MARCIO GOMES DA SILVA POLÍTICAS PÚBLICAS DE DESENVOLVIMENTO RURAL E ORGANIZAÇÕES DE AGRICULTURA FAMILIAR NO MUNICÍPIO DE ESPERA FELIZ-MG Dissertação apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural, para obtenção do título de Magister Scientiae. VIÇOSA MINAS GERAIS, BRASIL 2010 i Dedico esse trabalho à memória de meu avô João Mota, trabalhador rural sem terra, e aos meus pais José Gomes da Silva e Elena Maria da Silva. ii AGRADECIMENTOS Aos meus pais, pelo patrimônio cultural transmitido; Ao professor Marcelo Miná Dias, pela confiança e companheirismo desde a graduação, e pelas riquezas de suas orientações durante o mestrado; Ao meu orientador Franklin Daniel Rothman; Ao meu irmão gêmeo Marcelo, pela força e sabedoria transmitidas nos momentos difíceis; Ao grande amigo Sandro, pela amizade fiel e pelo companheirismo demonstrado durante toda minha vida acadêmica; Aos amigos Alair e Alan, por compartilharmos momentos profundos de reflexões e ações concretas na atuação da extensão rural na zona da mata; Aos amigos de republica, Zé Luis, Gustavo, Leonardo Ventura, Udson e Silvano, pelos bons momentos vividos; Aos amigos do Centro de Tecnologias Alternativas, especialmente a Glauco, Ferrari e Breno, pelos aprendizados infinitos no processo de construção da agroecologia; A professora Nora Beatriz Presno Amodeo, pelos ensinamentos sobre os desafios do cooperativismo popular; A Carminha e Anízia, pelo carinho e pela responsabilidade com que exercem seu papel no Departamento de Economia Rural; Aos amigos do Estagio Interdisciplinar de Vivencia e da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares, pelos aprendizados intensos que tive; Aos trabalhadores e trabalhadoras rurais de Espera Feliz, especialmente à Amauri, Juseleno, Valdeci, Farinhada, Aparecida, Milton, Ana Claudia e Tibúrcio, pela luta e dedicação na construção da agroecologia; A todos que fizeram parte de minha construção intelectual, os meus mais sinceros agradecimentos. iii BIOGRAFIA MARCIO GOMES DA SILVA, filho de Jose Gomes da Silva e Elena Maria da Silva, nasceu em março de 1980, na cidade de Divinópolis-MG. Em 2004 ingressou no curso de Gestão de Cooperativas, na Universidade Federal de Viçosa, tendo concluído o Bacharelado em janeiro de 2008. Durante a graduação, esteve envolvido com projetos de extensão universitária, iniciação cientifica e com o movimento estudantil. Dentre os projetos de extensão, esteve envolvido durante dois anos na coordenação do Estágio Interdisciplinar de Vivencia, projeto que despertou o interesse pela agricultura familiar. A partir desse projeto, surgiu uma pesquisa relacionada ao Sindicalismo Rural em Espera Feliz, base de estudo exploratório, da qual surgiu este estudo de mestrado. Trabalhou como colaborador da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Universidade Federal de Viçosa, especificamente no acompanhamento da Cooperativa de Produção da Agricultura Familiar e Solidaria de Espera Feliz. Outros trabalhos relacionados à agricultura familiar foram desenvolvidos na região do Vale do Jequitinhonha, especificamente em estudos de potencialidades econômicas e planos territoriais de cadeias produtivas. Na Zona da Mata, durante o mestrado, desenvolveu trabalhos junto às organizações de agricultura familiar, especificamente na organização econômica e acesso a mercados. Em 2009 realizou um diagnostico dos empreendimentos solidários em três municípios da zona da mata, dentre eles Espera Feliz. Atualmente presta assessoria ao Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata, desenvolvendo trabalhos de Extensão Rural junto aos agricultores familiares da região. iv SUMÁRIO LISTA DE TABELAS ................................................................................................................... vii LISTA DE QUADROS ................................................................................................................ viii LISTA DE FIGURAS .................................................................................................................... ix ABREVIATURAS E SIGLAS ........................................................................................................... x RESUMO ................................................................................................................................. xii ABSTRACT .............................................................................................................................. xiii 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 1 2 METODOLOGIA ...................................................................................................................... 6 3 CARACTERIZAÇAO DA REGIÃO .............................................................................................. 12 3.1 Caracterização da Zona da Mata Mineira e do município de Espera Feliz ...................... 12 4 AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE DESENVOLVIMENTO RURAL E A AGRICULTURA FAMILIAR .......... 20 4.1 O desenvolvimento rural e o processo de modernização da agricultura ....................... 21 4.2 Da emergência da agricultura familiar à agenda das políticas públicas .......................... 26 4.3 O surgimento do PRONAF e o novo cenário a partir da década de 1990........................ 29 5 A CONSTITUIÇÃO DO SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE ESPERA FELIZ A PARTIR DA VISÃO DE SUAS LIDERANÇAS ................................................................................................... 37 5.1 O surgimento de novas organizações e as políticas públicas de desenvolvimento rural . 49 5.1.2 Associação intermunicipal da agricultura familiar- ASIMAF..................................49 5.1.3 A cooperativa de produção da agricultura familiar (COOFELIZ) ............................53 5.1.4 A cooperativa de crédito solidário (ECOSOL) ......................................................62 5.2 Evidências de mudanças a partir do acesso a políticas públicas de desenvolvimento rural70 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................... 83 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................ 86 v 8. APÊNDICES ......................................................................................................................... 92 9 ANEXOS ............................................................................................................................... 99 vi LISTA DE TABELAS Tabela 1 - População por Situação de Domicílio.......................................................................15 Tabela 2 - Estabelecimentos Rurais - Espera Feliz (1996-2006) ................................................18 Tabela 3 - Crédito rural do PRONAF – contratos e montante por ano no Brasil ........................34 Tabela 4 - Número de sócios, empréstimos e capital social das cooperativas do sistema Ecosol/MG ................................................................................................................................................68 vii LISTA DE QUADROS Quadro 1: Atas de Reuniões de Diretoria de 1987 - 2006 ..........................................................43 Quadro 2 - Atas De Reunião da Diretoria 2003 - 2006 ..............................................................52 Quadro 3 - Atas de Reuniões da Diretoria do STR de 2003 – 2007. ..........................................67 viii LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Mapa de Minas Gerais com destaque para Zona da Mata Mineira .............................13 Figura 2 - Mapa do município de Espera Feliz. .........................................................................15 Figura 3 - Distribuição dos estabelecimentos familiares e não-familiares ..................................17 Figura 4 - Distribuição percentual da área entre estabelecimentos familiares e não familiares. ..19 Figura 5 - Logomarca COOFELIZ ...........................................................................................53 Figura 6 - Foto da Representação Gráfica do Diagrama de Venn, ao centro a COOFELIZ ........59 Figura 7 - Logomarca da ECOSOL ..........................................................................................63 Figura 8 - Foto da sede onde funciona o STR, a ECOSOL e a COOFELIZ. ..............................69 Figura 9 - Evolução da demanda e oferta do PRONAF (2000 -2009) ........................................74 Figura 10 - Distribuição dos Contratos (2000-2009) .................................................................75 Figura 11 - Esquema analítico ..................................................................................................80 ix ABREVIATURAS E SIGLAS ADS – Agencia de Desenvolvimento Solidário APEFEC – Associação dos Pequenos Produtores de Espera Feliz e Caiana ASIMAF – Associação Intermunicipal da Agricultura Familiar COOFELIZ – Cooperativa de Produção da Agricultura Familiar e Solidária CONAB – Companhia Nacional do Abastecimento CEB – Comunidades Eclesiais de Base CMDRS – Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável CPT – Comissão Pastoral da Terra CRESOL – Central de Cooperativas de Crédito Solidário do Rio Grande do Sul CTA – Centro de Tecnologias Alternativas CUT – Central Única dos Trabalhadores ECOSOL – Cooperativa de Crédito Solidário EMATER – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural FETAEMG – Federação dos Trabalhadores Rurais do Estado de Minas Gerais FETRAF – Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar FUNRURAL – Contribuição Social Rural ITCP – Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares PAA – Programa de Aquisição de Alimentos PND – Plano Nacional de Desenvolvimento PNFC – Programa Nacional de Crédito Fundiário PRODEMATA – Programa de Desenvolvimento Integrado da Zona da Mata PRONAF – Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar x PRORURAL – Programa de Assistência ao Trabalhador Rural PROVARZEA – Projeto Manejo dos Recursos Naturais da Varzea UFV – Universidade Federal de Viçosa STR – Sindicato dos Trabalhadores Rurais TERAVIDA – Associação dos Terapeutas Populares xi RESUMO SILVA, Marcio Gomes da, M.Sc., Universidade Federal de Viçosa, junho de 2010. Políticas públicas de desenvolvimento rural e organizações de agricultura familiar no município de Espera Feliz-MG. Orientador: Franklin Daniel Rothman. Coorientadores: Marcelo Miná Dias e Nora Beatriz Presno Amodeo. Este texto apresenta os resultados de uma pesquisa realizada no município de Espera Feliz-MG ao longo de 2009. Seu objetivo foi analisar os processos estabelecidos entre as organizações de agricultura familiar e as políticas públicas de desenvolvimento rural. A pesquisa utilizou como instrumentos metodológicos entrevistas, análise documental e observação participante. No que tange ao resultado, tem-se que o processo de constituição da agricultura familiar como agenda de políticas públicas de desenvolvimento rural, relacionase aos processos conjunturais que provocaram mudanças na atuação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Espera Feliz. O surgimento das organizações de agricultura familiar, no âmbito do STR, é uma evidência empírica de mudanças nas dinâmicas locais a partir do momento em que se modificam as orientações e as agendas das políticas públicas. Percebe-se que existiam dispositivos coletivos utilizados pelos agricultores como estratégia de ação coletiva. Estes dispositivos sofreram adaptações em suas regras de reciprocidade, passando a constituir estruturas institucionais formalizadas. As políticas, quando acessadas, encontram um conjunto de experiências prévias que geram processos de aprendizagens coletivas capazes de viabilizar processos de desenvolvimento sob orientações mais próximas da agricultura familiar. A partir do acesso a determinadas políticas públicas criam-se aproximações com mediadores sociais com vistas a potencializar as estratégias desenvolvidas pelas organizações locais. Essa relação torna-se conflituosa na medida em que há divergência das orientações coletivas para o desenvolvimento. As relações estabelecidas com as políticas públicas de desenvolvimento rural se dão de diferentes formas. Desde relações de complementaridade até relações de dominação normativa e dificuldades e tensões. Nesse conjunto de relações, vão se forjando aproximações entre as organizações e entre os mediadores sociais que atuam no município. xii ABSTRACT SILVA, Marcio Gomes da da, M.Sc., Universidade Federal de Viçosa, june of 2010. Public policy of rural development and organizations of family farmers in the municipality of Espera Feliz, Minas Gerais. Adviser: Franklin Daniel Rothman. CoAdvisers: Marcelo Miná and Nora Beatriz Presno Amodeo. This dissertation presents results of a research study conducted in the municipality of Espera Feliz-MG during 2009. The goal was to analyze processes established between organizations of family farmers and public policies for rural development. The research used methodological tools including interviews, document analysis and participant observation. Result findings revealed that the process of incorporation of family farming in the agendasetting of the public policy for rural development related to conjunctural processes that caused changes in the Rural Farmworkers Union (STR) of Espera Feliz. The emergence of family farming organizations within the STR is empirical evidence of changes in local dynamics related to changes of public policy guidelines and agendas. It was observed that there were collective devices used by farmers as a strategy of collective action. These devices have been adapted to their rules of reciprocity, consolidating as formalized institutional structures. The policies, when accessed, interfaced with a set of prior experiences, which generated collective learning processes that facilitated the development process within guidelines oriented to family farming. Access to particular public policies facilitated ties with social mediators with a view to enhance strategies developed by local organizations. This relationship became conflictual due to divergences of collective orientations for development. The relationships established with public policies for rural development assumed different forms, categorized as complementarity, normative domination and difficulties and tensions. Within this set of relations, closer ties are being forged between organizations as well as between social mediators who work in the municipality. xiii 1 INTRODUÇÃO Este estudo é a continuação de uma pesquisa exploratória iniciada em 2007 no município de Espera Feliz. Constatou-se, naquele estudo, que o Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) havia contribuído, ao longo de sua trajetória histórica, para mobilização dos trabalhadores rurais e para a organização da ação coletiva, fortalecendo identidades políticas e capacitando seus filiados a negociarem suas demandas e seus interesses com o Estado e a sociedade. Identificou-se que, a partir desse processo de mobilização desencadeado pelo STR, emergiram diversas organizações locais com atividades voltadas à agricultura familiar, como a Associação Intermunicipal da Agricultura Familiar (ASIMAF), a Cooperativa de Produção da Agricultura Familiar (COOFELIZ) e a Cooperativa de Crédito Solidário (ECOSOL) (SILVA & DIAS, 2009). Percebeu-se que, junto a este conjunto de interações sociais, sob as quais se edificam as ações das organizações de agricultura familiar no município, ocorre também uma nova configuração do espaço rural a partir de mudanças no cenário político da agricultura familiar, principalmente após a criação do Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), em 1996. Desta forma, a partir daquele estudo exploratório elaboraram-se duas hipóteses, das quais partimos para a construção do estudo que aqui se apresenta. A primeira é que houve mudanças de direcionamento e orientação na atuação do STR ao longo de sua trajetória histórica, influenciadas pelas modificações conjunturais ocorridas em meados dos anos 1990. A segunda hipótese levantada neste estudo é que ocorre uma aproximação das organizações de agricultura familiar com certos mediadores sociais à medida que se tem acesso a determinadas políticas públicas de desenvolvimento rural. Estudos recentes têm destacado a necessidade de distinguirmos “desenvolvimento agrícola” de “desenvolvimento rural”. Uma delimitação conceitual que segue a perspectiva de diferenciação presente na literatura sobre teorias do desenvolvimento e busca afirmar as diferenças entre “desenvolvimento” e “crescimento econômico”. Nesta re-significação, o desenvolvimento rural passa a ser concebido como uma qualidade atribuída aos processos que são condicionados tanto por movimentos macroeconômicos quanto por dinâmicas socioeconômicas localizadas, que trazem em 1 seu escopo uma diversidade de atividades e relações sociais estabelecidas em torno de ações que ocorrem no meio rural. Obviamente esses processos quase nunca são espontâneos, sendo desencadeados e impulsionados a partir de intervenções planejadas, cuja intencionalidade é orientada pelo desejo de provocar mudanças sociais (NAVARRO, 2001). Nesta perspectiva, desenvolvimento rural combina conceitualmente aspectos econômicos, relacionados à mobilização de recursos naturais e humanos para gerar riquezas a partir da produção agrícola, mas não exclusivamente dela; aspectos sociais, relativos à organização social necessária à realização do trabalho na agricultura; e aspectos ambientais, concernentes aos estilos de relacionamento entre o uso de recursos naturais e sua reprodução ao longo do tempo (KAGEYAMA, 2008). Promover o desenvolvimento rural, a partir desta concepção, é um tipo de ação que requer considerar as inter-relações e interdependências entre estes três elementos: o econômico, o social e o ambiental. Por este motivo, cada vez mais a noção de desenvolvimento agrícola perde legitimidade, uma vez que a ênfase ou a exclusividade da dimensão econômicoprodutiva não permite compreender a diversidade e a complexidade dos elementos e condicionantes dos processos sociais de produção e vida que tem na agricultura seu ancoradouro. Desenvolvimento rural, fundado nesta concepção, é uma relativa novidade na agenda das políticas públicas brasileiras. Ele se torna um problema para o Estado brasileiro, que passa a formular políticas públicas em resposta a esta questão, somente na década de 1990. É naquele período que surge o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, demarcando uma diferenciação nas até então predominantes políticas agrícolas de fomento. O tema surge da confluência de diversos fatores. No plano político, temos a afirmação do processo de descentralização das políticas públicas e uma crescente revisão do caráter político das ações de organizações da sociedade que representam os interesses dos agricultores familiares. Temos a transição de um perfil contestatório para uma atitude propositiva e mais simpática ao estabelecimento de relações com o Estado (SCHNEIDER, 2007). Há, também naquele período, a emergência de uma diversidade de organizações da sociedade civil, tais como, associações, Organizações Não- Governamentais (ONGs) 2 e cooperativas, ampliando a diversidade de formas de expressão e também das pautas que compunham reivindicações e projetos. Essas organizações colocam-se, muitas vezes, na posição de mediação entre o Estado e as práticas organizativas da população, passando ocasionalmente a fazer parte de estruturas de gestão e governança das políticas públicas. Alguns outros fatores igualmente influenciaram a emergência dessa agenda, como a legitimação social e política da “agricultura familiar”, as reorientações das políticas governamentais voltadas a esse segmento social, o acirramento políticoideológico com o então nascente “agronegócio” e a emergência das discussões sobre sustentabilidade, elaboradas a partir das críticas aos processos de modernização provocados pela ação do Estado (fundamentados no ideário da Revolução Verde), na qual se edificaram alternativas de modelos produtivos com um viés “mais ecológico” (SCHNEIDER, 2007). As políticas públicas de desenvolvimento rural são executadas, geralmente por meio de programas e projetos, propostos por organizações governamentais e nãogovernamentais, através de intervenções que buscam provocar mudanças nas realidades em que essas incidem. Tais intervenções podem ser realizadas por mediadores sociais ou executadas pelo acesso das organizações de agricultura familiar, a determinadas políticas públicas. No processo de implementação dessas políticas, ocorre uma interação com as dinâmicas locais, na qual a premissa estabelecida é que “(...) não há boas políticas públicas sem organizações locais fortes, capazes de mobilizar seus instrumentos ou de participar à concepção de novos dispositivos” (SABOURIN , 2009, p.175). Existe, portanto, um reconhecimento público da eficácia das organizações de agricultura familiar. Entretanto, essas organizações muitas vezes são mobilizadas por mecanismos de interação entre a ação do Estado e a ação coletiva, assumindo projetos e políticas em termos de execução e atuando, frequentemente, em papéis que deveriam ser desempenhados pelo Estado (SABOURIN, 2009). Neste tipo de interação, fica uma lacuna na compreensão sobre a forma que emergem essas organizações, se por necessidade social de organização econômica coletiva ou por influência de políticas públicas de desenvolvimento rural. Como forma de compreender esse conjunto de interações entre políticas públicas e dinâmicas locais partiu-se das seguintes indagações: Quais os processos estabelecidos 3 entre as organizações de agricultura familiar em Espera Feliz-MG e a dinâmica das ações coletivas locais a partir do acesso às políticas públicas de desenvolvimento rural? E ainda, como as ações das organizações de agricultura familiar se relacionam com as mudanças na orientação das políticas públicas de desenvolvimento rural a partir da década de 1990? Higgins (2005) discorre, de forma genérica, que as interações entre sociedade civil e o Estado, de certa forma, podem ser entendidas a partir de dois aspectos. O primeiro refere-se à relação de soma zero: o que é atribuído como positivo para sociedade, é visto como perda para o Estado. Um segundo aspecto refere-se à relação de soma positiva, na qual, tanto o Estado quanto a sociedade civil, em suas relações, obtêm resultados positivos. Evans (1996) identifica essa relação „positiva‟ entre Estado e sociedade civil a partir do conceito de sinergia. Tal conceito pode ser compreendido a partir das relações complementares entre governos e cidadãos. Através dessa relação são ativadas as redes de confiança e colaboração, criando laços de proximidade sólidos entre estes. Ao se pensar essa relação entre Estado e sociedade civil no âmbito da agricultura familiar, tem-se, de um lado, o que é proposto pelo Estado, na forma de políticas públicas para promoção de uma mudança induzida no meio rural e, de outro, um conjunto de ações promovidas pelas organizações locais em suas interações com as realidades nas quais estão inseridas. Tendo essas relações como objeto de estudo, Sabourin (2009) identificou que as principais características e tendências das articulações entre as políticas públicas de desenvolvimento rural e as dinâmicas locais da agricultura familiar, além de oposições ou conflitos marcados, também promovem complementaridades ou dinâmicas paralelas e, na maioria dos casos, tensões entre políticas públicas e dinâmicas locais. Como forma de compreender os processos sociais intermediários destas relações, lançaremos mão do conceito de “redes sociais”. Esse conceito é entendido como um conjunto de relações sociais entre as quais existem vínculos ou relações (MARTELETO, 2004) sob as quais se edificam representações analíticas acerca dos “padrões de relações” estabelecidos em determinadas “situações sociais” (MARQUES, 2009). 4 Desta forma, tem-se claro que existe um conjunto de relações pré-estabelecidas nas realidades onde as políticas públicas são executadas. Essas relações possuem normas, valores e relações de confiança que compõem o capital social, ou seja, “(...) um recurso da comunidade construído pelas suas redes de relações” (MARTELETO, 2004, p. 44). Nessa sinergia entre Estado e sociedade civil (EVANS, 1996) ou nas interações entre políticas públicas e dinâmicas locais (SABOURIN, 2009) encontram-se essas redes sociais baseadas na confiança que ajudam a estabelecer uma “proximidade social” capaz de gerar uma forma de coordenação dos atores sociais voltadas para processos inovadores de desenvolvimento (ABRAMOVAY, 2000, p. 397). Na tentativa de responder às indagações supramencionadas, o estudo está assim organizado: no capítulo dois têm-se os procedimentos estabelecidos na coleta de dados e uma descrição do perfil dos entrevistados. No capítulo três apresentam-se as características da agricultura familiar na Zona da Mata e no município de Espera Feliz, de modo a identificar as características e o perfil da agricultura familiar onde se realizou o estudo. No capítulo quatro tem-se um referencial histórico do Sindicalismo Rural no Brasil, bem como uma análise dos aspectos conjunturais e as disputas ocorridas nas arenas das políticas agrícolas que influenciaram a inserção da agricultura familiar na agenda das políticas públicas. A partir deste referencial é possível relacionar as mudanças das práticas locais com o contexto do movimento sindical em nível nacional. O marco principal para tal inserção nesse estudo é a criação do PRONAF. Analisam-se, ao longo dessa trajetória, as diferentes concepções e ações de desenvolvimento voltadas para o meio rural. No capítulo cinco tem-se a elaboração do histórico acerca do surgimento do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Espera Feliz e das organizações de agricultura familiar no município. Tem-se também a identificação das políticas públicas de desenvolvimento rural acessadas pelas organizações de agricultura familiar da década de 1990 em diante. Com base neste histórico, apresentam-se as análises das relações estabelecidas entre as políticas públicas de desenvolvimento rural com as dinâmicas locais, evidenciando os processos estabelecidos com mediadores sociais e as relações entre as políticas públicas e as organizações de agricultura familiar. 5 2 METODOLOGIA A escolha do município de Espera Feliz como base empírica de análise está diretamente relacionada aos processos de desenvolvimento rural estabelecidos no município durante a década de 1990. Destes processos, destaca-se o Plano de Desenvolvimento Local denominado Envolvimento Local (ELO). O foco principal do Envolvimento Local foi o fortalecimento das organizações locais a partir de leituras de realidades compartilhadas, por meio de diagnósticos participativos, envolvendo comunidades rurais e assessoria técnica do Centro de Tecnologias Alternativas (CTAZM), uma organização não governamental que atua no município. Este diagnóstico gerou reflexões que desencadearam ações orientadas, expostas em um plano de ação. Os principais eixos deste plano de ação tratavam da promoção da agroecologia, comercialização da produção agroecológica e a organização cooperativa, com o desenvolvimento de cooperativas e associações. Desta forma, o plano de ação acabou orientando e articulando as organizações locais na condução das ações priorizadas (FLORISBELO et al., 2007). A partir de um estudo exploratório realizado em 2007 (SILVA & DIAS, 2009), identificou-se um fenômeno de surgimento de organizações de agricultura familiar e o estabelecimento de ações orientadas para processos de desenvolvimento rural, estreitamente vinculadas ao acesso às políticas públicas, recentemente presentes no contexto da agricultura familiar do município. Com o objetivo de identificar as relações estabelecidas entre o contexto local e as mudanças no cenário das políticas públicas de agricultura familiar utilizou-se entrevistas semi-estruturadas1 junto às lideranças envolvidas com as organizações em questão e que estabeleceram relações nos cenários além do local, criando vínculos com processos e discussões nacionais.2. 1 As entrevistas semi-estruturadas “partem de questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses, que interessam à pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que se recebem as respostas do informante. Desta maneira, o informante, seguindo espontaneamente a linha de seu pensamento e de suas experiências dentro do foco principal colocado pelo investigador, começa a participar na elaboração do conteúdo da pesquisa”. (TRIVIÑOS, 1987, p.146). 2 O roteiro utilizado em entrevistas encontra-se no Apêndice A. 6 Foram realizadas oito entrevistas. Desta amostra, dois entrevistados estavam envolvidos com o STR de Espera Feliz desde a sua constituição em 1986. Trata-se de lideranças que fizeram parte da primeira diretoria do STR e que durante vinte anos mantiveram contato com o sindicato, seja no cargo de direção ou como militantes. Os dois entrevistados desse grupo foram Amauri e Milton. Amauri esteve envolvido com a diretoria do STR no final da década de 1980 e durante a década de 1990. Foi presidente da Associação Regional dos Trabalhadores Rurais da Zona da Mata, com atuação em toda a microrregião de Muriaé. Também foi diretor do Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata, participando de congressos nacionais, como é o caso do Encontro Nacional de Agroecologia, e eventos internacionais, como o Terra Madre, do Slow Food3, que ocorreu na Itália, em 2009. Recentemente, é monitor do Curso de Extensão Básica em Homeopatia, oferecido pelo Departamento de Fitotecnia da Universidade Federal de Viçosa. Amauri é agricultor agroecológico em sistemas agroflorestais. Milton é sócio fundador do STR, esteve envolvido com o processo de constituição do STR desde a época dos trabalhos das Comunidades Eclesiais de Base, na década de 1980. Em sua trajetória, participou de discussões em nível nacional, especificamente de processos reivindicatórios durante a criação do PRONAF, bem como processos localizados de construção de estratégias de comercialização, como o processo de constituição da Associação dos Pequenos Produtores de Espera Feliz e Caiana. Estabeleceu relações com organizações como CTA em processos de desenvolvimento, por exemplo o ELO, dentre outras atividades que ocorreram em nível comunitário. Outro grupo de quatro entrevistados da amostra foram pessoas que participaram do processo de constituição das organizações de agricultura familiar que emergiram no âmbito do STR, quais sejam, a Associação Intermunicipal de Agricultura Familiar (ASIMAF), a Cooperativa de Produção da Agricultura Familiar e Solidária (COOFELIZ) e a Cooperativa de Crédito Solidária (ECOSOL). Trata-se de lideranças 3 O Slow Food é uma associação internacional sem fins lucrativos fundada em 1989 como resposta aos efeitos padronizantes do fast food. Slow Food segue o conceito da ecogastronomia, conjugando o prazer e a alimentação com consciência e responsabilidade, reconhecendo as fortes conexões entre o prato e o planeta. Maiores informações podem ser encontradas em: <www.slowfoodbrasil.com>. 7 inseridas em meados dos anos 1990 nos trabalhos do STR. Os entrevistados desse extrato da amostra são Juseleno, Valdeci, Farinhada e Tibúrcio. Juseleno é agricultor familiar e se inseriu no movimento sindical a partir do processo de formação da escolinha sindical e da coordenação da Pastoral da Juventude Rural (PJR) no município. Como diretor do Sindicato, participou do Grito da Terra em Brasília, no período de construção do PRONAF. Foi presidente da ASIMAF, diretor da COOFELIZ e sócio da ECOSOL. Esteve envolvido com processos fora do município como diretor do CTA. Participou do Fórum Estadual de Economia Solidária e da Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (FETRAF) regional da Zona da Mata. Esteve envolvido com processos deliberativos no Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável do município. Também participou do Encontro Nacional de Agroecologia e do encontro Terra Madre, do Slow Food, na Itália. Valdeci é agricultor familiar, iniciou sua militância na Pastoral da Juventude Rural. Fez parte da diretoria do STR e é o coordenador da Escolinha Sindical. Esteve envolvido com o processo de constituição da ECOSOL, onde atualmente é diretor; na constituição da COOFELIZ e em atividades nacionais, como congresso sobre cooperativismo de crédito no Rio Grande do Sul, congresso da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em Brasília. Farinhada foi militante da Pastoral da Juventude Rural, em que esteve diretamente envolvido com trabalhos comunitários. Durante a coordenação da Escolinha Sindical, atuou em campanhas contra agrotóxicos. Esteve envolvido com o processo de constituição da ASIMAF, COOFELIZ e ECOSOL. Foi membro do Fórum Regional de Economia Solidária. Participou de eventos nacionais sobre agroecologia e economia solidária. Tibúrcio se inseriu nos trabalhos do sindicato a partir de 1995. É sócio da COOFELIZ, tendo participado do processo de constituição da cooperativa, sócio da ECOSOL e sócio do STR, entidade na qual já exerceu função de diretoria. Tibúrcio é agricultor agroecológico e está envolvido em uma série de trabalhos do CTA sobre manejo agroecológico. Acessa uma série de políticas públicas, dentre elas, o PRONAF e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). 8 As outras duas entrevistas foram realizadas com pessoas vinculadas ao cotidiano administrativo das organizações de agricultura familiar no município. Trata-se de pessoas que também fizeram parte de algum processo formativo do STR e que hoje assumem funções executivas dentro das organizações e lidam diretamente com os agricultores atendidos por elas. Essas pessoas são responsáveis pela execução de políticas específicas de agricultura familiar, como é o caso do Crédito Fundiário, PRONAF e PAA. Os entrevistados desse extrato da amostra foram Jaciene e Ana Cláudia. Jaciene é filha de agricultor familiar e se inseriu nos trabalhos do STR a partir da escolinha sindical. Fez parte da Pastoral da Juventude Rural. Esteve envolvida com a execução do PAA pela COOFELIZ e atualmente é funcionária da ECOSOL. Mesmo como funcionária, participa de espaços de discussão das outras organizações. Ana Cláudia é filha de um dos sócios fundadores do STR, o Serginho Correa, agricultor agroecológico conhecido no município. Trabalha no STR na execução de políticas específicas e se envolve em atividades nas comunidades, além de participar de vários planejamentos do STR. É historiadora e teve contribuição fundamental na identificação dos documentos do STR para análise nesta pesquisa. Todos os entrevistados e as entrevistadas participaram do Envolvimento Local, desde o diagnóstico à elaboração do Plano de Ação. A escolha desse público foi feita pelos diferentes processos em que cada um esteve envolvido, seja na constituição das organizações locais ou pelas redes em que estão inseridos. A partir da entrevistas com este público foi possível analisar como as organizações surgiram e quais as relações que as levaram a se envolver em determinados processos, bem como identificar quais foram (e ainda são) as ações desenvolvidas pelas organizações locais através do acesso a políticas públicas específicas. Por meio das entrevistas também foi possível identificar quais mediadores sociais estão envolvidos com as organizações e identificar os projetos e programas voltados para a agricultura familiar em que o STR está envolvido. Para identificar a relação entre o contexto de atuação do STR e as mudanças na orientação das políticas públicas de desenvolvimento rural utilizou-se a pesquisa 9 documental4. Fez-se análise de documentos tais como: Atas de Assembléias do STR no período de 2000 a 2005, Atas de Reuniões de Diretoria do Sindicato no período de 2003 a 2009. Optou-se pela análise das atas pelo fato delas trazerem o registro de reuniões relacionadas ao planejamento das ações do STR, além de registro sobre os processos de mobilização ocorridos durante toda a trajetória do STR, seja no estabelecimento de estratégias de ação comunitárias ou análise de processos estabelecidos com outras organizações, tanto locais quanto nacionais. Outros documentos foram utilizados como fonte de dados, como o relatório do Diagnóstico dos Empreendimentos Solidários em Divino, Araponga e Espera Feliz5. A análise destes documentos se deu a partir da leitura e da reunião dos principais conteúdos e temas. Através desses temas principais foi possível identificar categorias que permitissem relacionar o contexto local de atuação do STR, em seus diferentes momentos históricos, com as mudanças no contexto das políticas públicas6. Fez-se análise dos relatórios de planejamento do STR dos anos de 2003, 2004 e 2007. Foram analisados os conteúdos dos três primeiros meses das atas de reuniões de diretoria desde 1987, uma vez que, segundo os sócios fundadores, era nesse período que se fazia o planejamento do sindicato, portanto, a projeção das atividades anuais ou parte delas, encontra-se nesses documentos7. Como complemento à análise documental, foi realizada observação participante durante reuniões e funcionamento do cotidiano das organizações. A observação participante foi realizada no Sindicato dos Trabalhadores Rurais e na ECOSOL8. Esta técnica foi utilizada por fornecer um conjunto de descrições detalhadas do objeto em questão, evidenciando conflitos e problemas que possibilitem uma compreensão da 4 “(...) a pesquisa documental consiste em saber esclarecer a especificidade e o campo de análise de conteúdo. Seria um conjunto de operações visando representar o conteúdo de um documento de forma diferente. Seu objetivo consiste na reapresentação condensada da informação.” (MARCONI et al., 2006, p. 29) 5 Estudo realizado pelo Centro de Tecnologias Alternativas e que traz questões pertinentes aos processos de surgimento e funcionamento das organizações em Espera Feliz. 6 O quadro 1, no Apêndice B, evidencia esses principais temas reunidos dos documentos descritos. 7 O quadro 2, no Apêndice C, expressa a síntese desses documentos. 8 A COOFELIZ não possui uma sede própria ou um cotidiano de funcionamento que permitisse utilizar tal método. Dessa forma, as inferências relacionadas a essa organização foram feitas a partir de outras reuniões e entrevistas. O que será evidenciado ao longo da dissertação. 10 organização que está se estudando (BECKER, 1994). Durante o trabalho de campo, acompanhou-se a rotina de atendimento aos agricultores, o que permitiu identificar parte das principais necessidades demandadas por estes junto ao STR. Outras observações durante o trabalho de campo se deram em reuniões, tais como a reunião com a Câmara dos Vereadores para a construção de um seminário sobre a aquisição de alimentos da agricultura familiar para a Alimentação Escolar9 e reuniões para discussão de políticas públicas específicas, como é o caso do PAA. Também foi observada uma reunião da Associação Regional10 e outras reuniões que aconteceram espontaneamente durante as visitas ao STR, todas elas ligadas a operacionalização de alguma política pública específica ou sobre algum edital aberto de financiamento de projetos. Essas observações foram descritas no caderno de campo11. Os aspectos históricos de constituição do sindicalismo rural no Brasil, as disputas e mobilizações realizadas nesse contexto de constituição da agricultura familiar enquanto agenda de políticas públicas foram identificados a partir de uma pesquisa bibliográfica12. A proximidade com os atores sociais envolvidos com a pesquisa ocorre desde 2005, em virtude de atividades de extensão universitária, assessoria e moderação de oficinas e reuniões junto às organizações de agricultura familiar no município. Essa proximidade facilitou o acesso às informações e aos documentos, bem como a compreensão de alguns processos estabelecidos a partir do acesso a determinadas políticas públicas. Os documentos produzidos por meio das atividades desenvolvidas no município serão utilizados como dados secundários13. 9 Recentemente foi homologada a lei 11.947 de 2009 que determina que no mínimo 30% da compra para a alimentação escolar seja feita da agricultura familiar. Como forma de ter maior conhecimento sobre os procedimentos de aquisição de alimentos dos agricultores a COOFELIZ e a Câmara de Vereadores realizaram um seminário para conhecer os mecanismos de acesso a esse mercado específico. 10 É uma organização da sociedade civil composta por 15 Sindicatos de Trabalhadores Rurais da Zona da Mata, entre eles o de Espera Feliz. O objetivo que justifica sua existência é a captação de recursos e coordenar os processos de comercialização da agricultura familiar na Zona da Mata (ASSIS, 2005). 11 As entrevistas foram gravadas e transcritas. As observações eram registradas em um caderno de campo. 12 “A pesquisa bibliográfica possibilita um amplo alcance de informações, além de permitir a utilização de dados dispersos em inúmeras publicações, auxiliando também na construção, ou na melhor definição do quadro conceitual que envolve o objeto proposto.” (LIMA et al., 2007, p. 40). 13 No Apêndice D, há o quadro 3 com as atividades realizadas no município que serão utilizadas como dados secundários. 11 3 CARACTERIZAÇAO DA REGIÃO Esse capítulo pretende demonstrar algumas características do processo de ocupação da Zona da Mata e, especificamente, algumas características do município de Espera Feliz. Essa descrição é necessária para situarmos o contexto da pesquisa e compreendermos os processos históricos sob os quais se edifica a agricultura familiar no município. 3.1 Caracterização da Zona da Mata Mineira e do município de Espera Feliz A Zona da Mata de Minas Gerais possui uma história de colonização recente, datada no final do século XIX. Essa povoação tardia em relação a outras regiões do estado de Minas Gerais possui razões naturais e políticas. No que se refere às razões de ordem natural, tem-se o fato de a coroa portuguesa não priorizar a ocupação da região em função de sua densa cobertura vegetal. Essa vegetação mantinha o circuito de escoamento do ouro até o litoral por meio do Caminho Novo, com o propósito de criar acesso entre a região das minas e o Rio de Janeiro, desdobrando-se, portanto, em um fato político. E foi no entorno dessa nova via de circulação que emergiram roças para atender à demanda das tropas que por ali transitavam. Era pelo Caminho Novo que o café chegava à província de Minas (VALVERDE, 1958; DE PAULA, 2006). A ocupação da Zona da Mata se efetivou em virtude da crise do ciclo do ouro, aproximadamente no período de 1830. A cafeicultura se consolida, a partir de então, como a principal atividade comercial da região. Esta foi introduzida na região no final do século XIX e o seu cultivo iniciou-se em grandes propriedades (CINTRAO, 1996), em torno de pequenos sitiantes (COMERFORD, 2003). Mesmo sendo a cultura predominante na Zona da Mata, outros cultivos eram estabelecidos em meio aos cafezais, devido à instabilidade dos preços, tais como feijão, milho, arroz, entre outros gêneros alimentícios, que além de serem produzidos para consumo, também eram comercializados, podendo ser caracterizados como estratégias estabelecidas em momentos de crise do café (COMERFORD, 2003). 12 Juntamente com a cultura do café, inicia-se um processo de crescimento demográfico, a urbanização e industrialização, bem como a construção de ferrovias14, a partir de 1870, para fazer o escoamento da produção, fazendo com que esse se estendesse para região leste e norte, compreendendo os municípios de Muriaé, Ponte Nova, Carangola e Manhuaçu. É neste contexto que se insere a ocupação da região que hoje abrange o território do município de Espera Feliz, localizado na microrregião de Muriaé15. A Figura 1 apresenta o mapa da Zona da Mata e as regiões de planejamento do IBGE. Figura 1 - Mapa de Minas Gerais com destaque para Zona da Mata Mineira Fonte: http://www.geominas.mg.gov.br/ Com o desequilíbrio na oferta e demanda mundial do café, na década de 1960, a Zona da Mata sofre implicações diretas (BDMG, 2000) tornando-se uma região problema, foco de incidência de programas específicos voltados para o desenvolvimento da região. Neste contexto é elaborada a política de recuperação do café, por meio de 14 Em Espera Feliz, no ano de 1910, estava se construindo a Leopoldina Railway Company Limited. (NETO, Jose (sem ano).Campos Verdejantes.) 15 Delimitação utilizada como para área de planejamento do IBGE. 13 programas governamentais de erradicação e renovação das lavouras, entre 1962 e 1967 (CAMPOS, 2006). A partir da década de 1970, o café voltou a ser o principal produto, representando valor monetário importante na composição da renda de grandes, médios e pequenos produtores. Nesse período foram implantados os Programas de Desenvolvimento Rural Integrado – PRODEMATA16 e PROVARZEA17. Tendo como eixo do desenvolvimento rural os processos de modernização da agricultura, esses programas propunham a melhoria das condições de vida dos agricultores através da melhoria dos níveis de renda, focando os investimentos em infra-estrutura, saúde e educação, tendo o crédito rural como eixo do processo de modernização (CINTRAO, 1996). Espera Feliz sofreu incidência direta dos programas supramencionados, sobretudo no que se refere ao desenvolvimento da cafeicultura em toda a região. O município é constituinte de um povoamento outrora denominado São Sebastião da Barra. Diz a tradição contada pelos moradores que foi enviada uma comissão de engenheiros pelo Império ao município. Esses engenheiros acamparam na região atual da Praça da Bandeira e caçavam animais silvestres às margens do rio São João, em empreitadas sempre bem sucedidas. Sendo assim, a “espera” pela caça era “feliz”. Dessa forma, o nome Espera Feliz.18. A Figura 2 apresenta a localização do município: 16 Programa de Desenvolvimento Integrado da Zona da Mata realizado no período de 1976 a 1984. (CINTRAO, 1996). 17 O PROVARZEA foi um desdobramento do PRODEMATA, porém não tinha o caráter integrado nem regional, voltado especificamente para o plantio de arroz, feijão, milho e ervilha (CINTRAO, 1996). 18 Essa história encontra-se em (NETO, José. Campos Verdejantes) e Enciclopédia dos Municípios Brasileiros – Volume – XXV ano 1958. Não foi apurado a fidedignidade da historia de constituição do município, mas como a historia de Espera Feliz não é o objeto desse estudo, optou em citar a tradição local sobre o surgimento da cidade. 14 Figura 2 - Mapa do município de Espera Feliz. Fonte: Elaborado a partir de dados de http://www.geominas.mg.gov.br/ O município de Espera Feliz possui uma área de 326,4 km². Está localizado na região norte da Zona da Mata. Possui uma população de aproximadamente 20.835 habitantes, sendo que cerca de oito mil encontram-se na zona rural, ou seja, 40% quarenta por cento da polução total está na roça (IBGE, 2007) como mostra a Tabela 1 a seguir: Tabela 1 - População por Situação de Domicílio 1991 19.543 7.953 11.590 População Total Urbana Rural 2007 20.835 12.530 8.305 Fonte: IBGE, 2007. Percebe-se, a partir da Tabela 01, que a população rural de Espera Feliz, entre 1991 e 2007, teve uma redução, apesar de representar parte considerável da população total, o que expressa a importância de incidência de políticas públicas de desenvolvimento rural e das organizações de agricultura familiar existentes no município. 15 Segundo dados do Atlas do Desenvolvimento Humano (2000), a renda per capita do município cresceu 50,12% de 1991 para 2000 e a desigualdade expressa pelo índice de Gini19 diminuiu de 0,56 em 1991 para 0,49 em 2000. No estado de Minas Gerais, a renda per capita cresceu 42,87% e o índice de Gini se manteve em 0,6 de 1991 para 2000. O crescimento da renda per capita no município foi maior que o estadual. No período de 1991 a 2000, o índice de desenvolvimento humano municipal (IDH-M) cresceu 12,90%, passando de 0,620 em 1991 para 0,700 em 2000. Apesar desse crescimento, o IDH do município ainda é abaixo do estadual, que é de 0, 773, sendo considerada como região de médio desenvolvimento humano. (Atlas do Desenvolvimento Humano, 2000). No que se refere à agricultura, Espera Feliz possui 1032 estabelecimentos agrícolas. Desses estabelecimentos, 522 utilizam algum tipo de força na lavoura (animal ou mecânica) e apenas oito segundo o Censo Agropecuário de 2006, apresentam produção integrada à indústria. Já em relação à adubação, 913 estabelecimentos fazem uso de adubação química, sendo a grande maioria em lavouras (IBGE, Censo Agropecuário 2006). Essas informações sobre a agricultura no município estão relacionadas à produção agropecuária, sem distinção de agricultura familiar ou não-familiar. No Censo Agropecuário 2006 os dados referentes à agricultura familiar 20 expressam que o município possui 761 estabelecimentos familiares, ou seja, 73% dos estabelecimentos rurais são de agricultura familiar, como demonstra a Figura 3, a seguir: 19 O índice de Gini expressa o grau de concentração da propriedade da terra em determinada região. Quanto mais próximo de um, maior será o grau de concentração. 20 O Censo Agropecuário de 2006 adotou o conceito de agricultura familiar de acordo com a lei 11.326, de 24 de julho de 2006, que define como tal aquele que desenvolve atividades no meio rural e siga fundamentalmente os seguintes requisitos: não detenha mais que 4 (quatro) módulos fiscais; mão de obra utilizada de maioria familiar, renda predominante do estabelecimento. 16 Figura 3 - Distribuição dos estabelecimentos familiares e não-familiares Fonte: IBGE - Censo 2006. Kageyama (2008) descreve a presença da agricultura familiar como fator que favorece o desenvolvimento rural. A autora analisa as características do desenvolvimento rural a partir de variáveis como diversificação e produtividade e indicadores de preservação ambiental e de pluriatividade21. Em relação à pluriatividade, segundo dados do Censo Agropecuário de 2006, em 31% dos estabelecimentos familiares os proprietários declararam exercer atividades não-agrícolas e fora da propriedade. Em relação à produção em lavouras permanentes, esta representa 39,87%. O cultivo do café, historicamente presente na região e no município, ocupa uma área plantada de 9350 hectares, ou seja, o café plantado em 2008 no município ocupou uma área 28% da extensão territorial de Espera Feliz. Em termos percentuais, 98,75% da área de lavoura permanente no município é o cultivo de café (IBGE, 2006). A produção de café no município é de aproximadamente 200 mil sacas, com uma média produtiva de 20 sacas por hectare. O número de agricultores familiares é de aproximadamente três mil e quinhentas famílias. Essas famílias estão distribuídas em uma estrutura fundiária em que 42% possuem menos de 10 hectares, 45 % entre 10 e 50 hectares, 8% entre 50 e 100 21 Pluriatividade refere-se a um fenômeno que se caracteriza pela combinação das múltiplas inserções ocupacionais das pessoas que pertencem a uma mesma família, em que os membros exercem atividades agrícolas e não-agrícolas (SCHNEIDER, 2003). 17 hectares, 4% entre 100 e 200 hectares e apenas 1% das propriedades acima de 200 hectares.22, como demonstra a Tabela 02, a seguir: Tabela 2 - Estabelecimentos Rurais - Espera Feliz (1996-2006) Número de propriedades Área % Tamanho das propriedades 1996 2006 1996 2006 menores de 10 ha 266 666 1434 2897 5,45 17,33 de 10 a menos de 50 ha 353 294 8156 6030 30,98 36,08 de 50 a menos de 100ha 80 45 5619 3147 21,34 18,83 de 100 a menos de 200ha 39 19 5173 2632 19,65 15,75 de 200 a menos de 500ha 17 8 4866 2009 18,49 12,02 de 500 a menos de 1000ha 2 Total 757 1076 1032 28320,08 4,09 16715 100 100 Fonte: IBGE, 1996-2006. Percebe-se através da Tabela 02, que houve uma diminuição no número de propriedades no estrato acima de 50 e menos de 500 hectares, no intervalo de 1996 a 2006. Da mesma forma, houve um aumento no número de propriedades no estrato menores de 10 hectares refletindo, portanto, um reordenamento fundiário no que se refere ao acesso a terra nos estratos menores que 10 hectares. Em relação à distribuição da área, 42,51% da área total é ocupada por estabelecimentos familiares, como demonstra a Figura 4, a seguir: 22 Dados coletados em 2009 junto a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (EMATER), escritório localizado no município de Espera Feliz. 18 Figura 4 - Distribuição percentual da área entre estabelecimentos familiares e não familiares. Fonte: IBGE - Censo 2006 Apesar de representar mais de 70% dos estabelecimentos agrícolas no município, a agricultura familiar ocupa uma área de 42,51%. Calculando o tamanho médio das propriedades da agricultura familiar tem-se um valor de 9 hectares, enquanto as propriedades não familiares possuem uma média de aproximadamente 35 hectares. Essa mesma média na microrregião de Muriaé é de 67 hectares para os estabelecimentos não familiares e de 13 hectares para os estabelecimentos familiares. A descrição apresentada demonstra o perfil da agricultura familiar no município de Espera Feliz. É sobre essa agricultura que incidem as políticas públicas de desenvolvimento rural. O contexto de inserção da agricultura familiar como agenda de políticas públicas de desenvolvimento rural é o tema do próximo capítulo. 19 4 AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE DESENVOLVIMENTO RURAL E A AGRICULTURA FAMILIAR A agricultura familiar corresponde a um conjunto de relações complexas em que a propriedade e o trabalho estão intimamente ligados à família. Neste contexto, existe uma formação social heterogênea caracterizando-se enquanto uma agricultura que “(...) contém nela mesma a diversidade” (LAMARCHE, 1993, p.18). Essa diversidade se configura em diferentes relações com o mercado e em representações e modos de vida que se apresentam em contextos heterogêneos específicos. No Brasil, essa forma de agricultura estabeleceu-se à margem de uma estrutura de grande propriedade, na qual o Estado, a partir de suas políticas agrícolas desde a década de 1960, procurou modernizar e garantir sua reprodução social. Essa atuação do Estado reflete as relações predominantes dentro de sua própria estrutura, delimitando uma arena de disputas com correlações de forças distintas que defendem concepções diferenciadas sobre o desenvolvimento rural (WANDERLEY, 1996; 2009). Atualmente a “agricultura familiar” é parte da agenda de políticas públicas de desenvolvimento rural, tendo como um marco de entrada no cenário político o Programa Nacional de Fortalecimento Agricultura Familiar (PRONAF), instituído em meados dos anos 1990. Para os movimentos sociais ligados ao campo, a agricultura familiar passou a ser um componente unificador de diversas categorias sociais, tais como trabalhador rural, meeiro, camponês e arrendatário. Entretanto, a constituição desse termo, enquanto conceito ou mesmo agenda de políticas públicas de desenvolvimento rural, perpassa um período histórico de conflitos no meio rural. Esses conflitos permearam a emergência de organizações dos trabalhadores rurais, como as Ligas Camponesas nos anos 1960 ou mesmo no surgimento dos sindicatos de trabalhadores rurais, organizações responsáveis por evidenciar as carências dessa categoria social e exercer uma pressão frente ao Estado para o reconhecimento destes enquanto segmento social. Este capítulo irá discorrer sobre o processo de constituição da agricultura familiar enquanto agenda de políticas públicas de desenvolvimento rural, evidenciando as lutas sociais no campo desenvolvidas pelas organizações representativas dos trabalhadores rurais no processo de constituição dessa agenda. 20 4.1 O desenvolvimento rural e o processo de modernização da agricultura Entende-se desenvolvimento rural como um conjunto de ações orientadas com vistas a provocar mudanças significativas no meio rural. O Estado, nesta perspectiva, cumpre um papel de agente formulador de processos de mudanças induzidas, sendo estas intenções materializadas nas diretrizes de programas e políticas públicas que expressam a ação governamental. Essas ações podem ser observadas e avaliadas a partir de programas específicos implementadas pelo Estado. Na década de 1970, por exemplo, as orientações do desenvolvimento no meio rural estavam ancoradas no que se convencionou chamar de modelo da “revolução verde”, com as ações voltadas para intensificação tecnológica e a absorção de insumos químicos como forma de se alcançar padrões de produtividade e, por conseguinte, aumento da renda23 promovendo o desenvolvimento rural (NAVARRO, 2001). As orientações para o desenvolvimento alteram-se ao longo do tempo, ou seja, as interpretações sobre os processos sociais no meio rural modificaram as diretrizes que balizaram as ações induzidas a essas realidades. Neste sentido, a perspectiva do desenvolvimento agrícola, outrora base de orientação das ações do Estado com vistas ao desenvolvimento, refere-se, essencialmente, a questões produtivas, suas relações e mudanças. O Primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento evidencia claramente essa perspectiva nas ações do Estado, denominando como “estratégia de desenvolvimento agrícola” a expansão da fronteira agrícola, objetivando o “aumento da produção” a partir das “transformações tecnológicas do setor” (BRASIL, 1972, p.25). O desenvolvimento agrário, por sua vez, possui uma interpretação do mundo rural que leva em consideração um conjunto de processos que estão além das bases produtivas, inserindo outras dimensões nas categorias analíticas que compõem o conjunto de orientações das ações voltadas para o desenvolvimento, tais como as relações institucionais, as disputas imanentes dessas relações, as condições de uso da terra, entre outros componentes que ultrapassam a esfera produtiva estrita. O 23 Expressão dessa orientação foram os Programas de Desenvolvimento Rural Integrado implementados na América Latina e em países africanos e asiáticos. Tratava-se de uma estratégia orientada à população pobre do campo, na perspectiva de modernização e, por conseguinte, de aumento de produtividade, emprego e renda (CHONCHOL ,1984). 21 desenvolvimento rural, portanto, abrange os elementos contidos tanto no desenvolvimento agrícola quanto no desenvolvimento agrário. Apesar dessa orientação mais ampla para processos que ocorrem no mundo rural além do agrícola e agrário, as ações induzidas para o desenvolvimento rural possuem limitantes. A heterogeneidade das atividades agrícolas existentes no meio rural brasileiro, os limites estruturais para o aumento da produtividade e o estancamento do mercado de trabalho rural são alguns exemplos desses limitantes. Sendo assim, torna-se um desafio estabelecer formas de ações governamentais que levem em consideração as particularidades de cada região (NAVARRO, 2001). As políticas de desenvolvimento agrícola no Brasil, especificamente nas décadas de 1960 e 1970, tinham um caráter compensatório e excludente, não inserindo parte considerável dos agricultores familiares nas ações governamentais. Esse padrão de desenvolvimento predominante, marcadamente urbano-industrial, voltava-se para a idéia de que a agricultura tinha um papel secundário quando comparado ao setor „industrial‟, sendo importante à medida que se integrava ao crescimento econômico pelo vínculo estabelecido com a indústria. Dessa forma, são incorporados à idéia de modernização da agricultura24 elementos constituintes da noção de crescimento que se restringem aos aspectos técnicos de produção, ao grau de especialização das atividades agrícolas e à visão do agricultor como empresário agrícola. Ou seja, em grande medida, esta concepção de desenvolvimento restringe-se ao progresso técnico (ALMEIDA, 1997). Era sob esta concepção que se elaboravam intervenções por parte do Estado na execução de políticas de desenvolvimento rural. O conteúdo dessas ações elaboradas durante as décadas de 1960 e 1970 está explícito nos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND). Esses planos tinham como diretrizes das políticas agrícolas a transformação da agricultura tradicional em uma agricultura vinculada aos mercados, bem como a expansão da fronteira agrícola como estratégia de desenvolvimento rural. O foco de atuação era a transformação de setores ditos atrasados, como “agricultura 24 O processo de modernização da agricultura foi caracterizado por um padrão tecnológico baseado no binômio químico mineral-mecanização; crédito rural privilegiando grandes proprietários; consolidação de cadeias agroindustriais vinculadas à montante com a indústria químico-farmacêutica e de bens de capital; aumento da exportação. 22 tradicional25”, em empresas rurais, com inserção de tecnologias e insumos químicos na busca de uma maior produtividade. Esse processo de modernização da agricultura, que se verificou na década de 1970, foi ancorado na política agrícola do Estado que pressupunha a manutenção de uma estrutura fundiária concentrada e a expansão da fronteira agrícola, intensificando os conflitos no campo (MEDEIROS, 1989). Tais processos incluíam-se na orientação do projeto agrário elaborado no regime militar que, segundo Houtzager (2004), edificava-se em três eixos: o aumento da produtividade agrícola através da expansão das áreas em direção ao norte, estabelecendo um setor agroindustrial capaz de inserir o Brasil em uma economia internacional; o fomento à integração nacional através da aproximação econômica entre as regiões e capilaridade do Estado em regiões mais distantes e a incorporação do trabalho rural à sociedade nacional pela regulação do movimento sindical e a institucionalização da relação entre Estado e trabalhador rural. A expansão agrícola teve como principal locus a região nordeste e Amazônica. Era nessas regiões que se concentravam, na década de 1960 e 1970, os principais conflitos em torno de camponeses e latifundiários (MARTINS, 1986). Nessa nova configuração imposta pelo Estado nacional e sob um regime ditatorial, os sindicatos assumem a função de levar o Estado em áreas onde este se encontrava ausente, inclusive em áreas historicamente dominadas pelas oligarquias rurais. Dentro deste projeto de institucionalização da relação entre Estado e trabalhador rural é criado o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL), operacionalizado pelos sindicatos rurais através do FUNRURAL, o que provocou uma “desmobilização estrutural” dos sindicatos e, paradoxalmente, atendeu a uma reivindicação feita pelos próprios trabalhadores ao Estado, ou seja, o reconhecimento da categoria através do acesso a direitos como previdência, assistência médica e outros benefícios (HOUTZAGER, 2004). Com a criação dessa nova atribuição, os sindicatos criaram uma capilaridade em todo o território nacional, o que se tornou importante na medida em que ainda existiam sindicatos que promoviam ações desvinculadas do assistencialismo estrito. É nesse 25 Agricultura tradicional refere-se a uma forma de manejo que não envolvia uso de insumos químicos e mecanização inserida a partir da revolução verde. 23 contexto que foi criada a Comissão Pastoral da Terra (CPT), vinculada a Igreja Católica, e que exercia uma função de assessoria aos que trabalhavam em favor dos sem terra. De acordo com Favareto (2006), o trabalho da CPT foi determinante para a consolidação de uma crítica à prática sindical que se estabelecia no campo. Os agentes das pastorais se faziam presentes em áreas de conflitos e utilizavam metodologias de trabalho voltadas à ação social para o enfrentamento dos problemas que se configuravam nos níveis comunitários, sempre formando uma opinião crítica ao modelo sindical até então consolidado no campo. A partir de sua prática, novos sindicatos foram criados e desenvolveram-se críticas à prática sindical existente, qual seja, de operacionalização da política de previdência social, contribuindo para afirmar um caráter reivindicativo do sindicalismo rural, procurando romper com a postura assistencialista e paternalista dos sindicatos tradicionais, proferindo a organização e mobilização dos agricultores e o engajamento de um número cada vez maior de trabalhadores (BONI, 2004). Entretanto, a relação entre o Estado, através de elaboração de políticas agrícolas de modernização, e os sindicatos, permeava, segundo Houtzager (2004), a prioridade dos militares em resolver a questão agrária em suas manifestações políticas e econômicas. Essa prioridade aparelhou os sindicatos e sua representação em nível nacional, através da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG). A partir de então, a federação passou a assumir como estratégia uma tríade, que segundo Houtzager (2004), se baseava no uso de recursos do Estado para formar os sindicatos, mais especificamente os contratos do PRORURAL, a formação de novos líderes suplantados nas diversas identidades regionais e baseados no Estatuto do Trabalhador Rural e a utilização do Estado para mediar o contato com os trabalhadores rurais. Esta estratégia legalista, entretanto, provocou uma perda da capacidade de fazer exigências e uma fragilidade na representatividade do movimento. Com a criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em 1983, inicia-se uma fase que tem como característica a forte reivindicação, a democratização do sindicalismo e a participação (MEDEIROS, 1989). A década de 1980 marca o surgimento de outras organizações que passam a disputar com a CONTAG o monopólio da representação dos trabalhadores rurais e agricultores de um modo geral. Este é o caso já citado da CPT, do Departamento de Trabalhadores Rurais da CUT, de Federações 24 Estaduais de Agricultores e Empregados Rurais e, notadamente, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Também há uma enorme diversificação de temas nas pautas de reivindicações do novo movimento sindical. Para além da clássica questão agrária, surgem demandas relacionadas à questão das relações de gênero, papel dos jovens e idosos, combate à pobreza e alternativas à produção agropecuária modernizada. Assim, a partir da década de 1990, o sindicalismo rural inicia um processo de incremento das formulações sobre desenvolvimento rural tendo como base a agricultura familiar (COLETTI, 2005). Essa formulação de um “projeto alternativo de desenvolvimento rural”, elaborado pela CONTAG, aponta para um novo redirecionamento nas estratégias de ação do movimento sindical rural, combinando uma ação mais direcionada à elaboração de políticas públicas com uma intervenção voltada para a organização da produção (CORDEIRO et al., 2003) É a partir da década de 1990 que, segundo Schneider (2007), tem sido formulada pelo Estado as agendas de desenvolvimento rural no Brasil. Nestas agendas o desenvolvimento rural passa a ser visto como um processo que envolve múltiplas dimensões: econômica, sócio-cultural, político-institucional e ambiental. Diferentemente das concepções de desenvolvimento agrícola e desenvolvimento agrário, o desenvolvimento rural abarca níveis diferentes de relações envolvendo aspectos globais (a partir das relações entre agricultura e sociedade). As orientações para o desenvolvimento sob essa perspectiva levam em consideração outros aspectos, como a diversificação das atividades produtivas sendo vista como modelo para o setor agrícola; novas formas de alocação do trabalho familiar (pluriatividade) e uma perspectiva que considera as relações nos territórios e nos níveis político institucional (relações entre os níveis local e global) As características fundamentais das novas trajetórias do desenvolvimento rural envolvem uma diversidade de atores e atividades desenvolvidas numa multifuncionalidade atribuída aos recursos como a terra e o trabalho (KAGEYAMA, 2008). 25 A partir desta contextualização, evidenciam-se „projetos políticos26‟ (DAGNINO, 2004) diferenciados de desenvolvimento voltados para o meio rural. De um lado, uma proposta de desenvolvimento calcada em processos de modernização que excluía grande parte dos agricultores familiares, com uma orientação no sentido de inserção em mercados, atribuição de insumos químicos aos processos produtivos e uma estrutura fundiária concentrada. De outro lado, a partir da mobilização social e organização política dos trabalhadores rurais, emerge uma concepção de desenvolvimento rural que tem como eixo central a agricultura familiar e o conjunto de relações (econômicas e produtivas) estabelecidas por esses sujeitos sociais. Estes dois projetos políticos evidenciam as principais arenas de disputas da agricultura no Brasil. 4.2 Da emergência da agricultura familiar à agenda das políticas públicas Em uma revisão de literatura feita acerca da conceituação das políticas públicas, Souza (2006) identificou que as principais definições voltam-se para onde as ideias se desenvolvem, ou seja, os governos. O processo de constituição de uma política pública, segundo a autora, é um ciclo que envolve vários estágios, que vão desde a definição da agenda à implementação e avaliação de projetos e programas, no entanto, este processo é marcado por conflitos e disputas de interesses. Uma agenda de políticas públicas é definida a partir da identificação dos problemas; a divulgação ou tornar público (publicização) o problema e a produção de informações que demonstram falhas na política atual (SOUZA, 2006). Sendo assim, para compreensão do surgimento da agricultura familiar na agenda das políticas públicas de desenvolvimento rural, é necessário compreender as relações do contexto macroeconômico em que emergem tais políticas, bem como as relações entre os seus “agentes definidores”, dentre eles, organizações da sociedade civil, movimentos sociais, movimento sindical rural, ONGs, elites econômicas dentre outros, no contexto de disputas decorrentes das políticas agrícolas no Brasil (BONETTI, 2007). 26 O conceito de projeto político serve para “(...) designar os conjuntos de crenças, interesses, concepções de mundo, representações do que deve ser a vida em sociedade, que orientam a ação política dos diferentes sujeitos.” (Dagnino, 2004, p.98) 26 A emergência da agricultura familiar na agenda das políticas públicas de desenvolvimento rural no Brasil envolve um conjunto de mudanças macroeconômicas, ocorridas no final da década de 1980, que afetaram a política agrícola diretamente, provocando redução da oferta de crédito rural, eliminação de subsídios, flutuações dos preços internacionais e desregulamentação do mercado agrícola interno. Outras variáveis explicativas, já no contexto da década de 1990, referem-se ao processo de desestatização de empresas públicas, ao início do processo de abertura econômica e ao desmantelamento dos órgãos públicos de pesquisa e extensão rural. Esse cenário de ajuste estrutural no Brasil provocou reações diversas nas mais distintas formas de organizações no meio rural (CORDEIRO et al., 2003). Findada a década de 1980, iniciou-se um novo cenário no contexto político do espaço rural brasileiro. Toda a mobilização ocorrida nas décadas de 1960 e 1970 levou à constituição de experiências organizativas de produtores familiares no meio rural. A emergência do “pequeno produtor27”, enquanto um novo segmento político, gerou algumas tensões nos sindicatos de trabalhadores rurais, pois, a partir de então, eram postos dois segmentos – assalariados e não assalariados – para uma mesma entidade representativa. Entretanto, as formas familiares de produção no meio rural não estavam, ainda, representadas pelos sindicatos de trabalhadores rurais. É no período entre a década de 1970 e meados da década de 1980 que surgem novos atores no escopo das lutas sociais no campo, como é o caso do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Esses novos atores, juntamente com as práticas forjadas pelo “novo‟ sindicalismo rural28” traziam em seu bojo um conjunto de ações ordenadas em torno de orientações tais como reforma agrária, nova política agrícola e direitos trabalhistas (CORDEIRO et al., 2003). 27 De acordo com Brumer et al., o termo pequeno produtor ou pequena produção delineou-se a partir da década de 1970 relacionado a dois tipos de processos. Um primeiro vinculado às transformações do Estado brasileiro e, por conseguinte, na desarticulação de grupos organizados, como as Ligas Camponesas, por exemplo. Um segundo processo é o de conformação de orientações para o desenvolvimento, expressas em políticas de caráter modernizante. 28 Refere-se à reestruturação do sindicalismo após o regime militar. De caráter progressista e reivindicativo, esse novo sindicalismo pressupunha a ampliação dos interesses da classe trabalhadora, pretendendo promover uma ruptura com as práticas sindicais estabelecidas até então. As pautas emergentes dessas reivindicações eram reforma agrária, nova política agrícola, direitos trabalhistas e o fim da violência no campo (PICOLOTTO, 2009). 27 A partir da década de 1990, emerge a noção de “agricultura familiar” no contexto das políticas públicas brasileiras. O surgimento desta noção está relacionado a um conjunto de fatores que ocorreram tanto no movimento sindical rural quanto dentro do próprio Estado nacional. Em relação ao sindicalismo rural, esses fatores referem-se à evidência do papel dos então denominados “pequenos produtores” na economia do país, principalmente a partir da integração econômica e comercial entre os países da Zona de Livre Mercado das Américas (MERCOSUL). Esses agricultores, especificamente na região sul, sofriam restrições no desenvolvimento de suas atividades produtivas por motivos ligados à falta de crédito e à baixa de preços de seus principais produtos agrícolas, decorrentes do processo de abertura comercial e, por conseguinte, da desregulamentação do mercado interno, como o fim da proteção do Estado, mediante os subsídios que, até então, tinham um papel importante na fixação dos preços. Este ajuste econômico, bem como as transformações institucionais do Estado sob as mobilizações dos movimentos sociais, podem ser categorizados como “condicionantes que resultam em políticas públicas”, neste caso, em políticas de desenvolvimento rural (BONETTI, 2007). Foi neste contexto que a expressão “agricultura familiar” convergiu e unificou o discurso dos pequenos produtores, juntamente com o contexto das tensões provocadas entre trabalho não- assalariado e trabalho assalariado. Ou seja, foi a partir desse cenário que os movimentos sociais ligados ao campo unificaram, na expressão agricultura familiar, uma série de segmentos sociais, tais como assentados, pequenos produtores, arrendatários, parceiros, integrados ao mercado; categorias que a partir de então se definiam como agricultores familiares. Em relação ao Estado e suas políticas públicas, essa expressão foi legitimada através da criação do PRONAF 29, que emergiu frente às pressões dos movimentos sociais com a finalidade de fornecer crédito e apoio institucional aos agricultores familiares (SCHNEIDER, 2003). Com a nova conjuntura estabelecida a partir da década de 1990, os sindicatos iniciam um processo de mudança em que buscavam relacionar as críticas sociais com 29 Outras políticas foram criadas após o PRONAF, tais como: Seguro da Agricultura Familiar (SEAF); Programa de Garantia de Preços da Agricultura Familiar (PGPAF); Programa de Aquisição de Alimentos (PAA); Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER). 28 proposições de políticas alternativas voltadas para o desenvolvimento rural. Neste contexto, inicia-se uma modificação nas bandeiras históricas de luta no campo, o que até então eram reivindicações voltadas para a reforma agrária e para salvaguardar os direitos trabalhistas, modificam-se para a construção de um projeto alternativo de desenvolvimento30 pautado no fortalecimento da agricultura familiar (FAVARETO, 2006). A emergência da agricultura familiar como tema e identidade sociopolítica provocou também a constituição de novas organizações representativas, como é o caso da Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (FETRAF), inicialmente no sul do país, onde surgem as reivindicações que publicizam a denominação “agricultura familiar”. A partir de então, são inseridas na pauta do sindicalismo rural questões como desenvolvimento sustentável e solidariedade. Estes temas passam a fazer parte das finalidades dessa entidade, que explicita a intenção de suas ações para além da organização sindical, adentrando nas esferas da organização da produção, da cooperação, desenvolvimento de práticas associativas, através de uma concepção de desenvolvimento que tenha como premissa a sustentabilidade, a solidariedade e a democracia social e política (RODRIGUES, 2004). 4.3 O surgimento do PRONAF e o novo cenário a partir da década de 1990 Foi a partir da década de noventa que a agricultura familiar se configurou enquanto uma categoria social importante na pauta das políticas públicas. A criação do PRONAF é considerada um marco nesse reconhecimento da agricultura familiar e um avanço, se comparado às políticas agrícolas anteriores. Entretanto, não se pode comparar 30 Este projeto político torna-se evidente em um documento publicado por uma organização sindical no início dos anos 199: “Um projeto Alternativo de Desenvolvimento que garanta a viabilização da Agricultura Familiar implica em: a) um novo modelo tecnológico que leve em conta as questões sociais e ecológicas da produção agrícola; b) novas formas de organização da produção, comercialização, beneficiamento da produção e abastecimento; c) reforma agrária enquanto instrumento para transformação do atual modelo de desenvolvimento da agricultura brasileira; d) política agrícola diferenciada para o pequeno agricultor; e) pesquisa e extensão rural voltados para o interesse dos trabalhadores; f) construir as bases culturais de um desenvolvimento alternativo, resgatando valores como a solidariedade, a cooperação e estabelecendo uma nova relação homem natureza (Departamento Estadual de Trabalhadores Rurais do Rio Grande do sul - DETR-RS, 1992 apud Nunes 2007). 29 a emergência dessa política como uma mudança global no enfoque da política agrícola brasileira, sempre marcada pela garantia da competitividade da agricultura empresarial (CORDEIRO et al., 2003). De qualquer forma, o surgimento do PRONAF pode ser analisado como um elemento positivo para o segmento de agricultores familiares no jogo de correlações de forças que constituem, segundo Bonetti (2007), os “condicionantes das políticas públicas” em escala nacional, compondo o quadro de referências que fundamentam a elaboração de políticas agrícolas no Brasil, agora com um público alvo até então fora da agenda das políticas públicas. Sendo assim, o PRONAF se enquadra dentro da arena de disputas travadas por diferentes atores com interesses econômicos diversos na obtenção de recursos públicos dentro de domínios das políticas públicas de agricultura familiar31(LONG, 2007). Alguns fenômenos que ocorreram na década de 1990 podem ser considerados como fatores que constituíram arenas específicas que orientaram a elaboração de uma política nacional voltada para a agricultura familiar. Dentre eles, tem-se a concorrência da produção nacional com produtos importados provocados pela abertura comercial, gerando uma desregulamentação dos mercados agrícolas e a progressiva redução dos gastos públicos com a agricultura, resultando na redução de ações governamentais efetivas, capazes de conter as consequências do ajuste estrutural (provocadas pelo processo de liberalização da economia) sobre a vida dos agricultores familiares (SCHNEIDER et al., 2009; CORDEIRO et al., 2003). De acordo com FERREIRA et al. (2001), a desordenada abertura econômica forjada nos anos 1990 trouxe elementos para se pensar a viabilidade da agricultura familiar no Brasil, uma vez que, nos países desenvolvidos, ela se enquadra em um conjunto de ações governamentais que compõem 31 Domínio aqui entendido como um conjunto de regras, normas e valores que são essenciais em um processo de ordenamento social e fundamentais no estabelecimento de regras pragmáticas de governança. Os domínios são estabelecidos através do compartilhamento de experiências e lutas sociais. Já as Arenas são os espaços de contestação sobre essas questões, tais como reclamações acerca de recursos, disputas de significados e valores, ou seja, as arenas são os espaços de disputas dentro dos domínios. Esses conceitos são relacionais, ou seja, é a partir das diferentes arenas constituídas em torno de conflitos específicos que os domínios vão tomando novas configurações, vão se modificando pela ação dos atores sociais (LONG, 2007). 30 a estratégia do desenvolvimento nacional, sendo foco de ações governamentais consistentes orientadas a objetivos muito bem definidos. Estes fenômenos, portanto, provocaram, nos atores sociais32 (como é o caso dos movimentos sociais do campo), uma reação a partir de mobilizações sociais específicas frente à situação posta, fazendo emergir, dentro do Estado, uma política voltada para a agricultura familiar. Essas mobilizações, ou respostas, ganharam expressão nacional nas chamadas Jornadas Nacionais de Lutas33, que passaram a ser denominadas como Gritos da Terra (SCHNEIDER et al., 2009). Concomitante ao processo de mobilização social, outro elemento passa a compor os enfoques referenciais que fundamentaram a elaboração do PRONAF. Neste caso, a melhor definição conceitual da agricultura familiar, a partir das contribuições dos estudos realizados pelo convênio FAO/INCRA34 (SCHNEIDER et al., 2009) que evidenciou a importância da agricultura familiar na composição da renda e na produção de alimentos, contribuindo para definir as diretrizes do programa (MATTEI, 2006). O PRONAF é considerado uma das mais importantes políticas públicas voltadas para a agricultura familiar no Brasil. Foi instituída a partir do decreto número 1.946 de 1996, que em seu artigo primeiro traz como objetivo principal do programa “promover o desenvolvimento sustentável do segmento rural constituído pelos agricultores familiares, de modo a proporcionar-lhes aumento da capacidade produtiva, geração de emprego e melhoria da renda” (SCHNEIDER et al., 2009, p.24). O PRONAF apresenta quatro grandes linhas de atuação: financiamento da produção; financiamento de infra-estrutura e serviços municipais (mais recentemente inserida na política de territórios rurais); capacitação de profissionalização dos agricultores familiares; financiamento da pesquisa e extensão rural. Os critérios estabelecidos inicialmente para o atendimento dos agricultores eram definidos da seguinte forma: 32 Segundo Long, atores sociais são entidades sociais com capacidade de identificar problemas e promover respostas (LONG, 2007). 33 As Jornadas de Lutas eram organizadas inicialmente pela CONTAG, CUT e MST e contavam com a participação de vários movimentos sociais voltados para as lutas no campo. 34 FAO/INCRA (1994a). Diretrizes de políticas agrária e desenvolvimento sustentável para a pequena produção familiar. Brasília: FAO/INCRA, 98p. FAO/INCRA(1994b). Diretrizes de política agrária e desenvolvimento. Brasília: FAO/INCRA, Versão resumida do relatório final do projeto UTF/ BRA/036,24p. (SCHNEIDER et al., 2009). 31 1) Possuir, pelo menos, 80% da renda familiar originária da atividade agropecuária; 2) Deter ou explorar estabelecimentos com área de até quatro módulos fiscais (ou até seis módulos quando a atividade do estabelecimento for pecuária); 3) Explorar a terra na condição de proprietário, meeiro, parceiro ou arrendatário; 4) Utilizar mão-de-obra prioritariamente familiar, podendo, no entanto, manter até dois empregados permanentes; 5) Residir no imóvel ou em aglomerado rural ou urbano próximo; 6) Possuir renda bruta familiar de até R$ 60.000,00 (SCHNEIDER, et al., 2009). Desde seu surgimento várias mudanças ocorreram no programa. Em 1999, o PRONAF migrou do Ministério da Agricultura para o recém criado Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), sendo operado pela Secretaria de Agricultura Familiar. Houve mudanças também na esfera financeira, sendo criada uma taxa fixa de juros para os montantes de empréstimos e o prazo de pagamento sendo dilatado. Quanto às mudanças relacionadas aos mecanismos de acesso ao crédito, podem ser destacadas mudanças nos procedimentos burocráticos, principalmente no que se refere à emissão da Declaração de Aptidão (DAP). O MDA habilitou os sindicatos de trabalhadores rurais, os serviços públicos de extensão e os sindicatos rurais a emitir esta documentação (SCHNEIDER, et al., 2009). Uma mudança mais recente e talvez de maior expressão desde o surgimento do programa se deu em 2003, com a criação da Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT). Após a sua criação, a SDT passou a ser a responsável pela gestão do PRONAF infra-estrutura, passando a associar essa modalidade à noção de desenvolvimento territorial35. As análises do programa realizadas de 1996 a 2006 apresentam consensos no que concerne ao seu papel no aumento da produção a partir do fortalecimento da agricultura familiar e os impactos positivos na composição da renda e, por conseguinte, na reprodução social dos agricultores familiares. Entretanto, algumas mudanças estruturais 35 “(...) entendendo territórios rurais como um espaço físico, geograficamente definido, geralmente contínuo, caracterizado por critérios multidimensionais que se relaciona interna e externamente por meio de processos específicos, onde se ode distinguir um ou mais elementos que indicam identidade e coesão social, cultural e territorial” (MDA/SDT/Condraf, 2003). 32 não são promovidas a partir do programa, como por exemplo, a diminuição na concentração da estrutura fundiária do país e as mudanças na matriz produtiva, que se mantém ancorada nos preceitos da revolução verde (MATTEI, 2006). Alguns resultados também são identificáveis a partir do surgimento do programa, como sintetiza MATTEI (2006): a) Ocorrência do processo de descentralização das políticas públicas, b) Criação de canais de participação da sociedade civil, c) Gestão social da política, d) Estímulo ao associativismo e cooperativismo, e) Expansão do programa e, consequentemente, do acesso ao crédito, f) Respostas produtivas ao programa, ou seja, vinculação direta do aumento do volume de empréstimos com o aumento da produção agropecuária no âmbito da agricultura familiar. A modalidade do programa que será aprofundada nesse estudo é a de financiamento da produção. Trata-se da modalidade em que o STR de Espera Feliz tem relação direta nos procedimentos de acesso. Esta modalidade está voltada ao apoio financeiro dos agricultores familiares de acordo com seis categorias36. Das principais linhas de crédito37 oferecidas pelo programa, o custeio é uma das mais acessadas no município de Espera Feliz, chegando a pouco mais de 90% do montante total dos recursos acessados. Em 1999/2000, o PRONAF abrangia pouco mais de três mil municípios no país, tendo um aumento de 33% do montante de municípios atingidos pelo programa em 2001. Comparado com o ano de 2008, houve um aumento de 58% no número de municípios inseridos no programa. Em relação ao montante de recursos disponibilizados aos agricultores, em 1999/2000 foram disponibilizados cerca de 3,3 bilhões, sendo que em 2006/2007 o montante chegou a 10 bilhões, representando um incremento de mais de 200% se comparado com 1999/2000. A evolução dos contratos e os valores do montante dos recursos aplicados no Brasil encontram-se na tabela 2 a seguir: 36 37 As categorias do PRONAF e o público a qual se destina cada uma delas encontram-se no Anexo A. As principais linhas de crédito encontram-se no Anexo A. 33 Tabela 3 - Crédito rural do PRONAF – contratos e montante por ano no Brasil Ano Contratos Montante (R$, 1,00) 1999/2000 926.422 2.149.434.466,14 2000/2001 893.112 2.168.486.228,50 2001/2002 932.927 2.189.275.083,64 2002/2003 904.214 2.376.465.864,08 2003/2004 1.390.168 4.490.478.228,25 2004/2005 1.635.051 6.131.600.933,40 2005/2006 1.913.043 7.611.929.143,94 2006/2007 1.692.516 8.433.207.648,22 2007/2008 1.649.063 9.074.785.135,73 2008/2009 1.443.218 10.791.907.306,56 2009/2010 723.671 4.764.921.759,91 Total 14.103.405 60.182.491.798,37 Fonte: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2009. <www.mda.gov.br> O formato inicial do programa possuía linhas de crédito voltadas para financiamento da produção, infra-estrutura, capacitação, pesquisa e extensão rural. Mattei (2006) faz uma síntese de estudos de avaliação do programa em seus dez anos, na qual aponta que o programa provocou um aumento da produção a partir do fortalecimento da agricultura familiar. No entanto, esses estudos apontam também algumas fragilidades, principalmente ao que se refere à gestão social, em que as discussões se dão em torno da execução de recursos e não sobre a elaboração de uma política de desenvolvimento rural que dê conta das heterogeneidades da agricultura familiar. Mesmo apresentando limitações, o PRONAF promoveu avanços consideráveis na descentralização das políticas públicas, expansão do acesso ao crédito e aumento da produção agropecuária desse setor (MATTEI, 2006). Outra crítica atribuída ao programa é que este não conseguiu mudar o padrão de desenvolvimento calcado pela modernização da agricultura, com um viés produtivista e de especialização (MATTEI, 2006). Entretanto, não se pode considerar como similar o esforço feito pelas políticas de desenvolvimento rural a partir da década de 1990 com as 34 políticas agrícolas elaboradas na década de 1970. Na década de 1990 tem-se uma tentativa de envolver as organizações dos trabalhadores rurais na execução das políticas, o que não era pensado na década de 1970. A eficiência das políticas públicas de desenvolvimento rural está relacionada ao respeito à diversidade da agricultura familiar e à sua interação com as dinâmicas locais (TONNEAU et al. 2007). Essa é uma diferença fundamental entre as políticas de desenvolvimento rural elaboradas nos dois períodos assinalados. A interação dos agricultores na execução de programas específicos reflete mudanças não apenas nas políticas públicas, mas na sociedade em termos de construção de espaços de diálogos e participação. No entanto, o sucesso desses espaços e de políticas públicas que contenham certas especificidades de determinados segmentos sociais, como é o caso da agricultura familiar, só é possível a partir da mobilização das organizações locais, que são capazes de participarem na construção de novas concepções e diretrizes de política públicas (TONNEAU et al. 2007). É nesse cenário de contestação política, resultado das críticas à modernização da agricultura e do difusionismo como marca da prática dos serviços públicos de extensão rural, que os movimentos sociais do campo engendraram disputas políticas em torno de modelos alternativos de produção. Dentro desse contexto, as ONGs vinculadas a Rede PTA38, junto aos movimentos sociais do campo, foram fundamentais para introduzir inovações nos modos convencionais de conceber a promoção do desenvolvimento. E o fizeram a partir do enfrentamento de condições adversas vivenciadas por grupos sociais que reagiam, organizando-se localmente, tanto às imposições do poder estatal centralizado quanto, em outros casos, à própria ausência do Estado. Nesse encontro entre 38 No final da década de 1970 emerge um número considerável de organizações não-governamentais vinculadas a Rede-PTA (Projeto Tecnologias Alternativas). Tratava-se de uma rede de organizações que prestavam serviços e assessoria aos movimentos populares. Tem-se como influencia dessa rede, que congregava um conjunto grande de organizações, o movimento ambientalista internacional, o movimento de agricultura alternativa do Brasil e os movimentos sociais rurais no Brasil. Em 1993, 10 anos após sua criação, a rede PTA reunia 21 ONGs: APTA (Vitória-ES), AS-PTA (com sede em vários estados), ASSESSOAR (Francisco Beltrão-PR), CAA-NM (Montes Claros-MG), CAATINGA (Ouricuri-PE), CAEIPÊ (Ipê-RS), CAT (Governador Valadares-MG), CAPA IV (S.Lourenço do Sul-RS), CENTRO SABIÁ (Recife-PE), CETAP (Passo Fundo-RS), CTA-ZM (Viçosa-MG), ESPLAR (Fortaleza-CE), FUNDEP-DER (Braga-RS), PATAC (Campina Grande-PB), PROTER (Fernandópolis-SP), REDE (Belo Horizonte-MG), RURECO (Guarapuava-PR), SASOP (Salvador-BA), TERRA VIVA (Itamaraju-BA), TIJUPÁ (S.LuizMA), VIANEI (Lages-SC). (AS-PTA, ago/1993) (CINTRAO, 1996). 35 ONGs e movimentos sociais articulam-se outros modos de promoção do desenvolvimento, para os quais a participação dos envolvidos é fundamental nos processos de intervenção (DIAS, 2004). Nota-se, então, a inserção de novos temas vinculados a ideia de desenvolvimento rural, tais como a participação, a discussão ambiental e a discussão acerca de processos de desenvolvimento que tragam um caráter mais sustentável em suas ações, cujas causas remetem a algumas mudanças no cenário político a partir da década de 1990, responsáveis pela inserção de novos componentes nas diretrizes das políticas de desenvolvimento rural. A primeira delas era o fortalecimento do processo de democratização no Brasil após abertura política, tendo ocorrido uma mudança institucional calcada na descentralização das políticas públicas. Uma segunda mudança foram as ações dos movimentos sociais e de organizações da sociedade civil, que deixaram de ser apenas contestatórias e assumiram uma postura mais proativa, tendo na participação política o principal foco de atuação. E um terceiro aspecto está relacionado à inserção da discussão em torno da sustentabilidade nos processos de desenvolvimento rural (SCHNEIDER, 2007). 36 5 A CONSTITUIÇÃO DO SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE ESPERA FELIZ A PARTIR DA VISÃO DE SUAS LIDERANÇAS A Zona da Mata Mineira foi uma região de domínio de fazendeiros em que as relações políticas eram entremeadas pelas relações entre oligarquias rurais. A “lógica do favor39” era a lógica que estruturava as dinâmicas entre fazendeiros e trabalhadores rurais (CINTRÃO, 1996). Esta dinâmica esteve presente (e ainda está) no meio rural brasileiro, em que a dominação do fazendeiro se impõe enquanto “orientação social e política”, freando as possibilidades de “transformação e democratização do país” por ser uma relação política estruturada em relações arcaicas de clientelismo e dominada por oligarquias rurais (MARTINS, 1994). É neste contexto de dominação política e relação de dependência que emerge um grupo de reflexões que adquire uma capilaridade em nível comunitário e que mina os processos de dominação, criando novas relações políticas e engendrando processos de organização no meio rural. Esses grupos, que se reuniam em torno de reflexões acerca dos problemas dos trabalhadores, foram estabelecidos como Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Era nesses grupos que se faziam aproximações das leituras bíblicas com os problemas enfrentados no cotidiano, dentre eles as relações entre fazendeiros e trabalhadores rurais. Através dos encontros das CEBs, os trabalhadores foram incorporando uma dinâmica de reuniões, discutindo de forma orientada os seus problemas (CINTRÃO, 1996). O processo de constituição dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais na Zona da Mata se deu a partir desses trabalhos e reflexões das CEBs, assumindo uma amplitude maior a partir do Movimento da Boa Nova (MOBON). O MOBON inicia-se em 1975 com uma dinâmica de cursos, grupos de reflexão, comunidades e plenárias que contribuíram para a formação de uma gama de lideranças camponesas católicas. Foi sob 39 O centro das relações com a fazenda se dava em torno da relação de dependência para obtenção das terras. As regras que orientavam a permanência do parceiro ou agregado para com o fazendeiro eram de favor, ou seja, o „dom‟ de morar na fazenda era uma graça concedida pelo fazendeiro, um favor deste para com o agregado. Neste conjunto de relações, o fazendeiro passa a ser o mediador com a cidade, com os mercados, com os serviços públicos, solicitando empréstimos em dinheiro, enfim, uma gama de relações que são de dependência do agregado e incorporados pelos trabalhadores como um favor (CINTRÃO, 1996). 37 essa dinâmica social que se edificaram grande parte dos sindicatos dos trabalhadores rurais constituídos a partir da década de 1980 na Zona da Mata (COMERFORD, 2003). Anterior a esse período, as políticas públicas voltadas para o trabalhador rural tinham como mediadores os Sindicatos Patronais, como é o caso do FUNRURAL 40 no período pós-1964 (CINTRÃO, 1996). De acordo com Houtzager (2004), esse programa incentivava a ampliação dos sindicatos na mesma medida em que os tornavam aparelhados pelo Estado, de forma a executarem as políticas de assistência, sobretudo de previdência social, impedindo ou interrompendo a capacidade de mobilização e contestação dos sindicatos dos trabalhadores rurais. A Zona da Mata Mineira é uma região de pouca tradição de organizações camponesas, diferentemente da região nordeste do país, na qual as Ligas Camponesas edificaram-se como berço das mobilizações no campo. Ao contrário da experiência das Ligas Camponesas, na década de 1970, forjou-se a constituição de alguns sindicatos sob a ótica de atendimento do FUNRURAL para prestação de atendimento médico e odontológico No início da década de 1980, os sindicatos emergem fora desse contexto, sem as marcas do assistencialismo deixado pelo FUNRURAL. Inicia-se um processo paralelo de constituição de sindicatos dos trabalhadores rurais na região, chegando a serem criados quinze sindicatos na microrregião de Muriaé. Esses sindicatos formavam o Pólo Sindical e eram marcados por possuírem lideranças oriundas das CEBs e dos cursos e plenárias realizadas pelo MOBON (COMERFORD, 2003). Surgem especificamente no contexto de relações de dependência e conflitos entre parceiros, meeiros e fazendeiros e, como reivindicação dos direitos trabalhistas dos boias frias. As ações engendradas iam além de assistência médica e previdenciária como relata Cintrão (1996, p. 63): [Os STRs] Surgem para "defender os direitos dos trabalhadores", e desencadeiam diversas ações nesse sentido. Em Rio Branco surge com a luta dos bóias-frias pelos direitos trabalhistas (que fizeram uma greve logo após a fundação do STR). (....). Em Tombos, as "demandas" foram a tônica principal no início: ações judiciais de empregados expulsos (a maioria parceiros) contra seus 40 O FUNRURAL era o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural. Apesar de a previdência ter sido uma reivindicação dos trabalhadores rurais, a forma como o FUNRURAL foi instituído interrompeu o processo de organização sindical como mecanismo de luta (MEDEIROS, 1989). 38 "patrões", por direito à indenizações trabalhistas. A maioria dos demais STRs surge no mesmo contexto do de Tombos, tendo os direitos trabalhistas como eixo. O processo histórico do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Espera Feliz, que compôs o Pólo Sindical da Zona da Mata, possui a mesma base social formada pelas CEBs e relação com o mesmo processo de formação de lideranças forjado pelo Movimento da Boa Nova. Podem-se identificar dois contextos históricos distintos do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Espera Feliz. O primeiro contexto, iniciado em 1986, com a fundação do STR, refere-se à resposta à exploração, ou seja, o surgimento do sindicato como forma de conter a exploração dos patrões frente aos boias frias e de resguardar, a estes, os direitos trabalhistas. O segundo diz respeito à inserção da agricultura familiar nas ações do sindicato, provocando mudanças na sua atuação, e o surgimento de outras organizações em um contexto de políticas públicas com agenda específica, relacionado a questões de organização econômica na agricultura familiar. Seu início é datado a partir da metade da década de 1990, mesmo período em que a agricultura familiar emerge enquanto agenda de políticas públicas. O primeiro contexto foi marcado pelos trabalhos das CEBs, que se propunham a formar lideranças com uma orientação mais atuante frente aos conflitos que permeavam as relações agrárias no Brasil. Essas experiências estão diretamente relacionadas às resoluções do Concílio Vaticano II41, realizado em 1965, no qual a Igreja Católica assumiu uma posição de “opção pelos pobres”. Essa concepção de ação religiosa ficou conhecida como Teologia da Libertação, tornando-se responsável pelo engajamento dos agentes eclesiais e se propagando no campo (FAVARETO, 2006). Em Espera Feliz esse trabalho das CEBs estava vinculado ao chamado PROJETO DE DEUS. Tratava-se de reuniões de caráter reflexivo em torno do evangelho, porém vinculadas a problemas concretos existentes nas comunidades rurais. O sentimento de mudança e a ação concreta frente aos problemas que permeavam o 41 O Concílio Vaticano II consolidou-se como um evento de grande importância para a emergência de um conjunto de ideias vinculadas à igreja de caráter progressista. Esse conjunto de ideias associadas à orientação da teologia da libertação foram componentes importantes de diversas mobilizações sociais ocorridas em toda América Latina na resistência contra regimes ditatoriais. As CEBs eram um espaço importante e estrutura na qual se ancorava essas mobilizações em nível comunitário (OLIVEIRA & ROTHMAN, 2008). 39 meio rural eram o eixo central das ações dos agricultores vinculados ao PROJETO DE DEUS: Éramos movidos pela vontade de mudar, não queríamos mais aquela igreja só de rezar. Quando chegávamos nos grupos de reflexão, as perguntas vinham sempre assim: o que falta? “mais união, mais amor”, e aí ficamos cansados daquilo e queríamos respostas práticas para os problemas (Amauri). A partir dessas reuniões emergiram as motivações de constituição do STR, em 1986. Todo processo de mobilização social, provocado pelas CEBs e pelo Movimento Boa Nova, gerou impactos marcantes na constituição do STR. A importância deste para os trabalhadores refletiu no número de pessoas presentes em sua fundação, reunindo oitocentos trabalhadores na assembléia de constituição. Em meados da década de 1980, a atuação do STR de Espera Feliz estava orientada pelos conflitos existentes entre patrão e meeiro, além da relação de exploração que existia frente ao boia fria. Essa relação de exploração pode ser identificada a partir da descrição do comportamento dos patrões relatado por Milton, que afirma que “(...) as pessoas pegavam as lavouras de parcerias enquanto elas estavam fracas e depois que elas recuperavam as lavouras, os patrões dispensavam o meeiro e faziam uma boa colheita.” O eixo de atuação do STR, no inicio de sua existência, estava estreitamente vinculado aos conflitos trabalhistas. Dentre os conflitos referentes aos direitos dos trabalhadores tem-se o controle sobre os mecanismos de acesso aos serviços públicos de saúde. O acesso a esses serviços estava diretamente vinculado à posse da carteirinha do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). A posse dessa carteirinha, por parte do meeiro ou do trabalhador rural, só era possível a partir da assinatura do patrão. Sendo assim, o mediador, no sentido de dar o aval para o acesso, entre o serviço de saúde e o trabalhador rural e o meeiro era o patrão. Após a fundação do STR, este passa a ser o mediador, o responsável pelo acesso do trabalhador e do meeiro aos serviços de saúde, e, por isso passa a arrebanhar um número grande de sócios e a causar um desconforto nas estruturas de dominação dos fazendeiros frente aos trabalhadores e meeiros. 40 Neste período, entre 1986 e 1990, foram constituídos quinze Sindicatos de Trabalhadores Rurais na Zona da Mata Mineira. Instaurava-se desta forma, um campo para expressão de outras leituras sobre a realidade vivida pelos trabalhadores rurais. O surgimento do STR desafiou a estrutura de poder consolidado no município até então. De acordo com Milton, “o desafio foi mexer com o poder dominante na época, não existia oposição, as pessoas faziam o que queriam. O trabalhador não tinha nada a quem recorrer”. O desafio ao qual se refere Milton tem a ver com as fissuras causadas nessas relações de dominação, que provocaram perseguição de lideranças políticas do sindicato. Estas perseguições se expressavam de diversas formas. Aqueles que se associavam ao sindicato tinham os contratos de arrendamento desfeitos pelos proprietários das terras; os agricultores não sindicalizados, aliados dos fazendeiros, espalhavam rumores de que o sindicato traria miséria para Espera Feliz. A perseguição se estendia aos espaços de sociabilidade das lideranças: desde uma partida de futebol até as relações de namoro nas comunidades eram afetadas pelo fato de ser parte do STR, como descreve Amauri: Tinha perseguição, eu ia jogar bola e o povo mandava bater, ia namorar alguém e a família não aceitava, porque você era sindicalista (...). Para nossa família foi mais difícil, porque era eu e o Milton, então sofria muita pressão. E por deixar tudo, nós praticamente deixamos papai com o sitio aqui e fomos fazer luta. Nesse período, a assessoria aos trabalhos do STR era feita pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) que promovia desde formação de lideranças até a assessoria jurídica às causas trabalhistas. Este trabalho da CPT ocorria em nível nacional em torno dos conflitos no campo, tendo uma orientação crítica para as práticas sindicais que se estabeleciam até então no Brasil, qual seja, de desmobilização estrutural provocada pelo FUNRURAL e a ação estrita na execução de políticas de previdência pelos Sindicatos de Trabalhadores Rurais (BONI, 2004). Os conflitos e o desconforto causado em outros segmentos sociais do município se expressaram nas dificuldades criadas para o STR começar a funcionar. De acordo com Amauri, o funcionamento inicial do STR se deu no almoxarifado do Seminário da 41 Igreja Católica do município, pois não encontravam um lugar para alugar, afirmando que: “ninguém queria abrir a porta para gente”. O segundo contexto teve início a partir de agendas de atuação vinculadas a questões produtivas e econômicas da agricultura familiar e ao acesso a políticas públicas de desenvolvimento rural. De acordo com Favareto (2006), foi na década de 1990 que o sindicalismo rural modificou antigas bandeiras de luta como reforma agrária, direitos trabalhistas, política agrícola e assumiu, gradativamente, um projeto alternativo de desenvolvimento rural, “ancorados na expansão e fortalecimento da agricultura familiar”. Foi nessa mesma década que, segundo Schneider (2003), o sindicalismo rural promoveu embates acerca do papel dos pequenos agricultores no processo de integração econômica e comercial. Essas mudanças conjunturais refletiram na atuação do STR de Espera Feliz, sendo inseridas em seus trabalhos questões produtivas, de comercialização, do crédito, mais especificamente para atender a demandas apresentadas pela agricultura familiar do município. A partir do relato do Farinhada é possível identificar a mudança da prática sindical a partir da década de 1990: Quando se cria o STR na década de 1990, o objetivo principal era o enfrentamento com o patronato. Aqui tinha uma relação muito conflituosa com o patrão, e o sindicato começa a assumir essa causa. Em um determinado momento começa a surgir a necessidade da venda alguns produtos. Aqui é uma realidade muito cruel com essa coisa dos atravessadores, muita gente se enriqueceu aqui comprando o café na árvore. Em algumas propriedades o meeiro vendia até mesmo para o patrão. A ASIMAF começa a surgir com o intuito de fazer essa comercialização, tinha a associação regional, as associações locais faziam essa comercialização a partir da associação regional (Farinhada). Para Juseleno, foi nesse período que se iniciaram as discussões em torno da questão produtiva: “em 1995 que iniciou a discussão de associativismo. O pessoal do STR buscou o associativismo para a questão da comercialização para fora” (Juseleno). A partir da análise documental é possível identificar essas mudanças de temas, como evidencia a síntese das atas de reuniões da diretoria do STR, no Quadro 1, a seguir: 42 Quadro 1: Atas de Reuniões de Diretoria de 1987 - 200642 1987 – 1994 “Informes sobre INAMPS”1987 a carteirinha 1995 – 2006 do “(...) participação no congresso estadual dos trabalhadores rurais (...)” 1995 “Investir no trabalho de base” 1988 “Pauta da reunião: Associação dos “Sem participação não há crescimento do produtores, trabalho de base (...)” 1996 STR” 1988 “(...) montar um projeto de infra-estrutura de engenho, torrador de café (...)” 1996 “Passar a fazer trabalho na base” 1989 “(...) discussões sobre as questões políticas “Já estamos ficando sem resposta para o do país e sobre comercialização (...) 1997 trabalhador quando nos perguntam o que é o “Ponto de pauta (...) associação e torrefação STR para além do INAMPS e da assistência de café” 1997 jurídica”1989 “(...) produzir excedentes para vender os produtos (...)” 1997 “(...) foi colocado em pauta os seguintes “Pauta: comercialização (...) 1999 assuntos, escolinha sindical, projetos, “Reunião com CTA, UFV e CPT (...)” 1999 avaliação do ano anterior (...) mais desempenho e trabalho com os sócios do sindicato nas comunidades (...) 1991 “(...) escolha de delegados para o 5 congresso “Pauta: agricultura familiar, escola família da Contag (...) 1992 agrícola (...) 2002 “(...) foi mostrado para os participantes a “Reunião com o CTA sobre a forma de cartilha que fala sobre saúde (combate ao selecionar as sementes de café (...)” 2002 agrotóxico)” 1992 “(...) extensão de base do STR para os “Pauta: café orgânico, planejamento da municípios de Caiana e Caparaó (...) 1993 associação regional, cooperativa de crédito (ADS), Estágio de Vivencia com alunos da UFV” 2003 “(...) campanha para os trabalhos como campo “(...) até dia 15 de setembro teremos de sementes, criação animal, previdência (...)” respostas se vamos abrir a cooperativa 1994 (ECOSOL) ou um posto de atendimento (...) “(...) prioridades para o ano de 1994: l, 2006 associações, homeopatia, trabalho de base, “Vamos enviar um ofício para a FETRAF associação de mulheres (...)” 1994 solicitando apoio para realização de um seminário ainda este ano para tratar do crédito fundiário (...)” 2006 42 Os fragmentos expostos no quadro tratam-se dos três primeiros meses de cada ano, período em que eram planejadas as ações do STR para todo o ano. 43 A leitura das atas de reuniões de 1987 a 2006 demonstra claramente dois períodos bem marcados em que temas distintos aparecem nas discussões e deliberações. Do final da década de 1980 até meados da década de 1990 têm-se, predominantemente, temas relacionados à assistência social, saúde, previdência, trabalho de base, aposentadoria, escolinha sindical e outros temas relacionados aos trabalhos de formação realizados nas comunidades rurais. A partir de meados da década de 1990, começam a emergir conteúdos e temas relacionados a questões produtivas e de organização econômica, tais como cooperativismo, associativismo, uso de homeopatia na lavoura; discussões acerca das políticas públicas de agricultura familiar, tais como o Programa Nacional de Crédito Fundiário. Estas atas também evidenciam a relação com mediadores sociais, tais como o Centro de Tecnologias Alternativas (CTA), Universidade Federal de Viçosa e a inserção de temáticas como meio ambiente, comercialização, cooperativismo e associativismo43. Sem pretensão de estabelecer uma relação determinística e estruturante do contexto macro sobre as dinâmicas que ocorrem no nível local, tem-se nesse período de 1990, a incorporação de temas relacionados à produção, organização econômica e à agricultura familiar também na agenda das políticas públicas, que passam, em certa medida, a serem incorporados pelas organizações de agricultura familiar em nível local, seja em sua prática discursiva em espaços públicos seja em sua prática em nível comunitário junto aos agricultores por elas atendidos. Um componente analítico que permite compreender parte dessa relação entre o contexto macro e o local é a presença de mediadores sociais. De acordo com Almeida (1999, p.23), esses mediadores: (....) servem de ligação entre os pequenos „pedaços‟ socioeconômicos e culturais que são as comunidades, as associações e outros grupos, de uma parte, e o mercado (ou a economia internacionalizada) e o político (as representações políticas do social), de outra. Por meio das entrevistas é possível identificar, no processo histórico do STR, a emergência dos mediadores sociais externos e a construção de práticas relacionadas a esta emergência. Tem-se a mudança das práticas também dos mediadores externos, 43 A tabulação dos dados das atas encontra-se no Apêndice B. 44 afinal, esses mediadores estavam em um circuito bastante próximo de relações com as políticas públicas, como afirma Amauri: (...) Na mesma época que estávamos começando o STR em 1986, havia a presença do CTA, que começava a trabalhar com as caldas. Na década de 1990, o CTA começou a dar assessoria em relação ao crédito do PRONAF (...) (Amauri). O relato de Milton também traz elementos relacionados à mediação e ao contexto histórico, através dos quais fica evidente a incorporação de novos temas na prática sindical em Espera Feliz: Começamos a ter um trabalho mais prático, em 1990, 1991, com a presença da associação regional, com o CTA que motivou. O CTA começou em 1987 um trabalho com caldas, com agricultura alternativa. Logo em frente começou a trabalhar um trabalho com homeopatia. Depois iniciamos um trabalho na escolinha sindical. (Milton) De acordo com Almeida (1999), as ONGs na década de 1970 e 1980 estiveram muito ligadas aos movimentos sociais e proporcionaram grande influência a partir de processos educativos e geração de informações para o seu público assistido. Em Espera Feliz, essa relação de influência é descrita por Milton: “Nesses trabalhos de formação que acontecerem na associação regional, no CTA, ficaram muitas coisas para nós”. Farinhada também destaca a influência desses mediadores, especificamente no caso do CTA, ao afirmar que “O CTA cumpriu um papel fundamental por ser a entidade de assessoria dos trabalhadores. Por exemplo, essa discussão de agroecologia, de associativismo, o CTA falava disso desde a década de 1980.” Essa interação entre os mediadores sociais e as dinâmicas locais não possui, entretanto, uma relação causa-efeito, ou seja, os temas não começam a ser discutidos na escala local especificamente a partir do momento em que são estabelecidas relações com os mediadores socais. Destarte, existe uma organização prévia sobre qual relações externas incidem como complementaridade dessas ações locais, como relata Farinhada: 45 As coisas não caem do céu, elas surgem a partir da necessidade, e assim que o sindicato nasce a partir da necessidade, algumas coisas passam a surgir, como falei das bandeiras de luta, por exemplo, quando o sindicato soltou um boletim falando sobre a morte silenciosa por agrotóxico, já tinham várias denúncias de trabalhadores que estavam morrendo, morte de animais, de peixe, então, a luta contra os agrotóxicos também vem de uma necessidade, de morte de pessoas e de animais. A questão da agroecologia é fruto desse trabalho, que aí os grupos começam a buscar as suas próprias alternativas para na usarem agrotóxicos, e com o tempo, o fato de a gente trabalhar em parceria com o CTA, que tem esse objetivo de fazer a assessoria na área de agricultura familiar na região, aos poucos foi introduzindo a questão da agroecologia na região. O CTA deu muita contribuição na luta contra o agrotóxico. Percebemos que essa discussão estava conectada na região, e a partir dessa discussão da agroecologia, surgem outros parceiros. A Associação Regional, tratando a questão da comercialização, e o CTA por ser uma entidade conhecida a nível de Estado, cria esse vínculo para o sindicato ir conhecendo outras experiências de lutas. Essa troca de experiência é muito importante para a região. Tem uma coisa importante que é bom relatar sempre que é sobre o fortalecimento do movimento sindical. Percebe-se que já existia uma prática social, estabelecida pelos agricultores vinculados ao STR, relacionada ao meio ambiente. A relação com os mediadores sociais, neste caso, assume um caráter de complementaridade, dando uma orientação para esse conjunto de ações sob a égide de projetos específicos, como a agroecologia, por exemplo. A partir das entrevistas percebe-se que, na década de 1990, o discurso é modificado, ou seja, o que até então tinha como componente discursivo “o boia fria”, a partir da década de 1990, passa a ter como elemento constituinte o “agricultor familiar”. Na fala do Milton e do Amauri, que acompanharam toda a trajetória do STR, fica evidente que a mudança no cenário das políticas públicas e a inserção da agricultura familiar como eixo da prática sindical em Espera Feliz, causou reflexos diretos no público atendido pelo STR. O boia fria, portanto, tornou-se um sujeito oculto dos discursos e da ação sindical: Essa mudança na década de 1990 foi uma demanda regional. Realmente no início dos trabalhos foram mais questões trabalhistas.(...). A partir daí os direitos dos trabalhadores poderia ser defendido. A gente tinha algo a mais, pois havia muito êxito rural, e aí começamos a trabalhar com questões de manutenção do homem no campo, a redução dos custos de produção. Começamos em 1990 e 1991 com essa discussão. Não significa que deixamos de fazer trabalho com o assalariado, mas mudamos nossa forma de trabalho. (...) quando foi fundado o sindicato, utilizamos o termo trabalhador rural, em 46 1994 para frente acredito que começamos a usar mais o termo agricultor familiar.” (Milton) O publico era o bóia fria mesmo. Direito trabalhista. Havia muito meeiro sócio. A briga era em relação a parceria (...)As coisas nunca teve desligada, as coisas aconteciam na região, aconteciam no pais. Foi a partir da luta nossa que o PRONAF acontece (...) Com o PRONAF começou a chamar muita gente para o STR, começou a trazer gente nova, outro público para o STR, sem ser o bóia fria e sem ser o meeiro. Aí começa a dar uma nova cara para o STR (Amauri) Esta “outra cara” está relacionada à mudança tanto de público quanto da prática discursiva, na qual começam a fazer parte questões produtivas, econômicas, relacionadas a mercados e a organização coletiva, como é o caso do cooperativismo e do associativismo. Também não está relacionada apenas a operacionalização do PRONAF, mas ao público que a política destina seus empréstimos, em que o boia fria não é contemplado. De certa forma, as ações que permeavam o processo de surgimento do STR deixam de ser pauta e o boia fria, por conseguinte, deixa de ter representação sindical, entrando no cenário das ações o agricultor familiar44. A mudança discursiva dos membros indica ainda uma mudança na prática cotidiana do sindicato, relacionada às novas representações políticas que emergem no sindicalismo rural brasileiro, agora com uma nova roupagem estampada pela agricultura familiar. Concomitantemente ao processo histórico de modificações na forma de atuação e das diferentes demandas sociais que se configuravam para a agricultura familiar, ocorreu, em nível nacional, o surgimento da Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (FETRAF). Originada no Rio Grande do Sul após a organização de diversos setores ligados à agricultura familiar, tem por propósito construir e defender, perante o governo federal e suas políticas públicas, uma identidade política para a agricultura familiar, canalizando as ações desenvolvidas por esses setores (COLLETI, 2005). O STR de Espera Feliz era vinculado a Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado de Minas Gerais (FETAEMG). Entretanto, muitas lideranças disseram ter questionamentos sobre a representação da entidade, “mas era a única opção que existia”. Como forma de estreitar a relação entre as ações desenvolvidas pela 44 O STR continua atendendo o boia fria, porém, especificamente em termos de previdência social, sendo a grande parte dos sócios composta por agricultores familiares (proprietários da terra ou meeiros). 47 instituição e os trabalhadores que representa, o STR promoveu uma mobilização para disputar a direção da FETAEMG, promovendo articulações políticas com outros sindicatos da Zona da Mata a fim de constituir uma direção que pudesse substituir a direção vigente. O fracasso de tal empreitada levou o sindicato a vincular-se a FETRAF, que emergia em 2001, como opção de representação e com uma proposta política mais convergente às ações desenvolvidas pelo STR, ou seja, uma central que trazia no nome e nas propostas o fortalecimento da agricultura familiar, eixo central de mobilização do STR nesse contexto. Milton destaca a influência nas políticas públicas estabelecida pela entidade, ao afirmar que “a FETRAF possui um poder de negociação muito forte”. Cabe ressaltar, que a FETRAF emerge no Rio Grande do Sul, região em que a agricultura familiar enquanto categoria política surge com mais força no Brasil. A mudança de atuação do sindicato não se explica apenas por intermédio das relações estabelecidas em nível nacional, ou seja, as modificações em um campo político mais abrangente não foram condições sine qua non para a mudança de foco de atuação em Espera Feliz. Por meio das entrevistas percebe-se que existiram outros fatores que contribuíram para que essa mudança se consubstanciasse. Para Amauri: As políticas externas, a conjuntura do país de certa forma ajudou para essa mudança de público. O governo Lula também abriu muitas oportunidades para a agricultura familiar, a gente tem uma porção de questionamentos também porque sabemos que a agricultura convencional mecanizada ainda apropria a maior parte dos recursos que existem para a agricultura. A mudança não foi em função disso, essa foi uma das questões, mas o próprio sindicato, se formos ver o caso de Espera Feliz, a maioria das pessoas que estão lá são da agricultura familiar. Acho que se você não está presente dentro das estruturas, quem está lá acaba dando a direção, se for ver na maioria que está na direção ou é proprietário, filho de proprietário ou é um parceiro que está enquadrado dentro da agricultura familiar, quem é da direção do sindicato que é assalariado hoje? Não tem ninguém. Aos poucos as coisas forma saindo de pauta, porque as próprias pessoas que estavam lá dentro não puxavam. Não foi diferente da região, por que toda a região é marcada por essa questão da agricultura familiar dentro do sindicato. Porque na época que tinha toda a pressão pra cima da gente quem agüentou mais era quem tinha um pedaço de terra ou era filho de agricultor familiar. A partir do relato do Amauri percebe-se que a terra é um eixo central para o empoderamento. É o elemento que gera a capacidade para a autonomia e a ação política. Neste sentido, as decisões e estratégias eram elaboradas com o foco nos problemas do 48 agricultor familiar, pois quem fazia parte da estrutura de direção era, em sua maioria, agricultor familiar. Este fato nos ajuda a compreender as demandas relacionadas à comercialização e à organização da produção que passaram a ser pauta do STR, na medida em que passam também a ser pauta de reivindicação de agricultores familiares em nível nacional. Portanto, a relação entre aspectos conjunturais pelos quais atravessava o sindicalismo rural em nível nacional, tais como a inserção da agricultura familiar e o surgimento de políticas específicas para esse segmento e questões peculiares do sindicato em Espera Feliz, contribuiu para a mudança de sua atuação a partir da década de 1990. Outro processo que ocorreu no município a partir da década de 1990, e que pode estar vinculado à mudança no contexto das políticas públicas de desenvolvimento rural foi o surgimento de associações e cooperativas de agricultura familiar no município. 5.1 O surgimento de novas organizações e as políticas públicas de desenvolvimento rural O histórico de surgimento das organizações de agricultura familiar no âmbito do STR é um componente explicativo da relação entre as mudanças nas políticas públicas de desenvolvimento rural e as dinâmicas locais. O surgimento dessas organizações representa, neste estudo, uma evidência empírica de mudanças nas dinâmicas locais a partir do momento em que se modificam as orientações e as agendas das políticas públicas, incorporando temas como organização da produção e comercialização no dito “projeto alternativo de desenvolvimento rural”. A próxima sessão deste subitem pretende analisar a relação das políticas públicas de desenvolvimento rural com as ações das organizações de agricultura familiar através da descrição do histórico de surgimento dessas organizações. 5.1.2 Associação intermunicipal da agricultura familiar- ASIMAF O processo de organização econômica associativa em Espera Feliz é marcado pela criação da Associação dos Pequenos Produtores de Espera Feliz e Caiana (APEFEC) no início da década de 1990. Essa é a primeira experiência de organização 49 social com vistas à comercialização dos produtos da agricultura familiar no município. Fundada com o apoio de mediadores sociais, mais especificamente do CTA e da Associação Regional, a APEFEC fornecia alimentos para Belo Horizonte e os estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Essa experiência da APEFEC se renova em outro formato, em meados da década de 1990, agora sob a roupagem da agricultura familiar. Dessa mudança de nome (APEFEC para ASIMAF) surgem duas inferências. A primeira é que havia um acúmulo de aprendizado coletivo45 (SABOURIN, 2009) acerca da prática associativa no município que possibilitou a constituição da Associação Intermunicipal da Agricultura Familiar (ASIMAF). A segunda é que a mudança se insere no contexto de políticas públicas voltadas para a agricultura familiar. Neste sentido, uma associação com finalidades específicas em seu estatuto para esse público permitia e/ou facilitava o acesso a políticas públicas de desenvolvimento rural. O surgimento da Associação pode ser considerado parte de uma estratégia de constituição de mercados específicos para os produtos da agricultura familiar. Entendese que o processo de organização econômica forjado pela Associação foi no sentido de buscar autonomia ou estabelecer o que PLOEG (2008, p. 175) define como “circuitos curtos46”. Pode-se identificar esse processo na entrevista feita com Farinhada, que participou do processo de constituição da ASIMAF: A ASSIMAF foi criada com o objetivo de organizar a produção, e a partir daí, outras lideranças que vão surgindo no cenário começam a ocupar os espaços de discussão, e agente foi da conta de que a gente produzia, de que tínhamos muita produção, de que os agricultores precisavam de um espaço para de uma forma mais justa entrar no mercado, não no mercado convencional, mas um mercado solidário. Com a criação do mercadinho, começou a ser consolidada a economia solidária, que na verdade já existia no município, pois já realizávamos campos de sementes e consideramos isso economia popular solidária (Farinhada) 45 De acordo com SAUBORIN (2009), o aprendizado coletivo é adquirido a partir do envolvimento mútuo e recíproco em uma experiência coletiva, nesse caso em questão, a construção associativa da organização econômica. 46 PLOEG (2008) afirma que para enfrentar os mercados dominados pelos impérios alimentares, os agricultores passaram a diversificar os seus processos produtivos. Essa diversificação gerou novos produtos e serviços ao mesmo tempo em que são criados novos circuitos de circulação de mercadorias. Essa diversificação é combinada, frequentemente, com o processamento de produtos dentro das unidades agrícolas e com a construção de circuitos curtos de ligação entre estas e os consumidores. 50 Percebe-se que no processo de criação da ASIMAF existiam dispositivos coletivos (SABOURIN, 2009) sob os quais se edifica a formalização da organização econômica (campos de sementes citado no trecho de entrevista anterior, por exemplo). Tem-se, assim, “(....) a adaptação das formas e das regras de reciprocidade em estrutura institucional moderna e formalizada” (SABOURIN, 2009, p. 187). É assim que a Associação Intermunicipal da Agricultura Familiar (ASIMAF) surge em 1995, quando é inserida a discussão sobre o associativismo na pauta do STR, como afirma Juseleno, agricultor envolvido no processo de constituição da associação: Já com outra ideia de associativismo começamos (diretoria do STR) a discutir a criação da ASIMAF. Nessa época o termo utilizado já era agricultura familiar. Fizemos a discussão do estatuto envolvendo as lideranças, trazendo a importância do nome agricultura familiar. Convocamos a assembléia para aprovar o estatuto. Não tenho ideia do numero de pessoas, mas atingimos umas 30 pessoas em média (Juseleno) Em seus primeiros anos de existência, a ASIMAF promoveu diversas relações de comercialização, além de ser um veículo de captação de recursos para o município. A partir da associação, diversos projetos foram desenvolvidos e equipamentos adquiridos. Tem-se como exemplos a construção de uma infra-estrutura de torrefação, a marca elaborada para os produtos dos agricultores vinculados a associação, computadores adquiridos a partir de projetos submetidos à Fundação Banco do Brasil, entre outros projetos sobre associativismo executados nos municípios base de atuação da ASIMAF. Há mudança na prática sindical a partir da emergência de novos temas e da constituição de uma organização responsável por uma atividade econômica. Essas mudanças foram percebidas por Juseleno: “é muito diferente o papel de ser sindicalista e de assumir um negócio, um comércio”. De acordo com Milton, as discussões nas reuniões do STR passaram a inserir esses temas relacionados ao associativismo: “O sindicato conseguiu dar resposta às demandas. Fazíamos as discussões sobre a ASIMAF dentro das reuniões do STR, no mesmo pacote”. O grupo da associação passa a constituir novas organizações para atender demandas específicas dos agricultores familiares, porém, as discussões continuam a acontecer no STR. A própria estrutura da Associação era financiada pelo STR. Novamente os mediadores sociais passam a 51 compor o campo de relações das organizações locais, promovendo atividades estreitamente vinculadas ao contexto local: O STR quem financiava as atividades da ASIMAF, desde o começo o STR apadrinhou essa discussão. Todos os participantes faziam parte ou tinham um envolvimento do STR. Os projetos eram elaborados a partir do CTA e a Associação Regional. A Associação Regional tinha um caráter de comercialização. (Amauri). A partir das atas é possível identificar que as discussões proferidas no final da década de 1980, relacionadas à formação sindical, aos diretos trabalhistas, à mobilização comunitária frente a questões como meio ambiente, sofrem uma mudança para discussões de caráter econômico e produtivo, sobre o funcionamento das novas organizações que emergiram no contexto das políticas públicas voltadas para agricultura familiar, como mostra o Quadro 2, a seguir: Quadro 2 - Atas De Reunião da Diretoria 2003 - 2006 Ata Conteúdo Ata de Reunião - certificação do café orgânico pela SAPUCAÍ. “o pessoal do CTA não 2003 está vindo participar das discussões” “planejamento do STR em Caiana, coordenado pela Simone do CTA, e foram passados os temas pelo STR para a técnica do CTA trabalhar no planejamento, seguintes: formação, arrecadação sindical, trabalho de base, comercialização, café orgânico, PDL, ADS, Cooperativa.” - possibilidade de comercialização do café orgânico em 2003, Ata de 2004 reunião “(...) aprovação de um projeto pelo Instituto Marista de Belo Horizontes no valor de 8 mil reais para o mercadinho(...)” “ASIMAF, o mercado está se tornando uma realidade, a marca Chão Feliz foi criada, e em cada embalagem sairá com uma poeisa.” “(...) reunião na Associação Regional, discussão de comercialização e mercado. Ata 2005 de reunião “(...) foi aprovado pelo ministério do Meio Ambiente o projeto de agroecologia, o dinheiro está na conta.” “outra solução é que precise que alguém se profissionalize em PRONAF á nível regional para acompanhar esse processo” Fonte: Sindicatos dos Trabalhadores Rurais de Espera Feliz. 52 O Quadro 2 apresenta novamente a relação com mediadores sociais para a execução de alguns projetos no município, especificamente de certificação do café orgânico e elaboração da marca utilizada pela ASIMAF. Também expressa o conteúdo econômico nas reuniões do Sindicato, tais como acesso a mercados, organização da produção. Percebe-se também que as políticas públicas fazem parte dos conteúdos das reuniões. A discussão desses temas em reuniões do sindicato é um indicador na mudança de sua prática, pois, são conteúdos discutidos sobre organização econômica, bem como estratégias e mobilizações sociais que ocorrem em torno de cada tema específico para construção de estratégias para a ação coletiva. 5.1.3 A cooperativa de produção da agricultura familiar (COOFELIZ) A Cooperativa de Produção da Agricultura Familiar de Espera Feliz (COOFELIZ) foi constituída em 2005 com o objetivo de promover a comercialização dos agricultores familiares que, até então, era realizada pela Associação Intermunicipal da Agricultura Familiar (ASIMAF). Seu processo de constituição foi realizado em meio a uma mudança jurídica no Código Civil em 2002, na qual as associações (como a ASIMAF, por exemplo) passaram de “associações sem fins lucrativos”, para “associações sem fins econômicos”. Figura 5 - Logomarca COOFELIZ Fonte: COOFELIZ Para além de uma mudança jurídico-normativa, essa mudança no Código Civil impõe limitações operacionais para a ASIMAF no que se refere à emissão de nota fiscal, 53 por exemplo. Essa mudança na legislação vigente foi uma das motivações para a constituição da COOFELIZ, como afirma Juseleno: O processo de constituição da COOFELIZ se deu em 2003. Não tinha mais jeito da ASIMAF continuar funcionando. Pois começa esbarrar com a questão da burocracia. (Há) alguns processos que limitam a associação de fazer a comercialização, e aí a gente decidiu que a associação faria o trabalho de captar recurso, organizar a produção, e a cooperativa trabalharia com a comercialização. Outro incentivo para a constituição da COOFELIZ foi a possibilidade de acesso ao Programa de Aquisição de Alimentos47 (PAA), tendo em vista que a ASIMAF não poderia executar o programa. A COOFELIZ emerge, portanto, como necessidade de formalização da organização coletiva em torno de uma determinada atividade econômica e como oportunidade de acesso e execução de uma política pública como afirma um sócio da COOFELIZ em entrevista: (...) criamos (a cooperativa) por causa do PAA e por causa da mudança da lei (Código Civil) que estava colocando dificuldade de comercialização (e ainda) não tínhamos uma discussão aprofundada sobre cooperativismo, se não fosse uma mudança de lei, não tínhamos criado a cooperativa (Juseleno). Tem-se, neste caso, um ordenamento jurídico de regulamentação da organização econômica coletiva em termos formais. Essa formalização é uma exigência do Programa de Aquisição de Alimentos provocando mudanças diretas na dinâmica social das organizações de agricultura familiar no município. Por outro lado, tem-se no acesso à política pública uma modificação dos dispositivos coletivos, o que até então tinha um caráter informal, baseado nas trocas (como no caso do banco de sementes) passa a ser formalizado como estratégia de estabelecer mecanismos de acesso. De acordo com SABOURIN et al (2005), esta relação do Estado em termos de política pública, com as organizações locais, traz vantagens para ambos os lados, pois facilita o funcionamento e a reprodução desses dispositivos coletivos. No caso em questão para a COOFELIZ e 47 Os procedimentos de acesso e as normatizações do programa encontram-se no Anexo B. 54 para o Estado “(...) cria uma verdadeira oportunidade de delegar serviços mediante uma política pública baseada em relações contratuais (....)” (SABOURIN et al., 2005, p. 299). A partir da análise do surgimento da ASIMAF e a evolução organizativa da associação em cooperativa, temos um elemento importante referente às questões normativas, tanto no que se refere à mudança no Código Civil de 2002 quanto à exigência de formalização para se estabelecer um mecanismo de acesso ao PAA. Esse mecanismo nos permite criar uma primeira categoria dessa relação entre política pública e as dinâmicas locais, denominaremos de ‘dominação normativa’48. Esse processo de constituição da COOFELIZ também pode ser visto como uma estratégia estabelecida pelo grupo de agricultores vinculados ao STR, de constituir uma organização com orientações próximas da ação coletiva49 voltada para a agricultura familiar como pode-se perceber no relato de Juseleno: Essa ideia da Cooperativa é uma ideia muito antiga na cabeça do povo de Espera Feliz. Na década de 1990, havia um grande império aqui que era a COOPARAISO E COAVAP. Eram cooperativas que lideravam aqui a compra, sobretudo do café, em toda a região. A cooperativa de Espera Feliz já esteve entre as 10 maiores do país. Quando iniciamos a discussão de meio ambiente, contra o uso de agrotóxicos, nós batemos de frente com esse modelo de cooperativa (referindo-se a uma grande cooperativa de café – COAPAV – que existia na região), pois além dela comprar os produtos, ela vendia agrotóxicos na região. Na década de 1990 em diante começamos a discutir que esse modelo de cooperativa não atendia a realidade dos trabalhadores, sobretudo dos agricultores familiares, e surgiu um boato de que essa cooperativa estava quebrando. Quando essa cooperativa quebra, nós alavancamos a discussão de nossa cooperativa . Encontramos alguns entraves, porque quando conversávamos com alguns sócios do sindicato que eram sócios da cooperativa que quebrou ficavam dizendo, mas nós vamos ser sócio da cooperativa? E começaram a ficar meio ressabiados. Fizemos um processo de formação no início, visitamos outras experiências de cooperativismo na região. Com influencia do STR, associação regional, CTA. 48 Esse termo será usado nesse estudo quando referimos às exigências normativas estabelecidas pelo Estado para que os agricultores familiares possam ter acesso a alguma política pública. Dessa forma, é possível compreender o esforço que ocorre em nível local e a mudança nos processos organizativos dos agricultores para „atender‟ às exigências colocadas por essas normas. O termo “dominação” reforça que, nessa relação, o poder normativo do Estado sobrepõe-se às dinâmicas locais, sendo que, na medida em que se procura o acesso a determinadas políticas públicas, há um esforço, por parte das organizações de agricultura familiar, de criarem estratégias para se adequarem a esses mecanismos. 49 De acordo com Almeida (1999, p. 39) “(...) a ação coletiva é resultado de uma manifestação de atores sociais ou de grupos que se constituem enquanto sujeitos coletivos.” 55 O fracasso da COAVAP50 gerou dificuldades para outras experiências cooperativas no município, especificamente para a COOFELIZ. De acordo com HIRSCHMAN (1987, p. 30): “A reação normal ao fracasso de uma ação coletiva provavelmente não será a repetição dessa ação”. Problemas em consolidar um bom número de associados e, consequentemente, um volume de produção, pode se explicar parcialmente pelo fracasso da cooperativa anterior. Por outro lado, o envolvimento dos agricultores familiares, hoje sócios da COOFELIZ, no processo de constituição da COAVAP, pode ter gerado o que HIRSCHMAN (1987, p. 34) denominou de mutação e conservação da energia social, em que “(...) a primeira participação em ação pública de um tipo leva mais tarde à participação em empreendimentos coletivos de natureza diferente”. De forma semelhante às outras organizações supramencionadas, o surgimento da COOFELIZ também provocou mudanças no cotidiano do STR. As dificuldades de funcionamento da cooperativa eram discutidas nas reuniões do STR. O grupo de sócios da COOFELIZ são os mesmos que fazem parte da direção do STR, do PAC-ECOSOL e da ASIMAF. Essas disposições entre organizações e pessoas formam um cipoal de relações difíceis de serem visualizadas. A fim de evidenciar parte dessas relações será utilizado o relatório de uma técnica de DRP (Diagnóstico Rural/Rápido Participativo) elaborado junto à COOFELIZ em 2009. Trata-se do Diagrama de Venn, realizado em julho de 200951. As organizações que possuem relações estabelecidas com a COOFELIZ estão listadas a seguir: 50 A Cooperativa do Vale do Paraíso (COAVAP) possuía 5400 cooperados e abrangia uma área de 48 municípios. Em relatório de avaliação do Programa de Desenvolvimento Rural Integrado da Zona da Mata – PRODEMATA, realizado pela Universidade Federal de Viçosa (DEPARTAMENTO DE ECONOMIA RURAL, 1986, p. 194-195), a COAVAP é destacada por trazer grandes benefícios econômicos e associativos à região. No entanto, a partir do final da década de 80, a cooperativa esteve envolvida no escândalo do desaparecimento de sacas de café nos anos 2000. Em auditoria realizada em 2001, a cooperativa apresentava uma dívida de R$ 20.000.000,00. Havia desaparecido do seu depósito, em Espera feliz, mais de 216.000 mil sacas de café, de propriedades dos associados (Relatório Final da CPI do café publicado no diário do legislativo de 18 de dezembro de 2004, pag, 64, col 2 à pag. 69, col 1). 51 Essa técnica consiste na apresentação gráfica, em forma de círculos ou “bolas”, por parte dos agentes, das organizações que, de certa forma, estabelecem alguma relação com o trabalho da COOFELIZ. A primeira etapa consistiu na listagem das instituições que desenvolvem algum tipo de trabalho no município e que, na visão dos agricultores, desempenham alguma função no processo de desenvolvimento local. A segunda etapa consistiu na análise das relações entre as diversas organizações com a cooperativa. 56 Relação Institucional – Percepção dos Agricultores Presentes na Oficina Sobre as Relações Institucionais da Coofeliz.52 ECOSOL (Cooperativa de Crédito Solidário) - A ECOSOL, através do fornecimento do crédito, promove melhorias nos processos produtivos dos agricultores/as que também são sócios da COOFELIZ. Essa melhoria se dá pela assessoria técnica que é feita pelo técnico da ECOSOL. TERAVIDA (Associação dos Terapeutas) – Foca sua atuação na saúde das pessoas e do meio ambiente. É uma organização muito próxima da Cooperativa, porém, não tem relação direta com as atividades produtivas. A proximidade se dá na medida em que o objetivo de promoção da agroecologia é o mesmo da COOFELIZ. STR (Sindicato dos Trabalhadores Rurais) – Trabalha com a regularização dos direitos trabalhistas, previdência social, acesso ao PRONAF, agroecologia, formação e capacitação dos agricultores. O STR de Espera Feliz é a organização mais próxima e mais importante para a COOFELIZ, uma vez que a demanda de criação da cooperativa partiu das próprias discussões do sindicato. A proximidade do STR de Espera Feliz com a COOFELIZ também provoca algumas dificuldades para o desenvolvimento da gestão da cooperativa. O aprendizado desenvolvido durante vinte anos de existência do sindicato não foi desenvolvido para a gestão da cooperativa. Sendo assim, gerir a cooperativa, uma organização complexa e voltada para uma atividade econômica, exige formas diferenciadas de gestão, diversa da forma de gerir um sindicato. Portanto, a parceria é importante na medida em que se entendem as atribuições específicas de cada organização, ou seja, quando se tem bem claro quais as atividades são desenvolvidas pelo sindicato e quais atividades são competência da cooperativa. Por exemplo, não cabe à cooperativa os assuntos previdenciários nem ao sindicato a emissão de nota Fiscal ASIMAF (Associação Intermunicipal da Agricultura Familiar) – É um instrumento de captação de recursos, é o “braço de arrecadação financeira” para a COOFELIZ. Apesar 52 Adaptado de CTA-ZM. Diagnósticos dos Empreendimentos de Economia Solidária em Divino, Araponga e Espera Feliz. Viçosa, MG: Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata, CTA-ZM, 2009. 57 de estar próxima, é difícil distinguir qual o papel da ASIMAF, pois todas as atividades desenvolvidas pela associação são vistas como atividades da cooperativa. Associação de Mulheres – Desenvolve várias atividades como artesanato, cursos, atividade produtivas, mas não possui atividades efetivas com a COOFELIZ. A produção da associação de mulheres não é comercializada através da cooperativa EMATER – o vínculo com a EMATER se dá através da relação próxima com o técnico da instituição e não através da proximidade da instituição com a cooperativa. Sendo assim, a EMATER encontra-se distante da cooperativa. Uma proximidade maior seria interessante para o acesso a algumas políticas específicas, como é o caso do Minas Sem Fome, por exemplo. CMDRS (Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável) – A cooperativa possui sócios que são membros do conselho, entretanto, não se tem uma discussão sobre quais os projetos ou discussões poderiam ser forjadas no âmbito do conselho que contribuiriam para as atividades da cooperativa, portanto, está bem distante da COOFELIZ, apesar de sua importância. Associação Base Minas ECOSOL – Trabalha com formação através de cursos de capacitação. Alguns projetos foram acessados através da associação, como é o caso do projeto de formação para novos cooperados, financiado pela SAMARCO (empresa mineradora que atua na região). O técnico agrícola que presta assistência técnica aos sócios da ECOSOL e alguns sócios da COOFELIZ é remunerado pela Associação Base Minas CTA – Contribuiu no desenvolvimento da marca Chão Feliz e no desenvolvimento de trabalhos voltados na promoção da agroecologia, que é, estatutariamente, objeto de ação da cooperativa. Destaca-se também o desenvolvimento do Plano de Desenvolvimento Local denominado (ELO). Associação Regional dos Trabalhadores Rurais da Zona da Mata – está um pouco distante da cooperativa e necessita de reorganização para contribuir mais nos processos da COOFELIZ. 58 ITCP/UFV (Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares) – Parceiro presente, mas ainda não conseguiu concretizar os trabalhos propostos. A ITCP tem sido o parceiro mais presente em se tratando de assessoria à COOFELIZ. UFV – A relação com a Universidade pode ser mais bem aproveitada se as demandas da COOEFLIZ forem apresentadas de forma consistente Associação Slow Food – Há uma possibilidade de criação de uma fortaleza53, uma espécie de comunidade atendida por essa associação, mas as discussões estão em fase muito iniciais para o estabelecimento de parceiras da cooperativa com o Slow Food. FETRAF – Tem sido um entrave, já que tem um discurso diferente da COOFELIZ, pois discute o biodiesel e quer criar cooperativas focadas nesta questão e não na diversidade da agricultura familiar. Figura 6 - Foto da Representação Gráfica do Diagrama de Venn, ao centro a COOFELIZ Fonte: Dados da pesquisa, 2009. 53 São pequenos projetos dedicados a auxiliar grupos de produtores artesanais, no caso de Espera Feliz, agroecológicos. O objetivo é trabalhar com o desenvolvimento de mercados, promoção de produtos, salvaguardar patrimônios de sementes e educar consumidores para um consumo consciente. 59 As relações apresentadas a partir do Diagrama de Venn demonstram a interação da cooperativa e do conjunto de organizações locais com as políticas públicas. Estas relações são marcadas por uma tentativa de interação entre as organizações locais (ECOSOL, COOFELIZ E ASIMAF) e por novos aprendizados coletivos, especificamente no que se refere à gestão da COOFELIZ. Da amostra de oito entrevistados, o público sócio do conjunto das organizações locais (ECOSOL, STR, COOFELIZ, ASIMAF) é o mesmo. Agricultores que são diretores de uma organização são sócios de todas as outras, sendo, algumas vezes, diretores de duas organizações. É possível inferir que existe uma rede social da qual emergem essas formas de organização econômica coletiva e orientação das atividades econômicas voltadas para um projeto de desenvolvimento rural calcado por uma orientação mais sustentável (agroecologia). O conceito de rede social é entendido como um conjunto de relações sociais entre as quais existem vínculos (MARTELETO, 2004) e sob as quais se edificam representações analíticas acerca dos “padrões de relações” estabelecidos em determinadas “situações sociais” (MARQUES, 2009). Dessa forma, tem-se evidente que existe um conjunto de relações sociais e práticas coletivas pré-estabelecido ou construído de modo intencional, visando obter vantagens nas mediações com as políticas publicas. Esse conjunto de relações possui normas, valores e relações de confiança que compõem o capital social, ou seja, “(...) um recurso da comunidade construído pelas suas redes de relações” (MARTELETO, 2004, p. 44), que ajuda a estabelecer uma “proximidade social” capaz de gerar uma forma de coordenação dos atores sociais voltadas para processos inovadores de desenvolvimento (ABRAMOVAY, 2000, p. 397). A proximidade com os mediadores sociais também apresenta elementos importantes. No caso da EMATER, o envolvimento se dá com o técnico, dando forma a uma interação interpessoal e não uma relação de “assistência técnica” com vistas a potencializar as atividades desenvolvidas pelo conjunto de agricultores familiares, sócios das organizações. Ou seja, não se tem um projeto de desenvolvimento rural por parte da EMATER que seja adequado às ações realizadas pelas organizações de agricultura familiar, sendo essa relação estabelecida a partir da proximidade com técnicos que sejam sensíveis a esse conjunto de ações. A partir da descrição dos agricultores no Diagrama de Venn, percebe-se que a COOFELIZ e a ASIMAF são mecanismos de acesso às 60 políticas públicas, ou seja, são dispositivos coletivos estabelecidos por meio do STR para o acesso a determinados serviços públicos. Essas organizações também são estruturas de mobilização de recursos e de desenvolvimento das capacidades dos agricultores familiares, principalmente no que se refere a estratégias coletivas de relações com os mercados. Esta relação demonstra que a interação direta com outros mediadores sociais pode ser estabelecida na medida em que se dá o acesso a alguma política pública pelo STR ou alguma organização que compõe essa rede social, estabelecendo vínculos de complementaridade54 (SABOURIN, 2009) com a orientação de desenvolvimento rural (como a agroecologia) das organizações. No que se refere à assistência técnica, por exemplo, houve um esforço da ASIMAF para elaboração de um Projeto de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) chamada pública de projetos MDA/ATER 2008. Esse projeto foi elaborado com o apoio da Universidade Federal de Viçosa e submetido ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), especificamente à Secretaria de Agricultura Familiar (SAF). Tido como aprovado, ocorreu uma mobilização para o credenciamento da ASIMAF enquanto entidade prestadora de ATER (proponente do projeto). Em 2009 a associação recebeu uma comunicação do MDA de que o projeto não seria mais contratado. Apesar disso, o processo de elaboração do projeto gerou um aprendizado coletivo que poderá auxiliar para captação de recursos por meio de outros editais. Esse esforço pode ser interpretado como uma forma de se criar mecanismos de acesso no conjunto das organizações locais para se ter uma orientação técnica mais próxima das atividades dos agricultores familiares. Neste sentido, a política de ATER é lançada mão com um sentido de complementaridade. A partir das análises das relações da cooperativa com outras organizações percebe-se um conjunto de ações desenvolvidas por cada organização em torno da atividade econômica. O STR é a entidade mais importante e mais próxima da cooperativa, como demonstra a representação gráfica do Diagrama de Venn, apresentado 54 O termo complementaridade será utilizado como para qualificar as relações entre políticas públicas e as dinâmicas locais. De acordo com SABOURIN (2009), existe uma complementaridade quando os apoios públicos potencializam as dinâmicas locais, ou seja, quando o acesso a determinada política promove uma mudança positiva nas ações já desenvolvidas pelos agricultores. 61 anteriormente. Essa importância se dá tanto pela manutenção da cooperativa a partir dos recursos mobilizados pelo STR, quanto pelas relações externas de assessoria, que são feitas via STR, como demonstram as discussões resultantes da aplicação do Diagrama de Venn. Portanto, estas relações evidenciam a prática sindical voltada para organização produtiva e a forma que cada organização surge como estratégia de criação de um dispositivo coletivo para se alcançar esse fim. O relato do Milton ilustra esse processo histórico de surgimento das organizações: Devido ao trabalho do sindicato, naquele primeiro momento o sindicato só resolvia (....) o trabalhador só por estar “usando” já estaria mudando a sociedade, na caminhada a gente aprende que precisa muito mais, a gente atende algumas necessidades do trabalhador através do sindicato, mas precisamos de outras ferramentas, estamos aprendendo a buscar essas parcerias. Às vezes criando novas ferramentas e buscando parceiros que tem afinidade na luta. 5.1.4 A cooperativa de crédito solidário (ECOSOL) As cooperativas de crédito solidário surgem como iniciativas de movimentação financeira para a agricultura familiar com o objetivo de fornecer crédito voltado à realidade desse segmento específico. Apesar de serem instituições financeiras, se diferenciam dos bancos convencionais pelo fato de seus clientes serem também os seus donos e por apresentarem uma relação horizontal baseada na confiança e solidariedade. Esse “modelo” de cooperativismo teve seu berço no Rio Grande do Sul, a partir do sistema CRESOL. Na Zona da Mata, essa forma de organização das finanças se organiza no sistema de crédito denominado ECOSOL55 (FREITAS et al., 2009). 55 O Sistema Ecosol atua em nível nacional e abrange, além do estado de Minas Gerais, os estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo, Pernambuco, Ceará, Pará e Bahia. Além destes dois sistemas de crédito solidário é válido destacar que este movimento não se limita a estas experiências e se organiza em nível nacional em torno da ANCOSOL, uma federação que congrega os diversos sistemas de cooperativas de crédito com caráter solidário. 62 Figura 7 - Logomarca da ECOSOL Fonte: ECOSOL Este sistema representa um esforço político e econômico do sindicalismo rural de uma nova manifestação financeira e um componente essencial na reprodução social da agricultura familiar através da ampliação do mercado de crédito para esse segmento e a promoção do desenvolvimento rural (BÚRIGO, 2006). Uma das características desse modelo de cooperativismo é a possibilidade de imersão na realidade local, sendo fruto de um conjunto de práticas social e política de um segmento que procura constituir esse tipo de organização (FREITAS et al., 2009). A Cooperativa de Crédito Solidário – Sistema ECOSOL – emerge em junho de 2002, a partir de uma política de incentivo ao cooperativismo de crédito, mobilizada pela Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS) 56 vinculada a Central Única de Trabalhadores (CUT). Trata-se de uma política pública que tem o crédito como instrumento gerador do desenvolvimento local, porém, estritamente vinculado aos marcos jurídicos que permitem e até estimulam esse tipo de organização. Dentre uma das iniciativas dessa política, está a constituição de cooperativas de crédito, que deverão 56 É uma organização criada em parceria entre a CUT, Unitrabalho e Dieese, articulada com diversas outras entidades nacionais e regionais, com o apoio de entidades de cooperação internacional. O objetivo é gerar trabalho e renda em organizações denominadas solidárias e contribuir para a construção do desenvolvimento sustentável (BITTENCOURT, 2001). 63 se associar a um sistema nacional na perspectiva de criação de um sistema financeiro que apóie empreendimentos solidários57 (BITTENCOURT, 2001). Em nível local, a inserção da proposta foi realizada a partir de um encontro de sensibilização para o cooperativismo de crédito solidário em Espera Feliz, realizado em 2001 e que contou com a participação de 16 Sindicatos dos Trabalhadores Rurais da região da Zona da Mata de Minas Gerais. Estas iniciativas incitadas pela ADS/CUT se edificaram nas experiências de crédito rotativo, desenvolvidas na região com o apoio do CTA e da Associação Regional. Após longo processo de mobilização, aproximadamente dois anos, foram constituídas uma cooperativa no município de Araponga, em novembro de 2004, e outra no município de Tombos, em fevereiro de 2005. Posterior à constituição das cooperativas, criou-se uma base de serviços da ECOSOL em Minas Gerais (com formato legal de uma associação), para dar suporte técnico às cooperativas. A escolha da região da Zona da Mata pela ADS-MG foi justificada pela existência de diversas experiências de fundos de crédito rotativos58. Foram realizados diagnósticos em cinco municípios que se candidataram a sediar a experiência piloto com o intuito de conhecer os empreendimentos econômicos associativos e também o conjunto de práticas coletivas e solidárias em curso nos mesmos para avaliar a sustentabilidade do apoio às cooperativas de crédito. Em seguida, foi realizada uma pesquisa sobre demandas por produtos e serviços financeiros por parte da agricultura familiar, de forma a permitir entender a dinâmica econômica das famílias e as formas a que estas recorriam sempre que necessitavam de crédito. Esta pesquisa foi realizada em cinco regiões do país, dentre elas a Zona da Mata de Minas Gerais. Os municípios envolvidos foram Araponga e Tombos, seguidos de Espera Feliz, Simonésia e Divino. Foram realizadas diversas atividades de constituição da Base de Apoio e Serviços ECOSOL - Minas Gerais, culminando na definição do local de sua 57 Termo utilizado para denominar grupos produtivos (formais e informais) que trabalham sob a égide de alguns princípios, tais como gestão democrática das atividades produtivas, trabalho coletivo, repartição igualitária das sobras e que tenham processos autogestionários estabelecidos durantes às atividades econômicas, 58 Trata-se de um recurso financeiro depositado em nome de uma associação que é acessado pelos agricultores para investimentos em projetos produtivos, lastreado apenas pela confiança do grupo que tem acesso ao recurso. Não se trata, entretanto, de uma instituição financeira, como é o caso de uma cooperativa de crédito. 64 sede no município de Espera Feliz e de uma coordenação de elaboração dos planos de trabalho e construção do Sistema ECOSOL na região. Espera Feliz não foi a sede da cooperativa por decisão dos agricultores, como mostra o relato a seguir “(...) (a cooperativa) não era prioridade para a gente (...)” (Milton). Tem-se, novamente, um conjunto de interações sociais de proximidade ou uma rede de relações sociais sob a qual se edifica uma atividade econômica ou um dispositivo coletivo (crédito rotativo) utilizado pelos agricultores, porém “(...) sem estatuto jurídico, mas que cuidam de funções de interesse familiar e coletivo de apoio à produção (...)” (SABOURIN, 2009, p. 169). Do mesmo modo que ocorre com a criação da COOFELIZ, a constituição da ECOSOL pode ser analisada como a institucionalização de uma atividade de crédito, baseada na confiança e solidariedade, em uma instituição financeira formal. Sendo assim, a constituição da ECOSOL se deu sob uma necessidade de criar um dispositivo coletivo formal voltado para a movimentação financeira, como afirma Amauri: Na época fazíamos a reflexão, que essas demandas específicas que estavam surgindo, o STR não tinha como assumir, tinha que criar outras organizações. Ter criado foi bom, o problema foi não ter criado independência. Aqui, tem-se um ponto de convergência entre a política pública e a dinâmica local, podendo-se qualificar essa relação como uma relação de complementaridade (SABOURIN, 2009). Porém, essa “independência” que não foi criada refere-se ao fato da formalização do crédito a partir de uma cooperativa exigir um nível de organização e profissionalização elevado, na medida em que a regulamentação de funcionamento de uma instituição financeira, como é o caso de uma cooperativa de crédito, estar sujeito às metas pré-estabelecidas pelo Banco Central. A opção de não criar a cooperativa de imediato no município se deu em virtude da escolha prioritária de outros projetos, como é o caso do Plano de desenvolvimento 65 local (ELO)59. O processo de constituição da ECOSOL e a decisão sobre qual município iria sediar a cooperativa foi motivo de conflitos. Nesse processo inicial de discussão sobre o cooperativismo de crédito na Zona da Mata reside a primeira evidência da influência de políticas públicas na constituição da cooperativa, como afirma Amauri em entrevista: A cooperativa de crédito (...) não foi uma demanda nossa, por isso demorou demais o pessoal assumir essa proposta. Veio a ADS com um curso e decidiram que foi na zona da mata. Eu estava entrando na associação regional na época. Veio essa discussão para cá. Aparecíamos nas reuniões, mas não foi demandado. Deu até briga na definição de qual o município iria implantar. Não sei até que ponto ajudou ou atrapalhou. Eu assumi a associação regional nesse conflito. Ficou um debate entre (Tombos e Araponga) na definição de quem iria receber a cooperativa. No caso do município de Espera Feliz, o STR inseriu a discussão de funcionamento e execução das metas na agenda das reuniões de diretoria. A partir da análise das atas de reunião de diretoria, percebe-se que a discussão sobre a cooperativa de crédito está presente nas reuniões do STR de 2003 até 2009, como demonstra o Quadro 3 a seguir: 59 Trata-se de um plano de desenvolvimento local desenvolvido pelo CTA junto ao conjunto de organizações em questão. O ELO teve uma duração de dois anos em que se construiu um conjunto de estratégias de ação voltadas para o desenvolvimento local em Espera Feliz. 66 Quadro 3 - Atas de Reuniões da Diretoria do STR de 2003 – 2007. ATAS CONTEÚDO ATA 2003 “(...) o projeto da cooperativa de crédito está sendo estudado pela ADS.” “reunião em São Paulo sobre a criação da cooperativa de crédito” ATA 2004 “Apresentação do Projeto Original de cooperativas de crédito da ADS para a ECOSOL Espera Feliz.” “realizado o primeiro estudo de leis e estatuto para a fundação da ECOSOL.” ATA 2006 “a ECOSOL irá abri um PAC (Posto de Atendimento Cooperativo),” “Precisamos de 100 sócios, mas estamos aguardando uma resposta para estar criando a nossa cooperativa” “ECOSOL- estamos perto de abrir um PAC, já estamos atendendo os sócios para receber as cotas partes.” “ECOSOL está próximo a começar a funcionar, precisamos atingir um número de 100 sócios até o final de outubro.” “ECOSOL – dia 15 de setembro teremos resposta se vamos abrir a cooperativa ou posto de atendimento PAC. Vamos ter que indicar um novo coordenador para a cooperativa, também vamos fazer reuniões em Caparaó, Alto Caparaó e Caiana para conseguir mais sócios.” ATA 2007 “(...) filiação a ECOSOL – até 31 de dezembro a ECOSOL tem que atingir a meta de 200 sócios, os diretores do sindicato e da TERAVIDA, podem estar se associando. Fonte: Sindicatos dos trabalhadores Rurais de Espera Feliz. Percebe-se nas atas que a discussão sobre o cooperativismo de crédito envolve desde construção de processos de mobilização para a constituição da cooperativa à construção de estratégias para atender as metas do Banco Central. Neste caso, o esforço é atribuído a uma rede de relações sociais e a uma interação com outras organizações para cumprir com a exigência imposta pelas metas, tem-se também as relações de proximidade e a organização em torno das finanças baseadas na confiança (no caso do crédito rotativo) estabelecendo outras relações impostas pela formalização. Essas modificações nas dinâmicas locais causadas pela formalização das atividades 67 desenvolvidas em torno do crédito permitem inferir que, além de complementaridade, existe uma relação de dominação normativa dos marcos jurídicos regulatórios60 sobre os dispositivos coletivos utilizados pelos agricultores familiares. As atividades, que passam a ser atribuição da cooperativa a partir do momento que é criada para atender a uma demanda específica, são realizadas, inicialmente, pelo STR. Isto permite inferir que a veiculação da política pública de fomento ao cooperativismo de crédito pela ADS e a incorporação de atividades voltadas à constituição da cooperativa pelo STR provocaram mudanças em sua forma de atuação. Tendo em vista que, a partir do momento que a cooperativa passou a fazer parte das agendas de reuniões, as ações executadas pelos membros da diretoria voltaram-se também para esses novos temas. Atualmente, funciona em Espera Feliz a Associação Central Base de Apoio Minas (Base Minas), composta por duas cooperativas do sistema ECOSOL (em Araponga e em Tombos), somando um montante 1000 sócios, como mostra a Tabela 4, a seguir: Tabela 4 - Número de sócios, empréstimos e capital social das cooperativas do sistema Ecosol/MG Ecosol Araponga Ecosol Z. M. e Leste de MG 1/1/2008 230 31/12/2008 315 Evolução 36,95 % 1/1/2008 661 31/12/2008 819 Evolução 23,9 % Capital Social (R$) 30.300,00 46.309,31 52,84 % 77.286,83 106.408,01 37,78 % R$ emprestados 114.632,56 139.945,37 22,08 % 114.340,99 248.232,23 117,1 % Número de sócios Fonte: FREITAS et al., 2009. Como estratégia estabelecida para enfrentar essa “dominação normativa” e atender às metas do Banco Central, a ECOSOL promoveu cursos de capacitação para agentes comunitários de crédito. O objetivo desses agentes é desenvolver ações nas comunidades com vistas a promover a filiação de novos sócios e a aumentar o capital das cooperativas singulares filiadas à Central. 60 Para se ter uma idéia do marco regulatório do crédito rural que normativa o funcionamento de uma cooperativa de crédito, ver Anexo D as normas que regem a constituição, funcionamento e mudança estatutária das cooperativas de crédito. 68 Apesar de ser uma instituição financeira e ter atribuição em serviços financeiros, a cooperativa não opera os recursos do PRONAF, sendo os procedimentos de acesso a esse recurso operado pelo STR. A partir da observação participante no PAC-ECOSOL em Espera Feliz foi possível perceber que, para os agricultores que procuram o STR, a ECOSOL e a COOFELIZ são serviços adicionais prestados pelo STR. Alguns elementos ajudam a entender essa „mistura‟ de organizações. O primeiro deles é que a sede do PAC é no mesmo local em que é a sede do STR, como ilustra a Figura 8, a seguir: Figura 8 - Foto da sede onde funciona o STR, a ECOSOL e a COOFELIZ. Fonte: Dados da pesquisa, 2009. Os agricultores vão ao STR e na porta ao lado podem ter acesso a recursos financeiros, pagar uma conta de água, fazer uma poupança ou se tornarem sócios da COOFELIZ. Outro elemento é que os coordenadores do PAC são as mesmas pessoas que compõem ou em algum momento fizeram parte da diretoria do STR. Logo, se a forma de funcionamento do STR e da ECOSOL são distintas, pela singularidade das atividades-fim das organizações, o grupo envolvido na dinâmica de funcionamento é o mesmo, ou seja, os atores sociais que interagem e estabelecem estratégias a partir das organizações compõem uma mesma rede social. 69 Na observação realizada na sede do PAC percebeu-se que parte considerável dos agricultores que procuravam a cooperativa se referiam a algum trabalho ou serviço de atribuição do STR. Perguntas recorrentes como “é aqui que é o crédito fundiário?”; “Aqui que eu olho sobre aposentadoria?”;“Aqui que faço o meu PRONAF?”, foram realizadas durante a observação na sede da cooperativa. A partir dessas conversas que era explicado aos agricultores o que era a cooperativa. Mesmo surgindo uma organização responsável pela gestão e coordenação do crédito junto aos agricultores familiares, o STR continua mantendo na pauta de suas reuniões esse tema. Em uma análise do contexto conjuntural para uma escala além do local, percebe-se que o fomento ao cooperativismo de crédito está na agenda das políticas públicas de agricultura familiar. 5.2 Evidências de mudanças a partir do acesso a políticas públicas de desenvolvimento rural Para fins analíticos serão relacionadas apenas as políticas públicas do governo federal direcionadas à Agricultura Familiar, tendo em vista que existem outras políticas públicas executadas pela sociedade civil organizada, como é o caso do trabalho feito pelo CTA no município. Essa escolha tem um caráter metodológico. A relação entre as políticas públicas federais com diretrizes traçadas em nível nacional e as dinâmicas locais no município de Espera Feliz permitem estabelecer categorias analíticas que expressam as mobilizações e esforços realizados no âmbito do STR para executá-las, podendo ser extrapoladas as análises para além do âmbito local, diferente da relação entre as políticas públicas executadas pela sociedade civil que possuem relações mais estreitas com as dinâmicas locais. Outra opção metodológica foi identificar a dinâmica estabelecida pelo STR a partir do acesso às políticas, ou seja, fez-se a opção de analisar apenas o tipo de relação estabelecida pelas políticas acessadas. Nesse caso, o acesso significa tomar conhecimento da política, elaborar os procedimentos técnico-burocráticos exigidos pelo Estado para o acesso (elaboração de projetos, preenchimento de formulários) e a 70 contemplação e execução da política (o recurso disponível para execução de projetos submetidos). Sendo assim, a partir do trabalho de campo identificaram-se três políticas públicas que proporcionam uma base empírica de análise. Trata-se do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar; o Programa de Aquisição de Alimentos e a Política Nacional de Crédito Fundiário. Os procedimentos de acesso ao crédito do PRONAF acontecem da seguinte forma: o agricultor deve avaliar o projeto que pretende desenvolver em sua propriedade. A renda bruta anual dos agricultores familiares atendidos deve ser de, no máximo, 60 mil reais (deve seguir os critérios estabelecidos dentro das categorias de financiamento). Após a decisão do que financiar, o agricultor deve procurar o STR, EMATER-MG ou sindicato rural para a emissão da Declaração de Aptidão ao PRONAF (DAP). Em seguida, o agricultor deve procurar a empresa de ATER do município para a elaboração do projeto técnico de financiamento. O projeto deve ser encaminhado para análise de crédito e aprovação do agente financeiro. Com o Projeto Técnico, deve-se negociar o financiamento junto ao agente financeiro. Aprovado o Projeto Técnico, o agricultor familiar está apto a acessar o recurso e começar a implementar o projeto (MDA/SAF, 2009). Estes mecanismos de acesso são estabelecidos em nível nacional. Trata-se da operacionalização dessa linha específica do programa junto aos agricultores familiares. Em Espera Feliz, parte dos procedimentos de acesso do PRONAF começa a se inserir no cotidiano do STR a partir de 2005. Até então, as organizações responsáveis em ordenar os mecanismos de acesso eram a EMATER-MG e o Banco do Brasil. A EMATER-MG emitia a DAP e o gerente do Banco do Brasil aprovava o projeto. Entretanto, havia conflitos envolvidos na elaboração dos contratos. Muitos contratos eram feitos pelos patrões, mas em nome dos meeiros, que assumiam a dívida. Sendo assim, o STR resolveu assumir parte dos procedimentos, como afirma Ana Cláudia, em entrevista: (...) o pessoal não concordava muito, achava que (a EMATER) ficava longe do agricultor, às vezes usava o nome do meeiro, mas quem utilizava o dinheiro era o proprietário. Como acabar com isso? Então vamos trazer o PRONAF para dentro do STR. A princípio a ideia era boa, aí nós entramos em contato com o gerente do Banco do Brasil (...). 71 A EMATER-MG continuou a emitir a DAP e o STR assumia a função de encaminhar os projetos ao banco. Essa função provocou modificações no cotidiano do STR, que passou a assumir um volume de atendimento que não permitia orientar os agricultores sobre o uso do crédito para o desenvolvimento das atividades produtivas. Dessa forma, a burocracia, que era função de outras organizações responsáveis pela operacionalização do programa, ficou a cargo do STR: Eu acho que começamos errado, o que o STR queria era o seguinte: muita gente acessa o PRONAF e não investe na propriedade, depois não consegue pagar os empréstimos. Acho que a questão era que o STR tinha que trabalhar com a política do PRONAF, com o agricultor, e não fazer esse papel, esse papel era do banco, o banco tinha que fazer esses projetos. Aí o que o sindicato fazia,tinha um funcionário, era papel, internet, telefone, desgaste porque as coisas não funcionavam. Os bancos ficavam tranquilos, porque a gente fazia as propostas e eles apenas liberavam o dinheiro (Ana Claudia). Essa relação operacional do sindicato com a política gerou a necessidade de aprendizado dos procedimentos de acesso, como expresso na ata de reunião do STR em 2004, “outra solução é que precise que alguém se profissionalize em PRONAF á nível regional para acompanhar esse processo”. Assumir os procedimentos burocráticos de parte do acesso ao PRONAF pode ser considerado uma estratégia do STR para superar uma dificuldade encontrada pelos agricultores frente aos bancos, durante a aprovação dos projetos. Essa dificuldade é explicitada em entrevista, na qual Valdeci afirma que: O PRONAF é muito bom, é uma das principais linhas de crédito da agricultura familiar, com juros muito bons, principalmente depois do governo Lula, se abriu muitas portas. Apesar de que as dificuldades ainda está na barreira que os bancos colocam. Essa barreira para a liberalização, segundo Sabourin (2009, p.144), deve-se ao fato dos bancos serem “(...) generalistas, que só aceitam aplicar o crédito ao pequeno produtor em troca de garantias e de remuneração de seus serviços de extensão ultrapassados que carecem de meios suficientes”. Este problema torna-se mais evidente quando uma linha de crédito específica – como o PRONAF Agroecologia – é solicitada. 72 Essa discussão aparece nas atas de reunião do sindicato – “(...) em relação ao PRONAF Agroecologia, o banco ainda não liberou o dinheiro (Ata de reunião de diretoria do STR de 2004) – ou, quando é liberado, existe uma fiscalização mais rígida do que linhas de crédito comum – “PRONAF agroecologia, os fiscais já estão fazendo visitas nas propriedades, e aquele que não conclui o projeto está sendo chamado para ir ao banco” (Ata de reunião de diretoria do STR de 2004). Tem-se aqui uma outra qualificação da relação entre as políticas públicas e as dinâmicas locais, qual seja, as dificuldades e tensões61 (SABOURIN, 2009) provocadas nas dinâmicas locais a medida em que se percorrem os mecanismos de acesso ao PRONAF. O STR esteve envolvido com o PRONAF por quatro anos, de 2005 a 2009. A presença de mediadores sociais também é identificada a partir do acesso ao PRONAF, conforme afirma Valdeci: “Na década de 1990, o CTA começou a dar assessoria em relação ao crédito do PRONAF. Tinha a EMATER também (...)”. Atualmente, o STR não se envolve mais na execução de parte dos procedimentos de acesso ao crédito. Uma tentativa forjada no âmbito do STR foi veicular a operação do crédito pela ECOSOL. Interessante perceber que quando uma organização de agricultura familiar assume a parte burocrática de execução do programa, outras organizações envolvidas assumem uma postura de parceria. Ao contrário, quando são pleiteados procedimentos que envolvem a remuneração das organizações que os executam, a relação passa de parceria para conflito: Operar o PRONAF é um desafio para a cooperativa. Ela não conseguiu ainda , mas já era para está com o PRONAF desde o ano passado, mas não funciona porque você vai ao banco e o banco trava. A gente tinha uma discussão boa com o banco, mas quando fomos fazer a discussão, o banco achou que era como o STR fazia. Para você ter uma ideia, teve ano do STR fazer mais de 150 contratos, mas o STR trabalhava de graça, pois não pode receber por não ser uma instituição financeira, agora a cooperativa não, aí quando nós batemos lá a cooperativa tem que ganhar tanto, mas o banco não que abri mão (Valdeci) 61 De acordo com SABOURIN (2009), as dificuldades e tensões se referem às descontinuidades dos apoios, caracterizadas pelas defasagens entre os ritmos e prazos das organizações locais e dos gestores dos programas. Outros fatores como o pouco envolvimento dos órgãos públicos bem como a falta de competência para executar determinados programas também são componentes dessa relação. 73 Em 2005, o STR elaborou aproximadamente 300 contratos de PRONAF. Houve um incremento no número de sócios, pois o sindicato passou a ser o mecanismo de acesso ao crédito para o agricultor familiar. No que se refere à evolução da demanda e da oferta do PRONAF no município, observa-se uma trajetória crescente do volume de crédito e de contratos. Como demonstra a Figura 9, a seguir: Figura 9 - Evolução da demanda e oferta do PRONAF (2000 -2009) Fonte: Ministério do Desenvolvimento Agrário. Em relação à distribuição dos contratos por grupos, observa-se que grande parte foi concedida a agricultores familiares que se enquadram no grupo C e D, que abarcam agricultores em uma faixa de renda bruta anual entre dois mil e quarenta mil reais. Percebe-se que em 2004/2005 houve um aumento no volume dos contratos desses dois grupos e foi nesse mesmo ano que o STR esteve envolvido com a elaboração dos contratos, como demonstra a Figura 10, a seguir: 74 Figura 10 - Distribuição dos Contratos (2000-2009) Fonte: Ministério do Desenvolvimento Agrário. Em relação ao Programa de Aquisição de Alimentos, os procedimentos de acesso62 exigem a elaboração de um projeto e uma organização social capaz de executar o programa. Em Espera Feliz, o primeiro acesso aconteceu em 2006 e envolvia cerca de 30 famílias. O valor do primeiro projeto era de aproximadamente R$ 40.000 (quarenta mil reais). Já o segundo projeto enviado envolve um número de 110 famílias e o projeto tem um valor de R$ 373.000 (trezentos e setenta e tres mil reais) O acesso a esse programa pode gerar mudança em nível local no sentido da adequação das estruturas organizativas locais aos procedimentos necessários de execução do programa. A descrição do processo de surgimento da COOFELIZ corrobora esse argumento. A entrevista com um agricultor que acompanhou o processo de acesso ao PAA também traz questões relacionadas às dificuldades de operar o programa. (...) por mais que o Lula fez as coisas, a estrutura ainda é bem engessada, muita burocracia, bem intencionada ou não, acaba ficando preso nessas coisas. Próprio PAA, por exemplo, acaba dando um trabalho grande. A gente não consegue assumir de verdade. Pois um projeto do tamanho desse, quem é que pode assumir. Não tem liberação para isso, e quando tem existe uma exigência a mais. A estrutura ainda é bem centralizada. Falta pensar em uma estrutura diferente. Se houvesse maior envolvimento da base, tiraria o trabalho de alguém (Amauri). 62 O detalhamento dos procedimentos encontra-se em anexo. 75 Tiburcio expressa as dificuldades enfrentadas para a execução do programa: (....) lá na CONAB, o preço da mandioca está 0,56 centavos. Aí tem mais um valor que é pago para a cooperativa. Desse valor, tira 20%. Aí, para a cooperativa fazer a gestão desse trabalho, mais 20%, aí o que sobra para o agricultor. Você começa a pegar produto e começa a ver que às vezes tem um programa de governo para atender a agricultura familiar, mas aí tem que ser via cooperativa. Mas a cooperativa tem a gestão dela, aí quando chega no final, o que parecia que era bão, é muito ruim (Tibúrcio). Esta dinâmica exige da organização que opera o programa uma racionalidade econômica suficientemente aguçada para garantir a produção, entrega e realizar o pagamento nos prazos estabelecidos no projeto. Esses problemas são evidenciados por Juseleno: Uma coisa é falar que vai produzir, agora se não tiver a meta do que vai produzir não consegue entregar os produtos no prazo. Nós, agricultores, somos muito relaxados, a gente quer produzir no tempo que quer, enquanto se tem uma escala não é no tempo que eu quero, é no tempo que é preciso (definido no projeto). Pode-se perceber que o acesso ao PAA também gera uma relação baseada em dificuldades e tensões. Mesmo com todas as dificuldades de ser operado, o programa evidencia o esforço do STR junto aos seus sócios, dando visibilidade ao sindicato no que se refere ao tema da comercialização, como afirma Juseleno: “É uma política pública que está dada, é importante, gera renda para o agricultor, mas para a entidade executora não gera lucro, gera lucro político, mas não dá sustentabilidade. Os mediadores sociais envolvidos com o STR criaram mecanismos de acesso para o programa, como evidencia Milton: Tudo isso a partir das parcerias com a universidade, o CTA também teve uma participação boa. A EMATER a gente não estabeleceu uma parceria boa não. O técnico que está agora é bom, mas ainda não conseguimos construir uma parceria efetiva. 76 Para a elaboração do projeto a ser apresentado à Companhia Nacional do Abastecimento (CONAB), instituição que opera essa modalidade do PAA, aproveitou-se a proximidade com a Universidade Federal de Viçosa, a partir de alguns departamentos e projetos de extensão universitária. A entidade proponente do projeto foi a COOFELIZ. Como apresentado anteriormente, a cooperativa surgiu como forma de atender a essa demanda específica. Em relação ao Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNFC)63, de acordo com o agricultor familiar responsável pela execução do programa no STR, já são 52 famílias com escrituras e mais ou menos 80 famílias com documentação em andamento. O STR exerce um papel fundamental como organização responsável por capitanear a PNCF para o município. O sindicato está presente em todos os trâmites necessários para a liberação do financiamento para as famílias. Parte dos procedimentos para aprovação dos projetos se dá na Câmara Técnica em Belo Horizonte. O STR utiliza de um conjunto de relações políticas para garantir a aprovação dos projetos, como afirma Juseleno: Lá tem as correlações de forças, como a gente tem uma ótima relação com o MDA e com a FETAEMG, a gente não tem tido problema nenhum. O que nós não temos é um representante na Câmara Técnica. Mas não tem nada oficial ainda. Espera Feliz hoje é o município que mais implementou proposta de crédito fundiário em Minas Gerais. O acesso a esse programa estabelece uma relação de complementaridade, na medida em que o acesso à terra está vinculado a um conjunto de ações que são desenvolvidas pelo STR junto a base social que representa. De acordo com Milton: Se souber trabalhar agora, daqui uns anos o pessoal consegue pagar a terra. Se houver diversificação da produção é o ideal. Montar pequenas agroindústrias na comunidade para agregação de valor é uma alternativa (....) se pudermos trabalhar em uma terra produtiva como é a nossa, e com essas oportunidades de comercialização, acho que a oportunidade de comprar e pagar a terra está assegurada. 63 Os procedimentos de acesso e as normatizações para acesso ao Crédito Fundiário encontram-se no Anexo C. 77 O STR como entidade responsável pelo PNCF no município deve percorrer alguns caminhos institucionais, em relação com a prefeitura, para estabelecer aprovação dos projetos a serem enviados para a Câmara Técnica em Belo Horizonte. Nestes caminhos, se estabelece a relação de dificuldades e tensões, como pode ser identificado a partir da fala de Tibúrcio, que era membro do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável (CMDRS) do município: O Crédito Fundiário também era discutido (nas reuniões do CMDRS). A primeira aprovação era uma briga danada. A gente colocava em pauta e o poder público não queria de jeito nenhum. Para aprovar a primeira remessa não foi fácil e foi via STR (Tibúrcio). A partir das entrevistas e da observação participante no STR foi possível identificar o cotidiano das políticas públicas na rotina do STR. Um elemento que emerge das políticas é a ampliação de serviços que o agricultor familiar vai até o STR solicitar, como descreve a Ana Claudia: (...) com essa coisa do STR prestar mais serviços, aumentou um pouco os trabalhos. O crédito fundiário trouxe muitos outros sócios. Das quase 40 famílias atendidas pelo crédito fundiário, já não vem mais apenas pela previdência, já vem ao STR para fazer a documentação da propriedade, já participam da cooperativa, já não vêem ao STR só como previdência social. O aumento das atividades do STR e o volume de trabalhos provocaram mudanças nas discussões das reuniões, sendo essas voltadas cada vez mais para a execução das políticas públicas. A partir das atas de reuniões percebe-se claramente essa mudança. Expressões como “formação sindical”, “conscientização política”, “mobilização nas comunidades”, são recorrentes do início da década de 1990. De 1994 em diante, as pautas das reuniões têm um caráter mais operacional, sendo que as discussões se dão muito mais em torno da execução e dos trâmites burocráticos das políticas públicas acessadas e do funcionamento das novas organizações (cooperativas), do que em torno da formação e trabalhos comunitários com os agricultores. Em entrevista, Amauri afirma que: 78 (...) perdemos esse poder de por gente na rua (...) acredito que o movimento sindical tem que construir parceria, fazer o debate político, mas não tomar a direção dessas políticas, não administrar a política. A partir das entrevistas, percebe-se a relação das políticas públicas com essas mudanças. Como afirma Ana Claudia, “o trabalho de base tá ficando difícil, quando o sindicato não tinha tanto essas políticas públicas, era mais fácil fazer esse trabalho”. A estrutura de funcionamento do STR não consegue conter a velocidade com que as informações sobre novos editais de projetos voltados para a agricultura familiar são disponibilizados. A partir da observação participante no STR, percebeu-se toda uma movimentação por parte dos diretores para executarem as políticas, ao mesmo tempo em que uma informação sobre um novo projeto ou um novo recurso que se apresenta disponível sob a forma de edital público, provoca mudanças de agendas de reuniões para que todos se voltem à elaboração de projetos específicos. Nas entrevistas essa questão é bem emblemática como se percebe no relato de Ana Cláudia: “os nossos diretores viraram escravos disso aqui, é uma reunião para crédito fundiário, é uma reunião para habitação rural, é um encontro sobre nascentes, é muito amplo, é muita coisa (...)”. Em outra entrevista a percepção do Amauri sobre essas políticas é a mesma, ele afirma que: O sindicato não pode se transformar numa guia de prestação de serviços para o governo, hoje a gente tem um governo que é o Lula, mas amanhã como vai ser. Se o sindicato não aposta em uma forma (....) que dê sustentação a ele, amanhã as políticas mudam, pode mudar a questão sindical e como é que fica o sindicato aqui. Uma estratégia nossa não é só ficar fazendo esses tipos de trabalhos. É claro que o trabalhador precisa de alguém que faça a questão da previdência, do PRONAF, mas precisa de alguém que discuta a questão do crédito com ele também, por isso que a cooperativa foi criada. Alguns anos atrás era muito difícil fazer com que o agricultor acessasse o crédito, o Banco do Brasil não tinha portas abertas, nem vou dizer que tem hoje, mas hoje aumentou bastante o número de pessoas que tem buscado crédito (Amauri) Apesar de terem emergido novas organizações com o propósito de suprir temas específicos, a estrutura de trabalho que prevalece continua sendo a vinculada ao STR, como relata Ana Cláudia: “As pessoas fazem parte de várias entidades, o STR é a mãe 79 de todos. Se não for o STR, as outras organizações têm dificuldades para caminhar”. As organizações acessam determinada política para potencializar algumas atividades que já estão sendo desenvolvidas no município: “eu acho o seguinte, não que (as ações) tenha partido dessas políticas, mas colaborou. Eu acho que é as duas partes, você tem as alternativas e você se depara com uma política pública que vai te ajudar” (Ana Claudia). O esquema apresentado na Figura 11 é uma tentativa de sintetizar esse conjunto de processos no sindicalismo rural de Espera Feliz em suas relações com as políticas públicas: Figura 11 - Esquema analítico Fonte: Dados da pesquisa, 2009. É possível identificar que, no período da década de 1970-1990, a orientação das ações governamentais estava ancorada, predominantemente, em políticas voltadas para a modernização da agricultura. Frente a estes processos, emergem organizações dos trabalhadores rurais com pautas de reivindicações específicas, voltadas para salvaguardar os direitos sociais dos trabalhadores rurais, dentre elas, o próprio sindicato 80 dos trabalhadores rurais de Espera Feliz. A partir da década de 1990, a agricultura familiar entra em cena, agora como agenda de políticas públicas de desenvolvimento rural. Junto a esta agenda, tem-se um conjunto de ações governamentais, por meio de programas e projetos, voltados para esse segmento social. As mobilizações sociais, que outrora envolviam atores sociais como sindicatos dos trabalhadores rurais, se ampliam, abarcando associações e cooperativas. Esse fenômeno também é observado em Espera Feliz com o surgimento de novas organizações de agricultura familiar no âmbito do STR. A orientação das ações coletivas envolve, então, questões relacionadas à organização produtiva, à comercialização. Nesse conjunto de relações, estabelecem-se interações diversas entre as políticas públicas de desenvolvimento rural e as dinâmicas locais, em que os mediadores sociais assumem diversos papéis. Sendo assim, a inserção da agricultura familiar como agenda das políticas públicas provocou a emergência de uma série de políticas e programas voltados para esses segmentos, como foi demonstrado até aqui. A partir do acesso, várias relações são instituídas, desde relações de complementaridade até relações de dominação normativa e dificuldades e tensões. No caso de algumas políticas específicas, existe mais de uma relação estabelecida, ou seja, ao mesmo tempo em que as políticas potencializam atividades locais também geram dificuldades. As mudanças provocadas por essas políticas para a prática sindical também são diversas. De acordo com SABOURIN (2009, p. 176), o reconhecimento público dos dispositivos coletivos utilizados pelos agricultores familiares pelas políticas públicas pode gerar “(...) responsabilidades [por parte das organizações dos agricultores] em termos de execução, de gestão ou de administração, substituindo o Estado e seus serviços”. Esse fenômeno é identificado na trajetória do STR de Espera Feliz e pode ser sintetizado em uma entrevista realizada com Farinhada: O sindicato nunca teve um projeto específico de política pública, tem um conjunto de trabalhos e um deles inclui a questão das políticas públicas, o acesso do agricultor as políticas públicas, principalmente o PRONAF, previdência social, são políticas que o sindicato sempre lutou para que o agricultor tivesse acesso. Mas essas políticas entraram para dentro do sindicato, e faz com que o sindicato acabe fazendo um papel do Estado, isso acaba implicando um pouco nas bandeira de luta, porque fica um acúmulo de trabalho de fazer o trabalho de Estado e acaba deixando e investir em pessoas 81 que são lideranças para fazerem isso e restringem as bandeiras de luta (Farinhada) Portanto, pode-se perceber que, apesar das diversas relações (positivas ou não) que são estabelecidas a partir da interação com as políticas públicas e as dinâmicas locais, existe uma mudança na prática sindical relacionada diretamente com essas políticas, ora limitando, ora potencializando as ações estabelecidas no nível local. 82 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir das discussões acerca das diferentes orientações do desenvolvimento rural no Brasil, expressas nas políticas públicas, evidenciam-se projetos políticos diferenciados de desenvolvimento voltados para o meio rural. De um lado, a partir da década de 1970, uma proposta de desenvolvimento calcada em processos de modernização que excluía grande parte dos agricultores familiares, com uma orientação no sentido de inserção em mercados, utilização de insumos químicos aos processos produtivos e uma estrutura fundiária concentrada. De outro lado, a partir do surgimento do PRONAF e da mobilização social e organização política dos trabalhadores rurais, na década de 1990, emerge uma concepção de desenvolvimento rural que tem como eixo central a agricultura familiar e o conjunto de relações (econômicas e produtivas) estabelecidas por esses sujeitos sociais. Esses dois projetos políticos evidenciam as principais disputas nas arenas políticas da agricultura no Brasil, principalmente quando a agricultura familiar passa a integrar a agenda de políticas públicas de desenvolvimento rural. A partir dos dados e análises possibilitadas pela pesquisa do histórico do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Espera Feliz é possível identificar a relação de mudança no nível local no mesmo período de mudanças no contexto das políticas públicas de desenvolvimento rural. São períodos bem marcados, no final da década de 1980, com temas relacionados à assistência social, para temas relacionados às questões produtivas e de organização econômica a partir de meados da década de 1990. Nesse período se constituíram novas organizações de agricultura familiar no município. Dessa forma, a emergência dessas organizações evidencia a incorporação de diretrizes e políticas em nível local, provocando mudanças na prática sindical. Percebe-se que existiam dispositivos coletivos utilizados pelos agricultores como estratégia de ação coletiva. Esses dispositivos eram o fundo rotativo de crédito, banco de sementes, entre outros, que sofreram uma adaptação em suas regras de reciprocidade, passando a constituir estruturas institucionais formalizadas, tais como a ASIMAF, COOFELIZ e ECOSOL. 83 O contexto de surgimento dessas organizações, no âmbito do STR, é um componente explicativo da relação entre as mudanças nas políticas públicas de desenvolvimento rural e as dinâmicas locais. O surgimento dessas organizações representa, neste estudo, uma evidencia empírica de mudanças nas dinâmicas locais a partir do momento em que se modificam as orientações e as agendas das políticas públicas, incorporando temas como organização da produção e comercialização no projeto alternativo de desenvolvimento rural. Essas organizações também podem ser vistas como possibilidade de criação de mecanismos de acesso a determinadas políticas públicas de desenvolvimento rural ou como estratégias de constituição de organizações mais próximas à orientação da ação coletiva dos agricultores familiares no município. A partir das análises conclui-se que apenas o surgimento de uma política pública não explica a criação desses mecanismos nem das organizações. Entende-se que as políticas, quando acessadas, encontram um conjunto de experiências prévias que têm potencial de gerar processos de aprendizagens coletivas capazes de viabilizar processos de desenvolvimento. Foi possível identificar, no processo histórico do STR, a emergência dos mediadores sociais externos e a construção de práticas relacionadas a essa emergência. Essa relação entre os mediadores sociais e as dinâmicas locais não possui, entretanto, uma relação causa-efeito, ou seja, os temas não começam a ser discutidos na escala local especificamente a partir do momento em que são estabelecidas relações com os mediadores sociais. Destarte, existe uma organização prévia sob a qual as relações externas incidem como complementaridade dessas ações locais. Através do acesso a determinadas políticas públicas, criam-se aproximações entre mediadores sociais com vistas a estabelecer mecanismos de acesso ou mesmo potencializar as estratégias desenvolvidas pelas organizações locais. Esses mediadores, no caso de Espera Feliz, estiveram presentes na criação dessas organizações. Essa relação com os mediadores também é conflituosa na medida em que a aproximação diverge, por vezes, das orientações coletivas para o desenvolvimento que os agricultores possuem. Percebe-se que as políticas acessadas incidem em uma rede social na qual havia interesses comuns e de leituras da realidade que são convergentes. Esses interesses são 84 demonstrados a partir da formalização dos dispositivos coletivos dos agricultores e da edificação de novas organizações de agricultura familiar nesses dispositivos. Existe uma rede de indivíduos, empoderados e organizados; eles vão constituindo o tipo de organização necessária para resolver cada tipo de problema (sindicato, associação, cooperativa de crédito ou de comercialização). Todas as organizações são „roupagens‟ específicas dessa rede (praticamente) única de agricultores familiares. É uma espécie de polimorfismo organizacional, necessário para acessar as políticas públicas. As relações estabelecidas com as políticas públicas de desenvolvimento rural se dão de diferentes formas. Desde relações de complementaridade a relações de dominação normativa e dificuldades e tensões. Nesse conjunto de relações, vão se forjando aproximações entre as organizações e entre os mediadores sociais que atuam no município. O fenômeno causado por essas políticas nas organizações de agricultura familiar geram relações diversas, ora potencializando, ora gerando dificuldades para a sua execução. No caso da relação de complementaridade, o acesso a determinada política pública promove uma mudança positiva nas ações já desenvolvidas pelos agricultores. Em relação à dominação normativa, o acesso a determinados programas pode gerar mudança em nível local no sentido da adequação das estruturas organizativas locais aos procedimentos necessários de execução do programa. Na relação de dificuldades e tensões, fica expressa a descontinuidade entre a orientação das diretrizes de programas específicos e os mediadores sociais responsáveis por sua execução. Essa relação é vista, principalmente, na linha específica do PRONAF Agroecologia. Há mudança na prática sindical em Espera Feliz a partir da emergência de novos temas e da constituição de uma organização responsável por uma atividade econômica. Essas mudanças se relacionam com mudanças no contexto do sindicalismo rural no Brasil; com a agricultura familiar enquanto agenda de políticas públicas e com o cotidiano de gestão de uma estrutura constituída para execução de programas e projetos específicos. 85 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMOVAY, R. O Capital Social dos Territórios: Repensando o Desenvolvimento Rural. Economia Aplicada. n.2, vol. IV, abr/jun. 2000, p. 379-397. ALMEIDA, J. Da ideologia do progresso à idéia de desenvolvimento (rural) sustentável. In: ALMEIDA, J.; NAVARRO, Z. (orgs.). Reconstruindo a Agricultura: Idéias e ideais na perspectiva de um desenvolvimento rural sustentável. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1997. p. 33-55 ________________. A construção Social de uma Nova Agricultura: Tecnologia Agrícola e movimentos sociais no sul do Brasil. 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APÊNDICES APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTAS 1) Fale de sua trajetória na organização? 2) Como a organização surgiu? 3) Quais as principais atividades desenvolvidas junto aos agricultores familiares? 4) Quais as políticas são desenvolvidas pela organização ou quais políticas publicas a organização trabalha (acessadas)? 5) De que forma teve conhecimento das políticas públicas que a organização trabalha? 6) Como os projetos são elaborados? 7) A organização desenvolve algum programa? 8) Das políticas acessadas, quais possuem relação com a organização? 9) Em que momento as organizações externas contribuem para a execução de algum política acessada? 10) Qual a relação com outras entidades de apoio? 11) As políticas públicas atendem as demandas dos agricultores familiares? 92 APÊNDICE B – QUADRO 1 – SÍNTESE DAS ATAS DO STR DOCUMENTO CONTEÚDOS E TEMAS ATA DE ASSEMBLEIAS ORDINARIAS Eleições sindicais, Previdência social, E EXTRAORDINARIAS DO STR – 2000 escolha de conselheiros do STR nas 2005 comunidades, informações sobre o cartão do produtor, relação patrão empregado e contratos de parceria, ATA DE REUNIÃO DE DIRETORIA 2003 À 2006 comercialização; mercado solidário, café orgânico Cooperativismo de Crédito e Produção (ECOSOL E COOFELIZ) Associativismo (planejamento associação regional, ASIMAF) criação da FETRAF Zona da Mata; previdência social; homeopatia; Plano de Desenvolvimento local, Escolinha sindical, Políticas públicas PRONAF,CONAB, Crédito fundiário,Habitação Rural, PROSAN- programa de segurança alimentar e nutricional, Conselhos – Conselho municipal de desenvolvimento rural sustentável (CMDRS), Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA). Reunião CPI do café (COAVAP Desfiliação da FETAEMG, Parcerias (Centro de Tecnologias Alternativas- CTA; EMATER, Filiação à FETRAF, ATA DE REUNIÃO DE DIRETORIA DE INSS, (Plano de desenvolvimento local) 2006 À 2009 ELO, ECOSOL, COOFELIZ, HABITAÇAO RURAL, FETRAF, Fundação da Associação dos Terapeutas 93 TERAVIDA, PRONAF, CTA, eleições municipais- reuniões no PT, Agroecologia; congresso da CUT, Programa de Aquisição de Alimentos –PAA. 94 APÊNDICE C – QUADRO 2 – SINTESE DAS ATAS DE REUNIOES DESDE 1987 TEMA PRINCIPAL TEMA CITADO COMO FOI CITADO 1987 – Previdência Assistência ao trabalhador O sindicato ainda não estava legalizado para prestar serviço de previdência 1987 – Peleguismo Peleguismo Estão chamando o nosso sindicato de pelego 1988 – Saúde, educação, Temas de ação do STR política Criação de comissões para trabalhar com cada tema específico nas comunidades, 1988 – Comissão pastoral Parceria da terra – CPT Relação da CPT com o STR. 1989 – INAMPS Importância do convenio do INAMPS para o trabalhador rural Convenio 1989 – Trabalho de base, Projetos do STR, ações Igreja, CPT Tirar o STR de dentro da Igreja. Fazer os trabalhos nas casas e em outros lugares que atinjam realmente os marginalizados. A CPT tem um projeto de custear um trabalho em benefício do STR. 1990 – Reunião na base Sustentabilidade financeira Aproximar dos sócios para arrecadar fundos para os do STR trabalhos do STR 1990 – CTA Parceria Esclarecimento sobre o que é o CTA, 1991 – Escolinha sindical Formação Trabalho de conscientização, mais proximidade com a base, 1992 –Extensão de Base Amplitude territorial atuação do STR 95 de Assembléia para extensão de base para Caiana e Caparaó, 1992 - Aposentadoria Convenio Registro de dados dos aposentados para recebimento dos benefícios através do STR 1994 - planejamento Planejamento Prioridades para o ano de 1994: escolinha sindical, formação de associações, homeopatia, meio ambiente, trabalho de base, campo de sementes, 1995 – CONTAG Convenio Reuniao com os sócios pensionistas e aposentados para a votação do convenio feito entre CONTAG e o INSS visando o desconto nos benefícios previdenciários 1995 – Encontro da CUT, Representatividade, CTA, trabalho de base, parceria, formação planejamento Conscientização em relação ao uso de agrotóxico, informativo sobre meio ambiente, organização de mulheres, campo de sementes. 1998 – Meio ambiente, Projeto, formação associação de torrefação de café, comercialização, Produzir excedentes para a venda, fazer encontro com pessoas que usam biofertilizantes; fazer a torrefação de café funcionar nas comunidades, 1998 – Conselho municipal Criação do conselho Elaboração de projeto de de agricultura e meio municipal de agricultura e lei sobre o uso de agrotóxico no município, ambiente meio ambiente curso aos usuários de agrotóxicos sobre os danos provocados à saúde 1999 – Escolinha sindical, Formação, projeto comercialização 96 A escolinha sindical como formação de lideranças, organizar a associação para a comercialização dos produtos 2001 – Organização interna reuniões com Planejamento e organização Marcar diretores para ressaltar a dos diretores importância do compromisso de todos 2003 – Café orgânico, Projeto, importância política planejamento sindical, cooperativas de crédito solidário, PDL, fórum social mundial, estagio de vivencia Certificação do café orgânico, repasse da participação no fórum social mundial, possibilidade de criação da FETRAF zona da mata 2006 – Envolvimento Local Formação, projeto (ELO), ECOSOL, Habitaçao Rural, homeopatia, conquista da terra Cursos de homeopatia, reunião com CTA, crédito fundiário, mobilização dos sócios da ECOSOL, 97 APÊNDICE D– QUADRO 3 – DADOS SECUNDÁRIOS UTILIZADOS NA PESQUISA ATIVIDADE – PROJETO – PROGRAMAS REALIZADOS NO MUNICÍPIO DE ESPERA FELIZ ANO EM QUE OCORREU A ATIVIDADE Projeto de extensão universitária – Estágio Interdisciplinar de Vivencia – a vivencia de 13 dias ocorreu na comunidade de São Gonçalo, em Espera Feliz 2005 – Programa de Desenvolvimento local – Envolvimento Local – ELO 2007 - Pesquisa exploratória sobre sindicalismo rural em Espera Feliz 2007 Planejamento do STR 2007 e 2009 Diagrama de Venn (técnica de DRP) realizada no STR e COOFELIZ 2007 e 2009 Planejamento da COOFELIZ 2009 Curso para ampliação dos sócios da ECOSOL e criação do posto de atendimento cooperativo 2009 Seminário Merenda Escolar realizado pela COOFELIZ , STR e Camara dos Vereadores 2009 Assessoria na elaboração do projeto de ATER (Assistência Técnica e Extensão Rural) 2009 Assessoria na elaboração do projeto para o Programa de Aquisição de Alimentos 2009 Diagnóstico econômico na COOFELIZ e ECOSOL 2009 Planejamento da Base Minas ECOSOL Zona da Mata 2010 98 9 ANEXOS ANEXO A – QUADRO 4 – GRUPOS POR CATEGORIA DE FINANCIAMENTO GRUPO A Agricultores assentados da reforma agrária. Podem financiar até R$ 2.500,00 para o custeio da Safra e até R$ 13.500,00 para investimento. GRUPO B Agricultores familiares remanescentes de quilombos, trabalhadores rurais e indígenas, com os valores de investimentos (custeio ou investimento) sendo limitados a R$1000,00; GRUPO C Agricultores familiares com renda bruta anual entre R$ 2000,00 e R$ 14.000,00. Limite de financiamento de custeio para esse grupo é de R$ 2.500 e de investimento de R$ 5000,00. GRUPO A/C Agricultores oriundos do processo de reforma agrária e que passam a receber o primeiro crédito de custeio após terem obtido o crédito de investimento inicial que substituiu o antigo programa de apoio aos assentados. Os limites de financiamento de custeio variam de R$ 500,00 a R$ 2.500,00. GRUPO D agricultores estabilizados economicamente com renda bruta anual entre R$ 14000,00 e R$ 40.000,00, sendo que o limite para custeio é de até R$ 6000,00, com juros de 4% ao ano e prazo de até dois anos. Já para investimento o limite de financiamento é de até R$ 18.000,00, com prazo de até oito anos e juros iguais ao do custeio, podendo ser reduzido em 25% o valor referente aos juros para os pagamentos no prazo. GRUPO E agricultores com renda bruta anual entre R$ 40.000.00 e 60.000,00. Os limites de financiamento para custeio são de R$ 28.000,00, com juros de 7,25% ao ano e financiamento é de R$ 36.000,00, com juros idênticos ao crédito de custeio e prazo 99 de pagamento de até oito anos, sendo três de carência, sem previsão de descontos ANEXO A – Tabela 3 – Linhas Específicas de Crédito do PRONAF CUSTEIO Destina-se ao financiamento das atividades agropecuárias e de beneficiamento ou industrialização de produção própria ou de terceiros agricultores familiares enquadrados no Pronaf. INVESTIMENTO Destinado ao financiamento da implantação, ampliação ou modernização da infraestrutura de produção e serviços, agropecuários ou não agropecuários, no estabelecimento rural ou em áreas comunitárias rurais próximas. AGROINDUSTRIA Linha para o financiamento de investimentos, inclusive em infraestrutura, que visam o beneficiamento, o processamento e a comercialização da produção agropecuária, de produtos florestais e do extrativismo, ou de produtos artesanais e a exploração de turismo rural. AGROECOLOGIA Linha para o financiamento de investimentos dos sistemas de produção agroecológicos ou orgânicos, incluindose os custos relativos à implantação e manutenção do empreendimento. ECO Linha para o financiamento de investimentos em técnicas que minimizam o impacto da atividade rural ao meio ambiente, bem como permitam ao agricultor melhor convívio com o bioma em que sua propriedade está inserida. FLORESTA Financiamento de investimentos em projetos para sistemas agroflorestais; exploração extrativista ecologicamente sustentável, plano de manejo florestal, 100 recomposição e manutenção de áreas de preservação permanente e reserva legal e recuperação de áreas degradadas. SEMI-ÁRIDO Linha para o financiamento de investimentos em projetos de convivência com o semi-árido, focados na sustentabilidade dos agroecossistemas, priorizando infraestrutura hídrica e implantação, ampliação, recuperação ou modernização das demais infraestruturas. MULHER Linha para o financiamento de investimentos de propostas de crédito da mulher agricultora. JOVEM Financiamento de investimentos de propostas de crédito de jovens agricultores e agricultoras. CUSTEIO E AGROINDUSTRIALIZAÇÃO DE AGROINDÚSTRIAS FAMILIARES Destinada aos agricultores e suas cooperativas ou associações para que financiem as necessidades de custeio do beneficiamento e industrialização da produção própria e/ou de terceiros. COTA-PARTE Financiamento de investimentos para a integralização de cotas-partes dos agricultores familiares filiados a cooperativas de produção ou para aplicação em capital de giro, custeio ou investimento. MICROCREDITO RURAL Destinado aos agricultores de mais baixa renda, permite o financiamento das atividades agropecuárias e não agropecuárias. Créditos para beneficiários do Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF) e do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA). Destinados exclusivamente às famílias beneficiárias dos dois programas. MAIS ALIMENTOS Financiamento de propostas ou projetos de investimento para produção associados à apicultura, aquicultura, 101 avicultura, bovinocultura de corte, bovinocultura de leite, caprinocultura, fruticultura, olericultura, ovinocultura, pesca e suinocultura e a produção de açafrão, arroz, centeio, feijão, mandioca, milho, sorgo e trigo. Fonte: MDA/SAF 102 ANEXO B – PROCEDIMENTOS DE ACESSO AO PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) foi concebido em 2003 como parte de políticas estruturantes do Programa Fome Zero 64, visando desenvolver ações no âmbito das políticas agrícolas e de segurança alimentar e nutricional, com objetivo de fortalecer a política de combate à fome. Para tanto, o PAA se destina à aquisição de produtos fornecidos pelos agricultores familiares, sendo possível a compra sem licitação até um limite máximo por agricultor ao ano, desde que esses preços não ultrapassem o valor dos preços praticados nos mercados locais. O programa envolve também ações vinculadas à distribuição de alimentos aos grupos sociais em situação de insegurança alimentar, além de facilitar o processo de comercialização no âmbito local e promover a formação de estoques estratégicos de alimentos (MDS, 2010). Foi instituído pela lei numero 10.696 de 2003, “com a finalidade de incentivar a agricultura familiar”, através de mecanismos de comercialização nos próprios locais de origem desses produtores, especialmente aquelas camadas deste segmento que produzem em pequenas quantidades e que estão enfrentando dificuldades para agregar valor à produção (Art. 19, caput da Lei nº. 10.696/03). O objetivo declarado do PAA é “garantir o acesso aos alimentos em quantidade, qualidade e regularidade necessárias às populações em situação de insegurança alimentar e nutricional e promover a inclusão social no campo por meio do fortalecimento da agricultura familiar” (MDS, 2010). O programa possui quatro modalidades, denominadas: (a) Compra Direta da Agricultura Familiar; (b) Compra para a Doação Simultânea (também conhecido como Compra Direta Local da Agricultura Familiar); (c) Formação de Estoques pela Agricultura Familiar; e (d) Incentivo à Produção e Consumo de Leite. Em todas essas 64 O fome zero tem quatro eixos. 1- Acesso a alimentos (Bolsa Família, alimentação escolar, cisternas, restaurantes populares, banco de alimentos, agricultura urbana, alimentação e nutrição de povos indígenas); 2 – Fortalecimento da Agricultura Familiar (pronaf, garantia safra, seguro da agricultura familiar, PAA); 3- Geração de Renda (qualificação social e profissional, economia solidaria e inclusão produtiva, consórcio de segurança alimentar e desenvolvimento local, microcrédito produtivo orientado) e 4 – Articulação, mobilização e controle social (casa das famílias, capacitação de agentes públicos, controle social. ). Para saber detalhes de cada eixo, ver em http://www.fomezero.gov.br/programas-e-acoes 103 modalidades, a participação dos beneficiários é condicionada à sua organização em organizações formais, no caso cooperativas e associações, ou grupos informais. Modalidades do Programa de Aquisição de Alimentos SIGLA CDAF TITULO EMENTA Compra Direta da Possibilita a aquisição de alimentos Agricultura Familiar pelo Governo, a preços de referência, de produtores organizados em grupos formais (cooperativas e associações), inserindo os agricultores familiares no mercado de forma mais justa, a fim de constituir reserva estratégica de alimentos. É operada pela CONAB. CPR Formação de Estoque pela Agricultura Familiar CDAF- doação Compra Direta da Agricultura Familiar com doação simultânea IPCL Incentivo a produção e consumo do leite Visa adquirir alimentos da safra vigente, próprios para consumo humano, oriundos de agricultores familiares organizados em grupos formais para formação de estoques em suas próprias organizações. É operada pela CONAB. Visa adquirir alimentos de agricultores familiares organizados em grupos formais (cooperativas e associações), com vistas a doação para organizações governamentais e não governamentais,. É operado pela CONAB Incentivar o consumo e a produção familiar de leite, visando diminuir a vulnerabilidade social, combatendo a fome e a desnutrição. O público-alvo do Programa são agricultores familiares, agricultores, pescadores artesanais, silvicultores, extrativistas, indígenas, membros de comunidades remanescentes de quilombos e agricultores assentados que se enquadram no - PRONAF, preferencialmente organizados em grupos formais, como cooperativas e associações. Para acessar o programa o agricultor familiar deve se enquadrar nos critérios definidos pelo PRONAF como agricultor familiar, sendo qualificado por meio da emissão da Declaração de Aptidão do PRONAF – DAP. 104 A aquisição de produtos da agricultura familiar dispensa licitação, requeridas pela Lei nº. 8.666/93, desburocratizando o processo e apoiando a comercialização desenvolvida por esta categoria específica de produtores, desde que os preços não sejam superiores aos praticados nos mercados regionais. O limite de aquisições é definido pelo Decreto que regulamenta o Programa, estabelecendo um valor máximo de acesso de R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais) por agricultor familiar ao ano, exceto para a operacionalização do PAA Leite cujo teto é semestral. A execução do programa envolve um conjunto de instituições tanto do Estado quanto da sociedade civil. No nível governamental tem-se o grupo gestor coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e composto por cinco órgãos do governo federal: Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à fome, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e Ministério da Fazenda. Os gestores executores do programa são os Estados, os Municípios e a CONAB. Os gestores locais são organizações compostas por agricultores familiares (cooperativas, associações, sindicatos dos trabalhadores rurais) e entidades da rede socioassistencial. Os procedimentos de acesso à essa modalidade são os seguintes65: 1) As organizações de agricultores e as entidades que receberão os produtos devem elaborar uma proposta que alie a necessidade de consumo de alimentos do público atendido pela entidade e a possibilidade de provisão pelos agricultores familiares. A proposta de participação deve ser preenchida levando em consideração a identificação da proponente, dos consumidores, dos fornecedores, relação de produtos com o cronograma de entrega, objetivos do projeto, organizações envolvidas com a execução e mecanismos de avaliação e monitoramento. 2) Todas as propostas de participação devem ser submetidas à aprovação do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) ou, na falta deste, de 65 Os procedimentos de acesso estão descritos no Manual de Operações da CONAB. www.conabo.gov.br 105 um conselho local atuante, que participará diretamente da execução do convênio, desde a sua aprovação até o acompanhamento e o controle social. 3) A partir da aprovação da proposta de participação, (após assinado o termo de compromisso mútuo, declaração de aplicação de recursos e autorização para movimentação financeira) a organização de agricultores passará a entregar seus produtos de acordo com o pactuado e o pagamento será liberado em sua conta corrente, mediante a comprovação (Termo de Recebimento e Aceitabilidade) de que os produtos foram entregues com qualidade e na quantidade pactuada. 4) O mecanismo utilizado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome para a execução do Programa é a celebração de convênios com os governos estaduais, os governos municipais e a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), com repasse de recursos aos convenentes, que assumem a responsabilidade pela sua operacionalização, no intuito de viabilizar os resultados fundamentais do Programa e garantir sua plena execução. 5) No âmbito da CONAB, a formalização da proposta é feita por meio da Cédula de Produto Rural – CPR Doação a partir da apresentação de Proposta de Participação pelos agricultores familiares, organizados em grupos formais (cooperativas e associações), comprometendo-se a entregar os alimentos à instituições governamentais ou não governamentais que desenvolvam trabalhos publicamente reconhecidos de atendimento às populações em situação de risco alimentar e nutricional. (MDA, 2009). 106 ANEXO C– PROCEDIMENTOS DE ACESSO AO PROGRAMA NACIONAL DE CRÉDITO FUNDIÁRIO O Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF) é definido como sendo “o conjunto de ações que visa, por intermédio de crédito fundiário, a promoção do acesso à terra e investimentos básicos e produtivos, que permitam estruturar os imóveis adquiridos com recursos do Fundo de Terras e da Reforma Agrária, instituído pela Lei Complementar nº 93, de 4 de fevereiro de 1998” (MDA/SRA 2009, p10). Insere-se na política de reforma agrária como ação complementar, pois envolve áreas com menos de 15 módulos fiscais ou propriedades produtivas, “ampliando a redistribuição de terras e consolidando regimes de propriedade e seu uso em bases familiares” (MDA/SRA 2009, P11). O PNCF é executado pelo governo federal em parceria com governos estaduais e organizações dos movimentos sindicais de trabalhadores e trabalhadoras rurais, de sindicatos de agricultura familiar e outras organizações da sociedade civil. A gestão do PNFC em seus níveis nacionais, estaduais e municipais se dá da seguinte forma. São realizados acordos de cooperação técnica entre MDA e Estados. Após acordo assinado, tem-se a elaboração do Plano Operativo Anual (POA). Esse plano contém as diretrizes e normas do PNCF, sobretudo a que envolve a participação da sociedade civil organizada, principalmente sindicatos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais e de agricultura familiar. O POA de cada Estado participante tem a seguinte tramitação: a) a UTE e demais entidades parceiros em nível estadual elaboram o POA por meio de oficinas objetivando agregar diferentes conhecimentos para qualificar as condições de execução do PNCF, contando com a participação da Secretaria de Reordenamento Agrário (SRA); b) O Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável - CEDRS aprova o POA; c) O POA é encaminhado ao Departamento de Crédito Fundiário (DCF), para aprovação e consolidação do Plano Operativo Anual Nacional; 107 d) O DCF utilizará os POAs estaduais, devidamente aprovados, para formalizar instrumentos de transferências de recursos para viabilizar a execução do PNCF nos estados; e) Ao longo do ano, o DCF e o CEDRS acompanham e monitoram a execução do POA, verificando a devida utilização dos recursos e o cumprimento das metas estabelecidas. f) Em caso de não aprovação do POA pelo CEDRS ou pelo DCF, poderá haver recurso ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CONDRAF), ouvido o Comitê Permanente do Fundo de Terras e de Reordenamento Agrário, por parte de qualquer dos interessados na sua implementação (MDA/SRA, 2009). O PNCF possui duas linhas específicas de financiamento, Combate à Pobreza Rural (CPR) e Consolidação da Agricultura Familiar (CAF). A primeira linha permite a compra da terra através de contrato de financiamento, sendo reembolsável, e a garantia de infra-estrutura básica para produção, através de repasse de recursos não reembolsáveis. Os beneficiários da CPR são trabalhadores rurais sem terra, agricultores familiares, proprietários de minifúndios cuja propriedade comprovadamente não seja capaz de gerar renda pela dimensão territorial restrita, jovens de 16 à 18 anos casados. Para acessar essa linha, deve-se comprovar que a renda anual seja inferior a R$ 9.000,00, e o patrimônio familiar inferior a R$ 15.000,00, não considerada a casa de moradia, dentre outros critérios similares aos critérios estabelecidos pelo PRONAF. A segunda linha de financiamento, qual seja a Consolidação da Agricultura Familiar, destina-se ao mesmo público da linha anterior, desde que a renda bruta anual seja inferior a R$ 15.000,00 e o patrimônio inferior a R$ 30.000,00. Os procedimentos de acesso aos PNCF são os seguintes: 1) Mobilização, identificação dos imóveis e início da negociação de preços: Uma vez interessado no programa, o beneficiário (individual ou associativo), buscam imóveis que desejam adquirir e cujo proprietário deseja vender. Os beneficiários iniciam então a negociação do preço com o proprietário. A viabilidade de aquisição é feita pelos 108 beneficiários, identificando as benfeitorias nas propriedades que estão sendo pleiteadas para compra. O movimento sindical dos trabalhadores rurais tem papel fundamental nesse processo, sobretudo para esclarecimentos sobre o programa 2) Elaboração da proposta de financiamento: uma vez identificado a propriedade, o beneficiário prepara a proposta de financiamento. O apoio técnico ao beneficiário é oferecido pela UTE, de técnicos de organizações governamentais e não governamentais de assistência técnica. Os beneficiários deverão também receber apoio técnico na elaboração da proposta de financiamento. A proposta de financiamento deve ser acompanhada de uma declaração de intenção de venda assinada pelo proprietário. 3) Parecer do CMDRS sobre os processos de financiamento. 4) Analises das propostas de financiamento pela UTE. Ao receber a proposta a UTE faz o cadastro no sistema de informações gerenciais. As analises dos processos se dão a partir da elegibilidade da proposta, bem como o seu preço. 5) Análise da proposta de financiamento pelo CEDRS a análise de financiamento, quando aprovada, é enviada, juntamente com o parecer da UTE, ao CEDRS. 6) Contração do financiamento e execução do projeto. A liberação do financiamento ao beneficiário é comunicado pela UTE sobre a liberação do recurso, que são repassados diretamente ao proprietário do imóvel, após registro da escritura em cartório. 7) Elaboração e analise dos subprojetos de investimento básicos. 8) Liberação dos recursos e execução dos projetos complementares. Aprovado o projeto de SIC, a UTE autoriza o agente financeiro a liberar os recursos necessários para sua execução, conforme o cronograma previsto no projeto. (MDA/SRA, 2009). 109 ANEXO D – CAP. I - DA CONSTITUIÇÃO, DA AUTORIZAÇÃO PARA FUNCIONAMENTO E DA ALTERAÇÃO ESTATUTÁRIA DE UMA COOPERATIVA DE CRÉDITO (Capturado em 6/03/2009 em http://www.cooperativismodecredito.com.br/Resolucao3442-07.php ) Art. 2º Os pedidos envolvendo a constituição, a autorização para funcionamento e a alteração estatutária de cooperativas de crédito, bem como as demais autorizações e aprovações exigidas na regulamentação aplicável a essas instituições, serão objeto de estudo pelo Banco Central do Brasil, com vistas a sua aceitação ou recusa. Art. 3º A constituição de cooperativa de crédito subordina-se às seguintes condições, cujo atendimento será verificado pelo Banco Central do Brasil: I - comprovação das possibilidades de reunião, controle, realização de operações e prestação de serviços na área de atuação pretendida, bem como, se for o caso, de manifestação da respectiva cooperativa central, quando se tratar de cooperativa singularfiliada; II - apresentação de estudo de viabilidade econômico-financeira abrangendo um horizonte de, no mínimo, três anos de funcionamento, contendo: a) análise econômicofinanceira da área de atuação e do segmento social ou do segmento de cooperativas singulares de crédito, definido pelas condições de associação; b) demanda de serviços financeiros apresentada pelo segmento social ou de cooperativas singulares a ser potencialmente atendido, atendimento existente por instituições concorrentes e projeção de atendimento pela cooperativa pleiteante; c) projeção da estrutura patrimonial e de resultados; III - apresentação de plano de negócios, abrangendo um horizonte de, no mínimo, três anos de funcionamento, contemplando os seguintes aspectos, além daqueles definidos nos §§ 1º e 2º: a) estabelecimento dos objetivos estratégicos da instituição; 110 b) definição dos padrões de governança corporativa a serem observados, incluindo-se o detalhamento da estrutura de incentivos e da política de remuneração dos administradores; c) detalhamento da estrutura organizacional proposta, com determinação das responsabilidades atribuídas aos diversos níveis da instituição; d) definição da estrutura dos controles internos, com mecanismos que garantam adequada supervisão por parte da administração e a efetiva utilização de auditoria interna e externa como instrumentos de controle; e) definição dos principais produtos e serviços, das políticas de captação e de crédito, tecnologias a serem utilizadas e dimensionamento da rede de atendimento; f) definição de prazo máximo para início das atividades após a concessão, pelo Banco Central do Brasil, da autorização para funcionamento; g) definição de sistemas, procedimentos e controles para detecção de operações que possam indicar a existência de indícios dos crimes definidos na Lei 9.613, de 3 de março de 1998; h) ações relacionadas com a capacitação do quadro de dirigentes. § 1º O plano de negócios a ser apresentado, com vistas à constituição de cooperativa singular de crédito, deve contemplar, ainda, os seguintes aspectos: I - identificação do grupo de fundadores e, quando for o caso, das entidades fornecedoras de apoio técnico e/ou financeiro; II - motivações e propósitos que levaram à decisão de constituir a cooperativa; III - condições estatutárias de associação e área de atuação pretendida; IV - cooperativa central de crédito a que será filiada, ou, na hipótese de não filiação, os motivos que determinaram essa decisão, evidenciando, nesse caso, como a cooperativa pretende suprir os serviços prestados pelas centrais; V - estimativa do número de pessoas que preenchem as condições de associação e do crescimento esperado do quadro, indicando as formas de divulgação visando atrair novos associados; 111 VI - medidas visando a efetiva participação dos associados nas assembléias; 112