IMPERIO, CIÊNCIA E SOCIEDADE
Gustavo Oliveira Ferreira1
Universidade Federal de Ouro Preto
Resumo: COMPREENDER O ESFORÇO POLITICO DE PORTUGAL NAS ULTIMAS
DECADAS DO SECULO XVII É VERIFICAR UM ESTADO TENTANDO SE ADEQUAR
AS NOVAS VICISSITUDES POLITICAS E ECONOMICAS DE PAISES COMO FRANÇA
E INGLATERRA.
O SUCESSO DESSA NOVA POLITICA DEPENDIA DE REFORMAS ESTRURAIS
SIGNIFICATIVAS, EDUCAÇAO, ECONOMIA E POLITICA.
A REFORMULAÇAO DO ENSINO EM COIMBRA E MAIS TARDE A CRIAÇAO DE
CENTROS DE DEBATES CIENTIFICOS EM PORTUGAL COMO E O CASO DO
JARDIM BOATNICO DA AJUDA E DA ACADEMIA DE CIENCIAS DE LISBOA, QUE
PROPORCIONOU AO ESTADO PORTUGUES ADENTRAR NO CIRCULO CIENTIFICO
EUROPEU E VIABILISOU A CRIAÇAO DE REDES DE SOCIABILIDADE CIENTIFICA
EM TODO O IMPÉRIO.
Palavra chave: Historia da Ciência
Recentemente a historiografia das ciências tem-se apegado ao estudo de personagens
importantes na dinâmica dos impérios coloniais.
O setecentos e seu ultimo quartel é um ponto chave para este tema, tendo em vista que fora
neste período a intensificação dos projetos de promoção de uma cultura cientifica capaz de
articular um programa de reformas pragmático, e visava recuperar economicamente o reino,
tendo como base a natureza física dos domínios Ultramarinos.
O debate historiográfico sobre o desenvolvimento da ciência no mundo luso-brasileiro
e a atuação de determinados agentes da Coroa nas duas últimas décadas do século XVIII tem
adotado como tópicos importantes à política ilustrada e a criação de uma rede de informações
que permitiram ao Estado português setecentista conhecer de forma mais aprofundada e
precisa seus domínios. Essas abordagens buscam analisar o papel dos agentes produtores do
conhecimento do mundo natural, e seu papel na sociedade em questão.
Dentre os vários autores que abordaram essa questão Kennet Maxwell (1968,1999), Maria
Odila Leite Silva Dias constituem as referências principais para essa discussão.
Maxwell (1968) analisa as reformas econômicas e administrativas, tendo como
referência as medidas do Marquês de Pombal e seus desdobramentos, verificando a
articulação de produtores americanos aos comerciantes lusitanos. Em trabalho posterior
(1973) o autor aprofunda-se no estudo do tema, observando as relações entre diversos
segmentos da elite reinol e ultramarina em fins do século XVIII, apontando para um projeto
1
Licenciando, UFOP, 2009
imperial luso-brasileiro antes mesmo da transferência da corte para o Rio de Janeiro e sua
elevação a reino unido.
Em trabalho recente sua tese e reforçada pela relevância da produção na colônia alterando o
eixo lógico de produção cientifica na “geração de 1790’. (Maxwell 1999)
Ao mesmo tempo, Maria Odila Leite da Silva Dias (1968), rompendo com pontos de
vista consagrados da historiografia clássica, aponta a familiaridade da elite luso-brasileira
com as correntes utilitaristas iluministas. A autora defende que tal familiaridade privilegiou o
lado prático das ciências e da filosofia em detrimento de temas políticos.
Em publicação posterior (1972), a autora verifica a existência de uma elite reinol-americana
que atuava fortemente na construção de novo império nos trópicos. Sua análise é sedimentada
em considerar o processo de “enraizamento” de novos capitais e interesses portugueses em
associação à elite local a partir de 1808, resultando em um processo de transformação da
colônia em metrópole interiorizada.
Maria Odila L. da Silva Dias destaca as políticas específicas, tomadas pela Coroa na
tarefa de reforma e construção que acabou por absorver os esforços ilustrados brasileiros,
formando uma geração de intelectuais que chamou de “geração da Independência.”
Recentemente, outros autores, como Ângela Domingues (2001), assinalam as ações da
coroa indicando para um amplo projeto que articulava “razões de natureza políticoadministrativa, cientifica e econômica, no sentido de progredir e recuperar seu prestigio.”
Dentro deste projeto a autora ressalta o papel dos governadores e dos capitães-generais das
capitanias e sua atuação fundamental para o sucesso da política cientifica e constituição de
uma rede de informações.
Outro autor que se dedica à análise da prática científica no Brasil em fins do século
XVIII é Oswaldo Munteal Filho(2002) que parte da averiguação da assimilação da cultura
ilustrada pelos luso-brasileiros e a dinâmica das informações entre Portugal e outros paises da
Europa.
O autor verifica a quebra da insalubridade ibérica no que concerne a uma sociedade cientifica
adaptada à especificidade peninsular, a partir do momento que Portugal adere ao pensamento
iluminista utilitarista, possibilitando o debate cientifico entre o conhecimento gerado nas
colônias e no Reino com outros paises.
O que se observa em Portugal na segunda metade do século XVIII é uma tentativa de
se associarem os objetivos reformistas do Marquês de Pombal aos novos padrões de
civilidade.(Silveira,1999)
A política pombalina alvo de duras criticas de parte da sociedade portuguesa delineou no
império um novo perfil de fidalgo e de vassalo, sendo estes não só parte de uma elite titulada,
mas também devidamente letrada e empenhada na reconstrução do prestigio de Portugal.
A tentativa de modernização de Portugal em relação às outras potencias coloniais da
época pode ser notada tendo no relato de Lorde Kinnoll em carta sobre uma conversa com
Pombal, ao lhe dizer que “esperava dos súditos do Rei seu Senhor no Brasil, com a expulsão
dos jesuítas, se tornassem mais civilizados e mais numerosos2” ··.
A preocupação de Portugal em atingir um grau adequado de civilização passava por um
projeto reformista na educação e de gestão das colônias e seus recursos naturais.
Ao entrar em contato com outros reinos Portugal civilizava-se e recriava em seu
espaço estruturas correspondentes do mundo civilizado, jardins Botânicos, Academias
Cientificas e expedições de exploração.
Segundo Norbert Elias, o conceito de civilização se refere a uma grande variedade de
fatos; como o nível de tecnologia e de desenvolvimento dos conhecimentos científicos 3.
Era necessário em Portugal o desenvolvimento das ciências então em voga naquele momento,
numa tentativa de regenerar economicamente o Império e civilizar a “barbárie” das colônias.
Em Portugal, a civilidade adapta-se aos vícios de um império antigo e decadente. A
preocupação com a boa vassalagem era um discurso permanente, tendo nos bandeirantes de
outrora, um novo arquétipo de bom vassalo, sendo os naturalistas os novos Bandeirantes,
domando e catalogando a natureza da colônia colocando-a, a serviço da coroa e da
humanidade.
A “viradeira”, como e conhecido o reinado de Maria I, embora tenha reconfigurado o império
e o Reino amenizando conflitos ideológicos, não revogou medidas políticas e administrativas
e sim, tentou harmonizar os órfãos de Pombal e a velha nobreza eivada de vícios antigos.
Ao nomear como secretario de Estado Rodrigo de Sousa Coutinho as reformas
iniciadas pelo Marquês têm prosseguimento, exercendo um papel fundamental na divulgação
do Iluminismo no Império Ultramarino.
Souza Coutinho conseguiu articular interesses metropolitanos e de potentados
coloniais incorporando membros letrados dessa elite colonial em um projeto conjunto de
Império transatlântico, no qual a colônia teria um papel ativo como fornecedora de gêneros
naturais exploráveis.
2
3
SILVEIRA,Marco Antonio.Universo do indistinto-estado e Sociedade nas Minas setecentistas, pág48
ELIAS,Norbrt.o processo civilizador.volume 1 pagina 23
Neste sentido o levantamento cientifico das colônias fazia parte de um projeto político
e o aproveitamento dos profissionais formados em Coimbra seria vital para o sucesso da
empreitada que visava à criação de redes e espaços de debate cientifico.
Sob os auspícios da Coroa, novas redes de sociabilidade científica foram erigidas no
intuito de inventariar e conhecer melhor o Império Ultramarino português, a criação da Real
Academia de Ciências e do Jardim Botânico da Ajuda foram medidas para viabilizar essa rede
de conhecimentos ilustrados. Os elos dessa corrente iriam de Portugal às colônias na América
e na África tendo como principal agente o paduano Domenico Vandelli.
Professor de História Natural em Coimbra, Vandelli formou um número significativo lusobrasileiros que seriam os novos pesquisadores no Novo Mundo. Dentre estes profissionais,
destacaram-se Alexandre Rodrigues Ferreira, Jose Bonifácio de Andrada e Silva e Joaquim
Veloso de Miranda, um importante membro dessa rede de informações.
Mineiro, doutorado pela Universidade de Coimbra em Filosofia e Historia Natural em
1778, Veloso é admitido como professor de química e Historia Natural na mesma
Universidade, passando a integrar a Congregação da Faculdade.
Procurando aliar seus interesses particulares às atividades científicas, Veloso pede
permissão para ausentar-se de Coimbra e retornar ao Brasil com o intuito de tratar de negócios
importantes de sua família. A permissão é concedida mediante cláusula de manutenção de
gêneros enviados da Capitania de Minas ao Reino.
“[...]que havendo de fazer grandes jornadas
por dilatadas Províncias daquele Continente,
desejava ao mesmo tempo mostrar-se útil à
Faculdade [...] conservando com ela uma
Correspondência Literária sem interrupção
alguma por todo o tempo de sua ausência,
remetendo várias, e escolhidas mostras dos
produtos
conhecidos,
naturais,
de
que
até
agora
pouco
abundam
aqueles
Países”4.
4
CRUZ, Lígia. Domingos Vandelli, alguns aspectos da sua actividade em Coimbra. Separata do Boletim do
Arquivo da Universidade de Coimbra. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1976. p.66
Não obstante, no intuito aproveitar as habilidades de Veloso, Rodrigo de Sousa
Coutinho o comissiona a Secretaria de Governo da Capitania.
As atividades de Veloso em solo brasileiro não tardam; logo em sua chegada a Minas o então
Governador lhe confere a construção de um Jardim Botânico em Vila Rica, além de localizar
minas de salitre.
As atividades de Veloso não se restringem a essas atividades o mesmo organiza uma equipe
com um ajudante, Jose Luiz de Godoi Torres e Apolinário de Souza Caldas, riscador, no
intuito de averiguar, coletar, classificar e desenhar gêneros naturais da região a serem
remetidos a Lisboa.
Homem de confiança de Portugal na colônia, Joaquim Veloso de Miranda se
estabelece em Vila Rica e desenvolve atividades científicas singulares na capitania de Minas
Gerais, por ordem da coroa, criou e manejou com seus ajudantes um espaço cientifico,
arremetendo um numero significativo de espécies vegetais, animais e minerais a Lisboa.
Bibliografia:
CRUZ, Lígia. Domingos Vandelli, alguns aspectos da sua actividade em Coimbra. Separata
do Boletim do Arquivo da Universidade de Coimbra. Coimbra: Universidade de Coimbra,
1976
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Aspectos da Ilustração no Brasil. A Interiorização da
Metrópole e outros estudos. São Paulo: Alameda, 2005.
DOMINGUES, Ângela .Para um melhor conhecimento dos domínios coloniais: a constituição
de redes de informação no Império português em finais do Setecentos.,
História, Ciências, Saúde. Manguinhos, VIII (suplemento), pp. 823-38. 2001
ELIAS,Norbert.O Processo Civilizador.volume 1, Editora Zahar,Rio de Janeiro,1995.
FALCON, Francisco José Calazans. Iluminismo. São Paulo: Ática, 1994.
Kury, Lorelai Brilhante. Homens de ciência no Brasil: impérios colônias e circulação de
informações. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, vol. 11, (Suplemento 1), p.109129, 2004.
MAXWELL, Kenneth .A geração de 1790 e a idéia do império luso-brasileiro.. Em
Chocolate, piratas e outros malandros: ensaios tropicais. São Paulo, Paz & Terra,1999.
____________________A devassa da devassa: a Inconfidência Mineira, Brasil e Portugal,
1750-1808. 2a Ed Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978.
MUNTEAL FILHO, Oswaldo .Todo um mundo a reformar: intelectuais, cultura ilustrada e
estabelecimentos 1997 científicos ilustrados em Portugal e no Brasil, 1779-1808., Anais do
MuseuHistórico Nacional, 29, pp. 87-108.
_________________,A academia de Real Ciências de Lisboa e o Império colonial
Ultramarino(1779-1808) in Diálogos Oceânicos: Minas Gerais e as novas abordagens para a
historia do Império Ultramarino Português/ organização; Júnia Ferreira Furtado, Editora
UFMG, Belo Horizonte, 2001.
SILVEIRA,Marco Antonio.Universo do indistinto-Estado e Sociedade nas Minas
setecentistas, Hucitec.São Paulo,1999.
Fontes:
ATC- Livro do Erário Régio- Livro Segundo de representações- Minas Gerais -1787-1822
Março 647-nº 5- Fls267
AHU.Códice 610.fl.17.29 de março de 1797.
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