FREITAS, Maria Adelaide de. Educação e ensino de língua estrangeira hoje: implicações para a formação de seus respectivos profissionais e aprendizes. In: ABRAHÃO, Maria Helena Vieira (Org.). Prática de ensino de língua estrangeira. Experiências e reflexões. Campinas, SP: Pontes, Arte Língua, 2004. p.117-130. EDUCAÇÃO E ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA HOJE: IMPLICAÇÕES PARA A FORMAÇÃO DE SEUS RESPECTIVOS PROFISSIONAIS E APRENDIZES Maria Adelaide de FREITAS UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ – PR INTRODUÇÃO O presente texto visa a articular duas das noções que têm sido alvo de freqüentes discussões contemporâneas na educação, de um modo geral, e no ensino de língua estrangeira (LE), de modo particular, com o perfil que tanto a primeira quanto o segundo requerem do profissional de línguas e de seu aprendiz. Pauto-me, para tanto, na idéia de que educar implica ensinar, ao passo que ensinar não implica, necessariamente, educar. Conscientizar-se e fazer sentido disso, creio, contribui para que o professor de LE, desejoso de se alinhar com a primeira parte da premissa, construa-se ou resgate-se como educador. Isso o afastaria do risco de ser visto como um mero „ensinador‟ ou „auleiro‟ como ainda se costuma ouvir com freqüência preocupante em meio à categoria. ABORDAGEM POR COMPETÊNCIA NA EDUCAÇÃO E NO ENSINO DE LÍNGUAS A primeira noção é a da abordagem por competência que tem orientado ações pedagógicas em resposta às necessidades educacionais de uma sociedade contemporânea altamente tecnologizada que agrega conhecimentos conseqüentemente complexizados, sociedade esta que requer que o sujeito se (re)localize constantemente para fazer sentido de um mundo fluido, fragmentado e de verdades provisórias. Reconhece-se, portanto, que conhecer apenas já não basta para funcionar em tal mundo. Isso parece se evidenciar no programa da UNESCO, Aprender para o século XXI, coordenado por Delors (SERRANO 2002, STERLING 2001), em que se destacam os quatro pilares da educação, quais sejam: aprender a conhecer, aprender a atuar, aprender a conviver e aprender a ser. A abordagem por competência agruparia, assim, os dois primeiros pilares, uma vez que ser competente implica, segundo Le Boterf (1994 apud PERRENOUD, 1999/2000, p.16), um saber-mobilizar, ou seja, implica ser capaz de relacionar constantemente os saberes e sua operacionalização em situações complexas, sejam elas no plano pessoal, profissional ou meramente funcional. Não basta, por exemplo, conhecer direito comercial se em um momento necessário de situação de trabalho ou de uso não se consegue redigir um contrato de modo pertinente. Dessa forma, diz o autor, entende-se que “a atualização daquilo que se sabe em um contexto singular é reveladora da passagem à competência. Esta realiza-se na ação”. Sendo assim, ao se reconhecer a importância do saber-mobilizar, advoga-se que as competências podem e devem ser desenvolvidas na escola, sendo que as expressões-chave que permeiam tal abordagem, naquilo em que ela remete a situações específicas, são „tomar decisões‟ e „resolver problemas‟ (ou re-estruturar problemas conforme STERLING, 2001, p.38). Dentre os defensores de que as competências sejam desenvolvidas a partir da escola, encontra-se Perrenoud (id.ibid.p.7), sociólogo e antropólogo do círculo de Genebra, que ressalta o problema de que noções fundamentais estudadas na escola fora de qualquer contexto permanecem letras mortas. Aí reside, segundo o autor, um dos problemas das pedagogias tradicionais de simples transmissão dos saberes na expectativa de que o acúmulo dos mesmos garantiria a sua conseqüente operacionalização na prática. Um exemplo, nesse aspecto, no ensino de línguas era/é a crença de que se ensinando todas as regras gramaticais, o aprendiz se tornaria/torna fluente ao final de um curso. O autor entende, ainda, que o desenvolvimento de competências na escola seria incumbência não apenas de cada disciplina, mas da inter-relação entre as várias disciplinas. Completa seu argumento, dizendo que isso “não constitui uma moda nova, mas um retorno às origens, às razões de ser da instituição escolar” (p.17). No que concerne ao professor, a opção pela abordagem por competência implica que se estabeleçam determinados objetivos tendo em vista que o conhecimento está cada vez mais acessível. É ainda Perrenoud (apud MARANGON 2002, p.21) que aponta para eles. Considerase, assim, imprescindível que para ensinar bem o professor seja capaz de: 1- organizar e dirigir situações de aprendizagem; 2- administrar a progressão das aprendizagens; 3- conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação; 4- envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho; 5- trabalhar em equipe; 6- participar da administração; 7- informar e envolver os pais; 8- utilizar novas tecnologias; 9- enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão; 10administrar a própria formação. Diante do que se coloca como necessidade de desenvolvimento do professor-educador, parece-me bem ilustrativo da situação em que ele se encontra nos dias atuais o título de um dos livros desse autor, qual seja, Ensinar: agir na urgência, decidir na incerteza. Nesses tempos pós-modernos de fluidez, fragmentação e provisoriedade, a urgência e a incerteza são, realmente, companheiras de trabalho do educador e este se depara com a necessidade de desenvolver as competências necessárias para com elas lidar. Mais especificamente dentro do ensino de LE, entendo que a abordagem por competência é prevista quando se lê, por exemplo, nos PCN-LE (1998, p.15) que a função primordial desse ensino é promover o engajamento discursivo – interação através da linguagem/palavra – do aprendiz, ou seja, sua capacidade de se engajar e aos outros no discurso de modo a poder agir no mundo social. Penso estarem aí pressupostas as tomadas de decisão e a resolução de problemas. Sendo assim, tanto a educação em geral quanto o ensino de LE constituiriam o modo de o aprendiz entender melhor quem ele é, e quem são os outros com quem interage, ou melhor, com quem se engaja discursivamente. Em recente palestra sobre o assunto, Moita Lopes (2002), um dos autores dos PCN-LE, volta a destacar a função da escola e do ensino de LE de desvelar os processos discursivos os quais apresentam „suas‟ verdades. Argumenta o autor que isso iria além do trabalho de consciência lingüística que por si só não basta. Concomitantemente, ressalta ele, faz-se necessário um trabalho de consciência crítica da linguagem. Mas o que se entende por esses dois conceitos? O primeiro implica trabalhar a língua como um fenômeno lingüístico em seus vários níveis – fonético-fonológico, sintático, semântico, textual -, contemplando três tipos de conhecimento, quais sejam, o de mundo, o sistêmico e o de organização textual. Isso tudo deve ser vinculado a um trabalho de consciência crítica da linguagem, o segundo conceito, o que implica conceber a linguagem como um ato ou uma prática social, conscientizando-se do que o discurso „faz‟ na vida social, como as verdades são „construídas‟ através da linguagem e como ela „revela‟ as marcas da/s identidade/s sociais de seus usuários a partir da representação que fazem de seus interlocutores (branco, rico, patrão, homem, heterossexual, falante de uma variedade hegemônica, etc / PCN-LE p.47)1. Desponta, aí, a importância de se trabalhar o discurso em LE num mundo multicultural através de uma leitura crítica: o que se tematiza?; qual é a finalidade disso?; quem é o autor?; de que lugar ele fala (papel que assume)?; quem é o público-alvo?; que escolhas lexicais são feitas?; que „verdades‟ elas materializam?; quem se beneficia com isso?; quem se prejudica? Essas questões são apresentadas nos PCN (p.43) no sentido de possibilitar um procedimento pedagógico útil para despertar a consciência crítica da linguagem da seguinte forma: quem escreveu/falou?; sobre o que?; para quem?; para que?; quando?; de que forma?; onde? Um exemplo, dentre as possibilidades, de sua operacionalização na prática seria o trabalho com dois textos na mesma língua, sobre o mesmo assunto, de um mesmo veículo 1 Vide capítulo de Telles neste volume. (jornal), ou de veículos diferentes (notícia de jornal comum e notícia de jornal televisado), mas que se destinassem a públicos diferentes. Aplicando-se, então, as sete perguntas, ficaria mais visível para os alunos, como a linguagem estaria revelando as identidades sociais dos interlocutores. Seria como se se respondesse a pergunta: Quem fala na fala? Sendo assim, poderiam perceber, por exemplo, que os fazendeiros e os simpatizantes ou integrantes do Movimento dos Sem Terra se referem a um mesmo ato através de escolhas lexicais diferentes. Enquanto os primeiros usam o termo „invasão‟, os segundos escolhem „ocupação‟, sendo que tais termos materializados em ação justificariam os atos a partir das ideologias ou „verdades‟ de cada um. Entendo, portanto, que um trabalho de consciência lingüística e de consciência crítica da linguagem, conforme sugerido e discutido, insere o ensino de línguas na abordagem por competência. EDUCAÇÃO E ENSINO DE LÍNGUAS PARA A CIDADANIA Uma segunda noção que tem sido especialmente enfatizada pela sociedade atual é a da educação para a cidadania e, nesse aspecto, entendo que aí se contemplam os outros dois pilares da educação referidos anteriormente, o de aprender a conviver e o de aprender a ser. Em recente seminário sobre o currículo e os objetivos do ensino de língua inglesa na rede pública do Paraná, promovido em julho de 2002, pelo Centro de Estudos de Línguas Estrangeiras Modernas da Secretaria de Estado da Educação do Paraná, que contou com a participação dos diversos segmentos representativos da categoria – professores de língua inglesa da rede estadual, representantes de universidades públicas e privadas, um dos autores dos PCNLE, representantes de editoras, autores de livros didáticos de LE, supervisores e diretores de escolas públicas, representantes de escolas de línguas -, o grupo de discussão, encarregado de debater o tema „educação para a cidadania‟, chegou à definição provisória de que “ensinar o aluno para a cidadania é educá-lo para conhecer, compreender e exigir seus direitos e cumprir seus deveres através de atitudes cidadãs. Entendem-se por atitudes cidadãs aquelas que asseguram e conciliam os direitos humanos com as regulamentações do Estado para a participação na vida pública, lutando por sua contínua ampliação”. Focando especialmente o aprender a conviver, Serrano (2002, p. 9-10), por sua vez, em seu livro intitulado Educação em valores: como educar para a democracia, assevera que as escolas se converteram em microcosmos da diversidade cultural da sociedade mundial e que o conseqüente desafio da convivência entre pessoas de culturas diferentes constitui uma oportunidade para se educar em clima multicultural2, a partir da perspectiva de um pluralismo positivo, orientado para a cultura da paz. Isto porque se considera que “a compreensão entre pessoas de culturas diferentes é o resultado de uma aprendizagem, assim como a reconciliação [o que] não será possível a não ser que se aprenda e que se exercite a tolerância” (UNESCO 1994 apud SERRANO, 2002, p.9). Perceba-se aí o contraponto de perspectivas como essa em relação às mais tradicionais. Hoje a dimensão educacional é ampliada ao se extrapolar o ensino de saberes, levando-o a adentrar o campo das competências, da convivência com o/s diferente/s e do ensinar/aprender a ser. Torna-se, dessa forma, premente repensar a função da escola diante da necessidade de se criarem vínculos entre os diferentes e de se promoverem a discussão, o diálogo e o intercâmbio. Conforme aponta Serrano, ela agora tem a incumbência, no que diz respeito à formação da personalidade, de fixar marcos de referência a partir dos quais cada pessoa possa construir sua/s (múltiplas) identidade/s. Amplia-se igualmente a função do educador que precisará, agora, promover o processo de construção de qualidades cidadãs unificadoras da comunidade e facilitadoras da convivência como, por exemplo, as assinaladas por Serrano (id.ibid., p.10): 1- a aceitação do pluralismo e da diversidade; 2- o respeito e a tolerância; 3- a capacidade e a predisposição para se colocar no 2 Entenda-se também por multiculturalismo as diferenças entre as pessoas nascidas em um mesmo país e não apenas pessoas de países diferentes. lugar do outro, para sentir como o outro; 4- o emprego do diálogo como enriquecimento mútuo e como solução de conflitos pela via do consenso; 5- o fomento e o cultivo da identidade de cada pessoa, povo e cultura; 6- o compromisso com o bem comum de caráter global para além do egocentrismo; 7- o desenvolvimento de atitudes de cooperação entre comunidades, povos e culturas que nos ensinem a valorizar o que é local e peculiar, no âmbito do pluralismo e da riqueza do global. Apesar de julgar relevante que o professor se ocupe em desenvolver tais qualidades, alguns termos utilizados em sua descrição me incomodam de certa forma pelo fato de os processos a que os mesmos se referem não acontecerem de modo tão simples ou tranqüilo como poderia parecer. Um deles é „aceitação‟ das diferenças no item um. O termo leva-me a imaginar um processo muito rápido e redutor e que, portanto, qualquer dificuldade de „aceitação‟ com que o aprendiz se depare nesse processo pode se caracterizar como falha, frustração ou fracasso. Prefiro substituí-lo por „negociação‟ ou „discussão‟ das diferenças. Outros termos são „solução‟, „conflitos‟ e „ consenso‟ no item quatro. O primeiro poderia ser substituído por „gerenciamento‟ já que alguns conflitos são permanentes e a atitude diante deles não seria de simples solução. Poderia ser de minimização, neutralização ou de desenvolvimento de estratégias de conciliação, ou seja, como conviver ou lidar com o conflito quando não se pode solucioná-lo ou eliminá-lo de vez. Por outro lado, há que se considerar a possibilidade positiva do conflito enquanto potencializador de movimento, isto é, de provocador de ações que levem a um crescimento ou desenvolvimento pessoal ou profissional. O alerta quanto ao uso de „consenso‟, por sua vez, é que isso não implique em pensar igual, mas sim negociar as diferenças sem necessariamente apagá-las. De qualquer forma, entendo que as qualidades cidadãs mencionadas parecem encontrar no ensino de LE um contexto privilegiado para serem desenvolvidas, uma vez que o mesmo oferece a possibilidade de uma maior amplitude de relações com outros modos de significar e de se posicionar diante do mundo, constituindo, portanto, a LE matéria-prima para o desenvolvimento do processo. É dessa forma que se entende que propiciar uma pedagogia participativa, aquela em que se ensina os alunos a se envolverem ativamente na participação e tomada de decisões, vai ao encontro da aspiração da educação cidadã que “consiste em ensinar a conviver, a alcançar a maturidade psicológica e social para „colocar-se no lugar do outro‟, „para colaborar na construção da pessoa‟, „para valorizar a dignidade humana‟, para acreditar sem utopias que a comunidade certamente pode ser melhorada a partir da ação e do envolvimento de seus membros” (SERRANO, id.ibid., p.10). Para se implementar um ensino assim, Serrano cita Giroux (1991, p. 307) que entende que o mesmo pode estar profundamente enraizado na própria vida pública, proporcionando aos aprendizes oportunidades reais para se envolverem na análise e solução de problemas da comunidade local, nacional e global. Um exemplo que me ocorre no que concerne ao ensino de LE é que se escolha uma questão global pertinente para se discutir em sala e que alunos sejam preparados com os recursos lingüísticos necessários para participar de um debate internacional sobre a mesma, escrevendo, por exemplo, mensagens eletrônicas para uma determinada organização. Tais mensagens podem ser encaminhadas individualmente, se os alunos tiverem acesso à internet em casa, ou coletivamente através dos recursos da escola. As respostas retornariam para leitura compartilhada em sala de aula seguida de discussão e redação de novas mensagens. Percebe-se que um ensino dessa natureza, além de possibilitar a construção de conhecimento e o desenvolvimento de competências, também proporciona o exercício da cidadania e da aprendizagem da convivência com as diferenças 3 ao permitir aprender fazendo, por meio do trabalho em equipe, dos jogos de cooperação e solidariedade, do fomento da capacidade de relação e de escuta do outro, qualidades / procedimentos essa/es que se encontram em valorização ascendente, uma vez que permitem o exercício da tomada de decisões com e não contra os outros (SERRANO, id.ibid., p.10). 3 Veja „poema pedagógico‟ de Freitas (2001) em que se reflete sobre questões de ensinar e aprender. É, assim, que se entende que, hoje, ensinar uma LE é possibilitar condições para que, ao se construir cidadão, o aprendiz tenha ampliado o acesso a outros modos de perceber e fazer sentido do mundo, bem como a outras formas de funcionamento ou posicionamento (práticas sociais) desse mundo. Entende-se, ainda, que um/a elemento/atitude imprescindível de se desenvolver nessa perspectiva, portanto, é o/a da competência intercultural. Esta implica, segundo Gimenez (2002, p.3), que se opere “a competência lingüística e a conscientização sociolingüística a respeito da relação entre língua e o contexto onde é usada, a fim de interagir ao longo de fronteiras culturais e prever mal-entendidos decorrentes de diferenças em valores, significados e crenças”. COMPETÊNCIAS PROFESSORES E CIDADANIA: IMPLICAÇÕES PARA A FORMAÇÃO DE Considerando-se o que foi exposto até o momento sobre as noções enfatizadas tanto na educação em geral quanto no ensino de LE, a da abordagem por competência e a da educação para a cidadania, uma questão poderia ser levantada. Quais são as implicações disso para a formação de professores-educadores de LE ou de outras áreas? Como já apontado acima, a função do professor também se amplia com a ampliação da própria dimensão educacional do ensino que realiza. O professor de LE, como os demais, não pode, portanto, se manter isolado em sua sala de aula, dando a mesma aula de sempre, alheio ao que acontece no restante da escola, na comunidade e no país (PELLEGRINI, 2000, p.29). Espera-se que os profissionais hoje, além de estimulados e bem preparados, sejam atualizados e conscientes de que sua formação é permanente. Sendo assim, é preciso extrapolar a formação tradicional dos professores que se concentra em prepará-los no domínio dos conteúdos, das técnicas e estratégias de ensino. A formação atual prevê um profissional reflexivo crítico envolvido com sua própria formação, um profissional que se envolve politicamente nos processos decisórios em diferentes contextos de sua atuação – da sala de aula, da escola, das associações, etc -4, que dialoga com diversas áreas do conhecimento e toma / usa o resultado disso como insumo para sua atuação em sala e que, enfim, exercita e promove a cidadania a partir da própria atuação. As competências que todo profissional deve estar apto a desenvolver, de acordo com os Referenciais para Formação de Professores, selecionadas, dentre as demais, por Pellegrini (2002, p.29) deixam transparecer a ampliação das funções do professor para além das técnicas e dos conteúdos conforme discutido: 1- crescer profissionalmente, sendo flexível a mudanças e aberto à atualização; 2- conhecer a realidade econômica, cultural, política e social do país, lendo, por exemplo, jornais e revistas; 3- participar do desenvolvimento e da avaliação do projeto da escola, brigando por isso, se não tiver sido convidado; 4- escolher didáticas que promovam a aprendizagem de todos os alunos, evitando qualquer tipo de exclusão e respeitando as particularidades de cada criança, como sua religião ou origem étnica e promovendo a conscientização do prejuízo das discriminações; 5- orientar sua prática de acordo com as características da comunidade, avaliando e compreendendo o panorama social do país e do entorno da escola; 6- compreender que seu trabalho não é um sacerdócio, participando de associações da categoria e assumindo que se tem uma profissão de verdade, não uma missão, e mantendo intercâmbios com outros professores; 7- utilizar estratégias de avaliação de aprendizagem, tomando os resultados como base para elaborar novas propostas pedagógicas, uma vez que não há mais espaço para quem só sabe avaliar com provas. Nóvoa (apud GENTILE, 2001, p.13-15), educador português bastante envolvido com as questões da formação do professor 5, também considera o aprender contínuo como essencial para 4 Confira também Zeichner (2001) a respeito da necessidade de um maior envolvimento político do professor de LE no processo de tomada de decisões realizado em outros locais além da sala de aula, mas estreitamente vinculado a mesma. 5 Estudos brasileiros que enfatizam e defendem o desenvolvimento do professor de LE através de um estudo contínuo e (auto-)sustentado já representam um bom número em nosso país. Veja, por exemplo, a profissão. O mesmo, segundo o autor, deve-se concentrar em dois pilares: a própria pessoa do professor, como agente, e a escola, como lugar de crescimento profissional permanente. O autor não deixa de considerar a questão da socialização do professor, ou seja, sua trajetória de vida pessoal e profissional, ao definir a formação como “um ciclo que abrange a experiência do docente como aluno (educação de base), como aluno-mestre (graduação), como estagiário (práticas de supervisão), como iniciante (nos primeiros anos de profissão) e como titular (formação continuada). Entende ele, entretanto, que tais momentos só serão formadores se forem objeto de reflexão permanente. Nota-se, portanto, o destaque dado à importância da reflexão como um componente primordial da formação do professor. Freitas (1996), ao discutir esse aspecto, indica ser a reflexão fator que eleva o status do ensino de mero ofício para profissão. Conseqüentemente, o professor reflexivo deixaria de ser visto como operário para ser visto como profissional do ensino de LE, diz a autora. Uma pergunta que poderia ser levantada aqui é a de que se tudo isso não pareceria óbvio. Se já não era assim. Respondo que não exatamente, uma vez que havia o mito até bem recentemente – se é que ainda não perdura – do professor que uma vez formado ou certificado, pronto! seria um produto acabado6, além de se pensar que o mesmo estaria apto a articular na prática princípios e pressupostos a que tivesse sido exposto. Isso pode ser evidenciado nos próprios PCN-LE (p.109) em que se lê o seguinte Tradicionalmente, pensava-se que seria suficiente que o professor fosse exposto a princípios para que sua prática mudasse imediatamente ao abraçar uma nova proposta. Hoje em dia, contudo, sabe-se que o processo é muito mais demorado e complexo, pois a pesquisa indica que, embora os professores freqüentemente compreendam princípios teóricos, ao retornarem para a sala de aula, costumam interpretar as inovações em termos de crenças e práticas anteriores. Desse modo, acredita-se, atualmente, que além de se expor o professor aos princípios subjacentes a parâmetros, faz-se necessário seu envolvimento em um processo de reflexão sobre o seu trabalho em sala de aula. Essa reflexão é entendida como o modo mais eficiente para que as práticas em sala de aula sejam questionadas e alteradas, gerando um desenvolvimento contínuo da prática de ensinar língua estrangeira. Com o redimensionamento da educação a destacar os pilares do aprender a conviver e o do aprender a ser juntamente com os do conhecer e do fazer, também se espera do professor de LE que direcione seus olhares reflexivos para os aspectos de sua prática que integram a construção de todos os quatro pilares. COMPETÊNCIAS E CIDADANIA: IMPLICAÇÕES PARA A FORMAÇÃO DOS ALUNOS Sujeitos reflexivos críticos, culturalmente competentes para tomar decisões, resolver problemas e conviver com o outro, conforme se discute aqui, é também o perfil do aluno que se deseja desenvolver. Sendo assim, uma outra pergunta a ser levantada seria: Com que perfil de aluno ainda se depara na educação brasileira? Castro (2001, p.6), por exemplo, afirma que nossa educação ainda valoriza o aluno genial, que não estuda, aquele que comemora com orgulho a vitória que decorre da improvisação, do golpe de mestre ou até da cola. Traçando um comparativo entre o esporte e a educação, o autor contrapõe o talento à dedicação, à disciplina e ao esforço e conclui que a valorização da genialidade em estado puro é o atraso, tanto nos desportos quanto na educação. Almeida Filho 1999, Gimenez 2002, Telles 1996, Freitas, Belincanta e Corrêa 2002, Freitas 1996, 1997, 1999, Vieira-Abrahão 1996, Reis 1998, Ortenzi 1997, Alvarenga 1999, entre inúmeros outros. 6 Wallace (1991) concebe a competência profissional não como um alvo estático a ser atingido. Seria um alvo ou horizonte móvel que sempre se moveria à medida que procurássemos dele nos aproximar. O modelo a ser seguido para se obter sucesso nos dois campos, pondera Castro, seria o de unir o talento à dedicação e disciplina, citando, para tanto, o exemplo de Ayrton Senna. O mesmo autor, em reportagem bastante recente, relata resultados de uma pesquisa que indicam dois fatores de sucesso na escola. O primeiro é a atitude daqueles pais que verificam sistematicamente o dever de casa dos filhos e o segundo é a freqüência de conversas entre eles. Entendo que o primeiro fator consolida a visão do autor quanto à importância do esforço na primeira reportagem enquanto o segundo contempla a afetividade como fator interveniente importante para a aprendizagem, além do aspecto cognitivo implícito na interação estabelecida, que ajuda a desenvolver habilidades cognitivas de nível superior. Se o foco recair no perfil do estudante de inglês brasileiro, parece que se consolida a atitude de menor esforço a ser despendido ao se considerar o que registram alguns autores. Friedich (2000), por exemplo, constatou em sua pesquisa que “os brasileiros esperam aprender mais do que podem com a prioridade que concedem ao estudo. Sessenta por cento dos entrevistados querem ser fluentes ou falar como nativos, mas esperam investir somente de dois anos e meio a três anos no estudo”. Pereira Júnior (2000), por sua vez, relata uma experiência pessoal em que contrasta a atitude dos brasileiros e a dos escandinavos diante do ensino-aprendizagem do inglês, corroborando o mesmo perfil traçado pelos outros dois autores citados. Em 1986, eu estudava numa escola meia-boca na periferia de Londres e tinha como colegas de classe muita gente da Escandinávia. Detalhe: eram pessoas que já tinham um inglês muito bom, mas estavam estudando porque achavam que podiam melhorar. No Brasil, qualquer um que falasse tão bem quanto esses escandinavos já seria rei. Quero entender, no entanto, que na idéia de esforço indicada acima haja mais do que uma simples dedicação ou disciplina aos estudos e que se considere que o sucesso não depende apenas da vontade do aluno que decida se esforçar, a exemplo do que se diz do sujeito neoliberal, já que as questões educacionais são bem mais complexas do que se costumava imaginar. Como se tem visto, a construção do conhecimento não depende apenas do sujeito isolado e bem intencionado, já que é social e interativa. Volta-se, assim, a questão da necessidade de se desenvolver a consciência crítica da linguagem, no caso do ensino de línguas, conforme colocado anteriormente, para que os alunos percebam a possibilidade de ser agentes, ou seja, produtores de significados sóciohistoricamente localizados na sua relação e interação com outros e, dessa forma, possam perceber se estão exercendo tal agência nessa produção ou se estão sendo meros reprodutores de outros significados que não seus. Enquanto isso não se torna prática freqüente, é comum que não se perceba a agência dos alunos, tanto pelos professores quanto por eles mesmos. Em estudo recente, Wielewicki (2002) demonstra, por exemplo, como acadêmicos de literaturas de língua inglesa desenvolvem sua agência nos entretempos, naquilo que não é esperado, que não é planejado, ou seja, nas síncopes e nos contratempos da comunicação social na sala de aula. Conseguem, portanto, produzir conhecimento na sala de aula e transformá-lo em vivência, fazendo uso de estratégias de sobrevivência na instituição as quais contrariam as regras estabelecidas. Como foge ao inesperado, tal conhecimento não é percebido pelos professores, não sendo, conseqüentemente, os alunos percebidos como agentes. Estes, por sua vez, não percebem determinados procedimentos dos professores como tentativas de buscar soluções diante de suas limitações, gerando, assim, desencontros mútuos entre as expectativas de uns em relação aos outros. A autora pontua, seguidamente, procedimentos que poderiam ser adotados, no caso em que estuda, para que o modo de construir significados a partir da relação aluno - texto literário - professor seja explicitado e, assim, compreendido. Por outro lado, o esforço a que me refiro acima, também pode ser encarado – e essa creio ser a idéia subjacente aos posicionamentos dos autores citados – mais como uma „atitude‟ do aluno de „desejar‟ se envolver nesse processo de construção de seu conhecimento enquanto agente, desejo esse, que a meu ver, também pode ser nele trabalhado. O quanto isso já seria uma realidade pode ser, então, a próxima pergunta. O estudo de Wielewicki (2002) é, novamente aqui, ilustrativo dessa condição de desejar ou de simplesmente ser agente. A autora demonstra como a agência é contingente, isto é, movimenta-se entre possibilidades e restrições, e como os alunos desenvolvem estratégias de construção de significados e de sobrevivência na instituição nesse espaço em que podem se movimentar. Além desse indicador de esforço assim entendido, um outro indicador mais visível e corriqueiro aparece diante das exigências da sociedade atual quanto à educação de sujeitos capazes de participar mais integralmente e com maior competência das situações a cada dia mais complexas, com que se deparam dioturnamente, para a construção de um mundo sustentável e socialmente mais justo. O referido indicador seria a maior demanda por educação da parte dos alunos nos vários níveis – ensino fundamental e médio, graduação, pós-graduaçao, além de iniciativas sócio-educacionais não formais, dentre outros – e estaria a sinalizar que o „pouco‟ esforço que integra(va) o perfil do aluno, de que se fala acima, nos dá mostras de que sua configuração está sendo alterada. Diante do que se discute e para que se intensifique o envolvimento do aluno com seu processo de aprender e de construir conhecimentos – na educação em geral e no ensino de línguas em particular - uma sugestão é que, a exemplo do que se espera do professor quanto ao seu envolvimento com as atividades de ensino que desenvolve no sentido de, a partir dele, construir suas teorias pessoais, o educando também se envolva com seu processo de aprendizagem para melhor compreendê-lo enquanto não vivencia, no caso dos alunos de licenciaturas, a prática de sala de aula como professor. Para tanto, ambos podem se beneficiar das práticas de investigação, já bastante difundidas e disponíveis na literatura sobre o assunto 7. Visando a que tanto o processo investigativo de um quanto o do outro surtam melhores resultados, entretanto, haveria que se vislumbrar formas de explicitação e interação dos mesmos como parte das atividades de sala de aula. Suspendendo nesse momento a presente discussão, já que, no entender de alguns, discussões não são finalizadas, mas interrompidas, apresento uma outra sugestão. Se, como diz Gadotti (2001, p.105), “a escola precisa dar o exemplo, ousar construir o futuro [, uma vez que] inovar é mais importante do que reproduzir com qualidade o que existe e [se] a matéria-prima da escola é sua visão de futuro”, os educandos, em geral, e os alunos de línguas, em particular, podem exercitar-se como cidadãos culturalmente competentes levantando questionamentos quando sua escola e seus professores não apresentem o perfil que se apregoa e que também lhes será cobrado, quando iniciarem sua prática como profissionais (do ensino de línguas ou de outras disciplinas). Os educadores / formadores, por sua vez, podem igualmente assim se exercitar, engajando-se politicamente nos processos decisórios que interferirão nos mecanismos de conhecimento no lócus principal de sua atuação, ou seja, a sala de aula. Referências ALMEIDA FILHO, J.C.P. de (Org.) O professor de língua estrangeira em formação. Campinas: Pontes, 1999. ALVARENGA, M.B. Configuração de competências de um professor de língua estrangeira (inglês): implicações para a formação em serviço. Campinas: 1999. 301 f. Tese (Doutorado em Lingüística Aplicada) – Instituto de Estudos da Linguagem – UNICAMP, Campinas, 1999. BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria da Educação: Parâmetros Curriculares Nacionais – Língua Estrangeira, 3o e 4o ciclos, Brasília, 1998. CASTRO, C.M. de. Quem são os nossos ídolos? Veja, 34/22: 6, junho 2001. . Escolha seus pais com cuidado. Veja, 35/36: 18, set. 2002. 7 Veja, por exemplo, os autores citados na nota de rodapé 4. FREITAS, M.A. de. Uma análise das primeiras análises de abordagem de ensino do professor de língua estrangeira. Campinas: 1996. 261 f. Dissertação (Mestrado em Lingüística Aplicada) – Instituto de Estudos da Linguagem – UNICAMP, Campinas, 1996. . O perfil profissional do professor de LE. Anais da X Semana de Letras, Maringá: UEM, 1997. . 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