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Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial I, 977-980
IX CNG/2º CoGePLiP, Porto 2014
ISSN: 0873-948X; e-ISSN: 1647-581X
Contaminação ambiental provocada por antiga mina de AuAg em linhas de água com drenagem circum-neutral, centro
de Portugal
Environmental contamination caused by an old Au-Ag mine in the
streams with circumneutral drainage, central Portugal
P. C. S. Carvalho1*, A. M. R. Neiva1, M. M. V. G. Silva1, A. C. T. Santos1
Artigo Curto
Short Article
© 2014 LNEG – Laboratório Nacional de Geologia e Energia IP
Resumo: A antiga mina de Escádia Grande foi explorada para Au e
Ag e está desactivada desde 1952. A linha de água apresenta
diminuição de teores de SO42-, Zn, Ni, Co, Cd, Mg, Mn e As para
jusante da galeria da mina e das escombreiras. A drenagem tende a
ser circum-neutral a alcalina na maioria das colheitas o que provoca a
frequente precipitação de óxidos de ferro que apresentam elevadas
concentrações de As (46234 mg kg-1), Cd (30 mg kg-1), Co (165 mg
kg-1), Cr (15 mg kg-1), Cu (128 mg kg-1), Pb (195 mg kg-1), Zn (3043
mg kg-1), Sb (155 mg kg-1), Sn (327 mg kg-1) e de W (65 mg kg-1).
Os sedimentos de corrente apresentam concentrações máximas de Sn
(49 mg kg-1), Sb (21 mgkg-1) e de W (14 mg kg-1) que são superiores
aos dos resíduos de beneficiação. No entanto, os resíduos de
beneficiação apresentam teores de As elevados (8090 mg kg-1) e
muito superiores aos teores de As dos sedimentos de corrente (3141
mg kg-1). As concentrações de As nos sedimentos de corrente
aumentam para jusante. No entanto, o pH das águas superior a 5
favorece a presença do As em solução, já que o As ocorre em
oxianiões que são mais facilmente adsorvidos a pH inferiores a 5. Ao
longo de 2 km a jusante da galeria da mina, as águas apresentam
concentrações de As superiores aos valores máximos permitidos para
águas para consumo humano. O As é o principal contaminante das
águas de drenagem da antiga mina de Escádia Grande, já que sendo
um dos elementos em maior abundância nos resíduos de
beneficiação, é preferencialmente transportado em solução devido
aos valores de pH das águas serem superiores a 5.
Palavras-chave: Antiga mina de Au-Ag, Água, Sedimentos de
corrente, Contaminação em arsénio.
Abstract: The old Escádia Grande mine was exploited for Au and
Ag until 1952. The stream water shows a decrease of SO42-, Zn, Ni,
Co, Cd, Mg and Mn at downstream of mine gallery and mine dumps.
The circumneutral to alkaline drainage in the most sampling
campaigns causes Fe-oxides precipitation that contains high
concentrations of As (46234 mg kg-1), Cd (30 mg kg-1), Co (165 mg
kg-1), Cr (15 mg kg-1), Cu (128 mg kg-1), Pb (194 mg kg-1), Zn (3043
mg kg-1), Sb (155 mg kg-1), Sn (327 mg kg-1) and W (65 mg kg-1).
The stream sediments show concentrations of Sn (49 mg kg-1), Sb (21
mg kg-1) and W (14 mg kg-1) that are higher than those of the tailings.
Although, the tailings show high As concentrations (up to 8090 mg
kg-1), much higher than those of stream sediments (up to 3141 mg kg1
). The As concentration increases downstream in the stream
sediments. However, the As tends to be in solution, because at pH
values higher than 5 is not adsorbed, as it mainly occurs as oxianions.
The waters have As concentrations higher than the maximum limits
allowed for human consumption along 2 km downstream the mine
gallery. The arsenic is the main contaminant in surface waters close
to the old mine of Escádia Grande, because is one of the most
abundant elements in the tailings and the pH values are favourable to
the arsenic mobilization.
Keywords: Old Au-Ag mine, Water, Stream sediments, Arsenic
contamination.
1
Departamento de Ciências da Terra e Centro de Geociências, Universidade de
Coimbra, Portugal.
*
Autor correspondente / Corresponding author: [email protected]
1. Introdução
A exploração mineira de depósitos minerais contendo
sulfuretos, em especial a pirite, produz águas de drenagem
ácidas que geralmente transportam grandes concentrações
de metais em solução, os quais tendencialmente não são
adsorvidos a esses valores de pH (Plumlee, 1999; Blowes
et al., 2005). No entanto, as águas de drenagem de minas
desactivadas podem não apresentar valores de pH ácidos,
sendo a drenagem circum-neutral ou alcalina. As águas de
drenagem apesar de não serem ácidas podem transportar
grandes concentrações de metais e metalóides (Nordstrom,
2011) e em especial os metalóides como o As e Sb, que a
pH superiores a 5 não são adsorvidos, pois eles ocorrem
geralmente como oxianiões nas águas. Os maiores valores
de pH das águas de drenagem das minas, podem ser
devidos, entre outros factores, à baixa concentração de
sulfuretos, ao maior tamanho do grão da pirite, ou à
neutralização por carbonatos ou silicatos (Nordstrom,
2011). A deposição de escombreiras e tailings junto a
linhas de água e em especial em relevos acentuados, pode
dificultar a sua estabilização física e também o equilíbrio
químico dos seus minerais. Na antiga mina da Escádia
Grande, apesar de desactivada há várias décadas, as
escombreiras apresentam sinais actuais de erosão e
existência de tailings nos leitos das linhas de água.
2. Geologia
A mina de Escádia Grande situa-se a cerca de 11 km a sul
de Góis, no distrito de Coimbra e pertence à província
metalogenética tungsténio-estanífera, na Zona Centro
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P. C. S. Carvalho et al. / Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial II, 977-980
Ibérica (Fig. 1a). Na área predomina o Grupo das Beiras
(Complexo Xisto-Grauváquico) caracterizado por uma
sequência flischóide com a alternância de metagrauvaques
e filitos (Fig. 1b). Nesta área o Grupo das Beiras inicia-se
com uma sequência essencialmente grauvacóide e termina
numa formação essencialmente constituída por filitos
psamíticos e raros metagrauvaques (Carvalho, 1988). Os
filões de quartzo com Au-Ag preenchem falhas com
orientação N30ºW; 45ºSW, têm cerca de 70 centímetros de
largura e 300 metros de comprimento e cortam o Grupo
das Beiras (Pereira, 1984) (Fig. 1b). São constituídos por
quartzo, arsenopirite, pirite, rara calcopirite, galena, blenda
e ouro (Santos Oliveira, 1991). Apresentam teores de cerca
de 8 g t-1 de Au e 33 g t-1 Ag. O principal período de
exploração ocorreu entre 1939 e 1952, quando foram
exploradas 42 872 toneladas de material.
A mina de Escádia Grande localiza-se numa vertente
íngreme, com cerca de 15% de inclinação média e tem
uma galeria da mina que drena águas para as linhas de
água. As duas principais escombreiras estão depositadas a
sul da galeria da mina (Fig. 1b). Uma delas é constituída
por pedaços de rocha encaixante e filão de quartzo com
sulfuretos disseminados (escombreira 1). A outra
escombreira, localizada mais a sul da galeria da mina é
composta por material fino resultante do tratamento do
minério (tailings) (escombreira 2). A área está densamente
coberta por eucaliptos e vegetação rasteira.
3. Metodologia
Seis amostras de água foram colhidas próximo da antiga
mina de Escádia Grande, cinco em linha de água e uma à
saída da antiga galeria da mina. As águas foram colhidas
em julho e outubro 2010, fevereiro e abril de 2011. Nestas
linhas de água foram também colhidas 5 amostras de
sedimentos de corrente e na escombreira de tailings
(assinalada por 2 na Fig. 1b) foram colhidas duas
amostras. Foi também colhida uma amostra de precipitado
de óxidos de ferro (OX1) na linha de água a jusante da
escombreira 1 (Fig. 1b). Os catiões das águas, sedimentos
de corrente e tailings foram analisados por ICP-OES e os
aniões das águas por cromatografia iónica no
Departamento de Ciências da Terra da Universidade de
Coimbra. A precisão foi de 5%, excepto para Na e Al que
foi de 15%.
4. Resultados e discussão
O pH das águas de Escádia Grande varia entre 5,3 e 8,8. A
maioria dos valores de pH está acima de 6,0, excepto nas
águas da colheita de abril (Fig. 2a). No entanto, SO42-, Zn,
Ni, Co, Cd, Mg e Mn tendem a diminuir para jusante da
galeria da mina (A1) e das escombreiras 1 e 2 (Fig. 2b). O
As varia entre <ld e 253 μg L-1 nas águas (Fig. 2c). No
entanto, as águas da praia fluvial situada a cerca de 2 km a
jusante da galeria da mina apresenta concentrações altas de
As que atingem 26 μg L-1 (A5) na época de verão (julho
2010). A modelação geoquímica das águas mostra que As
está na forma pentavalente e os restantes catiões (Cd, Co,
Mn, Ni e Zn) estão nas águas na forma divalente. O Fe
encontra-se na forma divalente na água da galeria da mina,
mas no exterior o Fe está tendencialmente na forma
Fe(OH)2+ o que justifica a formação de visíveis
precipitados de óxidos de ferro avermelhados no leito dos
cursos de águas. A formação de precipitados de ferro no
leito dos cursos de água provocará a diminuição dos
contaminantes para jusante. O ferro tende a diminuir para
jusante, no entanto, na colheita de fevereiro aumenta para
jusante (Fig. 2d) provavelmente devido à dissolução de
óxidos de ferro.
Os sedimentos de corrente analisados possuem pH que
variam entre 5,1 e 6,0 (Tabela 1). O As varia entre 104 μg
L-1 e 3140 μg L-1 e a sua concentração aumenta muito para
jusante (Tabela 1). O mesmo acontece com o Pb e Zn. Mas
Sn, W e Fe diminuem para jusante. Devido à elevada
inclinação da área da mina de Escádia Grande, os tailings
depositados nas proximidades das linhas de água foram
arrastados pela corrente a mais de 2 km de distância para
jusante. As amostras a jusante apresentam vestígios de
tailings e foram colhidas na zona da praia fluvial da
povoação de Roda Cimeira (Fig. 1b). Nesta zona a
topografia é mais plana o que permite que os materiais
aqui se acumulem. Sn e W são elementos com baixa
mobilidade em ambientes levemente ácidos a neutros
(Reimann & Caritat, 1998) e o Fe precipita no início da
linha de água, já que os valores de pH são superiores a 5,3.
No entanto, os sedimentos de corrente apresentam teores
máximos de Sn (49 mg kg-1) e de W (14 mg kg-1)
superiores aos teores de Sn (30 mg kg-1) e de W (6 mgkg-1)
dos tailings, o que pode estar relacionado com os teores de
Sn e W regionais contribuírem para este aumento, já que a
mina de Escádia Grande está perto das minas de Sn-W de
Vale do Pião.
A concentração média de ferro nos tailings (1,3%) é
mais baixa do que nos sedimentos de corrente (3,0%), o que
pode significar que a pirite dos tailings terá sido alterada e o
Fe mobilizado para os sedimentos de corrente, o que poderá
ser a razão para não se encontrarem pH inferiores a 5,3 nas
águas. Os precipitados de óxidos de ferro formados pelo
facto do pH das águas ser superior a 5,3, apresentam os
teores mais elevados de As (46234 mg kg-1), Cd (30 mg kg1
), Co (165 mg kg-1), Cr (15 mg kg-1), Cu (128 mg kg-1), Pb
(195 mg kg-1), Sb (155 mg kg-1), Sn (327 mg kg-1), W (65
mg kg-1) e Zn (3043 mg kg-1) e têm uma importante função
na retenção destes elementos, especialmente nas linhas de
água próximas da galeria da mina.
Contaminação provocada por antiga mina de Au-Ag
979
Fig. 1. a) Localização da área de Escádia Grande no mapa de Portugal; b) Localização da amostragem de águas, sedimentos de corrente e precipitados de óxidos e
das escombreiras próximo da antiga mina de Au-Ag de Escádia Grande. Zona Cantábrica (ZC), Zona Astúrico Leonesa (ZAL), Zona Centro Ibérica (ZCI), Zona
Galaico Transmontana (ZGT), Zona de Ossa Morena (ZOM) e Zona Sul Portuguesa (ZSP) (definido por Julivert et al., 1974 e Farias et al., 1987).
Fig. 1. a) Location of the Escádia Grande area in the Portugal map; b) Location of waters, stream sediments, oxide precipitates samples and mine dumps
close to the old Au-Ag mine of Escádia Grande. Catabrian zone (ZC), West Asturian-Leonese Zone (ZAL), Galicia-Trás-os-Montes Zone (ZGT), Central
Iberian Zone (ZCI), Ossa–Morena Zone (ZOM), South Portuguese Zone (ZSP) (adapted from Julivert et al., 1974 and Farias et al., 1987).
Fig. 2. Variação sazonal de a) pH, b) SO42-, c) As e d) Fe nas águas próximas da antiga mina da Escádia Grande.
Fig. 2. Sazonal variation of a) pH, b) SO42-, c) As e d) Fe in the waters close to the old Escádia Grande mine.
980
P. C. S. Carvalho et al. / Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial II, 977-980
Tabela 1. Valores de pH e teores (mg kg-1) de metais e metalóides nos
sedimentos de corrente, tailings e precipitados de óxidos na área da
Escádia Grande.
Table 1. pH values and metals and metalloids contents (mg kg-1), except
Al and Fe (%) in the stream sediments, tailings and oxide precipitates
from the Escádia Grande area.
5. Conclusões
Após mais de seis décadas de desactivação da mina de
Escádia Grande, águas e sedimentos de corrente na
envolvente da mina apresentam contaminação e os
materiais das escombreiras continuam a ser erodidos e
transportados a grandes distâncias. Observa-se contudo,
que os valores de pH, na maioria superior a 6, favorecem a
formação de precipitados de ferro na linha de água da
galeria da mina, que retêm grandes concentrações de As,
Sb, Pb e Zn e que assim reduzem a sua concentração na
água. A concentração destes elementos nos sedimentos de
corrente aumenta para jusante da galeria da mina. Os
sedimentos de corrente de Escádia Grande apresentam
concentrações máximas de As (3140 mg kg-1) muito
superiores aos valores do FOREGS (231 mg kg-1)
(Salminen et al., 2005). As águas apresentam-se
contaminadas em As, segundo os limites máximos
permitidos para águas de consumo humano (Decreto-Lei
306/2007).
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