Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA 2 A BICICLETA 2.1 Breve histórico sobre a bicicleta A bicicleta, desde a sua origem, tem sido a mais eficiente máquina já criada para converter energia humana em propulsão. Como citado em Super Interessante (1990:v.4:21), “apenas irrisório 1% da energia transmitida à roda traseira se perde, o que torna possível ao ciclista manter facilmente a marcha entre 16 e 19 quilômetros por hora [...] quase quatro vezes a velocidade do caminhar”, este fato tem despertado alguns a realizar estudos a seu respeito e seus aficionados a passar a utiliza-la, seja para lazer, esporte ou transporte. De acordo com dados levantados por Pequini (2000:2.1), não se sabe ao certo a data de nascimento da bicicleta, assim como quem foi seu inventor. Apontam-se como seus autores, Leonardo Da Vinci e o Conde Sirvac. Tem-se também sua representação nos baixo-relevos do Egito e Babilônia e em afrescos de Pompéia, o que torna seu surgimento ainda mais impreciso. A autora ainda menciona que em poucos registros encontrados temse que em 1790, após uma série de estudos, o Conde Sirvac inventou o que chamou de celerífero, que significa velocidade, marcha, ou cavalo de duas rodas (Figura 2.1). Esse invento era bastante rude, Figura 2.1 – Celerífero Fonte: Pequini (2000:2.2). composto por uma trave de madeira prolongada por uma cabeça de animal e colocada sobre duas rodas, também de madeira, uma atrás da outra, com direção fixa. A arrancada era dada com os pés firmes no chão os quais o Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.1 Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA impulsionava, com a ajuda de alguém que o empurrasse, pois não tinha tração na roda como as de hoje. Apesar de muito primitivo, com grandes passadas alcançava-se velocidade média de oito ou nove quilômetros por hora. Do ponto de vista da Ergonomia, não devia ser nada cômodo, pois os impactos sofridos pelo celerífero abalavam diretamente o motorista por falta de amortecimento. O seu maior problema, porém, era o fato de não ser dirigível, o que o tornava inviável como meio de transporte. Pode-se imaginar a dificuldade que se tinha para conduzir um celerífero, devido ao fato de que, em alta velocidade, era praticamente impossível guiá-lo numa curva, o que somente se conseguia fazendo uso da força bruta, esmurrando a cabeça do invento. De acordo com Rauck et al. (apud PEQUINI, 2000:2.5), o aperfeiçoamento do celerífero se deu a partir da criação da Drasiana (Figura 2.2) pelo Barão Karl Drais von Sauerbronn, em 1816, quando ele acrescentou molas ao assento e o guidão. É considerada a primeira bicicleta dirigível e foi criada em madeira. Figura 2.2 – Drasiana do Barão Von Drais. Fonte: Pequini (2000:2.4). Rauck ainda relata que, em 1818, Drais conseguiu a patente do seu veículo por dez anos. O fato de ser dirigível transformou-a em um grande meio de transporte, pois, com a direção, tornava-se fácil conduzi-la e manter o equilíbrio. Em 1817, percorreu 50 quilômetros em uma hora do trajeto que o correio da época levava quatro horas para percorrer. A partir daí, a imprensa começou a divulgá-lo, alegando que era uma das novidades mais importantes no campo das ciências mecânicas, o que o fez conhecido por toda a Alemanha. Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.2 Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA Mas, já em outubro de 1817, Georg von Reichenbach, engenheiro da corte de Maiz, cria um veículo com os mesmos princípios da drasiana, porém com um centro de gravidade bem mais baixo, devido ao fato de que a barra que servia de trave e assento era muito baixa. Tinha, contudo, um assento acolchoado que podia subir e descer para acomodar os diversos tamanhos de usuários. A roda traseira movia-se dentro de um garfo. O garfo dianteiro era arqueado como aparece na Figura 2.3 (PEQUINI, 2000:2.5). Em 1819, ele lança a bicicleta para damas, que tinha armação de madeira recoberta de ferro muito curvada para abaixar, de maneira que as damas não tivessem problemas com as saias longas e fartas. Apesar de inúmeros inventos depois do surgimento do celrífero e da drasiana, todos os autores são unânimes em afirmar que Drais é o inventor da bicicleta dirigível, ficando conhecido como “pai espiritual da bicicleta”, segundo dados levantados por Pequini (2000:2.7). A autora também ressalta que as bicicletas foram evoluindo em sua forma de dirigir e com assentos reguláveis e outros acessórios, porém faltava ainda a criação de um mecanismo de propulsão que não fosse o contato dos pés com o chão. Perguntavam ao Barão Drais por que ele não havia construído bicicletas que fossem impulsionadas com manivelas, mecanismo já utilizado desde séculos anteriores, nos coches de tração muscular. Ele, porém, defendia seu sistema de impulsão direta contra o solo, Figura 2.3- Drasiana de George von Reichenblank 1817. Fonte: Rauck (apud PEQUINI, 2000:2.6). Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 alegando que nós temos mais força nas pernas que nos braços. 2.3 Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA Pequini (2000:2.10) ainda observa que já havia estudos a este respeito desde 1817, porém era tudo muito complicado e nada realizável. O mecanismo foi estudado nessa época pelo mecânico Neremberg Johan Carl Siegismund Bauer (Figura 2.4). Contudo não tardou muito para em 1821, o inglês Lewis Compertz dar uma solução, que ainda consumia muita energia humana (Figura 2.5). Acoplou a uma drasiana um mecanismo composto por uma manivela e uma roda dentada que impulsionava a roda dianteira. Figura 2.4 – Drasiana com mecanismo de propulsão de Nerembereg Bauer. Fonte: Rauck (apud PEQUINI, 2000:2.11). Figura 2.5 - Bicicleta de Compertz com manivela e roda dentada. Fonte: Rauck (apud PEQUINI, 2000:2.11). A autora que, também em 1838, Kirkpark MacMillan, ferreiro escocês, aclopou elementos ao eixo da roda traseira a qual, através de duas manivelas, se acionava com dois pedais unidos à parte dianteira do quadro e, pela primeira vez, torna-se realidade a tração da roda traseira, mecanismo utilizado até hoje. De acordo ainda com Pequini (2000), depois de um espaço de quinze anos, em 1853, o alemão Philip Moritz Ficher, montou um par de manivelas à roda dianteira de uma drasiana e aros metálicos a ambas as rodas, transformando-a assim numa bicicleta. Apesar do sucesso, este invento não influenciou no desenvolvimento da bicicleta. Pequini (2000) continua a citar uma série de evoluções tecnológicas ocorridas na bicicleta, algumas das quais relatamos algumas a seguir: No ano de 1861, Pierre Michaux, um construtor de carruagem colocou dois pedais facilitando sua impulsão (Figura 2.6). Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.4 Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA Figura 2.6 - Drasiana com pedais. Fonte: Pridmore (apud PEQUINI, 2000:2.13). Aparecem as Lallemente, construídas por Pierre Lallamente em Paris, e que logo consegue patente americana. Não teve, porém, o êxito comercial como esperava. Havia outras bicicletas com manivela aclopadas à roda dianteira, porém não se sabe ao certo se foram inventadas ou copiadas, como é o caso de uma bicicleta construída em 1844 por Gattilieb Mylius e seu filho, Heinrich von Mylius. Uma outra bicicleta italiana, que se encontra no Museu Nacional da Ciência e Tecnologia Leonardo Da Vinci, em Milão a qual se atribui sua construção ao ano de 1855, o que é improvável devido ao fato de seu assento possuir molas de lâminas, o que não era característico da época. James Starley inventou os raios e Jules Truffant escavou o aro da roda, cobrindo-o de borracha. Robert Thompson, em 1815, requereu a patente para o tubo de borracha. O escocês Thomas McCall, equipou a bicicleta de MacMillan com freios. Surge na Itália, em 1868, um modelo bastante delicado deste estilo de bicicleta. Em Nova York, dois americanos deram continuidade às bicicletas do tipo MacMillan. Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.5 Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA Surgem, em 1869, os modelos de bicicletas com tração traseira construídas por Trefz, um professor de Stuttgart, modernizando definitivamente a técnica de tração com pedal. Ele substituiu o pedal oscilante, criado por MacMillan, por um pedal com manivela através de varas. (Figura 2.7) Figura 2.7- Bicicleta tipo MacMillan de tração com pedal. Fonte: Rauck (apud PEQUINI, 2000:2.18). Figura 2.8 - Primeira bicicleta com tração por corrente contínua de transmissão Fonte: Rauck (apud PEQUINI, 2000:2.19). Nesse mesmo ano, Micahux constrói em Paris uma grande fábrica de bicicletas. Mas o descobrimento mais significativo deste ano foi relativo a Guilmet-Meyer com a criação da tração não mais sobre a roda traseira, mas, pela primeira vez, através de uma corrente continua de transmissão, que se tornou antecessora imediata das bicicletas atuais (Figura 2.8). As bicicletas de roda dianteira maior que a roda traseira (Figura 2.9) eram muito perigosas devido ao fato de a parte dianteira ser bem mais pesada que a traseira o que provocava o seu capotamento facilmente. O aumento de tamanho das rodas dianteiras se explicava porque, quanto maiores fossem, mais velocidade se conseguia. Isto também passou a ser sinônimo de status, pois, quanto mais alto estivesse o motorista mais distante dos outros ficava. Eram tão perigosas que foi criado um dispositivo para que o guidão se soltasse facilmente caso ela capotasse não deixando o ciclista preso nele. Elas chegaram a ter rodas de um metro e meio de diâmetro. As firmas Singer & Co., Hilman, Herbert & Cooper, produziram em 1884, na cidade de Coventry, a bicilceta de segurança chamada “kangaroo” (Figura 2.10), ou seja, canguru, que possuía, para evitar as perigosas capotagens, novamente uma roda dianteira menor, ou seja, de tamanho igual a roda traseira. Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.6 Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA Figura 2.9 - Bicicletas com roda dianteira maior que a roda traseira Fonte: Rauck (apud PEQUINI, 2000:2.21) Figura 2.10 - Bicicleta Kangaroo Fonte: Pridmore (apud PEQUINI, 2000:2.22) Em 1887, John Bloyd Dunlop descobre o pneu a ar, sendo a Fire Fly da firma Cycle Co., uma das primeiras bicicletas equipadas em série com pneus a ar. O tubo era muito rudimentar, quando estourava ou furava, gastavam-se várias horas para o seu reparo. Mas mesmo assim, em 1891, Cahrles Terront venceu a prova Paris-Brest, mesmo depois de ter furado o pneu cinco vezes, com uma vantagem de oito horas sobre o segundo colocado, que correu com rolos de borracha. A popularidade que a bicicleta consegue com este invento é enorme, já existiam cinco mil ciclistas em 1890 somente na França. Dez anos depois, este número já era de dez milhões. A bicicleta foi utilizada durante a guerra pelas unidades de infantaria da Itália, França e logo também pela Holanda, Bélgica e Espanha como meio de transporte, quando foi criada a bicicleta dobrável, que os soldados a carregavam nas costas como mochilas (Figura 2.11). Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.7 Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA John Starley termina a era das bicicletas altas lançando a sua bicicleta Rover III, com quadro trapezoidal curvado e rodas com raios tangenciais de tamanhos quase iguais e transmissão por corrente para a roda traseira (Figura 2.12). A partir daí, foram inúmeras as inovações com o sucesso da BMX nos anos 70 (Figura 2.13), da Mountain Bike nos anos 80 (Figura 2.14), até chegarmos aos dias atuais com o exemplar dos anos 90 da Multi Sport Zipp-Speed considerada a bicicleta mais aerodinâmica já projetada até hoje (Figura 2.15). Figura 2.11 - Bicicleta dobrável Fonte: Pequini (2000:2.23). Figura 2.12- Bicicleta Rover III Fonte: Pridmore (apud PEQUINI, 2000:2.24). Foi criada uma série de acessórios que tornaram a bicicleta mais ágil e confortável, como: suspensão, freios a disco e até hidráulicos, pneus adequados a cada tipo de terreno, selins mais anatômicos, câmbio de marchas, materiais mais leves, e vários estilos de bicicletas específicas para cada atividade. Foram inúmeras inovações tecnológicas que tornaram o veículo cada vez mais popular. Figura 2.13 – BMX Fonte: Pridmore (apud PEQUINI, 2000:2.25). Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 Figura 2.14 – Mountain Bike Fonte: Bici Sport (apud PEQUINI, 2000:2.25). 2.8 Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA Figura 2.15 – Bicicleta Speed Zipp 2001, da Multi Sport Zipp-Speed Fonte: Pridmore (apud PEQUINI, 2000:2.26). Segundo Busto (1992, v. 35:19), a bicicleta foi também o veículo que abriu caminho para a produção em massa de automóveis. Fábricas mundialmente conhecidas (Peugeot, Ford, Morris, Opel) tornaram-se famosas construindo, primeiramente, bicicletas. Na virada do século XX, a bicicleta se associa a todos os avanços tecnológicos e à mentalidade progressista de então. A bicicleta tem o seu primeiro grande boom, sendo utilizada para divulgar moda para homens e mulheres da alta sociedade de Londres e Paris. Na Europa e nos Estados Unidos, a indústria trabalhava a todo vapor para suprir a grande demanda, ressalta o autor. Também surgem os monopólios dos fabricantes. Os Estados Unidos entram com vontade no mercado e é lá que Albert E. Pope começa a montar o seu monopólio ao comprar várias fábricas menores. O preço das bicicletas despenca, caindo cerca de 70%, encaixando-se no poder aquisitivo das grandes massas, o que facilitaria sua entrada nos países mais pobres. Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.9 Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA Em 1900, a explosão havia acabado e o veículo de duas rodas tornou-se parte do diaa-dia, rompendo todas as barreiras sociais e estabelecendo, também, uma nova maneira de transporte, individual e de fácil acesso às massas. Nos países industrializados (Inglaterra, França, Estados Unidos), a bicicleta sofre um declínio com a escalada da produção automobilística, sendo relegada ao lugar de “prima pobre” da tecnologia. Busto em sua pesquisa, encontra dados segundo os quais, após a Primeira Guerra Mundial, não eram só os países da América, Ásia e África os únicos a consumirem bicicletas, mas a população européia viu-se obrigada a utilizá-la por problemas econômicos. Os exércitos das potências também formavam seus pelotões ciclistas e, nos países que adotaram o regime socialista, a bicicleta entrou como forma imediata e econômica para atender às necessidades de transporte da população. O maior exemplo é a China e isto acabou resultando numa indústria forte e competente (BUSTO, 1992, v.35:19). Durante o período de “reconstrução mundial” pós-guerra no século XX, a indústria européia produziu como nunca bicicletas para exportação, euforia que durou até a década de 60, do século passado. Na Índia, devido à grande população e à cultura adquirida ao longo dos anos de colonização inglesa, a indústria de bicicleta de modelos populares cresceu assustadoramente. Os asiáticos entram no mercado com maior força a partir da década de 70 e não apenas com produtos japoneses, mas com a efervescente indústria de Taiwan e com alguns produtos trazidos do país-continente: a China. Afinal, a bicicleta é o seu principal meio de transporte. No final dos anos de 70, os norte-ameriacos lançam para o mercado o mundo do bicicross, voltado para um público infanto-juvenil que não vinha consumindo bicicletas e que logo se viu atraído para a novidade. Eles criam novos modelos e produzindo-os nas fábricas de Taiwan e também da Coréia, pulverizaram o mercado. Na década de 80 os Movimentos Verdes, o ambientalismo e a preservação da natureza tomam conta da opinião pública e alguns jovens faziam suas loucuras despencando morro abaixo nas reservas florestais dos Estados Unidos, o que vem a ser o boom da Mountain Bike. Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.10 Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA Os Estados Unidos saem na frente mais uma vez, colocando agora um novo esporte que pode facilmente ser praticado por qualquer pessoa de 8 a 80 anos, aliado ao forte apelo ecológico trazido pela Mountain Bike. Esta nova mania é fortalecida pela idéia da bicicleta de montanha (ou as BTT - bicicletas todo terreno) e suas facilidades trazem uma nova maneira de viver. A explosão da Mountain Bike dominou até os europeus, que a princípio não acreditavam muito nesse movimento, mas que acabaram por se render e aderir com muita força a este novo mercado. Em 1990, um grande fabricante japonês enfrentou sérios problemas, pois a procura por seus produtos era tão grande que não conseguiu atender aos pedidos. Em 1987, a Europa importava 70 mil bicicletas; quatro anos depois, este número saltou para a casa de 3,6 milhões de bicicletas. A Comunidade Econômica Européia elaborou um documento contrário à importação asiática, aprovado pelos 12 países membros. Outro resultado dessa invasão foi a recente união de três grandes fabricantes: a espanhola BH e as francesas Peugeot e Gitane, surgindo assim a Eurocycle, que pretendia colocar no mercado dois milhões de bicicletas por ano, voltadas para um público que exige bicicletas de nível médio e modelos mais sofisticados. Os fabricantes norte-americanos já procuram novos parceiros comerciais, pois os custos de fabricação em Taiwan estão ficando elevados e a demanda estava esticando cada vez mais os prazos de entrega. A necessidade de um centro produtor próximo acabou apontando o México, que fica a poucas horas de avião das grandes fábricas, alguns fabricantes já aderiram a esta nova nacionalidade da bicicleta. Na América do Sul, ainda não se viu um movimento para conter o avanço asiático, mas o Brasil e a Argentina tiveram grandes fábricas. Além disso, nos outros países do continente a bicicleta já faz parte da cultura. Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.11 Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA No Brasil, as fábricas de bicicletas voltam a ocupar lugar de destaque entre as maiores do mundo, assunto de que trataremos no item sobre a introdução da bicicleta no Brasil. No século XX, a bicicleta sofreu inovações tecnológicas significativas nos seus subsistemas. O assunto passou a ser do interesse de várias publicações na área dos esportes, resultando em aumento do interesse pelas pessoas em possuir uma, seja para lazer, transporte ou prática de esporte. Listamos, a seguir, algumas das inovações tecnológicas que foram tema de matéria especial na Super interessante (1990:v.4): A empresa americana Specialized Bicicly Components criou uma nova roda com três aros grossos (Figura 2.16), feitos de material especial, mais leve e resistente, composto de uma mistura de fibras de carbono, resina epoxi, Kevlar e alumínio. [...] sua aerodinâmica perfeita representa uma valiosa economia de 10 minutos numa corrida de 160 quilômetros. Figura 2.16 – Rodas com três raios e materiais muito mais leves. Fonte: Super interessante (1990:v.4:21). [...] guidão scott: ciclista Boone Lennon, (Figura 2.17) [...] descobriu [...] que os esquiadores conseguiam um avanço maior quando diminuíam sua largura, e não a altura, como se pensava até então. [...] ao jogar os braços para frente e apoiar os cotovelos, os ciclistas, Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.12 Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA imitando os esquiadores, diminuem sua largura sobre a bicicleta em importantes oito centímetros. A altura [...] baixa 15 centímetros. [...] o esportista adota uma posição mais relaxada, [...] com esse guidão, se apóia também nos cotovelos. Reduzir [...] o peso cerca de 12 quilos numa bicicleta comum de dez marchas para 8 num modelo especial de competição. Figura 2.17 – Guidão scott. Fonte: Super interessante (1990:v.4:21) [...] Phil Anderson competiu com Le Mond sobre quadro feito de uma liga com 91% de magnésio fundido, que ‘bate’ no alumínio, [...] em leveza, resistência e custo. [...] o alumínio demonstrou ser bastante frágil, [...] não agüenta solda, precisa ser rosqueado e colado num processo delicado. [...] os quadros tendem a se dobrar mais, quebrando-se também com a maior facilidade. [...] o quadro de magnésio, embora igualmente frágil, é mais resistente devido ao seu processo de construção. [...] os engenheiros fizeram tubos mais grossos, [...] o que dispensa as pesadas juntas, [...] Os tradicionais tubos de aço, [...] surgiram no começo do século [...] desde a década de 30, misturam-se a novos componentes metálicos: molibdênio, manganês e cromo. [...] um dos sistemas que mais tem evoluído é o mecanismo de transmissão de marchas. [...] todo sistema evoluiu bastante a partir de 1990. [...] bicicletas para todo terreno (ATB), [...] quadros mais robustos, pneus mais largos e principalmente um número maior de marchas, [...] mudadas com suavidade e precisão. O moderno sistema de marchas descarrilhante, criado pelo ciclista italiano Tulio Campagnolo em 1930 [...] consiste em um braço na roda traseira, que move a corrente sobre um conjunto de até sete rodas dentadas de tamanhos diferentes, variando assim a intensidade da força transmitida à roda. Outro braço perto do pedal move a corrente Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.13 Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA sobre duas ou três rodas dentadas mais largas, duplicando o número de marchas possíveis para 14 ou 21. O avanço definitivo [...] veio em 1986, [...] a fábrica japonesa criou para as ATBs o sistema indexado, que substitui o descarrilamento contínuo por pequenos saltos precisos. [...] funciona com dentes menores (Figura 2.18), que atuam como ponto de entrada para a passagem da corrente. [...] foi adotado para as rodas passarem a ser ovais e os dentes localizam-se nos pontos onde a pressão do pedalar é maior. [...] a precisão alcançada permite espremer até oito rodas dentadas no eixo traseiro. A novidade: manopla de freio que também controla a mudança de marchas, até agora disponível só para as grandes equipes, permitindo ao ciclista realizar as duas operações sem tirar o apoio do guidão. A nova manopla é conectada também a um novo sistema de freios. Em vez de um, dois braços de borracha reduzem o giro das rodas, com uma intensidade 30% maior. Cabos hidráulicos reduzem seu acionamento e a parada da bicicleta, [...] Os pedais, como o sistema de marchas, também mudaram radicalmente nos últimos cinco anos. Cada pedalada tem sua eficiência duplicada quando se prende os pés aos pedais, [...] deste modo se aproveita também o movimento dos pés para cima (Figura 2.19). Tal pedal é uma medida perigosa, porque não se consegue soltar os pés com rapidez em caso de acidente [...] em 1985 o engenheiro francês Michael Beyl da companhia Look, [...] criou um pedal que se encaixa numa plataforma fixada numa sola de sapato especial. Um movimento lateral do pé o solta do pedal, [...] Recentemente, Beyl aperfeiçoou o invento, de forma a permitir um leve giro dos pés, sem soltá-los dos pedais. [...] vantagem do pedal Time; esse giro reduz o risco lesões nos tendões do joelho. O invento foi superado em 1988 pelo pedal da empresa Americana Aerilote, [...] eixo cilíndrico que se conecta ao sapato por uma série de dentes. Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.14 Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA Figura 2.18 – Mudança automática de marchas por dentes menores. Fonte: Super interessante (1990:v.4:21). Figura 2.19 – Pedais mais seguros com encaixe para os sapatos. Fonte: Super interessante (1990:v.4:21). Figura 2.20 – Quadro monobloco mais leve e resistente. Fonte: Super interessante (1990:v.4:21). Figura 2.22 – Cabos embutidos para evitar atrito com o ar. Fonte: Super interessante (1990:v.4:21). Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 Figura 2.21 – Tubos em forma aerodinâmica. Fonte: Super interessante (1990:v.4:21). Figura 2.23 – Garfos flexíveis para esforços maiores. Fonte: Super interessante (1990:v.4:21). 2.15 Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA Figura 2.24 – Eixos reforçados nos pontos de grande peso. Fonte: Super interessante (1990:v.4:21). Figura 2.25 – Freios com dois braços de borracha 30% mais eficientes. Fonte: Super interessante (1990:v.4:21). 2.2 A introdução da bicicleta no Brasil Não foi localizada, do ponto de vista acadêmico, nenhuma publicação sobre a chegada da bicicleta no Brasil. Os dados encontrados foram do historiador Valter Busto que, através de exaustiva pesquisa, conseguiu coletar registros sobre este fato. Valter Busto, durante um período de três anos, publicou suas pesquisas a este respeito na revista nacional Bici Esporte, especializada em ciclismo, dados que tomamos como referência para a elaboração deste capítulo, tendo em vista que seus relatos foram confirmados por muitas pessoas envolvidas com o ciclismo desde a sua chegada ao Brasil, as quais entrevistamos. Segundo Busto (1989a, v. 15:53), a bicicleta chega ao Brasil no século XIX através das famílias mais abastardas, tendo em vista seu elevado custo para importação. Uma das primeiras bicicletas trazidas para São Paulo foi a do jovem Fortunato de Camargo e se tratava de uma bicicleta procedente da Europa, ativamente freqüentada pela alta sociedade paulista. Dona Veridiana da Silva Prado constrói a primeira praça de esportes ao ar livre do País, constando campo de futebol e de velódromo, em uma área de sua chácara na Consolação, que hoje é a Praça Roosevelt. Foram dois velódromos construídos, o primeiro construído em terra batida, e o segundo utilizando concreto (pista) e madeira (arquibancada), segundo projeto do arquiteto italiano Thomáz Gaudêncio Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.16 Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA Bezzi. Sua pista, em tamanho oficial, obedecia aos padrões europeus e era assentada em concreto armado, tornando-se, dessa forma, Dona Veridiana, um nome muito importante para o ciclismo no Brasil. O pedido para construção do velódromo foi encaminhado ao Presidente da Comarca de São Paulo, Dr. Pedro Vicente de Azevedo, em 15 de fevereiro de 1895. Outro importante documento é o requerimento feito pelo empreiteiro Pedro Macaggi, em 1º de março de 1896, para a construção da arquibancada do velódromo, projetada pelo arquiteto italiano Thomáz Gaudêncio Bezzi, também autor do projeto do Museu do Ipiranga. Busto relata que outro dado altamente relevante foi a fundação do “Veloce Club Olímpico Paulista”, que teve como fundadores: Edgar da Conceição Nogueira, Pedro Luiz Pereira de Souza Jr., entre outros. O ciclismo, a partir desses acontecimentos, ganha muitos adeptos que passam a se dedicar à prática deste esporte. Já em 1896, Prado Jr., ciclista brasileiro, do qual se desconhece nome completo, bate recorde sul-americano dos 1.100m, tornando-se o primeiro recordista brasileiro em provas de ciclismo. Além do seleto grupo que fundou o Veloce Club, participavam das competições alguns imigrantes europeus (italianos, ingleses e alemães). Em 29 de dezembro de 1900, um grupo liderado por Prado Jr. resolve criar um clube visando a recreação e a prática de esportes e, para tal, alugam o velódromo de D. Veridiana Prado, fundando assim o Clube Athlético Paulistano. Em 20 de outubro de 1896, o Sr. José Noschese construiu o seu circo de velocípedes. Após dez meses de fundação, o velódromo passou por uma profunda reforma em suas instalações. Em 1915, o velódromo desapareceu, através de um ato de desapropriação, para possibilitar a abertura da Rua Nestor Pestana. Após um período de crise, desânimo e garra de alguns poucos, foi adquirida uma área de 23.000 m² entre as Ruas Colômbia, Honduras e Estados Unidos, onde o clube está localizado até hoje. Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.17 Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA Busto (1989b, v 16:59) diz que, apesar da Segunda Guerra Mundial que perfurava o solo com toneladas de bombas, as bicicletas continuaram atuando sempre no anonimato e nunca pedindo ou cobrando nada. Tanto na Europa como nos Estados Unidos, durante a Primeira e Segunda Guerra, as bicicletas foram usadas por vários motivos: o automóvel ainda era um meio de locomoção pessoal muito caro, apesar da produção em série. Em 1929, as bicicletas, então muito populares nessas duas partes do mundo, deslocavam as massas trabalhadoras e possuíam uma função quase “vital” em nível de sobrevivência, ou seja, ela levava e trazia o indivíduo ao seu local de trabalho, ia às compras ou chamava o médico em caso de emergência. Já em termos de Brasil, a situação aconteceu de maneira inversa: a massa trabalhadora utilizava-se principalmente do bonde, pois não se tinha uma indústria nacional voltada para a produção de bicicleta. Havia alguns poucos fabricantes, como Miguel Chiara, Caloi e Dimas X Félix Pneus, porém o processo era quase todo artesanal, utilizando máquinas e ferramentas adaptadas. Faziam-se quadros, selins, aros, pára-lamas etc., sendo que os materiais deslizantes e de tração eram importados, a exemplo dos cubos, eixos, correntes e catracas etc. e, com isto, o seu custo ainda continuava alto. O processo decorrente da crise de 1929 atrasou bastante a implantação de uma indústria voltada para a produção de bicicletas. Mas terminada a Segunda Guerra Mundial, a bicicleta realmente aconteceu no Brasil, tornando-se popular e mais acessível a todos. De acordo com as pesquisas de Busto (1989c, v. 17:59), o período pós-guerra significou uma grande abertura no âmbito político, assinalando o fim do “Estado Novo” que durou de 1937 até 1945. Houve muita importação, principalmente os bens de produção e foi nesse contexto que a bicicleta chegou ao Brasil com mais força, principalmente as européias. Já havia alguns importadores em São Paulo, a exemplo de B. Herzog, Casa Luis Caloi, Mappin Stores e Cassio Muniz. As bicicletas mais conhecidas eram: Bianchi, Lanhagno, Peugeout, Dupkopp, Phillips, Hercule, Raleigh, Prosdócimo, Singer e Monark, entre outras. Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.18 Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA Nesse período, as bicicletas assumiram um papel importantíssimo no cotidiano brasileiro à medida que deslocavam a “massa trabalhadora”, empenhada na produção. Outro benefício da abertura econômica foi o nosso processo de industrialização, iniciado no final da década de 40, cujo apogeu veio na virada dos anos 60. O ano de 1948 foi muito importante para a história do ciclismo no Brasil por dois motivos, em primeiro lugar, no dia 1º de abril, a Monark iniciou as suas atividades no País, montando bicicletas importadas da Suécia, vindo a produzi-las a partir dos anos 50; em segundo na data de 10 de abril, a Caloi Indústria e Comércio procedeu ao requerimento de seu registro para abertura de firma. Além destes fabricantes, havia pequenos produtores como NB, Herpe, Role, Partavium, IRCA, entre outros, sendo que o último foi o resultado de uma cisão da dupla José Henrique com Guido Caloi. A IRCA (Irmãos Caloi) produziu durante anos e desapareceu do mercado. Estes pequenos produtores montavam suas bicicletas com material nacional como os quadros, pára-lamas, selins etc. e importavam os eixos, cubos, catracas e correntes. Porém a embrionária indústria nacional não conseguia competir com as bicicletas importadas em termos de preço e qualidade. Em 1949, foi feita uma alteração na administração da Monark, sendo adotada a razão social “Fábrica de Bicicletas Monark SA”. A fábrica, instalada no bairro do Ipiranga, montava princicpalmente bicicletas de modelo masculino. Em seguida, vieram as bicicletas “para senhoras”. Além das bicicletas Monark, a fábrica montava bicicletas com as marcas Erlan, Centrum, Marathon e Luxor. Estas excelentes bicicletas eram, na sua grande maioria suecas, com componentes feitos em aço inoxidável (raios e estirantes de pára-lama), alumínio (cobre-corrente) e até madeira (manoplas do guidão). Um detalhe era que os freios marcantes eram do tipo contrapedal, da marca “Torpedo” (alemã) ou “Perry” (inglesa) - (BUSTO, v. 21, 1990b:58). A Caloi, segundo Busto (1990c, v. 23:59), era um imenso aglomerado de encabeçados pela Bicicletas Caloi S/A, seguida pelas empresas: Indústria e Comércio Ducor Ltda (produzindo: pedais, bombas de ar, selins e descanso lateral); Caloi Norte S/A (linha de ciclomotores); Mecânica Cairu (peças e acessórios diversos para bicicletas e Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.19 Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA ciclomotores), Novociclo de Propaganda; Metalúrgica Estampotécnica Ltda. (sociedade por quotas) que produzia componentes plásticos para os seus produtos; BRB da Amazônia (produção de motores a explosão) e a BCAL Comercial Ltda, hoje produzindo toda a “griffe” que leva o nome Caloi. Em 1932, a Caloi introduziu o sistema de vendas para bicicletas através de crediário. Em 1933, teve início a mais importante prova do Ciclismo brasileiro, com a edição da 19 de Julho, idealizada pelo jornalista Casper Líbero. Neste mesmo ano, a Casa Luis Caloi passou a dar o seu apoio ao ciclismo através de sua equipe, Brasil Esporte Clube, que permaneceu até a década de 50, quando passou a chamar-se Caloi Esporte Clube. No período de 1935 até 1948, os negócios da família Caloi expandiram-se rapidamente. E, em 1936, a Casa Luis Caloi assumiu a representação de mais duas marcas: a Peugeot francesa e a Steel Horse da Inglaterra. Com a dificuldade de importação trazida pela Segunda Guerra, a Caloi passa a produzir as suas próprias peças e em 1945, a empresa foi para uma grande área no bairro do Brooklin, São Paulo, onde produzia diversos componentes tais como: quadros, cubos, eixos, guidões, paralamas, aros, pedais, selins e garfos. Os nípeis, correntes e catracas foram importados até a década de 60, pois o material importado era mais barato e possuía uma boa qualidade. A década de 50 foi marcada pelo lançamento da Linha “Fiorentina”, nos modelos para adulto e crianças que permaneceu até os anos 60, quando surgiram os modelos dobráveis e as berlinetas. O Governo baixa em 9 de outubro de 1953, uma Instrução Normativa ordinária de número 70, oriunda da Superintendência da Moeda e Crédito, que encarecia e taxava os bens de produção e a bicicleta não escapou à taxação, passando a entrar em menor quantidade. Das milhares de bicicletas importadas entre 1946 e 1958, as inglesas foram as que mais entraram, a exemplo da Phillips, Hercule, Raileigh e Rudge. Porém, mesmo assim, o Brasil não deixou de importar bicicletas, mas em número bem Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.20 Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA menor. O carro passa a ser acessível, pois a gasolina fica barata, então, a bicicleta fica esquecida. Em seus estudos, Busto (1989e, v. 19:61) afirma que uma das melhores bicicletas já produzidas no Brasil foi a da marca Hélbia. Tal marca fora de propriedade do senhor Hélio Bianchini, que, durante os anos 30, iniciou uma pequena casa de importação. Nessa época, as bicicletas de marca Phillips e Hercule assumiram a liderança nas importações do seu estabelecimento, pois não davam qualquer problema e também pela facilidade de montagem. Na década de 50, o governo federal, visando fortalecer a indústria nacional, aplicou um corte drástico nas quotas de importações dos bens de consumo, atingindo também as bicicletas. Nesse período, o Sr. Bianchini possuía um conceituado nome na praça, e assim começou a produzir as bicicletas Hélbia, fabricava seus quadros e garfos mediante um desenho e padrão próprios, e utilizava tubos produzidos pela Pérsico Pizzamiglio, entre outros. Os pára-lamas eram fornecidos por Miguel Chiara e Irmão, selins confeccionados em couro procedencentes de Curitiba, da “Knauer” de Guilherme Knauer; o movimento central completo era produzido pelo Sr. Putra, russo; os cubos, nípeis, raios e chavetas, a princípio, eram importados. Alguns cubos eram adquiridos junto à Mecânica Cairu. Outro dado relevante na história da Hélbia diz respeito ao lançamento de uma bicicleta que levaria o nome “Bianchini”, que veio a ser feita de fato somente em meados da década de 50. Em 1950, a Monark iniciou a fabricação de algumas peças mais simples, como páralamas e bagageiros, fato que levou a empresa a alugar uma área no bairro da Móoca, onde foram instalados os seus escritórios e a linha de montagem. No bairro do Ipiranga, ficava o setor de galvanoplastia e tratamento de material, onde a empresa detinha todas as fases e processos. A Monark colocava-se no mercado com muito arrojo e dinamismo. Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.21 Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA O início dos anos 60 trouxe muita instabilidade ao País devido à inflação alta, às crises sucessivas de âmbito político e social, que levaram à Revolução de 1964, daí que, em dezembro de 1965, a Hélbia foi vendida aos próprios funcionários e, depois desta, outras tantas desapareceram do mercado, devido a um processo degenerativo, que assolou o parque industrial nos anos seguintes. Em 1962, a empresa teve nova alteração em sua razão social, mudando para “Bicicletas Monark SA”, razão que mantém até hoje. Lança, em 1966, a Monareta Dobramatic, que viria a ser superada somente pela “Barra Circular” em 1978, com o lançamento da linha BMX visando o público infanto-juvenil. Na década de 70, acontece o lançamento da linha esportiva de bicicletas dotadas de câmbio de 10 marchas, aro 27, como a “Positron 10”. Ainda na década de 70, a Caloi experimentou os mais altos níveis de crescimento iniciando a exportação para o mercado internacional. Em 1972, lança a “Caloi 10”, a primeira bicicleta dotada de câmbio no Brasil. Também foi a década da Barra Forte. No ano de 1975, foi a vez da Mobilette, o ciclomotor da Caloi. Em 1978, acontece o lançamento da linha de bicicletas para cross, que ditou uma tendência nas linhas infantis e infanto-juvenis, e, em 1979, há o lançamento da “Ceci”. Os novos modelos – cruiser, caloisinho, ventura e Mountain Bike – vem posteriormente, sendo este último o grande sucesso da Caloi para os anos 90, com os novíssimos modelos da linha Ranger, dotados de câmbio Shimano S.I.S, acionados pelo sistema “soft-touch”. O mercado de bicicletas volta a crescer no Brasil, surgindo a Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares – ABRACICLO, em 1976, que, segundo seu Presidente, Paulo Takeuchi (apud MANO, 2005:1), tem entre seus objetivos: desenvolver atividades dedicadas às bicicletas (ciclovias, ciclofaixas, bicicleteiros etc.); incentivar o uso da bicicleta como meio de transporte; participar do programa Bicicleta Brasil, dirigido a estimular o uso da bicicleta; participar do grupo de trabalhos sobre bicicletas dentro da ANTPAssociação Nacional dos Transportes Públicos; participar ativamente em ações que visem segurança ao conduzir que são realizadas junto aos departamentos de trânsito Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.22 Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA de todo o Brasil e participar ativamente das discussões para o estabelecimento do novo PPB (Processo Produtivo Básico), para bicicletas e motociclos. Essa associação considera importante sua atuação tendo em vista que, no ano 2004, o Brasil conquistou no mundo a terceira colocação como pólo produtor de bicicletas e detém o quinto lugar como o maior mercado consumidor de bicicletas, de acordo com Takeuchi (apud MANO, 2005:1). O crescimento da indústria de bicicletas é muito grande. Em 1990, a Caloi inaugurou uma subsidiária nos Estados Unidos – a Caloi Inc. localizada em Jacksonville, na Flórida. A Caloi começou a comercializar bicicletas no mercado americano, em 1997, e expandiu seus negócios, entrando no segmento de Home Fitness. Lançou também uma linha de equipamentos de ginástica com esteiras e bicicletas ergométricas e, em 2004, inaugurou sua nova sede em uma região nobre da cidade de São Paulo. Esta renovação na estrutura, somada à mudança de gestão, marca ainda mais a nova era da empresa. (CALOI, 2005) Por sua vez, a Monark, de importadora e montadora, passou também a ser fabricante de bicicletas. Foi adquirindo novas áreas, modernizou as instalações, trouxe uma maior tecnologia às suas linhas de produção e aperfeiçoou seus recursos humanos (MONARK, 2005). Nesse cenário, surge em 1998, a indústria de bicicletas Companhia Brasileira de Bicicletas (CBB), cujo nome fantasia é Sundown, com uma linha completa de bicicletas para consumidores de todas as idades. Os modelos de produtos vão da linha infantil à de adulto, específicos para a prática de esportes como Mountain Bike e uma nova linha de bicicletas TOP, voltadas para o público especializado de bicicleta. Com 600 funcionários e um parque fabril totalizando 54 mil metros quadrados, que abriga duas fábricas, a CBB foi uma das primeiras indústrias a receber a Certificação de Qualidade ISO 9001/2000, a versão mais moderna do certificado de qualidade ISO (SUPERO, 2005). Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.23 Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA Além do crescimento das indústrias, ressurgem as associações e os clubes de ciclistas, que podem ser profissionais ou apenas grupos de apreciadores desta atividade que gostam de pedalar. De acordo com pesquisa realizada pela Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes (GEIPOT) em 2001, foi registrada a existência de 18 associações nas cidades brasileiras, que foram criadas com os objetivos de: conscientizar a população de que a bicicleta é um veículo; esclarecer o ciclista quanto aos seus direitos e deveres; esclarecer o motorista quanto aos seus deveres em relação ao ciclista; conscientizar as autoridades quanto à necessidade de adotar medidas que protejam os ciclistas; obter espaços seguros para circulação de bicicletas; inserir a bicicleta nas discussões das diretrizes de trânsito como alternativa viável para solução de problemas relativos aos deslocamentos urbanos; alertar para melhoria geral da qualidade de vida pela adoção de um meio de transporte urbano rápido, barato, silencioso, não poluente, econômico, saudável, acessível e discreto. 2.3 A bicicleta no contexto urbano brasileiro O Brasil não é um país que se preocupe com o pedestre e também com ciclista, exemplo disso é que não há campanhas voltadas para a educação, tanto do motorista como de pedestres, e nem tampouco para ciclistas. O motorista não respeita o pedestre nem o ciclista, estes, por sua vez, também não obedecem às regras e colocam suas vidas em risco. Em relação ao ciclista, o problema é ainda maior, pois como se sabe são poucas as cidades que possuem ciclovias. Como já foi relatado neste trabalho, a chegada da bicicleta no Brasil data do século XIX, tempo bastante para que se tivesse desenvolvido um ambiente urbano que propiciasse a utilização desse veículo. Considere-se inclusive que, de acordo com dados da ABRACILCO (2005), o Brasil conta com uma frota de 60 milhões de bicicletas. Mesmo assim, a educação para o trânsito não aborda a bicicleta como meio de transporte na maioria das cidades brasileiras. A exceção é a Região Sul que, de acordo com Silva (1992:22), apesar de quantitativamente não apresentar a maior frota do País, qualitativamente, por questões de influência dos imigrantes estrangeiros que colonizaram a região, ela Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.24 Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA apresenta as experiências mais notáveis para o estímulo ao uso da bicicleta: pistas exclusivas, bicicletários, sanitários, oficinas, borracheiros e sistema de integração com ônibus. De acordo com pesquisa realizada pela Empresa Brasileira de Transportes – GEIPOT são muitos os municípios que já realizaram estudos cicloviários no passado, mas também muitos são aqueles que, tendo estudos e projetos concluídos, pouco fizeram para implantar as propostas elaboradas e dar continuidade à expansão de suas malhas cicloviárias: até1999, existiam 24 cidades com ciclovias e 17 em andamento conforme aparece na Quadro 2.1 (GEIPOT, 2001:41). Esse estudo mostra que na década de 80, muitas cidades realizaram planos diretores, estudos e projetos voltados para a melhoria das condições de circulação e segurança de ciclistas e de suas bicicletas. À frente de muitos desses projetos, estava o GEIPOT, que incorporou estas preocupações nos Estudos de Transportes Urbanos em Cidades de Porte Médio (ETURB-CPM). Em cidades mineiras, como Governador Valadares, Ipatinga, Timóteo, Itajubá e Patos de Minas, os estudos voltaram-se para projetos de rede cicloviária, de bicicletários e recomendações diversas para favorecer o uso da bicicleta. Outros municípios também elaboraram estudos, com destaque para as cidades de Arapongas, Joinville, Várzea Grande, Volta Redonda e Teresina. Apesar desse procedimento do Ministério dos Transportes, depois de meados da década de 80, as iniciativas estancaram e muito pouco se fez em favor desta modalidade de transporte no País até meados dos anos 90. Após 1992, as cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo buscaram melhorar suas infra-estruturas em prol das bicicletas, tentando acompanhar os passos de Curitiba e Governador Valadares, que já detinham mais de 30 km de vias implantadas. Enquanto São Paulo fazia opção por projetos em parques da cidade, o Rio de Janeiro desenvolvia projetos em dois campos distintos: atendimento da demanda por construção de ciclovias de lazer e implantação de vias cicláveis em bairros operários da zona norte do município. Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.25 Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA No Brasil, a bicicleta apresenta diferentes graus de utilização, tanto nas áreas urbanas, quanto nas rurais. Em ambas as áreas, as bicicletas leves são usadas como instrumento de lazer e como meio de transporte. Silva (1992:16) ressalta que, por conta dos freqüentes acidentes com veículos, a imprensa escrita, por um tempo, divulga a necessidade de se criar programas de educação de trânsito, para serem aplicados nas escolas e para o público, em geral, através da imprensa escrita e falada. Quadro 2.1 – Planejamento Cicloviário – Existência de estudos e planos cicloviários Sim – 24 cidades Rio de Janeiro: em 1993, Capítulo 3 – da Política de Transportes - do Plano Diretor da Cidade; Em 1993/94, Ciclovias Cariocas – SMMA; Em 1996, Sinalização Cicloviária Vertical e Horizontal. Volta Redonda: Plano Diretor Cicloviário – janeiro/1980. São Paulo: Projeto Ciclista – Implantação de Ciclovias em Parques da Cidade – início: junho/94. Cubatão: Manual do Ciclista (sem data). Guarujá: Organização do Fluxo de Ciclistas na Estação de Barcas do Guarujá. Peruíbe: Plano Cicloviário Municipal – Capítulo do Plano Diretor. Ribeirão Preto: Plano Cicloviário com 132,6km de ciclovias – 1994. Rio Claro: Relatório das Placas de Sinalização da Ciclovia – 1998. Santos: Relatórios Trimestrais de Acidentes com Bicicletas; Projeto Piloto para Educação no Trânsito. Arapongas: Plano para Implantação de Rede Cicloviária, com 14km de extensão. Inclui pesquisa de O/D, análise de linhas de desejo etc. (Realizado em 1994 – pouco usado pela prefeitura). Maringá: Estudo para Malha Cicloviária Interligando Municípios Vizinhos – Secretaria de Transporte Municipal - 1991. Florianópolis: Plano de Desenvolvimento da Planície Entremares; Plano de Urbanização do Santinho; Estudos de fechamento do canal da Av. Hercílio Luz. Blumenau: Sistema Cicloviário/1990 – 14km de ciclovias; Sistema Cicloviário/91 - 23km; Sistema Cicloviário Global - 96km (1a etapa: 33km de ciclovias). Natal: Termo de Referência para Formulação de Políticas e Implantação do Plano Cicloviário – elaborado pelo ITC-94; Estudos para Construção de Ciclovias – elaborado pela STTU. João Pessoa: Estudo Desenvolvido pelo GEIPOT/EBTU – década de 80. Recife: Projeto Beira-Rio que consta do Plano Diretor; Relatório “Recife Pólo Ciclístico” – 1993; Projeto Cura Boa Viagem, inclui ciclovias em 4 ruas. Maceió: Estudo realizado pelo GEIPOT, em 1977. Teresina: Pesquisa Domiciliar (O/D) realizada pela Fundação Cristiano Otoni (UFMG), que constatou que 11% das viagens são realizadas por bicicleta (1999). Betim: Item “ciclovias” no capítulo do sistema viário do Plano Diretor da Cidade - 1998. Govenador Valadares: ETURB/CPM/MG – Capítulo Bicicletas – 1985. Ipatinga: Estudo Cicloviário Elaborado pelo GEIPOT, década de 80. Juiz de Fora: Capítulo VI do Plano Diretor – Viabilidade de Implantação de Ciclovias no Município. Patos de Minas: Capítulo Diagnóstico e Diretrizes do Plano Diretor do Município – 1990. Belém: Ciclovia da PA -400, elaborado pelo GEIPOT em 1979, dentro do TRANSCOL. Em andamento – 17 cidades Rio de Janeiro: Pesquisa de Demanda de Bicicleta nas Barcas. Duque de Caxias: Estudo, em parceria com ACIMDCX,FECIRJ e SMEL, para elaboração de projeto e construção de uma ciclovia em cada Distrito do município, além de algumas ciclofaixas. Cubatão: Parque do Porto Geral do Cubatão. Guarujá: Sinalização Viária para Ciclistas em Enseada e Pitangueiras. Santos: Programa Cicloviário. Curitiba: Plano de Expansão da Rede Cicloviária; Implantação de Bicicletários junto aos Terminais de Transporte Coletivo. Porto Alegre: Termo de Referência para Contratação de Plano Diretor Cicloviário. São Leopoldo: Plano Diretor Cicloviário. Brusque: Sistema Cicloviário no Plano Diretor do Município. Joinville: Plano Cicloviário. Fortaleza: Plano de Circulação de Transporte, incluindo ciclovias. Maracanaú: Implantação de Ciclovias, prevista no Plano Diretor. Mossoró: Estudo para Implantação de Ciclovias. Campina Grande: Ciclofaixa na Av. Almeida Barreto. Recife: Plano Diretor de Circulação, levando em conta a bicicleta. Betim: Estudos e Projetos de Ciclofaixas e Ciclovias nas Regiões Norte e Centro. Ipatinga: Estudo para Implantação e Regulamentação do Uso da Bicicleta no Município. Atualmente todos os projetos viários na cidade deverão levar em consideração os pedestres e as bicicletas. Fonte: GEIPOT/Finatec 1999 (2001:41) Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.26 Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA À medida que foi crescendo o número de usuários de bicicletas, ampliaram-se as irregularidades de uso. As exigências de licenciamento e condições de uso da bicicleta já faziam parte do Código Nacional de Trânsito - CNT, instituído pela lei nº 5108, de 21 de setembro de 1966. Com a adoção de diretrizes da Convenção de Viena, a obrigatoriedade passou a vigorar apenas para bicicletas com motor de 50 cilindradas, enquanto, para as bicicletas simples, o licenciamento passou a ser opcional. Em decorrência desta opcionalidade, o licenciamento foi caindo em completo desuso pelos Departamentos Estaduais de Trânsito apesar de continuar explicito no último Código Nacional de Transito instituído pela Lei nº .9.503 de 23 de setembro de 1997. A não obrigatoriedade de licenciamento das bicicletas levou à criação do que Silva (1992:17), denominou de estágio de ostracismo das bicicletas. Este estágio incentivou, ainda mais, o uso dos veículos em condições inadequadas, acarretando, assim, conseqüências negativas tanto para os usuários, quanto para o trânsito das cidades. Para os usuários, as principais perdas foram expressas por: a) suspensão do imposto anual de licenciamento, que era acompanhado de vistorias das condições mínimas de segurança do veículo (Código Nacional de Trânsito, 1966), tal suspensão acarretou no relaxamento do uso de equipamentos de segurança e inerente risco de vida; e b) cessão do seu espaço de circulação, nas vias urbanas, acelerada pelo predomínio dos outros meios de transporte. Por outro lado, a eliminação da licença pode até ter representado, para os ciclistas, a economia de um imposto, porém teve como preço um tratamento ostracista, ou seja, a bicicleta passou a não ser considerada nas atividades de planejamento e fiscalização dos órgãos de Trânsito. Para o trânsito da cidade as perdas ficaram por conta de: 1) incentivos a meios de transporte com maiores níveis de poluição, em detrimento de um não poluente; 2) criação de infra-estruturas viárias com maiores áreas de circulação, em prejuízo das bicicletas que requerem pouco espaço; e 3) não aproveitamento da topografia plana [...].(SILVA, 1992:17) Algumas iniciativas surgiram, paralelamente, a algumas outras, isoladas, de implementação de ciclovias em cidades brasileiras. As crises da alta internacional do Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.27 Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA petróleo, em 1977 e 1980 (DOURADO apud SILVA, 1992:19), correspondem ao período de maior implementação da política das bicicletas leves. Um exemplo de iniciativa foram os estudos da GEIPOT expressos pelo trabalho: Planejamento Cicloviário: Uma política para as bicicletas, de 1976, que representou instrumento de uma política urbana. Na década de 80, a Comissão Nacional de Energia do Ministério dos Transportes propôs reformulações, como a transferência dos usuários do automóvel privado para ônibus (GEIPOT, 2001), e para desafogar o trânsito urbano, o Governo Federal chegou a realizar financiamentos para a compra de bicicletas para a população, tal medida repercutiu, de modo marcante, na produção destes veículos. Nesse período, surgem diversos programas para implementar a economia de combustíveis, a exemplo dos Programas de Transportes Alternativos para Economia de Combustíveis – PTAEC. Esse programa contemplou bicicletas, recomendando medidas de estímulo às bicicletas, aos ciclomotores, às ciclovias e estacionamentos para tais veículos (GEIPOT, 2001), como mencionado anteriormente e apresentado na Quadro 2.1. A GEIPOT conseguiu ampliar sua estrutura de escritórios e técnicos de Brasília, para diversos Estados brasileiros, que apoiaram administrações estaduais e municipais. Mas, de acordo com Silva (1992: 19), apesar da política de bicicletas criar um conjunto de objetivos que determinaram um programa de ação governamental e condicionaram a sua execução, esta não conseguiu sobreviver ao poderio dos interesses privados e às descontinuidade dos Governos federais. Mesmo com as perdas sofridas, os incentivos às bicicletas tiveram efeitos mais palpáveis no desenvolvimento de uma qualificação profissional, e, de modo menos marcante, para os usuários. Tal afirmação pode ser feita, tendo em vista estudos e projetos realizados. Apesar de se ter vencido parte da inércia técnica, ainda não se chegou a sensibilizar a “cultura do automóvel”, pois, comparando-se aos incentivos dados ao Pró-álcool, estes foram mais intensos. Assim, mais uma vez, deu-se o favorecimento ao automóvel. Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.28 Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA Com a crise da Guerra do Golfo Pérsico em 1991, o Governo brasileiro volta a lançar mão do racionamento de combustíveis por fontes alternativas de energia. Então diante da crise, mais uma vez sugere-se que a população utilize a bicicleta. Tal iniciativa, no entanto, não vinga, e a conseqüência é que continuamos ainda hoje sem nenhum programa de incentivo. Os que insistem em utilizar a bicicleta como veículo continuam correndo grande risco de acidentes. As informações sobre os estudos e projetos das cidades ou locais nem sempre traduzem a completa implementação destes. A bicicleta encontra-se presente em cerca de, aproximadamente, quatro mil municípios brasileiros (Ary apud SILVA, 1992:22), e tais registros representam um número inexpressivo, menos de 1%. E o que é ainda pior, como anteriormente apresentado, só 24 municípios possuem ciclovias e 17, até 1999, estavam com seus projetos em andamento. Apesar de todo o problema da falta de preocupação com este veículo e, nas cidades brasileiras, o transporte urbano ser sinônimo de veículo motorizado, a bicicleta, enquanto veículo não motorizado, vem desempenhando papel de transporte complementar ao sistema formal. Segundo estudos do GEIPOT (2001), raízes históricas indicam a bicicleta, também, como meio de transporte de trabalhadores de áreas industriais, porém as condições de uso impostas aos ciclistas, os transformam em usuários de um transporte informal, ou seja, submetidos à clandestinidade. A bicicleta, como meio de transporte, assume papel de destaque por se situar entre as alternativas mais adequadas às características sócioeconômicas dos brasileiros (GEIPOT, 1965), tanto no meio urbano, quanto no rural. No momento em que atua como meio de transporte, ela participa, tanto nos transportes de carga, quanto nos de passageiros. Em diversas repartições públicas ou privadas, alguns serviços e pequenas entregas, são realizadas com a utilização de bicicletas. Como transporte de passageiros, ela é usada para atender diversas necessidades de deslocamento, principalmente, na condução para o trabalho. Enquanto meio de lazer e esporte, a bicicleta reflete uma utilização espontânea, ao passo que, para o transporte de passageiros, a “espontaneidade” está fortemente dependente Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.29 Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA das estruturas econômicas, sociais, políticas, de fatores culturais e psíquicos. (WRIGHT apud SILVA, 1992:33) Silva (1992:34) levanta algumas características da bicicleta que justificariam a implementação de programas educacionais para o trânsito, assim como a construção de bicicletários e ciclovias por parte do governo e tudo que fosse necessário para que a população tivesse condições de utilizá-la como meio de transporte: Flexibilidade: segundo Bastos (1984), a bicicleta permite uma ampla utilização, cujas restrições são impostas apenas pela infra-estrutura e pela regulamentação do tráfego; Simplicidade: permite tanto às crianças, a partir dos cinco anos, quanto aos adultos o seu uso; Baixo custo: a GEIPOT (1980) afirma que sobre o aspecto econômico, a bicicleta, possui baixo custo de aquisição e manutenção, ao alcance de toda a população brasileira. Tal visão também é compartilhada por Ary, que acrescenta a poupança pela sociedade dos custos com combustíveis, congestionamentos, poluição etc. Oportunidade de condicionamento físico: a sua utilização proporciona uma saudável atividade física. Porém, pelo fato de não termos uma consciência sobre a utilização da bicicleta no meio urbano, existem restrições quanto ao seu uso as quais também são relatadas por Silva (1992:34): Raio de ação limitado: de Acordo com a GEIPOT (1976), a distância ideal varia entre 2 a 3 km, podendo se admitir, 5 a 6 km, no deslocamento casatrabalho; Insegurança: segundo Bastos (1984), o efeito “parede” causado pela circulação de veículos motorizados e a facilidade de roubo das bicicletas, sintetizam os mais graves problemas de segurança para o uso da bicicleta; Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.30 Ergonomia aplicada ao Design de produtos: Um estudo de caso sobre o Design de bicicletas 2 A BICICLETA Vulnerabilidade: reconhecidamente, são grandes as limitações da bicicleta, em proteger seus usuários dos rigores das intempéries. As circunstâncias adequadas para que a bicicleta desempenhe, a contento, o seu papel como meio de transporte urbano, tanto em percursos curtos como longos, necessitam, de acordo com Bianco (apud SILVA, 1992:38), uma estrutura física com um sistema cicloviário. Este pode ser decomposto em formas de circulação: ciclovias, ciclofaixas e circulação partilhada; tratamento dos cruzamentos; sinalizações: horizontal, vertical e de sinaleiras; bicicletários e estacionamentos; programas e atividades educativas, e só a partir da implantação dos componentes citados, em sua totalidade, é que se tem um adequado sistema viário. Além disso, deve atender aos critérios de conforto, que compreendem o tipo de pavimento, a visualização da rota e a uniformidade do movimento e direção. Bastos (apud SILVA:40), “estabelece uma especificação de um revestimento liso, antiderrapante, sem buracos ou lombadas e sem desníveis transversais. [...] tornam-se [...] fundamentais, a sinalização, a iluminação e a boa definição do projeto geométrico, de forma a assegurar ligações lógicas”. Além das características favoráveis já citadas, um programa para a utilização de bicicletas nas vias públicas contribuirá para o equacionamento dos orçamentos das populações de baixa renda, com a conseqüente diminuição das despesas com transporte e o baixo custo de aquisição e manutenção do veículo (SILVA, 1992:38). Em 2001, a GEIPOT publica um diagnóstico sobre o planejamento cicloviário nacional. Este estudo teve como objetivo descrever o atual estado da arte do uso de bicicletas no Brasil, sendo composto de cinco capítulos e três anexos. As informações utilizadas foram obtidas através de questionários, relatórios técnicos, fotografias e relatórios estatísticos sobre os volumes de tráfego de bicicletas e de acidentes, realizados por pesquisadores em visita aos municípios selecionados e mantidos o mais fielmente possível. Com esta iniciativa, a GEIPOT pretendeu contribuir para o processo de implantação de políticas cicloviárias no Brasil, pois dispõe de soluções adequadas à realidade nacional, mas até o momento não se tem notícias de que este material esteja sendo utilizado para desenvolver algum programa. Suzi Mariño Pequini FAU-USP/2005 2.31