MONTEIRO E SILVA A SEGREGAÇÃO RESIDENCIAL EM RIO DAS PEDRAS Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de PósGraduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Planejamento Urbano e Regional. Orientador: Prof. Dr. Luiz César de Queiroz Ribeiro Doutor em Arquitetura e Urbanismo / USP Rio de Janeiro 2006 JOÃO GABRIEL MONTEIRO E SILVA A SEGREGAÇÃO RESIDENCIAL EM RIO DAS PEDRAS Dissertação submetida ao corpo docente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Planejamento Urbano e Regional. Aprovado em: __________________________________ Prof. Dr. Luiz César de Queiroz Ribeiro (Orientador) Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - UFRJ __________________________________ Prof. Dra. Luciana Corrêa do Lago Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - UFRJ ___________________________________ Prof. Dra. Márcia da Silva Pereira Leite Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – UERJ Agradecimentos Ao CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico –, pelo apoio financeiro, através da concessão da bolsa de estudos, durantes dois anos, sem a qual não seria possível a dedicação ao mestrado e a realização deste trabalho. A todo o corpo docente, técnico e administrativo do IPPUR, pelo auxílio, atenção e generosidade. Aos funcionários, com um carinho especial, por incentivarem e proporcionarem bons momentos de descontração. Ao Prof. Adauto Lúcio Cardoso, pelos instrutivos comentários durante a fase de qualificação desta dissertação. A Profa. Luciana Lago que, com sugestões, críticas, apoio e gentileza, teve participação ativa desde o início da construção deste trabalho. A Profa. Márcia Leite, pelas contribuições e pelo interesse no trabalho, sempre disposta à troca de idéias. Reservo um especial agradecimento ao orientador Luiz César de Queiroz Ribeiro, sem seu esforço pessoal e profissional esta dissertação não teria tal qualidade. Sem dúvida, foram dois anos de muito aprendizado e crescimento acadêmico, resultantes de sua presteza e generosidade traduzidas nas críticas e incentivos para realização desta pesquisa. O convite para participar do grupo de pesquisa do Observatório das Metrópoles permitiu que esta pesquisa alcançasse um patamar mais elevado. Agradeço ao enorme esforço e apoio dos meus pais. Esta dissertação é também o resultado do companheirismo destas pessoas amadas. O apoio e estímulo de minha família são importantíssimos nesta trajetória acadêmica, gostaria de fazer um agradecimento especial aos meus tios Terezinha e Martinho. Ambos leram o trabalho e, com grande paciência, fizeram orientações. Agradeço à enorme paciência e dedicação do meu amigo Jairo. O esforço e a preocupação despendidos para realização deste trabalho sempre foram compartilhados com amigos de turma. Alguns estiveram presentes em momentos cruciais e merecem todo o meu agradecimento, refiro-me ao Breno, Cláudio, André, Daniele, Juliana, Bia e Alice. Outras pessoas me acompanham desde a graduação e gostaria de agradecer ao imprescindível carinho de Tatiana, João, Yan, Demian e Fabrício. Já no final deste trabalho, momento de extrema ansiedade, a presença sensível e carinhosa de Claudia fora de enorme importância. A oportunidade de estar ao seu lado, possibilita-me conhecer novas possibilidades de vida. Devo também agradecimentos aos alunos e pais, professores e diretores dos colégios de Rio das Pedras que prestaram as valiosas informações que resultaram nesta dissertação.Tive a rica oportunidade de conhecer pessoas que transformaram minha forma de perceber estes moradores da cidade. Note-se também a singular e importante ajuda de Erica ao permitir a estadia em sua casa durante os meses de trabalho de campo. Reservo um especial agradecimento à Ana Clara, pessoa amabilíssima, de quem me tornei admirador. Sou muito agradecido pelas suas aulas, às nossas agradáveis conversas e ao relevante estímulo científico. Devo lembrar da satisfação em conhecer as integrantes do grupo de pesquisa Educação e Segregação, André, Carolinas, Mariana e Masé. “Quem sou eu para te cantar, favela, que cantas em mim e para ninguém a noite inteira de sexta e a noite inteira de sábado e nos desconheces, como igualmente não te conhecemos? (...) Custa ser irmão, custa abandonar nossos privilégios e traçar a planta da justa igualdade. Somos desiguais e queremos ser sempre desiguais. E queremos ser bonzinhos benévolos comedidamente sociologicamente mui bem comportados.” Carlos Drummond de Andrade “Lá não tem brisa Não tem verde-azuis Não tem frescura nem atrevimento Lá não figura no mapa” Chico Buarque RESUMO Através de alguns mecanismos resultantes da apropriação do espaço urbano, compreendemos como se distribuem as classes sociais na cidade. É fundamental discutir as formas como estas classes sociais são assistidas pelo Estado e pelo mercado. A localização na cidade se dá conforme a classe social da qual cada grupo pertence. Esta condição reflete no espaço urbano as distintas formas de reconhecimento de cada grupo pelas instituições supracitadas. Através de alguns estudiosos da segregação residencial, é possível promover o debate a respeito do reconhecimento das classes sociais em função do lugar ocupado na cidade. Chegamos então ao que ficara conhecido como cidade formal e a informal. Acreditamos que os grupos mais aquinhoados impõem uma segregação residencial àqueles de menor poder aquisitivo. O presente estuda aborda como uma parcela dos segmentos populares está inserida na dinâmica urbana e as estratégias postas em prática para melhor se adequarem à condição de segregação residencial que lhes é imposta. Este trabalho tem como objetivo central entender algumas características existentes em um lugar onde seus moradores tentam responder aos efeitos da segregação residencial. Ao trabalharmos com a favela de Rio das Pedras, na zona oeste do Rio de Janeiro, entramos em contato com uma favela composta majoritariamente por nordestinos. Esta característica torna-se um dado importantíssimo na construção da identidade do lugar, bem como na criação de mecanismos de inserção na cidade. Palavras-chave: distribuição de recursos, espaço urbano, favela e lugar. ABSTRACT Through some mechanisms that result from the appropriation of the urban space, we can understand how the social classes in the city are distributed. It is very important to discuss how these social classes are attended by the government and by the market. The localization in the city occurs in conformity with the social class to which each group belongs. This condition reflects in the urban space the way each group is recognized by the above-mentioned institutions. According to some experts in residential segregation it is possible to discuss the recognition of the social classes taking into account the space in the city where they live. This brings us to the distinction between what is known as the formal and the informal city. We believe that the richer groups impose to the poor ones a residential segregation. This study focuses the way a part of the population segments is inserted in the urban dynamism and which strategies are used to find the most adequate adaptation to the imposed residential segregation. This study aims, in the fist place, to understand some characteristics of places where people react to the results of residential segregation. The subject of our study is Rio das Pedras, a favela in the west zone of Rio de Janeiro, mainly composed by immigrants from the Northeast of Brazil. This characteristic is very important, not only for the identification of the place, but also for the creation of mechanisms of insertion in the city. Key-words: distribution of resources, urban space, favela and place. Lista de Ilustrações Foto 1: Rio das Pedras em 1991 Foto 2: Rio das Pedras em 1999 Foto 3: Rio das Pedras Foto 4: Lojas e Quitinetes Foto 5: Lojas e Quitinetes (continuação) Foto 6: Estrada Engenheiro Souza Filho Foto 7: Ponte ligando Areinha ao areal II Foto 8: Edifício na margem do rio Foto 9: Igreja Foto 10: Beco no Areal I Foto 11: Areal I e II Foto 12: Rua Velha Foto 13: Vila Bela Vista Foto 14: Bar na Vila Nazaré 74 75 77 80 81 82 84 85 89 91 92 97 100 102 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 10 1 DEBATENDO A SEGREGAÇÃO RESIDENCIAL: OS RECURSOS NA CIDADE 22 1.1 SEGREGAÇÃO RESIDENCIAL 23 1.2 DISTRIBUIÇÃO DOS RECURSOS NA CIDADE 26 1.3 A IDÉIA DE FAVELA NOS REMETE A ALGUNS SENSOS-COMUNS ERUDITOS 31 1.4 DIFERENÇAS SÓCIO-ESPACIAIS 32 2 CONTRAPOSIÇÕES E DICOTOMIAS SÓCIO-ESPACIAIS 42 2.1 COMPARAÇÃO COM A MARGINALIDADE AVANÇADA 42 2.2 FAVELA: MODO DE INTERAÇÃO CÍVICA E POLÍTICA COM A CIDADE 51 2.3 FAVELA:ENTRE A “DESCIDADANIA” E A “CIDADANIA NEGOCIADA” 55 3 O QUE SE VÊ EM RIO DAS PEDRAS 61 3.1 O INÍCIO DA OCUPAÇÃO DE RIO DAS PEDRAS 61 3.2 IDENTIDADE NORDESTINA 65 3.3 VIDA ECONÔMICA 66 3.4 RIO DAS PEDRAS E O SEU ENTORNO 69 4 DESCRIÇÃO DE RIO DAS PEDRAS 74 4.1 “SUBÁREAS” EM RIO DAS PEDRAS 74 4.2 CHEGANDO A RIO DAS PEDRAS 76 4.3 A VILA PINHEIROS 79 4.4 A CONVIVÊNCIA NO AREAL II E NA AREINHA 80 4.5 INTERAÇÕES NO AREAL I 89 4.6 COMENTÁRIOS SOBRE RIO DAS PEDRAS COMO LUGAR NA CIDADE 94 4.7 O LUGAR DE UMA RUA EM RIO DAS PEDRAS E SUAS VILAS 96 CONCLUSÃO 108 REFERÊNCIAS 116 ANEXO A 120 Introdução Próximo ao abastado bairro da Barra da Tijuca, Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro, há uma favela com um significativo contingente populacional. Situada às margens da Lagoa da Tijuca, no lado oposto ao da Avenida das Américas, onde se concentram vários ícones da elite emergente da cidade, com Shoppings Centers, e condomínios de luxo, encontramos, no sopé do maciço da Tijuca, Rio das Pedras. Favela que se expande para as áreas que foram urbanizadas a partir da década de 1960, e que apresenta características e particularidades que interessam aos pesquisadores 1 . A distancia social entre os moradores da Barra da Tijuca e da favela de Rio das Pedras é visível. No primeiro bairro, residem as camadas superiores da sociedade carioca, considerada por muitos a “elite emergente” da cidade do Rio de Janeiro. No outro, os “favelados” que se reúnem em um território ocupado sem infraestrutura mínima, em um aglomerado considerado estatística e institucionalmente como “subnormal”, conforme nomenclatura utilizada pelo IBGE. Trata-se da favela de Rio das Pedras. Investigar o forte contraste social e urbano e as particularidades de Rio das Pedras são os motivos de inquietação é de interesse que motivam a presente dissertação. Nosso propósito inicial foi conhecer o lugar e descrever suas características. Nas incursões realizadas na favela de Rio das Pedras dois fatos saltaram aos nossos olhos: a possibilidade de um afastamento da cidade formal e a peculiaridade de sua organização interna. Contudo, antes de nos debruçarmos sobre estes fatos, algumas características de Rio das Pedras devem ser consideradas. Ao contrário da maioria das favelas da cidade do Rio de Janeiro, tradicionalmente erigidas em encostas, a favela de Rio das Pedras situa-se em uma área plana. Sua ocupação se deu numa área sem construções, no bairro de Jacarepaguá. O crescimento da construção civil no final da década de 60, em razão da expansão urbana, atraiu um significativo contingente de trabalhadores de baixa 1 No trabalho organizado por Burgos (2002), por exemplo, encontramos significativa contribuição a fim de compreendermos certas características que se revelam em Rio das Pedras. 11 remuneração, que encontraram naquela área desocupada um local ideal para erigir suas moradias, sendo esta a gênese da favela de Rio das Pedras. Tal crescimento esteve atrelado ao bairro da Barra da Tijuca, cuja urbanização data do período acima. Data, portanto, do final da década de 60 o início de Rio das Pedras 2 . Seu crescimento aconteceu rapidamente, na mesma velocidade com que o capital privado construiu a Barra. O crescimento populacional, e a conseqüente expansão do comércio tornaram o local cada vez mais atrativo aos trabalhadores de baixo orçamento. Esta força de trabalho é formada por migrantes de outros Estados brasileiros. Constata-se que importante parcela dos residentes em Rio das Pedras tem origem nordestina, corroborando com a constatação secular de que a miséria nordestina continua a expulsar seus filhos rumo ao Sudeste do país. Alie-se a isso o fato da construção civil não exigir escolaridade mínima ou altos níveis de qualificação. Neste sentido, compreende-se porque a Barra da Tijuca se transformou num pólo de empregos para a população de Rio das Pedras. Outro sinal de seu crescimento é o grande número de estabelecimentos comerciais que constatamos em nossas incursões à favela. O comércio desta favela, além de diversificado, espraia-se por quase todos os seus becos e mistura-se às moradias. Lojas que vendem móveis, materiais de construção aparelhos de telefone celular, supermercados, lanchonetes, lojas de roupas e serviços como lavanderia escritórios de advocacia ou consultórios psicológicos se localizam nas ruas de maior circulação. Já as lojas menores que vendem artigos típicos do nordeste, botequins e as casas que funcionam como “creches” adentram as vielas mais estreitas do interior de Rio das Pedras. Um outro ponto que chama atenção nesta favela é a ausência de tráfico de drogas. Esta atividade criminosa no Rio de Janeiro localiza-se geralmente nas favelas, todavia, em Rio das Pedras as facções criminosas não vendem drogas. Esta situação faz com que Rio das Pedras seja conhecida como a favela mais segura do Rio de janeiro. É também uma condição que a torna mais atrativa para as pessoas que não conseguem pagar por uma residência, a não ser numa favela. 2 Conforme nos contam Burgos (2002) e os antigos moradores, a disputa pelo controle da área no começo da ocupação deu-se entre um grupo de cariocas e outro de nordestinos. Estes saíram vitoriosos e, talvez, isto também tenha contribuído para a maior concentração de seus conterrâneos. De qualquer forma é sabido que Rio das Pedras é aceita como uma favela de nordestinos. 12 A ausência do tráfico de drogas, o comércio diversificado, o significativo número de bares são elementos que podem contribuir para o encontro dos moradores nos espaços comuns. Um deles é a praça ao lado da associação de moradores (AMARP), este lugar de encontro é exatamente ao lado do centro de poder da favela. Sobretudo quando o sol se põe, pequenos grupos reúnem-se para conversar e passar o tempo. Durante os finais de semana a praça fica completamente ocupada, demonstrando que fora das casas há um lugar específico de encontro. Após a apresentação de algumas características de Rio das Pedras, importa apresentarmos a metodologia utilizada para conhecermos esta favela. Inicialmente, esta pesquisa tinha como fazia parte de um estudo mais abrangente que se destina compreender a relação entre educação e segregação residencial. Parte deste estudo começou a ser realizada em Rio das Pedras, porém, em função da grade dificuldade de entrevistarmos todas as pessoas que precisávamos, tivemos que alterar o enfoque desta dissertação. Conforme a pesquisa sobre educação e segregação residencial, aplicamos um teste de matemática e outro de língua portuguesa aos alunos da quarta série do ensino fundamental das três escolas municipais de Rio das Pedras. Os diretores e professores destas escolas também foram entrevistados e fizeram uma avaliação de cada aluno. E, finalmente, a parte mais demorada da pesquisa, entrevistar os responsáveis de todos os alunos avaliados. Utilizamos o questionário elaborado pela nossa equipe de pesquisa, este questionário baseia-se num outro criado pelo Observatório das Metrópoles, laboratório vinculado ao IPPUR, para o estudo das condições socioeconômicas da população. Existiu uma grande resistência dos responsáveis em nos receber. Através dos alunos, os pais receberam um comunicado explicando o que era nossa pesquisa e a importância desta entrevista. Quando retornávamos às escolas para obter informações para a visita às suas casas, pouquíssimos alunos traziam os comunicados. A maior parte dos mesmos vinha com uma resposta negativa dos responsáveis, neste caso, tornávamos a pedir aos alunos que tentassem mais uma vez e, em alguns casos obtínhamos uma resposta positiva. Com os comunicados em mãos, entrávamos em contato com os responsáveis através de telefonemas e agendávamos as entrevistas. Por diversas chegávamos às casas e os responsáveis 13 não estavam para nos receber, conseguimos realizar cinqüenta e três entrevistas, sendo apenas três com pessoas do sexo masculino. A fase de aplicação dos questionários nos tomou muito tempo, pois devíamos visitar muitas casas e o prazo para entrega da dissertação se aproximava do fim. Tivemos que fazer uma alteração no tema desta alteração, os dados sobre educação não puderam ser incluídos e nossa pesquisa volta-se para o interior de Rio das Pedras. Sendo assim, procuramos entender o que é o lugar denominado Rio das Pedras. Dos questionários, usamos apenas as informações que conseguimos de nossos entrevistados que moravam na favela, ou seja, os responsáveis dos alunos. As perguntas sobre qualidade de vida, condições de habitação, relação com a vizinhança, com o restante da favela e com a cidade foram as mais importantes para este estudo. Interessa-nos como estas pessoas vivem em Rio das Pedras, assim, perguntas são importantes questões sobre a relação com a vizinhança e com as instituições que por ali atuam, como a igreja e o poder público. Para realizar esta dissertação, a pesquisa de campo foi de grande importância e, junto com o orientador, decidimos que morar numa casa na favela seria a possibilidade de entrar em contato com uma realidade pouco conhecida daqueles que não moram em Rio das Pedras. Com isto, é preciso salientar que a fala dos moradores é de suma importância para realização desta pesquisa. Tivemos acesso a estes moradores através de entrevistas ou pela nossa freqüência em estabelecimentos comerciais. Logo na primeira noite, era um Domingo, já passava das onze horas, quando um engarrafamento de automóveis tornava o trânsito muito lento. Este fato resulta do grande número de pessoas circulando nas ruas da favela, principalmente na rua que tange a praça citada. A praça estava cheia e crianças, jovens e adultos. Os outros finais de semana não deixaram dúvidas, esta praça é, por excelência, o mais importante local onde se compartilha a vida social de seus moradores. Andando por Rio das Pedras quase todas as noites, consumindo nos estabelecimentos comerciais e outros serviços como casas que alugam computadores com internet (estão sempre cheias), alem de fazermos entrevistas durante o horário comercial, percebe-se duas coisas: os moradores de Rio das Pedras encontram-se constantemente e, os adultos, sempre fazem referências à cidade nordestina onde nasceram. Sem dúvida, demonstram que utilizam bastante os 14 serviços oferecidos na favela, necessitando recorrer pouco à cidade formal para consumo. Em tema de transporte coletivo, constatamos que os ônibus que circulam no local não são capazes de atender com presteza os moradores. O transporte alternativo é muito bem-vindo para os moradores desta favela. Devido à distância do comércio dos centros comerciais de Jacarepaguá e do Itanhangá, o transporte alternativo, através de Kombis, foi a solução encontrada pela população para se deslocar, devendo-se ressaltar que algumas linhas são mais baratas que o ônibus. É também nas Kombis que muitos moradores se encontram indo ou retornando do trabalho. As Kombis transformaram-se em espaços onde compartilham suas experiências. Este meio de transporte é organizado por uma cooperativa instalada em Rio das Pedras. Consoante com nossas entrevistas, a implementação desta cooperativa teve grande participação do líder comunitário Nadinho. Este chegou à presidência da associação de moradores e posteriormente foi eleito vereador. Conforme os moradores que entrevistamos, quando presidente da associação, Nadinho foi o responsável por inúmeras melhorias para os moradores desta favela. Percebe-se, inclusive, nas falas de nossos entrevistados, que esta pessoa valoriza seu papel de provedor daqueles moradores a partir da diminuição do papel do Estado. Diante desses fatos uma primeira questão se impõe: o que teria movido os moradores a desenvolver uma estrutura organizacional separada e distinta da cidade formal? Refletindo sobre essa questão, não conseguíamos entender o que teria condicionado tal desenvolvimento. Por que em uma favela tida como das mais seguras da cidade do Rio de Janeiro, seus moradores, de alguma forma, reduziram seus laços de sociabilidade com a cidade formal e estruturaram-se de tal forma que o restante da cidade significa basicamente local de trabalho? Esta situação nos obriga a pensar o lugar de Rio das Pedras, isto é, tentar entender Rio das Pedras a partir da idéia de lugar. Neste sentido, uma importante orientação é o trabalho “As Cores de Acari” de Marcos Alvito. Ao pretender “avançar um pouco na elaboração de uma teoria sobre a favela carioca” (Alvito, 2001, p. 52), o autor utiliza a idéia de “localidade” para “identificar na favela de Acari um conjunto de 15 ‘planos organizacionais’” 3 . Sobre as localidades, pode-se afirmar que são criadas a partir das relações entre as pessoas que ocupam este lugar. Em suma, como resume Leeds, as localidades “são, na verdade, segmentos altamente organizados da população total” 4 . Em Rio das Pedras, estas relações são bastante significativas. O fato de muitos de seus moradores fazerem parte de famílias nordestinas é o maior exemplo. Em muitos casos, após a chegada de um dos membros da família e seu estabelecimento na favela, as condições estavam postas para a chegada de outros familiares. Constituem-se amizades entre seus moradores de uma forma muito semelhante ao que Tönnies (1944) chama de “comunidade de lugar”. Neste tipo de comunidade, a proximidade física do local de moradia representa uma de suas características estruturantes. Devido à proximidade das residências em Rio das Pedras, também podemos encontrar esta condição, embora não seja este o principal conceito deste trabalho. Nossa tarefa é compreender como se organiza este lugar. A idéia de um “espaço relacional” nos termos de Bourdieu (1999) nos é muito cara. Ou seja, observar como se relacionam os diversos ocupantes dos lugares de Rio das Pedras para estruturar um lugar maior que é a própria favela. O trabalho de campo é de suma importância para compreender as particularidades que levam esta favela a ser conhecida como “segura”. Baseando-nos nestes pressupostos podemos indagar: Rio das Pedras aproxima-se da idéia “comunidade” no sentido atribuído por Bauman (2003) ao termo? Para o autor supracitado, com efeito, a comunidade representa um lugar seguro, contudo, devemos salientar que esta comunidade é um lugar inalcançável. Ela não existe, porém, carrega características como segurança e as ausências de autonomia e liberdade. Desta forma, o autor afirma que aqueles que a desejam vivem perseguindo-a constantemente. Podemos supor que os moradores de Rio das Pedras buscam a segurança desta comunidade. A idéia de segurança é reificada na existência da milícia que promove, em conjunto com a polícia, a segurança neste lugar. Temos aqui uma instituição oficial supra local e um grupo local particular atuando na favela. 3 4 Ibid, p.51. Ibid, p.52. 16 À luz de Leeds (1978), no estudo de Alvito 5 o lugar é visto a partir de planos organizacionais estruturados por estruturas supralocais. Estas estruturas podem ou não ter enraizamentos locais. No primeiro caso encontramos o próprio Estado ou as ONGs. No segundo, temos a igreja, que é uma instituição de forte enraizamento local, sobretudo as neo-pentecostais. Tais relações devem ser compreendidas a partir da relação entre Rio das Pedras e as instituições enraizadas na cidade formal. Não há dúvidas de que estas instituições possuem um papel na organização do espaço desta favela. As distinções espaciais entre a favela e a cidade formal refletem a forma como o Estado atua diferentemente no território da cidade e como a favela é compreendida enquanto fato social. A hierarquia social vigente em nossa sociedade é marcada por uma grande diferença de acesso aos recursos da cidade. Se observarmos nossa sociedade a partir das diferenças sociais, os distintos grupos sociais não se relacionam de forma linear. Esta hierarquia ocorre numa dimensão econômica, diferença de acesso à recursos financeiros, mas também há uma hierarquia de direitos, na qual alguns grupos possuem mais direitos que outros. Ambas estão associadas e influenciam-se mutuamente. Os diversos grupos sociais estão em constante conflito pelos recursos existentes da cidade. Contudo, a localização no espaço da cidade depende do lugar ocupado nesta hierarquia social. O espaço físico da cidade reflete a hierarquia social e a influencia de modo a facilitar ou não o acesso aos recursos materiais ou simbólicos do espaço urbano. Estas diferenças acima quando se concretizam no espaço físico da cidade, ocorre delimitando o espaço de cada classe e sua posição na hierarquia social. Neste sentido, temos os espaços destinados aos ricos e outros aos pobres. Na maior parte dos casos, a presença dos menos remediados no espaço daqueles de maior renda se dá com a venda de força de trabalho. Desta forma, não necessariamente, compartilham seus modos de vida 6 . O espaço ocupado por população de baixo poder aquisitivo, conhecido como favela, é um espaço segregado, estigmatizado tanto pela classe média, elites, 5 Op. Cit. Neste caso, “modos de vida” relacionam-se à idéia de “produção simbólica” de Gilberto Velho onde o autor entende que esta produção simbólica associa-se à “cultura como código, como sistema de comunicação, [que] permite retomá-la enquanto um conceito sociológico, propriamente dito. Não mais repositório estático de hábitos e costumes, ou uma coleção de objetos e tradições, mas o próprio elemento através do qual a vida social se processa – a simbolização”. (1981:105) 6 17 quanto por segmentos da academia e até mesmo por uma parcela de seus moradores. As condições de vida são precárias: falta saneamento básico, as ruas não são bem pavimentadas, os espaços são ocupados desordenadamente e o Estado não se faz presente garantindo, nas mesmas condições que no restante a cidade, direitos sociais básicos, como à educação, à saúde e à assistência social. Diante desse quadro, a tendência é a de o indivíduo se voltar para a sua sobrevivência em local inóspito e se desvincular de suas origens sociais, perdendo a sua identidade. Rio das Pedras seria uma favela nordestina no Rio de Janeiro? Não podemos ser taxativos afirmando que sim, mas precisamos observar que foi possível perceber, durante as nossas andanças, o desejo de identificação de seus moradores com raízes do nordeste, relacionadas à comida e a manifestações culturais, e uma tentativa de negar o fato de morarem numa favela. Favela como síntese de mazelas sociais. Sendo assim, achamos importante ressaltar a criação de uma identidade com o espaço no qual estas pessoas vivem. Apoiando-nos na distinção elaborada por Wacquant (2001) entre espaço e lugar, o segundo comporta uma relação de apego ao local. Em contraposição, o espaço seria destituído de relações identitárias, sobretudo com o espaço físico. Rio das Pedras valoriza o fortalecimento do lugar a partir de sua história e das relações sociais que dão vida ao lugar. Este autor ainda afirma que a dissolução do lugar representa “a perda de um local com o qual as populações urbanas marginalizadas identifiquem-se e no qual sintam-se seguras.” 7 No tocante à distinção em relação a outras favelas, haveria nela presença de um fenômeno que diz respeito à relação, complexa e desigual, entre favela e asfalto. Rio das Pedras tenta recriar ou requalificar esta complexa e desigual relação, contradizendo as outras favelas. Percebe-se a reprodução de elementos da cidade formal para contrapor ao rótulo de anomia atribuído ao espaço ocupado por população de baixo poder aquisitivo. Para que possamos caracterizar Rio das Pedras não podemos observá-la de modo homogeneizado, ou seja, anulador das diferenças: encontramos nesta favela muito mais do que toda esta precariedade que estigmatiza a favela. Há ali um comércio bastante diversificado, um significativo número de prestadores de serviços e a ausência do tráfico de drogas, presente nas outras favelas cariocas. A inexistência 7 Ibid, p. 169. 18 do tráfico nesta favela é vista de forma muito positiva e figura entre os elementos constituintes de sua identidade. Esta identidade formadora do lugar, consolida-se em função de uma posição no espaço. De acordo com o Pierre Bourdieu 8 , cada indivíduo ou pessoa ocupa um lugar. Este lugar representa uma posição no espaço social que é observada em função de suas externalidades, sobretudo, em função da posição ocupada pelo outro no espaço. Sendo assim, ao tentar compreender o lugar de Rio das Pedras devemos atentar para suas relações internas, bem como para as externas. Isto é, compreender esta favela a partir de suas estratégias para uso e ocupação do espaço urbano e quais as estratégias utilizadas para se afirmar em relação aos lugares externos à favela. Como se sabe, Rio das Pedras é uma favela onde as instituições democráticas presentes na cidade formal como o Estado, atuam de forma muito restrita. Tal fato motiva seus moradores a organizarem-se de forma cada vez mais independente da cidade, consolidando um lugar o Estado pouco atua. Uma das conseqüências é o fortalecimento dos líderes que praticam o assistencialismo tentando substituir o poder público neste lugar. Talvez este seja um dos grandes motivos que levam esta favela a viver cada vez mais voltada para o seu interior. O objetivo desta pesquisa é descobrir como as condições de segregação residencial podem contribuir para a reprodução deste modelo. Para o desenvolvimento de nosso trabalho, realizamos pesquisa de campo, aplicando questionários e entrevistando moradores. Encontramos algumas dificuldades, sobretudo, por sermos estranhos no local: alguns se negaram a responder às questões. Desenvolveremos nosso trabalho tratando primeiramente de discutir algumas visões do espaço denominado favela. Entendemos que a contextualização do espaço favela se faz necessário para que nele situemos o nosso objeto de estudo. Para compreensão de Rio das Pedras , o conceito de lugar é de grande importância. Em debate realizado com o geógrafo Demian Garcia Castro sobre o conceito de lugar, pudemos sintetizar algumas características deste conceito. O conceito de lugar é anterior à Geografia, mas sua grande utilização no senso comum faz com este se torne bastante impreciso, trazendo alguns problemas quando 8 Op. Cit. 19 utilizado cientificamente, pois já guarda diversos significados do uso popular. Na própria ciência geográfica este conceito é polissêmico. Ao longo da história desta disciplina este conceito recebeu uma importância diferenciada. A geografia francesa era uma “geografia dos lugares”, ideográfica. A geografia pragmática trabalha o espaço de forma geral, por valorizar modelos matemáticos, teorias e leis, esta não valorizava a dimensão do lugar, constituído em função das relações sociais. A geografia marxista, ao sobrevalorizar a dimensão do desenvolvimento do capitalismo, acreditava em uma homogeneização dos lugares. A geografia humanística, conforme João Batista em texto publicado na Revista Brasileira de Geografia (Mello, 1990), faz uma crítica radical ao positivismo e ao neopositivismo, pregando uma não separação entre sujeito e objeto, assim indivíduo e lugar não são vistos dicotomicamente, o indivíduo passa a ser o lugar 9 . A base para esta interpretação são as filosofias do significado: fenomenologia, existencialismo, idealismo e hermenêutica. O lugar emerge da experiência, sendo qualquer ponto de referência e identidade 10 . Para esta corrente da Geografia o lugar é um conceito, diferentemente de Santos (2002), para o qual é uma importante categoria de análise, sendo vista como sinônimo de local (CASTRO, 2003). A renovação da geografia marxista revalorizou o lugar. Frente a globalização avassaladora, o lugar é o freio de resistência. A diferenciação dos lugares ocorre em decorrência da própria lógica da Globalização. De acordo com Carlos, O lugar se produz na articulação contraditória entre o mundial que se anuncia e a especificidade histórica do particular. Deste modo o lugar 11 se apresenta como ponto de articulação 12 entre a mundialidade em constituição e o local enquanto especificidade concreta, enquanto momento. (CARLOS, 1996, p. 15-16) Diversos autores podem ser destacados na renovação desta corrente de pensamento, entre estes podemos citar: Milton Santos, David Harvey, Edward Soja, Robert Sack e Doreem Massey. 9 Ibid. Ibid. 11 Grifo do autor. 12 Grifo do autor. 10 20 Santos 13 valoriza o lugar a partir de diversas dimensões: da competitividade, da consciência, do consumo, da co-presença, do cotidiano, da memória, da idade, da rigidez, da divisão do trabalho, entre outras. Estas guardam relações entre si, não devendo ser entendidas separadamente. Santos define que o lugar consiste da extensão do acontecer solidário ou homogêneo, revelando que mais importante que a consciência do lugar é a consciência do mundo que se tem a partir do lugar. Uma consciência que é específica, condicionada pelo lugar e pelas leituras proporcionadas a partir deste. Como fundamentação teórica, basear-nos-emos em estudos desenvolvidos por Harvey (1980) e Topalov (1979), que abordam a formação de desigualdades espaciais na cidade capitalista. Sem dúvida, interessa-nos como as desigualdades espaciais refletem as hierarquias sociais. Esta relação nos ensina como as desigualdades de classe estão bem localizadas no espaço. Desta forma, o espaço dos pobres encontra sua expressão na favela. No segundo capítulo, Wacquant 14 nos apresenta a noção de “marginalidade avançada”, importante para compreendermos os imbricamentos entre as áreas estigmatizadas da cidade com os espaços não estigmatizados. A partir desta noção, podemos discutir características internas da favela numa comparação com o gueto. Ainda neste capítulo, é relevante abordar como alguns autores brasileiros tratam o tema da favela. Neste sentido, ao apresentarmos tais estudiosos, o diálogo refere-se, sobretudo às desigualdades sócio-espaciais. De antemão é importante afirmar que A conexão da favela com a sociedade, ainda que subalterna, permite ao seu morador experimentar a alteridade. Por outro lado, se a favela é majoritariamente preta e parda, nem todos os pretos e pardos pobres estão na favela, o que dá ao “favelado” a oportunidade de escapar da estigmatização e circular no espaço social sem portar as insígnias da desqualificação social. (RIBEIRO, 2001, p.15) Devemos ressaltar que a citação acima nos estimula a refletir em conjunto com outros autores sobre alguns limites das diferenças en 15 tre asfalto e favela. Com Burgos (1998; 2005), fica clara a importância do território na consolidação do modo 13 Op. Cit. Op. Cit. 15 Op. Cit. 14 21 de vida da favela. Através da idéia de controle negociado, nos baseamos em Machado da Silva (2002; 2004) para compreendermos como se efetiva a cidadania hierarquizada. Focalizaremos a favela do Rio das Pedras, apresentando breve história, da ocupação de sua área na década de 1960 aos dias atuais. Não apresentaremos um histórico extenso e detalhado, mas aquele que nos permitirá entender a razão dessa favela poderia ser tida como um enclave nordestino e a inexistência do tráfico de drogas. No que diz respeito ao ordenamento espacial, iremos nos basear em Burgos, em cuja obra encontramos elementos que nos permitiram compreender a divisão de espaço existente no interior de Rio das Pedras. No terceiro e quarto capítulos, abordaremos a relação entre seus moradores e o espaço. O foco será a interpretação das conseqüências em Rio das Pedras do fenômeno da segregação residencial. Esta parte do trabalho dedicar-se-á à análise de nossas pesquisas de campo. Em nossa conclusão, procuraremos sintetizar uma interpretação que nos permita compreender por que está em andamento o processo de reprodução das desigualdades sociais em Rio das Pedras através dos “efeitos da segregação residencial” sobre esta favela. Discutiremos o que é o “efeito de vizinhança” a partir de Bourdieu 16 e Kaztman (1999; 2001). Utilizaremos, em nossa interpretação, as idéias referentes ao lugar de Pierre Bourdieu 17 para enfocar a importância da dimensão espacial na reprodução do modo de vida. Importante, ainda a visão de Ruben Kaztman 18 que destaca a influencia dos recursos materiais e simbólicos presentes no bairro e na família. Tal é o escopo da contribuição que ora apresentamos. 16 Op. Cit Op. Cit 18 Op. Cit 17 1 Debatendo a segregação residencial e os recursos da cidade Falar de favela hoje se torna cada vez mais difícil em virtude dos inúmeros trabalhos sobre o tema. Existe um gigantesco bombardeio de informações. O número de publicações sobre estes espaços, presentes nas grandes metrópoles brasileiras, cresce na mesma velocidade com que se multiplica o número de favelados. A cidade do Rio de Janeiro é um ótimo exemplo de tal efervescência e o livro Pensando as Favelas do Rio de Janeiro 1906 – 2000 (MEDEIROS e VALLADARES, 2003) retrata esta idéia. A obra é um catálogo diversificado de publicações sobre o tema da favela; diversos ramos científicos se propuseram a abordar tal questão, provando assim os inumeráveis aspectos que compõem este tipo de espaço. Imaginamos que a segregação residencial faça parte dos aspectos condizentes com a organização sócio-espacial das cidades. Em virtude da existência de desigualdades entre as classes, encontramos diversas ocupações do espaço urbano e efetivam-se nítidas distinções referentes ao local de moradia. Este fato representa uma das dificuldades de acesso igualitário à utilização dos recursos da cidade. Utilizamos-nos das idéias de Christian Topalov e David Harvey para discutir algumas formas de apropriação e uso do espaço urbano capitalista. Por estes autores fazerem uma leitura marxista dos processos de ocupação do espaço é possível analisar a cidade sob o prisma da luta de classes. Tal disputa propicia variadas inserções dos grupos sociais na cidade; uma delas é a favela. Já que nosso objetivo é estudar os efeitos da segregação residencial sobre uma favela, consideramos importante abordar alguns aspectos associados às favelas. Como é sabido, há uma grande variedade de estereótipos que designam estes lugares. São imagens que nem sempre correspondem à realidade da organização sócio-espacial dos moradores de favela. Além disto, reforçam a separação no espaço público de negociação entre as classes e restringem o acesso à cidadania dos favelados. 23 1.1 Segregação residencial O debate em torno da favela está intimamente associado à hierarquia social entre os moradores de favela em relação ao restante dos moradores da cidade. A favela é vista como o lugar segregado, e esta condição está associada à concentração destes “excluídos” 1 num lugar “isolado” do restante da cidade. Inicialmente não serão simplesmente estas as noções com as quais pretendemos discutir a favela. Verificar como são ou vivem estas pessoas numa favela específica é fundamental para apreendermos a sua organização no espaço. Esta é uma tarefa cara a este trabalho; possivelmente esta pesquisa se ocupará menos dos processos sociais que deflagram a condição de excluído do que o modo pelo qual a mesma se reproduz a partir de relações com o território. O termo “isolado”, que apresentamos acima, remete à idéia de confinamento na cidade; ao mesmo tempo remete-nos a uma posição distinta e delimitada. Esta idéia de isolamento esta vinculada à argumentação proposta por Maria Alice de Carvalho (2000) em relação à “cidade escassa”. A autora interpreta a cidade como o espaço da sociabilidade inerente à integração na pólis e o lugar do exercício da cidadania respaldada pelo Estado. Sendo assim, a favela pode representar a incapacidade do Estado e do mercado em prover seus moradores de cidadania como o fazem no restante da cidade. A liberdade de acesso aos direitos “inerentes” ao espaço urbano é o argumento central da autora, inclusive Carvalho 2 afirma que temos hoje “o resultado da privação de liberdade que impediu os desiguais de lutarem por seus direitos e por sua incorporação à Cidade”. Esta privação nos remete à idéia de impossibilidade de acesso a algum direito. Acreditamos na ausência do direito de integração à cidade. A idéia de segregação residencial está estreitamente associada à negação do acesso à polis. Estes direitos estão associados às condições de inserção no espaço da cidade. Desta 1 A noção de exclusão ainda encontra distintas abordagens nas ciências sociais e atribuem significados diversificados ao conceito de excluído. Tal situação obriga a um posicionamento que este trabalho não se propõe. Não é o objetivo central desta pesquisa, discutir quem é o excluído. Em função da imprecisão, colocamos entre aspas a primeira aparição do termo excluído, porém, as aspas desaparecerão para uma melhor fluidez do texto. 2 Ibid, p.48 24 maneira, a segregação agrega também a inviabilidade de determinada classe ocupar em igualdade de direitos a cidade. Não podemos afirmar que a condição de confinamento seja uma situação comum nas cidades brasileiras; talvez seja mais prudente relacionar o adjetivo “isolado” às diferenças hierárquicas entre lugares do espaço urbano, neste sentido podemos falar de distâncias sociais, ao invés de “isolamento”. Os recursos da cidade não são distribuídos igualitariamente. Entre estes recursos está a moradia: a favela vincula-se à dificuldade de alcance pelo mercado formal a este bem. Ao discutir a favela, estamos falando de relações sociais que se configuram em virtude de territórios muito bem definidos fisicamente nesta cidade. Não devemos entendê-la apenas como um pedaço do espaço. É necessário observar como se estabelece a relação entre os favelados e o restante do espaço. O Estado atua no sentido de prover a cidade formal das condições de exercício da cidadania, numa direção que fortaleça a interação. Na favela esta atuação realiza-se de uma forma que perpetue a segregação residencial. Projetos como o Favela-Bairro são ineficazes nesta integração à cidade formal. Para Kaztman (2001, p. 3) La mayoría de las políticas públicas que se llevan a cabo en los países de la región para elevar el bienestar de los pobres urbanos han descuidado los problemas de su integración en la sociedad, operando como si el solo mejoramiento de sus condiciones de vida los habilitara para establecer (o restablecer) vínculos significativos con el resto de su comunidad. Despiciendo a constatação de que a maior parte da população que sofre as piores conseqüências dessa segregação reside nas favelas. Mister, entretanto, reconhecer que estas pessoas sofrem os maiores efeitos da segregação residencial, sendo importante caracterizar mais precisamente as condições nas quais vivem estes pobres urbanos, que encontram-se alijados do acesso à cidade. Para tanto, devemos, preliminarmente, perquirir o exato sentido do que seja segregação residencial. Seu significado existe a partir de duas outras noções. A primeira é a diferenciação que designa simplesmente diferenças de atributos ou características entre mais de uma classe social. A segmentação, além de incluir a anterior é marcada pela criação de barreiras que impedem o acesso de uma classe social a outra. Finalmente, a segregação que envolve as duas precedentes refere-se ao fato de uma 25 ou outra classe manter ou erigir muralhas que acentuem as barreiras que as separam. A mobilidade social dos pobres é muito mais difícil quando o mercado é o mecanismo central de acesso aos recursos da cidade. Uma das conseqüências deste processo é a inviabilização de tal acesso que torna cada vez mais restritas as probabilidades de integração social. Destarte, a possibilidade de um reconhecimento enquanto participante da vida da cidade esfacela-se. Tanto os bairros de migrantes do campo quanto os formados por trabalhadores urbanos (KAZTMAN, 2001) vivem a segmentação social condicionada pela defasagem de acesso aos recursos. Tal problema nunca foi sanado e com a redução do papel do Estado agrava-se a problemática daqueles que ocupam as favelas do Rio de Janeiro. A segregação residencial é caracterizada pela imposição de diferenciações sociais. Isto quer dizer que as diferenças de classes são reafirmadas através de práticas sociais que cristalizam o afastamento entre grupo que pertencem a classes sociais distintas. Desta maneira, os moradores da cidade que pertencem aos estratos sociais mais baixos tendem a encontrar obstáculos maiores para ascender socialmente pois, as vias de acesso à mobilidade social (leia-se mercado e Estado) são controladas pela classe de maior poder aquisitivo. Ao ter vetadas suas oportunidades de acesso à melhores condições de vida, aos pobres urbanos resta utilizar os serviços públicos de pior qualidade, dos quais a classe média e a elite não fazem parte, e ocupar os espaços de menor interesse para o mercado e onde o poder público atua de forma diferenciada. Nestes espaços, o poder público não age no sentido de promover a diminuição das diferenças de classe entre os grupos sociais. Estas diferenças sociais que impedem os mais pobres de viver na cidade da mesma forma que os grupos sociais mais abastados, se refletem na forma de ocupar o espaço urbano. Neste sentido, quando Bourdieu 3 afirma que “o espaço social se retraduz no espaço físico”, o autor afirma que o poder sobre o espaço que a posse do capital proporciona, sob suas diferente espécies, se manifesta no espaço físico apropriado, sob suas diferentes espécies, se manifesta no espaço físico apropriado sob a forma de uma certa relação entre a estrutura espacial da distribuição dos agentes e a estrutura espacial da distribuição dos 3 Op. Cit. P.160 26 bens ou dos serviços, privados ou públicos. A posição de um agente no espaço social se exprime no lugar do espaço físico em que está situado [...], e pela posição relativa em relação a suas localizações temporárias [...] e sobretudo permanentes [...] ocupam em relação às ocupações de outros agentes. 1.2 Distribuição dos recursos na cidade Para entendermos melhor como ocorre a distribuição de classes pela cidade é importante recorrermos às idéias de reprodução da cidade capitalista descritas por Christian Topalov. A cidade como força produtiva é uma idéia pautada no capital industrial. Vemos hoje os serviços como um núcleo econômico da acumulação capitalista na cidade, porém, o mercado continua regulando as relações sociais. Enquanto na fábrica existia uma força produtiva centralizada, atualmente, a força produtiva da cidade encontra-se dispersa, atomizada em decisões individuais e estes processos são coordenados pelo mercado. Sabemos que as relações de mercado são estimuladas pela busca do lucro, que é obtido a partir da comercialização de mercadorias, artigos capazes de condicionar as relações sociais fundamentadas na troca. Discutiremos a relação entre classes e o acesso aos recursos orientados pelas trocas de mercadorias. Karl Marx nos ensina que as mercadorias, além de objeto de consumo, podem ser meios de produção. Para Marx (1985, p.45) “a mercadoria é, antes de tudo, um objeto externo, uma coisa, a qual pelas suas propriedades satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie”. A mercadoria possui valor de uso; tal propriedade é “realizada no momento do uso ou do consumo” 4 . Afora seu valor de uso, a mercadoria possui valor de troca e é esta peculiaridade que a permite ser permutada. Podemos entender o processo de urbanização do Rio de Janeiro sob a lógica de apropriação desigual do espaço construído. Há uma má distribuição dos bens de uso coletivo que são de responsabilidade do Estado. Entendendo o solo urbano como uma mercadoria no sentido marxista do termo, concluímos que os 4 Ibid 27 lugares com maior acúmulo de bens fixados no solo tornaram-se mais valorizados, isto é, possuem maior valor de troca. As empresas, responsáveis pela geração de emprego, procuram para se instalarem os melhores espaços, isto é, aquelas dotados de maior quantidade de infra-estrutura. Estas áreas também são atraentes para o capital imobiliário e com isto as classes de maior poder aquisitivo deverão ser atraídas. Sendo assim, ocorre a concentração de diversos capitais em alguns locais específicos da cidade, o que proporcionará o que Christian Topalov chamou de “sobre-lucro de localização”. O autor define da seguinte maneira esta relação: Va a tratar especialmente de apropiarse de las sobreganancias de localizaçión; invertiendo en las localizaciones favorables el capital va a beneficiarse de condiciones de rentabilidad superiores a la media, por lo tanto de una sobreganancia. Pero no es él quien crea essas condiciones, es o proceso ciego de la concentración espacial de los capitales (Topalov 1979, p.32). Quando observamos a Barra da Tijuca, percebemos o enorme número de empresas privadas no bairro. Concomitantemente à concentração de capital econômico, há a necessidade de uma força de trabalho de baixo custo, fato este que transforma a Barra num pólo de empregos. Parte destes trabalhadores reside em Rio das Pedras, fato que reafirma retradução das oposições do espaço social no espaço físico. Em virtude desta “concentração espacial de capitais” ocorre o que Topalov 5 denominou de “efeitos úteis de aglomeração”. O desenvolvimento desigual do espaço reflete o fato de que nem todas as áreas (neste caso as favelas) são de grande interesse para o capital, uma vez que “ciertas zonas del territorio nacional, ciertas zonas de cada aglomeración urbana no otorgan al capital las condiciones generales de su valorizacíon” 6 . No Rio de Janeiro, as favelas representam estas áreas de desinteresse do capital e o poder público age de forma distinta em relação ao restante à cidade. A modalidade de participação do Estado não proporciona uma alteração no padrão de inserção destas populações à cidade. A expressão da urbanização desigual no Rio de 5 6 Ibid Ibid, p.32 28 Janeiro reflete-se na existência de espaços onde a infra-estrutura é mínima ao lado de outros, onde a associação entre Estado e capital é intensa. No caso das favelas a auto-construção de moradias resulta fundamentalmente da exclusão de vastos segmentos da população do mercado formal de moradias. Há uma tendência das classes sociais de aperfeiçoar a relação entre bens da cidade e suas possibilidades de uso, através da localização da moradia e assim aumentar seu bem-estar. Isto quer dizer, que através do efeito de aglomeração, os estratos sociais mais altos ocupam os espaços que os aproximem e facilite o acesso a tais bens. Por outro lado, as classes menos favorecidas ocupam os locais onde a falta dos “recursos” (Harvey, 1980) é mais acentuada. Pode-se observar que na Barra reside a parcela da população que pode pagar para ter acesso a tais bens, majoritariamente privados. Embora haja alguns bens fixados ao solo instalados pelo poder público, não são estes que os oradores do bairro utilizam. Estamos nos referindo a um hospital público e escola municipal dentro de condomínio fechado. Estes bens acabam sendo de uso de moradores de Rio das Pedras e outros moradores de Jacarepaguá ou filhos dos trabalhadores mal remunerado da Barra da Tijuca. Por morar em Rio das Pedras, estas pessoas têm a possibilidade de utilizar benesses no bairro próximo. Contudo, isto não significa um integração entre os moradores dos dois bairros. O acesso a determinados bens da cidade é proporcionado, primordialmente, pelos salários, de modo que as possibilidades de adquirir certas mercadorias estão vinculadas ao montante de riqueza de cada indivíduo (Ribeiro, 1997). Há uma enorme diferença entre os trabalhadores que conseguem receber salários e são reconhecidos pelo estado e aqueles alijados deste processo (Lautier, 1997; Kowarick, 2002). O acesso aos artigos da cidade é também intensamente regulado pela natureza de obtenção do salário. Numa visão um pouco mais ampla destes bens, podemos encará-los como recursos e estes estão relacionados à renda. De acordo com Harvey 7 , não podemos restringir a noção de renda apenas a uma medida monetária; existem outros elementos que ajudam a compor a renda dos indivíduos na cidade. Trabalhando com o conceito de “renda real” 8 , torna-se importante considerar o modelo ou padrão de distribuição dos recursos na cidade. Os 7 8 Op. Cit Ibid 29 salários fazem parte desta renda real; no entanto esta não é simplesmente o montante de dinheiro recebido num determinado período de tempo. É fundamental associar o salário à localização do indivíduo na cidade; esta localização nos permite verificar a capacidade e a possibilidade de domínio dos escassos recursos do espaço urbano. Logo, uma mudança na localização da moradia implica necessariamente uma alteração nesta renda real. É importante considerarmos a distribuição de recursos construídos no solo urbano; no entanto, devemos nos ater à velocidade de adaptação ou equilíbrio das classes a esta distribuição. Na cidade do Rio de Janeiro, um exemplo deste desequilíbrio pode ser a recente urbanização da Barra da Tijuca. Segundo tal processo podemos observar a alteração realizada no sistema urbano, causando inicialmente, um aumento nos recursos existentes e destinados a uma determinada classe, promovendo uma concentração. Em decorrência, o acesso à moradia e outros serviços para os pobres torna-se secundário ou esvaziado, uma vez que não é de interesse do empresariado investir em bens destinados a esta classe 9 . Para que os pobres possam ter acesso à morada decente neste bairro sem ser nas favelas seria necessária uma ação do Estado. Todavia, além dos recursos públicos que seriam necessários aos de orçamento raquítico, existem outros empecilhos que funcionam como barreiras; o capital social é um bom exemplo. Este tipo de capital vincula-se também ao nível educacional. Mais adiante analisaremos com maior profundidade este aspecto. Por enquanto, apresentaremos como David Harvey analisa esta relação: Certos grupos, particularmente aqueles dotados de recursos financeiros e educacionais, estão aptos a adaptar-se muito rapidamente à mudança no sistema urbano, e essas disposições diferenciais, para responder à mudança, são uma fonte básica de desigualdades. (Ibid., p. 44) A Barra da Tijuca é uma área onde o poder público se faz presente de forma muito pontual e os recursos criados pelo capital imobiliário possuem alto valor agregado, impedindo seu uso pelos mais pobres, gerando assim a separação por classes. Para David Harvey, a renda real passa pelo domínio dos recursos da cidade, 9 Por este ângulo, os moradores de Rio das Pedras têm sua “renda real” composta também pela possibilidade de acesso a determinados bens públicos na Barra da Tijuca ou em Jacarepaguá. 30 sejam eles naturais ou não. Podemos aceitar que os bens culturais, áreas livres, transporte ou escolas sejam recursos. Conforme se realiza a má distribuição de renda pela cidade podemos perceber como se dá o acesso aos bens em função do local de moradia. Para Harvey 10 o “domínio sobre os recursos, que é [a] definição geral de renda real, é assim função da acessibilidade e proximidade locacionais”. E é em virtude de tal contradição que nos debruçaremos sobre o estudo de uma favela carioca, Rio das Pedras. Acreditamos que esta favela seja o resultado dos efeitos combinados de dois fatores estruturais. Por um lado, o alijamento do mercado de moradias (formal, capitalista) daqueles que estão na base da hierarquia social, portanto sem poder de compra. Por outro, temos a apropriação capitalista do território, e seu duplo aspecto: é vedada à estas camadas o acesso à partes da cidade e de seus serviços e ocorre a concentração das moradias dos trabalhadores em locais específicos da cidade. Isto posto, faz-se necessária uma introdução às diversas abordagens concernentes ao “conceito” de favela. O segundo capítulo tratará dessas abordagens a partir do diálogo com alguns estudiosos do tema. O local de moradia figura dentre os recursos que poderão possibilitar o acesso a outros recursos que também permitam a acumulação privada do capital. Concordamos com Bourdieu 11 quando discute a “estrutura social” manifestada em “oposições espaciais”, para o autor, o espaço habitado (ou apropriado) funcionando como uma espécie de simbolização espontânea do espaço social. Não há espaço em uma sociedade hierarquizada, que não seja hierarquizado e que não exprima as hierarquias e as distâncias sociais. Assim a luta presente no espaço social traduz-se no espaço físico da cidade. O espaço das favelas expressa a posição de desigualdades das camadas populares na disputa por esta apropriação. 10 11 Ibid, p. 56 Op. Cit, p.160 31 1.3 A idéia de favela nos remete a alguns sensos-comuns eruditos Investigar o espaço denominado favela pode significar reproduzir ou repetir o que já foi compreendido em investigações anteriores que tiveram a favela como objeto de estudo. Não se pode desconsiderar, todavia, que este espaço tem sua dinâmica e está seguindo o processo histórico de transformações sucessivas. Novos problemas afloram e aguardam respostas, que – vale ressaltar – nunca serão definitivas. Uma das dificuldades em tratar a questão da favela ou o “problema favela” (MACHADO DA SILVA, 2002) está no desafio de se evitar o lugar comum, que seria: simplesmente repetir o que já foi dito, ou tratá-la como um espaço uno e desconectado da chamada cidade formal. Neste caso chamamos atenção para as diferenças inter e intra favelas. À luz da literatura que trata da segregação residencial, através deste capítulo, pretendemos reunir alguns aspectos sobre o que pode ser uma favela tipicamente carioca. No entanto definir seria criar uma forma engessada e por privilegiarmos a heterogeneidade não nos cabe contribuir para sua homogeneização. A favela tem forte presença na história da cidade e é feita sua associação com a intensa carga negativa de adjetivos cunhados por autoridades e outras parcelas da sociedade. Talvez o senso comum tente defini-la pelo que não é ao invés de mostrar como realmente se dá a vida na favela. Assim tornam-se recorrentes as idéias de precariedade urbanística, sujeira, ausência de beleza, vazio de “sentimentos humanitários” (ALVITO e ZALUAR, 1998, p. 8) e abrigo de criminosos, ou seja, o lugar da anomia dentro da cidade. Algumas interpretações, supostamente inspiradas em Durkheim, representam a favela como expressão da desarmonia social. Essa visão reflete a posição daqueles que compõem a elite social, presa aos seus próprios valores, tidos como ideais. A anomia é vista também como predominantemente como padrão de comportamento social seja em razão da ausência do Estado, uma das instituições representativas da ordem burguesa prevalecente na cidade formal, seja em razão da 32 desestruturação social destes territórios. Quanto a isto ressaltamos a importância da escritura dos imóveis, implicando, então, no tipo de regulação cuja norma é ratificada pela instituição supracitada. Sem tal ratificação, passa a ser qualificada como “informal”, conforme Lautier 12 qualifica o termo. Na favela este documento torna-se mais raro, pois as ocupações se deram não a partir de transações registradas em cartório, mas pela necessidade de ter um abrigo, um lugar onde se sinta em casa com sua família. Para terminar esta seção do trabalho, apresentaremos um pequeno trecho: Na nossa sociedade, especialmente quanto aos desprovidos de maiores recursos e de pouco estudo, que constituem a grande massa, a maioria dos negócios imobiliários sobre os pequenos lotes urbanos ou rurais que ocupam são feitos sem nenhum papel; quando chegam a tanto, o documento recebido confere a idéia de segurança e de suficiência, não imaginando o adquirente que poderá perder o seu direito se não atender ao formalismo da lei. É por isso que nossas leis – tão perfeitas, copiadas dos europeus – têm tanta dificuldade de serem cumpridas e aplicadas: não são feitas para o nosso povo. (AGUIAR – Ministro do Superior Tribunal de Justiça – Trecho do voto proferido no RESP nº 369.296-MG, 2006) 1.4 Diferenças sócio-espaciais Mesmo que o conceito de genoespaço de Gomes (2002) não seja exclusivamente cunhado para o estudo de favela, ele será utilizado no sentido de nos permitir interpretar a ordem vigente na favela. Talvez esta se identifique com algumas características daquilo que o autor definiu como genoespaço, tendo em vista as diferenças existentes em relação ao restante da cidade. Gomes (2002, p.60), ao nos apresentar os elementos capazes de fundamentar este tipo de espaço, afirma que O discurso que funda a identidade comunitária é o da diferença [em relação “aos de fora”]. Em outras palavras, a diferença se faz exagerando os traços distintivos daquele grupo de pessoas e diminuindo a importância de todas as outras características comuns compartilhadas pelos outros grupos. 12 Op. Cit 33 Ao utilizar a idéia do autor sobre a diferença como elemento capaz de definir os membros de um território, estamos nos referindo ao que estaria presente na visão dos moradores do “asfalto” sobre os favelados, quando aqueles se comparam com estes. De acordo com o discurso do grupo hegemônico os favelados seriam um outro grupo, possivelmente inferiores, dentro da cidade. Contudo, devemos afirmar que o problema do sentido da favela como comunidade, muitas vezes é imposto e na maioria das vezes não se funda na diferença espacial, mas na desigualdade statutária. Podemos aludir às idéias de Elias e Scotson (2000) sobre estabelecidos e outsiders, temos um grupo que consegue inferiorizar outro na cidade fundamentalmente valendo-se de algumas diferenças relativas a poder. Os moradores da cidade formal difundem discursos nos quais a idéia de inferioridade é reservada aos favelados. Sobre isto os autores acima afirmam que “um grupo só pode estigmatizar outro com eficácia quando está bem instalado em posições de poder das quais o grupo estigmatizado é excluído” 13 . Para estes autores, geralmente, os grupos de estabelecidos realçam os traços que possivelmente inferioriza os outsiders. O exagero de tais caraterísticas tem a função de consolidar tais estigmas e homogeneizar todos os membros do grupo aoutsider. Reforçam, desta forma, as diferenças entre os dois grupos. Já a argumentação de Georg Simmel sobre a estruturação de pequenos grupos sociais, nos estimula a refletir sobre a conduta dos participantes de um grupo coeso. Simmel (1979[1902], p.18) nos diz que A primeira fase das formações [...] é a seguinte: um círculo relativamente pequeno firmemente fechado contra círculos vizinhos, estranhos ou sob qualquer forma antagonísticos. Entretanto, esse círculo é cerradamente coerente e só permite a seus membros individuais um campo estreito para o desenvolvimento de qualidades próprias e movimentos livres. [...] Portanto, não podem permitir a liberdade individual e desenvolvimento interior e exterior próprios. Desta forma, se pode entender que estes círculos tendiam ao fechamento e tolhiam as liberdades individuais que pudessem ameaçar uma possível unidade interna. Em virtude do correr dos anos, estes grupos, localizados nas metrópoles, são 13 Ibid, p. 23 34 impelidos à mudanças, o que pode motivar uma resistência interna. Tal situação está presente em Rio das Pedras a partir de duas vertentes. A primeira está associada ao desenvolvimento ao seu desenvolvimento interno. Este fenômeno é valorizado por seus moradores pó não precisarem de lá sair para consumir. Circular pelos lugares externos à favela não é uma atividade desejada por seus moradores. Durante nossas entrevistas encontramos fala como: “Compro tudo aqui mesmo, só saio daqui quando vou comprar com o cartão que o governo deu”; ou “Aqui tem de tudo!”. Percebe-se que estes “homens lentos” (SANTOS, 1996; 2002) pouco circulam, fortalecendo, neste sentido, seus laços com o território. Já, a outra vertente se relaciona à possibilidade de demonstrarem coesão e resistência internas através da valorização dos costumes e identidade nordestinos. Tal prática se apóia na negação dos valores cariocas como veremos posteriormente. Desta forma, “hoje em dia 14 [...]” afirma Simmel 15 “quanto menor é o círculo que forma nosso meio e quanto mais restritas aquelas relações com os outros que dissolvem os limites do individual, tanto mais ansiosamente o círculo guarda as realizações”. Os membros do genoespaço 16 são reconhecidos pela diferença, conforme salienta o autor, contudo, a idéia de diferença statutária talvez seja mais eficaz para o nosso estudo. Grosso modo, isto quer dizer que, para os moradores do “asfalto”, na favela reside um segmento populacional outsider. De acordo com “os de fora”, quem está ali não é igual ao morador da cidade 17 ou quiçá não teria os mesmos direitos na cidade 18 e, por morar na favela, possuem um único traço identitário capaz de homogeneizá-los, a condição de favelado. Para os favelados, o lugar onde moram não é homogêneo e mesmo que a visão hegemônica tente igualá-los numa mesma condição, internamente, suas diferenças são constantemente reafirmadas. E Rio das Pedras demonstra isto com 14 Cumpre salientar que o esse texto foi escrito em 1902, momento de grande produção intelectual da Escola de Chicago. 15 Op.Cit p. 19 16 Uma categoria analítica cujas características devem ser tratadas com cautela e reservas, sendo então uma abstração para fins analíticos semelhante ao tipo-ideal weberiano. É preciso deixar claro os limites deste conceito como o de “nomoespaço”, pois o autor afirma que “não corresponde a nenhum caso concreto e não pode por isso traduzir toda a complexidade envolvida em diferentes contextos históricos e espaciais.” (Gomes, 2002: 122) 17 Inegável que em alguns caso a recíproca é verdadeira, sobretudo para aqueles que não estabeleceram laços com moradores ou instituições do asfalto. 18 Esta idéia de acesso ou direito à cidade está relacionada com conceito de “cidade escassa” de Carvalho (2000). 35 suas distinções espaciais. Vejamos, por exemplo, o espaço físico da favela: os locais por onde circulam os ônibus encontram-se as melhores condições de infra-estrutura; por outro lado, há o lado da favela onde não existe asfalto, seus moradores vivem em residências de madeira e conhecem menos o que há fora de Rio das Pedras. Com isto temos também uma visão dos moradores destes espaços sobre si mesmos que difere da que emana do “asfalto”. Para os favelados, a heterogeneidade da favela sobrepõe as estigmatizantes visões homogeneizadoras que retiram este território da condição de lugar e o transforma em espaço. (WACQUANT, 2001; BAUMAN, 2003) O conceito de genoespaço está sendo utilizado como mais uma ferramenta que nos auxilie no entendimento de uma das características presentes na favela, isto é, favela X asfalto: a identificação com o território ocupado a partir da diferença. Desta forma, não está encerrada como genoespaço a caracterização ou classificação da favela, ou seja, não podemos ver a favela simplesmente como um espaço diferente, referenciando-nos naquilo que não é favela, inclusive, porque metodologicamente tal categoria analítica não nos permite a utilização restrita na abordagem de determinado fenômeno. Ela é utilizada, aqui, como um instrumento capaz de auxiliar na compreensão deste tipo de espaço. Mister é reconhecer o tipo de reconhecimento dispensado pelo Estado e o mercado aos moradores de favela. A favela passa a ser identificada, por alguns, como a negação de tudo que há na cidade formal. O maniqueísmo toma conta de inúmeras formulações a respeito da favela e o seu entorno. E é justamente isto que deve ser questionado e esmiuçado. Não é possível entender a favela observando apenas suas semelhanças ou definindo-a, segundo Silva (2002, p.110), “pelo que ela não é ou pelo que não tem”. A dualidade na relação entre cidade formal e informal predomina, sobretudo, nas idéias difundidas pelo senso comum, corroborando para a “utilização da favela como espelho invertido na construção de uma identidade urbana civilizada” (ALVITO & ZALUAR, 1998, p.12). O conceito de dualidade utilizado para explicar a complexa realidade social brasileira, expressa no binômio moderno/atrasado, é aplicado também em análises sobre favelas e o restante da cidade. Neste caso tal relação é, geralmente, traduzida em asfalto x favela. Mais contemporaneamente esta relação vem sendo enunciada pela dualidade favela-bairro, em razão do programa da prefeitura que leva este nome. Esta denominação permanece apesar de muitas favelas já possuírem asfalto como é o caso de Rio das Pedras. Outra importante 36 distinção entre favela e asfalto refere-se ao poder coercitivo do Estado, sobretudo em relação aos favelados. A forte carga semântica e distintiva dos termos transcende as mudanças ocorridas na favela. Inclusive, no caso de Rio das Pedras, vêem-se formas de dispor as casas muito semelhantes àquelas encontradas na cidade formal. Sobre os intensos e rotineiros tiroteios entre traficantes de favelas rivais ou entre traficantes e policiais, podemos afirmar que a forma de representação social dominante sobre estes eventos, estigmatizam os locais onde ocorrem. Desta forma, a polícia só pune a população destes territórios, que sofrem a violência institucionalizada. A polícia é parte do aparelho do Estado, responsável pela manutenção da ordem e é justamente nas favelas que tal instituição age com maior truculência, exatamente para “manter a ordem”. A favela é o lugar na cidade onde mais efetivamente há ações policiais. Na sua história, as favelas sempre foram percebidas como o símbolo da desordem, moradia dos indivíduos classificados como vagabundos, reflexo do processo de criminalização da pobreza. Uma série de outros adjetivos serve para legitimar a ação do Estado contra as pessoas que ali moravam. Incrivelmente, esta ação sempre foi violenta, nos dias de hoje principalmente. O argumento de combate ao tráfico de drogas serve como justificativa para a entrada da polícia nas favelas e, com isto, uma série de imagens negativas permeiam as representações e dizeres a respeito da mesma. Rio das Pedras se destaca por ser uma favela no Rio de Janeiro e que não é controlada pelo tráfico de drogas. Neste sentido, a milícia armada presente nesta favela recebe o apoio e é legitimada por seus moradores por representar um impedimento à presença de traficantes. Seus moradores valorizam a ordem imposta por esta milícia. Tal fato aparece claramente em suas falas. Durante a aplicação dos questionários, nos detínhamos por mais tempo na pergunta “O que você mais gosta do bairro onde você mora?” e estabelecíamos um diálogo que permeasse a presença desta milícia, a presença do poder público e atividades da AMARP. Quando era feita a pergunta acima encontrávamos as seguintes respostas: Entrevistada: Aqui é muito bom. É muito tranqüilo e não preciso sair para nada. É muito bom porque não tem tráfico e nem tiroteio. A gente anda tranqüila qualquer hora do dia, não tem assalto. Pesquisador: O quê que você acha da prefeitura? Entrevistada: Da prefeitura? Não sei. Acho que eles não vêm aqui não. 37 Pesquisador: Você acha aqui um lugar seguro? É o governo que faz a segurança? Entrevistada: Acho sim. Mas não sei quem faz a segurança aqui não. Deve ser a polícia ou a prefeitura. Pesquisador: Você costuma ver a polícia por aqui? Entrevistada: Aqui no Areal não, quando vejo é lá na frente. Pesquisador: Mas então você não sabe quem faz a segurança? Entrevistada: Não sei não. O tratamento dado à favela pelo poder público, anteriormente, era marcado pela remoção, como se tal ação fosse dar fim às mazelas sociais. Atualmente, o Estado age na direção da integração ao restante da cidade, como afirmara Burgos (1998). Isto demonstra o que ainda está para ser realizado: a integração. A contenção do crescimento das favelas evidencia mais uma vez que as causas que levam à sua existência não foram resolvidas e o conflito gira em torno do controle ao crescimento. Com isso os programas de urbanização de favelas deixam de focar as causas de seu crescimento e todo um “saber sobre os pobres”, como diz Foucault (1987), pauta a ação do estado na manutenção da abrupta diferença de classes. Inúmeros preconceitos e distanciamentos são direcionados à palavra favela. Morar num lugar estigmatizado pela violência é extremamente negativo e influencia na relação com os outros espaços da cidade. Quando nos referimos anteriormente ao que David Harvey diz sobre a importância da localização na cidade, vimos o quanto isto é capaz de influenciar na acessibilidade do espaço urbano. Contudo, o estigma de ser pobre e morar numa favela é uma outra barreira ao acesso à cidade. A segregação residencial, mais que uma detenção no espaço, representa um impedimento social de direito à cidade. Tal estorvo associa-se às distintas produções simbólicas na cidade. As produções simbólicas na cidade seguem os desígnios da distribuição dos segmentos sociais. Ao refletirem as diferenças de classes e o acesso à cidade, tal produção reforça distintas percepções do espaço, acentua estereótipos e estigmas sociais, exclui determinados grupos de espaços específicos e, notavelmente, aumenta a diáfise entre os pobres e as classes mais abastadas. O lugar é caracterizado pelas relações que os indivíduos engendram com o espaço. É aqui que a noção de identidade com este último se faz bastante presente. Esta identidade cria-se a partir de símbolos que possuem significados específicos para os grupos que os compartilham. Gilberto Velho afirma que a “idéia de que existe uma produção simbólica e um sistema de símbolos que dão as indicações e 38 contornos de grupos sociais e sociedades específicas parece-me bastante reveladora e eficaz” (VELHO, 1981, p. 105). Esta produção simbólica na favela estaria atrelada ao modo de se ver em relação aos outros habitantes da cidade. Além disto, devemos afirmar que esta “produção simbólica” revela como pode ocorrer a transformação do espaço em lugar, vide mais uma vez a presença de características nordestinas em Rio das Pedras. O modo de vida em determinado lugar pode ser compartilhado por boa parte das pessoas que ali vivem. No caso referido acima a visão de mundo existente seria limitada pelas “fronteiras culturais 19 entre grupos de indivíduos que, segundo critérios sócio-econômicos comumente usados em ciências sociais, pertenceriam à mesma categoria” 20 . É importante observar o quanto o Estado sempre tratou a favela como espaço problemático, ressaltando assim as “fronteiras culturais”. Nos planos de remoção de favelas nota-se a idéia de um espaço que devia ser alijado da cidade. É interessante notar que, na tentativa de dar fim à favela (ou esconder os pobres?) 21 , o poder público se responsabiliza pela construção das novas moradias. Moradias cuja lógica urbanística tentaria impor a “ordem” àqueles que “necessitavam”. Hoje, pelo contrário a ação do poder público visa a transformar a favela em bairro, aparelhandoa com uma infra-estrutura e mantendo as casas já construídas. Neste sentido, o Estado continua intervindo sem ainda ter conseguido dar fim a tudo que a idéia de favela representa. Embora não seja habitada apenas pelos pobres 22 , a favela é vista como conjunto de pobres e continua carregando seus estigmas. Se a favela é local da desordem, espantosamente classificada como um agrupamento “subnormal” pelo IBGE, os conjuntos habitacionais e parques proletários resolveriam tal problema num passado não muito remoto. Cabe salientar que os favelados correspondem às famílias de remuneração mais baixa na cidade e recordemos que 19 Grifo do autor. Ibid, p.106 21 Em importante trabalho sobre as políticas públicas nas favelas cariocas, Burgos (1998: 27) nos lembra que “por serem consideradas uma ‘aberração’, não podem constar do mapa oficial da cidade; por isso, o código [código de obras da cidade de 1937] propõe sua eliminação”. 22 Zaluar (1985), ao narrar sua chegada ao conjunto habitacional Cidade de Deus (popularmente reconhecida como favela), afirma ter encontrado um grupo de moradores bastante heterogêneo e pessoas ocupadas em profissões típicas de classe média como funcionários de escritório, funcionários públicos ou técnicos. 20 39 a “descoberta” do problema favela pelo poder público não surge de uma postulação de seus moradores, mas sim do incômodo que causava à urbanidade da cidade, o que explica o sentido do programa de construção dos parques proletários, que tem por finalidade, acima de tudo, resolver o problema das condições insalubres das franjas do Centro da cidade, [...] (BURGOS, 1998: 27). Neste mesmo parágrafo o autor aponta para os indivíduos que deveriam habitar os parques proletários, deixando claro que o estrato social que “precisava” ser isolado era o de rendimentos mais raquíticos. A postura do Estado em relação aos pobres sempre fora de correção, como se estes necessitassem constantemente deste tipo de tratamento. A favela, por ser um lugar onde geralmente os imóveis são mais baratos, reúne as pessoas mais pobres, com isto é facilmente estigmatizada. Antes pela sujeira ou insalubridade, posteriormente pela desordem e hoje pela violência. A favela é constantemente vista pelas classes superiores como uma formação contrária aos ideais burgueses considerados legítimos pelos estratos mais ricos. Aprendemos com Alba Zaluar que classificar como “os pobres” aqueles trabalhadores de menor remuneração conduz a uma série de adjetivos estigmatizantes referentes a estes trabalhadores. São visões externas a estas pessoas que, geralmente, tratam de classificá-los e desqualificá-los. A abordagem dualista tenta enquadrá-los num lugar inferior em relação às elites. No entanto, quando aludem aos moradores de favelas como “os pobres”, o fazem com o objetivo de sinalizar a sociedade hierárquica e ressaltar o baixo nível de consumo de uma substancial parcela de indivíduos. Ao classificá-los desta forma, estamos negando a presença de segmentos empobrecidos da classe média na favela ou tentando estigmatizar quem reside numa favela. Na verdade, cristalizou-se um padrão de observação destas pessoas de orçamentos apertados. Interessante notar que, ao fazer diferenciações, estamos de alguma forma, recorrendo a subdivisões que sirvam a uma melhor definição do objeto de estudo. O objetivo deste exercício é, a partir de uma sociedade hierárquica e excludente, criar tipos em função de classificações. Para Michel Foucault, tais e quais classificações servem para “quadricular os excluídos”. Foucault comenta a necessidade de separar para controlar e disciplinar os atingidos pela peste e, posteriormente, no século XIX, os menos aquinhoados da sociedade. São técnicas de separação que, inevitavelmente, se utilizam de critérios 40 baseados na situação social dos grupos de indivíduos, métodos de cerceamento renovados com o passar dos anos e arcaicos quanto aos objetivos. Esquemas diferentes, portanto mas não incompatíveis. Lamentavelmente, vemo-los se aproximarem; e é próprio do século XIX ter aplicado ao espaço de exclusão de que o leproso era o habitante simbólico (e os mendigos, os vagabundos, os loucos, os violentos formavam a população real) a técnica de poder própria do “quadriculamento” disciplinar. (...) individualizar os excluídos, mas utilizar processos de individualização para marcar exclusões (...) De um lado, “pestilizam-se” os leprosos; impõem-se aos excluídos a tática das disciplinas individualizantes; e de outro lado a universalidade dos controles discplinares permite marcar quem é o “leproso” e fazer funcionar ele os mecanismos dualistas da exclusão. (Ibid, p.165) Michel Foucault chama atenção para as permanentes táticas de separação social. Ao classificar, subdividir e hierarquizar os moradores no interior da favela desenvolvem-se outras que vão além da divisão estigmatizante e preponderante entre favela e “asfalto”. A segregação espacial efetiva-se também a partir desta distinção binária entre as distâncias sociais dentro e fora da favela. Sobre as distâncias sociais na cidade, note-se os efeitos do território sobre a vida dos moradores de uma favela, destacamos um significativo contingente populacional que se encontra nos estratos sociais mais baixos. Zaluar (1985) nos fala sobre as possíveis causas da formação deste substancial número de pessoas que vivem em precárias condições de vida: em países como o Brasil onde a muito baixa remuneração do trabalho e a assistência estatal limitada e ineficiente, que nunca assumiu nem a forma de organização asilar dedicada aos mais carentes – como na Inglaterra do século XIX – nem a forma do welfare system – como nas nações desenvolvidas, acabou por fazer surgir um grande contingente de trabalhadores pobres, quer fossem operários, quer fossem assalariados do terciário, biscateiros ou trabalhadores autônomos (Ibid, p. 39). Não nos dedicaremos a fazer divisões como a supracitada. Já existe uma assombrosa separação que corresponde, de um lado, a uma diáfise espacial entre o que é e o que não é favela, e, de outro, quanto à rotulação estigmatizante utilizada para quem mora em favela. Se temos um sistema urbano excludente, favelado é a alcunha destinada àqueles que utilizam os bens coletivos mais deteriorados. O contato com outros estratos sociais ocorre fundamentalmente através da venda da força de trabalho. Esta “interação” não significa uma atenuação da segregação, a 41 “transmissão de ativos 23 ” não faz parte desta relação, logo a integração não se efetiva. Durante o período em que estivemos em Rio das Pedras não ouvimos nenhuma afirmação que representasse qualquer acessibilidade de seus moradores, que trabalhavam na Barra da Tijuca, ao modo e vida do bairro. Sim, os favelados vão ao abastado bairro para trabalhar. Concluímos que todo o tratamento dispensado às favelas baseia-se numa hierarquia social, onde o lugar ocupado na cidade é condicionado pelo lugar na estrutura social o qual o(s) ocupante(s) pertence(m). Contudo, não podemos descartar o tratamento diferenciado dispensado àqueles de classes sociais distintas, solidificando tal hierarquia social. Neste caso, acreditamos na conjunção ou articulação destas duas possibilidades capaz de promover uma divisão statutária que organiza o regime de interação social. O Estado é utilizado como aparelho de repressão dos mais pobres e os mantém cada vez mais distantes dos segmentos mais privilegiados da cidade. Torna-se importante perceber nas idéias expostas acima que localizar este grupo estigmatizado sempre foi um exercício realizado pelos segmentos externas à favela. No próximo capítulo abordaremos a importância da dimensão espacial na produção destes estigmas. A partir de diferenças sócioespaciais, elabora-se um arsenal de estigmas que teria a função de aprofundar estas diferenças e manter a favela “presa” no espaço onde a noção de cidadania fora diluída 23 Para melhor discussão sobre “transmissão de ativos”, ver Kaztman & Filgueira, 1999. 2 Contraposições e dicotomias sócio-espaciais Neste capítulo discutiremos a visão de alguns autores sobre a favela, contudo, iniciaremos por Wacquant devido às importantes características da “marginalidade avançada”. Nesta idéia, o autor expõe peculiaridades dos espaços destinados aos pobres em países ricos da Europa e nos EUA. Com isso compararemos e poderemos ver o que se aproxima ou não da realidade de nossas favelas. Já sob a perspectiva da escassez de cidadania, Alice Rezende de Carvalho nos ensina que a favela é justamente o lugar onde esta cidadania menos se faz presente. Marcelo Burgos demonstra o quanto esta cidadania perdera seu significado ao valorizarem o consumo de bens duráveis. Ao mesmo tempo, este autor ressalta a necessidade de discutirmos a favela a partir da criação de territórios na cidade. O acesso à moradia como meio de estar na cidade é fundamental na estruturação da argumentação de Machado da Silva. Para o autor, a favela reflete a permanência da cidadania hierarquizada à qual foi submetida significativa parcela da sociedade brasileira. 2.1 Comparação com a marginalidade avançada Para Wacquant 1 , uma característica marcante do gueto é a violência policial. Os moradores perdem a confiança na polícia como uma instituição capaz de implantar a ordem e oferecer segurança. O mesmo se aplica à banlieue, em Paris, onde a insegurança torna-se paulatinamente maior a partir do momento em que, como afirma Wacquant 2 , os policiais são cada vez mais encarados como uma presença indesejável, enviados com o propósito expresso de intimidar os jovens, árabes ou franceses, e quase todos os exemplos de rebeldia 1 2 Op. Cit Pass. P.34-35 43 coletiva têm em sua origem atritos recorrentes e incidentes crônicos com os agentes da lei locais. Na França, inúmeros eventos demonstram a brutalidade policial contra os moradores de conjuntos habitacionais localizados na periferia, onde a presença do imigrante árabe, sobretudo os filhos dos migrantes da geração anterior ou de países da Europa oriental acaba virando o alvo preferencial destes funcionários do Estado. Já em Los Angeles, as demonstrações de violência com o negro, os gastos públicos com o controle e repressão da população pobre e o aumento de prisões reafirmam a existência de uma polícia violenta. Os moradores das favelas cariocas sofrem com a ação policial violenta. Justifica-se esse tipo de ação utilizando como argumento a existência de tráfico de drogas 3 . Um outro elemento marcante presente em favelas cariocas é o tipo de armamento em poder dos traficantes. Nos relatos de Wacquant 4 sobre o gueto ou a periferia parisiense, não há menção a acontecimentos semelhantes ao que os jornais cariocas noticiam como “a guerra do tráfico”. O tráfico de drogas, na forma existente nesta cidade, tem uma relação pautada na violência, seja ela praticada por policiais ou pelas diversas facções criminosas presentes em grande parte das favelas. Marcos Alvito em seu estudo sobre o complexo de favelas de Acari afirma que na lógica de uma guerra entre ‘facções’ (termo ‘nativo’), muitas vezes a polícia, sobretudo a Polícia Militar, é vista como uma terceira força. As três facções têm seu nome abreviado por duas iniciais: TC (Terceiro Comando), CV (Comando Vermelho) e, por fim, PM (Polícia Militar) (ALVITO, 2001, p. 75). Aqui é possível perceber uma proximidade com o conceito de contraespaço (MOREIRA, 2002) na formação dos territórios “controlados” pelos agentes (os que usam farda e os que não usam) citados acima. Em primeiro lugar, é importante salientar que o conceito de território é pautado em relações de poder num 3 De acordo com Leite e Machado da Silva (2004: 63) “No plano dos direitos civis, é central o fato dos aparelhos de segurança pública não reconhecerem a segurança como um direito fundamental também das populações faveladas. Ponto de vista que justificam discursivamente, responsabilizando-as pela resistência do narcotráfico nas favelas com o argumento de que sua convivência cotidiana com as quadrilhas nesses territórios (que expressa, com clareza, o insucesso das políticas públicas de segurança em seu combate) significaria conivência com o crime. Assim, favorecem a desconsideração da brutalidade policial nas favelas, ao mesmo tempo em que deixam seus (suas) moradores(as) e organizações à mercê do despotismo de traficantes de drogas.” 4 Ibid 44 determinado espaço. Até que ponto tais manifestações de força e violência denunciam a ausência de poder? A partir das linhas de Alvito 5 é possível identificar quais seriam os detentores da força (não do poder), ao mesmo tempo em que estes agentes, traficantes e/ou policiais, por viverem em “guerra”, se influenciam mutuamente na organização e configuram novas relações sociais e espaciais. Já o caso de Rio das Pedras nos é bastante interessante. Uma favela onde não há tráfico de drogas e a presença de uma milícia que responde pelo controle deste lugar. Em entrevistas com os moradores, mesmo nos falando muito vagamente do assunto, é possível captar que a Associação de Moradores e Amigos de Rio das Pedras tem uma relação com estes homens. Conforme os moradores que entrevistáramos “são os caras que não deixam entrar droga na favela”. E, de acordo com o jornal O Globo, já são 72 “comunidades” controladas por este tipo de milícia e que carrega a alcunha de “polícia mineira”. Interessante é perceber que quando falamos de favela e segregação nos dias de hoje, há uma mudança em relação aos seus primeiros anos. A segregação residencial, ao lado do tráfico de drogas, talvez seja a principal marca da favela. Sobre a segregação, Luiz César de Queiroz Ribeiro ao discutir a segregação residencial nos ensina que não é tão-somente a separação espacial. Ela implica não apenas a concentração de um segmento populacional em territórios bem delimitados, mas também a institucionalização da sua inferioridade e desclassificação, e da imobilidade social dos seus habitantes. Assim, a fragmentação social produzida pela segregação depende dos valores sociais e políticos que prevalecem em cada sociedade e em cada momento histórico. (RIBEIRO, 2002, p. 99) Isto quer dizer que há uma intensa separação em virtude da diferença social entre as pessoas que moram naqueles locais estigmatizados e o restante da cidade. Esta situação concorre para a ruptura do “tecido social” (SOUZA, 2002). Entenda-se que tal separação manifesta-se principalmente no tipo de reconhecimento, logo sociabilidade entre quem mora na favela e os outros espaços da cidade 6 . No Rio de Janeiro, sua principal manifestação é a favela. Devemos atentar que são configurações espaciais distintas, ou seja, favela não é gueto. Nossa 5 Op. Cit Observar a relação entre moradores da Barra da Tijuca e de Rio das Pedras nos permite entrar em contato com este tipo de realidade. 6 45 preocupação maior é fazer uma análise do caso carioca a partir da marginalidade avançada. Wacquant 7 nos fala das “propriedades distintivas da ‘marginalidade avançada’”, que exporemos algumas a seguir. A primeira refere-se ao trabalho assalariado nos países do capitalismo central na Europa e nos EUA, onde uma profunda alteração se coloca na relação trabalho-salário. O emprego regulado pelos preceitos fordistas torna-se raro, assim como todos os direitos dos trabalhadores, e são criados inumeráveis modalidades de trabalhos informais para os que ficaram conhecidos como “supranumerários” (CASTEL, 1998). A precarização das relações de trabalho vigora nos setores formais e informais, e vemos um profundo esfacelamento dos laços integradores provenientes da relação trabalho-salário. Nunca tivemos no Brasil uma sociedade salarial como na França e a cidadania brasileira é marcada pelo seu caráter “hierárquico” (Fernandes, 1977; Machado da Silva, 2004). Esta sociedade salariat 8 , não existente em nosso país, supõe, de acordo com Kowarick 9 , não apenas uma força de trabalho majoritariamente empregada de maneira permanente e regular quanto a legislação vigente, mas também percursos profissionais protegidos por contratos coletivos que levem à ascensão social e econômica ou, pelo menos, garantam certos direitos aos que nessa trajetória forem alijados do mercado de trabalho. Esta foi a condição pela qual se impôs o salariat na Europa, que por razões históricas específicas destes países, necessitou do reconhecimento de direitos sociais inerentes a sua condição de mercadoria. Já no caso brasileiro, além da moradia, inúmeros outros direitos sociais que não foram sedimentados como algo que constituísse as bases de nossa sociedade. O que sempre se destacou no caso brasileiro foi o não salariat, ou seja, as garantias do (não) trabalhador sempre foram restritas e frágeis. O mínimo que se pode dizer é que no Brasil jamais houve instituições políticas, sindicais o comunitárias com força suficiente para garantir a 7 Op. Cit, p. 166 Uma obra fundamental que discute a crise da sociedade salarial na França intitula-se Metamorfoses da Questão Social: uma crônica do salário de Robert Castel (1998). 9 Ibid, p. 16 8 46 efetivação de direitos básicos do mundo do trabalho ou proteger das intempéries do mundo urbano o morador, o transeunte e usuário de serviços básicos. 10 A condição do trabalhador brasileiro, diferentemente do europeu, sempre esteve repleta de lacunas relacionadas ao papel do Estado. Neste sentido, se compararmos o trabalhador urbano com o rural, aquele estaria em melhore condições de acesso à cidadania, sobretudo no sudeste do país. Tal situação resultou num intenso processo migratório para esta região à procura de emprego. Rio das Pedras é também um caso que exemplifica esta afirmação. Na última década houve um enorme agravamento das condições de emprego e um desemprego significativo no Rio de Janeiro. As cooperativas de trabalho passaram a cumprir o papel de empregar os trabalhadores,que, na sua maioria, são destituídos de direitos como férias ou 13º salário. Concomitante a tal processo, cresce o número de trabalhadores por conta-própria. Em ambas as situações o que vemos é o fim dos parcos direitos sociais do trabalho. Para Barbosa e Silva (2001: 5) Na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, a influência do setor informal na composição do mercado de trabalho vem sendo progressiva. Na década de 90, o trabalho por conta-própria teve um crescimento de 29,7% e, atualmente, compõe 27,1% do conjunto de ocupações. Estes números refletem uma dificuldade de inserção do trabalhador. De acordo com as condições existentes, a criatividade destes trabalhadores faz aumentar o número de guardadores de carros e milhares de outros vendedores que transitam pela cidade sem perspectivas de mudanças ou esperanças de sair da inserção subalterna na sociedade. Geralmente moram em favelas, das quais saem, na grande maioria das vezes, para tentar, quase sempre em vão, vender sua força de trabalho. Neste sentido, há um profundo gap entre os serviços públicos e privados destinados àqueles moradores de favelas e às destinadas aos que pagam por seus serviços. 10 Ibid 47 O aumento do nível de qualificação exigido torna-se empecilho aos mais pobres e inúmeros postos de trabalho são eliminados. Sendo assim, torna-se mais difícil o acesso ao emprego, principalmente para as pessoas com baixa escolarização, e manter-se empregado torna-se resultado de um obstinado esforço de sobrevivência e aceitação de novas regras. A tendência dos grandes centros metropolitanos é o aumento do setor de serviços em relação ao segmento industrial. Tanto o nível quanto o tipo de qualificação passam por mudanças e a adequação a esta mudança representa uma tarefa difícil. No Rio de Janeiro, o aumento do setor terciário da economia formal ainda absorve um número muito raquítico de trabalhadores provocando a re-configuração da pobreza urbana [que] se expressa, de um lado, no rompimento das relações entre o contingente de pobres e o desempenho macro-econômico, como acontecia na fase anterior do desenvolvimento do capitalismo, em razão do enfraquecimento dos laços com o mercado de trabalho. De outro lado, nas mudanças da inserção dos pobres urbanos na estrutura sócio-ocupacional, na renda média, nas necessidades insatisfeitas, no perfil demográfico (idade, gênero, no nível educativo e também nas formas de constituição e dissolução das famílias) (RIBEIRO, 2005, p.3). Nas habitações onde se concentram aqueles que fazem parte da marginalidade avançada encontramos um profundo esgarçamento dos laços sociais, caracterizando o que Wacquant (2001) chamou de “dissolução do lugar”. Para o autor, isto significa a sua transformação num “espaço”. A noção de lugar comportaria uma identidade de seus moradores e a sensação de apego ao local onde mora. O que se dá atualmente é o inverso desta relação, como se houvesse uma destituição de qualquer identidade com o espaço e como se a repulsa ao espaço físico e às pessoas que ali estão fosse a principal característica de seu comportamento em relação ao local de moradia. Inicialmente, nos EUA, o gueto era um “recurso” para o negro proteger-se da opressão dos brancos. Ele se tornou, em vez disso, um vetor de divisão intracomunal e um instrumento para aprisionamento virtual do subproletariado urbano de cor, um território temido e abominado do qual (...) “todo mundo está tentando escapar” (WACQUANT, 2001, p.170). 48 Há algumas diferenças em relação às favelas brasileiras. Em primeiro lugar devemos salientar a ausência da clivagem derivada da cor de pele. A favela não é território exclusivo de negros, não estamos negando a forte presença destes, nem a permanência dos preconceitos raciais, porém, percebe-se uma separação significativa em função das classes sociais. Acrescentamos que aquelas pessoas pertencentes às camadas sociais menos favorecidas não residem apenas em favelas. Neste sentido, a história dos trabalhadores brasileiros nos auxilia a compreender o papel da favela em sua trajetória social 11 . Deve-se lembrar que o violento tráfico de drogas no varejo se refugia nas favelas tornando-se um elemento que interfere decisivamente na dinâmica das relações ali estabelecidas. O terror das armas, bem como o envolvimento na guerra do tráfico de muitos jovens que lá residem, transmite uma insegurança muito grande aos seus moradores, através de tal atividade criminosa. A criação de identidades é um processo vivo nas favelas, sobretudo pela ação das instituições que agem naquele lugar. Apesar de o tráfico de drogas existir no Complexo de Acari, Marcos Alvito nos apresenta o quão diversificado e rico são seus múltiplos lugares. Em sua obra “As Cores de Acari: uma favela carioca”, este autor nos leva ao encontro de um mundo de relações nas quais os laços de proximidade com o território são inerentes à vida do lugar. Temos aí a ação de instituições 12 contribuindo para os variados arranjos organizacionais vinculados à configuração espacial específica de cada lugar. Um ponto muito importante desta relação entre seus habitantes e o lugar está no 11 Para tanto, Ribeiro (2001:16) afirma que “Morar na favela não representa sempre estar em uma etapa de mobilidade social descendente. De fato, em razão das enormes desigualdades sociais entre a cidade e o campo, e como as favelas continuam a ser o lugar da residência do migrante recémchegado, o morar na favela não é necessariamente vivido como um purgatório social dos segmentos populares em processo de desqualificação. Pelo contrário, as favelas continuam representando a porta de entrada pela qual o trabalhador pobre do campo tem acesso às melhores condições de renda e de vida presentes na cidade. Acrescente-se, ainda, o fato de a composição da estrutura social das favelas ser bastante semelhante à encontrada nos outros espaços populares, e a análise de sua evolução no tempo indica tendência ao aumento da mistura social.” 12 Marcos Alvito cita a presença de “instituições supralocais como agências governamentais, igrejas, ‘mídia’, o aparelho policial etc.” (2001: 52) Esta instituições conjugam-se com outras de atuação local, que são as complexas redes sociais originárias no lugar, “seriam, sobretudo, laços de parentesco bastante próximo, amizades mais significativas, parentela, ritual e vizinhança” (2001: 52). A ação das instituições supralocais efetiva-se sob constante mudança em virtude dos arranjos existentes no plano local, poderíamos incluir também o tráfico de drogas para o caso do complexo de favelas de Acari. Sabemos que esta é uma atividade de escala mundial, contudo, no Rio de Janeiro, territorializa-se e adapta-se às características do microssociais do lugar. 49 processo de construção de suas moradias. Diferentemente do gueto, na favela o comum é que cada morador construa sua casa, na maior parte das vezes, através de mutirões. Este talvez seja o elemento central que concorre para a manutenção de uma identidade com o lugar; há uma intrínseca e singular relação entre seus moradores pois, [a] existência de microáreas, por exemplo, é um fenômeno comum a todas as favelas cariocas, mas a importância relativa de cada uma delas e sua ligação com características econômicas, ecológicas, históricas e identitárias variam de uma favela para outra. (ALVITO, 2001, p. 73) Neste sentido, Marcos Alvito afirma ser impossível elaborar uma teoria sobre a favela carioca. Estamos de acordo com esta idéia por sabermos que são inúmeras as possibilidades de arranjos sócio-espaciais. As variáveis presentes na formação de tais arranjos podem até se repetir (como igrejas, tráfico de drogas ou ONGs), porém, a forma da ação de cada uma segue as características do território. Ao utilizarmos o exemplo da auto-construção de moradias, encontramos diversas histórias pessoais capazes de coordenar esta atividade em cada favela. Podemos dar o exemplo de uma área de Rio das Pedras ocupada por pessoas que sofreram remoção de outra favela ou de moradores que estão ali em virtude da perda de sua casa por conseqüência de um deslizamento em encosta. Estes últimos, ao se instalarem numa favela plana, já com toda uma teia de relações consolidadas, possivelmente terão um outro tipo de relação com o espaço construído. As vicissitudes de cada lugar serão responsáveis pela deflagração de múltiplos eventos que darão contornos à vida daqueles que dão existência ao território. Em entrevistas com moradores do Pantanal, área de Rio das Pedras que sofreu um incêndio em 14/04/2006, e dos areais percebe-se grande apego ao local de moradia. Este mesmo apego é constatado no restante da favela, contudo, as residências mais precárias dos areais estão sempre com alguma coisa por fazer. A construção civil não cessa em momento algum nesta favela. Encontramos dois tipos de moradores, aqueles que alugam ou compram uma moradia e os que constroem a residência. Dentre estes, o afeto ao pedaço de chão é muito mais intenso. 50 Sobre o esfacelamento dos laços de reciprocidade dentro do gueto, Loïc Wacquant afirma, na penúltima das propriedades distintivas da marginalidade avançada, ser este o responsável pelo desgaste de seu interior. De acordo com o autor, o gueto caracteriza-se pela presença acentuada de pessoas que perderam o acesso às instituições formais de inserção social, sobretudo o trabalho. O desemprego e a aguda precarização das condições de trabalho levaram ao aumento das privações econômicas, aos empregos temporários e ao crescimento dos “informais”. Com a redução dos direitos do Estado de bem-estar, a imprevisibilidade de integração social toma conta do cotidiano destas pessoas e a ordem hobbesiana passa a comandar o gueto. Sendo assim, efetiva-se o desmantelamento das relações de dependência mútua e o total desamparo em relação à assistência antes proporcionada por instituições como a igreja ou a família. A desestruturação familiar parece ser um dos grandes desafios encontrados pelos moradores do gueto na procura por um referencial esperançoso a ser seguido. Em muitas favelas o tráfico de drogas provoca, a partir da ameaça à integridade física (MACHADO DA SILVA, 2004), um profundo desconforto e medo aos seus moradores, que, no entanto são obrigados a manter um mínimo de relação cordial com os traficantes. Vários destes nasceram na favela e suas famílias ainda vivem ali, são laços sociais estabelecidos antes de estes jovens praticarem alguma atividade criminosa. Ao mesmo tempo em que o traficante impõe o terror, ele e sua família fazem parte da história daquele lugar, 13 com parentes e amigos de longa data residindo ali. Neste sentido, as relações sócio-espaciais podem vir a influir em suas práticas cotidianas naquele espaço. Além disto, Souza (2002) aponta para atividades rentáveis que existem simplesmente pela presença do tráfico de drogas, como, por exemplo, a venda de refeições. Exatamente por muitos moradores de favela estarem bastante imbuídos das relações sociais estabelecidas com a vizinhança, sentem-se outsiders (ELIAS & SCOTSON, 2001) quando são obrigados a freqüentar lugares fora deste espaço. Como seu grande referencial está na favela, a formação de sua identidade cria-se neste espaço. Por isso, o recurso de recorrer ao local de moradia como referência 13 Alguns livros como Abusado, do jornalista Caco Barcelos (2003) ou As Cores de Acari, de Marcos Alvito (2001) trazem narrativas que estão conformidade com esta idéia. 51 central torna-se muito comum, uma vez que não conseguem se apropriar dos lugares menos familiares. Neste ponto podemos afirmar que o interior da favela possui uma identidade. Existem favelas com uma vida muito intensa no seu interior, por exemplo, Rio das Pedras e Rocinha. 2.2 Favela: modo de interação cívica e política com a cidade Adotando uma abordagem guiada pelo acesso à cidadania, Marcelo Burgos atribui a permanência do “problema favela” à interrupção do processo de democratização capitaneado pelas organizações de favela pelo regime militar. O autor apresenta um retrospecto das intervenções públicas nas favelas cariocas a partir de diversas instituições. Anteriormente à instalação do regime militar, a favela já era vista como um problema e sua solução estava posta como uma responsabilidade do poder público. A favela era vista também como um problema moral. Ações autoritárias na tentativa de dar cabo a tamanho “deploro” condiziam com uma “pedagogia civilizatória” através de parques proletários. “Afinal, em um contexto dominado pela cidadania regulada, o problema favela não podia ser lido pelo ângulo dos direitos sociais” (BURGOS, 1998, p. 28). Além do Estado, no final da década de 1940, a igreja passou a intervir na favela, suas ações iniciais visavam a melhoria das condições de habitação dos favelados, bem como a “moralização”. As associações de moradores surgiam na década seguinte e transformavam-se no poder local que responderia pelos anseios dos moradores. Sua principal função era articular as carências da favela com as melhorias prometidas pelo Estado, submetendo-se às regras estabelecidas por esta instituição. Os interesses daqueles que residiam nas favelas eram satisfeitos através do pacto entre as associações de moradores e o poder público. Neste sentido, a presença do intermediário nas negociações para o acesso à cidadania resultou na “cooptação de lideranças locais pelo Estado” (Burgos, 1998; Souza, 2002). O clientelismo passa a dominar as relações entre favela e instituições da cidade formal. A partir das décadas que se seguem, as regras para a ação do Estado diferenciam-se ao atuar na favela. Sob esta perspectiva Marcelo Burgos confronta os 52 conceitos de “controle negociado” e “cidade escassa”. Estas noções permitem pensar como se desenvolve a relação entre as instituições da cidade e as que possuem ação local nos “territórios” urbanos. O ponto central a ser discutido em relação à permanência da favela é o acesso por parte de seus moradores à cidadania, que está condicionada “pela inscrição social e política do mundo popular no espaço urbano” (BURGOS, 2005, p. 1). Fortemente atrelados a instituições locais, os moradores das favelas desfrutam de uma cidadania intermediada pelo modelo de relação entre estas instituições e as atuantes na cidade formal. Com isto, vê-se que há uma dependência de ações intermediárias, divergindo assim do tipo de acesso à cidadania vigente na cidade formal. Devemos fazer outra alusão a Rio das Pedras, em nossas entrevistas verificamos que a AMARP realiza o papel de provedora de alguns direitos relativos à cidadania. Além disto, esta associação de moradores e amigos de Rio das Pedras oferece cursos como o de cabeleireiro e atividades esportivas para as crianças, cobrando mensalidade de seus moradores. Contudo, as benesses executadas pela AMARP não atinge todos os lugares da favela, conforme afirmaram os moradores dos Areais. As relações existentes em determinados territórios respondem pelo tipo de arranjo institucional ali presente. Sendo assim, com a acentuação do processo de atomização da cidade em territórios permite, tanto em favelas quanto em bairros do subúrbio, o desenvolvimento de organizações socioculturais fortemente enraizadas na vida local, às quais não faltam elementos de uma ordem jurídica singular, com a existência de autoridades informais locais, validadas por identidades coletivas territoriais, que também servem de base para a negociação política de acesso a bens públicos da cidade 14 . A importância da noção de território é capital para esta discussão. Marcelo Burgos entende o território a partir das relações sociais que moldam a vida em determinado espaço, possibilitando a identificação do fenômeno da fragmentação das cidades e de seus efeitos sociais e políticos sobre o processo de construção da 14 Ibid, p.3 53 cidadania no mundo popular. A noção de território remete à idéia de um microcosmo, que inclui diferentes formas de organização da habitação popular – inclusive a favela – e que se diferencia da cidade, que é o domínio dos direitos universais, fonte da igualdade e da liberdade, em uma palavra, da cidadania. 15 O que tem de mais importante na idéia acima é exatamente a criação destes territórios dentro da cidade cujo referencial de cidadania diverge dos direitos resultantes de instituições universais. Ao mesmo tempo efetiva-se a reprodução deste tipo de organização territorial em virtude dos princípios vigentes nos territórios específicos como é o caso da favela. A reprodução de tais desigualdades é uma conseqüência deste fenômeno que se localiza fisicamente no espaço. No espaço delimitado da favela processa-se uma cidadania encapsulada dentro de seus muros sociais. O compartilhamento dos mesmos direitos citadinos que vigoram fora de tais muros é constrangido pela lealdade e submissão às instituições locais. O exercício do clientelismo entre instituições locais e as instituições da cidade talvez dificulte as possibilidades do morador de favela romper com seus muros. As instituições locais, muito embora provenham minimamente os moradores de favela de alguns direitos (mais comuns na cidade formal), aprisionam os em virtude desta “lealdade”, uma vez que esta se tornou condição para sua sobrevivência. Estabelecido este tipo de relação, a retroalimentação do processo realiza-se na troca entre o acesso às parcas condições de vida e a permanência no território. Nesta perspectiva, Marcelo Burgos assinala a diferença entre cidade e territórios como apontado acima. Sob tais prerrogativas o conceito “cidade escassa” de Carvalho 16 é utilizado para demonstrar como que a cidade não chega aos territórios. Embora o autor dialogue com o “controle negociado” (Machado da Silva, 2002) no trabalho “Dos parques proletários ao Favela-Bairro: as políticas públicas nas favelas do Rio de Janeiro” de 1998, posteriormente ele salienta a mudança a respeito da “hierarquia” imanente ao controle negociado em “Cidade, territórios e cidadania”, publicado em 2004. Este segundo trabalho enfatiza primordialmente a noção de “cidade escassa” e os caminhos percorridos coletivamente pelos moradores de favela, desejosos de uma integração social. Atualmente, algumas instituições promovem, em conjunto com os territórios, um novo modelo de participação na vida social. O autor ressalta o papel da 15 16 Ibid Op. Cit 54 mídia ao lançar luz sobre os conflitos que são travados entre atores locais e externos ao território. Neste sentido, vê-se a ordem vigente na favela exposta e a “mídia coloca em contato o território e a cidade, e as reações dos agentes citadinos sempre geram incerteza nos precários arranjos internos ao território” (BURGOS, 2005, p. 11). Salientando o papel da igreja, um novo paradigma se apresenta com a ascensão das igrejas neo-pentecostais. Estas atribuem ao indivíduo o papel da sua própria pobreza, ao incentivar sua superação pelo mercado, o individualismo prevalecendo sobre uma possível ação coletiva do território. Ao lado disto a expansão do consumo às classes mais populares, inclusive com a entrada do mercado formal na favela, permite contrabalançar a segregação residencial imposta. Nesta perspectiva, enquanto a católica operava com a lógica do território, colocando como desafio a superação de suas fronteiras com a cidade através de intervenções civilizadoras sobre o espaço, as pentecostais, de um modo geral, tendem a apostar, às vezes explicitamente, na lógica do mercado como lugar de reconstrução do indivíduo. Durante nossas entrevistas nos locais mais nobres da favela encontramos diversos eletrodomésticos comumente encontrados nas residências de classe média da cidade formal. Tal situação, em associação com os preceitos relativos ao consumo propalados nos templos religiosos, nos ajuda a entender como uma favela sem tráfico de drogas torna-se interessante para comerciantes de bens duráveis. Sobre tal assunto, Marcelo Burgos afirma: Igualdade, mobilidade social e empreendimento são, portanto, os pilares da reforma intelectual e moral que está em curso com o avanço das agências neo-pentecostais. Nessa chave, a questão da integração social e urbana é reduzida à dimensão da desigualdade social, estando excluída, por conseguinte, a própria dimensão da cidade (BURGOS, 2005, p. 19). A preocupação com a realização material se impõe ao desejo de uma integração à cidade, inclusive porque a cidadania é constantemente associada à esfera do consumo 17 . Silencia-se o debate sobre a integração do conjunto dos 17 Embora não seja usado por Marcelo Burgos, indicamos o célebre trabalho de Milton Santos (1987) intitulado O espaço do cidadão, onde o autor discute a relação entre consumo, cidadania e espaço. 55 moradores 18 de favela à cidade e cresce o individualismo empreendedor. Seguindo esta lógica o mercado de trabalho informal se expande e muitas casas na favela transformam-se em local de trabalho ou fonte de renda a partir de contratos de aluguel baseados em trâmites distintos daqueles que vigoram na cidade. 2.3 Favela: entre a “descidadania” e a “cidadania negociada” É necessário travarmos um diálogo com Luiz Antônio Machado da Silva a respeito de sua visão sobre o “problema favela”. Ao apresentar parte das idéias de Marcelo Burgos discutimos brevemente o pensamento do primeiro autor. Este ressalta o modelo de cidadania vigente na democracia brasileira, isto é, a cidadania hierarquizada, portanto controlada. A presença desta hierarquia molda a relação entre os grupos sociais e neste sentido o direito à cidade é condicionado pela posição ocupada na hierarquia social. O regime democrático tem como premissa básica a existência do espaço público de negociação entre os inferiores e superiores. O Estado, através de suas diversas agências, deveria proporcionar as condições de sustentação dos inferiores para que as diferenças na esfera pública fiquem reduzidas. Política social é a execução desta função do Estado, quer dizer, a intervenção nas “relações econômicas, nas quais se produzem as hierarquias e a desigualdade” (MACHADO DA SILVA, 2004: 28). Os grupos sociais estão em permanente conflito de interesses. As diferenças econômicas referentes à vida privada dividem os grupos entre superiores e inferiores; o Estado deve agir na esfera privada daqueles menos privilegiados para “impedir que os inferiores se enfraqueçam a ponto de que não possam exercer sua cidadania, isto é, negociar pacificamente a redução das hierarquias sociais” 19 . Em razão do Estado não cumprir seu papel como deveria ser feito no regime democrático, o exercício da cidadania pelos inferiores é obstado. Sem uma 18 Burgos (2004) fala sobre o papel da igreja católica neste movimento de integração, sobretudo, nas décadas de 1950 e 60. 19 Ibid 56 participação efetiva do Estado, sua legitimidade encontra-se ameaçada; no espaço urbano a cidadania efetiva-se sob dois eixos. Para Machado da Silva o “acesso à cidade” dá-se, em primeiro lugar, pelo acesso ao solo urbano. Neste sentido, é necessária uma “intervenção estatal que regule a apropriação e o uso do solo urbano. [...] A moradia é um item crucial na sobrevivência da população urbana trabalhadora”. 20 O outro eixo relativo ao exercício da cidadania no espaço urbano é o mercado de trabalho. Uma vez que o acesso ao mercado de trabalho está estreitamente ligado ao acesso à moradia, o Estado deveria ser mais eficaz em suas ações. Muito embora haja alguns avanços resultantes de antigas lutas sociais protagonizadas na esfera pública, os resultados ainda são muito parcos. Como a democratização do “acesso à cidade” caminha a passos lentos, o Estado deveria ser mais pressionado de modo a intervir de forma decisiva na regulação do uso e apropriação do solo, bem como do mercado de trabalho em favor dos grupos inferiores. Gostaríamos de comentar o papel do Estado através de um pequeno Box. Esta perspectiva de um Estado agindo de forma desigual conforme as classes existentes é secular. Florestan Fernandes já nos falara sobre a necessidade de radicalização das instituições democráticas. Sabemos que a democracia é um conceito dinâmico; as relações de força podem ser diminuídas, não exterminadas. Fernandes (1977) nos ensina o quão forte é a permanência desta estrutura de poder e como que esta se encontra montada sobre uma base segregadora. O autor comunga da idéia de um capitalismo dependente. Na visão de Florestan Fernandes, a história latina americana nos permite perceber a manutenção dos grupos que não tem acesso à cidadania. Se lembrarmos das linhas de pensamento deste autor veremos que mesmo com processos de modernização, a equalização social se dará enquanto não ameaçar os privilégios das classes que estão no poder (os superiores). O permanente processo de manutenção destas classes no poder adquire um caráter burguês que responde pela monotonia de privilégios de classe. Os mecanismos que compõem o Estado burguês brasileiro estão atrelados à manutenção do status quo. Tal modernização chega aos dias de hoje sem possibilitar instrumentos que levem a uma transformação. Este modelo admite a “revolução dentro da ordem” (FERNANDES, 1977), o que não alteraria a estrutura de classes que agrava a miséria. 20 Ibid, p.29 57 Retornando às idéias de Machado da Silva, num olhar sobre o trabalho de 2002, intitulado A continuidade do “problema favela”, constatamos que o autor deixa bem clara a tese da cidadania hierarquizada, ou seja, a tese de dois níveis de cidadania. Com brilhante lucidez traz à tona a tese de que a favela é expressão da permanência de uma cidadania restrita, sendo assim, os moradores de favela são criaturas da reprodução da desigualdade fundamental da sociedade brasileira e da forma de Estado que lhe corresponde: expressão e mecanismo de continuidade de uma cidadania restrita, hierarquizada e fragmentada. A inegável criatividade dos favelados (que é, em grande parte, responsável pela própria heterogeneidade das favelas), com sua capacidade e organizar-se expressar-se das mais variadas formas [...] sempre esteve “encapsulada” [...], e por isso tem tido pouco efeito na mudança do padrão de integração urbana [...] (ibid., p. 223-224). Na nossa concepção esta noção de permanência de uma “cidadania restrita” articula-se com as idéias de Florestan Fernandes no que tange à relação entre as massas de despossuídos e a elite privilegiada. Cumpre assinalar também a idéia de uma “cidadania de geometria variável” 21 cujo fundamento principal está no acesso à cidadania a partir dos direitos e deveres oriundos do emprego formal. Tomando este tipo de trabalhador como referencial, Bruno Lautier apresenta a fragmentação da noção de cidadania para aqueles que estão excluídos deste conjunto de trabalhadores. Neste sentido dá-se “o abandono do postulado que define a própria noção de cidadão: a unicidade da cidadania e, portanto, do conjunto dos direitos-deveres, sobre um dado território nacional” (LAUTIER, 1997, p. 87). Desta forma, é possível nos remetermos ao que Machado da Silva entende por “controle negociado”, em tal perspectiva imbricam-se hierarquia e cidadania diferenciada. Com isto, aqueles grupos de maior poder econômico são capazes de acessar mais direitos, ao passo que os menos aquinhoados são desqualificados, uma vez que estes não estariam em condições de cumprir com seus deveres. Desqualificando os pobres urbanos, cerceiam-lhes o direito à cidadania e, em decorrência da ausência de um espaço público de negociação, cristaliza-se a hierarquia que impede a diminuição das diferenças sociais. Se a forma de atuação do poder público em relação às nossas favelas fosse outra, e visasse, pelo menos, um 21 Ver Lautier (1997). 58 abrandamento das condições de segregação asseguradas às favelas, poderíamos vislumbrar uma maior participação destes grupos na Cidade. “Entretanto, a modalidade dessa presença não garantiu, ou sequer propiciou, um maior acesso dessas populações aos direitos de cidadania” (LEITE e MACHADO DA SILVA, 2004, p. 63). Para Leite e Machado da Silva (2004), a moradia é um meio de consumo especial, porque a moradia é uma condição prévia de participação no mercado de força de trabalho, espécie de porta de entrada das condições de vida urbana, sem a qual torna-se impraticável, em termos estáveis, a venda de força de trabalho ou de mercadorias e serviços produzidos pelo(as) trabalhadores(as). (Ibid., p.68) Se a cidadania no espaço urbano se apóia nestes dois pilares, o desemprego e o trabalho informal crescente, ambos associados à imagem de violência, impedem uma mudança no padrão secular não democrático de acesso à cidadania. Neste sentido, faz-se necessária uma breve abordagem do tema referente ao trabalho na divisão favela/não favela no Rio de Janeiro. Como o acesso aos recursos da cidade decorre das possibilidades de cada individuo, e estas possibilidades geralmente estão pautadas na renda, a segregação espacial reflete a divisão dos grupos que conseguem agregar maior quantidade de recursos, sejam públicos ou privados, referentes ao capital econômico ou social. O mercado de trabalho segue a separação do Rio de Janeiro entre cidade legal e cidade ilegal. Há uma relação entre o fato de estar na favela e a posição no mercado de trabalho, ou seja, a renda vincula-se ao local de residência. Conforme a análise de Lago e Ribeiro (2000, p.17) sobre os dados de 1991 do IBGE, estes observam a existência de homologia entre a hierarquia ocupacional e a distância social entre moradores de favela e do bairro. Nas posições mais inferiores (empregadas domésticas, ambulantes, biscateiros) encontramos muita proximidade entre os moradores da favela e os do bairro, já que os diferenciais de renda são bem pequenos. Na medida em que subimos na hierarquia, as distâncias aumentam, chegando ao máximo entre as ocupações não-manuais de nível médio, onde os moradores em favela têm 56% da renda dos moradores no bairro. [...] Constatamos situação semelhante por nível de escolaridade, ou seja, à maior escolaridade corresponde maior distância social entre moradores em favela e moradores de bairro. 59 Já para Cardoso, Elias e Pero (2005), que analisaram dados referentes à discriminação no mercado de trabalho no Rio de Janeiro, a renda média dos moradores das favelas é menor que a dos não moradores, mesmo após controlar os efeitos das características individuais como idade e escolaridade. Além disso, a taxa de emprego é menor e a média de horas trabalhadas é maior para os moradores das favelas do que para os não moradores. (Ibid., p. 5) Isto nos lembra o que já foi dito sobre as dificuldades de acesso aos empregos mais qualificados por parte dos moradores de favela. Estes empregos exigem, na sua maior parte, maior nível de escolaridade e diversos trabalhos apontam que é significativo o desnível educacional se comparada a favela com o que não é favela. Se as famílias têm renda mais baixa porque não conseguem empregos de melhor salário, restam-lhes a favela como moradia. Apesar da heterogeneidade, percebe-se que a favela congrega casos semelhantes no que diz respeito ao grau de escolaridade. Sendo assim, além de constatar uma transmissão intergeracional de pobreza na família, podemos afirmar que se efetiva, na favela, uma reunião de indivíduos com poucos anos de escolaridade em relação ao restante da cidade. Um importante aspecto apontado pelos três autores citados acima é o desempenho escolar, que também se encontra defasado para os moradores de favela. Esta situação também aparece em Rio das Pedras, parte de nossas entrevistas ocorreram com chefes de família que eram analfabetos. Enquanto entrevistamos os diretores das escolas desta favela nos foi informado que há uma enorme dificuldade dos alunos em se expressar. Muitos dos pais destes alunos vieram do nordeste, região do Brasil que abarca cidades com baixos níveis escolares. E, conforme os professores e diretores em Rio das Pedras, transmitem aos seus filhos diversos vícios de linguagem que deverão ser extirpados na escola. Se os órgãos do Estado pouco fazem no sentido de promover uma integração da favela ao restante da cidade, resta-lhes como alternativa o mercado de trabalho. Como, na grande maioria, os residentes de favela auferem sua renda do mercado de trabalho, ao inserirem-se de forma precária neste setor, poucas são as possibilidades de alteração deste quadro. 60 Voltando ao que Machado da Silva (2004) apresenta sobre os caminhos de acesso à cidadania no espaço urbano, devemos lembrar da necessidade de uma justa distribuição dos recursos. Sem dúvida, este autor salienta que o direito à moradia e ao mercado de trabalho é fundamental . Acreditamos que o acesso a tais recursos se vincula estreitamente à inserção no sistema educacional. De acordo com a pesquisa realizada por Cardoso, Elias e Pero (2005), a “escolaridade é o fator que mais contribui, isoladamente, para a diferença de renda; esses resultados (referentes à pesquisa) nos permitem suspeitar que há algum tipo de discriminação contra os moradores das favelas cariocas” 22 . Talvez esta discriminação corresponda ao que Machado da Silva afirma sobre a inserção hierárquica do favelado na cidade. Sem equívoco, reafirmamos em primeira instância que o local de moradia é condicionado pelo montante de renda adquirido. As relações sociais engendradas no espaço também são responsáveis pela manutenção de vínculos com o lugar; porém, é inegável a intensa e estreita proximidade entre mercado de trabalho e moradia. Para encerrar esta seção devemos atentar para a existência da favela como um lugar com propriedades diferentes do que não é favela. Por mais que isto pareça óbvio, deve-se enfatizar que é um espaço socialmente construído e organizado que se diferencia do que é chamado de cidade legal. Deve-se ressaltar que as visões dos autores aqui apresentados nos auxiliam na elaboração de idéias que mais se aproximem da organização sócio espacial das favelas. De forma alguma procura-se uma definição cristalizada e única da favela; a enorme criatividade e diferenciação de seus moradores nos impede. As idéias expostas nos permitem refletir e captar o que melhor se adequa à realidade que observamos. Sendo assim, ao nos apropriar das idéias de Marcelo Burgos (2005), não precisamos concordar com o autor no que se refere ao fim do padrão hierarquizado de acesso à cidadania. Não obstante, achamos relevante a perspectiva territorial utilizada na abordagem da favela. Encarar a favela como o resultado de relações sociais travadas naquele lugar e estruturadas pelos poderes que ali se relacionam, isto é, mercado, Estado, igreja, traficantes e moradores. Valorizamos os vínculos com o lugar, encarando este como resultado de uma história 22 Ibid, p.14 61 de lutas que redundaram na organização sócio-espacial presente. Contudo, pensamos ainda ser válida e importante a abordagem oferecida por Machado da Silva (2002) relativa ao “controle negociado”. Este autor refere-se à existência de uma integração hierarquizada capaz de enquadrar o favelado numa categoria social encapsulada e inferiorizada frente a outros grupos que não residem na favela. Lembrando a desigual distribuição de recursos da cidade, temos diferenças no tocante ao acesso à cidadania, uma vez que esta deriva de uma regulação do solo urbano e do mercado de trabalho. Sendo assim, Adalberto Cardoso, Peter Elias e Valéria Pero (2005) demonstram em seu estudo a vinculação entre mercado de trabalho e favela. De alguma forma, reforçam o argumento de Machado da Silva. 3 O que se vê em Rio das Pedras Rio das Pedras localiza-se em Jacarepaguá, bairro situado na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. Comparado ao restante da cidade, Rio das Pedras teve uma ocupação tardia. A existência de extensas áreas descampadas e abandonadas e a proximidade da Barra da Tijuca, bairro onde são oferecidas oportunidades de emprego e com grande concentração de centros comerciais, foram fatores determinantes no processo de ocupação de Rio das Pedras. Neste capítulo abordaremos as peculiaridades do início da ocupação da área em que está localizada Rio das pedras, focalizaremos, ainda, a instalação dos primeiros moradores no espaço e algumas de suas conseqüências, como a formação da identidade do local. 3.1 O início da ocupação de Rio das Pedras No final da década de 1960 é iniciado o processo de ocupação de uma área em Jacarepaguá, bairro da zona oeste da cidade. Com precárias condições de infra-estrutura, alguns pobres urbanos instalam-se ao lado de um canteiro de obras que, com o passar do tempo, atrai mais pessoas. A enorme dificuldade de acesso à moradia transforma esta área em mais uma opção de habitação. A história da ocupação tem início numa área próxima ao canal do rio que dá nome à favela, o Rio das Pedras. Relatos dão conta que a ocupação teve início com a invasão de uma área particular, instaurando um conflito possessório, somente superado no final da década de 1960, com a intervenção estatal, conforme nos noticia Burgos (2002, p. 36), a consolidação do núcleo original da favela ocorre em 1969, quando os moradores conseguem junto ao governador da Guanabara, Negrão de Lima, a desapropriação do terreno, acabando com a ameaça de expulsão em decorrência que vinha sendo exercida pelo proprietário da área. Como parte do acordo, no entanto, o poder público exigia que os moradores observassem os limites da área demarcada, o que começaria a ser desrespeitado durante os anos 1970. 63 O processo de ocupação desenvolveu-se desde a década de 60 e no decorrer das décadas de 80 e 90, houve intensificação do processo de ocupação. Associados a este processo, dois eventos foram marcantes na história de Rio das Pedras, segundo relato de uma moradora: a ocupação de uma área hoje denominada de Areal II, em resposta ao descumprimento pelo Poder Público de acordo anteriormente celebrado com os moradores, o que teria gerado grande revolta 1 ; e a existência de um grupo de homens que tentava impor a ordem através da força. A insegurança em relação à apropriação do solo urbano e a dúvida sobre quem teria direito de ali se instalar sempre estiveram presentes em Rio das Pedras, havendo diversos relatos sobre a disputa pelo poder entre nordestinos e cariocas, o que teria acarretado inúmeras brigas e transformado a favela num local de muita violência. Tais conflitos somente tiveram termo com a vitória do grupo de nordestinos, que passaram a deter o poder de forma hegemônica na favela. Estes fatos estão presentes na narrativa de antigos moradores 2 sobre a ocupação daquela área, como no trecho transcrito que se segue: Entrevistada: (...) aqui era muito bravo. Tinha muita gente morto. É... O pessoal agredia os outros, era muito problema. Aqui era muita morte, muita briga. Pesquisador: Mas quem é que matava?(...) Entrevistada: É. O pessoal daqui mesmo, daqui de Rio das Pedras. Pesquisador: Matavam quem? Entrevistada: O pessoal. Pesquisador: Mas por que matavam? Entrevistada: Não sei. Porque aqui era muita violência. Agora não, está muito bom. Mas na época que eu cheguei aqui, eu tinha medo de entrar aqui dentro na madrugada. Aí, às vezes, eu chegava e ia para casa da minha irmã. Morava com ela. Aí eu tinha medo. Na fala de nossa entrevistada, percebe-se que a imposição da ordem através da força foi e é um fenômeno comum na história de Rio das Pedras, num momento pela polícia, através da possibilidade de expulsão dos moradores de uma área, e noutro por cidadãos sem o respaldo da lei oficial. 1 Para Burgos (2002, p. 41), “Este episódio, de luta pelo espaço, é um fato marcante de luta pelo espaço na memória coletiva de Rio das Pedras. A invasão dos prédios, realizada em 1990, durou ‘trinta dias certinho’, e, após a resistência diante da tentativa de expulsão violenta realizada pela polícia, a associação de moradores negociou com o poder público um acordo.” 2 Esta entrevista nos fora concedida por uma moradora da vila Bela Vista, na rua Velha, quando realizamos uma pesquisa sobre as “vilas” em Rio das Pedras no ano de 2005. 64 O controle e a segurança, em decorrência das disputas pelo poder interno, representam dois fatos que acompanham a área desde o início da constituição de Rio das Pedras. A partir da segunda metade da década de 80, a venda de drogas expandese para inúmeras favelas da cidade, mas não alcançou Rio das Pedras que havia se protegido das incursões de grupos de traficantes: sabia-se que o tráfico de drogas representaria um elemento desagregador na comunidade. Do final da década de 1990 aos dias atuais, vem se impondo uma nova ordem em alguns espaços segregados, uma vez que não se permite a instalação de “bocas de fumo”. Isto quer dizer que, comumente, temos dois modelos de favelas: as controladas pelo tráfico de drogas, onde a ordem é imposta pelos donos das armas e aquelas onde esta atividade ilícita não se instalara. Neste caso, um outro tipo de poder passa a dominar o território, porém, ainda não sabemos do seu poderio bélico. A mídia diariamente nos apresenta notícias sobre o que os traficantes costumam realizar na cidade. Alem disto, há vasta bibliografia sobre a sociabilidade nas favelas com presença de traficantes, destacam-se estudiosos como Luiz Antonio Machado da Silva, Alba Zaluar ou Marcelo Lopes de Souza. Nosso estudo destina-se à compreensão de um outro modelo de ordem, contudo, não é objetivo deste trabalho explicar a presença da milícia existente em Rio das Pedras. Em Rio das Pedras, o poder permanece sob o controle de um grupo 3 , que também, através da violência, impõe a ordem e a segurança. Com isto, fortalece-se a imagem de favela onde não há tráfico de drogas e que possui identidade nordestina. Nas entrevistas realizadas ressalta-se o quanto é bom para estes moradores morar em um lugar que é bastante “seguro”, onde não há violência, como pode ser observado no trecho de uma entrevista transcrito a seguir: Entrevistado: (...) Mas em vista de outros lugares, de outras favelas, aqui não tem a violência que tem em outros lugares. Aqui não tem tráfico de drogas. Não tem tiroteios. Pesquisador: Então não existe medo de assalto? Entrevistado: (...) Chego uma hora da manhã, nunca vi. Vou chegar e dizer: “desci da Kombi, veio dois caras armados e me assaltou ou abusou de mim ou quis me beijar.” Não posso dizer isso para vc, se dissesse estaria mentindo. (...) 3 Nas incursões feitas à favela, não vimos a presença deste grupo. Sabemos de sua existência a partir de conversas informais com os moradores, nas quais não se fala abertamente de quem são ou quem os financia. Uma das entrevistadas chega a fazer uma pequena referência de como o grupo age em relação ao uso de drogas. Este grupo é vulgarmente chamado de “polícia mineira”. 65 Pesquisador: Por que não tem essa violência como tem nas outras favelas? Entrevistado: Eu não sei te dizer, não sei se digo se é os pessoais que tomam conta e não deixa acontecer, realmente não sei te explicar esse ponto. Só sei que eu vejo por esse lado. Tem violência? Tem. Tem os garotos que usam a droga? Tem. Mas é aquilo, acho que se eles fizer alguma coisa e chegar para os caras e falar, acho que eles vão tomar uma atitude, vão chegar em cima dos caras, vão chamar atenção. Acho que isso inibe um pouco eles. E o fato de não ter boca de fumo. Você sabe que em outras favelas tem a céu aberto, parece até uma feira. É de 10, é de 15, a melhor, a pior. Aqui você não vê isso. (...) Você sabe que em lugar que tem boca de fumo a violência é constante. É briga, até os donos da boca vão cobrar o que é deles. Então, acho que isso também ajuda muito essa violência que não está, assim, tão grande como está em outros lugares. Pesquisador: Você acha que existam as pessoas que tomam conta? Entrevistado: Acredito que sim, são as pessoas que não deixam isso acontecer. O valor de Rio das Pedras, para o entrevistado, está exatamente na negação da presença de um tipo específico de violência, decorrente do tráfico de drogas, e na manutenção da ordem. Sobre o último ponto, vale observar que a ordem é mantida empregando um outro tipo de violência. Os responsáveis pela manutenção da ordem não são indicados como criminosos, entretanto, também não podem ser identificados publicamente como mantenedores da ordem pois existe um contrato tácito de silêncio. De qualquer forma, ao indagar os moradores sobre a existência de tal poder, temos respostas muito vagas a respeito de quem são. O tipo de violência empregado não é da mesma natureza do tráfico de drogas, pois se atua para manter a ordem interna sem desenvolver atividades reconhecidamente ilícitas e não legitimadas pelos moradores. Este tipo de ação faz parte do cotidiano destes moradores e representa a proteção contra a instalação de bocas de fumo e o tráfico de drogas na favela. Sobre o silêncio e a falta de clareza no discurso de moradores acerca da violência empregada para se manter a ordem em Rio das Pedras, é observado que “na maior parte das vezes, a referência à “polícia mineira” era vaga [...]. Algo trazido por conversas formais e entrevistas informais no sentido de explicar por que não havia a violência de outras favelas neste local”(MOUTINHO, 2002, p. 227). Em função de não sofrer dos problemas decorrentes do tráfico de drogas que atormentam a maioria das favelas cariocas, Rio das Pedras é visto como um 66 lugar que não foi “contaminado”. Assim, a imagem de lugar calmo é vista como um atrativo para as camadas mais pobres e possibilita a instalação de um comércio que atenda inclusive a pessoas da classe média de bairros vizinhos ou distantes. A partir do que foi exposto acima, poderíamos ficar com a impressão de que Rio das Pedras deixou de ser uma favela e passou a ser como um bairro aprazível. Se assim agíssemos, estaríamos cometendo um equívoco, pois o fato de os moradores se sentirem seguros no local onde moram não é suficiente para caracterizar uma outra identidade que não seja a de favela, com toda a sua carga semântica negativa. 3.2 Identidade nordestina Ao usarem a identidade nordestina, os moradores demonstram o desejo de encontrar alguma identidade comum, mesmo que esta não corresponda à totalidade dos habitantes de Rio das Pedras. A semelhança interna, quanto ao local de origem, ressalta, para os de fora, um elemento comum de identidade. Contudo, quando destacamos a semelhança interna entre os favelados de Rio das Pedras, estamos ressaltando, sobretudo, a criação da identidade nordestina. Este é um elemento adicional para identificação dos moradores desta favela. Este tipo de imagem ganha força na relação entre Rio das Pedras e o restante da cidade. Mesmo assim, é importante apontarmos para o que condiciona esta identificação: de acordo com Alkmim (2002), a população desta favela é predominantemente nordestina, correspondendo a 54% de seus moradores. O fato de as novas gerações serem filhos de nordestinos, conseqüentemente, contribui também para sua identificação como favela nordestina. Abordamos dois níveis de diferenciações quando utilizamos o conceito de genoespaço como um recurso para apresentar as diferenças presentes entre favela e asfalto e as distinções no interior do espaço conhecido como favela. Para analisarmos a criação da identidade em Rio das Pedras, é importante observarmos mais uma vez estes dois níveis. Na relação com o asfalto, Rio das Pedras mostra-se como lugar seguro, devido à ausência do tráfico de drogas, e é a favela cuja identidade é nordestina. No 67 que diz respeito a essa identidade, cabe observar que ela não reflete a presença de outros grupos (apenas o carioca). Conforme Araújo, Patrocínio & Silva (2002: 172), encontramos, em Rio das Pedras, “dois grupos com características culturais distintas: o ‘nordestino’ e o ‘carioca’.” De acordo com estes três autores temos a cultura nordestina e a cultura carioca, estas são constantemente reafirmadas pelos professores nas escolas de Rio das Pedras. A identidade nordestina seria marcada por valores como rigidez de princípios, estima pelo trabalho e pela educação, que seriam identificados como veículo para ascensão social, em contraposição ao carioca, que é caracterizado pela “liberdade de valores”, descompromisso com a educação escolar, e que veria outras possibilidades de ascensão social 4 . A criação da identidade é feita a partir do contraste com o outro, neste sentido, cria-se uma identidade de Rio das Pedras, baseada, por um lado, na cultura nordestina (e, de alguma forma, contrapondo-se à “cultura carioca”) e, por outro, na ausência de tráfico de drogas. Este contraste está presente desde o início da formação da favela, quando os nordestinos conseguiram impor a ordem em Rio das Pedras. Possivelmente esse fora um evento que deu mais força à identidade nordestina para consolidar-se no imaginário coletivo. O fato de muitos trabalhadores terem vindo daquela região para fugir da miséria e trabalhar no Rio de Janeiro pode pressupor uma seriedade comportamental voltada para este objetivo. Ao “vencer” os cariocas que causavam a “desordem” na favela, estão dando fim a algo que poderia representar instabilidade nas relações sociais. Com isto, o controle e a ordem fazem oposição ao comportamento “carioca”, baseado na “liberdade de valores”. 3.3 Vida econômica Rio das Pedras está localizada nas proximidades de uma área nobre da cidade, a Barra da Tijuca. Em função da demanda por trabalhadores da construção civil e do setor de serviços, este bairro emprega mão de obra cujo nível de escolaridade da maioria dos trabalhadores não ultrapassa o Ensino Fundamental e o 4 Ibid 68 nível salarial se situa entre um e três salários mínimos. Considerando que a despesa com transporte onera o trabalhador e a distância entre a sua residência e o local onde trabalha gera desgaste físico, restou-lhe encontrar uma solução para esses dois problemas: residir em área próxima ao bairro onde atua profissionalmente. Com isto, formaram-se favelas no entorno da Barra, entre elas, Rio das Pedras. Vemos aqui elementos como “proximidade” e “acessibilidade” (HARVEY, 1980) influenciarem na localização dos moradores da cidade. Entende-se, também, a formação da “renda real” ao relacionarmos este conceito com as possibilidades de domínio dos recursos. Por ser a Barra um pólo de empregos, estar perto deste bairro pode significar acesso a recursos da cidade. No início da ocupação da Barra da Tijuca, operários da construção civil acabaram se instalando próximo a esse bairro da zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. Construíram suas próprias moradias em áreas ocupadas ilegalmente, não distantes do canteiro de obra onde trabalhavam. Posteriormente, outros bairros da cidade passaram a atrair a mão de obra de moradores de Rio das Pedras, como bairros da zona sul e da zona norte. Além disso, nesse mesmo lugar, em função do desenvolvimento de atividades econômicas ligadas ao comércio e à prestação de serviços, passou-se a empregar uma significativa parcela de trabalhadores residentes na favela. Rio das Pedras foi ocupada majoritariamente por pessoas que chegaram ao Rio de Janeiro por fluxos migratórios que partiram do Nordeste para o Sudeste em busca de trabalho. Numa das entrevistas um morador relata que saiu da Paraíba “por sobrevivência”, devido à falta de trabalho em sua cidade. Ao chegar, encontraram no setor da construção civil oportunidade de emprego, o qual não exigia mão de obra especializada, sim peão de obra. Em geral, eles eram analfabetos ou mal haviam concluído o primário em sua cidade natal. Ao longo das três últimas décadas, Rio das Pedras cresceu e começou a ter vida própria. Possui, hoje, um grau de sustentabilidade econômica que é capaz de prestar serviços para além dos seus limites geográficos. Embora Rio das Pedras não esteja localizada em encosta, o estigma de ser favela continua a existir. A estigmatização existe e serve no sentido de fixar a diferença entre quem mora no asfalto e aqueles que moram em favela, ou seja, entre quem reside na cidade legal e os que ocupam desordenadamente a cidade, podemos 69 dizer, ilegal. Esta é uma condição associada à diferenciação statutária presente em nossa sociedade. Ainda hoje, há o senso comum de que Rio das Pedras é um enclave nordestino em Jacarepaguá. Esse senso comum baseia-se na presença de moradores, cuja origem se encontra no Nordeste brasileiro, e na existência, ali, de comércio de artigos representativos da cultura, da música e da culinária nordestina. Estes elementos também podem ser encontrados em outros lugares da cidade, no entanto a concentração de nordestinos e a idéia de espaço diferente do asfalto, talvez, reforcem esta idéia. Ao percorremos a favela percebemos um diversificado comércio e a independência em relação ao “asfalto”, alcançado por ela, devido ao número de estabelecimentos comerciais e de profissionais que atuam no setor. Atualmente podemos encontrar serviços de escritórios de advocacia, consultório dentário, cursos de inglês, lojas de materiais para construção civil e móveis, lojas de venda de discos, vestuário, casas noturnas e outros tipos de comércio. Constata-se em Rio das Pedras um grande e estruturado fluxo de transportes de vans e kombis, utilizados pelos moradores da favela e de bairros próximos. No horário em que as pessoas estão indo trabalhar o fluxo é intenso, tanto de vans quanto de Kombis. Partem do Rio das Pedras em direção a bairros da Zona Norte, como Madureira e Cascadura, e da Zona Sul, como Ipanema, Gávea, Leblon, Botafogo e Copacabana, e à Barra da Tijuca. A força de trabalho existente em Rio das Pedras pode ser caracterizada de acordo com a região em que é empregada. Majoritariamente, encontramos empregadas domésticas e camareiras trabalhando na Barra da Tijuca, além de vendedores de algumas lojas em shopping centers ou auxiliares de serviços gerais. Na Zona Sul, embora haja serviços semelhantes aos realizados em residências da Barra da Tijuca. Em conversas com moradores da favela, constatamos um grande número de trabalhadores empregados no comércio, em empresas de prestação serviços e em restaurantes, exercendo a profissão de garçom e até de cozinheiro. O fluxo que tem como destino bairros da Zona Norte é constituído, conforme conversas realizadas com moradores, por vendedores de lojas. É interessante notar que os moradores que desempenam estas atividades, o fazem a partir de dois motivos. O primeiro é a demanda do bairro onde estão trabalhando, ou outro – que por sinal influencia o anterior –, refere-se ao caminho 70 percorrido para se alcançar o emprego. Isto quer dizer que a maioria dos empregos dependem, na linguagem de Bourdieu, do capital social do indivíduo. Além disto, se recorrermos a Kaztman (2000), poderíamos entender tal fenômeno a partir de uma de um acúmulo de ativos. Neste sentido, consoante com a estrutura de oportunidades na qual o indivíduo está inserido, será “direcionado” a trabalhar em determinado lugar da cidade. Em alguns casos, percebe-se que ao chegar do nordeste, passam a desempenhar atividades semelhantes às de seus conterrâneos mais próximos e que compõem seu “portifólio de ativos” Kaztman (2000). Nota-se a existência de um forte mercado consumidor dentro da favela para os produtos ali comercializados. Os prestadores de serviços e alguns comerciantes, na imensa maioria dos casos, são moradores da favela, que obtêm lucro, oferecendo serviços ou comercializando produtos para consumidores internos. A existência dessas atividades econômicas beneficia o morador, que precisa sair poucas vezes da favela para comprar ou contratar serviços, reduzindo possíveis despesas com transporte. Além desse benefício possibilita-se o estreitamento de laços interpessoais no interior de Rio das Pedras. Esta situação, conseqüentemente, contribui para o aumento da sociabilidade neste lugar. A este fato acrescenta-se outro: como boa parte de seus familiares e amigos também moram em Rio das Pedras, há a possibilidade dos mesmos reforçarem constantemente suas relações primárias e secundárias, pois vale ressaltar, ambas possuem espaços específicos para que se desenvolvam. 3.4 Rio das Pedras e o seu entorno Após apresentarmos algumas características de espaços segregados em capítulos anteriores e de um caso específico, Rio das Pedras, gostaríamos de frisar que, ao utilizar o termo favela, não estamos nos referimos à definição oficial do IBGE. Para este órgão oficial este tipo de espaço é um aglomerado “subnormal” com mais de 50 unidades habitacionais, estando em terreno alheio, ou que o fora até período recente, e é desprovido de serviços públicos essenciais. Cabe aqui tecer um rápido comentário sobre o que o IBGE designa como aglomerado “subnormal”. 71 Tanto substantivo aglomerado quanto adjetivo subnormal, semanticamente, são preenchidos por um sentido que reflete o preconceito de uma instituição governamental, e, de certo modo, do próprio Estado. Aglomerado denota um amontoado de habitação, já, subnormal qualifica-o indicando que o processo de ocupação do espaço não se dá de acordo com os padrões estabelecidos pelas autoridades, na forma da lei. Esses padrões, obviamente, estão de acordo com os valores da elite da sociedade, não com o segmento social que necessita ter a sua moradia, onde, pelo menos, poderá cair morto, quando precisar. Este tipo de tratamento dispensado às favelas, vale observar, excluiu-as de mapas oficiais durante longo tempo. Ao serem incluídas, o poder público ressalta sua precariedade como forma de defini-la 5 . A polarização social no Rio de Janeiro é crescente e quando observamos o crescimento da cidade percebemos que o segmento que mais se expande é o de favelados. A favelização ganha espaço, sobretudo, na Zona Oeste da cidade, onde podem ser encontrados espaços ociosos. Este processo não vem se dando na Zona Sul, no Centro e em boa parte da Zona Norte, pois estas áreas encontram-se consolidadas, e não dispõem de áreas propensas à ocupação ou, se dispõem, estão sob o controle efetivo da iniciativa privada ou do poder público. Em Rio das Pedras, o processo de ocupações ilegais continua em andamento por dois motivos: de um lado, temos a constante chegada de pessoas a este lugar, acarretando uma atividade quase ininterrupta na construção civil e um mercado imobiliário extremamente ativo; por outro lado, temos a influência do seu entorno, os bairros da cidade formal, que atraem a mão de obra residente ali. Com isto, cria-se a favela “central”, denominação empregada por Kasahara (2002), ao estudar o processo de ocupação de espaços urbanos. A favela “central” é construída “nas proximidades de áreas economicamente ricas da cidade, onde a oferta e a remuneração de empregos seriam mais alta que a disponível para favelas localizadas em áreas periféricas da cidade.” 6 5 Marcelo Burgos acrescenta que os parques proletários serviram como alternativa ao “problema da favela”, pois este modelo de moradia sempre fora visto como deplorável. Num texto deste autor, o mesmo salienta que “O Código de Obras da cidade, de 1937, registra com precisão a situação marginal das favelas: por serem consideradas ‘aberração’, não podem constar do mapa oficial da cidade; por isso, o código propõe sua eliminação, pelo que também tornava proibida a construção de novas moradias, assim como a melhoria das existentes”. (BURGOS, 1998, p. 27) 6 Ibid, p. 97 72 Tanto a Barra da Tijuca quanto Rio das Pedras começaram a ser ocupadas na década de 1960. O processo de ocupação se desenvolveu de modo distinto em ambos os espaços. No primeiro bairro foram construídos condomínio fechados a fim de resguardar seus moradores em função de ocuparem um espaço ermo, distante do Centro da cidade do Rio de Janeiro. Estes espaços fechados acabaram se tornando verdadeiras fortificações, a fim de proporcionar segurança aos seus moradores. Caldeira (2000) estudando esse assunto observa que, assim como em São Paulo, no Rio de janeiro “o aumento do crime violento e do medo desde meados dos anos 80 provocou a fortificação da cidade, à medida que moradores de todas as classes sociais buscaram proteger seus espaços de residência e trabalho” 7 . A disseminação dos condomínios fechados naquele bairro contrasta com as favelas próximas. O processo de ocupação ali empreendido pelas classes média e alta valoriza extremamente a idéia de segurança. Em relação aos locais de moradia, Caldeira 8 destaca como suas principais características: “entradas controladas por sistemas de segurança, normalmente ocupando um grande terreno com áreas verdes e incluindo todo tipo de instalações para uso coletivo”. Na década de 1990, ocorre um enorme crescimento da atividade imobiliária tanto na Barra da Tijuca quanto em Rio das Pedras. Por ser um lugar ocupado e valorizado por uma elite emergente economicamente, a Barra da Tijuca ofereceu muitas oportunidades de emprego nas áreas de serviços e do comércio, voltado para as classes média e alta da sociedade carioca. Ao lado e em conseqüência desse processo, intensifica-se a preocupação com a manutenção da “ordem”, e a proteção aos moradores. Isto acaba gerando a auto-segregação com o incremento de condomínios fechados e de shoppings centers. Nestes locais, a convivência entre os iguais dá a tônica das relações sociais e o que estiver fora representa a desordem ou a insegurança, o caos (SOUZA, 2002). Caldeira 9 , ao discutir o afastamento entre as classes média e alta em relação aos pobres, afirma que no contexto de crescente medo do crime e da preocupação com a decadência social, os moradores não mostram tolerância em relação a pessoas de diferentes grupos sociais nem interesse em encontrar soluções comuns para problemas urbanos. 7 Ibid, p. 232 Ibid, p. 243 9 Op. Cit, p. 245 8 73 Em Rio das Pedras, a ocupação se deu a partir da necessidade de seus habitantes residirem em próximo ao local de trabalho. Durante a evolução histórica, ocorreram mudanças no perfil dos moradores: passaram a manter moradia no local trabalhadores, cujo emprego não se situava apenas na Barra da Tijuca, mas em outros bairros da cidade e no próprio local de sua residência. Em função do desenvolvimento de atividades econômicas, ligadas ao comércio e à prestação de serviços, começou a ser gerada certa estratificação social no interior de Rio das Pedras: segmentaram-se os mais dos menos abonados economicamente, como veremos no próximo capítulo. 74 4 Descrição de Rio das Pedras Gostaríamos de convidar o leitor para uma visita à favela Rio das Pedras, conduzido por um olhar influenciado pela geografia local. Devemos, neste passeio, valorizar os aspectos sócio-espaciais do lugar que iremos percorrer. Neste sentido, é importante uma apresentação descritiva e posteriormente deveremos fazer uma análise dos usos dos espaços comuns de Rio das Pedras, com o objetivo de melhor entender o que é esta favela. 4.1 “Subáreas” em Rio das Pedras Alvito 73 ao trabalhar com a noção de microáreas para diferenciar as localidades dentro de Acari, expõe que “as microáreas muitas vezes servem de base para representações acerca das diferenças dentro de uma única favela”. Burgos (2002: 36) utiliza subárea tendo em vista que, neste caso, o “modelo ‘federativo’ não se aplica, pois as suas subáreas, embora nítidas no mapa, têm sua autonomia bastante limitada pelo centro político da favela”. Enquanto em Acari cada microárea possui um ponto de venda de drogas, logo um “centro político” separado dos outros, Rio das Pedras possui a AMARP (Associação de moradores e Amigos de Rio das Pedras), centralizadora da ação política. O acesso à favela é extremamente fácil: há uma via principal asfaltada, fazendo a ligação entre o bairro do Itanhangá e o do Anil, valorizando mais os terrenos próximos a esta estrada. Internamente, encontramos duas ruas, que possuem fluxo constante de veículos e concentra comércio local e lojas de prestação de serviços. Em Rio das Pedras, em função do seu traçado interno e da concentração de atividades econômicas em suas vias principais, percebe-se um fenômeno que aflige os moradores dos centros urbanos, os congestionamentos e os engarrafamentos. Se encontramos esse tipo de via, que aproximaria a favela da cidade formal, existem também várias vielas e becos. 73 Op. Cit, p. 61 75 Burgos 74 , ao descrever Rio das Pedras, chama atenção para seis subáreas que podem ser agrupadas em três áreas, central, intermediária e periférica 75 . Estas se tornam nítidas quando andamos pela favela. Ao conversar com os moradores fica muito clara a importância da AMARP como centro de referência espacial e político. Se a concentração dos serviços na área central de Rio das Pedras tende a valorizá-la, tornando mais alto o preço de imóveis residenciais e comerciais, resta então a periferia para ser ocupada. A área intermediária já fora bem ocupada, mesmo com uma instável vizinhança, como aponta Burgos 76 . O processo de apropriação dos espaços periféricos acontece a partir de contratos nada formais. Uma grande parte dos terrenos na favela está sob o controle dos famosos “donos da favela” que alugam vários terrenos de acordo com as condições financeiras do inquilino, de acordo com a seguinte lógica: quanto mais próximo da área onde há concentração de serviços, maior o preço do aluguel. Algumas fotos podem demonstrar o crescimento da favela : Foto 1: Rio das Pedras em 1991. (Serviço Social, PUC,1991) 74 Ibid Estas três áreas são descritas por Burgos(2002) da seguinte forma: a periferia da favela é área mais pobre é “habitada por famílias sem qualquer tipo de renda, e com quase nenhuma inserção social. Em Rio das Pedras (...) pudemos constatar que a impressão causada pela paisagem social da periferia da favela a um morador do centro é de grande estranhamento, o que, evidentemente, contribui para estabelecer uma forte distância psicológica entre o centro e a periferia” (Ib.: 47-8). Já a área intermediária de Rio das Pedras é caracterizada por este autor “por uma estrutura urbana, que, embora, precária, é francamente superior à da periferia” (Ib.: 51). E, finalmente, a área central é caracterizada por “um maior índice de urbanização que as demais ocupações, e, a se tirar pelo tipo de construção das casas, o nível de renda de seus moradores parece ser superior aos das demais áreas, sendo evidente, também, o processo de verticalização, indicando valorização imobiliária” como observa Burgos (Ib.: 55). 76 Ibid 75 76 Foto 2: Rio das Pedras em 1999 (Serviço Social; PUC, 1999) A foto 1 é do ano de 1991, onde podemos notar alguns espaço vazios entre as diversas construções. Em 1999, estes espaços são bem menores, demonstrando que ocorreu acelerada ocupação em curto espaço de tempo, 08 anos, caracterizando claramente um acentuado processo de adensamento, que já havia sido intensificado na década de 80. No lado inferior direito da foto 2 podemos ver parte do rio que dá nome a favela que, outrora, servira como área de lazer para pessoas residentes em Jacarepaguá, hoje bastante poluído por lixo e esgoto domésticos de quem mora nas suas proximidades. 4.2 Chegando a Rio das Pedras Por não saber de onde vem o leitor, vamos localizar Rio das Pedras no Rio de Janeiro. Está na zona oeste do Rio de Janeiro, mais precisamente no bairro de Jacarepaguá e pode-se chegar a esta favela através de dois lugares. Estando em Jacarepaguá (na foto 3 está localizado na sua parte superior), o melhor caminho é pela estrada de Jacarepaguá. É uma estrada longa e tem início no bairro de classe média chamado Freguesia, durante seu trajeto passa-se pelo bairro do Anil, onde encontramos maior precariedade urbanística e diminuição dos objetos coletivos fixados no solo. Também nesta estrada e na altura do bairro do Anil, funciona o Centro de Ação Social, coordenado pelo vereador Nadinho 77 . Ainda nessa estrada, num determinado ponto, encontramos suas margens ocupadas por extensos condomínios fechados. Estamos nos referindo ao “Bosque dos Esquilos” e ao “Jardim 77 Este fora eleito com amplo apoio dos moradores de Rio das Pedras. Foi também o responsável pela criação da AMARP. Quando os moradores se referem às boas ações da AMARP, o fazem exaltando a atuação (populista) de Nadinho. Parece-nos que o, agora, vereador pretende estender seu populismo para além de Rio das Pedras. 77 Clarice”, este com uma população mais diversificada no que se refere ao tamanho das residências. Ao passar por estes condomínios, chegará a um ponto em que esta estrada encontra com a avenida Engenheiro Souza Filho, em Rio das Pedras. Já nesta estrada, ao seguir em linha reta, adentra-se Rio das Pedras. Porém, se, ao invés de seguir pela Av.Engenheiro Souza Filho, dobrarmos à esquerda, desembocase na rua Nova, que também já é Rio das Pedras. Foto 3: Rio das Pedras (Silva, 2006) Já a segunda opção, pela zona sul (parte inferior da imagem acima), após São Conrado (estamos nos referindo à Estrada da Gávea), passamos num trecho da Barra da Tijuca e, ao atingir a passarela da Barra, deve-se dobrar à esquerda e seguir pelo Itanhangá. Neste trajeto o visitante passará ao lado de alguns condomínios de luxo e outros lugares mais populares conhecidos como Tijuquinha e Muzema. Percorrendo esta estrada conhecida como Estrada Velha da Barra, haverá uma parte em que o visitante poderá optar: se dobrar à direita, chegará ao condomínio Moradas do Itanhangá, passará por uma escola, pelo conjunto residencial São Sebastião, também pelo rio que dá nome à favela e chega à rua Nova, já na favela. Caso continue em linha reta, alcançará a favela pela Avenida Engenheiro Souza Filho, esta 78 avenida divide Rio das Pedras em duas partes. Em cada uma destas partes encontramos outras localidades. É sobre estas localidades que iremos tratar nesta seção do trabalho. A Associação de Moradores e Amigos de Rio das Pedras (AMARP) surge como um importante ponto de referência espacial e político, ocupando uma enorme construção que chama muita atenção de quem ingressa na favela. Falaremos de sua importância política mais adiante. Ao lado da associação de moradores há uma praça com quadra de esportes e uma área de convivência onde as pessoas costumam se reunir ao cair do sol. Imaginamos que tais encontros devam ocorrer nesta hora em função do acentuado calor no Rio de Janeiro durante o dia e, também, devido ao horário de expediente daqueles que estão trabalhando. Aqui cabe um pequeno comentário sobre os laços que unem estas pessoas na praça. São, geralmente, familiares que moram em casas distintas e ali se encontram pessoas próximas à família. Transitam entre relações mais próximas (laços primários) e aqueles um pouco mais distante, entre os quais há uma certa distância. Os moradores que costumam estar ali se dividem em: adolescentes, é comum reunirem-se em grupos, uma boa oportunidade de verem e serem vistos pelos seus; homens mais velhos, em alguns casos desempregados, para alguns a praça pode significar a possibilidade de indicação para um possível biscate; e mulheres, geralmente donas de casa que levam suas crianças para brincar ou apenas estão ali para conversar sobre o cotidiano. Comumente na terça-feira esta praça fica muito cheia. Inúmeras barracas de roupas ocupam a praça e ocorre a “feirinha”. Este tipo de atividade ocorre em vários bairros da cidade e os vendedores estão a cada dia num lugar diferente. Quando acontece em Rio das Pedras, os adolescentes comparecem em bom número e é mais uma oportunidade de mostrarem-se, mas desta vez tentando refletir a moda popular na qual pretendem se inserir. Não necessariamente vai ser possível gastar dinheiro na feirinha, mas é preciso estar ali. Vejamos que interessante, se a feirinha é um grande ponto de encontro, a circulação de informações é intensa e estar neste lugar pode significar tomar ciência do que se passa em Rio das Pedras. É também onde ocorre uma ampla publicidade dos acontecimentos. Nesta feira entram em contato com o modelo de vestuário que deverá ser usado nas casas noturnas de Rio das Pedras, indo do baile Funk, no famoso Castelo das Pedras, ao forró. 79 Ainda observando a praça, há uma quadra de esportes de cimento e atrás desta há pista de skate e um belíssimo campo com grama sintética, arquibancada e iluminação. Podemos dizer que é um espaço de intensa interação para estas pessoas, prática de esportes e, sobretudo, representativo do populismo da Associação de Moradores. Em nosso trabalho de campo, constatamos que é comum os moradores associarem as obras de infra-estrutura ou outros objetos coletivos a atuação à AMARP. Atrás desta praça há uma escadaria, através da qual, chegamos a uma elevação onde estão alguns conjuntos residenciais construídos pela prefeitura. Estamos falando de Vila Pinheiros, um lugar nobre de Rio das Pedras. 4.3 A Vila Pinheiros Esta foi a área que nós menos freqüentamos, mas podemos afirmar que possui algumas distinções em relação ao restante da favela. Não constatamos barracos de madeira, a maioria de suas construções possui mais de um pavimento e algumas foram erigidas em cima de uma enorme rocha. Adentrando seus becos tortuosos, percebe-se que estamos num lugar com características ordinariamente pertencentes ao que chamam favela. É, porém, perceptível que os moradores desta parte da favela moram num local com um pouco mais de infra-estrutura. Nas casas que entrávamos, além de encontrarmos bens duráveis (muitas outras casas na favela também os possuem), encontrávamos uma média salarial mais elevada 78 . Vila Pinheiros é também onde a prefeitura realizou suas primeiras obras em Rio das Pedras, temos então a construção de alguns prédios residenciais, uma praça e quadra de esportes. Um dado interessante é o significado da Vila Pinheiros no imaginário dos moradores de Rio das Pedras. Quando entrevistávamos moradores das vilas que existem na rua Velha e indagávamos sobre os lugares freqüentados por estas pessoas em Rio das Pedras, nos diziam que o Pinheiros era um lugar muito distante, é “lá longe”. Além de ser um pequeno morro, logo necessita de um pequeno 78 Tais características confirmam, em parte, o que Burgos (2004) afirmara sobre o consumo de bens em favelas, bem como o raciocínio de Miranda e Silva (2004, 50), quando escreveram que tais “evidências poderiam indicar reversão do processo de exclusão e revelar a inclusão de parte significativa das camadas populares no mercado, ou, talvez, a expansão do mercado para pobres”. 80 esforço físico, para os moradores de outros espaços não passa de um lugar de passagem para sair da favela. O transporte alternativo, agora chamado pelo poder público de complementar, realizado por Vans e Kombis e coordenados pela cooperativa RP, quando chega à favela vindo do bairro do Anil, não passa pela Vila Pinheiros. Sendo assim, os moradores desta parte da favela, são obrigados a descer logo na entrada de Rio das Pedras, outros vão até a praça ao lado da AMARP e sobem para o Pinheiro. Aqueles poucos circulam pela favela, além de não precisarem atravessar a favela, já estão bem próximos das estradas de Jacarepaguá. Nesta parte da favela há também um comércio local, sendo assim, não há grande necessidade de circulação de seus moradores para consumo. Entretanto, esta é parte da favela muito diferente da Areinha ou Areal, como veremos a seguir. 4.4 A convivência no Areal II e na Areinha Já sabemos que a Av. Engenheiro Souza Filho divide o espaço da favela de Rio das Pedras em duas partes. De um lado, onde se localiza a AMARP, predomina uma mistura de casas de alvenaria e um diversificado comércio. Porém, ao adentrar os becos e vielas deste lado da citada Avenida, os barracos de madeira e inúmeros sobrados convivem com o esgoto a céu aberto. É também deste lado que está em construção um complexo de lojas que terão quitinetes na parte superior. Esta é mais uma prova do crescimento de Rio das Pedras, uma área vazia onde algum empreendedor está construindo mais imóveis. Vamos apresentar imagens desta obra que se realizava na época de nosso trabalho de campo em Rio das Pedras. 81 Foto 4: Lojas e Quitinetes. (Silva, 205). Foto 5: Continuação de Lojas e Quitinetes. (Silva, 2005) Já do lado oposto (correspondendo à parte direita da avenida localizada no centro da foto 5), se observarmos a partir da avenida Engenheiro Souza Filho, que recebera obras do programa Favela-bairro, não é possível perceber o que está por detrás da fachada de construções em alvenaria. Esta fachada é composta de 82 estabelecimentos comerciais, assim como a outra de existente em frente e descrita no parágrafo anterior. Foto 6: Estrada Engenheiro Souza Filho (Silva, 2006) As duas fachadas, localizadas nas laterais da Avenida Engenheiro Souza Filho são cortadas por ruas transversais. As ruas transversais à primeira fachada apresentada, nos conduzem ao que é chamado de Areal I, Areinha, Areal II e Pantanal. Este lado é contrário ao lado da AMARP e da famosa casa noturna Castelo das Pedras Estas áreas, diferentemente das outras onde a prefeitura realizou obras, não têm asfalto e têm como características a existência de inúmeros barracos de madeira. São ruas sem pavimentação, com piso bastante irregular, e com a presença de grandes crateras, que formam enormes poças quando chove. Enquanto andávamos por esta parte da favela para fazer entrevistas, havia momentos no quais esquecíamos que estávamos numa favela. Vinha uma sensação de ser apenas um lugar em obra, isto é, um período de transição ou em construção, como se as pessoas estivessem naquela situação temporariamente. Entretanto, quando retornávamos à realidade, percebíamos a condição daquelas pessoas, melhor 83 traduzida nas palavras de Caetano Veloso “aqui tudo parece que é ainda construção e já é ruína” 79 . Munidos de teorias sociológicas sobre a favela, mas que ainda são incapazes de dar conta da essência da vida destas pessoas, tentávamos através de conversas com moradores, compreender o que é a vida neste “espaço do cotidiano” (SANTOS, 1996; 2002). Sem dúvida, a idéia de uma cidadania encapsulada dos moradores de favela, proposta por Machado da Silva (2004), é um ponto de partida para tentar entende-los. Em conversas com estes moradores, a possibilidade de sair da favela não é vislumbrada, viver num lugar com enorme ausência de recursos se comparados a outros espaços da cidade é a única alternativa. Ainda concordando com o segundo autor citado, fica uma impressão de realmente encararem o mundo como se fossem os inferiores. Estando na Avenida Engenheiro Souza Filho, na altura do restaurante Estação Azul, o lugar em frente ao restaurante é conhecido como Areinha. Adentrando a Areinha, temos, ao seu lado esquerdo, edifícios residenciais que foram abandonados devido ao tipo de solo no qual fora construído. Em virtude de ser um solo que não proporciona estabilidade, chamado turfa, os prédios começaram a afundar e hoje não há moradores. Ao final desta área, chega-se à localidade conhecida como Pantanal, situada ao lado da Lagoa da Barra. Continuamos andando na direção do Pantanal e a cada quarenta ou cinqüenta metros existe uma transversal com nomes de frutas, estes nomes tentam seguir uma ordem alfabética. Se continuarmos caminhando por esta rua, de nome Daniel Marinho, se chega ao Pantanal. As ruas transversais terminam em um rio de esgoto, que é parte do Rio das Pedras. Do outro lado deste rio, encontra-se o Areal I e o Areal II, mais adiante trataremos deste local com mais apuro. Este rio pode ser visto já no começo do Areal II, há uma ponte de concreto para atravessar para o outro lado do rio, porém conforme seguimos o seu leito, as pontes passam a ser de madeira e não parecem ser muito seguras. Foi construído na margem do rio um prédio de seis andares, onde há uma faixa anunciando que os apartamentos podem ser usados para fins residenciais ou comerciais, ao custo de R$10.000,00, dois meses depois o preço foi acrescido em R$8.000,00. Infelizmente não foi possível fotografar o primeiro momento de anúncio dos imóveis, porém, conseguimos registrar após o acréscimo 79 Música “Fora da Ordem” presente no álbum Caetano Veloso Circuladô, de 1991. 84 citado. O que mais nos impressionou foi sua localização, na margem de um rio de esgoto e a poucos metros de onde outros prédios afundaram. Foto 7: Ponte ligando Areinha ao Areal 2. (Silva, 2005) Na imagem acima retratamos uma das pontes por onde inúmeros moradores caminham para atravessar para o outro lado da favela e crianças brincam. Durante as vezes que tivemos que realizar tal travessia, fazíamos com enorme nervosismo e espanto ao observar a calma com que os moradores efetivam a mesma atividade. 85 Foto 8: Edifício na margem do rio tomado por esgoto. (Silva, 2005) Conforme caminhávamos pelo Areal II e pela Areinha, nos distanciávamos cada vez mais da realidade do outro lado da favela e percebíamos que eram muito distintas. Parece estranho classificá-las como a mesma favela, talvez seja o momento de admitirmos uma favela dentro de outra favela ou Rio das Pedras de um lado e a outra Rio das Pedras. Em entrevistas com os moradores do Areal II, perguntávamos sobre a atuação da AMARP nesta área e muitos nos diziam que não viam suas ações. Já, algumas pessoas da AMARP, nos disseram que atuavam também nestes locais mais pobres. Talvez tivéssemos entrevistado as pessoas que não tinham sido beneficiados de algum ato assistencialista da AMARP. De qualquer forma, são 86 pessoas que vivem em extrema pobreza e percebe-se que muitos não encontram biscates, quiçá um emprego. É exatamente neste lugar, onde as “faixas salariais” são menores que menos chegam os recursos públicos. Parece que quanto mais distante da AMARP ou outros importantes pontos da favela, piores são as condições de vida. Não há transporte nos areais e os moradores são obrigados a andar na lama quando chove. Refletindo sobre a relação entre local de moradia dentro favela e as distâncias em relação lugares centrais, as idéias de David Harvey (1982) sobre proximidade e acessibilidade parecem se confirmar neste espaço. É importante deixar claro que este autor em sua análise trabalha com a escala da cidade e nossa abordagem é uma tentativa de transpor suas idéias para uma grande favela carioca. Voltando aos questionários que aplicamos, lembramos que procurávamos aumentar nossas informações a partir de perguntas que não estavam incluídas no mesmo. Quando chegava o momento de perguntar “O que você mais gosta do bairro onde você mora?”, tivemos como respostas: Entrevistada: (...) a calma, isso é a melhor coisa de Rio das Pedras. Igual aqui não tem igual Pesquisador: Aqui é calmo? Entrevistada: É sim e tem muito esporte para as crianças e isso é muito bom. Pesquisador: Onde tem esporte? Entrevistada: Na associação e no campo. As crianças ficam lá e não pensa besteira. Pesquisador: Eu também acho aqui muito tranqüilo e é diferente das outras favelas, você sabe me dizer porque? Entrevistada: Porque aqui não tem tráfico. Isso aqui não tem, ainda bem. Pesquisador: Acho muito bom não ter tráfico, mas você sabe porque não tem? Entrevistada: A polícia não deixa, e jeito nenhum. Aqui você não vê entrar traficante nenhum. Pesquisador: Mas a polícia entra aqui para proteger vocês? Entrevistada: Deve entrar. Não sei como funciona, não. Só sei que não tem e por isso que aqui é o melhor lugar para morar. Aqui é muito tranqüilo. A AMARP parece que ajuda com a segurança também. Pesquisador: Ajuda como? Entrevistada: Não sei não. Estas mesmas pessoas desfrutam de momentos de grande interação, isto quer dizer, estão sempre se encontrando. Desta vez não mais na praça citada anteriormente, e sim na porta de suas casas, parecem mais “imóveis” dentro da favela. A porta de suas casas é um relevante local de encontro, como nas ruas 87 transversais ao rio, as casas são umas de frente para as outras e bem próximas, os encontros ficam mais fáceis de ocorrer. Neste sentido, podemos perceber a criação de uma identidade neste espaço enquanto passam boa parte do dia sentadas, conversando na soleira entre a casa e a rua. A partir desta prática afirmamos que é um lugar rico em experiências e de grande significado para seus moradores. Na maior parte, são pessoas que compartilham experiências muito semelhantes, a origem nordestina e estão no nesta cidade em busca de emprego. Seus filhos menores, crianças, brincam na frente de casa enquanto os mais velhos conversam, ao passo que os adolescentes se embelezam e discutem as novidades. Em nossas conversas, desejando saber como as instituições participavam da vida destas pessoas, eram indagados sobre o papel da prefeitura, da polícia ou da participação da AMARP naquele lugar. Sobre a primeira, expressavam suas frustrações já que as obras do programa Favela-bairro ficaram restritas aos locais mais valorizados da favela, que ligam o bairro do Anil ao Itanhangá. Desta forma, foi necessário se cotizarem para realizar obras de saneamento em suas casas. Já em relação à instituição do Estado responsável pela segurança pública, também não viam sua atuação no Areal II, nem na Areinha. Diziam já terem visto policiais circularem por outros lugares da favela e com bastante imprecisão nos informavam como é feita a segurança de Rio das Pedras, ainda que fosse desnecessária. De acordo com nossos interlocutores, a AMARP pouco fazia por aquelas pessoas. De acordo Leeds, Alvito (2001) nos informa que a existência de um lugar depende do papel das instituições que ali atuam. Ao perceber que nas favelas, instituições que se dizem universais e deveriam agir com igualdade na cidade e não o fazem, nos mostram que neste quesito a favela é um lugar diferente do restante da cidade. Dentro da favela encontramos outros lugares diferentes. Se caminharmos por um sistema hierárquico, percebemos que quanto mais pobres, menos as instituições “democráticas” estão presentes. Passavam-nos a impressão de não terem muito com quem contar no caso de uma ajuda e a grande esperança talvez estivesse na religião. Apesar do discurso de estarem sozinhos, é na religião que podiam encontrar algum alívio e possibilidade de melhoria nas condições de vida. De acordo com suas idéias, a religião nos pareceu um elemento de conforto e capaz de trazer uma aceitação de suas 88 condições de vida. Ao mesmo tempo demonstravam estar bastante satisfeitos com o local de moradia. Já que não moravam em lugar com tráfico de drogas. Quando perguntamos sobre o que mais gostava no lugar onde morava, a mãe de uma aluno das escolas onde iniciamos esta pesquisa nos respondeu: O colégio. Pesquisador: O que a senhora acha da associação de moradores? Entrevistada: Gosto da associação, eles fazem muito ela gente, era melhor com o Nadinho. Ele fez muita coisa aqui em rio das Pedras. Tudo que a gente tem deve a ele. Pesquisador: A senhora costuma ir a outros lugares fora de Rio das Pedras? Entrevistada: Quase nunca saio, fico sempre por aqui, minha família mora aqui e vou muito à igreja. Pesquisador: Qual a igreja que a senhora freqüenta? Entrevistada: Vou na Assembléia. Pesquisador: Como a prefeitura cuida da saúde, da educação e da segurança aqui em Rio das Pedras? Entrevistada: Eles fizeram o Favela-Bairro, mas foi só lá na [rua] Engenheiro [Souza filho]. Aqui ainda tá assim, sem asfalto e também não tem esgoto. A prefeitura nunca entrou até aqui. Foi a gente que se juntou para fazer obra de saneamento, todo mundo deu um pouco e a gente ta fazendo a nossa obra. Pesquisador: E como é a área de saúde? Vocês têm assistência em Rio das Pedras? Entrevistada: Nada. O posto de saúde nunca tem remédio e quando precisei levar meu filho, fiquei esperando para não ser atendida. Pesquisador: Como funciona a parte da segurança? Entrevistada: Tem o pessoal que faz a segurança aqui dentro. Pesquisador: Você conhece esse pessoal? Entrevistada: Não sei quem é que toma conta, não. São os caras. Pesquisador: Mas eles são da associação? Entrevistada: É a polícia. A associação e a polícia junto. Eles que não deixa aqui ter tráfico. Mas eu não conheço eles não. Além de criarem uma forte identidade com Rio das Pedras, sobretudo, com o Areal II, tal fato nos demonstra que não se pensam capazes de morar em outro lugar que não seja uma favela. Logo no início da fala de nossa entrevistada, vimos a importância dada ao fato de terem escolas na favela. Neste sentido, não é necessário sair de Rio das Pedras para estudar, fato bastante valorizado por seus moradores. A religião era vista como um argumento que justificasse a não circulação nos locais fora da favela. Ao serem indagados se conheciam muita gente na favela ou se circulavam por outros lugares, a maioria respondia negativamente. E o fato de fazerem parte da igreja pentecostal aparecia como justificativa para não criar muitos laços na favela. Neste sentido, demonstravam que não tinham interesse em sair de onde moram. 89 4.5 Interações no Areal I É possível encontrar semelhanças e diferenças entre Areal I, Areal II e Areinha. Em primeiro lugar, cabe desenvolver uma descrição do Areal I. Este lugar, também com nome de areal, é assim denominado devido à total ausência de asfalto, ao seu terreno arenoso e a presença da turfa na sua formação pedológica. Assim como ao lado esquerdo a entrada da Areinha, temos edifícios que afundaram no solo, outras construções afundam no Areal I, por exemplo, uma igreja. Foto 9: Igreja. (Silva, 2005) Esta imagem nos chamou a atenção por ver o quanto este solo é arenoso e é neste lugar que estas pessoas têm que construir suas residências. Enquanto o poder público executa melhorias na parte mais nobre da favela, outras áreas continuam abandonadas e o asfalto ainda é um sonho destes moradores. 90 Uma das entradas nos leva ao emaranhado de becos e vielas que formam um difícil labirinto no qual a noção de localização depende de um profundo conhecimento do lugar. Tal fato nos obriga a perguntar sobre os referenciais do lugar ao agendar as entrevistas. A tarefa de achar as casas no Areal I sempre foi muito penosa, em alguns casos foram necessárias duas ou três visitas e nem assim conseguíamos chegar à casa. Perguntávamos pelo nome das pessoas, mas nossos guias nem sempre acertavam a relação entre nome do morador e casa. Num destes casos, um rapaz que estava indo jogar bola foi parado e perguntamos onde ficava determinado endereço. Ele se propôs a nos levar por acreditar que sozinhos não chegaríamos, devemos admitir que o rapaz estava correto. Neste emaranhando de casas de madeira, muitas com mais de um andar, que se encontram nos andares superiores, a circulação de ar é bastante precária. Tentaremos descrever como é a disposição das casas num pedaço do Areal I: imaginemos casas de madeira com dois andares, no primeiro andar há uma distância mínima para circulação das pessoas, isto quer dizer um corredor muito estreito, onde é preciso se virar de lado para passar. Já os andares superiores não seguem a mesma distância dos inferiores e acabam encostando um nos outros. Enquanto andávamos, passávamos por debaixo destes andares superiores, eram locais bastante úmidos. Estamos nos referindo ao lugar retratado abaixo. 91 Foto 10: Um beco no Areal I. (Silva, 2005) Já noutra área também não há asfalto e o esgoto a céu aberto também é comum, para andar por ali é preciso dar saltos para transpor o esgoto. Estamos nos referindo à outra entrada do Areal I, onde há uma escola, a Escola Municipal Rio das Pedras. Ao percorrer toda esta rua, chamada avenida Luiz Carlos da Conceição, que é a principal, e muito semelhante à rua principal do Areal II, também chegaremos ao Pantanal. Suas ruas também são transversais a esta principal e são todas muito precárias, afinal não há asfalto, nas crateras. Diferentemente do Areal II, no Areal I os nomes das ruas são nomes de flores. Identificamos algumas mudanças em relação ao Areal II apesar de inúmeras semelhanças, afinal são lugares contíguos. Contudo mesmo com toda esta precariedade, é possível observar no Areal I um comércio mais desenvolvido, isto é, 92 um número maior de estabelecimentos comerciais, de onde muitos moradores tiram seu sustento. Foto 11: Areal I e II ao norte do rio e Areinha, ao sul. Estes estabelecimentos são pontos de encontro e de referência para os moradores do Areal I e no Areal II os estabelecimentos cumprem a mesma função. Isto quer dizer que enquanto procurávamos as casas das pessoas que iríamos entrevistar, devíamos aprender os códigos de localização para seguir as informações dadas pelos moradores. Por muitas vezes parávamos as pessoas na rua ou adentrávamos os botequins para pedir informações. Alguns botequins têm jogos de sinuca, outros apenas o balcão, mas, indubitavelmente, são locais de encontro de muitos homens. Não só nestes estabelecimentos, é possível observar que outras lojas servem como espaço de encontro onde os moradores compartilham suas experiências, em alguns momentos ocorrem também indicações para trabalho e, claramente, são espaços de lazer. Por ser um lugar repleto de locais menores, pode-se afirmar que há uma abundância de locais de sociabilidade. São encontros que se realizam em locais de comércio, gostaríamos de realçar algumas distinções em relação ao que é conhecido 93 como cidade formal. Na década de 90 percebe-se um aumento da sociabilidade em redomas, isto é, os shopping centers, os motivos geralmente associam-se à segurança. O espaço público da cidade adquire novos significados. Neste sentido, concordamos com Márcio Piñon (2002, p.128) de Oliveira quando afirma que De lugares de integração de distintas formas culturais e diversos grupos migratórios, a Cidade se fragmentou numa infinidade de minúsculos territórios submetidos à lógica do mercado e à síndrome do medo e da insegurança. Os delitos multiplicam-se proporcionalmente ao isolamento e à fragmentação. Estes minúsculos territórios podem ser também condomínios fechados como aqueles encontrados na Barra da Tijuca, onde o sistema de segurança exerce um exímio controle sobre a circulação fora das residências. Porém, devemos salientar a perda de importância das praças como ponto de encontro entre os citadinos. É importante lembrar o enorme descaso de nossas autoridades com os espaços públicos, levando a uma enorme degradação e a saída da classe média para as tais redomas, onde o consumo impera. A convivialidade nas atuais grandes cidades passa por profundas alterações e isto está presente no pensamento de Roché (1996) encontrado em Piñon 80 . Sendo assim, este escreve que Aos poucos, o estilo de vida dos indivíduos nas cidades é alterado e enfraquece-se a convivialidade. Certas regras de “estar em público” são rompidas ameaçando para Roché, não mais a ordem pública, mas a “ordem em público”. 81 . Neste sentido, pode-se afirmar que o convívio e a sociabilidade na cidade formal se efetivam sob a égide dos espaços fechados. Já nas favelas a convivência ocorre distintamente, são locais abertos, as pessoas estão nas ruas. Em Rio das Pedras há um outro elemento que talvez dê maior sensação de tranqüilidade aos seus moradores, a ausência do tráfico de drogas. Encontramos aqui uma enorme diferença em relação à cidade formal no que se refere locais de convívio. Se observarmos quais são as instituições presentes nesta favela e as discrepâncias na forma como atuam na cidade formal, veremos 80 81 Op. Cit Op. Cit, p.129 94 sensíveis mudanças. Sobretudo, as divisões do espaço marcam tais mudanças. Isto influencia na percepção espacial destes moradores, não há shopping center na favela. Saindo de suas casas, todo o espaço passa a ser local de convivência, local de encontro, as conversas não têm local marcado para acontecer 82 . Imaginamos que esta situação represente um modo específico de ordenamento do espaço. Não podemos esquecer da importância dos estabelecimentos comerciais, mormente, os que vendem bebida alcoólica. 4.6 Comentários sobre Rio das Pedras como lugar na cidade Enquanto as favelas cariocas são marcadas por enormes carências, vistas como local de desordeiros e a presença do tráfico de drogas. Rio das Pedras surpreende a todos por ser o contraponto de tais características. Já destacamos a ausência do tráfico de drogas, devemos frisar a importância do que representa ser morador de Rio das Pedras. Além de ter suas características nordestinas, a maior parte de nossos entrevistados é evangélica. Sendo assim, encontramos pessoas que trazem todo o estigma de ser nordestina que chegaram ao Sudeste como sinal de grande vitória. Representam o trabalho árduo e carregam a disciplina exigida pela religião, talvez estes atributos funcionem como um grande trunfo para conseguir um emprego. Se para muitos moradores de Rio das Pedras, a saída de suas cidades no nordeste representa imperiosa condição de existência, a ameaça do desemprego também funciona como elemento altamente disciplinador da conduta destas pessoas. Sabemos, no entanto, que a iminência do desemprego não disciplina apenas os residentes desta favela e sim a todos os trabalhadores do sistema capitalista. Sabemos da importância do exército industrial de reserva para o andamento do trabalho dentro das fábricas. Deve-se assinalar que esta disciplina traduz-se na enorme satisfação demonstrada no fato de estar empregado. Percebe-se assim que 82 Deve-se deixar claro que estes locais de encontro são “extensões de suas casas”, havendo grande familiaridade com estes espaços. Contudo, não há, neste sentido, a necessidade de um comportamento padronizado como é exigido no shopping center, podendo-se assim, manterem suas relações de pessoalidade. Já no shopping center espera-se um comportamento adequado com os indivíduos que freqüentam este “não-lugar” como afirma Augé(1994). 95 estas pessoas se esforçam assustadoramente para sobreviver no Rio de Janeiro, talvez parte deste esforço inclua preservar a fama de “favela sem tráfico” do lugar. Há um segmento do capital imobiliário que apresenta interesse por esta classe social, ou melhor, os mais aquinhoados da favela. Espantosamente, vemos Rio das Pedras apresentar significativas mudanças relacionadas ao modelo de construções. O discurso da precariedade arquitetônicas em favelas, aqui perde um pouco seu sentido. Sim, existem barracos de madeira, casas de alvenarias em precárias condições, porém, não é apenas isto. Entre a Av. Engenheiro Souza Filho e a rua Nova, estão em construção diversas lojas. É importante lembrarmos que já é expressivo o comércio em outras importantes ruas como a rua Nova e a rua Velha. Seus moradores não são, de forma alguma, os mais pobres da cidade. Possuem uma capacidade de consumo que atrai lojistas dedicados ao comércio popular e a construção civil gera emprego para os moradores do lugar. Existe aqui, emprego e moradia fisicamente próximos. Esta condição adquire enorme valor para aqueles que não necessitam ter custos com deslocamento, custo este capaz de onerar significativamente a renda mensal do proletariado. Possivelmente, este é um item utilizado pelos empregadores no momento de negociar salários. Além disto, estes empregados podem fazer suas refeições em casa, neste caso, há a probabilidade de contato com seus familiares. Estas são algumas características do emprego na favela de Rio das Pedras, em nossas conversas, os moradores demonstram enorme satisfação em morar e trabalhar neste lugar. Mas ficamos sabendo que permanece um número importante de pessoas desempregadas. É mister salientar que estes desempregados, conseguem auferir renda através de biscates. Em virtude de algumas das peculiaridades que caracterizam este lugar, tal segmento do capital imobiliário demonstra certo interesse. Para comprovar isto podemos citar as novas construções, vemos sinais de um padrão de consumo semelhante a bairros de classe média. Talvez isto tenha estimulado a construção de uma casa uma filial de uma rede de supermercados popular em Rio das Pedras e uma casa de bingo como há em outros bairros da cidade. Assemelhando-se, com isto, aos bairros da cidade formal. Neste sentido, há um contraponto em relação aos estereótipos da falta de consumo entre os favelados. Com estas características tendemos cada vez mais a pensar nesta favela como negação de uma série de históricos dizeres sobre a favela e a possibilidade de 96 encontrarmos distintos padrões de convivência na cidade. Sobre este assunto, ao tratarmos da convivência entre os moradores deste lugar, encontramos importantes distinções em relação aos espaços que não são favela. Mas também vemos uma sociabilidade que diverge daquela marcada pela presença do tráfico drogas, chamada por Machado da Silva (1994) de “sociabilidade violenta”. Não vamos definir aqui que sociabilidade ou tipo de convivência há em Rio das Pedras, interessa-nos os motivos que levam a busca por esta favela e como tais pessoas relacionam-se com este lugar. Acreditamos ter sido este o objetivo das linhas acima. 4.7 O lugar de uma rua em Rio das Pedras e suas vilas Já havíamos apresentado ao leitor a Av. Engenheiro Souza Filho, que dentro do espaço de Rio das Pedras, é uma avenida central. Do lado oposto aos areais, encontramos a parte mais nobre da favela, sobretudo a Vila Pinheiros e as construções que margeiam a rua Nova e a rua Velha. É sobre esta que iremos nos deter. Na margem do rio que dá nome à favela existem várias construções e, do outro lado destas, a rua Velha. Com asfaltamento no chão e casas de alvenaria, esta rua dá nome a esta subárea. Conforme os registros existentes, este é o núcleo inicial de ocupação de Rio das Pedras e acreditamos que este fato seja um dos elementos que contribuam para sua boa infra-estrutura em relação ao restante da favela. 97 Foto 12: Rua Velha sinalizada em amarelo (Silva, 2006) A rua Velha, estende-se da rua Nova (lado esquerdo da imagem acima) até a Av. Engenheiro Souza Filho(lado direito da imagem acima), possui um comércio bastante diversificado e é cortada por diversas ruas transversais sem asfalto. Estas por sua vez, nos conduzem a outros becos que terminam na rua Nova que é uma rua curva, na forma de um L. O fluxo de pessoas circulando pela rua Velha e consumindo nos estabelecimentos comerciais é sempre intenso. Mais adiante apresentaremos este comércio de forma quantitativa. Ao lado direito da rua Velha, partindo da Av. Engenheiro Souza Filho, existem ruas transversais, estas nos levam para o Rio das Pedras. Com pequenas pontes sobre o rio para que possamos atravessar e alcançar a via Light, que o margeia. Nesta rua se constata significativa circulação de transeuntes, veículos entregando diversas mercadorias nos estabelecimentos comerciais e aqueles que passam boa parte do tempo sentados, observando os que passam e sempre dispostos a nos informar qualquer coisa sobre a rua. Em nossas conversas ocorridas nos bares, contavam com entusiasmo e satisfação acontecimentos que fazem parte da memória da rua Velha. 98 Há, também, aquelas figuras de referência da rua, são personalidades da rua Velha. O tempo parece ser um elemento muito importante para estas pessoas, logo os moradores mais antigos guardam diversas histórias da rua. Mesmo que outra pessoa possa nos contar, as figuras emblemáticas da rua são as mais indicadas para tal, bem como para nos indicar um endereço em outro lugar da favela. Andando por esta rua, encontramos algumas vilas onde desenvolvemos anteriormente um apurado estudo (SILVA, 2005). Neste sentido, gostaríamos de nos deter um pouco mais neste tipo de moradia. Para caracterizar as duas vilas, narraremos o que se passou em nossas incursões em seu interior. Ao chegar pela primeira vez na Vila Bela Vista, a cena assemelhava-se às de casas do subúrbio carioca. O chão seco, casas de alvenaria de dois andares e pouquíssima gente na rua davam um certo tom bucólico ao lugar. Inevitável, naquele momento, lembrar dos versos de “Gente Humilde”, música de Garoto, Vinícius de Moraes e Chico Buarque. Portão aberto, sem qualquer cerimônia, foi possível adentrar e encontrar com duas mulheres sentadas à porta da casa de uma delas. Já estava quase no final da manhã e os moradores da vila circulavam no local. Os becos e as vielas das favelas servem como caminho ligando um local a outro, funcionam como as ruas da cidade formal e possuem intensa circulação. Há alguns becos e ruas sem saída. Nestes o trânsito de pessoas é menos intenso, pois não são utilizados para atravessar uma área. Com a instalação de portão eles passaram a ser chamados de vila. Após o portão de entrada, há uma rua com cerca de 60 metros, chamada de Principal. Encerra-se em uma transversal um pouco mais fina e mais curta, formando a letra T. Optando por dobrar à esquerda, a partir da rua Principal, é possível andar menos de 20 metros, virar à direita onde há mais casas e a vila termina. Esta é descrição, em resumo, da vila Bela Vista. A vila Nazaré é constituída por um conjunto de casa, cerca de 80, aparentando ordenação, em relação ao espaço que ocupam. Sua forma se assemelha ao formato da letra T, com ruas retas mais largas que a vila Bela vista. Comparando a vila Bela Vista à vila Nazaré, encontramos algumas distinções: se a letra T da vila Bela Vista vai além de seu formato, na vila Nazaré, restringe-se a este formato; a largura das ruas da vila Nazaré é maior que as da vila Bela Vista. 99 Na vila Bela Vista há um numero maior de casas e, também é maior o número de acréscimos. Estes acréscimos correspondem às novas construções realizadas em casas já prontas. Tal realidade dificulta, inclusive, uma rígida contagem dos domicílios, pois o que para o observador significa uma casa, com os “puxadinhos”, para o morador é uma ou mais. De qualquer forma estima-se que haja quase oitenta casas nesta vila, enquanto, na vila Nazaré, o número pode chegar a sessenta. Numa observação bem superficial sobre a favela, as vilas são bastante representativas de sua heterogeneidade espacial. Mesmo com alguns traços em comum, estas duas vilas são diferentes entre si e a vila Nazaré apresenta um padrão sócio-econômico mais alto. A sociabilidade parece ser mais intensa e nas conversas com moradores também se percebe uma grande satisfação de estar morando ali. Por compartilharem histórias de vida semelhantes, cultivarem amizades de longos anos entre os moradores da vila e trocarem favores rotineiros ou episódicos vão construindo uma agradável teia de acontecimentos que molda e dá durabilidade às suas relações na vila. Ao compararem Rio das Pedras com outras favelas onde o tráfico de drogas violento está presente, sentem-se privilegiados. Atrelado a estes elementos existe o baixo nível sócio-econômico que os impossibilita de morar fora da favela. Estes fatores contribuem para formar uma gama de motivos que os impede de vislumbrar uma saída de Rio das Pedras, mais ainda das vilas. Em virtude destes fatores, aliados a uma identificação cultural, procuram ter uma intensa e saudável sociabilidade dentro da vila: valorizam suas casas e a existência de amigos com quem podem sempre contar nos momentos difíceis. Expressões de exaltação da vila Nazaré aparecem em maior número que na Bela Vista. Vejamos a fala de uma moradora da primeira: Aqui todo mundo conhece todo mundo, é amizade, não tem discussão, esse negócio de briga. E por aí por fora nem me envolvo nessas outras vilas. É daqui para escola, da escola para casa. (...)Porque é mais aberto e as casas mais tumultuadas, mais uma por cima das outras. São mais estreitas, não é larga que nem essa daqui. Aqui tem mais espaço. Por isso que tem gente procurando casa mais aqui nessa vila. Na vila Nazaré percebemos maior sociabilidade: tanto no bar quanto nas portas das casas é grande o número de pessoas conversando. Algumas já se 100 conhecem de longa data e referem-se umas às outras como amigas. Muitos vizinhos compartilham impressões muito semelhantes a respeito da vida na vila, causando uma certa repetição de argumentos ao longo das entrevistas. Há um certo nivelamento sócio-econômico dos moradores, além de vivência de experiências comuns que fazem parte de suas histórias de vida, como a vinda para o Rio de Janeiro, a colocação do portão, os elogios às ações da associação de moradores e/ou felicidade de morar naquele lugar. Foto 13: Entrada da vila Bela Vista (Silva, 2005). A disposição das casas na vila Bela Vista não é retilínia, esta foto nos impede de ver o final da rua principal, no entanto esta parece ser menos insalubre que o restante da vila. O número de construções com mais de um andar também é grande e isto associado à proximidade das casas mais ao fundo impede a presença da luz solar. Um elemento importantíssimo é a presença de infra-estrutura para o escoamento de água. No restante da favela não é assim, havendo inclusive um rio de esgoto na área conhecida como Pantanal. As casas são, na sua maioria, bastante precárias (se comparadas com as casas fora da favela), podendo variar de dois a sete cômodos. Algumas poucas possuem um terraço e outras podem chegar a três andares. Todas recebem água da CEDAE e têm sistema de esgoto. Ao andar pela favela, facilmente, encontra-se 101 lugares tomados pelo esgoto que se assemelham a pequenos rios e são colocadas algumas pedras para que não molhemos os pés. Ao perguntar a uma das moradoras da vila o que ela considerava haver de melhor naquele lugar, a resposta imediata foi: “o chão seco”. Na vila, as pessoas, em sua maioria as mulheres, costumam sentar à porta de suas casas e ficar conversando. Isto possibilita um reforço dos laços de sociabilidade e a confortável sensação de viver num lugar seguro como na comunidade descrita por Bauman (2003). Ao fazerem isto contribuem para a consolidação da identidade com aquele espaço. Na vila Bela Vista e na Nazaré existem dois bares, são os espaços dos homens, ainda que numa única vez tenha visto duas mulheres sentadas na companhia de seus companheiros. Na vila Nazaré, o bar reúne um número maior de moradores que o bar da Bela Vista. Naquele há uma televisão, elemento que torna o local mais atrativo para seus freqüentadores. As mesas do bar são postas na vila, em frente ao bar e, nos finais de semana, este pedaço da vila em frente ao bar transforma-se num local de intensa sociabilidade e descontração. Vejamos: 102 Foto 14: Bar na vila Nazaré (Silva, 2005). Há um outro elemento relacionado à sociabilidade que merece destaque, é o fato de termos um significativo número de nordestinos morando na favela. No capítulo anterior já mencionamos este fato e agora devemos salientar como, geralmente, se dá a chegada a Rio das Pedras. Em muitos casos, primeiro chega um membro da família, consegue uma fonte de renda e posteriormente virão os outros familiares e amigos. Este processo realiza-se desde o início da construção da favela. Identificar-se como nordestino representa status em Rio das Pedras. Esta identidade está relacionada ao fato de terem passado por enormes dificuldades financeiras em suas cidades de origem e chegarem ao Rio de Janeiro na expectativa de melhorar de vida. Os moradores das vilas que são nordestinos compartilham deste valor e apresentam-se como participantes de uma história ou saga de vitórias. Como meio de tornar a sociabilidade e suas histórias pessoais mais prazerosas, recorrem aos elementos comuns que os unem. E, se, o fato de ser nordestino é valorizado, associado aos bons costumes e ao fato de serem vencedores às custas de muito trabalho e persistência, ver a si próprio e aos outros 103 membros da teia de relações da qual fazem parte como nordestinos é fundamental para uma melhoria na auto-estima. Já que ser nordestino é um elemento importante na sociabilidade, talvez o nível de status mais alto da favela seja representado pelos que são nordestinos e moram na vila. Numa das conversas com uma moradora da vila Nazaré, indagou-se sobre o que mais gostava nas pessoas que ali moravam. Com muito orgulho, exaltou seus amigos e o fato de serem todos nordestinos. Nem todos os moradores da vila são nordestinos, no entanto, talvez, viver achando que é uma vila de nordestinos contribui para a confiança mútua e uma maior disposição dos moradores para fortalecerem a solidariedade e os vínculos sociais. Após esta apresentação da vila, convidamos o leitor para continuar andando por esta rua. Além dos pontos de encontro, que são os estabelecimentos comerciais, há um grande portão que resolvemos entrar para matar nossa curiosidade. Ao passar pelo portão, entramos numa vila, com casas de alvenaria, contabilizando cerca de quarenta casas e, ao fundo, um prédio. Conversamos com os moradores que estavam na porta de suas casas conversando para saber o que era aquele lugar. Fomos informados que o portão pelo qual entramos é o único acesso e que tanto os moradores da vila quanto do edifício deveriam passar por ali. Contudo, havia uma enorme distância entre os mesmos, os moradores do prédio não queriam se relacionar com os que estavam na vila. Não nos detemos muito neste lugar, apesar de termos ficado interessadíssimos na possibilidade de testarmos naquele “microlugar” a possibilidade de reprodução de relações entre “estabelecidos e outsiders” Elias e Scotson (2000). Caminhando pela rua Velha, encontramos ao lado direito um terreno onde os moradores jogam lixo. O terreno estende-se até a rua Nova e representa uma descontinuidade entre as construções, não conseguimos saber quem é o proprietário do mesmo. Sobre os pontos de encontro citados acima, reafirmamos serem estabelecimentos comerciais. Todos os dias encontramos muita gente circulando e consumindo nos bares e lojas desta rua. Sentados à porta destes estabelecimentos, muitos homens passam horas conversando e nos foram muito úteis quando precisávamos encontrar alguns endereços localizados nesta rua. Em alguns casos passávamos despercebidamente pela casa a qual tentávamos achar. Víamos alguns cubículos e inicialmente não imaginávamos que fosse ali que morasse a pessoa a ser entrevistada. Com a enorme boa-vontade das 104 pessoas que estavam na rua, conseguíamos encontrar o endereço. Em algumas das vezes, perguntavam o nome da pessoa que procurávamos, então a busca tornava-se mais rápida e em poucos segundos nos diziam o nome de alguns parentes. Havia momentos em que nos perguntavam a razão de tal procura e era o momento de explicar um pouco dos motivos da nossa presença neste lugar. Alguns se diziam interessados, nos valorizavam e viam grande importância em nosso trabalho. Gostaríamos de apresentar uma tabela de modo a dar noção do que estamos falando em relação ao comércio da rua Velha. É importante deixar claro que o critério utilizado para denominar estes estabelecimentos comerciais foi a sua identificação na fachada da loja e os artigos encontrados nos mesmos. Sendo assim, vejamos abaixo: Outras ruas da favela também possuem um comércio bastante significativo. Debruçamos-nos um pouco mais sobre a rua velha por já termos realizados estudos anteriores neste local, bastante central da favela. Devido a enorme complexidade da favela, não é possível transpor a realidade da rua Velha para todas as outras de maior centralidade. Sendo assim, cumpre salientar que tal realidade apenas reflete a magnitude de uma das ruas da favela. Interessa-nos olhar para esta rua e conversar com as pessoas que por ali estão a circular, conversar ou passar o tempo. Sem dúvida, esta rua desfaz uma série de mitos historicamente associados ao termo favela. Apresenta-se como uma rua repleta de vida, com uma história capaz de determinar as características deste lugar. É de grade importância lembrar que cada lugar da favela nos transmite sensações diferentes e esta rua também nos induz a pensar exclusivamente sobre esta rua. As distinções espaciais estão em todos os seus pedaços, revelam-nos um rico “espaço do cotidiano”, como diria Milton Santos (1996; 2002) ao nos falar das zonas opacas. Mais do que em qualquer outro momento, quando observamos a rua Velha, encontramos enorme relevância nas idéias de Jailson da Silva (2002). Este geógrafo propala a necessidade de interpretarmos a favela a partir do que lá existe, ao invés de defini-la pelo que ela não é. Nos capítulos anteriores discutimos visões acerca da idéia de favela, talvez nos caiba resgatar brevemente esta discussão para o caso da favela que estudamos. Considerando-se que no primeiro capítulo o objetivo central fora demonstrar que a cidade capitalista traduz a luta de classes no seu espaço urbano, a favela ou 105 semelhantes são inerentes à estrutura deste sistema espacial. Os autores analisados nos ensinam que as características espaciais de cada lugar funcionam como elementos de reprodução daquela forma de ocupação da cidade e de utilização do solo urbano. Ao nos centrar na favela, optamos pelo diálogo entre autores brasileiros a respeito do tema favela. Indubitavelmente, Rio das Pedras representa uma possibilidade empírica de visualização das teorias abordadas. A idéia de “cidadania de geometria variável” de Lautier 83 tem aqui enorme eficácia. É interessante notar que na maioria das outras favelas da cidade, o tentáculo mais enérgico do Estado é o seu braço coercitivo. Já em Rio das Pedras, a coerção também existe, porém, ilegal e legitimada pela população local. Neste caso, as outras favelas aproximam-se daquilo que Wacquant 84 encontrou no gueto, ou seja, repressão policial. No entanto, Rio das Pedras se distancia desta repressão, apoiando um outro tipo de repressão, quiçá muito mais panóptica que a policial. Estas são nossas impressões dos lugares que compõem a favela do Rio das Pedras. A partir das noções de Leeds encontradas em Alvito 85 , a singularidade de um lugar decorreria das instituições ali presentes. No caso da favela que estamos pesquisando a igreja evangélica possui acentuada influência sobre tal lugar. Gostaríamos de salientar que a igreja é uma dentre outras instituições que contribuem para as peculiaridades de Rio das Pedras em relação ao Rio de Janeiro. Anteriormente, discutimos o papel desta e outras instituições nesta favela, este retorno tem o objetivo de reafirmar a impossibilidade de definir uma favela. Esperamos contribuir a partir de um prisma espacial e sendo o lugar o ponto de partida para uma compreensão da inserção de Rio das Pedras no Rio de Janeiro. Desejamos, também, com este trabalho enriquecer o debate em torno desta favela que atrai inúmeros pesquisadores devido às suas singularidades. 83 Op. Cit Op. Cit 85 Op. Cit 84 106 Conclusão A relação dos pobres com o território é o pano de fundo do primeiro capítulo. Nesta parte do trabalho é importante ressaltar que os moradores da favela não conseguem ter acesso aos recursos providos pelo Estado e o mercado para o restante da cidade. Considerando que é a lógica do mercado que determina o processo de urbanização, privilegiando apenas algumas áreas da cidade e provendo-as com recursos, torna-se óbvio que as classes menos abastadas têm menores possibilidades de acesso a esses recursos. Tal acesso é dificultado não apenas por 107 não pertencerem à classe que pode pagar por isto, mas também pela própria inexistência desses recursos no lugar onde moram. Estas áreas ocupadas pelos mais pobres também são as menos interessantes para o capital imobiliário. Percebe-se que o Estado pouco prove estes lugares e o capital imobiliário também não está preocupado em investir em infra-estrutura habitacional para os mais pobres. Esta condição acentua o distanciamento desta camada da população em relação às vias de exercício da cidadania e de uma sociabilidade com o restante da cidade, trazendo inegável prejuízo ao processo de integração. Seguindo este critério, as empresas vão procurar os lugares onde já existam recursos que possam acelerar o processo de acumulação, vemos a efetivação do sobre-lucro de localização, como nos ensina Topalov 86 . Por outro lado, os espaços da cidade que antes não representam retornos imediatos às empresas, mantém-se estagnados. Se observamos a estrutura urbana do Rio de Janeiro, encontraremos, nas áreas mais pobres, os efeitos contrários dos “efeitos úteis de aglomeração” 87 . Justamente os lugares da cidade ocupados por favelas são desinteressantes para o capital. Contudo, tais espaços são utilizados como moradia, afinal, na maioria das vezes, é a única possibilidade de estarem próximos aos locais de trabalho. A partir disto, locais próximos à Barra da Tijuca são interessantes para os menos abastados tanto por estarem próximos a um pólo de empregos quanto para que tenham acesso alguns recursos do bairro, um hospital ou escola públicas. É necessário deixar claro que estes bens públicos fixados ao solo não são utilizados pela classe média moradora da Barra. Rio das Pedras, por ser favela, não é uma área de grande interesse para o capital imobiliário, nem recebe a devida atenção do poder público. Porém, é preciso salientar que a favela representa uma posição ou condição dentro do campo de lutas que é a cidade. Na disputa por recursos existentes no espaço urbano, a favela significa a forma possível destas pessoas estarem neste campo de lutas. A grande disputa pode ser traduzida por uma tentativa de melhoria da “renda real” Harvey 88 . Assim, estar em Rio das Pedras possibilita aos seus moradores desfrutarem de 86 Op. Cit Ibid 88 Op. Cit 87 108 alguns benefícios localizados nos bairros próximos. Em primeiro lugar o emprego, visto que a maior pare dos residentes desta favela são migrantes nordestinos que estão no Rio de Janeiro ara poderem sobreviver. Como nos ensina Topalov 89 , as empresas se localizam onde há melhores possibilidades de aumento de seus lucros, se a Barra da Tijuca oferece tais condições, é neste bairro que há maior número de empresas, logo empregos. Aos mais pobres estão reservados empregos com baixa remuneração em empresas ou em condomínios fechados, há inúmeros destes na Barra. Em segundo lugar, devemos observar que a chegada no Rio de Janeiro significa a chance de sobrevivência, entretanto, é preciso com os recursos disponíveis, estar bem localizado nesta cidade. Boa parte destes migrantes tem como oportunidade a favela, aqueles que podem, vão para onde não há o tráfico de drogas, aumentando, com isto a “renda real”, conforme Harvey 90 . Se a cidade é um campo de lutas pelos recursos existentes, os moradores de Rio das Pedras também participam destas lutas, e uma de suas armas é a construção de uma imagem que a distinga das outras favelas. Este interesse decorre do fato dos estigmas e sensos-comuns negativos produzidos sobre as favelas. Seus moradores tentam requalificar a idéia de favela para assim abrandarem os efeitos da segregação residencial. A relação dos distintos grupos com o espaço urbano produz lugares diferentes, nos quais a segmentação de classes, ao se agravar, tende a acentuar a segregação. Esta segregação dentro do “espaço relacional” (BOURDIEU, 1999) resulta numa vasta gama de sensos-comuns eruditos sobre os espaços ocupados pelos pobres. Valendo-se de distinções espaciais, os grupos com maior poder sobre o espaço urbano se baseiam nas diferenças territoriais – expressas em distinções de classes e de status sociais – para inferiorizar os favelados. Se Rio das Pedras é uma favela, devemos discutir o lugar das favelas na hierarquia sócio-espacial. Quando usamos o conceito de genoespaço (GOMES, 2002), o fizemos com o objetivo de trazer à tona diferenças territoriais pautadas na diferença. Contudo a relação entre “favela e asfalto” não existe apenas em função de uma diferença espacial. É imperioso recorrermos à diferença de poder sobre o espaço, nesta diferença os grupos mais poderosos não estão nas favelas, são os estabelecidos se 89 90 Op. Cit Op. Cit 109 relacionando com os outsiders (ELIAS e SCOTSON, 2001). Esta relação acontece a partir de uma histórica diferença de acesso a direitos. Desta forma, aos menos aquinhoados de nossa sociedade são vetadas as possibilidades de exercício da cidadania. Como vimos na quarta seção do primeiro capítulo, esta distinção resulta em diversas formas de “produções simbólicas” (VELHO, 1981). Quando observamos a representação social dos segmentos sociais, os mais pobres são vistos como a representação de toda a desordem social. A favela seria a síntese das mazelas de nossa sociedade, os adjetivos citados por Alba Zaluar utilizados para qualificar este grupo denotam como estes indivíduos são representados. Tentou-se “resolver” a contradição entre ricos e pobres com a remoção de favelas, neste sentido, o esforço foi em ocultar o “problema favela”. Conforme a expressão encontrada em Alvito e Zaluar (1998), a favela representa “o espelho invertido” da identidade urbana brasileira. Verdadeiramente, a remoção representava uma preocupação em dar fim à imagem, ao invés de tentarem integrar de outra forma estes moradores da cidade. No primeiro capítulo nosso objetivo foi apresentar mecanismos que levam à formação de favelas e como ela se integra na hierarquia social urbana. No capítulo seguinte debruçamo-nos sobre as idéias de alguns autores para que pudéssemos apresentar o debate em torno da favela e com isso localizar Rio das Pedras nesta discussão. Nos dois capítulos iniciais pretendeu-se desvelar como a favela se insere na hierarquia social e trazer à baila o debate sobre as conseqüências do lugar social que lhe fora reservado. A importância da abordagem de algumas dimensões relativas aos efeitos da segregação residencial sobre a favela reside na necessidade de observarmos as implicações destes fatos no local objeto de nosso estudo. Coube-nos debater algumas características destes espaços que sofrem os efeitos da segregação residencial, uma vez que já havíamos abordado possibilidades de como podem ser formados. Estamos falando das estratégias de significativa parcela dos pobres da cidade para terem acesso a recursos e, logo, incremento na renda real. O diálogo com a “marginalidade avançada” (WACQUANT, 2001) salientou os limites deste conceito para interpretação de nossas favelas. Vimos que a realidade social de nossas favelas difere da presente nos guetos em diversos aspectos. Ressaltamos que a favela continua a existir enquanto lugar. Ficou clara a importância 110 de analisar a favela a partir da sua formação espacial. Isto posto, foi imperioso abordar o pensamento de alguns estudiosos do assunto favela. Toda esta discussão sobre características da favela carioca nos levou a entender que alguns espaços da cidade são marcados por uma divisão statutária que os encapsula num lugar inferior na hierarquia social. Embora Burgos (2005) confronte e, talvez, diminua a relevância atual do “controle negociado” (MACHADO DA SILVA, 2002), achamos fundamental observar a favela a partir deste conceito. Por mais que os moradores de Rio das Pedras tenham acesso a vários bens materiais, em nossas conversas, os mesmos se referiam, constantemente, às diferenças entre benesses do Estado dentro e fora deste lugar. Ressaltavam que a melhora na qualidade de vida naquele lugar dependeria da fé e de um esforço próprio. Outros, os que residiam nas áreas mais nobres da favela, lembravam que a associação de moradores já substituíra o Estado. Se desejávamos, inicialmente, entender os efeitos da segregação residencial em Rio das Pedras, conseguimos apreender em parte como vivem estas pessoas. A noção de comunidade de Bauman (2003) esteve muito presente nos diálogos travados com os moradores. Realmente, todo o estigma negativo em relação às outras favelas induz os residentes de Rio das Pedras a produzir idéias que neguem os referenciais acoplados ao termo favela. Uma característica importante que nos ajuda a entender esta possível condição de diferente em relação às outras favelas é a ausência do tráfico de drogas e a presença de uma milícia armada. Enquanto as outras favelas são comandadas pela ordem imposta pelo tráfico de drogas, Rio das Pedras segue acreditando que a “polícia mineira” impõe uma ordem positiva. Sentem-se livres para viver tranquilamente nesta favela. Dizemse muito felizes por estarem num lugar que valoriza a paz, as idéias difundidas pelas igrejas evangélicas e, “por ser uma comunidade de nordestinos”. Observamos que o tripé: “polícia mineira”, igreja evangélica e uma significativa presença de migrantes nordestinos sejam as características nas quais seus moradores se apóiam para tentar viver a “comunidade” (BAUMAN, 2003). Esta sensação de comunidade apresenta seus primeiros sinais após os conflitos iniciais relativos à ocupação do lugar. Vimos que esta ocupação esteve associada a processos possessórios e implicou em mortes devido a uma disputa entre grupos de cariocas e nordestinos. Quando estes conseguem impor a “ordem” em Rio das Pedras, impedir a entrada do tráfico de drogas passa a representar a 111 possibilidade de manter a coesão e submissão dos moradores ao grupo que detinha a força. A identidade nordestina representa um dos pilares da estrutura de Rio das Pedras. Enquanto as outras favelas cariocas são marcadas pela ordem imposta pelo tráfico de drogas, a favela nordestina afirma uma outra possibilidade de ordem. Apoiando-se num significativo número de moradores de origem nordestina, estes tentam reviver no Rio de Janeiro a cultura nordestina. Valorizam a dedicação ao trabalho e se esforçam para rechaçar o modo de vida carioca, como se este fosse pautado num descompromisso com o trabalho. Isto representa uma estratégia que visa a desidentificação de Rio das Pedras como mais uma favela carioca. Requalificam assim, o significado das idéias relativas ao termo favela – vivem a sensação de estarem numa “comunidade nordestina” onde não existe tráfico de drogas e nem haveria a liberdade de valores presente no restante da cidade. Enquanto as favelas são extremamente estigmatizadas, Rio das Pedras tenta fugir deste estigma criando outras formas de se identificar. Partindo da dificuldade de acesso às benesses fora da favela e da tentativa de consolidar a “comunidade nordestina”, voltam-se cada vez mais para o seu território. Nesta prática os comerciantes locais se valem também da distância física da favela em relação a outros locais de comércio. O comércio cresce e emprega muitas pessoas. Estas são características que motivam a maior parte dos moradores que trabalham fora da favela a sair de lá apenas no momento da labuta. A segregação residencial imposta aos favelados cariocas funciona como o combustível necessário ao desenvolvimento do território, controlado pela “polícia mineira”. Este controle se baseia no respaldo da associação de moradores, que tem como figura emblemática seu ex-presidente, o vereador Nadinho. Este conseguiu se eleger vereador a partir do assistencialismo executado enquanto era presidente da AMARP, esta pessoa tinha como prática fazer “com as próprias mãos” aquilo que o Estado deixava de fazer pelos pobres. Transformou-se num aclamado líder que “lutava” pela melhoria de vida no território dos nordestinos. Sobre a cidadania na construção do lugar de Rio das Pedras, encontramos a histórica perpetuação da ação desigual do Estado conforme a classe social. Esta desigualdade aparece também entre os diversos lugares da favela, onde quanto mais pobres forem as famílias daquele lugar, menos o poder público se faz presente. Contudo, a “cidade escassa” de Maria Alice Rezende de Carvalho (2000) encontra 112 níveis distintos de efetivação nesta favela. Todavia, não se deve afirmar que são moradores que aceitam esta situação, ao indagar sobre a presença do poder público, todos sabem o quanto este é ausente, principalmente em locais como Areinha e Areais I e II. De qualquer forma, não vemos manifestações destas pessoas na cidade. Vender a força de trabalho fora da favela não nos leva a crer que exista uma integração destas pessoas à cidade. Os moradores de Rio das Pedras sentemse integrados à favela, acreditamos que este seja o grande fator de coesão nesta “comunidade” Bauman (2003). Vivem como se este fosse o lugar mais seguro do Rio de Janeiro, neste sentido, pouco saem da favela. Ao se voltarem para o interior do território produzem distinções sócio-espaciais, encontramos aqui os lugares onde ocorre a sociabilidade entre os moradores. Os locais de encontro como os inúmeros bares, casas noturnas e a praça ao lado da AMARP são os pontos de encontro onde compartilham o cotidiano de suas vidas. Acreditamos que nestes momentos ocorram a possibilidade de transmissão de valores e coesão dos membros do território. À luz de Burgos (2002) nos valemos da divisão da favela em subáreas. Iniciamos apresentação dos lugares de Rio das Pedras pela praça ao lado da associação de moradores. É um local de muitos encontros, logo possibilidade de compartilharem intensamente a “produção simbólica”(VELHO, 1981) de um lugar que responde aos efeitos da segregação residencial através da busca da comunidade. A interação entre os moradores da favela não ocorre apenas na praça, é muito importante ressaltar que nas diversas subáreas os bares servem como local de encontro, onde pessoas conhecidas se habituam a se verem diariamente. A proximidade das casas, a forma como estão dispostas e a ausência do tráfego de automóveis facilitam os encontros para conversas rotineiras e dão uma aparência bucólica ao interior das subáreas. Em nossas conversas, percebe-se que a igreja tem um significado muito importante para estas pessoas. A coesão dos moradores de cada subárea tende a aumentar devido aos encontros nos templos religiosos. O papel da igreja evangélica é fundamental para o entendimento das estratégias dos moradores de Rio das Pedras como resposta aos efeitos da segregação residencial. Ao mesmo tempo que são segregados da vida na cidade, a igreja evangélica incentiva o rechaço de inúmeras práticas sociais qualificadas como “do mundo”. Se para estes fiéis, a salvação espiritual depende de um comportamento alinhado com os seus preceitos religiosos e conforme Burgos (2005) dentre estes 113 preceitos está o consumo individual, pouco espaço há para uma solução coletiva de suas mazelas sociais. Muitos encaram suas condições de vida como uma graça alcançada, afinal não moram num lugar com tráfico de drogas. Sentem-se privilegiados por estarem na grande favela nordestina, talvez a única que tenha sua imagem desvinculada da atividade criminosa. Estes são elementos valorizados pela igreja e nos outros diversos locais de encontros da favela. A disseminação dos valores que caracterizam Rio das Pedras não acontece apenas em bares e na igreja. Assim como nas portas das casas, as pessoas se encontram nas ruas ou em becos ou na entrada de algum estabelecimento comercial para conversar. Não há shopping centers, o encontro depende de uma outra estrutura física, não seguranças, mas todos sabem que os olho dos moradores são a extensão dos olhos da “polícia mineira”. Percebemos que nos lugares com menor infra-estrutura como nos areais, o isolamento talvez seja maior. O contraponto está em locais como a rua Velha e a rua Nova. Cheias de bares, lojas com jogos eletrônicos e vestuário, são as ruas de grande consumo. Talvez seja este um dos grandes desejos de seus moradores, sentir-se inserido através do consumo. A maioria dos moradores veio para o Rio de Janeiro fugindo da miséria em suas cidades. São pessoas pouco assistidas pelo poder público e, através do mercado, não conseguiram ir além de Rio das Pedras. Para a maioria, morar nesta favela é uma significativa ascensão social. Porém, para manter esta condição de vida, estar empregado é condição essencial. Sendo assim, manter as características que individualizam e fazem a imagem de Rio das Pedras no restante da cidade é fundamental para se conseguir um trabalho no grande pólo de empregos mal remunerados, a Barra da Tijuca. 114 Referências ABREU, Maurício de Almeida. A evolução urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPLANRIO, 1987. AGUIAR, Ruy Rosado.Trecho do voto proferido no Recurso Especial nº 369.206-MG. Disponível em: https://ww2.stj.gov.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200101269199&dt_publicacao =30/06/2003 . 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Como parte de um estudo sobre o desempenho escolar e as causas da repetência, estamos entrevistando as famílias dos estudantes de quarto ano na ESCOLA (nome) _________________________. Gostaríamos de saber algumas das características (como idade, trabalho, grupo familiar etc.) sobre seu (sua) filho(a) que está na 4ª série. A senhora (o senhor) poderia responder algumas questões? Todas as respostas serão confidenciais e nos comprometemos a não divulgá-las. 1. Número do questionário 2. Número da Pessoa 1 2 3 4 5 119 º pessoa 3.Qual o parentesco com a criança 1 da 4ª série 4. Sexo º pessoa ( (M); (F) 5. Idade 6. Sabe ler e escrever? (S); (N) (S); (N) ( S); (N) ( S); (N) S); (N) ( (M); (F) ( ( ( º pessoa M); (F) ( ( (S); (N) ( º pessoa M); (F) ( ( (S); (N) 8. Qual o curso que freqüenta? 9. Qual é a série que freqüenta? 10.Qual o curso mais elevado que freqüentou, concluindo pelo menos uma série? 11.Qual foi a última série concluída com aprovação ? 12. Já repetiu alguma série? ( M); (F) ( 7.Freqüenta escola ou creche? º pessoa ( S); (N) ( S); (N) ( ( S); (N) ( (S); (N) (S); (N) (S); (N) (S); (N) (S); (N) 13.Qual é a sua situação em relação 2 ao trabalho ? 14. Quantos meses você tem no emprego atual? 3 15.Qual é o tipo de trabalho ? 16.Qual é a natureza da ocupação (principal)? 17.Qual é a renda individual? 1 2 NAS RELAÇÕES DE PARENTESCO ENTRE IRMÃOS O CÓDIGOS DA SITUAÇÃO DE PESQUISADOR DEVERÁ DETALHAR SE É IRMÃO, MEIO IRMÃO POR PARTE TRABALHO: PAI, SE MEIO IRMÃO POR PARTE DE MÃE, OU SE É FILHO APENAS DA 0 –DE Criança. 1 –MADRASTA, Aposentado ou pensionista. 3 OU FILHO APENAS DO PADRASTO 2 – Incapacitado. 3 – Estudante. 4 – Desempregado (Procurando emprego). 5 – Dona de casa 6 – Trabalha em tempo parcial. 7 – Trabalha em tempo integral 8 – Estuda e trabalha. CÓDIGOS DE TIPO DE TRABALHO 1 – Com carteira assinada. 2 – Sem carteira assinada. 3 – Por conta própria DOMICÍLIO 20. Nome do bairro: ____________________________________ 21. Tipo de residência (1) casa (2) casa em vila (3) apartamento ( 120 (4) sobrado (5) outros 22. Este terreno é? (1) próprio com escritura (2) próprio sem escritura (3) cedido (4) invadido/ocupado (5) não se aplica (6) ns/nr 23. Este domicílio é? (1) próprio (adquirido – comprou terreno/casa) (2) próprio (auto-construído – comprou só terreno) (3) alugado (4) cedido por empregador (5) cedido por particular (6) invadido/ocupado (7) ns/nr 24. Se for próprio, qual o valor atualizado aproximado deste imóvel? ____________ 25. Se for alugado, qual o valor do aluguel? ________________________ 26. Quantos cômodos têm esse domicílio? (1); (2); (3); (4); (5); (6); (7); (8); (9); (10); (mais) 27. Quantos são utilizados como quarto? (1); (2); (3); (4); (5); (6); (7); (8); (9); (10); (mais) 28. Qual o material que predomina no chão da sua casa? (1) Terra (2) Algum tipo de material colocado diretamente sobre a terra (exemplo: tábuas ou tijolos) (3) Cimento (4) Piso de material industrializado 29. Nesta casa vocês têm água encanada (da CEDAE, por exemplo)? (1) sim (2) não 30. Há quanto tempo você mora neste domicílio? (ANOS) (1) menos de 1 ano (2) 1 ano (3) 2 anos (4) 3 anos (5) 4 anos (6) 5 anos (7) 5 a 10 anos (8) mais de 10 anos 121 31. O que você acha de morar nesse bairro? (1) Ruim (2) Razoável (3) Bom 32. O que você mais gosta do bairro onde você mora? ___________________________________________________________________ 33. Como você se relaciona com seus vizinhos imediatos? (1) mantém uma relação de amizade (2) mantém uma relação cordial, mas distante (3) não gosto e/ou não falo com eles (4) não os conheço (5) não respondeu 34. Você tem parentes residindo no bairro (ou nas proximidades)? (1) sim (2) não NAS PERGUNTAS N. 35 E 36 INDIQUE AS RESPOSTAS SELECIONANDO UMA OU VÁRIAS OPÇÕES 35. Quando necessita que alguém cuide de seus filhos, conta com (1) amigos de infância (2) familiares (3) amigo do trabalho (4) vizinhos (5) ninguém (6) não tem filhos 36. Quando necessita que alguém lhe empreste dinheiro em caso de emergência, conta com (1) amigos de infância (2) familiares (3) amigos de trabalho (4) vizinhos (5) ninguém 37. A quantidade de pessoas moradoras do bairro que pede para você cuidar dos seus filhos é? (1) grande (2) nem muito nem pouco (3) pouco (4) ninguém 38. A quantidade de pessoas moradoras do bairro que lhe pede dinheiro é (1) demasiada (2) nem muito nem pouco (3) uns poucos (4) ninguém 122 39. Aglomerado sub-normal (1) sim (2) não FAMÍLIA 40. Quantas pessoas moram nesse domicílio ? (1); (2); (3); (4); (5); (6); (7); (8); (9); (10); (mais) 41.Quantas famílias moram nesse domicílio? (1); (2); (3); (4); (5); (mais) 42. Qual a relação de parentesco do chefe da família com a criança da 4ª série? (1) Pai (2) Mãe (3) Irmão(ã) (4) Tio(a) (5) Avô(ó) (6) Padrasto (7) Madrasta (8) Outros Explique:____________________________________________________________ EDUCAÇÃO 43. ESCOLA ________________________________________________ N.º _____ 44. PROFESSOR_____________________________________________ N.º _____ 45. CRIANÇA________________________________________________ N.º _____ 46. Mês e ano de nascimento desta criança: ___/___/_____ 47. Esta criança esteve na creche? (1) sim; (2) não 48. Se sim, por quantos anos? (0) (1) (2) (3) (4) 49. Esta criança esteve na pré-escola? (1) sim; (2) não 50. Se sim, por quantos anos? (0) (1) (2) (3) (4) 51. Idade em que esta criança começou a primeira série: ____________. AS PERGUNTAS N. 52, 53, 54, 55; SERÃO FEITAS APENAS SE A CRIANÇA TIVER MAIS QUE 11 ANOS. 52. Quantas vezes esta criança fez a primeira série? (0) (1) (2) (3 ou mais) 123 53 Quantas vezes esta criança fez a segunda série? (0) (1) (2) (3 ou mais) 54. Quantas vezes esta criança fez a terceira série? (0) (1) (2) (3 ou mais) 55. Quantas vezes esta criança fez a quarta série? (0) (1) (2) (3 ou mais) 56. Em que série esta criança começou a freqüentar a escola em que ela está agora? (1) Ed. Infantil; (2) Primeira; (3) Segunda; (4) Terceira; (5) Quarta 57. A professora desta criança foi mudada quando ela estava cursando a: (1) Primeira Série (0) Não (1) Sim (2) Segunda Série (0) Não (1) Sim (3) Terceira Série (0) Não (1) Sim (4) Quarta Série (0) Não (1) Sim 58. A professora atual manda trabalhos escolares para esta criança fazer em casa? Com que freqüência? (0) – Nunca. (1) – Raramente. (2) – 2 a 3 vezes por semana. (3) – Todos os dias. 59. Quando esta criança traz deveres para casa, ela os faz? (0) – Nunca. (1) – Às vezes. (2) - Quase sempre. (3) - Não sei dizer 60. Há algum espaço da casa reservado para que seu (sua) filho (a) realize suas atividades escolares de forma isolada? (1) sim; (2) não 61. Se sim Qual? __________________________________________ 62. A senhora ou outro adulto verifica o dever de casa desta criança? (0) – Nunca. (1) – Às vezes. (2) - Quase sempre. 63. Seu (sua) filho(a) vai à escola com interesse? (0) – Nenhum. (1) – Pouco. (2) – Muito. (3) – Não sei 64. A senhora diria que seu (sua) filho(a) aprende 124 (0) – Nada. (1) – Pouco. (2) – Muito. (3) – Não sei 65. Esta criança ajuda com as necessidades da família? (1) Ajuda em casa (0) não (1) sim (2) Ajuda os pais no trabalho deles (0) não (1) sim (3) Tem um trabalho pago (0) não (1) sim 66. Quantas horas por semana esta criança trabalha fora de casa? _____________. 67. Desde o início deste ano, quantas vezes a senhora ou outra pessoa da família conversou com a professora desta criança sobre assuntos da escola ou desta criança? ____ vezes. 68. Destas vezes, quantas delas foram provocadas por iniciativa da professora? _____. 69. Quais foram os assuntos dessas conversas? (1) – Informações sobre projetos pedagógicos (0) não (1) sim (2) – Informações gerais (0) não (1) sim (3) – Problemas disciplinares (0) não (1) sim (4) – Problemas de aprendizagem ou de rendimento (0) não (1) sim (5) – Convite para participar de iniciativas institucionais(0) não (1) sim (6) – Outros – especifique (0) não (1) sim EXEMPLOS DE PROJETOS PEDAGÓGICOS: • Mudanças na forma de avaliar os alunos; • participação em atividades de reforço; • introdução de material didático; • organização de novas atividades com as crianças na escola. EXEMPLOS DE INICIATIVAS INSTITUCIONAIS: • Eleição de membros do colegiado; • eleição de diretores das escolas; • campanhas para levantar fundos para a escola; • organização de festas comemorativas; • atividades para recuperação ou manutenção do prédio da escola; • organização de reuniões com a comunidade. 70. Quando a senhora solicita uma entrevista ou procura apresentar alguma sugestão ou problema à escola: (0) – Não é ouvida. (1) – Às vezes é ouvida. 125 (2) – Sempre é ouvida. 71. Que nível de escolaridade a senhora gostaria (idealmente) que seu (sua) filho(a) completasse? (Ou até que nível de escola a senhora gostaria que seu (sua) filho(a) estudasse?) (1) Primário (ou 1ª a 4ª série do ensino fundamental). (2) Secundário (ou 5ª a 8ª série do ensino fundamental). (3) Curso técnico. (4) Segundo grau. (5) Universidade. 72. Que nível de escolaridade a senhora avalia que ele (ela) vai de fato completar? (1) Primário (ou 1ª a 4ª série do ensino fundamental). (2) Secundário (ou 5ª a 8ª série do ensino fundamental). (3) Curso técnico. (4) Segundo grau. (5) Universidade. 73. Existe um computador na sua casa? (0) sim (1) não 74. Quantos livros existem na sua casa, além da Bíblia e dos livros escolares? ______. 75. Você lê revistas regularmente? (1) sim (2) não) 76. Se sim, qual ou quais? _______________________________________________________________ 77. Você lê jornal pelo menos uma vez por semana? (1) sim (2) não) 78. Se sim, qual ou quais? ______________________________________________________________ 79. Quantos reais são gastos (aproximadamente) com comida a cada semana em sua casa?_______________ 80. Quantos reais são gastos (aproximadamente) com lazer a cada semana em sua casa?_________________ 81. Quanto a senhora (o senhor) gastou, no início do ano, em material escolar e livros para a criança da quarta série? _________________________. 82. Quanto a senhora (o senhor) gasta diariamente em transporte do (a) seu (sua) filho(a) para a escola? _______________________________. 83. O seu (sua) filho (a) recebe da Secretaria ou da escola algum dos seguintes tipos de ajuda: a) Bolsa escolar (0) Não (1)Sim b) Transporte escolar (0) Não (1)Sim 126 c) Ajuda para uniforme (0) Não (1)Sim 84. É possível ir a pé para a escola do seu filho? (1) sim (2) não 85. Seu (sua) filho (a) vai sozinho à escola? (1) sim (2) não 86. Se a escola é longe, localiza-se em outro bairro? (1) sim (2) não 87. Se sim, por que seu (sua) filho (a) não estuda na escola pública do bairro? ___________________________________________________________________ Quanto o(a) seu (sua) filho(a) falta à escola por: 88. Razões de saúde: (0) Quase não falta (1) Falta pouco (2) Falta muito 89. Para cumprir obrigações domésticas (por ex. cuidar dos irmãos ou de alguém doente): (0) Quase não falta (1) Falta pouco (2) Falta muito (3) NSA 90. Razões de trabalho: 0) Quase não falta (1) Falta pouco (2) Falta muito (3) NSA 91. Razões ambientais (excesso de chuva, complicações com excesso de chuva ou inundações, etc.): (0) Quase não falta (1) Falta pouco (2) Falta muito (3) NSA 92. Razões ligadas à violência (0) Quase não falta (1) Falta pouco (2) Falta muito (3) NSA 93. Razões ligadas à falta de dinheiro para transporte (0) Quase não falta (1) Falta pouco (2) Falta muito (3) NSA 94. Por problemas ligados ao transporte (0) Quase não falta (1) Falta pouco (2) Falta muito (3) NSA 95. Outras : especificar _____________________________________________________________ Seu (sua) filho (a) tem algum problema físico que o(a) impeça de: 96. Ver bem: (1) Não. (2) Sim e não tem óculos. (3) Sim, tem óculos mas não usa. (4) Sim, tem óculos e os usa. 127 97. Ouvir bem: (1) Não. (2) Sim e não tem aparelho auditivo. (3) Sim, tem aparelho auditivo mas não usa. (4) Sim, tem aparelho auditivo e o utiliza. 98. Se locomover: (1) Não. (2) Sim e não tem aparelho ortopédico (muletas, cadeira de rodas etc.). (3) Sim, tem aparelho ortopédico mas não usa. (4) Sim, tem aparelho ortopédico e o utiliza. AS RESPOSTAS DAS QUESTÕES 99 A 101 DEVEM SER DADAS PELO RESPONDENTE E ANOTADAS EXATAMENTE COMO FORAM RESPONDIDAS. 99. Qual é a cor da criança? _________________________________. 100. Qual é a cor da mãe da criança? ___________________________. 101. Qual é a cor do pai da criança? ____________________________. 102. Na sua família tem alguma criança entre 7 e 14 anos que não está freqüentando escola? (0) não. (1) Sim 103. Se sim, quantos (nº): (1); (2); (3); (4); (5); (6); (mais), Especifique: ______. (SE HOUVER ALGUMA CRIANÇA FORA DA ESCOLA ENTRE 07 E 14 ANOS) 104. POR QUE esta(s) criança(s) não está (estão) freqüentando escola? ___________________________________________________________________. 105. A associação de pais é organizada pelos próprios pais. A senhora (o senhor) sabe se existe associação de pais na escola de seu filho (0) Não existe (1) Sim. Existe. (2) Não sabe se existe. 106. A senhora (o senhor) sabe se existe um colegiado ou conselho na escola de seu filho? (0) Não existe (1) Sim. Existe. (2) Não sabe se existe. 107. (Se sim) Já participou de reuniões do colegiado/conselho ou é membro do colegiado/conselho? 128 (1) Nunca participou. (2) Já votou em eleições para o colegiado. (3) Já participou de alguma reunião do colegiado. (4) É (ou foi) membro do colegiado. (5) NSA. 108. O (a) Diretor(a) da escola do seu filho foi escolhido (a) através de eleição? (0) Não. (1) Sim. (2) Não sabe. A senhora (o senhor) participa das atividades da escola como: 109. Festas: (0) Não (1)Sim 110. Atividades cívicas: (0) Não (1)Sim 111. Eleições: (0) Não (1)Sim 112. Reuniões: (0) Não (1)Sim 113. A senhora (o senhor) sabe se são aplicados testes pela Secretaria nos alunos da escola de seu filho? (0) Não (1)Sim 114. A senhora (o senhor) verifica os resultados obtidos pela escola do seu filho nestes testes? (0) Não (1)Sim (3) NSA CÔNJUGE 115. Atualmente o (a) senhor (a) vive com companheiro ou cônjuge? (0) Não; (1) Sim 116. Se sim, é casado: [ ]no civil [ ]no religioso [ ]união consensual 117. Há quantos anos o (a) senhor (a) vive com esse companheiro ou cônjuge? ______________________ 122. Vivem com você atualmente? 123. Quantos? 118. outra união da atual? 124. Teve Há quantos anosantes a senhora vive no Rio 119. Se sim, por quanto tempo? de Janeiro? 120.Teve filhos dessa relação? 125. Em que cidade você nasceu? 121. Se sim, quantos? 126. Qual o Estado? (unidade da federação) (S); (N) 1ª PESSOA (S); (N) (S); (N) ( ) PESSOA (S); (N) (S); (N) (S); (N) 129 4 127.Qual é a sua religião ? 128.Com que freqüência o (a) senhor (a) vai à 5 sua igreja ou grupo religioso ? 129. Quando foi a sua última participação em alguma atividade da sua igreja ou grupo religioso? 130.Qual o tipo de atividade? 4 Religiões (1) Não tem religião (2) Católica (3) Evangélica Tradicional (Batista, Presbiteriana, Metodista, etc) (4) Evangélica Pentecostal (Assembléia de Deus, Universal, Casa da Benção, Deus é Amor, Nova Vida etc) (5) Espírita Kardecista (6) Afro-brasileira (Candomblé, Ubanda, etc) (7) Oriental (Budismo, Hinduísmo, etc) (8) Judaica ou Israelita (9) Outra 5 Freqüência à Igreja (1) mais de uma vez por semana; (2) uma vez por semana; (3) uma vez ao mês; (4) raramente APLICADOR: ______________________________________________________ DATA: ____/____/______ .