Medidas da Eficiência do Ensaio SPT em Areia Através de Provas de Carga Estática no Amostrador Padrão (PCESPT) Yuri D. J. Costa Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, [email protected] João P. da S. Costa Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, [email protected] Avelino L. da Silva Jr. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, [email protected] RESUMO: O presente artigo trata da determinação da eficiência de sondagens a percussão do tipo SPT através de provas de carga estática executadas no amostrador do ensaio (PCESPT). Foram realizadas três provas de carga em dois conjuntos distintos de equipamentos de sondagem SPT, totalizando seis ensaios. Um dos conjuntos possuía sistema de acionamento do martelo do tipo cathead e o outro, manual. Cinco provas de carga foram efetuadas com carga mantida constante e uma prova de carga foi executada com taxa de penetração constante (CRP). Os ensaios foram conduzidos em profundidades variando de 2 a 5 m, em um depósito de areia fina, uniforme. Os resultados revelaram ausência quase completa de recuperação elástica dos deslocamentos do amostrador após o descarregamento. Isso significa que praticamente toda a energia de deformação transformou-se em trabalho de forças não conservativas. A eficiência do sistema no topo do amostrador foi determinada através do trabalho realizado pelas forças não conservativas nas provas de carga estática, medido a partir da curva carga-recalque do ensaio. Foram medidas eficiências entre 72% e 89% da energia potencial teórica, de 474 J, sendo os maiores valores obtidos para o conjunto com sistema de acionamento do tipo cathead. PALAVRAS-CHAVE: Ensaio SPT, Prova de Carga Estática, Eficiência, Energia, Areia. 1 INTRODUÇÃO O Standard Penetration Test (SPT) é um dos ensaios geotécnicos de campo mais difundidos e utilizados no mundo. Vários países possuem há décadas normalização específica para o ensaio, sendo no Brasil em vigência a NBR 6484 (2001). Contudo, mesmo seguindo-se rigorosamente a norma, uma sondagem SPT é sujeita a diversos fatores que podem influenciar seus resultados. Tais fatores são inerentes às condições de uso dos equipamentos, à equipe executora e aos procedimentos seguidos (Belincanta, 1994). Mesmo se a variabilidade natural do solo pudesse ser desconsiderada, duas equipes distintas executando ensaios SPT em uma mesma camada poderiam chegar a valores de índices de resistência à penetração NSPT divergentes por conta de influências acima mencionadas. Isto ocorre porque o NSPT depende da energia transmitida ao sistema amostrador-solo. A medição da eficiência do ensaio representa uma maneira de levar em consideração as influências nos resultados de uma sondagem SPT. São diversos os trabalhos que abordam o assunto, como, por exemplo, Kovacs (1979); Schmertmann e Palacios (1979); Kovacs e Salomone (1982); Belincanta (1985); Belincanta (1998) e Cavalcante (2002). Tradicionalmente, a eficiência do SPT (η) tem sido definida como (Schmertman e Palacios, 1979; ASTM D4633, 2010): T η = a × 100(%) T* (1) em que: Ta = energia cinética correspondente à onda de compressão inicial, integrada de zero ao tempo necessário para se atingir o topo do amostrador; T* = energia potencial inicial do sistema (474 J). Segundo essa abordagem, a eficiência aumenta com o aumento do comprimento das hastes. De forma a corrigir esta distorção, Aoki e Cintra (2000) propuseram determinar a eficiência do ensaio SPT (η*) a partir do trabalho realizado na cravação do amostrador: η* = TA × 100(%) T* (2) em que: TA = máxima energia transferida ao sistema amostrador-solo, medida a partir do tempo necessário para a onda de compressão atingir o topo do amostrador. Quando o amostrador atinge a máxima penetração, TA é transformada em energia potencial de deformação (VA). Aplicando-se o Princípio de Hamilton ao sistema amostradorsolo, Aoki et al. (2007) verificaram que VA é igual à soma da energia potencial de deformação elástica com o trabalho das forças resistentes não conservativas (WA). Considerando que a parcela elástica do deslocamento do amostrador é muito pequena para a maioria dos solos e pode ser desprezada, a eficiência do ensaio SPT pode ser obtida através de: η* = WA × 100(%) T* (3) Verificou-se experimentalmente que os valores de WA nos ensaios dinâmicos praticamente coincidem com os valores obtidos em provas de carga estática executadas sobre o amostrador, logo após a cravação (Neves, 2004; Aoki et al., 2007). Na prova de carga estática, WA é definido como a área sob a curva cargarecalque, para um recalque específico. O presente trabalho tem por objetivo apresentar os resultados de medições de eficiência de equipamentos de sondagens SPT através da execução de provas de carga estática executadas sobre o amostrador padrão (PCESPT), em um depósito de areia. Foram realizadas três provas de carga em dois conjuntos distintos de equipamentos, totalizando seis ensaios. 2 EQUIPAMENTOS E PROCEDIMENTOS Foram realizadas seis provas de carga estática no conjunto amostrador padrão-hastes da sondagem SPT. O terreno onde os ensaios foram realizados é localizado em Natal – RN, sendo composto por camadas de areia fina, fofa a compacta (ver Tabela 2). As provas de carga foram executadas após o último golpe conferido ao amostrador padrão, para uma determinada profundidade de ensaio escolhida. A carga foi aplicada através de um cilindro hidráulico acionado por uma bomba manual e reagindo contra um caminhão basculante carregado. Entre o caminhão e o cilindro hidráulico, foi disposto um perfil metálico, para uniformizar a distribuição da carga no caminhão. As leituras de carga foram efetuadas por meio de uma célula de carga com capacidade de 10 kN e acurácia de 0,01 kN, ligada a um sistema de aquisição de dados. As leituras de deslocamento foram feitas com o auxílio de um extensômetro mecânico com curso total de 50 mm e resolução de 0,01 mm. O extensômetro foi instalado na primeira haste do ensaio SPT, por meio de uma base magnética articulada. A Figura 1 apresenta a montagem de um dos ensaios. Os ensaios PCESPT1 a PCESPT5 foram executados com estágios de carregamento mantidos constantes. Em cada estágio, as leituras eram realizadas a cada minuto, até que a diferença entre duas leituras consecutivas fosse inferior a 0,5 mm. Após satisfeito esse critério, um novo acréscimo de carga era então aplicado. O descarregamento era realizado em quatro estágios de igual magnitude. Tabela 1 apresenta as características das provas de carga efetuadas, indicando a profundidade de execução do ensaio e o valor do índice de penetração NSPT nesta profundidade. Tabela 1. Características das provas de carga. Ensaio ConSondaz (m) junto gem SP-01 PCESPT1 A 4 SP-02 PCESPT2 A 3 SP-03 PCESPT3 A 2 SP-04 PCESPT4 B 3 SP-05 PCESPT5 B 3 SP-05 PCESPT6 B 5 Figura 1. Montagem de uma prova de carga estática no amostrador SPT. O teste PCESPT6 foi realizado com taxa de penetração constante (CRP), cravando-se o amostrador estaticamente no solo a uma velocidade de 1 mm/min. Durante este ensaio, a leituras de carga eram obtidas continuamente a cada segundo pelo sistema de aquisição de dados. Os ensaios foram efetuados em dois conjuntos de equipamentos de sondagens SPT. No presente trabalho, o termo “conjunto” é empregado para designar o sistema composto pela equipe executora e pelos equipamentos utilizados. Os dois conjuntos pertenciam a empresas diferentes, sendo denominados ao longo do texto de A e B. O conjunto A era dotado de um sistema de acionamento do martelo com corda e tambor em rotação (cathead). O tambor era acionado por um motor elétrico e trabalhava com duas voltas da corda. Já o conjunto B possuía mecanismo manual para elevação do martelo. As provas de carga PCESPT1 a 4 foram realizadas em sondagens individuais, em uma determinada profundidade. As provas de carga PCESPT5 e 6 foram executadas na mesma sondagem, em duas profundidades diferentes. A NSPT 9 20 12 8 6 5 Tabela 2. Perfil da sondagem SP-01. Prof. (m) NSPT Classificação do solo 0,55 0 Areia fina, fofa, com matéria orgânica, cor marrom 1 14 Areia fina, compacta, com 2 16 mat. orgânica, cor marrom 3 7 4 9 5 8 Areia fina, medianamente 6 9 compacta, cor cinza claro 7 7 8 8 9 11 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 13 13 16 18 24 26 28 44 65 84 101 Areia fina, compacta, cor cinza claro Areia fina, compacta a muito compacta, cor branca Areia fina, siltosa, muito compacta, cor cinza claro Argila dura, cor cinza claro 3 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS A Tabela 2 exibe os resultados da sondagem SP-01, considerada representativa do terreno. O perfil do solo do terreno é composto por uma areia fina, com compacidade variando de fofa a muito compacta. Na profundidade de 20 m, é encontrada uma camada de areia fina siltosa, seguida por uma camada de argila dura. Os valores de resistência à penetração NSPT apresentados na Tabela 2 foram obtidos a cada metro de profundidade e correspondem ao número de golpes para os últimos 300 mm de penetração do amostrador. As Figuras 2 e 3 mostram as curvas cargarecalque das PCESPT realizadas nos conjuntos A e B, respectivamente. Observa-se que as curvas possuem trechos de descarregamento praticamente horizontais. 0 0 4 8 Carga (kN) 12 16 20 24 28 32 36 40 Recalque (mm) PCE3 PCE2 20 30 40 50 Figura 2. Curvas carga-recalque das provas de carga estática executadas no conjunto A. 0 Recalque (mm) 10 0 2 4 Carga (kN) 6 8 PCE6 PCE5 10 12 sm = 300 (mm) N SPT (4) em que: NSPT = número de resistência à penetração na profundidade de execução da prova de carga estática. A Tabela 3 exibe os valores máximos de recalque e carga atingidos nas provas de carga. São também mostrados na mesma tabela os resultados de VA, juntamente com os valores de sm e da carga correspondente para se atingir tal recalque. As cargas nos ensaios PCESPT5 e PCESPT6 foram obtidas através de extrapolação, uma vez que não foram atingidos tais níveis de carga nos ensaios. 10 PCE1 A energia potencial de deformação (VA) nos ensaios foi obtida através da determinação da área compreendida entre a curva carga-recalque e uma linha horizontal correspondente à magnitude da penetração média do amostrador (sm). Os valores de sm foram determinados a partir da seguinte expressão (Aoki et al., 2007): 14 PCE4 20 30 40 50 Figura 3. Curvas carga-recalque das provas de carga estática executadas no conjunto B. Os trechos horizontais denotam que virtualmente toda a energia de deformação no sistema é transformada em trabalho de forças não conservativas. Com efeito, o formato do amostrador padrão minimiza o desenvolvimento de resistência de ponta. Estes resultados estão de acordo com os obtidos por Aoki et al. (2007). A curva correspondente ao ensaio realizado com taxa de penetração constante (PCESPT6) apresentou um formato semelhante às demais. Tabela 3. Resultados das provas de carga estática. Carga Ensaio Recalque Carga sm p/ sm máx. máx. (mm) (mm) (kN) (kN) 44,0 PCE1 13,2 33,3 12,8 23,1 PCE2 34,0 15,0 31,8 38,1 PCE3 19,5 25,0 18,8 40,6 PCE4 10,5 37,5 10,4 36,6 PCE5 7,7 50,0 7,9* 15,0 PCE6 6,2 60,0 6,3* *extrapolação VA (J) 400 402 436 355 365 365 A Tabela 4 mostra os resultados da eficiência η*, determinada através da expressão (3), considerando-se que a energia de deformação é igual ao trabalho das forças resistentes não conservativas (VA ≈ WA). A média aritmética das três medições em cada conjunto pode ser adotada como a eficiência estática representativa dos conjuntos. Dessa forma, é atribuída ao conjunto A uma eficiência de 84% e ao conjunto B, uma eficiência de 74%. Estes resultados são superiores aos medidos por Aoki et al. (2007), que reportam valores experimentais de eficiência estática variando entre 37% e 62%. Os resultados de eficiência obtidos no presente trabalho apresentam-se mais próximos dos relatados por Belincanta (1998) e Cavalcante (2002). Resistência estática prevista (kN) Tabela 4. Eficiências estimadas através das carga estática no amostrador SPT. Ensaio ConWA η* junto (J) (%) PCE1 A 400 82 PCE2 A 402 82 PCE3 A 436 89 PCE4 B 355 73 PCE5 B 365 75 PCE6 B 365 75 35 provas de Rs (kN) 11,7 25,9 16,9 9,2 7,1 5,9 O número de resistência NSPT pode ser convertido em uma resistência estática (Rs) através de: Rs = WA sm (5) 30 25 20 15 10 5 0 0 5 10 15 20 25 30 35 Resistência estática medida (kN) Figura 4. Resistência estática medida nas provas de carga estática no amostrador SPT versus resistência estática prevista. Inserindo (3) em (5), obtém-se: 4 0,474 × η * × N SPT Rs = (kN) 30 (6) A última coluna da Tabela 4 exibe os valores de Rs determinados através da equação (6). A conversão de NSPT em um valor de resistência estática, com significado físico, pode constituirse como uma importante ferramenta de auxílio ao projeto de fundações profundas. Na Figura 4 são apresentados os valores de resistência estática (Rs) obtidos experimentalmente e os valores determinados através da equação (6), mostrados na quarta coluna da Tabela 3. Observa-se que a resistência estimada através da equação (6) aproxima-se significativamente da resistência obtida através das provas de carga estática. No entanto, os valores de resistência estática estimada apresentam-se ligeiramente inferiores aos experimentais. Esta tendência aumenta com a magnitude da resistência. Isto é esperado e ocorre porque a prova de carga estática foi realizada após a cravação dinâmica do amostrador, o que confere à mesma um incremento adicional de resistência. CONCLUSÕES Um programa experimental consistindo de uma série de provas de carga estática no amostrador do ensaio SPT foi conduzido em um depósito de areia para a determinação da eficiência do equipamento, segundo a proposição de Aoki et al. (2007). Foram executados três ensaios em dois conjuntos de equipamentos distintos, totalizando seis testes. A avaliação dos resultados das provas de carga no solo estudado permitiu as seguintes constatações: • praticamente toda energia de deformação aplicada ao sistema solo-amostrador foi convertida em trabalho de forças não conservativas; • o conjunto de equipamentos de ensaios SPT com sistema de acionamento do martelo do tipo cathead apresentou uma eficiência média igual a 84%, enquanto que a resistência medida no conjunto com acionamento manual foi de 74%; • os valores previstos de resistência estática a partir do índice de penetração NSPT aproximaram-se significativamente dos valores experimentais obtidos através das provas de carga. Em linhas gerais, a medição da eficiência do ensaio SPT através de prova de carga estática no amostrador mostrou-se uma técnica de simples aplicação e de baixo custo, devendo, portanto, ser incorporada à prática cotidiana de execução de sondagens SPT. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem aos Engenheiros Nelson Aoki e Maurício Mello pelo apoio e sugestões na fase de execução dos experimentos. REFERÊNCIAS Associação Brasileira de Normas Técnicas (2001). Sondagens de simples reconhecimentos com SPT – método de ensaio. Rio de Janeiro. American Society for Testing and Materials (2010). D 4633: Standard test method for dynamic penetrometers. Annual Book of ASTM Standards, West Conshohocken, PA. Aoki, N.; Cintra, J.C.A. (2000). The application of energy conservation Hamilton’s principle to the determination of energy efficiency in SPT tests. In: VI International Conference on the application of the stress-wave theory to piles, São Paulo. p. 457-460. Aoki, N.; Esquivel, E.R.; Neves, L.F.S; Cintra, J.C.A. (2007). The impact efficiency obtained from static load test performed on the SPT sampler. Soils and Foundations, vol. 47, n. 6, p. 1045-1052. Belincanta, A. (1985). Energia dinâmica no SPT – Resultados de uma investigação teórico-experimental. Dissertação (Mestrado) – Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo. Belincanta, A.; Navajas, S.; Sobrinho, R.R. (1994). Método para medida de energia dinâmica no SPT. Solos e Rochas, São Paulo, n.17, p.93-110. Belincanta, A. (1998). Avaliação de fatores intervenientes no índice de resistência à penetração do SPT. Tese (Doutorado) – Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos. 141 p. Cavalcante, E.H. (2002). Investigação teóricoexperimental sobre o SPT. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 441p. Kovacs, W.D. (1979).Velocity measurement of free-fall SPT hammer. 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