Conselho Editorial Profa. Dra. Andrea Domingues Prof. Dr. Antônio Carlos Giuliani Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi Profa. Dra. Benedita Cássia Sant’anna Prof. Dr. Carlos Bauer Profa. Dra. Cristianne Famer Rocha Prof. Dr. Eraldo Leme Batista Prof. Dr. Fábio Régio Bento Prof. Dr. José Ricardo Caetano Costa Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes Profa. Dra. Magali Rosa de Sant’Anna Prof. Dr. Marco Morel Profa. Dra. Milena Fernandes Oliveira Prof. Dr. Ricardo André Ferreira Martins Prof. Dr. Romualdo Dias Prof. Dr. Sérgio Nunes de Jesus Profa. Dra. Thelma Lessa Prof. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt ©2015 Reginaldo Ferreira Domingos Direitos desta edição adquiridos pela Paco Editorial. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão da editora e/ou autor. D7132 Domingos, Reginaldo Ferreira Pedagogia da Transmissão na Religiosidade Tradicional de Base Africana: Um estudo histórico e filosófico em Juazeiro do Norte – CE/Reginaldo Ferreira Domingos. Jundiaí, Paco Editorial: 2015. 184 p. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-462-0167-9 1. Religiões tradicionais 2. Cultura afrobrasileira 3. Pedagogia 4. Resistência I. Domingos, Reginaldo Ferreira. CDD: 200 Índices para catálogo sistemático: Educação 200.71 Outras religiões 299 Grupos sociais 305 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL Foi feito Depósito Legal Av. Carlos Salles Block, 658 Ed. Altos do Anhangabaú, 2º Andar, Sala 21 Anhangabaú - Jundiaí-SP - 13208-100 11 4521-6315 | 2449-0740 [email protected] Aos meus avós maternos João Francisco da Silva e Floraci Ferreira da Silva (in memoriam) e paternos Manoel Ferreira Domingos e Maria Vitória Ferreira Jesus (in memoriam). À minha mãe, Josefa Ferreira Domingos, por ter me ensinado que o ato de viver é resistir, é aprender e apreender, é respeitar e ensinar. Ao meu pai, Luis Manoel Domingos, por consentir, junto a minha genitora e com consentimento das forças divinas, minha existência. Àqueles que buscam tornar o ato de existir mais justo e humano. Agradecimentos A toda minha família em especial (Francisco Ferreira Domingos – Ronaldo –, Maria do Socorro Domingos – Corrinha –, Maria Ferreira Domingos – Sandra –, Cícera Ferreira Domingos – Cinha) por estar presente na minha formação identitária e sempre próximas, revelando por meio de palavras o carinho e a preocupação para com minha pessoa. A minha companheira, Alexsandra Flávia Bezerra de Oliveira, por investir em incentivos, permitindo-me compartilhar com ela os anseios e as experiências adquiridas. Aos professores Dr. Henrique Antunes Cunha Jr. e Dra. Joselina da Silva pela confiança que depositaram em minha pessoa; pelas palavras fraternas de conforto e estímulo; por possibilitar-me apreender novos conhecimentos; por me guiar na trilha da academia; pelas investidas na minha potencialidade. As pessoas das religiões de base africana que me permitiram conhecer seus os espaços religiosos e deram seus depoimentos, que por sua vez, garantiram a concretização deste trabalho. Destaco a pessoa da mãe Delewi, Dona Maria Marlene e Sr. Cicero Venâncio, Zazilogi, por abrirem as portas do seu espaço sagrado e ceder parte do seu tempo para as entrevistas. Agradeço também a Sandra Margarethe Silva Gomes, Francisco Moreira da Silva e Cicero Alexandre da Silva Santos por concederem suas experiências e aprendizagens dentro da religião. A amiga Maria Cecília Calaça por revelar que aprender é também viver e deixar a vida nos conduzir; por ensinar que o próprio ato de viver garante a nossa aprendizagem. Agradecê-la também pelas palavras de auxílio em momentos difíceis e pelas trocas de experiência. Aos Amigos José Adriano de Oliveira, João Bosco Araújo Silva e Cicera Nunes por acreditarem em meu potencial e demonstrarem a credibilidade em suas palavras afetuosas. Aos professores(as) e amigos(as) da Escola Vereador Francisco Barbosa pela fiúza, pelos apoios e créditos que depositaram em minha pessoa. Em destaque: Francinete dos Santos Lima, Ana Lúcia Duarte, Isabel da Silva, Aparecida da Silva, Ana Maria Pereira de Lima e Maria dos Santos. Aos(as) companheiros(as) do Grupo de Valorização Negra do Cariri (GRUNEC) que permitiram fundamentar meus primeiros passos de ativistas. Aos amigos do programa de pós-graduação pelas reflexões e experiências trocadas. Aos parceiros Rômulo Diniz, Cicero Tiarlos, João Victor e Francisco Chaves os quais facilitaram minha permanência na cidade de Fortaleza. A todos os amigos/militantes que conheci nesse percorrer acadêmico que de forma direta ou indiretamente contribuíram na minha formação pessoal e acadêmica. A FUNCAP pelo incentivo financeiro contribuindo com bolsa de auxílio para realização da pesquisa aqui apresentada. “[...] O homem de todos os países e de todas as civilizações participa pelo menos de uma experiência comum e paradoxal: o tempo é a forma de todas as suas representações mas, para a consciência que o contém, ele é em si mesmo, uma representação. Ainda mais: o tempo não se reduz a uma única representação, engloba pelo contrário uma infinidade de representações. Todas elas irreconciliáveis entre si visto ser o tempo escandido e, na medida em que é vivido, irreversível. Contudo, para que se constitua a temporalidade, são indispensáveis todas as representações, contida nessa noção de tempo.” ( Jean Ziégler) Sumário Prefácio.......................................................................................11 Introdução..........................................................................................13 CAPÍTULO 1 — Ser ou se Tornar Negro: território, memórias e a construção social de uma identidade negra.......................................21 1. Territorialidade: condição sine qua non para a efetivação da identidade................................................................................21 2. Espaço escolar: produção da identidade ou institucionalização do racismo?..................................................................................25 3. As relações de poderes e a construção da identidade.............31 4. Identidades em conclusão?......................................................34 CAPÍTULO 2 — A Pesquisa em Juazeiro..............................................37 1. Aspectos metodológicos da pesquisa......................................37 2. Oralidade e memória nas africanidades e na afrodescendência brasileira.......................................................................................40 2.1 Oralidade – o poder da palavra: transmissão, conservação e resistência.............................................................................43 2.2 Memória: locus de preservação da história e da resistência................................................................................56 3. Pesquisa participativa...............................................................64 4. A escolha da pesquisa...............................................................74 CAPÍTULO 3 — Territorialização: o espaço da pesquisa.....................79 1. Delimitando, demarcando e contextualizando território: entrelaçando passado e presente.................................................79 2. Números da atualidade: Cariri e Juazeiro do Norte..............100 CAPÍTULO 4 — Religião Tradicional de Base Africana: contextualização, caracterização e conceituação.............................107 1. Religiões tradicionais de origem africana em Juazeiro do Norte..........................................................................................117 1.1 A persistência religiosa: uma história antes relegada e agora contada........................................................................119 2. Pedagogia afro-brasileira: uma transmissão do conhecimento – cultura e sentimento de identidade......................................128 2.1 Pensando a pedagogia no espaço sagrado de religião tradicional..............................................................................130 2.2 Cultura de religião tradicional e sentimento de identidade..............................................................................143 CAPÍTULO 5 — Dos Africanos aos Gregos: Axé (Yorubá), Ntu (Bantu) e a filosofia do existir e do vir a ser..................................................149 1. Dos conceitos africanos aos gregos: culturas diferentes, funcionalidades semelhantes.....................................................149 Pensares conclusivos.........................................................................165 Referências........................................................................................169 Anexo................................................................................................177 Prefácio Prefaciar Reginaldo é um orgulho para mim diante da magnitude acadêmica e social do seu trabalho presentes nesse livro, que é um presente para a cultura cearense. Também é préstimo de uma grande amizade e companheirismo intelectual. Memória e história se cruzam e entrecruzam e dão existência ao que existe e não é falado, naquilo que fica no campo do esquecimento do destrato social, como se fosse coisa qualquer sem importância devido a arrogância do racismo e dos eurocentrismos. Reginaldo Domingos resgata, trata e enfrenta um problema que não é apenas de uma pesquisa acadêmica, mas de justiça social. Existem populações negra, descendentes de africanos na formação histórica do Cariri cearense. Embora pouco falada, desajeitada nos conceitos e preconceitos de muitas formas de negação a população negra existe. Os fatos são reais, da existência e do silêncio sobre esta existência. Trata-se de uma população que faz parte da história do estado do Ceará desde os primeiros relatos sobre a existência de quilombos durante o escravismo. Falar sobre ela na atualidade é fazer justiça social, trata-se de conferir direitos sociais pelo pertencimento à história e à cultura. Neste exercício social em conferir direito entra em choque com as normas conservadoras e enfrenta um conflito social que explica parte das desigualdades sócias presentes na região. Toda população se inscreve na história pelas suas realizações e pela produção da cultura. A religião é parte desta cultura e também estar presente na formação da cidade de Juazeiro do Norte. Religiões de matriz africana fazem parte do patrimônio cultural da cidade dentro de elenco complexos e amplo de manifestações religiosas. Como parte do patrimônio produz uma identidade cultural de povo de santo, de pessoas de profissão de fé de terreiros de Candomblé. O livro traduz de forma vigorosa a memória e a história desse povo de santo e aborda diferentes aspectos do seu fazer religioso. Nele o leitor vai encontrar depoimentos e explicações desta aproximação com o sagrado afrodescendente e como se estabelece uma territorialidade reli11 Reginaldo Ferreira Domingos giosa dentro da cidade, apesar dos preconceitos, perseguições e ataques da incompreensão de parte dos membros de diferentes religiões cristãs. Baseado numa sólida pesquisa acadêmica rica em inovações e estratégias de como trabalhar uma temática pouco explorada e de meandros difíceis em razão da carga social que pesa sobre os temas do Candomblé e da população negra no estado. Reginaldo possui várias qualidades, uma boa formação acadêmica, uma participação política nos movimentos negros que instrui uma percepção inovadora das abordagens sociais na região do Cariri e no estado do Ceará, mas, além disto, uma persistência de bom pesquisador e um cuidado ético com a informação produzida. Com satisfação e segurança que eu recomendo aos leitores o livro e entendo que todos ficarão satisfeitos com a qualidade do trabalho e com a originalidade do texto. Asseguro que o conhecimento sobre as populações do Cariri cearense fica enriquecida com a publicação deste livro que amplia os horizontes sobre temáticas difíceis com grande maestria. Lembro que é primeiro trabalho de um intelectual de grande vigor e que neste rito de passagem nos diz que ficará para história dos grandes pensadores do estado. Fortaleza, junho de 2015 Professor Dr. Henrique Cunha Junior Universidade Federal do Ceará 12 Introdução A cidade de Juazeiro do Norte dista 500 km de Fortaleza, na Região do Cariri, extremo sul do Estado. Cidade-santuário para onde se desloca um grande número de romeiros em busca de milagres ou em pagamento destes já consumados. Junto a outras cidades foi importante núcleo de povoamento na época colonial. Constitui uma das áreas de maior concentração demográfica do estado. Juazeiro do Norte localizado ao Sul do Ceará e tendo suas fronteiras demarcadas da seguinte forma: ao norte a cidade de Caririaçu; ao sul Crato, Barbalha e Missão velha; Leste Missão Velha e Caririaçu e a Oeste Crato. Suas características ambientais se limitam ao clima tropical, quente e semi-árido, sua pluviosidade fica entre 935,1mm; temperatura média 24º e 26º; período de chuva entre os meses de janeiro e maio1. O que caracteriza geograficamente a cidade é a Chapada do Araripe, esta, por sua vez, localizada na divisa do Ceará, Pernambuco e Piauí, considerada parte da floresta nacional, encontra-se sob proteção ambiental; é no estado do Ceará que está concentrado maior parte de sua extensão. Com 180 km de comprimento, variando entre 30 e 70 km de largura, possui a variação de altitude entre 700 e 1000 metros. Sua Área de Proteção Ambiental (APA)2 chega a 938.238,00 ha, já a Floresta Nacional do Araripe possui 38.262,00 ha3. 1. Fontes: Funceme (Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos)/Ipece (Instituto de Pesquisa e Estratégia Econocômica do Ceará) . 2. O objetivo da criação da APA visa proteger a fauna e a flora, garantir a conservação de remanescentes e mata aluvial, garantir a proteção dos sítios cênicos, arqueológicos e paleontológicos, ordenar o turismo ecológico, científico e cultural, incentivar as manifestações culturais e por fim, assegurar a sustentabilidade dos recursos naturais, visando a melhoria da qualidade de vida das populações residentes na APA e no seu entorno (Costa, Freitas, Hessel, p. 22). 3. Dados coletados de: Costa, Amancio Calland Sales; De Freitas, Francisco Idalécio; Hessel, Maria Helena. Estudos técnicos científicos: Geotopes do Geopark Araripe. Limaverde, Rosiane. Registros rupestres da chapada do Araripe, Ceará, Brasil. In: I Congresso Internacional da SAB, XIV Congresso da SAB, III Encontro do IPHAN e de Arqueólogos. 30 set. 13 Reginaldo Ferreira Domingos Espaço geográfico o qual muito tem a dizer aos pesquisadores que aqui trilham seus caminhos, não se pode negar a importância das riquezas naturais que a chapada garante e contribui para o Cariri. Essa é a razão que nos permite fazer, mesmo que de maneira breve, uma investigação acerca desse imenso território natural, rico em sua fauna, flora e recursos hídricos que muito tem contribuído para o desenvolvimento regional. Retornaremos com mais acuidade a essas análises. Segundo Gohn (2003), no século XX houve dois grandes movimentos, um deles em 1913, a qual a autora chama de Movimento no Sertão do Cariri-Ceará; e outro em 1914, Movimento Milenarista. Ambos surgem no contexto que envolve uma relação entre religiosidade, representada na figura do Padre Cícero, e política. Regis Lopes (2004) chamará esses movimentos de Sedição de Juazeiro4; o autor ver a cidade como espaço do sagrado e do profano. Hoje a cidade é um importante entreposto do comércio regional, afirmação que será explanada com maior minúcia em análises posteriores. No atual contexto histórico da cidade tem predominado a religiosidade popular que tem como mola propulsora a figura do Padre Cícero, visto como conselheiro dos que nele acreditam e, também para muitos, um profeta que veio para salvar aqueles que o tem como “pastor” e salvador. Mesmo em meio a esta arraigada e forte presença, a 04 out. 2007. Florianópolis: Sociedade de Arqueologia. Alencar; Silva; Barros. Florística Fitossociologia de uma Área de Cerradão na Chapada do Araripe – Crato – CE. Nota Científica. Revista Brasileira de Biociências, Porto Alegre, v. 5, supl. 2, p. 18-20, jul. 2007. 4. O Governo Federal sob a presidência de Hermes da Fonseca (1910-1914) criou a Política da Salvação cujo objetivo era combater os grupos oligárquicos que se mantinham há muito tempo com o controle dos estados brasileiros. No Ceará, sai do cenário político Nogueira Accioly e assumi o poder estatal Franco Rabelo; todavia, a forma de governo coronelista, violência e arbitrariedade continuaram. Na tentativa de por fim ao poder accyolista Franco Rabelo invade a cidade do Crato, cuja prefeitura estava nas mãos de um accyoli, e coloca um rabelista. Essa política ameaça também Juazeiro do Norte, dezembro de 1913 sofre o primeiro ataque das forças rabelistas; diante de vários conflitos, com apoio de muitos romeiros e sob o comando de Floro Bartolomeu Juazeiro vence os confrontos locais e parte até a capital Fortaleza consegue depor Franco Rabelo e assume general “Setembrino de Carvalho como Interventor do Estado” (Lopes, 2004). 14 Pedagogia da Transmissão na Religiosidade Tradicional de Base Africana há outras diferentes e expressivas manifestações de religiosidade. Ou seja, a existência de uma forte constituição da religiosidade popular não significa necessariamente a ausência de outras manifestações étnico-culturais ou mesmo de costumes religiosos. Assim, é possível encontrar diversas maneiras de manifestações culturais e religiosas. Há o Kardecismo espiritista, representado por alguns espaços de culto, ou como chamam os seguidores, centro. Há também uma presença maciça de igrejas evangélicas, e uma pequena representação de mórmons ou como os seguidores a denominam, A igreja de Jesus Cristo dos Últimos Dias. Seja a partir de representações que emergem com maior frequência e clareza no seio da sociedade, seja com menor visibilidade, as expressões são mantidas e continuadas pelos seus seguidores. Analisando as transformações socioculturais, Gohn (2003) defende a ideia de que as mesmas não são frutos apenas, como pensavam marxistas e positivistas, de superestruturas, e sim influências da subjetividade de cada indivíduo. Todo e qualquer indivíduo participa da formação histórico-social do seu mundo. Ou seja, as estruturas de uma forma ou de outra, crenças e convicções são afirmadas no contexto histórico com as atuações das pessoas como motores históricos dos eventos, situando os acontecimentos e as ocorrências em seus devidos lugares, como produto das ações e das práticas sociais e não como resultados de determinações macrogerais. Portanto, pela luta e a resistência5 é dada continuidade às práticas culturais e religiosas que não pertencem ao modelo estabelecido pela conjuntura predominante da cidade. Enfim, as microrrelações também são transformadoras das realidades sociais das quais o homem faz parte. O fato de se praticar a Cultura Afrodescendente, no contexto 5. Resistir ou resistência – Entendemos o conceito como sendo o potencial de manter-se firme a uma força oposta; o ato de conservar-se diante de modelos sociais preestabelecidos os quais negam outras possibilidades de culturas; o ato de não desistir/renunciar direitos ou valores culturais, sociais, religiosos; a ação de agir ou realizar proteção de si mesmo (indivíduo ou grupo). 15