A política brasileira para o Atlântico Sul: uma visão paradigmática
Bruno Gomes Guimarães1
Resumo
O trabalho trata da política brasileira para o Atlântico Sul em uma perspectiva histórica de 1930 em diante. Usa-se o
conceito de paradigmas de inserção internacional para melhor delinear e analisar o objeto de estudo. Três paradigmas
são levados em conta: desenvolvimentista (1930–1989), neoliberal (1990–2000) e logístico (2000–2015). A pergunta é
de como eles foram articulados e orientaram a política do Brasil para o Atlântico Sul. Primeiramente há uma descrição
dos paradigmas e sua evolução. Em um segundo momento, realizam-se a descrição e análise das políticas brasileiras
para o espaço sul-atlântico de acordo com os paradigmas. Evidencia-se que tanto o paradigma logístico quanto o
desenvolvimentistas levaram adiante projetos de desenvolvimento nacional em maior ou menor grau e defenderam
autonomamente os interesses do Brasil no Atlântico Sul. Em contraste, o paradigma neoliberal diminuiu a importância
desses objetivos, ainda que haja resultados positivos, tais como a criação da CPLP. Os primeiros representam uma
inserção internacional pragmática e independente, voltada para os interesses nacionais brasileiros, e o segundo
caracteriza-se por um marcado componente ideológico e dependente.
Palavras-chave: Brasil; Atlântico Sul; paradigmas de inserção internacional; política externa e de segurança brasileira;
desenvolvimento.
Introdução
A importância do Oceano Atlântico Sul vem crescendo constantemente nos últimos anos. Houve
diversas descobertas de recursos naturais em sua bacia que trouxeram disputas territoriais de volta à
agenda internacional. Alguns autores chegam mesmo a predizer que o Atlântico Sul se tornará tão
importante quanto o Oriente Médio enquanto região exportadora de petróleo (e.g. KERR DE
OLIVEIRA, 2012; LEITE, 2011). Além disso, a cada vez mais limitada capacidade dos canais de
Suez e do Panamá, que não permitem a passagem de supernavios, a relevância de rotas marítimas
comerciais sul-atlânticas cresceu de forma acentuada (DE LOS REYES, 2009).
Nesse cenário, o Brasil é um ator-chave pois possui o maior litoral do Atlântico Sul e é central para
o controle desse oceano (CASTRO, 2002). O país tem quase 7.500 km de costa sul-atlântica e 80%
de sua população habita em regiões próximas ao litoral (WIESEBRON, 2013). Mas, da mesma
forma que o Brasil é importante para o Atlântico Sul, este é importante para o Brasil: 95% do
comércio externo brasileiro é realizado através de rotas oceânicas no Atlântico Sul (WIESEBRON,
2013). Além disso, diversas fontes de recursos naturais foram descobertas na Zona Econômica
Exclusiva (ZEE) brasileira, principalmente os hidrocarbonetos do Pré-Sal. Em operação, as reservas
1
2
Mestre em Relações Internacionais pela Universität Potsdam, Freie Universität Berlin e Humboldt-Universität zu
Berlin. Pesquisador associado do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE).
Os fatores que afetam o poder marítimo, conforme elencados por Mahan (1890), são sua posição geográfica,
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de petróleo podem fazer o país se tornar um dos dez maiores produtores de petróleo do mundo
(WIESEBRON, 2013). Disso advém a necessidade de se pensar a defesa dos recursos do Brasil no
mar e suas capacidades marítimas correspondentes. Além disso, importa compreender a evolução da
inserção internacional brasileira para com o Atlântico Sul para melhor observar sua ascensão como
um todo no sistema internacional, especialmente a partir de 1930, marco para a industrialização do
país.
A vocação marítima do Brasil é bastante clara. Seguindo-se os preceitos de Mahan, nota-se que o
país possui condições inquestionavelmente favoráveis para a condução de atividades voltadas para o
mar (GOMES GUIMARÃES, 2014).2 Resta saber de que forma o Estado vincula o
desenvolvimento do país a políticas voltadas para o oceano.
Com esse intuito, o conceito de “paradigmas de inserção internacional” do autor Amado Cervo
(2008a) será utilizado para melhor entender as políticas desenvolvidas pelo Brasil. Grosso modo, os
paradigmas são a combinação da imagem que o povo e/ou seus líderes têm de si mesmos como uma
nação e do mundo, bem como da relação entre os dois, além da percepção do que seria seu interesse
nacional (CERVO, 2008a). Eles também envolvem a formulação de políticas e como as
informações são interpretadas de modo a guiar cálculos estratégicos, lembra Cervo (2008a). Eles
são princípios abrangentes que transcendem governos específicos e partidos políticos e que
pressupõem longa duração temporal. A partir disso, Cervo (2003; 2008a) identificou quatro
paradigmas na história das relações exteriores do Brasil: liberal-conservador, desenvolvimentista,
neoliberal e logístico. O primeiro teria durado durante todo o século XIX até 1930, quando o
paradigma desenvolvimentista entrou em voga. Este foi substituído pelo neoliberal por volta de
1989, o qual teria durado apenas uma década, até o século XXI, quando o paradigma logístico
tornou-se predominante, ainda que coexistindo com os anteriores (ROXO, 2009; CERVO, 2010;
CERVO; BUENO 2011; CERVO; LESSA, 2014).
O propósito desse artigo, então, é avaliar como os três paradigmas (neoliberal, logístico e
desenvolvimentista) foram articulados e orientaram as políticas brasileiras para o Atlântico Sul de
1930 até hoje. A pesquisa tentará mostrar o que mudou e o que permaneceu inalterado ao longo
desses quase 100 anos na política nacional para o mar. Inicialmente serão discutidos os pormenores
2
Os fatores que afetam o poder marítimo, conforme elencados por Mahan (1890), são sua posição geográfica,
conformação física, tamanho do território costeiro, número de habitantes, atividades marítimas realizadas pelos
habitantes e o caráter do governo (facilitador ou não de vínculos com o mar).
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de cada um dos paradigmas modernos. Após isso, será feita uma descrição histórica da inserção
brasileira para com o Atlântico Sul. Por fim, segue-se uma breve conclusão a respeito da adequação
de cada um dos paradigmas para o Brasil, potência emergente.
Os paradigmas da inserção internacional brasileira
O primeiro dos paradigmas considerados, o desenvolvimentista, originou-se de pressões externas e
internas logo após a crise econômica de 1929. Externamente, o mundo mergulhara em uma
profunda recessão, que afetou gravemente a economia do Brasil, a qual era altamente dependente de
exportações de commodities, especialmente o café. Ressurgiram blocos política e economicamente
rivais ao redor do globo. Enquanto isso, os Estados Unidos (EUA) sob a presidência de Franklin D.
Roosevelt iniciavam novas políticas para a América Latina com consideráveis investimentos — a
Política da Boa Vizinhança (SMITH, 2005). Internamente, novas forças sociopolíticas —
resultantes da intensa urbanização do início do século — demandavam a modernização do país,
especialmente após a crise econômica. As massas urbanas passaram a lutar por mais empregos e
renda, enquanto a burguesia queria novas oportunidades de negócios (FONSECA, 1987). Elas
queriam pôr fim ao sistema que favorecia os oligarcas cafeicultores. Ao mesmo tempo, as Forças
Armadas do Brasil, cujos equipamentos estavam bastante obsoletos ao final dos anos 1920, queriam
adquirir os meios de garantir a defesa do país e da hegemonia no continente sul-americano
(CERVO, 2008a; VISENTINI, 2013). Ademais, a elite intelectual e uma nova classe de políticos
abraçaram uma mentalidade revolucionária e usaram desses impulsos populares, militares e
burgueses para mudar o país.
Tomadas em conjunto, essas fontes de pressão levaram a um paradigma que esteve marcado por três
características principais desde a sua incepção: a consciência da transição em curso, desenvolvimento como o principal objetivo e um comportamento realista (CERVO, 2008a). Em contraste,
no passado a elite cafeeira restringia a política externa brasileira à obtenção e manutenção de
mercados para seus produtos em vez de elaborar um projeto nacional (VISENTINI, 2013). Portanto,
o paradigma desenvolvimentista inovava a postura do Brasil ao defender interesses diversos de uma
sociedade complexa e não apenas os do setor agrário. Cervo (2008a) explica que o interesse
nacional passou a ser a soma de muitos e variados interesses, muitas vezes divergentes entre si, mas
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que o desen-volvimento — entendido como industrialização e crescimento econômico — estaria em
sua base.
A ideologia por trás do paradigma, o desenvolvimentismo, é crítica ao capitalismo, posto que
reconheça que há muitas assimetrias entre os países causadas pelo sistema econômico. No entanto,
Cervo (2008a, p. 75) observa que “[a] ideologia liberal era subjacente, porém não contaminava a
política desenvolvimentista à maneira de um fundamentalismo”. O desenvolvimentismo tenta
superar as assimetrias capitalistas através da promoção do desenvolvimento e da autonomia na
tomada de decisões, mas não se opõe ao liberalismo em todos os momentos, apenas quanto este é
contrário aos interesses nacionais (no caso, o desenvolvimento). Contudo, dentro da ideologia há
duas interpretações sobre que modelo de desenvolvimento deveria ser seguido: associado (aos
EUA, por exemplo) ou autônomo (CERVO, 2008a). O primeiro consiste no aprofundamento dos
laços geopolíticos e econômicos com o núcleo da economia global para alcançar a industrialização.
O segundo advoga o fortalecimento das forças nacionais, especialmente da base econômica, e uma
completa autonomia política.
Sinônimo de industrialização, o desenvolvimento é o principal objetivo da política externa do Brasil
sob o paradigma desenvolvimentista (VISENTINI, 2013). O desenvolvimento seria mais eficiente
através de autonomia decisória, aumento da cooperação externa, flexibilização da política
comercial, negociações simultâneas com grandes potências e países vizinhos e, significativamente,
a política de segurança estaria subordinada a metas de desenvolvimento e ganhos econômicos
(CERVO, 2008a). A política externa complementaria os objetivos desenvolvimentistas através da
obtenção de capital, mercados externos e tecnologia.
Nesse sentido, o acesso ao mercado brasileiro dependeria do impacto da abertura do mesmo nos
objetivos gerais de desenvolvimento. É nesse contexto que devem ser compreendidas as políticas de
substituição de importação e exportação, características do período. A lógica do paradigma
desenvolvimentista é a de que um país subdesenvolvido não se tornará um país avançado
exportando apenas bens primários e importando manufaturados; ele deve se tornar competitivo em
mercados estrangeiros para bens industrializados (CERVO, 2008a). A dependência só poderia ser
superada através da rápida industrialização com marcada coordenação política (CERVO, 2008a).
O desenvolvimentismo encontrou muitos desafios crônicos, tais como instabilidade econômica
devido à desarranjos fiscais, inflação e balança de pagamentos desequilibrada. De fato:
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[o modelo desenvolvimentista] incorreu em duas falhas estruturais: voltados
para o mercado de consumo interno, feito reserva em função de elevado
protecionismo alfandegário, os empresários da indústria pouca importância
atribuíam às exportações em seu planejamento; como não competiam com
produtores externos, pouco ou nada investiam em inovação,
comprometendo a competitividade e eventuais exportações com valor
agregado (CERVO; LESSA, 2014, p. 144).
Essa situação favoreceu o surgimento do paradigma neoliberal. Por um lado, os desenvolvimentistas
acreditavam que a estabilidade econômica viria como um resultado de medidas de longo prazo. Por
outro, monetaristas preferiam “tratamentos de choque” para sanar a economia brasileira. No início
dos anos 1990, estes encontraram condições favoráveis para implementar suas ideias tanto no
cenário externo quanto interno.
Internamente, o Brasil passava por um processo de democratização após 20 anos de ditadura civilmilitar. Em 1988 aprovou-se uma nova constituição e em 1989 ocorreram as primeiras eleições
democráticas diretas. O candidato neoliberal, Fernando Collor de Melo, venceu-as com o apoio da
elite e da mídia ( C
; PIANA DE CASTRO, 2009). Ele travou uma guerra contra a
estratégia do Estado indutor do desenvolvimento. Para os defensores do neoliberalismo, o Estado
deveria prover apenas estabilidade econômica, compreendida como estabilidade monetária; todo o
resto seria fornecido pelo livre mercado, incluindo-se aí o desenvolvimento nacional.
Externamente, novas regras de economia política haviam sido estabelecidas pelas estruturas
hegemônicas do capitalismo, o Consenso de Washington. Com o final da Guerra Fria e a suposta
vitória ideológica ocidental (o “fim da história”), a adoção dessas regras era vista quase que
inquestionavelmente como uma maneira de sair da situação de permanente instabilidade econômica
(CERVO, 2008a). Os EUA e o Fundo Monetário Internacional (FMI) defenderam essa agenda ao
redor do mundo. No entanto, Saraiva faz uma importante ressalva de que:
O discurso do liberalismo triunfante dos centros hegemônicos do
capitalismo — que avançaram o liberalismo somente depois de, por meios
autárquicos e protecionistas, terem construído a base econômica e social
sólida interna de seus estados-nacionais —, foi uma miragem para as elites
despreparadas da América Latina (SARAIVA, 2005, p. 70).
De fato, a doutrina neoliberal passou a ser incorporada passivamente pela elite do Brasil. Isso
significou medidas de abertura de mercados domésticos, privatização de empresas estatais, o fim do
empreendedorismo estatal, garantias a investimentos externos e a adaptação de instituições públicas
e legislação brasileiras. Entre as ações tomadas para revitalizar a economia através de “tratamentos
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de choque” estiveram a mudança de moeda, confisco da poupança, congelamento de contas
bancárias, preços e salários, paridade monetária com o dólar estadunidense e a redução dos
impostos sobre importação.
Um aspecto-chave do paradigma neoliberal é a esterilização de dois pontos principais do
desenvolvimentista: as ideias de interesse nacional e de projeto nacional (CERVO, 2008a).
Visentini (2013) nota que a ordem neoliberal e globalizante do pós-Guerra Fria permitiu que as
noções de soberania, interesse nacional e projeto de desenvolvimento fosse postos de lado. De fato,
para os líderes neoliberais, somente as grandes potências poderiam aspirar a ter um projeto nacional
e, portanto, o Brasil não deveria ser voluntarista e querer ter um. No paradigma neoliberal, os
interesses nacionais brasileiros são os mesmos que o da comunidade internacional, i.e. estão
diluídos dentro de organizações multilaterais e forças capitalistas sistêmicas. Sendo assim, não
haveria motivo para o Brasil elaborar uma política externa autônoma.
Na prática, o paradigma liberal acabou por recriar uma situação de forte dependência do centro da
economia global. No entanto, a produtividade econômica subiu de forma acentuada ao tirar
empresas de sua zona de conforto gerado pelo protecionismo desenvolvimentista (VISENTINI,
2013; CERVO, 2002; 2008a). Elas foram forçadas a modernizar suas fábricas e métodos de
produção para adaptar-se a uma nova realidade, elevando, assim, a produtividade sistêmica da
economia do Brasil. Por outro lado, através do paradigma neoliberal, garantiu-se o livre fluxo de
capitais especulativos, os quais drenaram a riqueza do país. As políticas neoliberais agravaram os
problemas econômicos sem prover uma estratégia de superação e aumentando a vulnerabilidade
(CERVO, 2002; GOMES GUIMARÃES, 2014). Significativamente, a economia brasileira
começou a desindustrializar-se e ficar dependente do setor primário. Cervo resume os resultados do
paradigma neoliberal:
Estabilidade monetária e aumento de produtividade do sistema empresarial
são os ganhos atribuídos aos governos neoliberais da América Latina.
Desconstrução do núcleo central da economia, endividamento interno e
externo, alienação do patrimônio nacional e transferência de renda são seus
custos. Em termos prospectivos, os governos neoliberais reintroduziram
mais um século de dependência estrutural, o atraso histórico cuja superação
ficou mais distante (CERVO, 2000, p. 21).
Essa situação colaborou para com o surgimento do paradigma logístico no início do século XXI.
Cervo (2008a) identifica três principais fatores que contribuíram para tal: o fracasso do paradigma
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neoliberal no campo social; a percepção por parte da elite brasileira de que dirigentes do Norte
Global não estavam adotando os mesmos preceitos econômicos que advogavam para países em
desenvolvimento; e, por fim, a sobrevivência do pensamento crítico latino-americano ao longo da
década de vigência do neoliberalismo, defendendo uma inserção internacional mais madura para os
países da região.
O paradigma logístico seria, então, próximo a uma síntese de ambos os paradigmas anteriores
(CERVO, 2008a). Ele aceita que a nação brasileira está inserida num sistema mundial capitalista e
globalizado. Porém, percebe que a internacionalização da economia é uma ferramenta para o
desenvolvimento e não um fim em si mesmo. Portanto, é uma ideologia que defende uma inserção
internacional equilibrada, tendo o desenvolvimento como o principal objetivo (MACHADO, 2009).
Politicamente, o paradigma logístico recobra a autonomia para a tomada de decisão em política
externa com a finalidade de superar as assimetrias do sistema capitalista (CERVO, 2008a). Nesse
caso, o Estado tenta defender os interesses da sociedade como um todo; não se limita somente a
manter a estabilidade econômica. Entretanto, transferem-se as responsabilidades do Estado
desenvolvimentista empreendedor à sociedade (CERVO, 2008a). Dessa forma, o Estado não é nem
absoluto (desenvolvimentista) nem mínimo (neoliberal), mas maduro. O paradigma logístico desafia
a premissa do desenvolvimentismo de que o Estado deve prover tudo, mas também elimina a crença
neoliberal de que o livre mercado é capaz de realizá-lo. Ou seja, é a conduta de países avançados,
baseada na defesa de interesses nacionais complexos e diversificados através de uma inserção
internacional propositiva e assertiva (GOMES GUIMARÃES, 2014; CERVO, 2008a).
A formação e percepção desses interesses nacionais é baseada na suposição de que a fase
desenvolvimentista esgotou-se, nota Cervo (2008a). A sociedade brasileira é avançada e seus
interesses são consequentemente muito plurais e precisam ser defendidos internacionalmente. Por
isso, o Estado projeta a internacionalização da economia para superar assimetrias sistêmicas. A
lógica é a de que o Brasil é, sim, parte do sistema capitalista, mas as estruturas hegemônicas podem
ser mudadas. O Estado tenta, então, atenuar vulnerabilidades externas — principalmente
dependência tecnológica e financeira — através da promoção de inovação produtiva e do abandono
da condição de devedor internacional (CERVO, 2008a; CERVO; BUENO, 2002). De fato, segundo
Cervo (2008a), o principal desafio identificado pelo paradigma é o fortalecimento do núcleo da
economia nacional de forma a alcançar o nível já alcançado por países avançados. Para isso, o
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Estado apoiaria empresas públicas e privadas para melhorar seu desempenho e competitividade
global. Sob o paradigma logístico, o Estado seria um estrategista e não um condutor. Sua lógica é a
de que o desenvolvimento advém da coordenação entre governo e sociedade civil (SOUZA; DIAS,
2013). O Estado tenta construir seus meios de poder e usá-los para ganhar vantagens comparativas
intangíveis em ciência, tecnologia e capacidade empreendedora (CERVO, 2008a).
Destarte, a globalização é vista como uma oportunidade para fazer negócios e promover interesses
nacionais, tal como países do Norte Global o fazem: proteção a empresas, tecnologias e capital;
estímulos à consolidação doméstica e à expansão internacional; atenção ao bem-estar social
(CERVO, 2008a). No paradigma logístico, o Brasil forja coalizões que fortalecem sua posição e
desafiam estruturas hegemônicas, questionando a ordem global em prol de sua democratização,
afirma Cervo (2008a). Para os interesses brasileiros, uma interdependência real no mundo
globalizado implica erigir cadeias produtivas e estimular investimentos diretos no estrangeiro,
especialmente na América do Sul. Dessa forma, o paradigma logístico também fornece os meios
para a integração regional sul-americana, como observa Sebben (2010). Ademais, a integração da
América do Sul serviria a três objetivos: proteger o país de choques externos, criar um ambiente
estável e pacífico que permita o desenvolvimento regional e ser um trampolim de seu poder no
cenário global (STUENKEL, 2013).
A articulação dos paradigmas de inserção internacional para o Atlântico Sul
O paradigma desenvolvimentista (1930–1989)
Embora o paradigma logístico tenha sido iniciado já nos primeiros anos da década de 1930 com a
chegada de Getúlio Vargas ao poder, o Brasil não possuía políticas específicas tampouco uma
estratégia para o espaço sul-atlântico. As relações com países africanos, ainda colônias, não eram
significativas e a Argentina era tida como uma rival a ser temida. As Forças Armadas do Brasil
estavam obsoletas e a Marinha não era uma exceção. Em 1936, Vargas lançou o Programa de
Renovação para substituir e modernizar a frota com navios de guerra produzidos tanto no Brasil
quanto no exterior, porém sem muito sucesso (CABRAL, 2013).
A situação mudou após o início da Segunda Guerra Mundial. O Brasil passou a fornecer matériasprimas tanto para as potências aliadas quanto para as do eixo. Evidenciou-se, assim, a importância
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das rotas marítimas para a economia do país. Quando a Alemanha começou a realizar operações
militares no Atlântico Sul a partir de bases no Senegal e na Guiana Francesa, submarinos foram
destacados para a costa brasileira para atacar navios mercantes rumo aos aliados. O Brasil entrou na
guerra em 1942 logo após Berlim ter afundado seis embarcações brasileiras. Em seu esforço de
guerra, Vargas criou a Força Naval do Nordeste, cujas belonaves viriam dos Estados Unidos com
quem um acordo militar fora assinado. Este incluía também a modernização de toda a Marinha
brasileira, notadamente para combater submarinos, em troca do uso, pelos EUA, de bases aéreas e
marítimas brasileiras. Com Washington, o Brasil também compartilhou a defesa do Atlântico Sul,
cada um com zonas específicas de atuação ao longo da costa brasileira. Ao final da guerra, o Brasil
obteve resultados positivos para sua Marinha, a qual teve seu poder de fogo significativamente
aumentado e seu planejamento estratégico e tático bastante melhorado (CABRAL, 2013).
Esse modelo de desenvolvimento associado aos EUA foi continuado para a Guerra Fria nos
planejamentos de defesa hemisférica. Em 1947 foi assinado o Tratado Interamericano de
Assistência Recíproca (TIAR). No ano seguinte, a Organização dos Estados Americanos (OEA) foi
criada. Ambas as instituições foram apoiadas por Washington para conter originalmente a
Alemanha nazista e depois a União Soviética nas Américas. O TIAR previa a defesa coletiva contra
intervenções de potências estrangeiras no hemisfério e de mudanças de soberania (contra o retorno
do colonialismo). De certa forma, tanto a OEA quanto o TIAR eram a concretização da Doutrina
Monroe, baseando-se em solidariedade continental e assistência mútua contra agressões externas.
No bojo dessa estratégia de defesa hemisférica, em 1952 o Brasil assinou com Washington um
acordo militar que aumentava a dependência brasileira de equipamentos e doutrina estadunidenses.
De acordo com ele, a Marinha brasileira se especializaria em guerra antissubmarinos no Atlântico
Sul, tal como fora feito na Segunda Guerra Mundial, para garantir a segurança das rotas de
comércio. Isso criou uma situação de dependência estrutural da Marinha, pois os EUA tinham a
última palavra na modernização de toda a frota brasileira (PENHA, 2011).
Essa condição de dependência ficou mais evidente ao final dos anos 1950. Os EUA mostravam-se
bastante relutantes em prover equipamentos, treinamento e embarcações para a Marinha brasileira
(PENHA, 2011). No Brasil havia uma percepção de que Washington estava deliberadamente
contendo as capacidades do país e, dessa forma, passou a se questionar o acordo militar de 1952.
Além disso, o Brasil foi deixado de fora das negociações do Tratado da Antártida, embora tenha
manifestado seus interesses aos EUA em 1958 (PENHA, 2009). Isso alimentou o juízo de que
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Washington estava minando a posição brasileira no Atlântico Sul. Na ocasião da Guerra da
Lagosta3 (1962–1963), as desconfianças brasileiras tornaram-se justificadas quando os Estados
Unidos disseram que o Brasil não poderia usar seus próprios navios de guerra para defender-se da
França, pois eles haviam sido comprados dos EUA e, sob contrato, não poderiam ser usados contra
aliados estadunidenses (BRAGA, 2009; RAFFAELLI, 2003). Essa atitude levou o Brasil a perceber
a urgência de ter capacidades para defender suas águas jurisdicionais de forma independente,
especialmente dos EUA.
A postura brasileira mais autônoma, caracterizada pela Política Externa Independente (PEI) sob os
presidentes Jânio Quadros e João Goulart, foi acentuada com o processo de descolonização na
África. Resistindo a pressões dos EUA que viam nisso uma janela para a entrada da União Soviética
no espaço sul-atlântico, o Brasil instava pela completa descolonização do continente africano. De
fato, estabeleceram-se relações diplomáticas com diversos países da África e as primeiras rotas
marítimas diretas entre o Brasil e o continente foram inauguradas em 1963 (PENHA, 2011).
Esse ensaio autonomista representado pela PEI foi contido pelo golpe militar em 1964. A prioridade
de Castelo Branco era a luta contra o comunismo e, portanto, abandonou a pauta da descolonização
da África. Um modelo de desenvolvimentismo associado foi priorizado: o Brasil apoiaria os EUA
na África e no Atlântico Sul como um todo para adquirir, em troca, tecnologias, capital e
armamentos (PENHA, 2011).
Entretanto, com a chegada de Costa e Silva ao poder no Brasil, a política do país para a África
começou a sofrer uma inflexão devido à busca de novos mercados (SARAIVA, 1996). Penha
(2011) argumenta que Costa e Silva deu início aos “anos dourados” das relações do Brasil com o
continente não somente porque Brasília queria diversificar seus mercados, mas também porque
procurava ter uma postura gradativamente mais autônoma no Atlântico Sul. Além disso,
internamente programas foram criados para o fortalecimento da indústria naval brasileira civil e
militar. Medidas foram tomadas para aumentar a participação de navios mercantes brasileiros no
total dos fretes comerciais no país, levando ao crescimento do número de estaleiros e da frota
mercante. No escopo militar, lançou-se o Programa Decenal de Renovação dos Meios Flutuantes
3
A Guerra da Lagosta ocorreu quando o Brasil descobriu que navios pesqueiros franceses estavam atuando
comercialmente em águas territoriais brasileiras sob o pretexto de pesquisa científica e passou a apreender as cargas
francesas. A França enviou belonaves para escolta de seus pesqueiros e, como resposta, o Brasil enviou seus navios
de guerra e aviões da Aeronáutica para o nordeste para se defender (Lessa, 1999). O incidente encerrou sem conflito
armado com o recuo da França.
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(PDRMF), o qual previa a aquisição de 70 navios de guerra de países europeus, liberando o país da
dependência de tecnologia militar dos EUA (COTEAU-BEGARIE, 1985). Ainda que o programa
fosse fortemente focado na condução de operações antissubmarino — sob a estratégia
estadunidense —, ele representou uma lenta aproximação a um modelo de desenvolvimento
autônomo (PENHA, 2011; GOMES GUIMARÃES, 2014).
Nos governos de Médici e Geisel, o modelo associado para o Atlântico Sul foi revertido. O Brasil
adotou uma postura firme e independente, gerando grande desagrado por parte dos EUA. A
Marinha passou a participar da formulação de políticas para o espaço sul-atlântico. Em 1970,
aprovou-se a lei de demarcação de águas territoriais brasileiras a 200 milhas da costa, medida
duramente criticada por países desenvolvidos. A autonomia estratégica militar no Atlântico Sul foi
buscada também. O Brasil revogou a permissão dos EUA de terem uma missão naval permanente
no país em 1977. No mesmo ano, ao final do PDRMF, Geisel denunciou o acordo militar com os
EUA de 1952, permitindo que a Marinha do Brasil pudesse ser completa e independente. A
Marinha lançou duas iniciativas (Políticas Básicas e Diretrizes e o Plano Estratégico) para
modernizar a frota e a indústria navais do país, aumentando a demanda e permitindo produção em
escala de navios. Nesse momento, também deu-se início aos planos de construção de submarinos
nucleares. Havia uma forte convergência entre esses programas militares e políticas industriais para
o setor naval nesse período. Ao final da década de 1970, cerca de 50% de todos os navios operando
em portos do Brasil tinham a bandeira brasileira, o país havia se tornado o sétimo maior construtor
mundial de navios e possuía a 20ª maior frota mercante do mundo (PENHA, 2011). Penha (2011)
também informa que esse processo de industrialização e modernização da indústria naval, militar e
civil, criou 30 mil empregos em estaleiros no Brasil.
Médici e Geisel também intensificaram as relações com países da África. Chefes de Estado
africanos visitaram o Brasil, que, por sua vez, abriu diversas embaixadas no continente. Brasília
também voltou a defender a completa descolonização. Com a crise econômica desencadeada pelo
choque do preço do petróleo, o Brasil também procurava novos mercados para seus produtos e
fornecedores alternativos de petróleo para si. Símbolo desse período são as independências das
colônias portuguesas, particularmente Angola, as quais o Brasil prontamente reconheceu. Essa
atitude ignorava as disputas ideológicas da Guerra Fria, visto que Angola e Moçambique tinham
governos marxistas. Assim sendo, o Brasil passava a ter uma inserção internacional autônoma com
a África que transcendia as relações comerciais (LIMA; MOURA, 1982).
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Com isso, a segurança do Atlântico Sul ficava subordinada aos interesses de desenvolvimento do
Brasil (SARAIVA, 1996). De fato, o Brasil foi um ator-chave para enterrar a ideia de criação de
uma aliança militar com a África do Sul e os EUA contra regimes comunistas no Atlântico Sul
(HURRELL, 1983). As relações com Pretoria, sob regime do Apartheid, foram severamente
limitadas.
Fortalecia-se o desenvolvimentismo de modelo autônomo com a finalização do processo de
industrialização. O Brasil passou a exportar capital, tecnologia, serviços e bens manufaturados.
Estes representavam a maior parte do fluxo comercial para a África, que subiu de 130 milhões de
dólares em 1970 para 3,3 bilhões em 1985 (CERVO; BUENO, 2002). Brasília passou também a ser
uma grande fornecedora de armamentos para o continente, exportando principalmente para a
Nigéria, que se tornou o principal parceiro brasileiro na África (MACHADO, 2013).
Paralelamente, fortalecia-se a parceria brasileira com a Argentina, ainda que houvesse algumas
disputas (SPEKTOR, 2002). Contudo, foi com a eclosão da Guerra das Malvinas que se a
intensificou exponencialmente. Antes da guerra o Brasil já era o principal parceiro latino-americano
da Argentina e, em 1983, cerca de 15% das importações argentinas eram oriundas do Brasil, sendo
que composta majoritariamente por bens manufaturados (HIRST; LENGYEL, 1986; VIDIGAL,
2007; HIRST, 1988). Desde o início do confronto, o Brasil apoiou a Argentina, mesmo tendo
oficialmente declarado neutralidade. O Itamaraty representava Buenos Aires diplomaticamente em
Londres ao longo do conflito. Brasília não condenou o ataque argentino e pedia uma solução
negociada para a disputa. Moniz Bandeira (1995) afirma que o Brasil chegou a fornecer
armamentos à Argentina: aviões de patrulha, foguetes balísticos e caças Xavante. Ademais, o Brasil
também teria feito vista grossa para armamentos com destino à Argentina vindos de Cuba, Israel,
Líbia e União Soviética através do espaço aéreo brasileiro (CASADO; OLIVEIRA, 2012). A
intensificação das relações bilaterais foi tamanha que levou a maior cooperação militar, por
exemplo, no setor de tecnologia nuclear no pós-guerra.
A Guerra das Malvinas e a consequente mudança do cenário geopolítico do Atlântico Sul nos anos
1980 também acentuou o afastamento do Brasil com países do Norte Global. O conflito acentuou a
vulnerabilidade estratégica da América do Sul quando Washington abandonou a solidariedade panamericana ao decidir apoiar Londres, cortando laços econômicos e militares com a Argentina
(HÖRING; WEBER; CLOSS, 2014). Assim, o TIAR foi abandonado e a OEA foi despida de
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relevância. Logo, a derrota argentina fez com que a América do Sul percebesse a necessidade de
cooperação para superar suas vulnerabilidades vis-à-vis as potências ocidentais (LHAVER apud
PENHA, 2011).
Na esteira disso, o Brasil lançou com a Nigéria a proposta para a Zona de Paz e Cooperação do
Atlântico Sul (ZOPACAS) em 1986. Ambos os países queriam limitar a influência das antigas
potências colonialistas, França e Reino Unido, no Atlântico Sul. Além disso, queriam distanciar a
região da divisão entre Leste e Oeste da Guerra Fria. Oficialmente, a ZOPACAS objetiva evitar a
presença de potências extrarregionais e de armas de destruição em massa no espaço sul-atlântico.
Miyamoto (1987) assevera que estrategistas e líderes políticos brasileiros queriam estabelecer um
“círculo de paz” ao redor do Brasil no Atlântico ul. A iniciativa foi aprovada na Organização das
Nações Unidas (ONU) em 1986 com voto contrário dos EUA e abstenções de países europeus.
Entretanto, a década de 1980 também foi marcada pela crise da dívida externa, que afetou
duramente o Brasil no espaço sul-atlântico. O país tinha de ter grandes superávits comerciais para
aliviar a pressão da dívida e, para isso, deu prioridade às exportações para a África, a qual acabou
representando até 10% de todo o comércio exterior brasileiro (PENHA, 2011). Apesar disso, a crise
impactou a economia de tal maneira que comprometeu o paradigma logístico. A indústria naval foi
um dos principais setores afetados: desregulamentação setorial e abertura de rotas marítimas a
empresas estrangeiras impactaram negativamente seu desempenho. Sem a demanda garantida, mais
da metade dos estaleiros nacionais foram desativados e a marinha mercante perdeu competitividade
(PENHA, 2011). O paradigma encontrara barreiras no Atlântico Sul que levaram ao seu fim.
Em suma, a articulação do paradigma no Atlântico Sul cumpriu o papel esperado ao contribuir para
o desenvolvimento do Brasil. As políticas brasileiras para o oceano no período faziam parte de um
projeto nacional. Inicialmente o desenvolvimentismo associado serviu para a industrialização do
Brasil bem como para o fortalecimento de sua obsoleta marinha. Porém, logo a parceria com os
EUA foi posta de lado quando ela tornou-se insuficiente para as aspirações brasileiras. Assim, o
Atlântico Sul virou uma prioridade estratégica brasileira para o crescimento econômico e
industrialização. Laços com países africanos foram forjados e aprofundados e projetos navais
ambiciosos, militares e civis, foram lançados. Isso dinamizou a indústria naval do Brasil, que se
tornou uma das maiores do mundo. Já a Guerra das Malvinas foi uma oportunidade aproveitada
pelo país para cimentar sua liderança no espaço sul-atlântico através da ZOPACAS. No entanto, ao
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final dos anos 1980, já tendo atingido seus objetivos de desenvolvimento e industrialização, o Brasil
enfrentou uma dura crise econômica que dificultava seriamente a articulação do paradigma.
O paradigma neoliberal (1990–1999)
A crise do paradigma desenvolvimentista ensejou o surgimento do neoliberal, com sérias
implicações para as políticas brasileiras para o Atlântico Sul. A reorientação do modelo de inserção
internacional significou uma retração das iniciativas tanto domestica quanto internacionalmente.
Sob Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, o Brasil perdeu parte de sua
influência no espaço sul-atlântico, ainda que alguns projetos tenham contraintuitivamente
solidificado a presença do país em regiões e pautas estratégicas (GOMES GUIMARÃES, 2014).
Uma das instâncias em que a influência brasileira se manteve foi na ZOPACAS. Ela tinha perdido
sua razão de ser com o fim da Guerra Fria, mas em 1992 o Itamaraty decidiu adaptá-la ao novo
cenário geopolítico. Novas áreas de cooperação foram adicionadas à pauta do bloco, notadamente a
cooperação econômica passou a ser priorizada ao invés de segurança (PENHA, 2011). Deu-se
ênfase também em processos de integração regional e sub-regional no Atlântico Sul, como, por
exemplo, o Mercosul, a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (ECOWAS) e a
União Aduaneira da África Austral (SACU). Ademais, ao lado da renovação do comprometimento
com a desnuclearização do espaço sul-atlântico, estabeleceram-se compromissos de proteção
ambiental e cooperação comercial. No escopo da ZOPACAS o Brasil também normalizou as
relações com a África do Sul pós-Apartheid. Entretanto, em 1998 empecilhos foram encontrados
para o aprofundamento da integração sul-atlântica: não houve consenso sobre quais medidas
deveriam ser tomadas daquele ponto em diante.
A criação do Mercosul também foi um importante passo para as políticas brasileiras para o
Atlântico Sul. A organização pôs fim à rivalidade entre Brasil e Argentina e aumento
exponencialmente as instâncias de cooperação bilateral, civil e militar, especialmente entre a
Marinha brasileira e a Armada Argentina. Estabeleceram-se exercícios militares navais cojuntos
bilaterais e com a participação do Uruguai. O único ponto de discórdia remanescente foram as
intenções de Buenos Aires de entrar na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e
tornar-se um bastião ocidental na região no inicio dos anos 1990 (CERVO; BUENO, 2002).
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As relações do Brasil com a África foram drasticamente reduzidas na década de 1990. Inúmeras
embaixadas foram fechadas no continente, um indicativo da retração do interesse político em
engajar-se com países africanos. As relações econômicas com a África atingiram os menores níveis
desde 1960: o comércio com a região representou menos de 3% do total brasileiro, uma queda de
mais de 66% em comparação com a década anterior (PENHA, 2011). Contudo, os projetos de
investimento em infraestrutura iniciados nos anos 1970 e 1980 foram continuados, principalmente
em países africanos do Atlântico Sul, tais como Camarões, Guiné-Bissau, Congo e Gabão.
No contexto dessa retração, o Brasil focou sua atenção a apenas quatro países africanos: África do
Sul, Nigéria, Namíbia e Angola — todos sul-atlânticos. Após ter normalizado as relações com
Pretória, foram estabelecidos contatos entre as Marinhas brasileira e sul-africana. Desde 1993
realizam-se bianualmente exercícios militares navais, conhecidos como ATLASUR, com a
participação de ambos além de Argentina e Uruguai. Ademais, o Brasil tornou-se o maior parceiro
comercial da África do Sul nesse período (PEREIRA, 2013). Por outro lado, a Nigéria era o
principal parceiro brasileiro na África, sendo que o setor petrolífero era o principal com
investimentos significativos do Brasil na área ao final dos anos 1990 (MACHADO, 2013;
PIMENTEL, 2000). Por sua vez, a Namíbia tornou-se prioritária em cooperação securitária: sem
capacidades marítimas, o Brasil decidiu cooperar para a criação de uma marinha namibiana.
Diversos programas foram criados para o treinamento de oficiais namibianos no Brasil. Com
relação a Angola, o Brasil aceitou participar da missão de paz das Nações Unidas no país de 1995 a
1997 como o principal contribuidor de tropas.4 Foram enviados 1.200 soldados a Angola, o maior
contingente destacado pelo país desde a Segunda Guerra Mundial.
Outra iniciativa relevante por parte do Brasil nessa década foi a criação da Comunidade dos Países
de Língua Portuguesa (CPLP), a qual aproximou o país de Angola, Guiné-Bissau, São Tomé e
Príncipe, Cabo Verde, Moçambique e Portugal. Segundo análise de Penha (2011), o Itamaraty via
na CPLP uma oportunidade de integrar o Mercosul à ECOWAS e à Comunidade para o
Desenvolvimento da África Austral. A organização oficialmente pretende promover a cultura de
seus países, além de facilitar coordenação política e cooperação técnico-científica. Em 1998 a CPLP
foi posta à prova na crise política de Guiné-Bissau e obteve grande sucesso ao conseguir negociar
um cessar-fogo em conjunção com a ECOWAS e frear as pressões separatistas no país.
4
Houve duas missões anteriores em Angola das quais o Brasil participara enviando observadores militares e
profissionais da saúde entre 1989 e 1995.
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Domesticamente, o paradigma neoliberal teve impacto negativo para a indústria naval. As medidas
liberalizantes adotadas por Collor e Cardoso levaram a uma redução acentuada da frota mercante
nacional, apenas 30% do comércio total era realizado por empresas brasileiras, e somente 8% dela
era composta de navios construídos nacionalmente (PENHA, 2011). A redução da demanda em
estaleiros brasileiros levou a diversas falências, o que gerou desemprego em massa em cidades
portuárias. Em contraste com os anos 1970 e 1980, apenas 3.000 pessoas trabalhavam no setor
industrial naval ao final da década de 1990 (PIRES; GOMIDE; AMARAL, 2014). Como resultado,
a frota mercante brasileira era composta apenas de navios obsoletos e não havia investimentos
públicos nem privados para modernizá-la. No entanto, as medidas liberalizantes surtiram efeito para
a redução de pressões inflacionárias na economia, pois os custos de frete caíram drasticamente.
Ainda assim, o setor naval tornou-se um oligopólio de grandes empresas transnacionais em
detrimento das pequenas e médias empresas nacionais anteriores. Ao final da década, a indústria
naval brasileira e os serviços de frete locais eram basicamente inexistentes — uma grande diferença
para as décadas anteriores nas quais o Brasil era um dos líderes desses setores no mundo.
O paradigma também impactou deleteriamente questões militares. Gastos em defesa no geral foram
reduzidos, uma queda marcante como proporção do Produto Interno Bruto (PIB). Collor e FHC
cortaram todos os subsídios à indústria militar, setor naval incluso, levando a falências. A Marinha
também sofreu fortes cortes de investimentos, o que causou a obsolescência de belonaves e
equipamentos ao longo dos anos 1990.
As políticas brasileiras para o Atlântico Sul foram em geral bastante limitadas sob o paradigma
neoliberal. Este privou o Brasil de qualquer noção de projeto nacional vinculado ao oceano. Havia
uma convicção de que o Norte Global garantiria a defesa do país e o desenvolvimento
socioeconômico — uma crença de que os interesses do país estavam vinculados aos do ocidente. A
falta de discernimento de interesses nacionais concretos levaram ao fim da indústria naval e ao
abandono da Marinha. A obsolescência das frotas militares e civis foi acompanhada por
desemprego maciço. Afora isso, as relações políticas e econômicas com a África sul-atlântica foram
reduzidas a um número mínimo de países. No fim, considerando que o único impacto positivo do
paradigma foram os ganhos de produtividade com redução salarial e entrada de empresas
transnacionais mais modernas, o modelo de inserção passou a ser questionado pela própria elite.
Isso levaria a uma redescoberta do Atlântico Sul como catalisador do desenvolvimento do país.
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O paradigma logístico (2000–?)
A ascensão do paradigma logístico reverteu as tendências neoliberais das políticas brasileiras para o
Atlântico Sul: fortaleceu a integração regional, ampliou relações com países africanos, retomou
projetos estratégicos e revitalizou a indústria naval. No final do segundo mandato de Cardoso,
impulsos foram dados para aumentar o papel do Brasil no oceano. O aprofundamento das relações
com a Namíbia, incluindo a abertura de uma missão naval permanente em Walvis Bay, e a compra
do porta-aviões São Paulo inserem-se nesse contexto.
A chegada de Lula ao poder intensificou essas incipientes tendências. As relações Brasil–África
foram intensificadas, havendo diversas viagens suas ao continente sempre acompanhado de
representantes do empresariado (CARMODY, 2013). Isto é demonstrativo do caráter do novo
paradigma, que vincula ação estatal com o setor privado. Investimentos brasileiros na África
cresceram marcadamente. Novas rotas marítimas foram abertas devido ao crescimento da demanda
africana por produtos brasileiros e vice-versa — o comércio Brasil–África quadruplicou sob a
presidência de Lula (BRASIL, 2010). Ademais, inúmeras embaixadas brasileiras foram abertas (ou
reabertas) no continente, notadamente em São Tomé e Príncipe, estratégico para o Golfo da Guiné.
m 2004, a Marinha do Brasil lançou o conceito da “Amazônia Azul”, o qual reivindica junto à
ONU a extensão legal da plataforma continental do país para aumentar sua ZEE. Caso seja
totalmente incorporada, o território brasileiro aumentaria em 50% (WIESEBRON, 2013). 81% do
pedido já foi reconhecido por comissão da ONU e o remanescente ainda está sendo analisado.
Preocupações a respeito dos direitos marítimos e do Atlântico Sul como um todo foram aumentadas
após a descoberta de grandes campos de petróleo no Pré-Sal.5 Kerr de Oliveira (2012) afirma que
essas reservas podem fazer com que o Brasil se torne um dos 10 maiores produtores de petróleo do
mundo. A exploração do petróleo do Pré-Sal foi atrelada à revitalização da indústria naval através
da Petrobras, que garantiria demanda por plataformas e navios construídos no Brasil. Além disso, o
regime de partilha, aprovado em 2013, inclui provisões que requerem que componentes e
tecnologias usadas para a extração do petróleo sejam produzidos nacionalmente. Isso demonstra
planejamento estratégico de apoio à indústria e à tecnologia nacionais ao passo que também cria
empregos e riqueza no país (BRITES; JAEGER, 2013). De fato, a indústria naval foi aquecida e
5
Alimentando essas preocupações, os EUA reativaram a IV Frota, responsável pelo Atlântico Sul, pouco depois do
anúncio da descoberta de petróleo. Contudo, vale ressaltar que ela não possui navios permanentemente designados a
ela e só se mantém a estrutura de comando e navios são despachados apenas esporadicamente.
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aproximadamente 71 mil postos de trabalho foram criados já em 2013 (PIRES; GOMIDE;
AMARAL, 2014). Eis a essência do paradigma logístico: através da Petrobras o Estado trabalha
para alavancar o setor privado em prol do desenvolvimento do país para superar as assimetrias do
capitalismo mundial (GOMES GUIMARÃES, 2014).
A maior atenção dada ao Atlântico Sul após a descoberta do Pré-Sal foi acompanhada por novas
políticas de pesquisa e defesa da Amazônia Azul. Desenvolveram-se o Biomar e o PROAREA para
tratar dos recursos marítimos, biológicos e minerais respectivamente. Os estudos deste levaram à
autorização da ONU em 2014 para a exploração da Elevação de Rio Grande em busca de cobalto de
outros minerais. No campo científico, o Brasil lançou o Protrindade e o Proarquipélago para
pesquisar e desenvolver as ilhas brasileiras sul-atlânticas. Ambos são implementados pela Marinha,
cujo objetivo é manter as ilhas permanentemente habitadas, garantindo direitos previstos pela ZEE.
Por fim, o Brasil também começou a desenvolver o Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul
(SisGAAz), que possui fins civis e militares, incluindo um ambicioso sistema de monitoramento
(ALBUQUERQUE, 2010). As tecnologias usadas no SisGAAz, estratégicas, estão sendo
desenvolvidas por empresas brasileiras para garantir domínio sobre elas e gerar oportunidades de
emprego para trabalhadores de alta qualificação.
O campo da defesa também recebeu bastante atenção, ainda que não suficientemente coordenada. O
Livro Branco da Defesa e a Política Nacional de Defesa afirmam que o Atlântico Sul é estratégico
para a segurança do Brasil e que o objetivo estratégico é negar o comando do oceano a potências
externas. No entanto a maior parte dos navios e equipamentos da Marinha brasileira precisam ser
substituídos ou modernizados (LUIS, 2012; BRITES; MARTINS; SILVA, 2013; KERR DE
OLIVEIRA; CEPIK; BRITES, 2013). Investimentos nesse sentido vêm sendo realizados através do
PROSUB e do PAEMB. Conforme a Estratégia Nacional de Defesa de 2005, o país deve construir
15 submarinos convencionais e seis nucleares, observando que são essenciais para negação de área
no Atlântico Sul. Para apoiar pesquisa e iniciativas empresariais em setores relacionados ao
PROSUB, foi criada a empresa estatal Amazul em 2012, a qual tem amparado a construção dos
submarinos e de outras belonaves desde agosto de 2013. Quanto à renovação da frota de superfície
lançou-se o PROSUPER, que prevê a construção de fragatas, barcos de patrulha e apoio em
estaleiros nacionais. Em conjunto, PROSUB, PROSUPER e SisGAAz poderiam dar ao Brasil
grande capacidade de projeção de força, consistente com o status de uma grande potência (IISS,
2013). Não obstante isso, restrições orçamentárias afetaram a maioria dos programas de
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modernização e aquisição de capacidades navais, incluindo o PROSUPER, suspendido em 2011. O
PROSUB é, até agora, o único programa que não sofre significativamente com esses problemas,
tendo-se inclusive assinado um amplo acordo com a França para a construção dos submarinos.6
Dessa forma, a modernização da Marinha é assaz dependente do estado da economia e a suposta
ausência de ameaças na região dificulta a priorização dos gastos com defesa (IISS, 2013).
Multilateralmente, o paradigma logístico foi articulado através da ZOPACAS, CPLP e da União de
Nações Sul-Americanas (UNASUL). Em 2007 retomaram-se as reuniões daquela em Luanda depois
de quase 10 anos de inatividade. Nessa reunião, condenou-se, pela primeira vez, a ocupação
britânica das Malvinas. Desde 2013 Brasília também tem defendido a inclusão de assuntos de
defesa na pauta da ZOPACAS, especialmente a respeito da pirataria no Golfo da Guiné
(ZUCATTO; BAPTISTA, 2014). Já no escopo da UNASUL, o Brasil novamente apoiou a
reivindicação argentina sobre as Malvinas. O bloco inclusive proibiu navios portando a bandeira das
Falklands de atracarem em portos sul-americanos e condena seguidamente os exercícios militares
britânicos na região. Por fim, na CPLP, sob iniciativa angolana, o Brasil apoiou medidas de
mapeamento de plataformas continentais e coopera com os países africanos do bloco para esse fim.
Também foram estabelecidas conferências navais regulares entre os países-membros.
Os laços bilaterais do Brasil com países africanos também foram fortalecidos com relação ao
Atlântico Sul. Na Nigéria a Petrobras fez seu maior investimento direto, somando 2,3 bilhões de
dólares (PENHA, 2011). O Brasil também passou a cooperar com Abuja no combate à pirataria no
Golfo da Guiné: em 2010 assinou-se um acordo militar que prevê o treinamento de oficiais navais
nigerianos e a provisão de embarcações militares brasileiras à Nigéria. Com Angola, o Brasil
também passou a cooperar em campos de construção de navios, defesa e segurança pública (FIORI;
PADULA; VATER, 2012; AGUILAR, 2013). Um acordo de cooperação militar também foi
assinado com a África do Sul em 2003 e as marinhas de ambos têm cooperado para assegurar
fronteiras marítimas e o acesso a rotas marítimas sul-atlânticas (KORNEGAY, 2013). Além desses,
o Brasil têm presença na exploração de petróleo em diversos países do Golfo da Guiné. Acordos de
cooperação naval foram selados com Guiné Equatorial, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau,
Senegal e Cabo Verde.
6
Vale lembrar que, pelo acordo, todos os submarinos serão construídos no Brasil, gerando empregos e domínio da
tecnologia, transferida da França, responsável por componentes não nucleares, notadamente o casco (Gomes
Guimarães, 2014). O primeiro dos submarinos deve ser entregue em 2023.
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Como um todo, o paradigma logístico significou o retorno de um projeto nacional e a defesa dos
interesses nacionais brasileiros visando o Atlântico Sul, especialmente após a descoberta do Pré-Sal.
O oceano se tornou um espaço prioritário para a inserção internacional do Brasil. Parcerias
políticas, econômicas e militares foram forjadas e aprofundadas. Ainda que com deficiências na
área de defesa, o Brasil demonstrou a intenção de aproveitar o Atlântico Sul para alavancar o seu
desenvolvimento socioeconômico. A Petrobras, o PROSUB e o SisGAAz são símbolos das
tentativa de modernização e busca de tecnologias avançadas para o país, tentando alçar os estágios
mais avançados de desenvolvimento (e.g. MARTINS, 2013).
Conclusão
O objetivo desse trabalho foi observar de que forma o Estado brasileiro vincula o desenvolvimento
do país a políticas voltadas para o Atlântico Sul. Para isso, usou-se o conceito de paradigmas de
inserção internacional, nomeadamente o neoliberal, logístico e desenvolvimentista como forma de
melhor compreender as ações do Brasil, i.e. de que forma eles foram articulados e orientaram as
políticas para o espaço sul-atlântico de 1930 até hoje.
Até os anos 1990, o Brasil possuía um objetivo claro — desenvolver-se — e isso condicionou as
políticas do país para o Atlântico com sucesso. O segundo paradigma pôs fim a essa orientação,
deixando que o livre mercado gerasse crescimento e pondo de lado quaisquer noções de interesse
nacional. O impacto disso no Atlântico Sul foi múltiplo: o fim da indústria naval, o abandono da
Marinha, desemprego massivo, e uma acentuada queda nas relações políticas e econômicas com
países africanos. No século XXI, o Brasil aprendeu as lições dadas pelo paradigma neoliberal e
implementou uma estratégia de inserção internacional mais autônoma. O Atlântico Sul tornou-se
uma ferramenta para o desenvolvimento nacional: relações com a África intensificaram-se,
empresas privadas voltaram a investir no continente e a Marinha começou a ser modernizada.
O paradigma desenvolvimentista incluía três características principais: industrialização e
desenvolvimento como metas, autonomia e uma estratégia de inserção internacional realista. Havia
também uma forte noção de projeto de desenvolvimento nacional, seja de modo associado aos
EUA, seja independente. Aquele surtiu os efeitos desejados especialmente no contexto da Segunda
Guerra Mundial e este pareceu quase inevitável após as dificuldades impostas por Washington ao
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longo dos anos. No fim, o país conseguiu completar a sua industrialização e desenvolver-se
consideravelmente; porém, o esgotamento do desenvolvimentismo gerou desafios graves ao Brasil.
A articulação do paradigma desenvolvimentista em relação ao Atlântico Sul cumpriu o papel
esperado: contribuir para o desenvolvimento do Brasil. O projeto nacional levava em conta a
dimensão marítima em busca de crescimento econômico e industrialização. A associação com os
EUA foi usada para fortalecer a Marinha e industrializar o país inicialmente. Já na fase autonomista
o Atlântico Sul era uma prioridade estratégica para o projeto de nação. Relações significativas com
países africanos foram criadas. Programas de modernização das frotas militar e civil foram
implementados, alavancando a indústria naval brasileira. A Guerra das Malvinas propeliu o Brasil a
buscar parcerias políticas mais intensas com países do Atlântico Sul, originando a ZOPACAS.
No entanto essas políticas foram interrompidas com a crise econômica e a ascensão do paradigma
neoliberal, o qual previa políticas contrárias a uma estratégia deliberada de indução do
desenvolvimento pelo Estado. Quem deveria fazer isso é o livre mercado, enquanto que o Estado
apenas cuidaria da estabilidade econômica. Portanto, não havia projeto de nação nem uma noção de
interesse nacional. Na prática, o paradigma neoliberal serviu de base para uma seletividade na
política externa brasileira. Relações com países desenvolvidos foram favorecidas em detrimento de
países em desenvolvimento e a dependência para com aqueles aumentou correspondentemente. No
fim, a estabilidade monetária foi alcançada, mas gerando muitos problemas sociais e econômicos.
O paradigma neoliberal subestimou as oportunidades apresentadas pelo Atlântico Sul, tolhendo o
país de um projeto nacional ligado ao oceano. As relações políticas e econômicas com a África sulatlântica foram restringidas a um mínimo, i.e. apenas com Angola, Namíbia, Nigéria e África do
Sul, além da CPLP e ZOPACAS. Esta foi reorientada para tratar de economia também, mas logo
atingiu-se um impasse que a paralisou. Também não havia preocupações acerca da defesa naval ou
da exploração de recursos marítimos em prol do desenvolvimento nacional. Isso levou ao abandono
da Marinha e da frota mercante, o que gerou desemprego em massa e obsolescência dos navios civis
e de guerra do Brasil. Em contraste, subiram os níveis de produtividade e diminuíram os custos de
frete, reduzindo as pressões inflacionárias da economia. Como bem disse Cervo:
A subserviência do Estado normal [neoliberal], erigida como ideologia da
mudança, engendrou graves incoerências, ao confundir democracia com
imperialismo de mercado, competitividade com abertura econômica e
desenvolvimento com estabilidade monetária. Completou-se com o
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desmonte da segurança nacional e a adesão a todos os atos de renúncia à
construção de potência dissuasória (Cervo, 2002, p. 8).
Nesse contexto surgiu o paradigma logístico, que vê a internacionalização da economia como uma
ferramenta para superar as assimetrias sistêmicas capitalistas e desenvolver o país. Para isso, o
Estado age autonomamente junto ao setor privado para fortalecer o núcleo duro da economia
nacional e atingir níveis mais elevados de competitividade e tecnologia. A diversificação de
parcerias internacionais é usada para a consecução de seus interesses nacionais, mantendo relações
tanto com países desenvolvidos quanto com emergentes.
Nesse sentido, a articulação do paradigma logístico no Atlântico Sul visou ao desenvolvimento do
Brasil. Parcerias políticas e econômicas com países sul-atlânticos foram aprofundadas. Investimentos privados na África aumentaram significativamente. O Brasil também procurou modernizar sua
marinha e obter novas tecnologias, ainda que com pouca coordenação estratégica. A exploração do
Pré-Sal ressuscitou a indústria naval nacional através da demanda da Petrobras por navios e
plataformas petrolíferas, o que, por sua vez, gerou dezenas de milhares de empregos no país. Houve
o retorno de uma ideia de projeto de desenvolvimento nacional e, a despeito de lacunas, o
SisGAAz, a Petrobras e o PROSUB exemplificam tentativas de obter alta tecnologia para o país
bem como de modernizar a economia nacional.
Como um todo, este estudo demonstra que o Estado brasileiro vinculou suas políticas para o
Atlântico Sul com o seu desenvolvimento de modo variado. Nos períodos de vigência dos
paradigmas logístico e desenvolvimentista, os resultados foram mais benéficos para o
desenvolvimento socioeconômico brasileiro do que no logístico. Este até serviu para a realização de
importantes reformas, mas a falta de atenção aos interesses nacionais do Brasil teve efeitos
perniciosos, como, por exemplo, a seletividade de relações exteriores, abandono da Marinha e o
colapso da indústria naval. Ao desconsiderar a ideia de projeto de desenvolvimento nacional, o
modelo neoliberal levou a um aumento da dependência do Brasil com relação aos países do Norte
Global sem receber nada em troca. Em contraste, os paradigmas logístico e desenvolvimentista
proporcionaram uma política externa realista baseada nos interesses nacionais do Brasil, tal qual
Estados maduros o fazem. Além disso, o primeiro reconhece a importância do setor privado e da
necessidade de um projeto de desenvolvimento da nação que conecte defesa, crescimento
econômico e bem-estar social. Já o neoliberal afigura-se mais ideológico e dependente, inadequado
ao peso do Brasil no sistema internacional.
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Entretanto, mesmo que o paradigma logístico seja mais apropriado para o país, o leve declínio da
posição brasileira devido a piora da situação econômica em conjunto com os recentes escândalos de
corrupção na Petrobras põem em cheque a sua continuidade. A perseguição sistemática à Petrobras
e às empresas que com ela tiveram negócios representa sério obstáculo a manutenção da estratégia
de desenvolver tecnologias avançadas, gerar emprego e crescer economicamente em setores
estratégicos. A conjuntura desfavorável não pode comprometer o projeto nacional — vinculado ao
Atlântico Sul —, afinal é só com ele que o Brasil pode alçar a posições mais favoráveis na atual
multipolaridade e garantir seus interesses atuais e futuros
Referências bibliográficas
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