Ministério da Saúde FIOCRUZ Fundação Oswaldo Cruz INSTITUTO OSWALDO CRUZ Pós-Graduação em Medicina Tropical VANESSA LIMA NEIVA Aspectos biológicos e potencial vetorial de Triatoma sherlocki Papa, Jurberg, Carcavallo, Cerqueira & Barata, 2002 (Hemiptera: Reduviidae: Triatominae) em condições de laboratório. Dissertação apresentada ao Instituto Oswaldo Cruz como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ciências. Orientadoras: Profª. Drª. Jane Margaret Costa Von Sydow Profª. Drª. Teresa Cristina Monte Gonçalves RIO DE JANEIRO 2014 i Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca de Ciências Biomédicas/ ICICT / FIOCRUZ - RJ N417 Neiva, Vanessa Lima Aspectos biológicos e potencial vetorial de Triatoma sherlocki Papa, Jurberg, Carcavallo, Cerqueira & Barata, 2002 (Hemiptera: Reduviidae: Triatominae) em condições de laboratório / Vanessa Lima Neiva. – Rio de Janeiro, 2014. viii, 94 f. ; 30 cm. Dissertação (Mestrado) – Instituto Oswaldo Cruz, Pós-Graduação em Medicina Tropical, 2014. Bibliografia: f. 82-93 1. Triatoma sherlocki. 2. Infecção natural. 3. Capacidade vetorial. 4. Comportamento de alimentação e de defecação. 5. Resistência ao jejum. I. Título. CDD 616.9363 ii Ministério da Saúde FIOCRUZ Fundação Oswaldo Cruz INSTITUTO OSWALDO CRUZ Pós-Graduação em Medicina Tropical VANESSA LIMA NEIVA Aspectos biológicos e potencial vetorial de Triatoma sherlocki Papa, Jurberg, Carcavallo, Cerqueira & Barata, 2002 (Hemiptera: Reduviidae: Triatominae) em condições de laboratório. ORIENTADORAS: Profª. Drª. Jane Margaret Costa Von Sydow Profª. Drª. Teresa Cristina Monte Gonçalves Aprovada em: _24_/_03_/_2014_ EXAMINADORES: Profª. Drª. Jacenir Reis dos Santos Mallet - Presidente (IOC-Fiocruz) Profª. Drª. Catarina Macedo Lopes (IOC-Fiocruz) Prof. Dr. Carlos Eduardo Almeida (UNESP- SP) Prof. Dr. Carlos José Moreira (IOC-Fiocruz) Prof. Dr. Márcio Eduardo Felix - Revisor (IOC-Fiocruz) Rio de Janeiro, 24 de Março de 2014 iii Dedico Aos meus pais: exemplos de vida e trabalho, força motriz da minha perseverança e resistência. Ao Maurílio Freitas Mendonça por acreditar em meus ideais, pelo incentivo e apoio na concretização de um sonho. À Dra. Jane Costa pela competente orientação e oportunidades, por confiar e investir em meu potencial, os quais foram fundamentais para o meu desenvolvimento profissional. iv AGRADECIMENTOS A Deus, antes de tudo, pois sem ele nada é possível. À Dra. Teresa Cristina Monte Gonçalves, por aceitar a minha coorientação, especialmente pelo seu exemplo de profissionalismo, ética e dedicação à pesquisa. Pelos seus ensinamentos, questionamentos e correções feitos de forma carinhosa, os quais amenizaram as dificuldades do percurso da realização vocacional. À valiosa amiga Dra. Catarina Macedo Lopes, pela sua generosidade, presença afetuosa, por me ensinar o valor de se aliar a competência profissional e a humanidade, pela sua participação com ricas sugestões ao longo de toda a etapa experimental e redação da dissertação. À Dra. Jacenir Reis dos Santos Mallet, pela alegria com que me recebeu e disponibilizou o insetário do seu laboratório para o estabelecimento das colônias e realização dos experimentos, o qual foi imprescindível para o desenvolvimento e concretização desse trabalho. À Fundação Oswaldo Cruz e ao Instituto Oswaldo Cruz, por me permitir a honra de dar continuidade à minha formação nessa Instituição que tanto admiro. À Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical, pela atenção e presteza quanto às solicitações dos alunos. Sobretudo pela sensibilidade e preocupação em construir em conjunto com alunos, professores e pesquisadores um curso de pós-graduação de qualidade. Ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical, pela atenção e por compartilhar seus conhecimentos sobre as doenças tropicais. Aos professores: Dra. Nildimar Honório Rocha, Dra. Alda Maria da Cruz, Dra. Ângela Cristina Veríssimo Junqueira, Dra. Martha Cecília Suarez Mutis e Dr. Jerônimo Alencar, pelos exemplos de docentes e pesquisadores, pela contribuição não só na aquisição de conhecimento, mas principalmente na construção de um pensamento crítico, fundamental para a formação de jovens cientistas. À minha família: irmãos, primos, tios, avós, pelo apoio, orações e pela presença amiga que ajudou a aliviar as pressões. Às amigas Kerla Joeline e Miriam Palomino, pelo apoio, incentivo e parceria ao longo da realização dos créditos. À amiga Márcia Ximena Gumiel, pelo auxílio com as análises estatísticas e discussão dos resultados. v Às mestrandas Nathália Cordeiro Correia e Cátia Cabral Silva, do Laboratório de Biodiversidade Entomológica, pelo auxílio nos experimentos e manutenção das colônias de triatomíneos. Às amigas: Amanda, Raquel, Lucila, Josiane e Ariane, pela forma cordial com que me receberam e pela boa convivência no dia-a-dia do Laboratório de Transmissores de Leishmanioses, Setor de Entomologia Médica e Forense. À equipe do Laboratório de Transmissores de Leishmaioses, pelo apoio. Ao Dr. Carlos Eduardo Almeida, por me incentivar a aprofundar os meus conhecimentos sobre T. cruzi e T. sherlocki e efetuar as coletas dos triatomíneos. À equipe da Secretaria de Vigilância em Saúde do Estado da Bahia, pelo auxílio às coletas dos triatomíneos. À equipe do Laboratório de Biodiversidade Entomológica: Dr. Márcio Felix, Danielle Cerri, Dr. Sandor Buys, Renata Amaro, Cauan, Aline e Elen, pelo apoio. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CAPES, e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, FAPERJ, pelas bolsas de estudo. Aos membros da banca examinadora, pela disponibilidade e competência na análise deste trabalho, enriquecendo-o com críticas e sugestões. vi O senhor é o meu pastor e nada me faltará. Deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente às águas tranqüilas, refrigera a minha alma, guia-me pelas veredas da justiça por amor do teu nome. Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte não temeria mal algum, porque tu estás comigo, a tua vara e o teu cajado me consolam, preparas para mim uma mesa na presença dos meus inimigos, unges a minha cabeça com óleo, o meu cálice transborda, certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão por todos os dias da minha vida e habitarei a casa do senhor por longos dias. Salmos 23. vii Esse trabalho foi desenvolvido no Laboratório de Biodiversidade Entomológica e no Laboratório de Transmissores de Leishmanioses - Setor de Entomologia Médica e Forense do Instituto Oswaldo Cruz - FIOCRUZ. viii Índice RESUMO .................................................................................................................................. xi ABSTRACT .............................................................................................................................xii I. INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 1 1. Doença de Chagas. .......................................................................................................... 1 2. Trypanosoma cruzi ......................................................................................................... 8 2.1. Taxonomia ............................................................................................................. 8 2.2. Ciclo biológico ...................................................................................................... 9 2.3. Hospedeiros vertebrados de T. cruzi ..................................................................... 9 3. Subfamília Triatominae ............................................................................................... 10 3.1. Taxonomia ........................................................................................................... 10 3.2. Domiciliação ....................................................................................................... 11 3.3. Controle vetorial no Brasil .................................................................................. 13 3.4. Complexo Triatoma brasiliensis ......................................................................... 14 3.5. Triatoma sherlocki .............................................................................................. 19 4. Parâmetros biológicos dos vetores e sua importância para a transmissão de T. cruzi .. 22 4.1. Ciclo biológico .................................................................................................... 22 4.2. Comportamento alimentar e de defecação .......................................................... 23 4.3. Resistência ao jejum ............................................................................................ 24 II. OBJETIVOS ........................................................................................................................ 25 1. Geral ............................................................................................................................. 25 2. Específicos .................................................................................................................... 25 III. MATERIAL E MÉTODOS ................................................................................................ 26 1. Área de estudo .............................................................................................................. 27 2. Coleta de Triatoma sherlocki........................................................................................ 31 3. Infecção natural por T. cruzi ......................................................................................... 32 4. Ciclo biológico.............................................................................................................. 32 5. Comportamento alimentar e de defecação .................................................................... 33 6. Resistência ao jejum ..................................................................................................... 36 7. Análises estatísticas ...................................................................................................... 36 IV. RESULTADOS ................................................................................................................. 38 1. Espécimes de Triatoma sherlocki coletados ................................................................. 38 2. Infecção natural por T. cruzi ......................................................................................... 40 3. Ciclo biológico.............................................................................................................. 40 ix 4. Comportamento alimentar e de defecação .................................................................... 44 5. Resistência ao jejum ..................................................................................................... 58 V. DISCUSSÃO ....................................................................................................................... 59 1. Insetos coletados ........................................................................................................... 59 2. Infecção natural por T. cruzi ......................................................................................... 60 3. Parâmetros biológicos ................................................................................................... 62 3.1. Ciclo biológico .................................................................................................... 63 3.2. Comportamento de alimentação e de defecação ................................................. 70 3.3. Resistência ao jejum ............................................................................................ 76 VI. CONCLUSÕES ................................................................................................................. 80 VII. PERSPECTIVAS .............................................................................................................. 81 VIII.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 82 IX. ANEXO ............................................................................................................................. 94 x RESUMO Aspectos biológicos e potencial vetorial de Triatoma sherlocki Papa, Jurberg, Carcavallo, Cerqueira & Barata, 2002 (Hemiptera: Reduviidae: Triatominae) em condições de laboratório. Triatoma sherlocki foi encontrada no distrito de Santo Inácio, município de Gentio do Ouro, no estado da Bahia, Brasil. No ambiente natural habita complexos rochosos, apresentando infecção natural por Trypanosoma cruzi. Em Encantado, um assentamento de garimpo de pedras ornamentais, foi realizado o primeiro registro de ninfas e adultos no interior dos domicílios. Informações sobre seus aspectos biológicos e comportamentais são inexistentes, tornando-se necessários para o conhecimento do seu potencial vetorial. No presente estudo avaliaram-se diferentes parâmetros biológicos de T. sherlocki para inferir sua capacidade vetorial. Para isso, foram efetuadas coletas no ambiente silvestre e domiciliar em 2009, quando foi feita a pesquisa para presença de T. cruzi-like, e em 2010, para o estabelecimento de colônias mantidas em condições controladas de temperatura (24,6 ± 1,3 ºC) e umidade relativa (71,6% ± 6,3) (não controlada). Tais colônias deram suporte aos estudos do ciclo biológico, do comportamento alimentar e de defecação e da resistência ao jejum. A taxa de infecção natural foi obtida pelo exame microscópico de fezes dos triatomíneos. Para o estudo do ciclo biológico e do comportamento alimentar e de defecação, foram selecionados aleatoriamente 123 ovos a apartir de trinta casais mantidos juntos. Assim, acompanhou-se o desenvolvimento de ovo-adulto e o seu comportamento de alimentação e de defecação após a alimentação até 10 min. Os insetos foram alimentados semanalmente em camundongos Mus musculus. A resistência ao jejum foi estudada através da seleção aleatória de um grupo de 50 ovos e 50 ninfas de 2º a 5º estádio, perfazendo um total de 350 espécimes, os quais foram alimentados semanalmente em camundongos e observados diariamente para registrar a eclosão ou ecdise. Posteriormente, cada triatomíneo foi observado individualmente para o registro do período de resistência ao jejum até a morte. Durante as coletas de campo, 471 espécimes foram capturados, 170 em 2009 e 301 em 2010. Dos 170 espécimes coletados em 2009, 145 foram examinados para presença de T. cruzi-like, dos quais 20% estavam positivos. Em relação ao ciclo biológico, T. sherlocki apresentou tempo médio de desenvolvimento de ovo-adulto de 325,0 ± 40,0, indicando que esta espécie apresenta 1 geração por ano. O número de repastos sanguíneos variou de 1 até 11, dependendo do estádio de desenvolvimento. Essa característica aumenta o contato vetor-hopedeiro, aumentando a probalidade de aquisição ou transmissão de T. cruzi. A taxa de mortalidade total foi baixa (6,5%) em relação a outras espécies de triatomíneos, mostrando que T. sherlocki adaptou-se bem as condições de laboratório. Entre os principais resultados obtidos no estudo do comportamento alimentar e de defecação, destaca-se o curto intervalo de tempo entre a alimentação e a defecação dos primeiros estádios ninfais de T. sherlocki, médias 1,38 min. para o 1º estádio e 2,15 min. para o 2º estádio, sendo que 63,2% (n=114) das ninfas de 1º estádio e 56,7% (n=60) das ninfas de 2º estádio defecaram até 1 min. após a 1ª e a 2ª alimentações, respectivamente. As ninfas dos demais estádios demoraram mais para defecar, mas apresentaram média de defecação após a alimentação até 10 min. inferior a 4,00 min. O fato dos estádios imaturos defecarem logo após a alimentação sugere que são eficientes na transmissão de T. cruzi. Os resultados de resistência ao jejum de T. sherlocki demonstraram que as ninfas de 1º estádio são mais sensíveis à privação alimentar, enquanto que as de 5º estádio são mais resistentes, média de 156,5 dias (5 meses e 22 dias) com máxima de 236,0 dias (~ 8 meses). Assim como em outras espécies de triatomíneos, esta espécie resiste a prolongados períodos de jejum e seus estádios de desenvolvimento apresentam diferentes potenciais de transmissão de T. cruzi, segundo os parâmetros biológicos aqui analisados. xi ABSTRACT Biological Aspects and vectorial potential of Triatoma sherlocki Papa, Jurberg, Carcavallo, Cerqueira & Barata, 2002 (Hemiptera: Reduviidae: Triatominae) in laboratory conditions. Triatoma sherlocki has been found in Santo Inácio district, municipality of Gentio do Ouro, in Bahia state, Brazil. In the natural environment inhabits rocky complex presenting natural infection by Trypanosoma cruzi. In Encantado, a small artisan quarry-mining community, it was done the first record of nymphs and adults in the human dwellings. Information about their biological and behavioral aspects is lacking, making it necessary for the knowledge of its vectorial potential. In the present study it was evaluated different biological parameters of T. sherlocki to infer their vectorial capacity. For this, samples were collected in the wild environment and in the human dwellings in 2009 and in 2010 for the establishment of colonies maintained under laboratory conditions (24.6 ± 1.3 °C, RH = 71.6 ± 6.3%). The rate of natural infection was obtained by microscopic examination of feces of triatomines. To the study of the biological cycle and feeding and defecation behaviors, 123 eggs were randomly selected from thirty couples kept together. So the development of egg to adult and their feeding and defecation behaviors after feeding up to 10 min were accompanied. The insects were fed weekly on mice Mus musculus. The resistance to starvation was studied by randomly selecting a group of 50 eggs and 50 nymphs of 2nd to 5th instar, which were fed weekly on mice and observed daily to record hatching or moulting. Thereafter, each triatomine was observed individually for the record of the period of resistance to starvation unto death. During field sampling, 471 specimens were collected, 170 in 2009 and 301 in 2010. Of the 170 specimens collected in 2009, 145 were examined for the presence of T. cruzi-like, of which 20% were positive. Regarding the biological cycle, T. sherlocki showed average development time from egg to adult of 325.0 ± 40.0 days, indicating that this species has one generation per year. The number of blood meal ranged from 1 to 11 depending on the instar of development. This feature increases the vector-host contact, increasing the likelihood of acquisition or transmission of T. cruzi. The overall mortality rate was low (6.5%) compared to other species of triatomines, showing that T. sherlocki has well adapted to laboratory conditions. Among the main results obtained in the study of feeding behavior and defecation highlights the short time interval between feeding and defecation of the early nymphal instar of T. sherlocki, average time of 1.38 minutes for the 1st instar and 2.15 minutes for the 2nd instar, and the 63.2% (n = 114) of the 1st nymphal instar and 56.7% (n = 60) of the 2nd nymphal instar defecated until 1 minute after the 1st and 2nd feeds, respectively. The nymphs of remaining instars took longer to defecate, but had an average time of defecation after feeding up to 10 min lower to 4.00 min. The fact of the immature instars defecates after feeding suggests that they are efficient in the T. cruzi transmission. The results of starvation resistance of T. sherlocki demonstrated that the 1st nymphal instar is more sensitive to food deprivation, while the 5th nymphal instar is more resistant, averaging 156.5 days (5 months and 22 days) with maximum of 236.0 days (~ 8 months). As in other species of triatomines, this species withstands prolonged periods of starvation and their instars of development have different potential transmission of T. cruzi, according to the biological parameters analyzed. xii Lista de figuras Figura 1.1. Distribuição de casos de infecção por Trypanosoma cruzi, com base em estimativas oficiais e status de transmissão vetorial, em nível mundial, 2006-2009. Fonte: Adaptado de WHO, 2010. Figura 1.2. Distribuição de casos de doença de Chagas aguda pela via de transmissão vetorial, com base em dados oficiais do SINAN, em nível nacional, 2001-2006. Fonte: MSSVS, 2013. Figura 1.3. Distribuição de casos de doença de Chagas aguda pela via de transmissão vetorial, com base em dados oficiais do SINAN, no estado da Bahia, 2001-2006. Fonte MSSVS, 2013. Figura 1.4. Distribuição de casos de doença de Chagas aguda pela via de transmissão vetorial, com base em dados oficiais do SINAN, em nível nacional, 2007-2013. Fonte: MSSVS, 2013. Figura 1.5. Membros do complexo de espécies Triatoma brasiliensis: A. Triatoma brasiliensis brasiliensis (verde), B. Triatoma brasiliensis macromelasoma (roxo), C. Triatoma juazeirensis (vermelho), D. Triatoma sherlocki (laranja) e E. Triatoma melanica (azul). F. Mapa de hipótese Ms (linhas) e os dados de ocorrência (pontos) para todos os membros. G. Dados de ocorrência (pontos) e distribuições potenciais atuais para todos os membros. Fonte: Adaptado de Costa et al dados não publicados. Figura 1.6. Triatoma sherlocki. Figura 3.1: Pontos de coleta de Triatoma sherlocki e distância em linha reta entre as localidades de Santo Inácio e Encantado, município de Gentio do Ouro, Bahia, Brasil. Figura 3.2. Município de Gentio do Ouro, Bahia, Brasil. Fonte: Google Earth, 2013. Figura 3.3. A. Casas construídas de concreto encontradas no distrito de Santo Inácio, Gentio do Ouro, Bahia. B. ruas pavimentadas, C. ecótopo silvestre onde foram coletados espécimes de Triatoma sherlocki, D. detalhe das fendas (seta sólida), buracos (seta tracejada) e fezes de roedores (seta pontilhada) nos complexos rochosos. Figura 3.4. Tipo de casas encontradas na Vila de Encantado, Gentio do Ouro, Bahia. A. Folha de palmeira, B. Rochas, C. Barro, D. Ecótopo Silvestre. Figura 3.5. A. Caixas com 123 frascos de Borrel usados para acondicionar individualmente os espécimes de T. sherlocki para estudo do ciclo biológico e comportamento alimentar e de defecação. B. Frasco de Borrel identificado, com papel filtro dobrado em sanfona para aumentar a área de deslocamento e absorver a umidade. C. Observação do tempo, cronômetro (cr); do comportamento alimentar e de defecação em recipiente forrado com papel toalha (pt) xiii com T. sherlocki (Ts) e camundongo (c). D. Ninfa de 5º estádio alimentando-se. E. Ninfa de 5º estádio ingurgitada. F. Pesagem dos espécimes antes e após a alimentação. Figura 3.6. A. Frascos de Borrel contendo os espécimes usados para o estudo da resistência ao jejum (n=350). B. Detalhe do frasco com fêmea e exúvia. Figura 4.1. Porcentagem dos espécimes de Triatoma sherlocki nos diferentes estádios: ninfas de 1º (n=123), 2º (n=120), 3º (n=117), 4º (n=117), 5º (n= 114) que realizaram de 1 até 11 repastos em cada fase de desenvolvimento. Figura 4.2. Percentual de mortalidade de Triatoma sherlocki. Figura 4.3. Número de adultos de Triatoma sherlocki (machos e fêmeas) que apresentaram anomalias. Figura 4.4. Adultos de T.sherlocki normal e apresentando anomalias morfológicas, indicadas pelas setas azuis. A. Normal. B. Abdome com deformações nos conexivos do quinto e do sexto segmentos. C. Deslocamento da cabeça para a esquerda. D. Deslocamento da cabeça para baixo. E. Tíbia incompleta. Figura 4.5. Tempo decorrido entre o oferecimento da fonte alimentar e a picada para iniciar o repasto sanguíneo de Triatoma sherlocki. São mostrados os percentis 25 e 75 (limites das caixas mais próximos e mais distantes de zero, respectivamente), as medianas (linha sólida dentro da caixa), e as médias (lozango azul). O número de observações testadas em cada grupo é mostrado entre parênteses. Letras diferentes representam diferenças estatísticas significativas (Testes de Kruskal-Wallis seguido de comparações de Dunn, p <0,05). *Até o dia 30/11/2013, das 34 N5 que atingiram a fase adulta, 17 realizaram alimentação (13 machos e 4 fêmeas). As demais ninfas de quinto estádio continuarão sendo estudadas para obtenção de dados mais consistentes referentes à fase adulta. Figura 4.6. A. Duração da alimentação (tempo de sucção). B. Peso ganho absoluto. C. Peso ganho relativo de Triatoma sherlocki. São mostrados os percentis 25 e 75 (limites das caixas mais próximos e mais distantes de zero, respectivamente), as medianas (linha sólida dentro da caixa) e as médias (lozango azul). O número de observações testadas em cada grupo é mostrado entre parênteses. Letras diferentes indicam diferenças estatisticamente significativas (Testes de Kruskal-Wallis e Dunn, P <0,05;). *Até o dia 30/11/2013, das 34 N5 que atingiram a fase adulta, 17 realizaram alimentação (13 machos e 4 fêmeas). As demais ninfas de quinto estádio continuarão sendo estudadas para obtenção de dados mais consistentes referentes à fase adulta. Figura 4.7. Porcentagem de alimentações com defecação durante o repasto de Triatoma sherlocki nos diferentes estádios: ninfas de 1º (n=256), 2º (n= 251), 3º (n= 256), 4º (n=280), 5º (n=631) estádios e machos (n=23) e fêmeas (n=17). xiv Figura 4.8. Porcentagem dos espécimes de Triatoma sherlocki que defecaram até 1min. após a alimentação. A. Primeira alimentação: ninfas de 1º (n=114), 2º (n=111), 3º (n=84), 4º (n=50) e 5º (n=64) estádios. B. Segunda alimentação: ninfas de 1º (n=66), 2º (n=60), 3º (n=37), 4º (n=12) e 5º (n=21) estádios. Figura 4.9. Porcentagem dos espécimes de Triatoma sherlocki que defecaram em diferentes intervalos de tempo até 10 min. após o primeiro repasto sanguíneo. Figura 4.10. Porcentagem dos espécimes de Triatoma sherlocki que defecaram em diferentes intervalos de tempo até 10 min. após o segundo repasto sanguíneo. Figura 4.11. Porcentagem dos espécimes de Triatoma sherlocki que defecaram em diferentes intervalos de tempo até 10 min. após o terceiro repasto sanguíneo. Figura 4.12. Porcentagem de alimentações com defecação até 10 min. após a alimentação de Triatoma sherlocki nos diferentes estádios: ninfas de 1º (n=256), 2º (n= 251), 3º (n= 256), 4º (n=280), 5º (n=631) estádios e machos (n=23) e fêmeas (n=17). * Até o dia 30/11/2013, das 34 N5 que atingiram a fase adulta, 17 realizaram alimentação (13 machos e 4 fêmeas), das quais se observou 3 defecações (1 para fêmea e 2 para macho). As demais ninfas de quinto estádio continuarão sendo estudadas para obtenção de dados mais consistentes referentes à fase adulta. Figura 4.13. Tempo decorrido entre o fim do repasto e a defecação de Triatoma sherlocki (até 10 min.). São mostrados os percentis 25 e 75 (limites das caixas mais próximos e mais distantes de zero, respectivamente), as medianas (linha sólida dentro da caixa), e as médias (lozango azul). O número de observações testadas em cada grupo é mostrado entre parênteses. Letras diferentes indicam diferenças estatisticamente significativas (Testes de Kruskal-Wallis e Dunn, p<0,05). *Até o dia 30/11/2013, das 34 N5 que atingiram a fase adulta, 17 realizaram alimentação (13 machos e 4 fêmeas), das quais se observou 3 defecações (1 para fêmea e 2 para os machos). As demais ninfas de quinto estádio continuarão sendo estudadas para obtenção de dados mais consistentes referentes à fase adulta. Figura 4.14. Porcentagem dos espécimes de T. sherlocki, ninfas de 1º (n=121), 2º (n=119), 3º (n=117), 4º (n=116) e 5º (n=114) estádios que giraram o corpo para defecar durante ou após a alimentação até 10 min. Figura 4.15. Representação esquemática do comportamento de defecação observado para alguns espécimes de Triatoma sherlocki. A. Giro de 180º. B. Giro de 170º. C. Giro de 160º. D. Giro de 90º. c: camundongo, T: triatomíneo. xv Lista de Tabelas Tabela 1.1. Casos de doença de Chagas aguda por modo de transmissão, com base em dados oficiais do SINAN, em nível nacional de 2001 a 2006. Fonte: MS-SVS, 2013. Tabela 1.2. Casos de doença de Chagas aguda por modo de transmissão, com base em dados oficiais do SINAN, em nível nacional de 2007 a 2013. Fonte: MS-SVS, 2013. Tabela 3.1. Algumas características climáticas e ambientais obtidas pelo sistema de informação geográfica (SIG) para as duas áreas conhecidas de ocorrência de T. sherlocki. Fonte: Adaptado de Almeida et al 2009. Tabela 4.1. Localidades de coleta, ecótopo, coordenadas geográficas, data da coleta, estádio evolutivo e número de espécimes de Triatoma sherlocki coletados. Tabela 4.2: Índice de infecção natural de Triatoma sherlocki coletados em 2009, nas localidades de Santo Inácio e Encantado, município de Gentio do Ouro, Bahia. Tabela 4.3. Duração das fases de desenvolvimento (em dias) de Triatoma sherlocki. Tabela 4.4. Número de alimentações em cada fase de desenvolvimento de Triatoma sherlocki. Tabela 4.5: Avaliação das defecações durante e após o repasto de Triatoma sherlocki. Tabela 4.6. Resistência ao Jejum (em dias) de T. sherlocki. Tabela 5.1. Comparação das médias de duração das fases de desenvolvimento de várias espécies de triatomíneos. Tabela 5.2. Comparação das médias do número de alimentações para várias espécies de triatomíneos. Tabela 5.3. Comparação dos dados de resistência ao jejum (em dias) de diferentes espécies de triatomíneos (Adaptado de Cortéz & Gonçalves 1989, Caileaux et al 2011). xvi I. INTRODUÇÃO 1. Doença de Chagas. A Tripanosomíase Americana ou doença de Chagas foi descoberta há mais de um século por Carlos Justiniano Ribeiro das Chagas, na ocasião da construção da Estrada de Ferro Central do Brasil, em Minas Gerais. Durante o seu trabalho na campanha de controle da Malária, Carlos Chagas identificou o primeiro caso humano da doença e subsequentemente reconheceu o agente etiológico, Trypanosoma (Schizotrypanum) cruzi, o inseto hematófago vetor [Conorhinus sp., depois Panstrongylus megistus (Burmeister, 1835)] e o reservatório silvestre (tatu), determinando assim o ciclo de transmissão (Lent 1999). Cento e cinco anos após a sua descoberta, a doença de Chagas é considerada uma doença tropical negligenciada por apresentar, entre outros fatores, forte associação com a pobreza, desenvolver-se melhor em áreas tropicais, além de oferecer pouco incentivo à indústria farmacêutica para investir em novos medicamentos, uma vez que as pessoas afetadas por essa enfermidade fazem parte de um mercado com baixo poder aquisitivo (WHO 2010), o que persiste até hoje. Inicialmente a doença de Chagas foi considerada uma enzootia, pelo fato do parasito circular entre mamíferos e triatomíneos silvestres presentes nos biótopos naturais. No entanto, o homem e os animais domésticos passaram a fazer parte do ciclo do protozoário e a doença tornou-se uma zoonose, espalhando-se pela América Latina em função das ações antrópicas em biótopos naturais e fatores de natureza política, social e econômica (Dias & Borges 1979, Foratini 1980). O desenvolvimento da doença, entre os humanos, é favorecido em locais esquecidos pelo progresso socioeconômico, onde as habitações humanas são precárias, sem saneamento, onde não há acesso a água potável, aos serviços de saúde e principalmente onde há desmatamento intensivo. O homem, ao se estabelecer em casas mal construídas, oferece aos insetos vetores condições propícias para a colonização. As habitações humanas construídas com materiais disponíveis nos ambientes rurais ou silvestres favorecem a colonização das espécies no domicílio e essa é uma das condições fundamentais para a transmissão da infecção (Silveira 2000, WHO 2010). No entanto, focos urbanos de triatomíneos estão sendo encontrados em habitações precárias nas periferias das cidades, tais como em Cochabamba (Bolívia); São Luís, Maranhão (Brasil) (Marcondes, 2011). A principal forma de transmissão desse parasito é a vetorial e ocorre quando os triatomíneos, ao realizar o repasto sanguíneo, defecam durante ou após a alimentação eliminando formas infectantes do parasito que entram no organismo do hospedeiro por meio de lesões da pele ou atravessam as mucosas intactas. Entretanto, a transmissão também pode ocorrer: pela via vertical, a partir da mãe infectada para o recém-nascido durante a gravidez 1 pela via transplacentária ou durante parto; pela transfusão de sangue e pela doação de órgãos, a partir de doadores portadores da doença de Chagas para receptores sadios; pela via oral, ingestão de alimentos, tais como sucos de frutas silvestres contaminados com T. cruzi provenientes de fezes dos triatomíneos ou quando o próprio inseto é triturado durante a produção do suco, ou também pela ingestão acidental do inseto por crianças; e ainda por acidentes de laboratório (Silveira 2011). A Tripanossomíase Americana apresenta uma fase aguda, de curta duração, que na maioria dos pacientes progride para uma fase crônica. A fase aguda é geralmente assintomática, entretanto em 10% dos casos os sinais clínicos começam entre 6 e 10 dias após a infecção e se caracterizam por um quadro febril passageiro e inespecífico, linfoadenopatia, esplenomegalia branda e, mais raramente, uma intensa miocardite (Rassi et al 2000). Segundo Rassi et al (2000), após uma fase aguda sintomática ou não, os pacientes evoluem para uma fase crônica silenciosa, podendo permanecer assintomáticos (fase indeterminada) ou evoluir para uma forma cardíaca, digestiva ou mista. Na forma cardíaca, ocorre principalmente miocardite crônica progressiva e fibrosante e/ou hipertrofia do coração. Essas alterações podem se manifestar por meio de arritmias e insuficiência cardíaca congestiva. A forma cardíaca é a principal responsável pela ocorrência de morte súbita, que é um fenômeno considerado como a principal causa de morte por doença de Chagas. Os pacientes com a forma digestiva apresentam alterações hipertróficas no esôfago (megaesôfago) e colón intestinal (megacólon), que levam a problemas como disfagia e constipação intestinal, respectivamente. A forma mista é caracterizada pelo comprometimento cardíaco e digestivo simultaneamente. Atualmente, não se dispõe de vacinas ou fármacos profiláticos para o controle da doença de Chagas e o medicamento utilizado no tratamento de pacientes na fase aguda, no Brasil, é o benznidazol (Rochagan®, Roche), o qual é de uso limitado devido à alta toxicidade. Além disso, esse fármaco apresenta eficiência limitada na fase crônica da doença, onde a maior parte dos diagnósticos é realizada, embora ainda assim seja utilizado no tratamento de pacientes crônicos (Dias 2006). Estima-se que cerca de 10 milhões de pessoas no mundo estejam infectadas com T. cruzi, das quais a maioria concentra-se em áreas endêmicas de 21 países da América Latina: Argentina, Belize, Bolívia (Estado Plurinacional da Bolívia), Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guiana Francesa, Guatemala, Guiana, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Suriname, Venezuela (República Bolivariana da Venezuela) e Uruguai. Entretanto, apesar da doença de Chagas originalmente estar restrita às Américas do Sul e Central, vem se expandindo como um problema global, emergindo em 2 outras regiões não endêmicas, tais como: América do Norte (Canadá e Estados Unidos da América), região do Pacífico Ocidental (principalmente Austrália e Japão) e região Européia (Bélgica, França, Itália, Espanha, Suíça e Reino Unido, Áustria, Croácia, Dinamarca, Alemanha, Luxemburgo, Holanda, Noruega, Portugal, Romênia e Suécia) (WHO 2010) (Figura 1.1). A ocorrência desta doença fora da América Latina resulta das migrações da população das áreas endêmicas para áreas não endêmicas, onde a transmissão subsequente ocorre pela transfusão de sangue, doação de órgãos e pela via vertical. Há relato de casos entre os viajantes que retornam da América Latina e até mesmo de crianças adotadas (WHO 2010, Coura & Viñas 2010). Figura 1.1. Distribuição de casos de infecção por Trypanosoma cruzi, com base em estimativas oficiais e status de transmissão vetorial, em nível mundial, 2006-2009. Fonte: Adaptado de WHO, 2010. No Brasil, cerca de cinco milhões de pessoas foram infectadas com T. cruzi na década de 70, estimando-se em 100 mil casos novos por ano e uma mortalidade superior a 10 mil casos anuais (Schofield & Dias 1999). A partir da implementação do programa nacional de controle da doença de Chagas de 1975-1983, esses números decresceram gradativamente (Silveira et al 1984). Após os primeiros anos do estabelecimento das medidas de controle, uma pesquisa em nível nacional sobre a soroprevalência da doença de Chagas concluída em 1980 constatou uma redução na prevalência de 4,2% em áreas rurais e 3,1% na população total (Camargo 1987). Entretanto, os altos índices de morbi-mortalidade dessa enfermidade ainda fazem da doença uma importante moléstia com grande impacto social no Brasil (Dias 3 1995, Nota Técnica IOC, 2011). Em 2005, o sistema de saúde público gastou oito milhões de reais com 2.392 pessoas que foram hospitalizadas com doença de Chagas crônica (MS 2006). Além dos casos crônicos, entre os anos de 2001 e 2006, 25 estados notificaram casos de doença de Chagas aguda (DCA), perfazendo um total de 2.476 casos, dos quais 1.603 foram transmitidos pela via vetorial (Figura 1.2, Tabela 1.1), mostrando que essa doença parasitária pode continuar impactando a economia nacional. Vetorial até 77 77 --| 153 153 --| 230 230 --| 306 306 --| 383 Figura 1.2. Distribuição de casos de doença de Chagas aguda pela via de transmissão vetorial, com base em dados oficiais do SINAN, em nível nacional, 2001-2006. Fonte: MS-SVS, 2013. Na Região Nordeste do Brasil, considerada área endêmica, os inquéritos nacionais de prevalência de casos e de vetores mostraram que a mesma foi a segunda em número de infectados e índice de infestação triatomínica entre 1975 e 1980 (Castro Filho & Silveira 1984). Segundo Vinhaes e Dias (2000), a prevalência da infecção, o adoecimento e a mortalidade pela doença de Chagas diminuíram no país após a implementação das medidas de controle. O Inquérito sorológico realizado em escolares de 7 a 14 anos em 14 estados brasileiros, entre 1987-1989, mostrou que o estado da Bahia acompanhou a tendência de redução dos índices epidemiológicos nacionais, apresentando 0,03% de soro-reagentes de um total de 26.657 amostras processadas. Recentemente, entre os anos de 2001 a 2006, dos 2.476 casos de DCA notificados no Brasil, o estado da Bahia se destacou, ocupando o 1º lugar em notificações (501), sendo que a maioria dos casos (383) foi por transmissão vetorial (Tabela 4 1.1, Figura 1.2, Figura 1.3) (MS-SVS 2013) http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php. Tabela1.1. Casos de doença de Chagas aguda por modo de transmissão, com base em dados oficiais do SINAN, em nível nacional de 2001 a 2006. Fonte: MS-SVS, 2013. UF Notificação Ign/Branco Transfusional Vetorial Transplacentária Total Rondônia 29 2 12 0 43 Acre 1 0 0 0 1 Amazonas 6 0 17 0 23 Pará 26 0 151 0 177 Amapá 3 0 67 0 70 Maranhão 5 0 9 0 14 Piauí 14 0 147 0 161 Ceará 32 0 24 0 56 Rio Grande do Norte 132 1 112 0 245 Paraíba 26 2 82 0 110 Pernambuco 143 0 158 1 302 Alagoas 6 0 57 2 65 Sergipe 39 1 82 0 122 Bahia 114 3 383 1 501 Minas Gerais 33 2 62 0 97 Espírito Santo 12 2 23 0 37 Rio de Janeiro 29 1 13 0 43 São Paulo 16 0 22 2 40 Paraná 18 0 13 0 31 Santa Catarina 37 0 37 0 74 Rio Grande do Sul 91 2 88 1 182 Mato Grosso do Sul 14 0 15 0 29 Mato Grosso 6 0 5 0 11 Goiás 16 0 21 0 37 Distrito Federal 2 0 3 0 5 850 16 1603 7 2476 Total Ign.: Ignorado Nos últimos anos observa-se que o cenário epidemiológico da doença de Chagas no Brasil vem apresentando tendências de mudanças, com frequentes notificações de casos de DCA pela via de transmissão oral. De acordo com dados oficiais do Sistema de Informação de Notificação de Agravos (SINAN), entre os anos de 2007 a 2013, 19 estados notificaram 1.009 casos de DCA, sendo que a maioria dos casos (946) foram registrados na Região Norte. Dos 19 estados que registraram casos de DCA, 6 notificaram 713 casos pela via de transmissão oral, sendo que a maioria desses casos (692) se concentra na Região Norte (Amazonas, Pará, 5 Amapá e Tocantins). A ocorrência de surtos de doença de Chagas tem sido especialmente importante no estado do Pará, destacando-se pelo alto número de casos (534) de infecção por T. cruzi pela ingestão de alimentos (Tabela 1.2, Figura 1.4) http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php. Vetorial até 19 19 --| 38 38 --| 57 57 --| 76 76 --| 95 Figura 1.3. Distribuição de casos de doença de Chagas aguda pela via de transmissão vetorial, com base em dados oficiais do SINAN, no estado da Bahia, 2001-2006. Fonte MS-SVS, 2013. Vetorial até 7 7 --| 14 14 --| 20 20 --| 27 27 --| 34 Figura 1.4. Distribuição de casos de doença de Chagas aguda pela via de transmissão vetorial, com base em dados oficiais do SINAN, em nível nacional, 2007-2013. Fonte: MS-SVS, 2013. 6 Embora o número de casos pela via vetorial tenha caído sensivelmente, é importante salientar que, neste mesmo período (2007-2013), em 15 estados foram notificados 68 casos da doença de Chagas originados por esse modo de transmissão, mostrando que essa via ainda encontra-se disseminada em todas as regiões do Brasil. Estes dados evidenciam que as espécies nativas de triatomíneos ainda representam ameaça para as populações que vivem em áreas endêmicas, bem como em áreas anteriormente consideradas não endêmicas para essa enfermidade, como o estado do Pará, onde foram notificados 34 casos pela via de transmissão vetorial (Tabela 1.2, Figura 1.4). De acordo com os dados do SINAN (2007-2013), os estados Sergipe, Alagoas, Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Santa Catarina não notificaram casos de DCA desde 2007, o que poderia ser explicado pela eficiência do controle vetorial ou falhas na detecção e/ou notificação de DCA (Figura 1.4). Tabela 1.2. Casos de doença de Chagas aguda por modo de transmissão, com base em dados oficiais do SINAN, em nível nacional de 2007 a 2013. Fonte: MS-SVS, 2013. UF Notificação Ign/Branco Transfusional Vetorial Vertical Acidental Oral Outro Total Rondônia 0 0 2 0 0 0 0 2 Acre 0 0 1 0 0 0 0 1 Amazonas 3 0 5 0 1 50 0 59 Roraima 1 0 0 0 0 0 0 1 187 4 34 2 0 534 0 761 Amapá 4 3 2 0 0 77 0 86 Tocantins 3 0 2 0 0 31 0 36 Maranhão 3 0 7 0 1 20 0 31 Piauí 2 0 3 0 0 0 0 5 Ceará 0 0 1 0 0 0 0 1 Rio Grande do Norte 0 0 1 0 0 0 0 1 Paraíba 0 0 1 0 0 0 0 1 Pernambuco 2 0 0 0 0 0 0 2 Espírito Santo 0 0 0 0 0 1 1 2 Rio de Janeiro 0 0 1 0 0 0 0 1 Rio Grande do Sul 0 0 0 1 0 0 1 2 Mato Grosso do Sul 0 0 2 0 0 0 0 2 Mato Grosso 1 0 3 0 0 0 0 4 Goiás 8 0 3 0 0 0 0 11 214 7 68 3 2 713 2 1009 Pará Total Ign.: Ignorado 7 2. Trypanosoma cruzi 2.1. Taxonomia O parasito Trypanosoma cruzi é um protozoário flagelado pertencente à ordem Kinetoplastida, família Trypanosomatidae, caracterizado pela existência de um único flagelo e de cinetoplasto, organela que se localiza próximo ao núcleo e contém o DNA mitocondrial (Telleria et al 2006). O gênero Trypanosoma é um dos mais importantes dentro da família Trypanosomatidae por incluir uma série de espécies causadoras de doenças humanas importantes, como o próprio T. cruzi. Com base no comportamento do parasito nos seus hospedeiros, principalmente no vetor, o gênero Trypanosoma foi dividido em dois grupos. O primeiro, chamado de Stercoraria, inclui tripanossomas que se desenvolvem no tubo digestivo do triatomíneo, progredindo no sentido da porção intestinal com liberação de formas infectantes pelas fezes, tais como T. cruzi. O segundo, chamado de Salivaria, inclui tripanossomas que se desenvolvem inicialmente no tubo digestivo e que posteriormente atravessam o epitélio digestivo e atingem as glândulas salivares, onde se encontram as formas infectantes que são transmitidas pela forma inoculativa. Neste grupo incluem-se outros tripanossomas, como é o caso do Trypanosoma rangeli Tejera, 1920 (Hoare 1964, Rey 2008). De acordo com Zingales (2011), Trypanosoma cruzi é representado por populações que circulam em hospedeiros mamíferos e insetos vetores. Estas populações, também denominadas isolados ou cepas, apresentam grande heterogeneidade de comportamento biológico, variações na sensibilidade a drogas e tropismo tissular. A explicação para esta diversidade fenotípica reside no fato de T. cruzi ser um organismo diplóide que se multiplica predominantemente por divisão binária. Desta forma, o genoma de cada população poderia evoluir independentemente. Atualmente, a classificação taxonômica busca refletir, com a maior precisão possível, a história evolutiva dos taxa. Além disso, quando o organismo em estudo é de importância médica, é desejável que os dados que levam à identificação taxonômica das unidades sejam de relevância clínica e/ou epidemiológica. Estudos moleculares possibilitaram a caracterização de tipos e subtipos de T.cruzi, considerando-se o ponto de vista epidemiológico e de patogenia. A classificação proposta atualmente divide os tipos e subtipos de T. cruzi em seis linhagens: TCI, TCII, TCIII, TCIV, TCV, TCVI (Souto et al 1996, Brisse et al 2001, Zingales et al 2009). 8 2.2. Ciclo biológico Durante o ciclo de vida, T. cruzi apresenta basicamente quatro formas distintas dependendo do hospedeiro em que se encontre. Nos hospedeiros vertebrados são observadas as formas amastigotas intracelulares e tripomastigotas sanguíneas, enquanto nos hospedeiros invertebrados ocorrem as formas epimastigotas e tripomastigotas metacíclicas (Tyler & Engman 2001). Este parasito apresenta um ciclo de vida heteroxênico alternado entre hospedeiros invertebrados (triatomíneos), que atuam como seus vetores, e também uma grande variedade de hospedeiros mamíferos. Durante a fase no hospedeiro invertebrado, que se infecta pela ingestão de sangue durante o repasto sanguíneo, formas tripomastigotas sanguíneas sofrem diferenciação no estômago, originando formas esferomastigotas que ainda se transformam em epimastigotas. Em seguida, se aderem à superfície do intestino multiplicando-se intensamente. Na forma de epimastigotas migram para o intestino posterior atingindo o reto, transformando-se em tripomastigotas metacíclicas, os quais são eliminados nas fezes e urina do inseto vetor (Tyler & Engman 2001). Uma vez que as formas infectivas são depositadas na pele dos hospedeiros mamíferos, elas encontram as primeiras barreiras do sistema imune inato, como a pele e mucosas, que constituem barreiras físicas, e posteriormente com o sistema complemento (Kipnis & Da Silva 1989). No hospedeiro vertebrado, as formas tripomastigotas metacíclicas infectam as células nucleadas e diferenciam-se em amastigotas, uma forma proliferativa intracelular. Posteriormente, os amastigotas se diferenciam em formas tripomastigotas sanguíneas, as quais rompem as células hospedeiras e atingem a corrente sanguínea, podendo infectar novas células do hospedeiro ou serem ingeridas por triatomíneos na ocasião de um novo repasto. No intestino médio do triatomíneo, os parasitos transformam-se em epimastigota, reiniciando o ciclo (Tyler & Engman 2001). 2.3. Hospedeiros vertebrados de T. cruzi Mais de 180 espécies de mamíferos domésticos, sinantrópicos e silvestres são passíveis de estarem infectados com T. cruzi e participarem do ciclo de transmissão do parasito. Estes hospedeiros compõem oito ordens da classe Mammalia: Marsupialia, Edentata, Chiroptera, Carnivora, Rodentia, Primates, Lagomorpha, Artiodactyla (Jansen et al 1999, WHO 2002). Apesar da identificação de um grande número de espécies de mamíferos naturalmente infectados com T. cruzi, considera-se como hospedeiro reservatório uma espécie ou um grupo de espécies responsáveis pela manutenção em longo prazo de um dado parasito em um ambiente. Assim, estudos mais aprofundados são necessários para elucidar o papel de 9 algumas espécies na manutenção e/ou transmissão de T. cruzi na natureza (Noireau et al 2009). Os Marsupialia (gambás) e os Xenarthra (tatus e tamanduás) têm uma interação antiga com T. cruzi, sendo considerados os primeiros hospedeiros deste parasito (Deane et al 1984). Curiosamente, espécies do gênero Didelphis apresentam uma interação única com T.cruzi, pois esses animais são capazes de manter concomitantemente formas amastigotas de multiplicação nos tecidos e formas epimastigotas de multiplicação e diferenciação em suas glândulas de odor, sugerindo sua atuação tanto como reservatório como vetor de T. cruzi (Deane et al 1984). De maneira adicional, demonstrou-se que a metaciclogênese de T. cruzi na luz da glândula odorífera ocorre sem a adesão do parasito e pode ser significativa (envolvendo até 50% dos T. cruzi presentes), no entanto, a capacidade “vetorial” de Didelphidae em condições naturais ainda é desconhecida (Carreira et al 2001). No ambiente doméstico, o ser humano é o reservatório mais importante de T. cruzi conforme demonstrado por estudos de investigação da fonte alimentar, realizados a partir do conteúdo intestinal de triatomíneos, em países como Brasil, Chile, Costa Rica e Venezuela (WHO 2002). Adicionalmente, outros fatores podem ser considerados, tais como: a espectativa de vida dos seres humanos, com mais de 60 anos, e a parasitemia, que pode permanecer positiva por mais de 40 anos. No entanto, é importante ressaltar o papel significativo que desempenham os cães e gatos na dinâmica de transmissão, uma vez que são encontrados infectados com T. cruzi com frequência e também pelo fato de serem considerados animais sentinelas. Os anfíbios, répteis e aves são refratários à infecção, devido ao efeito lítico mediado pelo complemento do sistema imune do hospedeiro, entretanto, participam na manutenção de colônias de triatomíneos no peridomicílio (Kolien & Shaub 2000, WHO 2002). 3. Subfamília Triatominae 3.1. Taxonomia Os triatomíneos são insetos pertencentes à ordem Hemiptera, subordem Heteroptera, família Reduviidae, subfamília Triatominae. A principal característica biológica dos triatomíneos é sua condição hematofágica obrigatória. Todos os triatomíneos necessitam alimentar-se de sangue para completar o seu ciclo de desenvolvimento, entretanto, esses insetos podem exercer o coprofagismo, a predação (ingestão da hemolinfa de outros invertebrados) e a cleptohematofagia, quando se alimentam de sangue de animais vertebrados através da perfuração do intestino de outros insetos hematófagos (Sandoval et al 2000). Os 10 triatomíneos, também conhecidos como “barbeiros”, “vinchucas”, “chirimanchas”, “chupões” e “bicudos”, entre outros, apresentam coloração geral do corpo negra com padrão de elementos que variam do amarelo claro ao marrom, laranja e várias tonalidades de vermelho. Esses insetos são facilmente reconhecíveis por apresentarem um par de asas do tipo hemiélitros e aparelho bucal picador sugador, que permanece alojado em uma bainha ou rostro quando em repouso (Lent & Wygodzinsky 1979). Supõe-se que os integrantes da subfamília Triatominae evoluíram a partir de grupos de reduvídeos predadores que habitavam ninhos de animais, sendo a hematofagia obrigatória resultado de uma modificação evolutiva que se originou da hematofagia facultativa (Dujardin et al 1999, Paula et al 2005). Assim, a origem polifilética dos triatomíneos está fortemente apoiada na hipótese do comportamento e dos hábitos alimentares de grupos de triatomíneos que mantinham relações estreitas com determinados hospedeiros vertebrados. Entretanto, a origem dos triatomíneos é controversa, e muitos defendem a hipótese clássica de monofiletismo, que sustenta que a adaptação à hematofagia, que é considerada uma sinapomorfia do grupo, pode ter ocorrido uma única vez e, dessa forma, todas as espécies compartilham um ancestral comum exclusivo (Lent & Wygodzinsky 1979, Hypša et al 2002). Assim, o monofiletismo dos triatomíneos poderia ser suportado por três possíveis autapomorfias: i) hábito hematofágico, ii) presença de uma conexão membranosa flexível entre o 2º e 3º segmentos do rostro facilitando a sucção e iii) perda das glândulas de cheiro abdominais dorsais das ninfas (Lent & Wygodzinsky 1979, Galvão 2003). Atualmente, a sufamília Triatominae é composta por 147 espécies, classificadas em 5 tribos e 18 gêneros. As tribos Rhodniini e Triatomini compreendem os gêneros de maior importância epidemiológica (Rhodnius, Triatoma e Panstrongylus) enquanto as tribos Alberproseniini, Bolboderini, Cavernicolini têm menor importância. A distribuição geográfica dos triatomíneos abrange principalmente a região Neotropical, no entanto, 14 espécies são encontradas no Velho Mundo: seis do gênero Linchosteus, encontradas na Índia, e oito do gênero Triatoma, que ocorrem na África, Ásia e Austrália (Lent & Wygodzinsky 1979, Galvão et al 2003, Forero et al 2004, Poinar 2005, Costa et al 2006, Galvão & Angulo 2006, Bérenger & Blanchet 2007, Costa & Felix 2007, Martínez et al 2007, Sandoval et al 2007, Jurberg et al 2009, Schofield & Galvão 2009, Gonçalves et al 2013, Jurberg et al 2013, Poinar, 2013). 3.2. Domiciliação A domiciliação dos triatomíneos é um dos principais fatores para o aumento do risco de transmissão de T. cruzi para os seres humanos (Lent & Wygodzinsky 1979). As hipóteses 11 elaboradas para explicar o processo de domiciliação são controversas, admitindo-se que pode ter surgido a partir de um simples oportunismo das espécies de triatomíneos silvestres frente a escassez de fontes de alimento naturais ou a partir de um possível processo gradual de adaptação, onde o isolamento domiciliar tenderia, cada vez mais, à diferenciação desse comportamento. Esta diferenciação resultaria na possibilidade de evolução no sentido de população acentuada ou estritamente sinantrópica (Forattini 1980). Segundo Futuyma (1995), o termo adaptação pode ser definido como o processo pelo qual uma característica, devido ao aumento que confere o valor adaptativo, foi moldada por forças específicas de seleção natural, fixando a variação genética. Essas características permitem o desenvolvimento de uma certa harmonia com o ambiente, possibilitando o ajuste das espécies para a sua sobrevivência em um determinado local. As características préadaptativas ao sofrerem pequenas mudanças adaptativas, em virtude do processo evolutivo, atuam positivamente para a fixação de um novo caráter (Bock 1959). No caso dos triatomíneos, o ecletismo alimentar pode ser considerado uma característica pré-adaptativa que favoreceu o estabelecimento das populações no ecótopo domiciliar (Aragão 1975, 1983). Adicionalmente supõe-se que a adaptação ao ambiente antrópico pode ter favorecido a dispersão dos triatomíneos, não somente pela atuação de processos mecânicos associados à dispersão, mas pela pressão genético-seletiva a que as populações são submetidas no novo ambiente, uma vez que o domicílio minimiza as diferenças ambientais, sendo relativamente uniforme mesmo em diferentes condições climáticas (Forattini 1980, Aragão 1983). Em revisão realizada por Schofield e Dias (1999), os autores teorizam que o processo de domiciliação em triatomíneos pode ser considerado como uma extensão da rota evolutiva do hábito predador para o hábito hematofágico em ninhos-abrigo, onde o hábitat domiciliar representa um novo tipo de “ninho” de vertebrado. Os autores mencionam ainda que a domiciliação representa uma especialização. Os triatomíneos eram originalmente silvestres, mas algumas espécies tornaram-se domiciliadas em função de uma série de fatores. Entre os fatores determinantes da colonização dos triatomíneos nas habitações humanas estão às modificações antrópicas ambientais que conduziram ao desaparecimento de hospedeiros vertebrados, em uma dada região, que serviam como fonte alimento para esses insetos hematófagos, levando à busca por alimento no interior das casas. A natureza e qualidade das construções, assim como as condições de armazenamento de materiais e colheitas dentro e ao redor da casa são importantes determinantes da colonização do domicílio por esses vetores. Habitats intradomiciliares e peridomiciliares podem criar micro-habitats favoráveis que conferem proteção contra predadores. Entre os micro-habitats podem-se destacar rachaduras e fendas 12 nas paredes de barro ou de concreto, junções entre os tijolos, espaços entre pedaços de madeira da cama, embaixo de colchões, em telhados feitos de telhas ou folhas de palmeiras e pisos de terra. Outros fatores incluem a disponibilidade de sangue abundante dos seres humanos (WHO 2002). A constatação de que a epidemiologia da doença da Chagas está estritamente relacionada com a domiciliação dos vetores, onde a transmissão vetorial é favorecida pela coabitação vetor-homem, foi importante para a proposição de uma classificação dos triatomíneos, que levam em consideração o seu grau de domiciliação ou sinantropia, os quais se relacionam com o seu potencial vetorial (Silveira & Rezende 1994, Silveira 1999). Dessa forma, as espécies podem ser reunidas nos seguintes grupos: i) espécies estritamente domiciliadas ou excepcionalmente encontradas em ecótopos naturais; ii) espécies encontradas em ambos os ecótopos domésticos e silvestres, com frequentes colônias domiciliadas; iii) espécies silvestres, principalmente, mas às vezes capturados no ambiente doméstico; e iv) espécies encontradas exclusivamente nos ecótopos silvestres (Zeledón 1974). Esta classificação apresenta também importantes implicações para o controle, pois dependendo do grau de adaptação de diferentes espécies vetoras a ecótopos artificiais, principalmente o domicílio humano, a vulnerabilidade do triatomíneo ao controle será maior ou menor. Espécies introduzidas, alóctones, são passíveis de eliminação e, uma vez eliminadas, isso pode significar a interrupção da transmissão vetorial em determinada área, desde que não existam, neste local, espécies nativas e desde que se impeça a reinfestação a partir de outras áreas. Considerando as espécies autóctones, o controle esperado é a eliminação de colônias domiciliadas e o impedimento da recolonização pela manutenção de ações de vigilância entomológica. Por meio dessas ações evita-se a continuidade do risco de transmissão (Silveira & Dias 2011). 3.3. Controle vetorial no Brasil A doença de Chagas não pode ser erradicada por se tratar de uma zoonose, uma vez que o protozoário circula entre homens e animais. O grande número de animais reservatórios também torna impossível a eliminação de todas as fontes de infecção. Adicionalmente, não há vacinas eficazes ou tratamentos antiparasitários disponíveis para cura na fase crônica da doença. Dessa forma, o controle da transmissão vetorial por meio da aplicação de inseticidas para matar triatomíneos domiciliados, juntamente com a melhoria das casas para torná-las refratária a colonização dos vetores, são as medidas disponíveis e viáveis para reduzir as oportunidades de interação entre os vetores e seres humanos e, consequentemente, a transmissão de T. cruzi (WHO 2013). 13 No Brasil, o Programa Nacional de Controle da Doença de Chagas foi implementado em 1975-1983, quando o principal vetor, Triatoma infestans Klug, 1834, espécie alóctone e estritamente domiciliada, infestava domicílios de 700 municípios em 12 estados brasileiros (Silveira et al 1984). Em 1991, o Brasil uniu-se a Iniciativa do Cone Sul, um consórcio internacional formado por Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai, Uruguai, e mais tarde Peru, com o objetivo principal de reduzir a transmissão vetorial através da aplicação de inseticidas contra T. infestans (Silveira & Vinhaes 1999). A definição adotada para eliminação deste vetor foi “a falta de detecção de espécimes de T. infestans nos domicílios por um período mínimo de três anos em uma área com vigilância entomológica estabelecida”. Após 15 anos de esforços, em 2006, na Conferência da Iniciativa do Cone Sul, a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) certificou o Brasil como livre da transmissão vetorial por T. infestans (Silveira & Dias 2011, Gurgel-Gonçalves et al 2012a). Embora o Brasil tenha conquistado o status de interrupção da transmissão vetorial por T. infestans em seu território, atualmente ainda são detectados focos residuais desse vetor (Silveira 2011). A existência de focos remanescentes de T. infestans torna imperativo a manutenção de ações de vigilância que impeçam o repovoamento e a dispersão dessas populações no território nacional. Outra questão importante é que apesar da quase completa eliminação das populações de T. infestans, espécies de vetores nativas começaram e/ou continuaram invadindo o domicílio, o que possibilitou, em alguns casos, a colonização das habitações humanas e estruturas peridomiciliares (Costa 1999, Almeida et al 2000, Costa & Lorenzo 2009, Silveira 2011). As espécies autóctones representam grande desafio para o controle vetorial, porque ao contrário das espécies introduzidas domiciliadas, que são passíveis de eliminação, as espécies nativas não podem ser eliminadas do intradomicílio, visto que podem eventualmente restabelecer colônias a partir de focos vizinhos ou silvestres. Assim, faz-se necessário a sustentabilidade dos níveis de controle alcançados para a transmissão vetorial domiciliar, a fim de evitar a reemergência ou emergência da doença de Chagas nas diferentes regiões do país (Silveira, 2011). 3.4. Complexo Triatoma brasiliensis Complexo de espécies crípticas pode ser definido como um conjunto de duas ou mais espécies indistinguíveis por métodos morfológicos (pelo menos superficialmente) e que são ou foram classificadas em um mesmo táxon (Bickiford et al 2000). Outros autores consideram que tais espécies devam apresentar ainda divergência evolutiva recente, sejam separáveis apenas no nível molecular, ocorram em simpatria e apresentem isolamento reprodutivo 14 (Stebbins 1950 apud Bickiford et al 2000). A ocorrência de complexos é comum entre os artrópodes, inclusive nos de importância médica, como os triatomíneos. Os membros do gênero Triatoma são agrupados em complexos e subcomplexos com base em semelhanças morfológicas, distribuição geográfica, importância epidemiológica, relações filogenéticas entre outros. Até a presente data, não há consenso sobre as características que definem complexos (Usinger et al 1966, Costa e Lorenzo 2009, Rosa et al 2012). Triatoma brasiliensis foi descrita por Neiva em 1911, a partir de exemplares provenientes de Caicó, Rio Grande do Norte. Posteriomente, Neiva e Lent (1941), ao examinarem exemplares oriundos do município de Espinosa, Minas Gerais, conferiram o status subespécífico a esse novo padrão: Triatoma brasiliensis melanica Neiva & Lent, 1941, por se considerar uma variação do padrão cromático de T. brasiliensis. Anos mais tarde, Galvão (1956), com base em espécimes dos municípios de Petrolina, estado de Pernambuco e Curaçá, estado da Bahia, ilustrou e caracterizou uma nova subespécie em uma chave taxonômica: Triatoma brasiliensis macromelasoma Galvão, 1956. Mais tarde, Lent e Wygodzinsky (1979) sugeriram uma sinonímia para as subespécies de T. brasiliensis, afirmando que formas intermediárias poderiam ser encontradas na natureza. Estudos foram desenvolvidos visando a geração de dados que oferecessem mais suporte para a elucidação do status taxonômico, história evolutiva e importância epidemiológica das diferentes unidades evolutivas de T. brasiliensis. Pesquisas conduzidas sobre essas diferentes populações, tais como “brasiliensis”, coletadas em Caicó (RN); “melanica”, coletada em Espinosa (MG), “macromelasoma” coletada em Petrolina (PE) e “juazeirensis”, coletadas em Juazeiro (BA), mostraram que T. brasiliensis é uma espécie politípica compreendendo diferentes populações com potenciais epidemiológicos distintos (Costa et al 1997a, Costa et al 1997b, Costa & Marchon-Silva 1998, Monteiro et al 2004). De forma adicional, outras pesquisas indicaram diferenças nessas populações, como estudos morfológicos, que demonstraram diferenças na ornamentação no exocório dos ovos e na coloração dos adultos (Costa et al 1997a). Do mesmo modo, estudos isoenzimáticos por eletroforese mostraram, através da análise de nove loci, significativas distâncias genéticas (Costa et al 1997b). Outra importante contribuição foi obtida através de estudos ecológicos com os quais foi possível provar por modelagem de nicho ecológico que os padrões de coloração dessas diferentes populações são estáveis e não influenciados pelos diferentes ambientes em que estão distribuídas, além de mostrar também na matriz de distância ecológica a diferenciação de cada um dos membros do complexo T. brasiliensis (Costa et al 2002). Além disso, estudos biológicos detectaram baixa compatibilidade reprodutiva em 15 cruzamentos experimentais entre as populações “brasiliensis” e “melanica” (Costa et al 2003b). Mediante o desenvolvimento de estudos moleculares por análise das sequencias de DNA mitocondrial do gene Cyt B foi possível detectar distâncias genéticas significantes entre as unidades evolutivas (Monteiro et al 2004). Essas evidências mostraram que as quatro populações distintas (“brasiliensis”, “melanica”, “macromelasoma” e “juazeirensis”) são entidades taxonômicas. Através da técnica de agrupamento de clados e análises filogeográficas, foi possível demonstrar ainda que os taxa acima mencionadas foram resultado de expansão populacional seguida por fragmentação ocorrida no passado e que a diferenciação ocorreu devido ao isolamento por distância geográfica, mostrando quatro agrupamentos bem definidos, e demonstrando também que as unidades evolutivas “juazeiro” e “melanica” apresentaram maior distância genética em relação ao taxon “brasiliensis” (Monteiro et al 2004). A avaliação integrada das evidências geradas pelos estudos supracitados fundamentaram a proposição de que a espécie T. brasiliensis trata-se de um grupo monofilético, sendo considerado um complexo de espécies denominado “complexo de espécies Triatoma brasiliensis”, o qual é composto por: Triatoma brasiliensis brasiliensis, Triatoma brasiliensis macromelasoma, Triatoma juazeirensis Costa & Felix, 2007 e Triatoma melanica (Figura 1.5 A-C e E). 16 A B C F T. b. brasiliensis Neiva, 1911 T. b. macromelasoma Galvão, 1956 G T. juazeirensis Costa & Felix, 2007 T. sherlocki Papa et al 2002 T. melanica Neiva & Lent 1941 Fotos: Vanessa Lima Neiva E D Figura 1.5: Membros do complexo de espécies Triatoma brasiliensis: A. Triatoma b. brasiliensis (verde), B. Triatoma b. macromelasoma (roxo), C. Triatoma juazeirensis (vermelho), D. Triatoma sherlocki (laranja) e E. Triatoma melanica (azul). Escala: 0,5 cm. F. Mapa de hipótese Ms (linhas) e os dados de ocorrência (pontos) para todos os membros. G. Dados de ocorrência (pontos) e distribuições potenciais atuais para todos os membros. Fonte: Adaptado de Costa et al dados não publicados. 17 Em 2009, Mendonça et al realizaram o sequenciamento de fragmentos do DNA mitocondrial (Cyt B e RNA ribosomal 16S) de Triatoma sherlocki Papa, Jurberg, Carcavallo, Cerqueira & Barata, 2002, sugerindo sua inclusão neste complexo de espécies (Figura 1.5 D). Costa et al (2013), com base nos resultados dos estudos multidisciplinares, elaboraram chave de identificação incluindo os cinco membros do complexo de espécies T. brasiliensis. O complexo T. brasiliensis apresenta-se distribuído em 12 estados do Brasil, ocorrendo principalmente nos biomas caatinga e cerrado (Costa et al 2003a, Almeida et al 2009). Os integrantes deste complexo apresentam diferenças em termos de importância epidemiológica, considerando a sua distribuição geográfica, a taxa de infecção natural por T. cruzi e a capacidade de infestar o peridomicílio e colonizar o interior das casas (Costa et al 2003a, Costa et al 2006, Costa & Felix 2007, Almeida et al 2009). Entre os membros do complexo, T. b. brasiliensis é considerado o mais importante vetor da doença de Chagas em áreas semi-áridas do nordeste brasileiro, uma vez que apresenta uma das mais altas taxas de infecção por T. cruzi, exibe altos índices de infestação intradomiciliar em alguns estados, além da sua ampla distribuição geográfica, sendo encontrado em: Alagoas, Ceará, Maranhão, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe. Em Goiás e Tocantins sua presença é eventual e parece estar correlacionada ao transporte passivo desses vetores, já que através de buscas exaustivas nesses estados não foi possível encontrar T. b. brasiliensis no ambiente silvestre (Costa et al dados não publicados). Costa et al (dados não publicados) analisaram o potencial de distribuição de cada membro do complexo T. brasiliensis, por meio da aplicação da modelagem de nicho ecológico, e avaliaram o potencial para colonizar novas áreas atualmente (Figura 1.5 G) e em resposta às mudanças climáticas para o período 2020-2050 (Figura 1.5 F). Os resultados sugerem que, apesar de não ocorrerem mudanças na distribuição dos membros do complexo em grande escala em reação às mudanças climáticas nesta região, a subespécie mais provável para colonizar novas áreas é T. b. brasiliensis. Projeções da modelagem sugerem que este vetor poderia encontrar condições adequadas na parte central do cerrado, em Tocantins e Goiás, noroeste de Minas Gerais e oeste da Bahia. Corroborando esses dados deve-se considerar que esta subespécie é conhecida por ter alta variabilidade genética (Costa et al 1997b, Monteiro et al 2004) e hábitos alimentares ecléticos, incluíndo sangue humano (Costa et al 1998, Alencar 1987), de tal forma que pode ser capaz de explorar novas possibilidades ambientais e ecológicas. Além disso, este vetor é encontrado em outros ecótopos diferentes do intradomicílio, como no ambiente silvestres (pedregais) e no peridomicílio (galinheiros, currais, pombais, etc) (Costa et al 2003a). 18 Triatoma melanica está distribuido no estado de Minas Gerais (Figura 1.5 E, G), apresenta hábitos exclusivamente silvestres (predregais), podendo, eventualmente, invadir o domicílio, principlamente nos períodos mais secos. Apesar de ser encontrada naturalmente infectada por T. cruzi (Costa et al 1998), ainda não foi encontrada colonizando o interior das casas (Costa et al 2003a). Triatoma b. macromelasoma precisa ser melhor estudado quanto à suscetibilidade ao parasito T. cruzi, pois ainda não foi encontrado positivo para esse protozoário (Costa et al 1998, Gumiel 2011). Sua distribuição geográfica está restrita ao estado de Pernambuco, com exceção da zona da mata e da região metropolitana (Figura 1.5 B, G). Entretanto, essa subespécie é capturada com frequência no peridomicílio, mas pode também ser encontrada no interior do domicílio, formando numerosas colônias (Costa et al 1998, 2003a). Triatoma juazeirensis é encontrado com facilidade no peridomicilio e no ambiente silvestre (pedregais), e também invadindo e colonizando o interior das casas. Encontra-se distribuída no estado da Bahia e alguns espécimes foram capturados no sudoeste de Pernambuco (Figura 1.5 E, G). Espécimes coletados recentemente no ambiente silvestre no estado da Bahia apresentaram taxa de infecção natural por T.cruzi (Costa et al, comunicação pessoal). Triatoma sherlocki parece estar restrito à região noroeste central do estado da Bahia (município de Gentio do Ouro) (Figura 1.5 D, G). Embora tenha sido considerado exclusivamente silvestre, recentemente foram encontradas ninfas e adultos no intradomicílio na localidade de Encantado, indicando que essa espécie encontra-se em um possível processo de domiciliação. Espécimes coletados no ambiente silvestre nas adjacências dos domicílios das localidades de Santo Inácio e de Encantado apresentaram taxa de 10,9% de infecção natural por T. cruzi (Almeida et al 2009). 3.5. Triatoma sherlocki Em 1975, 127 espécimes silvestres de uma espécie não identicada foram coletados na localidade de Santo Inácio, município de Gentio do Ouro, estado da Bahia. Esta mesma região era reconhecida como de ocorrência de Triatoma bahiensis Sherlock & Serafim, 1967, Triatoma pessoai Sherlock & Serafim, 1967 e Triatoma lenti Sherlock & Serafim, 1967. Em 1979, Lent e Wygodzinsky estudaram essas três espécies em busca de caracteres morfológicos e morfométricos que permitissem a separação específica, no entanto, encontraram apenas variações que não eram suficientes para caracterizá-las, o que levou esses autores a sinonimizar essas espécies. 19 Cerqueira (1982) apud Papa et al (2002) realizou um estudo de morfologia e biogenética por meio de cruzamentos experimentais entre T. brasiliensis (provavelmente T. juazeirensis, pois foi coletado na Bahia) e espécimes silvestres coletados em Santo Inácio, visando avaliar a compatibilidade genética por meio da obtenção de híbridos. Após um estudo morfológico, concluiu-se que a espécie (não identificada) poderia ser uma subespécie de T. brasiliensis, classificando-a como Triatoma brasiliensis santinacensis Cerqueira, 1982. As tentativas de obtenção de híbridos em laboratório dos espécimes silvestres e T. lenti não tiveram sucesso ou demonstraram que os híbridos apresentavam dificuldades de adaptação, com altos índices de mortalidade durante os estádios ninfais (Cerqueira 1982 apud Papa et al 2002, Heitzemann-Fontenele 1983). Apesar de T. sherlocki ter sido primeiramente descrito como uma subespécie de T. brasiliensis, um estudo morfológico detalhado comparativo dos espécimes coletados em 1975 em Santo Inácio e de T. lenti foi realizado. Esse estudo compreendia as comparações das estruturas fálicas, do escutelo, do pronoto, do conexivo e das asas anteriores e posteriores. Através das análises morfológicas comparativas foi possível identificar características morfológicas específicas e consistentes, tais como as estruturas da genitália, as asas anteriores reduzidas e as manchas vermelho-alaranjadas do conexivo e pernas, o que levou a descrição Foto: Vanessa Lima Neiva de Triatoma sherlocki como uma nova espécie (Figura 1.6) (Papa et al 2002). Figura 1.6. Triatoma sherlocki. Escala: 0,5 cm. Triatoma sherlocki foi originalmente considerado como exclusivamente silvestre na ocasião da sua descrição, em 2002. Entretanto, anos mais tarde, Almeida et al (2009), realizando pesquisas entomológicas em 2007 e 2008 no município de Gentio do Ouro, 20 reportaram pela primeira vez a ocorrência dessa espécie no ambiente silvestre em uma outra localidade, Encantado, onde foi realizado também o primeiro registro de um possível processo de colonização do domicílio. Essas investigações foram conduzidas nas localidades de Santo Inácio e Encantado no ambiente silvestre e domiciliar, visando vistoriar e realizar a coleta desse vetor em diferentes ecótopos, e no laboratório pesquisar a presença de T. cruzi, bem como discutir suas implicações epidemiológicas. Em Encantado, das 19 casas pesquisadas, 6 estavam positivas para T. sherlocki no intradomicílio: dois machos e duas fêmeas foram encontrados em casas de barro; dois machos, duas fêmeas e três ninfas em casa de barro e rocha e dois machos em casas construídas apenas com rochas. Apesar da presença de ninfas e adultos no interior das casas, observou-se baixo número de exemplares. Adicionalmente, foi detectada uma alta diversidade de predadores, especialmente aranhas, como Bothriurus asper Pocock, 1893, possivelmente responsável pela baixa densidade de triatomíneos (Almeida et al 2009). De acordo com registros da FUNASA, em sua localidade-tipo (Santo Inácio), embora ocorram invasões domiciliares, nunca foi constatado qualquer indício de domiciliação de T. sherlocki. No ecótopo silvestre foram coletados 70 espécimes de T. sherlocki, dos quais 64 foram examinados para infecção por T. cruzi. Dos 64 espécimes examinados, 10,9% apresentaram infecção natural por T. cruzi (Almeida et al 2009). Este ambiente natural incluía formações rochosas desprovidas de vegetação, onde este vetor colonizava fendas, fragmentos de rochas e sua superfície, sendo capturados no momento em que saíam para o repasto noturno (Almeida et al 2009). Em seu micro-hábitat, este triatomíneo divide seu abrigo com roedores, Kerodon rupestris (Wied-Neuwied, 1820), animal muito comum neste tipo de ambiente (Cerqueira 1982 comunicação pessoal apud Mendonça et al 2009). Triatoma sherlocki é uma espécie braquíptera e experimentos de laboratório determinaram que ela não é capaz de voar, entretanto a sua capacidade de dispersão pode ser favorecida por pernas longas (Almeida et al 2012). Aspectos ecológicos sobre T. sherlocki foram registrados, tais como: captura de ninfas e adultos nas habitações humanas da localidade de Encantado, registros de invasões dos domicílios em Santo Inácio, existência de populações silvestres nas duas localidades, estudos sobre a infecção natural por T. cruzi. Entretanto, aspectos de sua biologia e estudos sobre a eficiência na transmissão desse protozoário são inexistentes. Experimentos para caracterizar a biologia e aspectos comportamentais das diferentes espécies de triatomíneos são imprescindíveis para apoiar as atividades de vigilância entomológica da doença de Chagas, tendo também importância operacional nas atividades de controle e/ou eliminação de espécies que apresentem tendências à domiciação. 21 4. Parâmetros biológicos dos vetores e sua importância para a transmissão de T. cruzi Os estudos dos parâmetros biológicos são especialmente importantes para determinar o potencial vetorial dos triatomíneos, pois fornecem informações específicas sobre os diferentes graus de comportamento e interação entre as espécies vetoras e o hospedeiro (Dias 1956). Distintas características biológicas podem ser detectadas entre espécies, entre os estádios de desenvolvimento ou entre machos e fêmeas da mesma espécie, os quais podem apresentar diferentes capacidades infectivas (Zeledon et al 1977, Reisenman et al 2011). Por esses motivos, o desenvolvimento desses estudos é de crucial importância, visto que a generalização dos resultados obtidos para algumas espécies podem levar a conclusões equivocadas. As investigações sobre a biologia dos vetores são de grande interesse para o controle vetorial, pois fornecem informações úteis para auxiliar o planejamento das medidas de controle dos vetores em diferentes áreas endêmicas, além de gerar informações úteis para a manutenção de colônias em condições de laboratório (Perlowagora-Szumlewicz 1969, Costa 1999). Segundo Lent e Wygodzinsky (1979), todas as espécies de triatomíneos são vetores potenciais, mas somente algumas espécies apresentam condições essenciais para passar de vetor potencial para vetor efetivo da doença de Chagas em humanos. Entre as características destacadas por esses autores, encontra-se o curto intervalo de tempo entre a alimentação e a defecação, parâmetro diretamente associado à eficiência na transmissão de T. cruzi. Além do comportamento alimentar e de defecação, outros parâmetros podem atuar de forma indireta, aumentando as chances de transmissão, tais como: a fecundidade, a fertilidade e a longevidade, que permitem estimar a capacidade de colonização (Perlowagora-Szumlewicz 1969, Brasileiro 1984). Adicionalmente, vários autores ressaltaram a importância da resistência ao jejum, estratégia de sobrevivência que permite ao vetor manter-se vivo por longos períodos de privação alimentar, favorecendo a reinfestação do domicílio após a aplicação do inseticida (Pellegrino 1952, Perlowagora-Szumlewicz 1969, Gonçalves et al 1989, Cailleaux et al 2011). 4.1. Ciclo biológico Os aspectos bionômicos dos triatomíneos têm sido estudados desde a descoberta da doença de Chagas em 1909, quando Neiva em 1910 publicou as primeiras informações sobre P. megistus, ainda situado no gênero Conorhinus. O ciclo de vida dos triatomíneos, assim como outros parâmetros biológicos, varia de acordo com as condições ambientais onde vivem 22 e é fortemente influenciado pela disponibilidade de fontes sanguíneas adequadas (Lent & Wygodzinsky 1979). Vários estudos demonstraram que o período de incubação dos ovos e o tempo de desenvolvimento ninfal e adulto tornam-se mais curtos em temperaturas mais elevadas (Perlowagora-Szumlewicz 1969, Juarez 1970, Rangel 1982). Desta forma, algumas espécies apresentam duas gerações por ano. Isso aumenta a sua capacidade proliferativa em relação às espécies que exibem apenas uma geração por ano, favorecendo o aumento da densidade das colônias intradomiciliares e consequentemente a interação vetor-hospedeiro, uma vez que o inseto precisa satisfazer suas necessidades tróficas. Segundo Juarez (1970), o número de repastos sanguíneos realizados pelos vetores ao longo de sua vida tem grande importância epidemiológica, uma vez que quanto mais contatos ocorrerem entre vetor e hospedeiro, maior será a possibilidade de aquisição e/ou transmissão do T. cruzi. 4.2. Comportamento alimentar e de defecação Os estudos sobre o comportamento alimentar e de defecação dos triatomíneos proporcionam uma maior compreensão dos hábitos destes insetos relacionados à transmissão de T. cruzi. O primeiro estudo onde se avaliou a rapidez com que os triatomíneos eliminam dejeções foi realizado por Wood (1951), demonstrando que as espécies da América do Norte Triatoma protracta (Ulher, 1894), Triatoma rubida (Ulher, 1894) e Paratriatoma hirsuda Barber, 1938 não apresentam um comportamento de defecação que favoreça a transmissão de T. cruzi para humanos. No Brasil, quem primeiramente realizou observações em condições de laboratório sobre o comportamento alimentar e de defecação dos triatomíneos foi Dias (1956). Em seu estudo, foi demonstrado que Rhodnius prolixus Stål, 1859 era dotado de características biológicas que favoreciam a transmissão de T. cruzi em relação às outras espécies: Triatoma infestans, Rhodnius neglectus Lent, 1954, Triatoma sordida (Stål, 1859), Panstrongylus megistus e Triatoma vitticeps (Stål, 1859). Desde então, vários autores estudaram esse comportamento, gerando importantes informações para inferir sobre a capacidade vetorial para várias outras espécies de triatomíneos. De acordo com Guarneri et al (2000), quanto mais eficiente é a espécie no processo de alimentação, mais curto será seu tempo de contato com o hospedeiro e maior será a sua chance de sobrevivência. Por outro lado, espécies que necessitam de longos períodos de tempo para a alimentação apresentam maior probabilidade para a transmissão de T. cruzi, pois o contato prolongado com o hospedeiro aumenta a chance de defecação durante a alimentação (Zeledón et al 1977, Galvão et al 1995). Outro fator relevante proposto por Zeledón et al (1977) refere-se ao fato de espécies que defecam até 10 minutos após realizarem um repasto 23 sanguíneo serem consideradas vetores potencialmente eficazes de T. cruzi, uma vez que esses vetores ainda estariam em contato com o seu hospedeiro. Dessa forma, vários estudos com o intuito de ampliar os parâmetros para definir de forma precisa o potencial vetorial das diversas espécies de triatomíneos foram realizados, tais como: T. infestans (Dias 1956, Zeledón et al 1977, Rodriguez et al 2008); R. prolixus (Dias 1956, Zeledón et al 1977); P. megistus (Dias 1956); T. sordida (Dias 1956, Crocco & Catalá 1996); T. brasiliensis (Soares et al 2000); Triatoma pseudomaculata Corrêa & Espinola, 1964 (Heitzmann-Fontenelle 1972, Gonçalves et al 1997); T. vitticeps (Gonçalves et al 1988); Triatoma rubrovaria (Blanchard, 1843) (Almeida et al 2003); Triatoma maculata (Ericsson, 1848) (Luitgards-Moura et al 2005); Rhodnius ecuadoriensis (Lent & León, 1958) (Villacís et al 2008); Rhodnius neglectus (Barreto-Santana et al 2011); Triatoma rubida (Reisenman et al 2011, Martinez-Ibarra et al 2012). 4.3. Resistência ao jejum Com relação a resistência ao jejum, é importante ressaltar a sua importância para o entendimento do aspecto epidemiológico, uma vez que esse parâmetro pode afetar a capacidade destes insetos de suportar longos períodos de privação alimentar (Pellegrino 1952). Desta forma, os insetos permanecem refugiados em profundas fendas nas paredes das casas por um tempo suficiente para escapar de inseticidas de ação residual (Dias 1965, Perlowagora-Szumlewicz 1969, Cortéz & Gonçalves 1998). Essa estratégia permite a sobrevivência dos insetos que escaparam do inseticida, propicia a repopulação do intradomicílio e possibilita o transporte passivo, principalmente nas formas jovens. Em hábitats naturais, as espécies que suportam longos períodos de jejum, devido a uma eventual escassez de alimento, podem se dispersar favorecendo a colonização de novos hábitats e consequentemente o aparecimento de novos casos da doença de Chagas (Pellegrino 1952). Este estudo analisou as características bionômicas de T. sherlocki, um dos vetores da doença de Chagas considerado de menor importância epidemiológica devido a sua limitada distribuição geográfica e também por ser encontrado predominantemente em ambiente silvestre. Entretanto, estudos recentes reportaram que populações silvestres apresentam significativas taxas de infecção natural e podem estar em um possível processo de domiciliação na localidade de Encantado, Gentio do Ouro, Bahia, o que ressalta a relevância de se aprofundar os conhecimentos sobre essa espécie. 24 II. OBJETIVOS 1. Geral Avaliar experimentalmente características biológicas relacionadas ao potencial vetorial de Triatoma sherlocki. 2. Específicos Avaliar a taxa de infecção natural por T. cruzi dos espécimes de T. sherlocki coletados nas localidades de Santo Inácio e Encantado, município de Gentio do Ouro, Bahia, Brasil. Registrar aspectos do ciclo biológico de T. sherlocki em condições de laboratório. Analisar o comportamento alimentar e de defecação de T. sherlocki em condições de laboratório. Determinar a resistência ao jejum de T. sherlocki em condições de laboratório. 25 III. MATERIAL E MÉTODOS Fluxograma da realização do presente estudo: Coleta de T. sherlocki 2009 Santo Inácio Encantado 2010 Santo Inácio Infecção natural por T. cruzi Estabelecimento de colônias Comportamento alimentar e de defecação Aspectos do ciclo biológico Organização dos dados Análises estatísticas 26 Resistência ao jejum 1. Área de estudo O estado da Bahia [12º58’16”S; 38º30’39”O (capital)] está situado ao sul da Região Nordeste do Brasil. O clima tropical é predominante na Bahia, mas no sertão o clima é o semiárido e os índices pluviométricos são baixos, resultando em longos períodos de seca. Fitogeograficamente, a Bahia possui três grandes formações vegetais: a caatinga, vegetação predominante; a floresta tropical úmida, que se distribui na região ocidental; e o cerrado, que ocupa a região sudeste do estado. Dentre os estados nordestinos, a Bahia apresenta a maior extensão territorial, 567.295,669 Km², sendo composta por 417 municípios (IBGE 2013) (Figura 3.1). O município de Gentio do Ouro (11º26’14”S; 42º30’50”O), área conhecida para a ocorrência de T. sherlocki, localiza-se na região noroeste do estado da Bahia, possui 3.699,872 Km2 de extensão e uma população estimada em 10.622 habitantes (2010) (IBGE 2013) (Figuras 3.1 e 3.2). Este município encontra-se próximo à região conhecida como Chapada da Diamantina, cujo território é formado por 24 municípios, caracterizando-se por áreas planálticas e serranas, intercaladas por depressões periféricas e interplanálticas. O território de Gentio do Ouro apresenta formações rochosas que se inserem no bioma caatinga, um mosaico de vegetação formado por indivíduos de pequeno a médio porte, com arbustos espinhosos e plantas xerófilas, adaptadas ao clima semiárido (Foratini 1980). O distrito de Santo Inácio (11º06’46”S; 42º43’06”O) e a vila de Encantado (11º13’20”S; 42º46’37”O) constituem as duas localidades estudadas, localizadas entre 37 a 42 Km do centro de Gentio do Ouro. Estas comunidades se situam nas porções mais altas do município (aproximadamente 596 m de altitude) e não apresentam diferenças acentuadas em termos de características climáticas básicas (Tabela 3.1). Santo Inácio foi colonizado logo após a descoberta do ouro na região, por volta de 1840. Apresenta-se como um distrito bem estruturado em relação à vila de Encantado, possui somente algumas ruas pavimentadas com paralelepípedo e fornecimento de energia elétrica (Figura 3.3 A-B). A economia local atualmente baseia-se na extração de diamantes em pequena escala e ecoturismo. De acordo com a FUNASA (Fundação Nacional de Saúde), existem 151 habitações neste distrito, com uma população de aproximadamente 350 habitantes. Todas as casas são feitas de concreto e algumas com anexos para animais domésticos (Almeida et al 2009). O ambiente silvestre apresenta-se com formações rochosas com arbustos espinhosos, típicas do clima semiárido (Figura 3.3 C-D). 27 Gentio do Ouro Brasil Bahia Figura 3.1: Pontos de coleta de Triatoma sherlocki e distância em linha reta entre as localidades de Santo Inácio e Encantado, município de Gentio do Ouro, Bahia, Brasil. 28 Figura 3.2: Município de Gentio do Ouro, Bahia, Brasil. Fonte: Google Earth, 2013. Tabela 3.1. Algumas características climáticas e ambientais obtidas pelo sistema de informação geográfica (SIG) para as duas áreas conhecidas de ocorrência de T. sherlocki. Fonte: Adaptado de Almeida et al (2009). Localidades Encantado Santo Inácio Temperatura média anual (ºC) 24,8 24,8 Média de variação da temperatura diurna (ºC) 13,7 13,8 Temperatura máxima do mês mais quente (ºC) 33,4 33,7 Temperatura mínima do mês mais frio (ºC) 15,2 14,8 Precipitação anual (mm) 736 692 Precipitação do mês mais chuvoso (mm) 127 122 0 0 598 595 Precipitação do mês mais seco (mm) Elevação (m) 29 Fotos: Vanessa Lima Neiva Figura 3.3. A. Casas construídas de concreto encontradas no distrito de Santo Inácio, Gentio do Ouro, Bahia. B. ruas pavimentadas, C. ecótopo silvestre onde foram coletados espécimes de Triatoma sherlocki, D. fendas (seta sólida), buracos (seta tracejada) e no detalhe fezes de roedores (seta pontilhada) nos complexos rochosos. Encantado consiste em uma pequena comunidade de mineração informal estabelecida há aproximadamente 10 anos, localizada em uma área de difícil acesso. Possui apenas 19 casas construídas de forma precária com materiais disponíveis no ambiente: barro e rochas, folhas de palmeira, rochas e ainda somente barro (Figura 3.4 A-C). As casas são inseridas, em alguns casos, diretamente no ambiente silvestre, onde também se observou poucas alterações nos habitats naturais ao redor desta vila em relação a Santo Inácio (Figura 3.4 D). Segundo Almeida et al (2009), estima-se que 95 pessoas residam em Encantado, trabalhando na extração de rochas ornamentais. No entanto, nem todos são residentes permanentes, alguns migram para outros locais durante a época das chuvas (novembro a março) para trabalhar na agricultura. A distância em linha reta entre Santo Inácio e Encantado é de 13,7 km (Figura 3.1). As localizações geográficas e as distâncias foram estimadas usando um GPS TrackMaker (Junior 2007). 30 Fotos: Vanessa Lima Neiva Figura 3.4. Tipo de casas encontradas na Vila de Encantado, Gentio do Ouro, Bahia. A. Folha de palmeira, B. Rochas, C. Barro, D. Ecótopo Silvestre. 2. Coleta de Triatoma sherlocki As coletas foram realizadas em diferentes pontos das localidades de Santo Inácio e Encantado, em Maio de 2009 e Agosto de 2010. As pesquisas entomológicas contaram com o apoio de técnicos da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), sendo realizadas no ecótopo intradomiciliar, peridomiciliar e silvestre. O ecótopo intradomiciliar foi definido como ambientes de unidades domiciliares fechadas por portas, compreendendo casas ou anexos, onde principalmente humanos circulam. Os ecótopos peridomiciliares foram caracterizados como o ambiente no entorno da casa, em um raio de 50 m, onde animais domesticados (caprinos, suínos, bovinos e galinhas) dormem ou são criados. O ambiente silvestre foi determinado após um raio de 200 m, onde não se avistava casas e sim inúmeras formações rochosas, ecótopos onde triatomíneos são encontrados. As capturas no intradomicílio foram realizadas durante o dia, sendo examinados fendas nas paredes, atrás de mobiliáriarios, objetos encostados na parede e os espaços em baixo das camas e outros móveis. Da mesma forma, no peridomicílio, foram vistoriadas pilhas de telhas, 31 pedras e madeiras. As coletas no ecótopo silvestre foram iniciadas ao pôr do sol às 17:00h e se estenderam até às 20:00h, momento em que não se avistou mais triatomíneos, sendo as capturas feitas manualmente e com o auxílio de pinças. Os espécimes coletados foram acondicionados em recipientes plásticos (4x4x9 cm), devidamente rotulados com as informações de procedência, e transportados para o laboratório para o estabelecimento de colônias mantidas no Laboratório de Transmissores de Leishmanioses-Setor de Entomologia Médica e Forense do Instituto Oswaldo CruzFIOCRUZ em condições controladas de temperatura 24,6 ± 1,3°C e umidade relativa 71,4 ± 6,3% (não controlada). A identificação taxonômica foi realizada com base no trabalho de Papa et al (2002). Tanto as colônias quanto os espécimes selecionados para os estudos dos parâmetros biológicos foram alimentados semanalmente em camundongos Mus musculus (Linnaeus, 1758), anestesiado com cloridrato de xilazina 2%, dose 0,08 ml/100g de peso como pré-anestésico, e cloridrato de quetamina 5%, dose 0,2 ml/100g de peso como anestésico geral, ambos pela via intraperitonial, procedimento aprovado pelo Comitê de Ética no Uso de Animais (CEUA) da Fundação Oswaldo Cruz, licença LW-18/11. 3. Infecção natural por T. cruzi O índice de infecção natural foi determinado apenas para os espécimes coletados em 2009. A pesquisa de T. cruzi foi conduzida conforme protocolo de Dias et al (2007) pela obtenção de fezes e urina dos triatomíneos por compressão abdominal, diluída em solução salina a 0,15 M e observada entre lâmina e lamínula, examinada ao microscópio óptico no aumento de 160X. O índice de infecção natural por T. cruzi foi calculado conforme a fórmula seguinte: í í 4. Ciclo biológico O ciclo biológico foi estudado entre os meses de outubro de 2012 e novembro de 2013, utilizando espécimes da segunda geração das colônias fundadas com os exemplares coletados em 2010. Ninfas de 5º estádio foram selecionadas aleatoriamente, separadas por sexo de acordo com a metodologia de Lent & Wygodzisky (1979), e mantidas em recipientes plásticos (4x4x9 cm). Esses recipientes tiveram seus fundos forrados com papel filtro e tiras do mesmo 32 papel dobradas em sanfonas para absorver a umidade e proporcionar maior área de deslocamento aos insetos. Procedeu-se a alimentação semanal com camundongos, conforme mencionado previamente. Para obtenção de ovos, 30 casais foram formados, mantidos juntos em recipiente plástico (9 cm de altura x 8 cm de diâmetro), com tampa apresentando uma abertura de 7 cm de diâmetro forradas com voal e com papel filtro no seu interior, como mencionado acima, e alimentados em camundongos, seguindo os mesmos procedimentos supracitados. Os 123 ovos obtidos de T. sherlocki foram agrupados pela data de oviposição para determinar o período de incubação. Após a eclosão, as ninfas de 1º estádio foram individualizadas em frascos de Borrel (9 cm de altura x 3 cm de diâmetro), forrados com papel filtro e devidamente numerados para acompanhar o desenvolvimento do ciclo biológico (Figura 3.5 A e B). Os espécimes, mantidos sob condições controladas de temperatura (24,6 ± 1,3°C) e umidade relativa 71,4 ± 6,3% (não controlada), foram alimentados individualmente em camundongo, uma vez por semana, e observados diariamente para se determinar: período de incubação dos ovos (em dias), número de vezes em que foi oferecida a alimentação, número de vezes em que o inseto alimentou-se, período de duração de cada estádio (em dias) e taxa de mortalidade (M). Esta foi calculada com base na seguinte fórmula: 5. Comportamento alimentar e de defecação O estudo do comportamento alimentar e de defecação foi realizado com o mesmo grupo de insetos usado para o estudo do ciclo biológico, bem como a alimentação em camundongo Mus musculus conforme mencionado previamente (Figura 3.5 C e D). Para todos os espécimes, foram registrados os seguintes parâmetros: tempo para iniciar a alimentação (em minutos); duração da alimentação (em minutos); tempo entre a primeira picada e o fim da ingestão de sangue; tempo de defecação durante a alimentação, tempo de defecação até 10 minutos após o término da alimentação; peso ganho absoluto (pabs) e relativo (prel). A pesagem dos espécimes foi realizada em balança de precisão (modelo Shimadzu Ay220). A primeira alimentação foi realizada de 7 a 10 dias após a eclosão dos ovos, passando posteriormente a ser oferecida semanalmente até que os espécimes atingissem a fase adulta. Cada inseto foi colocado no interior de um recipiente plástico (12 cm diâmetro x 4 cm de 33 altura) forrado com papel toalha. A fonte de sangue (camundongo) foi posicionada em frente ao triatomíneo a uma distância de 7 cm (Figura 3.5 C) e a alimentação oferecida por um período de 15 minutos, sob baixa iluminação, visando registrar o tempo de início do repasto. Os insetos que se recusaram a sugar foram submetidos à nova tentativa de alimentação na próxima semana. Os triatomíneos se alimentavam até a saciedade. Nesta etapa registrou-se o tempo de duração do repasto e de defecações ocorridas durante o repasto e nos 10 minutos posteriores a este (Figura 3.5 D e E). A quantidade de sangue ingerida representada pelo peso ganho absoluto e relativo foi obtida através da pesagem dos espécimes antes e após a alimentação (Figura 3.5 F) e calculados de acordo com as seguintes fórmulas (Gonçalves et al 1997, Reisenmam et al 2011): 34 cr c Ts Fotos: Vanessa Lima Neiva e Raquel Alexandra B. da Silva pt Figura 3.5. A. Caixas com 123 frascos de Borrel usados para acondicionar individualmente os espécimes de T. sherlocki para estudo do ciclo biológico e comportamento alimentar e de defecação. B. Frasco de Borrel identificado, com papel filtro dobrado em sanfona para aumentar a área de deslocamento e absorver a umidade. C. Observação do tempo, cronômetro (cr); do comportamento alimentar e de defecação em recipiente forrado com papel toalha (pt) com T. sherlocki (Ts) e camundongo (c). D. Ninfa de 5º estádio alimentando-se. E. Ninfa de 5º estádio ingurgitada. F. Pesagem dos espécimes antes e após a alimentação. 35 6. Resistência ao jejum Para este estudo, foi seguido o protocolo de Cortéz e Gonçalves (1998). Um grupo de 50 ovos e 50 ninfas de 2º a 5º estádio, perfazendo um total de 350 espécimes, da segunda geração, foi selecionado aleatoriamente das mesmas colônias fundadas em 2010. Esses insetos foram alimentados semanalmente em camundongos e observados diariamente para registrar a ecdise, os ovos foram observados diariamente para registrar a eclosão. Posteriormente, cada triatomíneo foi mantido em frascos de Borrel (9 cm de altura x 3 cm de diâmetro) numerados, fechados com voal, contendo no seu interior papel filtro e tiras do mesmo papel dobradas em sanfonas (Figura 3.6 A e B). As observações diárias possibilitaram determinar a resistência ao B A Fotos: Vanessa Lima Neiva jejum das ninfas e adultos até a morte. Figura 3.6. A. Frascos de Borrel contendo os espécimes usados para o estudo da resistência ao jejum (n=350). B. Detalhe do frasco com fêmea e exúvia. 7. Análises estatísticas Ciclo biológico, comportamento alimentar, de defecação e resitência ao jejum – Alguns cálculos dos valores mínimo, máximo, média e desvio padrão para todos os parâmetros avaliados foram realizados utilizando o software Microsoft Excel 2007. Comportamento alimentar e de defecação – O teste de Lilliefors (uma variação do teste de Kolmogorov Smirnov, que permite trabalhar com um número maior de 50 amostras) foi utilizado para verificar a distribuição dos dados. Uma vez que os dados não apresentavam distribuição normal, optou-se por testes não paramétricos. O teste Kruskal Wallis (Siegel & Castellan 1998) foi aplicado para analisar a variação dos dados contínuos (início da 36 alimentação, duração da alimentação, peso ganho absoluto, peso ganho relativo e tempo para defecação até 10 min.) entre os estádios de desenvolvimento de T. sherlocki (ninfas de 1º, 2º, 3º, 4º, 5º estádios, machos e fêmeas), os quais foram considerados categorias de variáveis independentes. O Teste de post hoc de Dunn foi usado quando obtivemos resultados significantes para estabelecer quais grupos diferem entre si. Em todos os casos as diferenças foram consideradas estatisticamente significantes quando p<0,05. Os gráficos gerados e as análises foram feitas como o auxilio do software R.3.0.2 (R Development Core Team 2013) e os pacotes nortest, psych, outlier, stats foram implementados no programa R. O percentual de espécimes que defecaram em diferentes intervalos de tempo até 10 min. ( após a alimentação (1ª, 2ª e 3ª alimentação) foi calculado conforme a seguinte fórmula: 37 IV. RESULTADOS 1. Espécimes de Triatoma sherlocki coletados Um total de 471 espécimes de T. sherlocki foi coletado, dos quais 170 foram provenientes das investigações realizadas em 2009 (28 machos, 34 fêmeas e 108 ninfas) e 301 das investigações realizadas em 2010 (78 machos, 55 fêmeas e 168 ninfas). As pesquisas entomológicas foram realizadas nos ecótopos intradomiciliar, peridomiciliar e silvestre nas duas localidades de estudo (Tabela 4.1). Na expedição realizada em 2009, em Encantado, somente o peridomicílio apresentou-se negativo para a presença de triatomíneos. Neste ecótopo, animais domésticos tais como caprinos, bovinos, suínos e principalmente galinhas foram ausentes, no entanto, observou-se a presença de cães. Nesta localidade, a maioria dos exemplares foi coletada no ambiente silvestre (92) e três ninfas foram capturadas no intradomicílio. Ainda em 2009, em Santo Inácio, assim como em Encantado, não foram observados triatomíneos no ecótopo peridomiciliar, embora em muitas casas tenha se verificado a presença de anexos para animais. A maioria dos espécimes foi capturada no ecótopo silvestre (74) e apenas um espécime adulto foi capturado no intradomicílio (Tabela 4.1). Nas pesquisas entomológicas realizadas em 2010, as quais foram conduzidas somente na localidade de Santo Inácio, não foram observados triatomíneos no ecótopo peridomiciliar, embora em muitas casas tenha se verificado a presença de anexos para animais. Nesta coleta, todos os espécimes foram capturados no ambiente silvestre (301) (Tabela 4.1). 38 Tabela 4.1. Localidades de coleta, ecótopo, coordenadas geográficas, data da coleta, estádio evolutivo e número de espécimes de Triatoma sherlocki coletados. Município Localidade Ecótopo Data Macho Fêmea Ninfas Total Encantado Silvestre 11º12’32,6”S 42º46’27,4”O 22/5/2009 10 5 18 33 Gentio do Ouro Encantado Silvestre 11º12’32,6”S 42º46’27,4”O 23/5/2009 7 16 36 59 Gentio do Ouro Encantado Intradomicílio 11º12’32,6”S 42º46’27,4”O 23/5/2009 - - 3 3 Gentio do Ouro Santo Inácio Silvestre 11º06’40,9”S 42º43’04”O 20/5/2009 5 6 26 37 Gentio do Ouro Santo Inácio Silvestre 11º03’16,8”S 42º48’26”O 21/5/2009 5 7 25 37 Gentio do Ouro Santo Inácio Intradomicílio 11º13’18,6”S 42º46’37,5”O 24/5/2009 1 - - 1 28 34 108 170 Gentio do Ouro Coordenada Geográfica Total Gentio do Ouro Santo Inácio Silvestre 11º1’33.816”S 42º43’5.592”O 15/8/2010 33 28 89 150 Gentio do Ouro Santo Inácio Silvestre 11º5’32.737”S 42º42’27.644”O 12/8/2010 15 13 24 52 Gentio do Ouro Santo Inácio Silvestre 11º7’24.636”S 42° 39’52.128”O 13/8/2010 15 6 33 54 Gentio do Ouro Santo Inácio Silvestre 11º 8’14.878”S 42° 43’52.345”O 11/8/2010 9 6 13 28 Gentio do Ouro Santo Inácio Silvestre 11/8/2010 6 2 9 17 78 55 168 301 - - Total 39 2. Infecção natural por T. cruzi A pesquisa de T. cruzi-like foi realizada nos espécimes coletados em 2009. Dos 170 espécimes coletados, 145 foram examinados e 29 estavam positivos, o que resultou em uma taxa de infecção natural de 20%. Os adultos apresentaram maior índice de infecção natural 33,8% (21/62) em relação aos estádios imaturos 9,6% (8/83). Dos 76 espécimes examinados oriundos de Encantado, somente os coletados no ambiente silvestre estavam positivos para T. cruzi-like (32% - 25/76); enquanto em Santo Inácio, dos 66 exemplares coletados no ecótopo silvestre apenas 3 estavam positivos, resultando em uma taxa de infecção natural de 4,5%. Ainda que o índice de infecção natural seja menor em Santo Inácio, é importante salientar que o único espécime macho capturado no intradomicílio estava positivo para T. cruzi-like (Tabela 4.2). Tabela 4.2: Índice de infecção natural de Triatoma sherlocki coletados em 2009, nas localidades de Santo Inácio e Encantado, município de Gentio do Ouro, Bahia. Total Infecção Natural (%) Positivo/Examinado Localidade Ecótopo Col. N3 N4 N5 Macho Fêmea Encantado Silvestre 33 - - 1/16 3/10 1/5 5/31 16,1 Encantado Silvestre 59 1/4 0/2 6/16 4/7 9/16 20/45 44,4 Encantado Intradomicílio 3 - - 0/2 - - 0/2 0,0 Santo Inácio Silvestre 37 0/2 1/5 1/6 2/33 6,0 Santo Inácio Silvestre 37 0/6 - 0/15 1/5 0/7 1/33 3,0 Santo Inácio Intradomicílio 1 - - - 1/1 - 1/1 100,0 0/12 7/59 10/28 11/34 29/145 20,0 0,0 35,7 32,3 20,0 Total Infecção Natural (%) 170 1/12 8,3 0/10 0/10 11,8 Col.: Espécimes coletados 3. Ciclo biológico Duração das fases de desenvolvimento - A oviposição dos 123 ovos utilizados para o estudo do ciclo biológico ocorreu de 24/09 a 29/10/2012, os quais eclodiram a partir de 01/11 a 07/12/2012. O período de incubação dos ovos variou de 36,0 a 46,0 dias, com média de 41,0 ± 2,1 dias. Verificou-se que o tempo requerido para o desenvolvimento de cada fase foi decrescente até o 2º estádio, voltando a crescer até o 5º estádio. O menor período médio de 40 desenvolvimento registrado foi de 29,2 ± 3,3 dias para N2 e o maior foi 142,4 ± 37,1 dias para N5. O período de desenvolvimento de ovo à fase adulta (34 adultos) ocorreu de 24/09/2012 a 30/11/2013. A média de duração do ciclo biológico da oviposição a muda imaginal foi de 325,0 ± 40,0 dias com um período mínimo de 255 e máximo de 410 dias (Tabela 4.3). Tabela 4.3. Duração das fases de desenvolvimento (em dias) de Triatoma sherlocki. Fase de desenvolvimento Espécimes (n) Ovo Duração em dias Mín. Máx. Média ± DP 123 36 46 41,0 2,1 N1 123 29 48 36,4 3,7 N2 120 22 40 29,2 3,3 N3 117 22 55 34,5 4,9 N4 117 35 73 48,8 7,9 N5 34* 84 231 142,4 37,1 255 410 325,0 40,0 Total Mín.: Mínimo, Máx.: Máximo, DP: Desvio Padrão. *Até o dia 30/11/2013, 34 N5 atingiram a fase adulta. As demais ninfas de quinto estádio continuarão sendo estudadas para obtenção de dados mais consistentes. Número de repastos oferecidos e realizados - Durante o ciclo de desenvolvimento foram oferecidas 5.223 alimentações, das quais 1.713 se concretizaram. O 1º, 2º e 3º estádios apresentaram as menores médias de alimentação: 2,0 ± 0,5 (mínimo de 1, máximo de 4), 2,1 ± 0,6 (mínimo de 1, máximo de 3) e 2,2 ± 0,7 (mínimo de 1, máximo de 4), respectivamente, as quais não apresentaram diferenças estatísticamente significantes (teste Kruskal Wallis e Dunn, P <0,05). As ninfas de 4º estádio diferiram das ninfas de 1º e 2º estádios, mas foram semelhantes às ninfas de 3º estádio. Entre todos os estádios ninfais, as ninfas de 5º estádio apresentaram a maior média de alimentação, 5,3, com mínimo de 2 e máximo de 11. Ao aplicarmos o teste de Kruskal Wallis seguido do teste de Dunn, verificamos que essa diferença apresentada pelo 5º estádio foi estatisticamente significativa em relação aos demais estádios ninfais (P <0,05), mas semelhante aos machos (Tabela 4.4). Conforme representado na Figura 4.1, a maioria das ninfas de 1º, 2º, 3º e 4º estádios necessitaram de 2 repastos para mudarem para próxima fase de desenvolvimento, enquanto a maioria, 67,5% das ninfas de 5º estádio, realizou mais de 4 repastos para fazer a muda imaginal. Destas, dois espécimes fizeram até 11 repastos. 41 Tabela 4.4. Número de alimentações em cada fase de desenvolvimento de Triatoma sherlocki. Fase de desenvolvimento N1 N2 N3 N4 N5 Macho Fêmea Espécimes (n) 123 120 117 117 114 13/24* 4/10* AO Nº de repastos sanguíneos AR Mín. 493 535 570 684 2690 184 67 256 251 256 280 631 23 16 Máx. 1 1 1 1 2 1 1 Média ± DP cd 4 3 4 5 11 4 6 ± 0,5 ± 0,6 ± 0,7 ± 0,7 ± 2,1 ± 0,64 ± 0,79 2,0 cd 2,1 bc 2,2 b 2,4 a 5,3 a 0,19 d 0,13 Espécimes de T. sherlocki (%) AO.: Número de alimentações oferecidas, AR.: Número de alimentações realizadas, DP: Desvio padrão. Letras diferentes indicam diferenças estatisticamente significativas (teste Kruskal Wallis e Dunn, p>0,05). *Até o dia 30/11/2013, das 34 N5 que atingiram a fase adulta, 17 realizaram alimentação (13 machos e 4 fêmeas). As demais ninfas de quinto estádio continuam sendo estudadas, para obtenção de dados referente à fase adulta. 100.0 90.0 80.0 70.0 60.0 50.0 40.0 30.0 20.0 10.0 0.0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 Número de repastos N1 N2 N3 N4 N5 Figura 4.1. Porcentagem dos espécimes de Triatoma sherlocki nos diferentes estádios: ninfas de 1º (n=123), 2º (n=120), 3º (n=117), 4º (n=117), 5º (n= 114) que realizaram de 1 até 11 repastos em cada fase de desenvolvimento. Tabela 7: Número de alimentações oferecidas (AO) e número de alimentações realizadas (AR) em cada fase de desenvolvimento de Triatoma sherlocki Mortalidade e ocorrência de anomalias – Das 123 ninfas que iniciaram o experimento, 34 atingiram a fase adulta (24 machos e 10 fêmeas) até o dia 30/11/2013. As demais ninfas de 5º estádio continuarão sendo estudadas até tornarem-se adultas. O maior percentual de mortalidade foi registrado no 1º e 2º estádios (2,4%) seguido pelo 4º estádio (1,6%). No 3º estádio não houve morte e no 5º, até o momento todas permanecem vivas. A mortalidade total registrada durante a fase ninfal foi de 6,5% (8/123) (Figura 4.2). 42 Dos 34 insetos que atingiram a fase adulta, 33,3% dos machos (8/24) e 70% das fêmeas (7/10) apresentaram deformações morfológicas na cabeça, abdome e pernas (Figura 4.3). As anomalias observadas na cabeça incluíam deslocamento da mesma para baixo, para cima, para a esquerda e para a direita em relação ao eixo do corpo. O abdome apresentou deformações no conexivo do quinto e do sexto segmentos. As deformações das pernas incluíram atrofia do fêmur e tíbia, sendo que em alguns casos esta se apresentou torcida ou incompleta (Figura 4.4). Espécimes de T. sherlocki (%) Mortalidade 10.00 9.00 8.00 7.00 6.00 5.00 4.00 3.00 2.00 1.00 0.00 6.5 2.4 2.4 1.6 0.0 N1 N2 0.0 N3 N4 N5 Total Figura 4.2: Percentual de mortalidade de Triatoma sherlocki Adultos com anomalias Número de espécimes 40 30 34 24 20 10 15 8 10 7 0 Machos Fêmeas Espécimes Total Anomalias Figura 4.3. Número de adultos de Triatoma sherlocki (machos e fêmeas) que apresentaram anomalias. 43 A B C D E Figura 4.4. Adultos de T.sherlocki normal e apresentando anomalias morfológicas indicadas pelas setas azuis. A. Normal. B. Abdome com deformações nos conexivos do quinto e do sexto segmentos. C. Deslocamento da cabeça para a esquerda. D. Deslocamento da cabeça para baixo. E. Tíbia das pernas posterior incompletas. 4. Comportamento alimentar e de defecação Tempo para iniciar a alimentação – De acordo com a Figura 4.5, a média do tempo para iniciar a alimentação diminuiu ligeiramente do 1º ao 2º estádio, voltando a crescer a partir do 3º estádio até a fase adulta. Ao aplicar o teste de Kruskal Wallis (H = 719.3146, df = 6, p<0, 005), constatou-se que inicialmente as diferenças foram estatisticamente significativas, entretanto, apesar das ninfas de 1º, 2º e 3º estádios apresentarem as menores médias de tempo para iniciar a alimentação, 1,63 min. (mínimo 0,01 min., máximo 14,59 min.), 1,61 min. (mínimo 0,01 min., máximo 14,47 min.) e 1,69 min. (mínimo 0,02 min., máximo 12,5 min.), respectivamente, somente o 1º estádio apresentou diferença estatisticamente significativa em relação ao 2º e 3º estádios, que foram semelhantes (teste post 44 hoc Dunn, p<0,05). O 4º estádio diferiu de todos os estádios de desenvolvimento, enquanto que o 5º estádio apresentou tempo semelhante ao das fêmeas. As médias dos tempos das fêmeas, 8,81 min. (mínimo 2,02 min., máximo 14,34 min.), e machos, 8,12 min. (mínimo 2,07 min., máximo 14,55 min.), não apresentaram diferenças de acordo com o teste post hoc Dunn (p<0,05) que mostrou também que os adultos demoraram mais para iniciar a Média b ab a N5 (693) Fêmea (19) * Macho (24) * Mediana c d e d N1 (279) N2 (284) 0 Inicio da alimentação (min.) 15 10 5 alimentação em relação às ninfas de 1º, 2º, 3º e 4º estádios. N3 (277) N4 (304) Figura 4.5. Tempo decorrido entre o oferecimento da fonte alimentar e a picada para iniciar o repasto sanguíneo de Triatoma sherlocki. São mostrados os percentis 25 e 75 (limites das caixas mais próximos e mais distantes de zero, respectivamente), as medianas (linha sólida dentro da caixa), e as médias (lozango azul). O número de observações testadas em cada grupo é mostrado entre parênteses. Letras diferentes representam diferenças estatísticas significativas (Testes de Kruskal-Wallis seguido de comparações de Dunn, p <0,05). * Até o dia 30/11/2013, das 34 N5 que atingiram a fase adulta, 17 realizaram alimentação (13 machos e 4 fêmeas). As demais ninfas de quinto estádio continuarão sendo estudadas para obtenção de dados mais consistentes referentes à fase adulta. Duração da alimentação e peso ganho absoluto e relativo – A duração da alimentação foi crescente do 1º até o 4º estádio, a partir do 5º estádio houve um decréscimo acentuado até a fase adulta. Embora as diferenças na duração da alimentação sejam significativas de acordo com o teste de Kruskal Wallis (H = 91.3251, df = 6, p<0,05), o teste post hoc de Dunn mostrou que a diferença entre o 1º estádio, 13,87 min. (mínimo 0,02 min., máximo 31,29 min.), machos, 14,33min. (mínimo 3,3 min., máximo 24,4 min.) e fêmeas, 14,45 min. (mínimo 1,07 min., máximo 25,0 min.), não foram significativas. O 4º estádio apresentou maior tempo de duração da alimentação, 24,05 min. (mínimo 0,24 min., máximo 60,57 min.), em relação aos demais estádios de desenvolvimento, sendo esta diferença estatisticamente significativa (teste post hoc Dunn, p<0,05). O tempo de duração da alimentação do 2º estádio, 16,23min. (mínimo 0,28 min., máximo 40,18 min.), diferiu do 3º estádio, 19,42 min. (mínimo 45 1,02 min., máximo 48,43 min.), mas este foi semelhante ao 5º estádio, 19,69 min. (mínimo 0,56 min., máximo 53,36min.) (teste post hoc de Dunn, p<0,05) (Figura 4.6 A). As médias do peso absoluto (diferença entre o peso após a alimentação e o peso antes da alimentação) foram crescentes do 1º até o 5º estádio, decrescendo na fase adulta, sendo essas diferenças estatisticamente significativas (testes Kruskal Wallis, H= 925.7473, df = 6, p<0,05). O maior peso absoluto médio foi registrado para as ninfas de 5º estádio, 104,88 mg, onde também se observou ampla variação deste parâmetro (mínimo 0,1 mg, máximo 417,2 mg). Apesar da diferença ser inicialmente significativa, ao aplicar o teste post hoc de Dunn, constatou-se que o valor obtido para as ninfas (5º estádio) foi semelhante ao das fêmeas, 76,68 mg (mínimo 5,8 mg, máximo 175,7 mg) e ao dos machos, 68,89 mg (mínimo 10,6 mg, máximo 140,7 mg). A menor média de peso absoluto foi observada para o 1º estádio, 4,19 mg (mínimo 0,1 mg, máximo 10,2 mg); seguido do 2º estádio, 12,31 mg (mínimo 0,1 mg, máximo 37,5 mg); 3º estádio, 31,91 mg (mínimo 0,1 mg, máximo 96,9 mg); e 4º estádio, 76,41 mg (mínimo 0,1, máximo 248,6 mg), os quais diferiram entre si (teste post hoc de Dunn, p<0,05). As médias das ninfas de 4º estádio não apresentaram diferenças estatisticamente significativas em relação às das fêmeas e machos (teste post hoc de Dunn, p<0,05) (Figura 4.6 B). Ao se estabelecer uma relação entre o peso ganho absoluto e o peso corporal inicial, obteve-se o valor do peso ganho relativo. O peso relativo decresceu do 1º estádio até a fase adulta, sendo que entre os adultos, os machos apresentaram maior peso relativo do que as fêmeas. As diferenças observadas foram significativas segundo o teste Kruskal Wallis (H= 925.7473, df = 6, p<0,05). O 1º estádio apresentou maior peso relativo, 1,92 (mínimo 0,02, máximo 6,8) em relação aos demais estádios de desenvolvimento, sendo essa diferença estatisticamente significativa (teste post hoc de Dunn, p<0,05). A média do peso relativo do 2º estádio, 1,71 (mínimo 0,02, máximo 7,04), foi semelhante ao do 3º estádio, 1,55 (mínimo 0,0, máximo 6,05), e este não apresentou diferenças significativas em relação ao 4º estádio, 1,39 (mínimo 0,0, máximo 6,05). Os menores pesos relativos foram observados para as ninfas de 5º estádio, 0,65 (mínimo 0,0, máximo 4,09); fêmeas, 0,32 (mínimo 0,03, máximo 0,78); e machos, 0,4 (mínimo 0,05, máximo 0,91), os quais não apresentaram diferenças estatisticamente significativas (testes post hoc de Dunn, p<0,05) (Figura 4.6 C). 46 80 60 Média Mediana a b 40 b c d cd 20 cd 0 Duração da alimentação (min.) A N3 (257) N4 (283) N5 (599) Fêmea (14*) 300 a Macho (20*) Média Mediana 200 b ab ab 100 Peso absoluto (mg) B N2 (248) 400 N1 (245) c d 0 e 6 C N1 (253) N2 (254) a b N3 (257) N4 (285) N5 (634) bc 3 4 5 Macho (23) * Média Mediana c 2 d d d Fêmea (17)* Macho (23)* 0 1 Peso relativo Fêmea (17) * N1 (253) N2 (254) N4 (285) N3 (257) N5 (634) Figura 4.6. A. Duração da alimentação (tempo de sucção). B. Peso ganho absoluto. C. Peso ganho relativo de Triatoma sherlocki. São mostrados os percentis 25 e 75 (limites das caixas mais próximos e mais distantes de zero, respectivamente), as medianas (linha sólida dentro da caixa) e as médias (lozango azul). O número de observações testadas em cada grupo é mostrado entre parênteses. Letras diferentes indicam diferenças estatisticamente significativas (Testes de Kruskal-Wallis e Dunn, P <0,05). *Até o dia 30/11/2013, das 34 N5 que atingiram a fase adulta, 17 realizaram alimentação (13 machos e 4 fêmeas). As demais ninfas de quinto estádio continuarão sendo estudadas para obtenção de dados mais consistentes referentes à fase adulta. 47 Defecações durante a alimentação – De um total de 5.223 repastos oferecidos, 1.713 foram realizados (Tabela 4.5). Deste total, 5,1% das defecações ocorreram durante a alimentação (Figura 4.7). Todos os estádios ninfais defecaram durante a alimentação, a porcentagem de defecações decresceu do 1º até o 5º estádio, sendo que as ninfas de 1º estádio apresentaram maior porcentagem de defecação (16,4% de 256), seguida das ninfas de 2º estádio (9,2% de 251). Entre os estádios ninfais, a menor porcentagem de defecações durante a alimentação foi registrada para as ninfas de 5º estádio (1,3%). Para a fase adulta não foram registradas defecações durante a alimentação, entretanto, ressalta-se que os adultos ainda estão em observação (Tabela 4.5, Figura 4.7). Tabela 4.5: Avaliação das defecações durante e após o repasto de Triatoma sherlocki. Fase de desenvolvimento Espécimes (n) AO (n) AR (n) ADD (%) ADA (%) N1 123 493 256 16,4 72,7 N2 120 535 251 9,2 70,9 N3 117 570 256 3,5 48,4 N4 117 684 280 2,1 30,0 N5 114 2690 631 1,3 15,4 Macho 13/24* 184 23 0,0 8,7 Fêmea Total 4/10* 123 67 5.223 16 1.713 0,0 5,1 6,3 39,2 AO.: Número de alimentações oferecidas, AR.: Número de alimentações realizadas, ADD.: Porcentagem de alimentações com defecação durante, ADA.: Porcentagem de alimentações com defecações após a alimentação até 10 min. *Até o dia 30/11/2013, das 34 N5 que atingiram a fase adulta, 17 realizaram alimentação (13 machos e 4 fêmeas). As demais ninfas de quinto estádio continuarão sendo estudadas, para obtenção de dados referente à fase adulta. Espécimes de T. sherlocki (%) Defecação durante a alimentação 50,0 45,0 40,0 35,0 30,0 25,0 20,0 15,0 10,0 5,0 0,0 Defecação 16,4 9,2 3,5 N1 N2 N3 5,1 2,1 1,3 N4 N5 0,0 0,0 Fêmea * Macho * Total Figura 4.7. Porcentagem de alimentações com defecação durante o repasto de Triatoma sherlocki nos diferentes estádios: ninfas de 1º (n=256), 2º (n= 251), 3º (n= 256), 4º (n=280), 5º (n=631) estádios, e machos (n=23) e fêmeas (n=17). 48 Porcentagem de espécimes que defecaram até 1min. após a alimentação – Entre os estádios ninfais, no primeiro minuto de observação, o 1º e o 2º estádios foram os que apresentaram maior porcentagem de espécimes que defecaram após o fim da primeira (1º estádio, 63,2% de 114; 2º estádio, 45,9% de 111) e da segunda (1º estádio, 60,6% de 66; 2º estádio 56,7% de 60) alimentações (Figura 4.8 A e B). A menor porcentagem de defecações, nas mesmas condições, foi registrada para as ninfas de 5º estádio (23,4% de 64) e para as ninfas de 3º estádio (18,9% de 37) na primeira e na segunda alimentação, respectivamente (Figura 4.8 A e B). Dos 19 espécimes que defecaram após o fim da terceira alimentação (4 N1, 4 N2, 2 N3 e 9 N5), apenas uma ninfa de 1º estádio e uma ninfa de 5º estádio defecaram em menos de 1 minuto (Figura 4.11). Espécimes de T. sherlocki (%) A 100,0 Primeira alimentação 90,0 80,0 70,0 63,2 Defecação 60,0 45,9 50,0 40,0 29,8 30,0 30,0 23,4 20,0 10,0 0,0 N1 B N2 N3 N4 N5 Segunda alimentação 100,0 Espécimes de T. sherlocki (%) 90,0 80,0 70,0 60,6 60,0 Defecação 56,7 50,0 40,0 25,0 30,0 18,9 20,0 19,5 10,0 0,0 N1 N2 N3 N4 N5 Figura 4.8. Porcentagem dos espécimes de Triatoma sherlocki, que defecaram até 1min. após a alimentação. A. Primeira alimentação: ninfas de 1º (n=114), 2º (n=111), 3º (n=84), 4º (n=50) e 5º (n=64) estádios. B. Segunda alimentação: ninfas de 1º (n=66), 2º (n=60), 3º (n=37), 4º (n=12) e 5º (n=21) estádios. 49 Porcentagem de espécimes que defecaram em diferentes intervalos de tempo até 10min. após a alimentação. As Figuras 4.9-4.11 mostram as porcentagens de defecações em diferentes intervalos de tempo, incluindo todos os espécimes que se alimentaram e defecaram até 10 minutos após a alimentação. Nestas Figuras, observa-se que o número de espécimes que realizaram alimentação seguida de defecação decresceu da primeira até a terceira alimentação, por esse motivo, o número total de espécimes para o cálculo das porcentagens obtidas diferem em cada alimentação. Na primeira alimentação, nos primeiros 31 segundos de observações, verificouse que as porcentagens de espécimes que defecaram na primeira alimentação decresceram do 1º-5º estádio, sendo que as ninfas de 1º (51,8%) e 2º (36,0%) estádios apresentaram as maiores porcentagens de espécimes que defecaram, enquanto que a menor porcentagem foi registrada para as ninfas de 5º estádio (12,5%). Na segunda alimentação, observou-se que a porcentagem de espécimes que defecaram em menos de 31 segundos apresentou escala descendente do 1º-3º estádio, voltando a crescer no 4º estádio e diminuindo no 5º estádio. Da mesma forma, as maiores porcentagens foram registradas para as ninfas de 1º (56,1%) e 2º estádio (46,7%), sendo que as ninfas de 5º estádio apresentaram menor percentual (9,5%). As Figuras 4.9 e 4.10 mostram uma tendência de equiparação nas porcentagens de defecação em menos de 31 segundos para todos os estádios na primeira e na segunda alimentações, além disso, mostram também que os maiores percentuais de defecações ocorrem até 5 minutos para todos os estádios de desenvolvimento, com registros de menores percentuais após 5 minutos até 10 minutos. Na terceira alimentação, dos 19 espécimes que defecaram (4 N1, 4 N2, 2 N3 e 9 N5), apenas uma ninfa de 1º estádio e uma ninfa de 5º estádio defecaram em menos de 31 segundos. Apesar de um menor número de espécimes defecar na terceira alimentação, também registrou-se maior percentual de defecações até 5 minutos e menor percentual após 5 minutos até 10 minutos (Figura 4.11). 50 Espécimes de T. sherlocki (%) Primeira alimentação 60.0 55.0 50.0 45.0 40.0 35.0 30.0 25.0 20.0 15.0 10.0 5.0 0.0 N1 (n=114) N2 (n=111) N3 (n=84) N4 (n=50) N5 (n=64) Intervalos de tempo Figura 4.9. Porcentagem dos espécimes de Triatoma sherlocki que defecaram em diferentes intervalos de tempo até 10 min. após o primeiro repasto sanguíneo. 51 Espécimes de T. sherlocki (%) Segunda Alimentação 60.0 55.0 50.0 45.0 40.0 35.0 30.0 25.0 20.0 15.0 10.0 5.0 0.0 N1 (n=66) N2 (n=60) N3 (n=37) N4 (n=12) N5 (n=21) Intervalos de tempo Figura 4.10. Porcentagem dos espécimes de Triatoma sherlocki que defecaram em diferentes intervalos de tempo até 10 min. após o segundo repasto sanguíneo. 52 Terceira Alimentação 100.0 Espécimes de T. sherlocki (%) 100.0 80.0 N1 (n=4) 60.0 N2 (n=4) N3 (n=2) 40.0 N5 (n=9) 20.0 0.0 Intervalos de tempo Figura 4.11. Porcentagem dos espécimes de Triatoma sherlocki que defecaram em diferentes intervalos de tempo até 10 min. após o terceiro repasto sanguíneo. 53 Porcentagem de alimentações seguidas de defecação até 10min. – Dos 1.713 repastos realizados, 39,2% foram seguidos de defecação até 10 minutos. Considerando os estádios ninfais, as maiores porcentagens foram observados para as ninfas de 1º (72,7%) e 2º (70,9%) estádios, seguido das ninfas de 3º estádio (48,4%), e o menor percentual foi para as ninfas de 5º estádio (15,4%), mostrando uma escala descendente do 1º- 5º estádio (Figura 4.12). Espécimes de T. sherlocki (%) Defecação após a alimentação 100,0 90,0 80,0 70,0 60,0 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 0,0 72,7 Defecação 70,9 48,4 39,2 30,0 15,4 6,3 N1 N2 N3 N4 N5 8,7 Fêmea * Macho * Total Figura 4.12. Porcentagem de alimentações com defecação até 10 min. após a alimentação. de Triatoma sherlocki nos diferentes estádios: ninfas de 1º (n=256), 2º (n= 251), 3º (n= 256), 4º (n=280), 5º (n=631) estádios e machos (n=23) e fêmeas (n=17). *Até o dia 30/11/2013, das 34 N5 que atingiram a fase adulta, 17 realizaram alimentação (13 machos e 4 fêmeas), das quais se observou 3 defecações (1 para fêmea e 2 para macho). As demais ninfas de quinto estádio continuarão sendo estudadas para obtenção de dados mais consistentes referentes à fase adulta. As médias dos tempos de defecação até 10 minutos após a alimentação para todos os estádios ninfais estão representadas na Figura 4.13. Os valores assumiram escala crescente do 1º até o 4º estádio, decrescendo no 5º estádio. Apesar das diferenças no tempo de defecação serem estatisticamente significativas (Kruskal Wallis, H = 81.2625, df = 4), as comparações realizadas pelo teste post hoc de Dunn mostraram semelhanças para alguns estádios. As ninfas de 1º estádio foram as que apresentaram menor média de tempo para defecação após o repasto, 1,38 min. (mínimo de 0,02 min., máximo de 9,03 min.), sendo esse tempo diferente do tempo registrado para as ninfas de 2º estádio, 2,15 min. (mínimo 0,01 min., máximo 9,45 min.) (teste post hoc de Dunn, p<0,05). As ninfas de 4º estádio necessitaram de mais tempo para defecar, o qual representou o maior valor observado, média 3,73 min. (mínimo 0,01 min., máximo 9,57 min.), entretanto, esse tempo foi semelhante ao tempo das ninfas de 3º estádio, 3,01 min. (mínimo 0,03 min., máximo 9,59 min.) e de 5º estádio, 3,34 min. (mínimo 0,07 min., máximo 9,48 min.) (testes post hoc de Dunn, p<0,05). 54 9 Média a a N3 (124) N4 (83) N5 (95) 6 8 b 4 c 0 2 Tempo de defecação (min.) Mediana a N1 (184) N2 (174) Figura 4.13. Tempo decorrido entre o fim do repasto e a defecação de Triatoma sherlocki (até 10 min.). São mostrados os percentis 25 e 75 (limites das caixas mais próximos e mais distantes de zero, respectivamente), as medianas (linha sólida dentro da caixa), e as médias (lozango azul). O número de observações testadas em cada grupo é mostrado entre parênteses. Letras diferentes indicam diferenças estatisticamente significativas (Testes de Kruskal-Wallis e Dunn, p<0,05). *Até o dia 30/11/2013, das 34 N5 que atingiram a fase adulta, 17 realizaram alimentação (13 machos e 4 fêmeas), das quais se observou 3 defecações (1 para fêmea e 2 para machos). As demais ninfas de quinto estádio continuarão sendo estudadas para obtenção de dados mais consistentes referentes à fase adulta. Durante o estudo do comportamento de defecação, observou-se que alguns espécimes apresentavam um comportamento peculiar. Após um período de alimentação, retiravam o rostro e quando iam defecar giravam o corpo, deslocavam-se para trás de maneira que o ápice do abdome se posicionasse próximo ou na direção da região da picada. Os giros observados foram de 90º, 160º, 170º, 180º e 270º, sendo que o mais frequente foi o de 180º. Esse comportamento foi observado tanto nas defecações realizadas durante a alimentação quanto nas defecações realizadas após a alimentação. Algumas defecações foram registradas após 4 minutos ou até 7 minutos, quando o triatomíneo já havia se afastado do hospedeiro. Mas no momento da defecação, o inseto girava, andava para trás e depositava suas fezes próximo ao camundongo (Figuras 4.14 e 4.15). 55 Espécimes de T. sherlocki (%) 16.0 14.9 14.0 12.0 10.0 8.0 7.5 6.5 5.1 6.0 4.0 2.6 2.0 0.0 N1 N2 N3 N4 N5 Giro Figura 4.14. Porcentagem dos espécimes de T. sherlocki, ninfas de 1º (n=121), 2º (n=119), 3º (n=117), 4º (n=116) e 5º (n=114) estádios que giraram o corpo para defecar durante ou após a alimentação até 10 min. 56 A 2 1 c c 180⁰ T 2 1 c c c T B 4 3 T T 3 c 4 c c T 170⁰ T T T C 2 1 c 3 c 4 c c T 160⁰ T T T D 2 1 c 4 3 c c c T 90⁰ T T T Figura 4.15. Representação esquemática do comportamento de defecação observado para alguns espécimes de Triatoma sherlocki. A. Giro de 180º. B. Giro de 170º. C. Giro de 160º. D. Giro de 90º. c: camundongo, T: triatomíneo. 57 5. Resistência ao jejum Na tabela 4.6 observa-se a resistência ao jejum para cada fase de desenvolvimento de T. sherlocki, considerando o número de dias desde a eclosão ou muda até a morte. O maior tempo de sobrevivência à privação alimentar ocorreu no 5º estádio, com média de 156,5 ± 39,7 dias (mínimo 73,0, máximo 236,0 dias) (5 meses e 22 dias). O menor tempo registrado foi 57,3 ± 9,3 dias para 1º estádio, com variação de 34,0 - 71,0 dias de sobrevivência. As médias de sobrevivência assumem escala ascendente do 1º estádio até o 5º estádio, diminuindo na fase adulta. O período médio de sobrevida na fase adulta foi menor, os machos mostraram-se mais resistentes, com média de 112,0 ± 20,5 dias (mínimo 78,0, máximo 156,0) (~ 4 meses), que as fêmeas, com média de 109,0 ± 23,6 dias (mínimo 62,0, máximo 170,0) (3 meses e 20 dias). Tabela 4.6. Resistência ao jejum (em dias) de T. sherlocki. Fase de desenvolvimento Espécimes (n) N1 Resistência ao jejum (dias) Mínima Máxima Média ± DP 50 34,0 71,0 57,3 9,3 N2 50 22,0 142,0 90,3 25,3 N3 50 56,0 152,0 104,7 23,6 N4 50 91,0 204,0 146,0 21,8 N5 50 73,0 236,0 156,5 39,7 Macho 50 78,0 156,0 112,0 20,5 Fêmea 50 62,0 170,0 109,0 23,6 58 V. DISCUSSÃO 1. Insetos coletados No Brasil, após a implementação do Programa Nacional de Controle da Doença de Chagas, através da borrifação de inseticidas de ação residual, vigilância entomológica e melhoria das habitações humanas; o número de capturas de T. infestans diminuiu na maioria dos estados brasileiros, existindo hoje apenas focos residuais em alguns estados, tais como a Bahia (Silveira 2011, Gurgel-Gonçalves et al 2012a). Porém, ao mesmo tempo em que se observou queda na população dessa espécie nos ecótopos artificiais, verificou-se aumento considerável da presença de espécies nativas, tais como: T. sordida, T. b. brasiliensis, T. pseudomaculata, P. megistus, T. rubrovaria (Vinhaes & Dias 2000, Almeida et al 2000, Costa et al 2003a). Adicionalmente, estudos entomológicos demonstraram que espécies anteriormente consideradas silvestres passaram a ser capturadas no domicílio e, consequentemente, poderiam estar iniciando a colonização do intradomicílio, tais como T. sherlocki em Encantado, Gentio do Ouro, Bahia (Almeida et al 2009). No presente estudo, foram realizadas investigações entomológicas no município de Gentio do Ouro, região de ocorrência de T. sherlocki. Os dados de coleta demonstraram que a maioria dos espécimes foi coletada no ecótopo silvestre nas duas localidades estudadas: Santo Inácio e Encantado. Entretanto, as pesquisas realizadas no domicílio resultaram na captura de espécimes no interior das casas, três ninfas em Encantado e um adulto em Santo Inácio. Os dados sobre a ocorrência de ninfas no intradomicílio aqui apresentados estão de acordo com os resultados reportados previamente por Almeida et al (2009). Durante o presente estudo não foram capturados espécimes no peridomicílio em nenhuma das duas comunidades estudadas. Na localidade de Encantado, verificou-se que, neste ecótopo, os animais domésticos comumente observados em outras comunidades criados para alimentação, tais como caprinos, suínos, bovinos e aves, foram ausentes. A ausência de animais que poderiam servir de fonte alimentar para os triatomíneos no peridomicílio, eventualmente, pode ser o motivo que levou T. sherlocki a invadir e/ou colonizar as casas em busca de alimento (Almeida et al 2009). Adicionalmente, os tipos de habitações humanas encontradas nesta vila, construídas de forma precária com materiais disponíveis no ambiente, muitas vezes os mesmos materiais que compõem os abrigos no ambiente silvestre onde vive T. sherlocki (rochas), tais como só rochas, só barro, barro e rochas e folhas de palmeira, podem ter favorecido a instalação de colônias no interior das casas. O distrito de Santo Inácio, ao contrário de Encantado, é bem estruturado e urbanizado, com domicílios construídos de alvenaria. Nesta localidade, foi coletado apenas um adulto no 59 intradomicílio, sugerindo que o tipo de habitação pode ter dificultado o estabelecimento de colônias no interior das casas. Esse dado está de acordo com informações da Secretaria de Saúde de Irecê (Almeida et al 2009), que tem reportado invasões esporádicas de adultos no intradomicílio. Mendonça (2011), ao estudar a estrutura genética de T. sherlocki com o objetivo de verificar se o processo de domiciliação estaria associado com a dispersão passiva entre as localidades antropizadas (Encantado e Santo Inácio), demonstrou que as populações provenientes dessas duas localidades não apresentaram relação genética, sugerindo que a presença de insetos no intradomicílio, nas duas localidades, era proveniente de focos silvestres adjacentes aos domicílios. O fato das populações que estão colonizando o domicílio serem oriundas dos ecótopos silvestres representa uma dificuldade para a eliminação de T. sherlocki, uma vez que as invasões e/ou colonização de espécies nativas a partir dos focos silvestres são contínuas, evidenciando a necessidade da vigilância entomológica (Silveira & Dias 2011). 2. Infecção natural por T. cruzi No presente estudo, a detecção de T. cruzi foi realizada por meio do exame de fezes à fresco dos triatomíneos em microscópio óptico, por esse motivo julgamos mais adequado o uso do termo T. cruzi-like, uma vez que não foi feita a coloração das lâminas para a identificação específica do protozoário (Junqueira ACV In Coura et al 2011). Um total de 145 espécimes de T. sherlocki, provenientes de Santo Inácio e Encantado, foram examinados para a presença de T. cruzi-like, dos quais 20% estavam positivos. Embora os triatomíneos tenham sido amostrados nas mesmas localidades anteriormente estudadas por Almeida et al (2009), os resultados aqui apresentados mostraram índices de infecção natural de T. sherlocki superiores. A diferença nos índices pode ter sido em função de, no presente estudo, termos realizado coletas em pontos diferentes e devido ao fato do número de exemplares examinados ser superior ao analisado por esses autores (10,9% - 7/64). Ao compararmos com os membros do complexo T. brasiliensis, esta porcentagem de infecção natural é superior às obtidas para as populações “juazeirensis” (0,0% - 0/30), “macromelasoma” (0,0% - 0/56), “melanica” (5,3% - 4/75) e “brasiliensis” (15,1% - 11/73), reportadas por Costa et al (1998). No entanto, o índice de infecção natural pode estar sendo subestimado, porque só foi realizado o exame microscópico das fezes dos espécimes. A utilização de técnicas mais sensíveis, como a da PCR (reação em cadeia da polimerase) poderia resultar em uma taxa de infecção superior à 60 obtida (Cominetti et al 2013). Além disso, a dissecção de todo o tubo digestório do triatomíneo poderia também contribuir com o aumento da taxa de infecção natural. O índice de infecção natural por T. cruzi-like, incluindo espécimes de Encantado e Santo Inácio dos ambientes domiciliar e silvestre, foi maior para os adultos, 33% (21/62), em relação aos estádios imaturos, 9,6% (8/83). Essa diferença pode ser explicada pelo fato de no ambiente silvestre os triatomíneos exibirem uma relação íntima com hospedeiros silvestres não refratários de T. cruzi. Sendo assim, nesse caso, a presença de maior taxa de infecção na fase adulta pode ser explicada pela maior capacidade de dispersão e consequentemente maior chance de contato com o hospedeiro infectado, uma vez que o inseto necessitou realizar várias alimentações ao longo do seu ciclo de desenvolvimento (Juarez 1970). Em Encantado, os espécimes examinados coletados no intradomicílio (2 ninfas de 5º estádio) não estavam positivos para T. cruzi-like, enquanto que um exemplar adulto macho capturado no intradomicílio em Santo Inácio apresentou infecção natural por esse protozoário. Almeida et al (2009) sugeriram que em Encantado T. sherlocki encontra-se em um possível processo de domiciliação. Assim, parece plausível pensar que, ao longo do seu desenvolvimento no intradomicílio, essas ninfas ainda não haviam tido a oportunidade de contato com um hospedeiro infectado com T. cruzi-like, por isso apresentaram negatividade para esse parasito. Segundo dados da Secretaria de Saúde de Irecê (Almeida et al 2009), invasões esporádicas de adultos no intradomicílio nesta localidade são frequentes. Adicionalmente, conforme mostrado por Mendonça (2011), os espécimes que estão invadindo o intradomicílio nessas duas localidades são oriundos de focos silvestres adjacentes. Logo, em Santo Inácio, a infecção natural desse espécime adulto poderia ser atribuída às maiores chances de contato dos adultos com hospedeiros infectados por T. cruzi-like no ambiente silvestre, ao contrário das ninfas encontradas no intradomicílio em Encantado. Os exemplares coletados no ambiente silvestre provenientes do distrito de Santo Inácio apresentaram menor taxa de infecção natural (4,5% - 3/66) em relação aos da localidade de Encantado coletados no mesmo ambiente (32% - 25/76). Segundo Almeida et al (2009), Encantado é um assentamento informal de garimpo cujas habitações humanas precárias, em alguns casos, encontram-se diretamente inseridas no ambiente silvestre, sendo muitas vezes difícil identificar o peridomicílio. Esta vila é composta por apenas 19 casas, estimando-se em 95 o número de pessoas residentes, mas nem todos são moradores permanentes. Nesta vila, observações in loco associadas aos dados de perfis de NDVI (Normalized Difference Vegetation Index) indicaram que Encantado apresenta maior área de vegetação que Santo Inácio; mostraram também que esta localidade apresenta menos alterações antrópicas no ambiente silvestre em relação à Santo Inácio (Almeida et al 2009). O fato de Encantado 61 apresentar biótopos silvestres mais preservados poderia favorecer a ocorrência ou a maior densidade de hospedeiros silvestres não refratários de T. cruzi nos complexos rochosos, coabitando com T. sherlocki, aumentando sua chance de se infectar com o parasito ao se alimentar, o que explicaria a maior taxa de infecção natural por T. cruzi-like nesta localidade. O estado da Bahia não apresenta notificação de casos de doença de Chagas aguda desde 2007. Segundo os dados do SINAN, no período de 2001 a 2006 a Bahia foi o estado que mais notificou casos de DCA pela via vetorial (383). No entanto, no período de 2007-2013 não houve notificação de casos, contrariamente às outras regiões do país, o que poderia ser explicado pela eficiência no controle vetorial, falhas na detecção e/ou notificação de DCA, baixa capacidade vetorial de triatomíneos que ocorrem no domicilio nessa região, baixa densidade de colônias domiciliadas ou ausência de infecção natural por T. cruzi. Entretanto, no presente estudo, os resultados mostraram que espécimes de T. sherlocki coletados nas adjacências das habitações das duas localidades estudadas, no ambiente silvestre, apresentam altas taxas de infecção natural por T. cruzi-like, sendo que a maioria entre os adultos. Os resultados aqui apresentados mostraram também que um exemplar adulto de T. sherlocki coletado no intradomicílio estava infectado por T. cruzi-like, indicando que essas invasões e/ou colonizações do domicílio, ao tornarem-se frequentes, impõem risco de transmissão deste protozoário para os humanos, o que poderia favorecer a emergência ou reemergência de casos da doença de Chagas na região. 3. Parâmetros biológicos As características biológicas dos triatomíneos estão relacionadas com a espécie e as condições ambientais e são influenciadas pela acessibilidade a fonte alimentar adequadas (Lent & Wygodzinsky 1979). Desde a descoberta da doença de Chagas, em 1909, vários pesquisadores estudaram os aspectos biológicos dos triatomíneos, fornecendo importantes contribuições para o conhecimento das espécies que compõem esta subfamília, principalmente as que têm importânicia epidemiológica, contribuindo assim para as ações de controle. Entre as espécies mais estudadas encontra-se o T. infestans, principal vetor do parasito T. cruzi. Na literatura existente, verifica-se que na faixa de 20°C a 35°C obtém-se o desenvolvimento de modo satisfatório de T. infestans, tendo-se como boas as temperaturas entre 25°C e 30°C (Pessoa & Barros 1939, Ryckman & Ryckman 1966). Ryckman e Ryckman (1966) afirmam que os triatomíneos podem sobreviver em variados graus de umidade relativa do ar, desde 10 até 90%, com inconvenientes para os extremos. Esse autor 62 recomenda como satisfatória para o crescimento rápido e reprodução de muitas espécies a umidade relativa de 50-60%. De acordo com Canale et al (1998), os experimentos realizados sob condições de laboratório à temperatura e umidade relativa constantes e o oferecimento da alimentação em períodos regulares não condizem com as condições que normalmente são encontradas no ambiente natural, onde existem variações climáticas drásticas que influenciam no metabolismo do inseto, em suas necessidades tróficas e consequentemente no ciclo biológico. Adicionalmente, as comparações entre os dados sobre sua biologia disponíveis são difíceis, devido às diferenças no desenho experimental, especialmente em relação à temperatura e umidade (muitas vezes não controladas), a frequencia da alimentação, fontes alimentares e métodos de análise estatística para avaliar os resultados. Embora o presente estudo tenha sido realizado sob condições de laboratório com temperatura controlada média de 24,6 ± 1,3⁰C e umidade relativa média (não controlada) de 71,4 ± 6,3%, foi possível estimar a biologia e o comportamento de T. sherlocki. A extrapolação desses dados de laboratório para populações naturais permite um conhecimento aproximado sobre estes parâmetros de forma comparativa entre as diversas espécies, além de possibilitar inferências sobre a sua capacidade vetorial. 3.1. Ciclo biológico No presente estudo, a média do período de incubação dos ovos de T. sherlocki foi de 40,9 ± 2,1 dias. Esses resultados diferem dos encontrados por Lima-Neiva et al (2012), que obtiveram média de 20,2 dias, variando de 14 a 28 dias, possivelmente devido ao fato do estudo não ter sido realizado sob condições controladas e sim em temperatura e umidade ambientes da cidade do Rio de Janeiro, com médias de temperatura de 27⁰C e umidade relativa de 75,5% no período do estudo. Ao compararmos esses dados com os de outras espécies, verificamos que a média do período de incubação aqui registrado foi superior à observada por Soares et al (2000) para T. brasiliensis (média de 25 ± 1 dias) e T. pseudomaculata (média de 19 ± 1 dias) alimentados em camundongos e mantidos em temperatura similar de 24 ± 2ºC e umidade relativa 56 ± 6 %. Gonçalves et al (1988), estudando o ciclo biológico de T. vitticeps sob temperatura mínima de 25 ± 2º C e máxima de 28 ± 2º C, umidade relativa 80 ± 2%, usando como fonte alimentar camundongos, registraram média de 20 ± 1 dias para o período embrionário. Vários autores têm mostrado que o desenvolvimento embrionário dos ovos de diversas espécies de triatomíneos é influenciado 63 pela temperatura, como demonstrado pela primeira vez por Neiva (1913) e posteriormente por Perlowagora-Szumlevicz (1969) para T. infestans. Rangel (1982) avaliou os efeitos desta variável durante o período de incubação dos ovos de outras 13 espécies, notando que para ovos incubados entre 30°C e 34°C, o período de incubação foi menor do que no grupo controle, mantido a 25 ± 3°C. Em relação à duração das fases de desenvolvimento das ninfas, foram registradas médias de duração dos estádios ninfais superiores aos observados para T. infestans por Juarez (1970), que avaliou o desenvolvimento do ciclo biológico usando diferentes fontes de sangue (camundongos e galinhas) sob diferentes temperaturas (25 e 30°C), em umidade relativa de 60 a 70%, com espécimes com e sem infecção por T. cruzi. Apesar de, no presente estudo, as médias de duração das formas imaturas serem maiores que as obtidas por este autor, verificou-se que os resultados estão mais próximos dos valores obtidos para os lotes mantidos em temperatura de 25°C, com médias até três vezes superiores às observadas para os lotes mantidos sob temperatura de 30°C. Isso indica que a temperatura média usada no presente estudo (24,6°C) pode ter condicionado o metabolismo de T. sherlocki, tornando mais longo o período de desenvolvimento ninfal. As médias do período de duração dos estádios ninfais aqui reportadas são superiores às observadas por Soares et al (2000) para T. brasiliensis, mas são inferiores às médias obtidas para o 2º, 3º e 4º estádios e superior às médias do 1º e 5º estádios de T. pseudomaculata (temperatura média de 24 ± 2ºC e umidade relativa de 56 ± 6%). Verificou-se também que no presente trabalho os dados são superiores aos obtidos por Gonçalves et al (1988) para o 1º, 2º e 5º estádios e ligeiramente inferiores aos dados do 3º e 4º estádios de T. vitticeps (temperatura mínima média de 25 ± 2ºC e máxima média de 28 ± 2ºC, umidade relativa média 80 ± 2%). A média de duração decresce de N1 para N2, em seguida aumenta até a N5. Embora variações ao longo do desenvolvimento ninfal já tenham sido registradas para outras espécies, os triatomíneos tendem a mostrar escala ascendente no seu período de desenvolvimento de N1-N5 (Juarez 1970). Uma vez que não se registrou variações acentuadas na temperatura, pois esta era contolada, a queda na média de duração do período de desenvolvimento da N2 poderia ser atribuída à variação da umidade relativa e/ou a características intrínsecas de T. sherlocki. A média do período de desenvolvimento do ciclo completo de ovo a adulto de T. sherlocki evidenciou a ocorrência de uma geração por ano (325 dias), superior às médias obtidas para quase todas as espécies relacionadas na Tabela 5.1, exceto T. nitida Usinger, 1939, que apesar do autor não ter informado, apresentou médias superiores em todas as fases de desenvolvimento (Galvão et al 1995). Incluem-se também, em destaque, as espécies que 64 foram estudadas sob condições similares, tais como, T. infestans (Juarez 1970) e T. brasiliensis (Soares et al 2000), vetores de maior importância epidemiológica, e Triatoma rubida (Martínez-Ibarra et al 2012), vetor de menor importância epidemiológica (Tabela 5.1). 65 Tabela 5.1. Comparação das médias de duração das fases de desenvolvimento de várias espécies de triatomíneos. Espécie Ovo N1 N2 N3 N4 N5 Total T (⁰C) UR (%) Fonte alimentar Rhodnius neglectus 12,9 18,6 22,5 24,4 30,8 45,4 156,4 28,0 75,0 cam. Barreto-Santana et al 2011 Rhodnius robustus 17,5 23,4 28,5 40,7 46,3 47,2 204,7 28,0 75,0 cam. Barreto-Santana et al 2011 Rhodnius brethesi 17,0 18,5 16,0 21,3 20,9 38,6 * 27,0 * Rocha et al 2004 Triatoma sherlocki 41,0 36,4 29,2 34,5 48,8 142,4 325,0 24,4 71,6 cam. cam. Triatoma infestans * 18,3 18,6 23,1 27,7 88,1 175,8 25,0 60-70 cam. Juarez 1970 Triatoma infestans * 11,7 18,1 16,6 14,6 25,7 81,7 30,0 60-70 cam. Juarez 1970 Triatoma bras. brasiliensis Triatoma pseudomaculata 25,0 19,0 23,0 25,0 24,0 33,0 23,0 48,0 27,0 52,0 44,0 55,0 160,0 212,0 24,0 24,0 56,0 56,0 cam. cam. Soares et al 2000 Soares et al 2000 Triatoma maculata Triatoma recurva Triatoma protracta Triatoma rubida Triatoma nitida * 20,7 21,1 17,4 * 17,8 14,7 35,4 13,3 54,6 20,8 31,1 37,2 15,6 60,6 20,9 40,2 47,1 18,7 180,3 24,9 67,1 43,4 25,6 228,2 41,4 91,1 57,1 36,2 217,1 120,0 259,9 201,2 125,9 * 27,6 25,0 25,0 25,0 28,0 77,5 55,0 55,0 55,0 80,0 cam. coelho coelho coelho pombo Triatoma vitticeps Triatoma rubrovaria 20,0 * 22,0 28,4 26,0 53,8 35,0 27,4 55,0 24,7 93,0 36,1 * * 25-28 27,63 80,0 77.49 cam. cam. * Não informado, cam.: camundongo, T.: temperatura, UR.: umidade relativa. 66 Autor Este trabalho Luitgards-Moura et al 2005 Martínez-Ibarra et al 2012 Martínez-Ibarra et al 2012 Martínez-Ibarra et al 2012 Galvão et al 1995 Gonçalves et al 1988 Almeida 2000 Segundo Juarez (1970), o número de repastos realizados pelos triatomíneos tem importância epidemiológica, pois quanto maior o número de contatos entre vetor e hospedeiro, maior a chance do triatomíneo adquirir a infecção ou de transmitir T. cruzi para o hospedeiro. Considerando essa premissa e comparando os resultados do presente estudo com a literatura, verificou-se que as ninfas de 5º estádio apresentaram média de repastos superior às de Rhodnius brethesi Matta,1919 (Rocha et al 2004); T. infestans (Juarez 1970); T. maculata (Luitgards-Moura et al 2005); T. recurva, T. protracta e T. rubida (Martínez-Ibarra et al 2012); T. pseudomaculata (Gonçalves et al 1997); e semelhante à média de T. nitida (Galvão et al 1995) (Tabela 5.2). Os demais estádios ninfais apresentaram médias do número de repastos ligeiramente superiores às médias obtidas por Juarez (1970) para os mesmos estádios ninfais de T. infestans em condições semelhantes. Em relação às demais espécies, verifica-se que os resultados do presente estudo são comparáveis aos valores obtidos para as espécies mantidas em 25ºC, com exceção de T. recurva (Tabela 5.2). Gonçalves et al (1988), ao estudar T. vitticeps alimentados em camundongos e mantidos sob condições ambientais (média mínima de 25ºC e média máxima de 28ºC, umidade relativa 80 ± 2%), concluiu que esta espécie não pode ser considerada um bom transmissor de T. cruzi, entre outros motivos, porque a maioria das ninfas de 1º, 2º, 3º e 4º estádios realizou apenas um repasto e a maioria das ninfas de 5º estádio realizou até dois repastos para mudar para a fase seguinte. Neste estudo, apesar de observarmos que pelo menos 7,7% das ninfas de 1º, 2º, 3º e 4º estádios necessitaram de apenas um repasto para realizarem a muda, a maioria, 54%, necessitou de dois repastos para mudarem para próxima fase de desenvolvimento. Já as ninfas de 5º estádio, 5,3% (6/114) precisaram de no mínimo dois repastos, mas a maioria, 67,5%, realizou mais de quatro repastos para fazer a muda imaginal e destas, dois espécimes fizeram até onze repastos. Portanto, o presente estudo demonstra que o fato de T. sherlocki ao realizar número de alimentações superior ao de espécies vetoras de maior (T. infestans e T. brasiliensis) e menor (T. vitticeps) importância epidemiológica, indica que esta espécie necessita de mais contato com o hospedeiro, o que consequentemente aumentaria as chances de adquirir T. cruzi e também haveria maiores chances de defecação e transmissão do parasito causador da doença de Chagas. 67 Tabela 5.3. Comparação das médias do número de alimentações para várias espécies de triatomíneos Espécie N1 N2 N3 N4 N5 T (⁰C) UR (%) Fonte alimentar Rhodnius brethesi 1,57 1,24 1,26 1,32 1,73 27,0 * cam. Rocha et al 2004 Triatoma sherlocki 2,0 2,1 2,2 2,4 5,3 24,4 71,6 cam. Este trabalho Triatoma infestans 1,2 1,3 1,2 1,9 4,2 25,0 60-70 cam. Juarez 1970 Triatoma maculata 1,1 1,7 2,1 2,1 3,9 27,6 77,5 cam. Luitgards-Moura et al 2005 Triatoma recurva 2,1 4,3 3,9 4,4 3,1 25,0 55,0 Coelho Martínez-Ibarra et al 2012 Triatoma protracta 1,6 1,8 2,3 2,7 3,3 25,0 55,0 Coelho Martínez-Ibarra et al 2012 Triatoma rubida 1,2 1,9 2,7 2,9 4,6 25,0 55,0 Coelho Martínez-Ibarra et al 2012 Triatoma nitida 2,7 3,4 6,1 6,1 5,2 28,0 80,0 Pombo Galvão et al 1995 Triatoma pseudomaculata 2,4 2,6 3,2 3,5 3,0 28,0 80,0 cam. Gonçalves et al 1997 Triatoma rubrovaria 1,2 4,6 1,7 1,65 2,29 27,63 77.49 cam. Almeida 2000 * Não informado, cam.: camundongo, T.: temperatura, UR.: umidade relativa. 68 Autor A maior porcentagem de mortalidade foi observada para as ninfas de 1º e 2º estádios (2,4%) e menor porcentagem para as ninfas de 3º (0%) e 5º estádio (0% de 34 que atingiram a fase adulta), o que não é considerado por vários autores como comum nas espécies de triatomíneos, que geralmente apresentam taxas elevadas de mortalidade no 1º e 5º estádios (Correia 1962, Lent & Valderrama 1977, Galvão et al 1995). Supõe-se que as possíveis causas de morte das ninfas foram: (i) inanição, ninfas de 1º estádio (3 espécimes), impossibilidade de se alimentar devido a uma deformação no último segmento do aparelho bucal (1 espécime), pois observou-se que este não conseguiu inserir o rostro no camundongo para efetuar a alimentação; (ii) impossibilidade de sucção de sangue (2 espécimes), possivelmente devido a problemas nas estruturas envolvidadas com a sucção; (iii) problemas no aparelho digestório, ninfas de 2º estádio (3 espécimes), pois a ninfa se alimentou e ingurgitou, mas ficou muito tempo com o abdome cheio e morreu, indicando aparente problema de digestão; (iv) morte sem causa aparente, um dos espécimes morreu na mesma semana em que realizou a muda para o 2º estádio; (v) inanição (1 espécime), devido a problemas de sucção, observamos que as ninfas inseriam a rostro no camundongo, permanecia assim durante muito tempo, mas continuava com o abdome vazio, sem ingestão de sangue; (vi) ninfas de 4º estádio (2 espécimes), morte pode ser atribuída a trauma inadvertido (Juarez 1970), pois as ninfas realizaram alimentação, ingeriram sangue, mas morreram dias depois ingurgitadas. A mortalidade total registrada foi de 6,5%, taxa essa considerada muito baixa quando comparada com as de outras espécies de triatomíneos, indicando que T. sherlocki apresenta boa adaptabilidade às condições de laboratório. Os resultados obtidos estão de acordo com os observados para T. infestans (3,4%) por Juarez (1970). O autor sugere que baixa mortalidade demonstra que a espécie tem boa vitalidade, adaptando-se ao ambiente a que é submetida, ou seja, o confinamento do frasco de Borrel. Porcentagens elevadas de mortalidade podem ser atribuídas ao excesso de manuseio (Costa & Jurberg 1990), dificuldades de adaptação a fonte alimentar (Correia 1962), confinamento de muitos espécimes em um mesmo recipiente, manuseio (Juarez 1970) e condições de criação apossimbióticas (Lake & Friend 1968). Apesar do registro de baixa mortalidade para essa espécie, nas condições em que o estudo foi desenvolvido, registrou-se ocorrência de anomalias morfológicas nos adultos que parecem não influenciar na sua sobrevida. Conforme mencionado, dos 123 ovos que iniciaram o experimento, 34 atingiram a fase adulta até o dia 30/11/2013, as demais ninfas de 5º estádio continuarão sendo observados para obtenção de dados referentes à fase adulta. Entre os adultos, observou-se uma taxa de 44,1% (15/34) de espécimes que apresentaram deformidade, sendo 70% fêmeas (7/10) e 33,3% machos (8/24). Este fenômeno já foi observado para outras 69 espécies, nas quais se verificou que anomalias durante a muda imaginal ou a interrupção da muda podem ocorrer e elevar a taxa de mortalidade (Lent & Valderrama 1977, Costa et al 1987). No presente estudo, a taxa de mortalidade foi baixa e embora os adultos apresentem deformidades, que poderiam ser também atribuídas ao confinamento, estas parecem não comprometer a sobrevivência e habilidade de alimentação de T. sherlocki, pois todos os espécimes permanecem vivos e realizam a alimentação normalmente. 3.2. Comportamento de alimentação e de defecação O registro do tempo decorrido entre o oferecimento da fonte alimentar e o ato de picar permitiu avaliar a agressividade e voracidade na procura do alimento. Triatoma sherlocki tende a ser agressivo no ambiente silvestre, saindo do seu abrigo, fendas das pedras, para picar. Em condições experimentais, verificou-se que o ato de picar rapidamente foi observado nos primeiros estádios, porém sua ocorrência decaiu à medida que se avançava nos estádios posteriores. Esta correlação foi observada para T. vitticeps (Gonçalves et al 1988), porém não foi observada para outras espécies, tais como: T. infestans, T. dimidiata e R. prolixus (Zeledón et al 1977); T. brasiliensis e T. pseudomaculata (Soares et al 2000); T. rubida (Reisenman et al 2011); T. rubida, T. protracta e T. recurva (Martínez-Ibarra et al 2012). No presente estudo, a alimentação foi oferecida semanalmente e os espécimes alimentaram-se até a saciedade, sugerindo que os últimos estádios ninfais poderiam ter acumulado reservas nutritivas. De acordo com Juarez (1982), este comportamento ocorre porque no momento da muda deve existir na ninfa uma reserva de sangue no tubo digestivo que justifica a ausência da procura pelo repasto. Assim, os dados demonstram que as ninfas de 1º, 2º e 3º estádios de T. sherlocki parecem ser mais agresssivas e vorazes em relação aos últimos estádios ninfais e adultos. A realização do repasto sanguíneo possibilita a interação entre vetor e hospedeiro e o contato prolongado aumenta a probabilidade de interrupção da alimentação e, portanto, aumenta o risco de exposição do hospedeiro ao material fecal do triatomíneo (Zeledón et al 1977, Reisenman et al 2011). Neste sentido, de acordo com alguns autores, as espécies que se alimentam em mais de 10 minutos poderiam ser consideradas importantes vetores potenciais de T. cruzi (Zeledón et al 1977). Triatoma sherlocki apresenta média de tempo de duração da alimentação superior a 10 minutos em todos as fases de desenvolvimento, sendo que esse tempo de alimentação aumenta de acordo com a progressão dos estádios ninfais e diminui a partir do 5º estádio até a fase adulta. Correlação semelhante foi observada para outras 70 espécies, as quais apresentaram aumento do tempo de duração da alimentação até N5, como T. vitticeps (Gonçalves et al 1988), e com diminuição na fase adulta, como por exemplo R. prolixus (Zeledón et al 1977) e T. pseudomaculata (Soares et al 2000). Adicionalmente, essa correlação (aumento até N5 e diminuição na fase adulta) não foi observada para outras espécies, como T. infestans e T. dimidiata (Zeledón et al 1977); T. brasiliensis (Soares et al 2000), T. rubida (Reisenman et al 2011) e, para triatomíneos mexicanos, T. rubida, T. protracta e T. recurva (Martínez-Ibarra et al 2012). Logo, esse parâmetro sugere que T. sherlocki mantém contato prolongado com o hospedeiro, conferindo maiores chances de interrupção da alimentação e consequente defecação, aumentando o risco de transmissão. Segundo Reisenman et al (2011), a quantidade de sangue ingerida pode ser determinada pelo peso absoluto (diferença entre peso após a alimentação e peso antes da alimentação) e peso relativo (diferença entre peso após a alimentação e peso antes da alimentação/peso antes da alimentação). Os resultados obtidos mostraram que a variação no tempo de sucção está diretamente relacionada com a variação do peso absoluto, este último foi crescente do primeiro até o quinto estádio, decrescendo na fase adulta. No entanto, foi observada uma exceção a essa relação (duração da alimentação e peso absoluto), pois apesar das ninfas de 4º estádio apresentarem um maior tempo de sucção, tiveram menor peso absoluto em relação às ninfas de 5º estádio, onde se observou menor tempo de sucção e maior peso absoluto. Esta variação observada com o decorrer dos estádios de desenvolvimento foi estatisticamente significativa (teste Kruskal Wallis) e é semelhante às observações de Barreto-Santana et al (2011) para Rhodnius neglectus e Rhodnius robustus Larrousse, 1927. Entretanto, ressalta-se que, ao realizar o teste de comparações de Dunn, observou-se que apesar das diferenças das médias de duração da alimentação serem significativas entre o 4º e o 5º estádios e adultos (machos e fêmeas), o peso absoluto não apresentou diferenças estatisticamente significativas entre o 4º estádio, fêmeas e machos; bem como não mostrou diferença significativa entre o 5º estádio, fêmeas e machos. Esses dados sugerem que os adultos ingerem, mais rapidamente, quantidade de sangue semelhante a ingerida pelas ninfas de 4º e 5º estádios. Ao se estabelecer uma relação entre peso absoluto (diferença entre o peso após a alimentação e o peso antes da alimentação) e peso antes da alimentação, obteve-se o peso relativo e verificou-se que as ninfas de 1º estádio foram as que sugaram maior quantidade de sangue proporcional, com ingestão de sangue 1,92 vezes superior ao próprio peso, sendo que as fêmeas foram as que apresentaram menor peso relativo, média de 0,32. Diferente do que se observou em relação ao peso absoluto, o peso relativo demonstrou relação inversa com a duração da alimentação, decrescendo na medida em que se avançaram os estádios de desenvolvimento N1-Adultos, enquanto que a duração da alimentação aumenta de N1-N4 e 71 diminui de N5-Adultos; tais diferenças de peso foram estatisticamente significativas (teste Kruskal Wallis). No entanto, apesar das diferenças do peso relativo serem estatisticamente significativas, segundo o teste Kruskal Wallis, o teste de Dunn mostrou que não houve diferença significativa entre ninfas de 2º e 3º estádios, ninfas de 3º e 4º estádios, e ninfas de 5º estádio, fêmeas e machos. Na relação peso relativo e duração da alimentação, verifica-se que as ninfas de 1º estádio ingerem quantidade de sangue superior (proporcional ao seu próprio peso) em menor intervalo de tempo do que os demais estádios de desenvolvimento, enquanto que o 5º estádio e os adultos ingerem menor quantidade de sangue proporcional em um período de tempo superior (5º estádio) ou semelhante (adultos) às ninfas de 1º estádio. Reisenmam et al (2011), estudando T. rubida, estabeleceram essa relação e observaram que as ninfas de 2º e 3º estádios apresentaram maior capacidade de ingestão proporcional de sangue. De acordo com esses resultados, as ninfas de 1º estádio de T. sherlocki ingerem mais sangue de forma mais rápida do que as dos demais estádios de desenvolvimento. Em uma análise geral, os imaturos se alimentam mais e, portanto, ganharam peso (absoluto e relativo) igual ou superior aos adultos. Devido à emissão de fezes durante o período do experimento, a quantidade sangue ingerida foi ligeiramente subestimada. O comportamento de defecação é um parâmetro importante na transmissão de T. cruzi, sendo consideradas mais eficazes as espécies que defecam durante ou logo após o fim da alimentação. Esta característica foi estudada primeiramente por Wood (1951), que demonstrou que, em geral, espécies da América do Norte, tais como Triatoma protracta, Triatoma rubida e Paratriatoma hirsuta Barber, 1938, não defecam após a alimentação em um período de tempo efetivo para a transmissão de T. cruzi para o homem. Por outro lado, Dias (1956) mostrou que alguns dos mais importantes vetores da América do Sul, tais como R. prolixus, T. infestans, P. megistus e T. sordida, defecaram em um curto intervalo de tempo após alimentação. Uma exceção entre os triatomíneos da América do Sul foi T. vitticeps, o qual levou mais tempo para defecar, característica também observada por Gonçalves et al (1988). Desde então, vários autores estudaram o comportamento de defecação e demonstraram que este comportamento varia não só entre espécies, mas também entre os estádios de desenvolvimento dentro da mesma espécie (Zeledón et al 1977, Gonçalves et al 1988, Soares et al 2000, Reisenman et al 2011, Martínez-Ibarra 2012). Aqui também foi observado que o comportamento de defecação varia com os estádios de desenvolvimento. Todos os estádios ninfais defecaram durante a alimentação, ao passo que os adultos (17/34), observados até 30/11/2013, não defecaram. Calculando-se a porcentagem de alimentações com defecações durante a alimentação, verificou-se que do total de 1.713 alimentações realizadas, ao longo do ciclo de desenvolvimento, 5,1% ocorreram com defecação durante 72 alimentação. A porcentagem de defecação decresceu de N1-Adultos, sendo que o maior valor foi registrado para as ninfas de 1º estádio (16,4%, n=256). Segundo Lent e Wygodzinsky (1979), o vetor potencial passa a vetor efetivo quando defeca em curto intervalo de tempo após a alimentação. Considerando essa premissa, calcularam-se as porcentagens dos espécimes que defecaram em menos de 1 minuto após o fim da alimentação. Dessa forma, constatou-se que a porcentagem de defecações até 1 minuto após a alimentação decresceu de N1-N5, sendo que 63% (72/114) das ninfas de 1º estádio e 45,9% (51/111) das ninfas de 2º estádio apresentaram essa característica na primeira alimentação. Na segunda alimentação, a porcentagem decresceu de N1-N3, aumentando até N5, entretanto, a maioria das ninfas de 1º (60,6%, 40/66) e 2º (56,6%, 34/60) estádios defecaram em menos de 1 minuto, indicando que os primeiros estádios de T. sherlocki apresentam condições essenciais para a transmissão de T. cruzi para o hospedeiro e poderiam ser considerados vetores eficientes de T. cruzi. Na terceira alimentação, poucos espécimes defecaram em menos de 1 minuto (1/4 N1 e 1/9 N5). Esses resultados diferem das observações realizadas por Almeida (2000) para T. rubrovaria, cujas ninfas de 1º estádio apresentaram porcentagem inferior a 10% na 1º alimentação e inferior a 50% na 2º alimentação. Entretanto, no presente estudo, os dados assemelham-se às porcentagens obtidas por aquele autor para ninfas de 2º estádio (T. rubrovaria, 40<X<50% e 60<X<70% na 1ª e 2ª alimentações, respectivamente), os quais são similares (45,9%) na 1º alimentação e inferiores (56,7%) na 2º alimentação. Até a presente data, 30/11/2013, dos espécimes adultos observados (17, 13 machos e 4 fêmeas), nenhum defecou em menos de 1 minuto após a alimentação. O estudo da fase adulta terá continuidade até se observar um maior número de espécimes para obtenção de dados mais consistentes. Embora o risco de transmissão seja maior quando o triatomíneo defeca durante ou logo após o processo de hematofagia, a transmissão de T. cruzi pode ocorrer se insetos ingurgitados mantiverem contato com o hospedeiro após a alimentação, eliminando urina e/ou fezes na tentativa de se livrar de líquidos para começar a restaurar o balanço hídrico e diminuir o peso corporal (Lourenço-de-Oliveira 2005). Alguns autores propõem que espécies que defecam até 10 minutos após o fim da alimentação são vetores potencialmente efetivos de T. cruzi, pois ainda estariam em contato com o hospedeiro (Zeledón et al 1977). No presente estudo, a porcentagem total de alimentações seguidas de defecações até 10 minutos de T. sherlocki foi superior (39,2%) às defecações realizadas durante o repasto (5,1%), sendo que todos os estádios (ninfas e adultos) defecaram até 10 minutos após a alimentação. Zeledón et al (1977), utilizando um modelo experimental em que submeteram os espécimes ao jejum e ofereceram apenas uma alimentação, verificaram que a porcentagem de 73 defecações após a alimentação até 10 minutos dos estádios ninfais mantiveram-se altas para R. prolixus (todos os estádios ninfais = 90-100%); para T. infestans foi crescente de N1-N3 (N1=70%, N2=80-90%, N3=80-90%), decrescendo para N4 (N4=80%), voltando a crescer para N5 (80-90%); e para T. dimidiata foi crescente de N1-N3 (N1=40-50%, N2=60-70%, N3=70%), decrescendo para N4 (60-70%), voltando a crescer para N5 (70-80%). Neste estudo, onde os espécimes não foram submetidos ao jejum (o jejum foi voluntário) e foi realizada uma ou mais alimentações (de acordo com as necessidades tróficas para mudar para a fase seguinte), ocorreu uma inversão nesses valores, onde as porcentagens decresceram de N1-Adultos, sendo que as ninfas de 1º e 2º estádios apresentaram maior percentagem de defecações, 72,7% e 70,9% respectivamente. Essa diminuição na porcentagem de defecações até 10 minutos após a alimentação de N1-N5 também foi observada pata T. rubida (N2=60-70%, N3=50-60%, N4=30-40%, N5=30%) por Reisenman et al (2011), os quais seguiram protocolo similar ao de Zeledón et al (1977). O presente estudo seguiu protocolo semelhante ao de Galvão et al (1995), que ao estudarem o comportamento de defecação após a alimentação até 20 minutos (tempo superior ao observado neste estudo), ao longo do desenvolvimento do ciclo biológico de Triatoma nitida, consideraram que essa espécie apresentou baixo potencial vetorial, pois todos os estádios de desenvolvimento apresentaram baixas porcentagens de defecação. Os resultados obtidos aqui diferem dos reportados por estes autores e demonstram que as porcentagens de defecações de T. sherlocki (N1=72,7%, N2=70,9%, N3=48,9%, N4=30,0%, N5=15,4%) são superiores aos 1º (38%), 2º (23%) e 3º (18%) estádios, semelhante ao 4º estádio (31%) e inferior ao 5º estádio (25%) de T. nitida. Adicionalmente, observou-se que o 1º e 2º estádios foram os que apresentaram menor média de tempo para defecar até 10 minutos após a alimentação, 1,38 min. e 2,15 min., respectivamente, os quais apresentaram diferenças estatisticamente significativas entre si e em relação aos demais estádios de desenvolvimento (testes Kruskal Wallis e Dunn, p<0,005). Já as ninfas de 3º (3,01 min.), 4º (3,73 min.) e 5º (3,34 min.) estádios demoraram mais para defecar em relação às ninfas de 1º e 2º estádios e não apresentaram diferenças significativas entre si (teste de Dunn, p<0,005). Esses dados, juntamente com as porcentagens de defecação, indicam que, sob este aspecto, os primeiros estádios (N1 e N2) de T. sherlocki apresentam maior potencial vetorial de T. cruzi, enquanto que as ninfas de 3º estádio podem ser consideradas vetores com potencial intermediário de transmissão e as ninfas de 4º e 5º estádios com baixo potencial de transmissão. As observações referentes à fase adulta estão em andamento, mas até o dia 30/11/2013, dos 34 adultos observados, 17 realizaram alimentação (13 machos e 4 fêmeas), dos quais 74 apenas três defecaram após a alimentação até 10 minutos (2 machos e 1 fêmea). Apesar do baixo número de espécimes observados não ter significância estatística, os dados informam que dos dois machos que defecaram após a alimentação, o 1º espécime defecou em 1,16 min. e o 2º em 9,00 min. e a fêmea defecou após a alimentação em 4,04 min., os três antes de 10 minutos após o fim da alimentação. Além disso, é importante enfatizar que os registros de invasão das casas em Santo Inácio feitos pela FUNASA são de espécimes adultos, corroborando o achado deste trabalho, onde um espécime foi coletado no intradomicílio, estando positivo para T. cruzi-like. Outro fato importante é que tanto em Santo Inácio quanto em Encantado os adultos coletados no ecótopo silvestre das adjacências dos domicílios foram os que apresentaram maior taxa de infecção natural por T. cruzi-like, 35,7% dos machos e 32,3% das fêmeas. O estudo da fase adulta terá continuidade até obtermos um maior número de espécimes para a geração de dados mais consistentes. Esses resultados serão incluídos no artigo que será publicado posteriormente. Assim, considerando apenas os dados referentes aos estádios ninfais e à luz da hipótese proposta por Zeledón et al (1977), os resultados sugerem que T. sherlocki apresenta potencial intermediário de transmissão de T. cruzi, pois as ninfas apresentam diferenças no comportamento de defecação e, consequentemente, diferentes potenciais de transmissão desse parasito. No decorrer do trabalho, alguns espécimes apresentaram comportamento peculiar, importante do ponto de vista epidemiológico. Quando defecavam, em meio à alimentação ou após o fim da alimentação, giravam o corpo de maneira que o ápice do abdome se posicionava próximo ou na região da picada, e ao defecar depositavam as fezes muito próximas ao orifício da mesma (giros de 90º, 160º, 170º e 180º). Esse comportamento foi observado para todos os estádios de desenvolvimento, entretanto, o 5º estádio foi o que apresentou maior porcentagem de espécimes (14,9%). Essa característica, de eliminar fezes e urina nas adjacências da picada, associada ao ato de coçar levando o material fecal para o orifício da picada, aumenta o risco de contágio caso o inseto esteja infectado por T. cruzi. Este comportamento de giro foi observado por Heitzmann-Fontenelle (1972) para T. pseudomaculata, que observou que esta espécie realiza um giro de 180º, depositando suas fezes sobre a ferida da picada no hospedeiro. De acordo com as observações realizadas, dentre as formas jovens, as ninfas de 1º e 2º estádios podem ser consideradas vetores com alto potencial de transmissão, entretanto, como não há indícios de transmissão transovariana nos triatomíneos (Lent & Wygodzinsky 1979), teoricamente, as defecações das ninfas de 1º estádio seriam menos propensas a estarem infectadas com T. cruzi. Além disso, os primeiros estádios não apresentam relação estreita com o hospedeiro vertebrado em relação às ninfas de 5º estádio e aos adultos devido à baixa 75 dispersão, dificilmente deixando a colônia em busca da fonte alimentar, podendo realizar a cleptohematofagia (ato de sugar o sangue de triatomíneos recém-alimentados) (Miles et al 1981, Salvatella et al 1994), o que poderia comprometer a transmissão do agente etiológico da doença de Chagas. Assim, diante dos diferentes aspectos biológicos analisados, índice de infecção natural por T. cruzi, informações adicionais de distribuição geográfica, bem como dos indícios de domiciliação de T. sherlocki e das informações disponíveis para outras espécies de maior e menor importância epidemiológica, tais como T. infestans, T. brasiliensis, T. nitida e T. vitticeps, os dados do presente estudo sugerem que T. sherlocki poderia ser considerado um vetor com eficiência intermediária de transmissão de T. cruzi. 3.3. Resistência ao jejum Segundo Pellegrino (1952), o período prolongado de jejum é de grande importância epidemiológica, uma vez que nos ambientes naturais, em condições adversas, em uma eventual situação de escassez de alimento, esta característica possibilita a dispersão dos triatomíneos para outros locais e subsequente desenvolvimento, assim que as condições tornem-se favoráveis. Esse comportamento dos vetores é especialmente importante no contexto da emergência ou reemergência da doença de Chagas. Esta zoonose é influenciada por mudanças climáticas ocasionadas pelo aquecimento global e pelo uso irrestrito dos recursos naturais pelo homem, os quais acarretam a degradação dos biótopos silvestres com consequente mudança da sua biodiversidade, contribuindo, dessa forma, para a sua dispersão (Araujo-Jorge & Medrano-Mercado 2009). No caso de espécies domiciliadas, a resistência ao jejum representa um mecanismo de escape contra a ação de inseticidas, que são aplicados em áreas endêmicas. As espécies que resistem a longos períodos de privação alimentar podem influenciar nos resultados das campanhas de controle, pois podem se esconder em fendas profundas na parede das casas, que são inacessíveis a ação dos inseticidas ou ao seu possível efeito residual (Dias 1965, Perlowagora-Szumlewicz 1969). Devido à necessidade de se conhecer esse comportamento para as diferentes espécies de triatomíneos, vários estudos sobre a resistência ao jejum têm sido realizados por vários autores (Tabela 5.4). Entretanto, devido às diferenças no desenho experimental dos estudos, tais como diferentes temperaturas, umidade relativa e fonte alimentar; as comparações dos resultados disponíveis na literatura são dificultadas. Apesar disso, os resultados do presente trabalho foram comparados com os dados de outras espécies disponíveis na literatura, sendo utilizado como base uma tabela elaborada por Cortéz e Gonçalves (1998), adaptada por Cailleaux et al (2011), para alguns comentários. 76 Os resultados sobre a resistência ao jejum de T. sherlocki em diferentes estádios submetidos a condições controladas de temperatura de 24,6 ± 1,3ºC e umidade relativa (não controlada) de 71,6 ± 6,3% demonstraram que, como regra geral entre os triatomíneos, esta espécie resiste a prolongados períodos de jejum. De acordo com Lent e Wygodzinsky (1979), os parâmetros biológicos dos triatomíneos variam de acordo com as condições ambientais onde vivem e são influenciados pela disponibilidade de fontes sanguíneas adequadas. Neste estudo, observou-se que a resistência ao jejum apresentada por T. sherlocki nas diferentes fases de desenvolvimento do ciclo biológico é superior àquela observada para outras espécies de triatomíneos, aproximando-se das espécies que foram estudadas sob temperaturas de 25 e 26ºC (Tabela 5.4). Entretanto, observou-se exceção para alguns estádios de algumas espécies que apresentaram valores mais altos sob essas temperaturas, tais como: ninfas de 3º, 4º e 5º estádios de T. sordida (25ºC) estudadas por Juarez (1982) e ninfas de 1º e 3º estádios de T. vitticeps (25ºC) observadas por Silva (1985) (Tabela 5.4). Por outro lado, espécies que foram estudadas em temperatura de 28ºC apresentaram valores superiores aos de T. sherlocki em alguns estádios: ninfas de 1º e 3º estádios de Dipetalogaster maximus (Ulher, 1894) (28ºC) observadas por Costa et al (1987) (Tabela 5.4). Outro fato importante diz respeito aos adultos, verificou-se que, em uma análise geral, machos e fêmeas foram mais resistentes do que os mesmos de todas as espécies relacionadas na Tabela 5.4, com média de 112,0 dias (~ 4 meses) para os machos e 109,0 dias (3 meses e 20 dias) para as fêmeas. No presente estudo, as ninfas de 1º estádio de T. sherlocki são mais sensíveis à privação alimentar, enquanto que as de 5º estádio são mais resistentes, média de 156,5 dias (5 meses e 22 dias), com máxima de 236,0 dias (~ 8 meses). A resistência dos adultos assemelha-se à das ninfas de 3º estádio e, ao comparar machos e fêmeas, verificou-se que as fêmeas são ligeiramente mais sensíveis que os machos (Tabela 5.4). É importante enfatizar que os espécimes usados neste estudo tiveram os estádios precedentes ou progenitores alimentados em camundongos semanalmente até a muda para o estádio em que foram realizadas as observações. Em razão disso, o período longo de resistência ao jejum também poderia ser atribuído ao acúmulo de reserva nutritiva no corpo gorduroso, encontrado na hemocele dos insetos (Juarez 1982). Logo, a alta resistência ao jejum apresentada por T. sherlocki, sobretudo para as ninfas de 5º estádio e adultos, além do fato de T. sherlocki completar seu ciclo de desenvolvimento ovo-aduto em um ano, sugere que esta espécie, ao concretizar sua domiciliação, pode resistir à ação residual do inseticida, sendo recomendados dois tratamentos por ano para o seu controle. 77 Tabela 5.4. Comparação dos dados de resistência ao jejum (em dias) de diferentes espécies de triatomíneos. (Adaptado de Cortéz & Gonçalves1998 e Caileaux et al 2011). Espécie N1 N2 N3 N4 N5 Macho Fêmea T (⁰C) UR (%) Fonte alimentar Autor Cavernicola lenti 15,5 33,5 40,2 71,5 75,6 41,7 44,8 28,0 90,0 camundongo Costa e Jurberg 1989 Dipetalogaster maximus 58,0 85,0 115,0 103,0 124,0 80,0 78,0 28,0 65,0 camundongo Costa et al 1987 Dipetalogaster maximus 67,0 74,0 89,0 82,0 83,0 59,0 52,0 28,0 65,0 pombo Costa et al 1987 Rhodnius neglectus 13,0 22,0 30,5 41,0 66,5 51,5 57,5 26,0 75,0 ♦ Costa et al 1967 Rhodnius prolixus 44,6 91,0 164,9 161,6 114,7 ♦ ♦ a ♦ pássaro Feliciangeli 1980 Rhodnius stali 23,4 40,5 70,3 119,6 160,0 52,6 46,5 a 65,3 camundongo Cailleaux et al 2011 Triatoma brasiliensis 33,3 44,2 40,2 48,0 58,4 52,3 42,6 30,0 70-80 camundongo Costa e Perondini 1973 Triatoma b. brasiliensis 35,8 40,0 50,5 67,9 ♦ ♦ ♦ 29,1 71,8 camundongo Costa e Marchon-Silva 1998 Triatoma b. macromelasoma 38,3 42,4 60,8 76,7 ♦ ♦ ♦ 29,1 71,8 camundongo Costa e Marchon-Silva 1998 Triatoma b. melanica 38,7 39,8 62,3 80,5 ♦ ♦ ♦ 29,1 71,8 camundongo Costa e Marchon-Silva 1998 Triatoma brasiliensis sp 43,3 50,1 56,6 68,0 ♦ ♦ ♦ 29,1 71,8 camundongo Costa e Marchon-Silva 1998 Triatoma sherlocki 57,3 90,3 104,7 146,0 156,5 112,0 109,0 24,4 71,6 camundongo Este trabalho Triatoma dimidiata 29,9 32,9 80,9 79,8 118,8 73,3 73,0 a ♦ galinha Zeledón et al 1970 Triatoma infestans 60,2 49,4 ♦ 86,3 76,4 ♦ ♦ a ♦ galinha Perlowagora-Szumlewicz 1969 Triatoma lecticularia 45,8 61,0 88,7 123,4 162,3 88,9 83,6 ♦ ♦ pombo Jurberg e Costa 1989 Triatoma nitida 56,3 63,0 102,5 158,0 114,3 58,6 66 28,0 80,0 camundongo Galvão et al 1996 Triatoma rubrofasciata 21,6 24,1 46,8 77,9 101,5 * 51,4 * 51,4 48,13 80,53 101,79 135,13 179,08 70,54 68 70,0 77.49 camundongo camundongo Cortez e Gonçalves 1998 Triatoma rubrovaria 29,0 27,63 Triatoma sordida 22,3 33,6 54,8 76,7 108,0 38,3 40,7 30,0 60-70 camundongo Juarez e Silva 1982 Triatoma sordida 46,7 72,2 118,0 176,7 217,8 54,9 63,9 25,0 60-70 camundongo Juarez e Silva 1982 Triatoma vitticeps 37,0 91,0 136,0 177,0 180,0 63,0 58,0 a ♦ camundongo Gonçalves et al 1989 Triatoma vitticeps 67,0 81,6 122,0 108,1 112,9 73,6 61,5 25,0 70,0 galinha Silva 1985 Triatoma vitticeps 40,8 54,9 66,3 76,4 80,2 45,4 45,1 30,0 70,0 galinha Silva 1985 Triatoma vitticeps 50,6 42,5 46,2 51,0 71,5 26,7 33,6 26,0 75,0 galinha Moreira e Spata 2002 Almeida et al 2003 ♦ sem informação; b.: brasiliensis; *: autor avaliou os exemplares adultos sem especificar machos e fêmeas; T: temperatura; a: ambiente; UR: umidade relativa. 78 Assim, diante dos diferentes aspectos biológicos analisados (ciclo biológico, comportamento alimentar e de defecação, resistência ao jejum, índice de infecção natural por T. cruzi) associados a informações adicionais de distribuição geográfica, bem como dos indícios de domiciliação de T. sherlocki e das informações disponíveis para outras espécies de maior e menor importância epidemiológica, tais como T. infestans, T. brasiliensis, T. nitida e T. vitticeps, os dados do presente estudo sugerem que T. sherlocki parece ser um vetor com eficiência intermediária de transmissão de T. cruzi. A Bahia, historicamente um dos estados com maior número de casos da doença de Chagas por transmissão vetorial, teve seu quadro epidemiológico drasticamente transformado, assim como outras áreas endêmicas após as medidas de controle voltadas para T. infestans (Silveira & Vinhaes 1999). Entretanto, devido a rápidas respostas adaptativas dos triatomíneos às pressões antrópicas e mudanças ambientais, tais como observadas para T. sordida e T. rubrovaria (Diotaiuti et al 1995, Almeida et al 2000), bem como especificamente as mudanças contínuas observadas no estado da Bahia devido às atividades de mineração, de desmatamento, de agricultura e, aliado a isso, a descrição de novas espécies de triatomíneos, o monitoramento entomológico e ações profiláticas, tais como as melhorias habitacionais, são imprescindíveis para a manutenção da ausência ou baixos números de casos de doença de Chagas aguda neste estado e nos demais estados do Brasil. É importante também o emprego de novas ferramentas de monitoramento ambiental e entomológico, as quais estão propiciando análises mais abrangentes e precisas para controlar essa endemia (Gurgel-Gonçalves et al 2012b). 79 VI. CONCLUSÕES As coletas realizadas e observações efetuadas em campo nas duas localidades estudadas mostraram indícios de colonização de T. sherlocki em Encantado e de invasão em Santo Inácio; No exame microscópico de fezes de 145 espécimes observou-se que 29 (20%) estavam positivos para T. cruzi-like, destes, um espécime macho foi capturado no intradomicílio em Santo Inácio, evidenciando risco de transmissão para a população dessas localidades; Por meio do estudo do ciclo biológico foi possível verificar que T. sherlocki completa o seu ciclo ovo-adulto, nas condições de laboratório, em uma média de 325 dias, o que possibilitou o desenvolvimento de uma geração anual; Através da avaliação dos parâmetros do comportamento alimentar e de defecação foi possível verificar que os estádios ninfais de T. sherlocki apresentam diferenças nestas características compatíveis com potencial vetorial variável de T. cruzi, segundo o estádio de desenvolvimento. As ninfas de 1º e 2º estádios podem ser consideradas vetores eficientes, enquanto que as ninfas de 3º, 4º e 5º estádios apresentam potencial intermediário de transmissão; A alta resistência ao jejum e o fato de T. sherlocki completar seu ciclo de desenvolvimento ovo-adulto em um ano, indicam que esta espécie, ao concretizar sua domiciliação, pode resistir à ação residual do inseticida, sendo recomendados dois tratamentos por ano para o seu controle. 80 VII. PERSPECTIVAS Analisar os dados sobre o comportamento alimentar e de defecação da fase adulta para avaliar o seu potencial vetorial; Verificar a susceptibilidade de T. sherlocki à infecção por diferentes subpopulações de T. cruzi; Avaliar o comportamento biológico vetorial por meio da dinâmica de eliminação de formas metacíclicas de diferentes isolados de T. cruzi; Identificar prováveis fontes alimentares de T. sherlocki em ecótopos naturais e artificiais por meio da técnica ELISA; Identificar os possíveis hospedeiros silvestres de T. cruzi, bem como realizar a caracterização molecular das subpopulações do parasito desses hospedeiros; Realizar atividades educativas para informar a população das localidades estudadas sobre medidas preventivas a serem adotadas, direcionadas para evitar a transmissão vetorial e oral de T. cruzi, bem como integrar as comunidades às ações de vigilância entomológica. 81 VIII. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Alencar JE 1987. 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ANEXO 94