UNIVERSIDADE COMUNITÁRIA DA REGIÃO DE CHAPECÓ - UNOCHAPECO
ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS E JURÍDICAS
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
KARINE KLEIMPAUL
DISSOLUÇÃO DAS UIÕES HOMOAFETIVAS: EFEITOS PATRIMOIAIS
CHAPECÓ (SC),
2010
KARINE KLEIMPAUL
DISSOLUÇÃO DAS UIÕES HOMOAFETIVAS: EFEITOS PATRIMOIAIS
Monografia apresentada ao Curso de Direito da
Universidade Comunitária da Região de Chapecó,
UNOCHAPECÓ, como requisito parcial à obtenção
do título de bacharel em Direito, sob a orientação da
Profª. Me. Helenice da Aparecida Dambrós Braun.
Chapecó (SC), junho 2010.
UNIVERSIDADE COMUNITÁRIA DA REGIÃO DE CHAPECÓ - UNOCHAPECÓ
ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS E JURÍDICAS
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
DISSOLUÇÃO DAS UIÕES HOMOAFETIVAS: EFEITOS PATRIMOIAIS
KARINE KLEIMPAUL
________________________________________
Profª. Me. Helenice da Ap. Dambrós Braun
Professora Orientadora
________________________________________
Prof. Me. Glaucio Wandre Vicentin
Coordenador do Curso de Direito
________________________________________
Profª. Me. Silvia Ozelame Rigo Moschetta
Coordenadora Adjunta do Curso de Direito
Chapecó (SC), junho 2010.
KARINE KLEIMPAUL
DISSOLUÇÃO DAS UIÕES HOMOAFETIVAS: EFEITOS PATRIMOIAIS
Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de BACHAREL
EM DIREITO no Curso de Graduação em Direito da Universidade Comunitária da Região de
Chapecó - UNOCHAPECÓ, com a seguinte Banca Examinadora:
_________________________________________
Me. Helenice da Ap. Dambrós Braun – Presidente
________________________________________
Me. Kassina Ventura de Oliveira – Membro
________________________________________
Esp. Carmelice Faitão Balbinot Pavi – Membro
Chapecó (SC), junho 2010.
DEDICATÓRIA
A Deus, por todas as vezes que lhe foi recorrido e por todos os pedidos, que em meio
ao desespero, foram atendidos. A meus pais Diva e Alderico Kleimpaul, por todo o amor,
força, coragem e tempo despendido para que eu pudesse concluir meu curso, sempre me
incentivando a nunca desistir e enfrentar todos desafios proporcionados pela vida. Duas
pessoas maravilhosas as quais devo quem sou e tudo o que até hoje conquistei.
AGRADECIMETOS
Agradeço a Deus por todos os pedidos atendidos e a força concedida para que fosse
possível chegar ao final de mais um etapa de minha vida.
A meus pais Diva e Alderico Kleimpaul pelas inúmeras noites mal dormidas e de frio
que passaram ao me esperarem no retorno da faculdade, as palavras de força que sempre me
incentivaram a nunca desistir, as inúmeras viagem que fizeram até Chapecó para me levar a
faculdade quando não havia transporte, ou simplesmente para o empréstimo de um livro da
faculdade para terminar a monografia, a paciência que tiveram com minha pessoa naqueles
dias estressantes de inúmeras provas e trabalhos e por todo o amor até hoje demonstrado.
A minha professora orientadora Helenice da Aparecida Dambrós Braun por toda a
atenção e tempo despendido, pelos inúmeros e-mails respondidos quando eu me encontrava
desesperada e cheia de dúvidas e por acreditar em minha capacidade de realizar um bom
trabalho.
A todos os professores pelos conhecimentos repassados durante esse cinco anos e
meio de convivência.
E a todos os amigos e pessoas que de algum modo me auxiliaram nessa trajetória de
muita luta e dificuldade.
“O futuro tem muitos nomes
Para os fracos é o inalcançável,
Para os temerosos, o desconhecido,
Para os valentes é a oportunidade. ”
(Victor Hugo)
RESUMO
DISSOLUÇÃO DAS UNIÕES HOMOAFETIVAS: EFEITOS PATRIMONIAIS. Karine Kleimpaul.
Helenice Da Aparecida Dambrós Braun (ORIENTADORA). (Universidade Comunitária da Região de Chapecó
– UNOCHAPECÓ).
(INTRODUÇÃO) A homoafetividade existe desde os primórdios da humanidade, foi considerada, na maioria
das civilizações remotas, uma forma natural de relacionamento. Ademais, observa-se que com a evolução da
sociedade e a ascensão do cristianismo, passou-se a compreender a prática de relações entre pessoas do mesmo
sexo como uma afronta aos bons costumes pregados pela Igreja. Assim, as relações homossexuais passaram a ser
renegadas pela sociedade, sofrendo as mais diversas formas de preconceito. Em que pese à evolução da
sociedade e de seus indivíduos, é possível perceber que ainda hoje há grande discriminação com as relações
entre pessoas do mesmo sexo. A sociedade brasileira, do mesmo modo, evoluiu no que diz respeito à família,
passando da entidade familiar unida exclusivamente pelo matrimônio, para um rol de entidades familiares
estabelecido pela Constituição Federal de 1988. No entanto, o preconceito em face das relações homoafetivas
ainda existe na sociedade brasileira, já que estas se encontram vagando pela esfera jurídica sem qualquer
regulamentação, sofrendo inúmeros preconceitos por parte da sociedade, do legislativo e do judiciário.
(OBJETIVOS) Tem-se como objetivo geral desta pesquisa: a verificação dos efeitos patrimoniais gerados
quando das dissoluções das uniões homoafetivas. Como objetivos específicos: a análise dos aspectos históricos e
conceptuais da homoafetividade desde o seu surgimento até os dias atuais; a evolução da família no mundo e no
Brasil; a possibilidade de reconhecimento jurídico das relações homoafetivas no direito comparado e no cenário
brasileiro; os efeitos jurídicos do casamento, a posição da doutrina e as decisões jurisprudenciais quanto ao
reconhecimento dos efeitos patrimoniais nas dissoluções das uniões homoafetivas. (EIXO TEMÁTICO) A
pesquisa vincula-se ao Eixo Temático do curso de Direito da Unochapecó denominado “Cidadania e Estado”.
(METODOLOGIA) Foi empregada para o desenvolvimento deste trabalho a pesquisa bibliográfica, com base
em doutrina e jurisprudência, utilizando-se, dessa forma, do método dedutivo, no qual se parte da verificação de
dados gerais para a obtenção de dados específicos. (CONCLUSÃO) Após a realização da pesquisa, observa-se
que o único empecilho para o não reconhecimento das uniões homoafetivas com a consequente equiparação dos
efeitos patrimoniais produzidos pelo casamento e união estável, é o preconceito e discriminação existente na
sociedade, no legislativo e no judiciário, visto que essa forma de relacionamento possui, como inúmeras e
repetidas vezes já mencionado, o mais importante de todos os requisitos necessários ao seu reconhecimento, que
é o afeto e o amor entre os parceiros. (PALAVRAS-CHAVES) Homoafetividade, dissolução e efeitos
patrimoniais.
LISTA DE ABREVIAÇÕES
§ - Parágrafo
art. – artigo
CC – Código Civil
EC – Emenda Constitucional
L. – Lei
Min. – Ministro
n. – número
p. ex. – por exemplo
PEC – Projeto de Emenda Constitucional
R. – resolução
Rel. – Relator
REsp. – Recurso Especial
LISTA DE ABREVIATURAS
AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
CID – Classificaçao Internacional de Doenças
FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.
ILGA – Internacional Lesbian and Gay Association
INSS – Instituto Nacional do Seguro Social
IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano
ITR – Imposto Territorial Rural
OMS – Organização Mundial da Saúde
STJ – Superior Tribunal Justiça
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................13
CAPÍTULO I ............................................................................................................................16
1 HOMOAFETIVIDADE: ASPECTOS HISTÓRICOS E CONCEPTUAIS..........................16
1.1 Terminologia ......................................................................................................................16
1.2 Homossexualidade e as civilizações antigas ......................................................................18
1.3 Homossexualidade e a religião ...........................................................................................22
1.4 Homossexualidade e a medicina.........................................................................................24
1.4.1 Homossexualidade como doença.....................................................................................25
1.4.2 Homossexualidade e a psicologia....................................................................................27
1.5 Homossexualidade no Brasil ..............................................................................................29
CAPÍTULO II...........................................................................................................................34
2 RECONHECIMENTO JURÍDICO DAS UNIÕES HOMOAFETIVAS..............................34
2.1 Evolução histórica da família .............................................................................................35
2.2 Abordagem histórica do instituto da família no Brasil.......................................................39
2.3 Possibilidade de reconhecimento das relações homoafetivas no direito comparado e no
Brasil.........................................................................................................................................45
2.3.1 Reconhecimento das uniões homoafetivas no direito comparado...................................45
2.3.2 As relações homoafetivas no Brasil.................................................................................48
CAPÍTULO III .........................................................................................................................56
3 EFEITOS PATRIMONIAIS NAS DISSOLUÇÕES DAS UNIÕES HOMOAFETIVAS ...56
3.1 Efeitos jurídicos do casamento ...........................................................................................57
3.1.1 Efeitos sociais do casamento ...........................................................................................58
3.1.2 Efeitos pessoais do casamento.........................................................................................59
3.1.3 Efeitos patrimoniais.........................................................................................................60
3.2 Efeitos patrimoniais nas uniões homoafetivas de acordo com a doutrina..........................73
3.3 Posição adotada pelos tribunais acerca dos efeitos patrimoniais nas dissoluções das uniões
homoafetivas.............................................................................................................................78
3.3.1 Análise das jurisprudências .............................................................................................79
CONCLUSÃO..........................................................................................................................89
REFERÊNCIAS .......................................................................................................................93
APÊNDICES ............................................................................................................................99
ITRODUÇÃO
A homoafetividade existe desde os primórdios da humanidade, foi considerada, na
maioria das civilizações remotas, uma forma natural de relacionamento. As duas maiores
civilizações antigas, Romana e Grega, eram grandes praticantes das relações homoafetivas,
visto que enxergavam nessas práticas uma forma de transferência de conhecimento e
satisfação dos prazeres da carne, deixando as relações heterossexuais apenas para a
reprodução da espécie humana.
No entanto, não só de glórias e aceitações as relações homoafetivas eram cercadas, a
própria Bíblia trouxe em algumas passagens de suas escrituras o relato da destruição das
cidades de Sodoma e Gomorra devido à prática de relações entre pessoas do mesmo sexo.
Ademais, observa-se que com a evolução da sociedade e a ascensão do cristianismo passou-se
a compreender a prática de relações entre pessoas do mesmo sexo como uma afronta aos bons
costumes pregados pela Igreja. Assim, as relações homossexuais passaram a ser renegadas
pela sociedade, sofrendo as mais diversas formas de preconceito.
Em que pese à evolução da sociedade e de seus indivíduos, é possível perceber que
ainda hoje há grande discriminação com as relações entre pessoas do mesmo sexo. Apesar de
ter ocorrido a separação Estado/Igreja, esta última ainda detém certa influência nos assuntos
relacionados à família e não aceita as relações homoafetivas.
A sociedade brasileira, do mesmo modo, evoluiu no que diz respeito à família,
passando da entidade familiar unida exclusivamente pelo matrimônio, para um rol de
entidades familiares estabelecido pela Constituição Federal de 1988. Todavia, embora a
Constituição promulgada em 1988 ter sido conhecida como a “Constituição Cidadã”,
porquanto atribuiu inúmeros direitos aos cidadãos, elevou a família como base da sociedade e
14
proibiu qualquer forma de preconceito, observa-se que a sociedade ainda não evoluiu a este
estágio, visto que ainda há a prática de inúmeros preconceitos relativamente à cor, opção
sexual, opção religiosa, entre outros.
Isso faz com que a sociedade não aceite qualquer ato diferente daquele tido como
“normal”, porquanto, para a maioria das pessoas, só é considerado correto o que se encontra
dentro dos padrões estabelecidos pela sociedade. Exemplo clássico dessa forma de
preconceito são as relações homoafetivas, as quais se encontram vagando pela esfera jurídica
sem qualquer regulamentação, sofrendo inúmeros preconceitos por parte da sociedade, do
legislativo e do judiciário.
Observa-se, dessa forma, que as relações homoafetivas encontram-se totalmente
desamparadas, visto que uma parcela da sociedade não as aceita, porquanto, não são
consideradas como um comportamento “normal”. O judiciário brasileiro, por sua vez, negase, em muitos casos, a admitir que as ações decorrentes das relações homoafetivas tramitem
nas varas da família, sob o argumento que não há qualquer previsão legal que determine que
estas devem ou não ali tramitar. O legislativo, por seu turno, também permanece inerte na
criação de projetos de lei ou então, na aprovação daqueles já existentes, relegando a um futuro
incerto a proteção de inúmeros indivíduos.
Diante da realidade em que as relações homoafetivas se encontram hoje no Brasil e da
consequente popularização do assunto, é que esta pesquisa possui como tema: dissolução das
uniões homoafetivas: efeitos patrimoniais. No intuito de se verificar uma resposta ao tema
estabelecido pelo trabalho foi constituído o seguinte problema de pesquisa: Quais são os
possíveis efeitos patrimoniais decorrentes das dissoluções das uniões homoafetivas?
Para o desenvolvimento deste assunto foi instituído como objetivo geral do trabalho a
verificação dos efeitos patrimoniais gerados quando das dissoluções das uniões homoafetivas.
No intuito de alcançar o objetivo geral foram determinados como objetivos
específicos: a análise dos aspectos históricos e conceptuais da homoafetividade desde o seu
surgimento até os dias atuais; a evolução da família no mundo e no Brasil; a possibilidade de
reconhecimento jurídico das relações homoafetivas no direito comparado e no cenário
brasileiro; os efeitos jurídicos do casamento; a posição da doutrina e as decisões
jurisprudenciais quanto ao reconhecimento dos efeitos patrimoniais nas dissoluções das
uniões homoafetivas.
15
Foram empregadas para o desenvolvimento deste estudo a pesquisa bibliográfica, com
base em doutrina e jurisprudência, utilizando-se, dessa forma, do método dedutivo, no qual se
parte da verificação de dados gerais para a obtenção de dados específicos, que, no caso em
tela, referem-se aos efeitos patrimoniais decorrentes das dissoluções das uniões homoafetivas.
O eixo temático do Curso de Direito da Unochapecó pelo qual este trabalho encontrase vinculado é o eixo “CIDADANIA E ESTADO”.
Para tanto, ocorreu a divisão da pesquisa em três capítulos, sendo que no primeiro
capítulo é abordado o surgimento e a evolução histórica da homoafetividade, trazendo
inicialmente uma sucinta explanação acerca da terminologia utilizada para definir as relações
entre pessoas do mesmo sexo. Também, discorre-se sobre a percepção e aceitação das
relações homossexuais das civilizações antigas até o Brasil de hoje.
No segundo capítulo trata-se do reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas,
apresentando a evolução histórica da família no mundo e no Brasil. Ainda, será ponderado
acerca do reconhecimento das relações homoafetivas no direito comparado e no direito
brasileiro.
No terceiro e último capítulo serão expostos os efeitos jurídicos do casamento de
ordem social, pessoal e, com maior ênfase, os de ordem patrimonial. Também será analisada a
posição da doutrina e da jurisprudência no reconhecimento dos efeitos patrimoniais quando
das dissoluções das uniões homoafetivas.
16
CAPÍTULO I
1 HOMOAFETIVIDADE: ASPECTOS HISTÓRICOS E COCEPTUAIS
Neste primeiro capítulo aborda-se sobre o surgimento e a evolução histórica da
homoafetividade, trazendo inicialmente uma sucinta explanação acerca da terminologia
utilizada para definir as relações entre pessoas do mesmo sexo. Também, discorre-se sobre a
percepção e aceitação das relações homossexuais das civilizações antigas até o Brasil de hoje.
A homossexualidade nem sempre foi repudiada pela sociedade, tendo inicialmente
sido entendida como uma forma de transmissão de conhecimento, posteriormente, com o
surgimento da Igreja, incluída como um dos maiores pecados existentes, e, por sua vez, pela
medicina, catalogada com uma doença que necessitava de tratamento.
Todos os tópicos que serão analisados terão por objetivo fornecer informações, as
quais, posteriormente, serão utilizadas para se analisar mais concretamente o fundamento
utilizado para sedimentar o posicionamento legal adotado pelo sistema jurídico brasileiro
relativamente às relações homoafetivas.
1.1 Terminologia
Desde o surgimento das relações homoafetivas a sociedade utilizou-se de inúmeras
terminologias para designar a prática de relações entre pessoas do mesmo sexo. Portanto, se
17
faz necessário – antes de adentrarmos na evolução histórica - a análise detida dos termos
utilizados em referência a essas relações.
Dias (2004, p. 86), consigna em sua obra que a expressão “homossexual” teve origem
na cultura grega, “significando ‘homo’ ou ‘homoe’, que exprime a idéia de semelhança, igual,
análogo, ou seja, homólogo ou semelhante ao sexo que a pessoa almeja ter.”
Já o termo “‘homossexualidade’, composto pelo termo grego homo1, que quer dizer
semelhante, e pelo termo latino sexus2, que significa a identificação da espécie masculina ou
feminina, apareceu pela primeira vez em inglês, no ano de 1890, usada por Charles Gilbert
Chaddock, [...].” (TALAVERA, 2004, p. 45).
Por sua vez, Dias (2006, p. 33) em parcial contradição ao sustentado por Talavera,
alega que “O vocábulo ‘homossexualidade’ foi criado pelo médico húngaro Karoly Benkert e
introduzido na literatura técnica no ano de 1869. É formado pela raiz da palavra grega homo,
que quer dizer ‘semelhante’, e pela raiz latina sexus, passando a significar ‘sexualidade
semelhante’.”
Observa-se que embora a parcial contradição existente entre os aludidos autores, esta
diz respeito apenas ao período de criação e surgimento do referido termo.
No século XIX, a palavra inversão era comumente utilizada “para designar a conduta
homossexual, [...] que abrangia todos os conceitos considerados desviantes dos modelos
majoritários de preferência sexual.” (TALAVERA, 2004, p. 45-46, grifo nosso).
Também, “No Brasil, eram utilizados os designativos ‘sodomita’3, ‘somitigo’4,
‘uranista’5 e, para a designação da mulher homossexual, o termo ‘tríbade’6.” (TALAVERA,
2004, p. 46).
Importante ressaltar que, embora se diligencie para a criação de uma terminologia
menos preconceituosa, é possível observar que a sociedade persiste em associar a
homossexualidade ao pecado e anormalidade.
1
Homo: semelhante. (TALAVERA, 2004, p. 45)
Sexus: identificação da espécie masculina ou feminina. (TALAVERA, 2004, p. 45).
3
Sodomita: Pessoa que pratica a sodomia. (PRIBERAM, 2009).
4
Somitigo: Sinônimo de sodomita e uranista.
5
Uranista: Palavra derivada de uranismo a qual “[...] é sinônimo de "homosexualismo masculino."
(WIKITIONARY, 2009).
6
Tribade: Termo utilizado para descrever o amor entre mulheres. (TALAVERA, 2004, p. 46).
2
18
Assim, quando o vocábulo homossexualismo – concebido pela Classificação
Internacional de Doenças até 1995, como um “desvio ou transtorno sexual” (DIAS, 2006, p.
37) - ganhou da sociedade um conceito de menosprezo, Jurandir Freire Costa passou a utilizar
um novo termo denominado de homoerotismo. Referido médico empregou esta terminologia
na tentativa de “indicar que existe, no repertório da sexualidade humana, a possibilidade de
pessoas do mesmo sexo se sentirem atraídas, sem que isso implique doença, anomalia ou
perversão.” (apud DIAS, 2006, p. 33-34 , 37).
Dias (2006, p. 34), também com o intuito de proteger os partícipes das relações
homoafetivas, criou o “neologismo ‘homoafetividade’ [...]. Trata-se da palavra que melhor
expressa o vínculo que envolve o par, pois o afeto existente na maior parte das uniões
homossexuais é idêntico ao elemento psíquico e volitivo das uniões conjugais e companheiris,
[...].”
Enézio de Deus Silva Junior prefere o termo “homoessência”, que também eleva a
relação entre pessoas do mesmo sexo a uma concepção menos hostil. (apud DIAS, 2006, p.
34)
Assim, visando a não discriminação e optando por uma postura democrática e
contemporânea, serão utilizadas nesta pesquisa, quando possível, principalmente as
terminologias “homossexualidade” e “homoafetividade”, pois esses termos expressam o
verdadeiro conceito das relações entre pessoas do mesmo sexo.
1.2 Homossexualidade e as civilizações antigas
Para Dias (2001, p. 27), “A homossexualidade é tão antiga como a heterossexualidade.
Acompanha a história da humanidade e, se nunca foi aceita, sempre foi tolerada. É uma
realidade que sempre existiu, e em toda a parte, desde as origens da história humana.”
Semelhante afirmação é feita por Pereira (2003, p. 32), ao asseverar que “A
homossexualidade existe desde que o mundo é mundo. Em algumas culturas são mais
rechaçadas, em outras, menos.”
19
Pode-se afirmar que a prática da homossexualidade já ocorria no período pré-histórico,
visto que “[...] as tribos mantinham rituais de sexualidade, sendo traço costumeiro geral a
inseminação homossexual ritualizada nos meninos que, [...], eram separados das mães e
retirados da ‘casa das mulheres’, para dormir com o pai na ‘casa dos homens’.”
(TALAVERA, 2004, p. 65).
É possível, também, observar que a prática homoafetiva encontrava-se presente em
passagens do texto bíblico, principalmente nos relatos da destruição das cidades de Sodoma e
Gomorra, como forma de castigo pela prática de perversões sexuais entre seus habitantes.
(JENCZAK, 2008, p. 21).
Verifica-se, deste modo, que o repúdio à mantença deste tipo de relação existe desde
os primórdios da humanidade. No entanto, em que pese encontrar-se relatado na Bíblia a
rejeição à homossexualidade, por ser esta considerada um pecado, várias civilizações antigas
visualizavam essa prática como um privilégio. Ou seja, aqueles que mantinham relações
homossexuais eram elevados a uma posição privilegiada. (JENCZAK, 2008, p. 26).
O relacionamento entre pessoas do mesmo sexo, do mesmo modo, foi compreendido e
praticado com naturalidade nas duas maiores, mais importantes e antigas civilizações. Essas,
que por sua vez, tiveram grande influência na formação da cultura ocidental.
Como relata Dias (2001, p. 28), “Na Grécia clássica, o livre exercício da sexualidade,
verdadeiro privilégios dos bem-nascidos, fazia parte do cotidiano de deuses, reis e heróis.”
Nesse sentido, também, manifesta-se Jenczak (2008, p. 27) ao afirmar que a sociedade grega
aceitava com naturalidade as práticas homoafetivas, ou seja, para os gregos a
homossexualidade era tida como uma forma de ensinamento aos jovens para quando
adentrassem na vida adulta, acarretando-lhes, caso fossem bem sucedidos em sua iniciação
sexual, boa reputação social.
Em outras palavras, os propósitos sexuais na sociedade grega referiam-se
principalmente a amores masculinos, sendo esses baseados em relações pedófilas7. As
relações mantidas entre os homens e os jovens gregos possuíam o objetivo de iniciá-los em
sua vida sexual. O jovem grego deitava-se com o homem mais velho,
7
Pedofilia: “[...] é a perversão sexual, na qual a atração sexual de um indivíduo adulto ou adolescente está
dirigida primariamente para crianças pré-púberes, antes da idade em que a criança entra na puberdade.”
(WIKIPEDIA, 2009).
20
preceptor 8, considerado como um modelo de sabedoria, para que esse lhe transmitisse seus
conhecimentos, tornando, assim, o jovem mais bem treinado para a guerra e mais apto à
política. (DIAS, 2001, p. 29).
Dessa forma, é possível observar que na civilização grega, a prática da
homossexualidade ocorria com maior normalidade que as relações heterossexuais, pois a
prática daquelas relações era considerada mais adequada ao ensinamento dos jovens e à
realização dos simples desejos da carne, enquanto que as relações entre homens e mulheres
eram exercidas apenas para fins de procriação. (DIAS, 2006, p. 26).
Interessante destacar que, “O casal homossexual mais retumbante da mitologia grega é
formado por Zeus9 e Ganimedes10. O deus mais poderoso e senhor do Olimpo11 era
terminantemente apaixonado por Ganimedes”. (TALAVERA, 2004, p. 68). Já no que respeita
a homossexualidade feminina, “[...], a figura inspiradora [...] foi a famosa poetisa Safos, que
viveu cercada de alunas na ilha de Lesbos12.” (JENCZAK, 2008, p. 28).
Os romanos, por sua vez, também admitiam a homossexualidade, no entanto, as
relações eram vislumbradas sob uma perspectiva cultural diversa.
Para eles, a homossexualidade, da mesma forma, era considerada natural, entretanto,
havia preconceito quanto ao ente passivo da relação, porquanto, entendia-se que a passividade
na relação sexual estava associada à impotência política. Por consequência desse preconceito,
a figura passiva da relação sempre era exercida por rapazes, mulheres e escravos, figuras
excluídas do poder, logo, aptas a cumprirem a passividade da relação. (DIAS, 2001, p. 31).
Im p o r t a n t e d e s t a c a r q u e i n ú m e r a s p e r s o n al i d a d e s r om a n a s e r a m
adeptas
8
da
h o m os s e x u a l i d a d e .
Dentre
elas
p od e - s e
citar
V i r gí l i o 13,
Preceptor: “[...] era um modelo de sabedoria, geralmente um guerreiro, que se dispunha a transmitir seus
conhecimentos, [...].” (DIAS, 2001, p. 29).
9
Zeus: “[...] Na mitologia grega, é o rei dos deuses, soberano do Monte Olimpo e deus do céu e do trovão.”
(WIKIPEDIA, 2009)
10
Ganimedes: “Na mitologia grega, Ganímedes ou Ganimedes era um príncipe de Tróia, por quem Zeus se
apaixonou.” (WIKIPEDIA, 2009).
11
Monte Olimpo: “Na mitologia grega, [...] é a morada dos Doze Deuses do Olimpo, os principais deuses do
panteão grego.” (WIKIPEDIA, 2009).
12
Lesbos: é uma ilha grega localizada no nordeste do mar Egeu. (WIKIPEDIA, 2009).
13
Virgílio: “Considerado o maior poeta latino. Era natural da região de Mântua (70-19 a.C.) e filho de uma
família de camponeses. Alcançou pelo casamento uma situação estável, podendo então ouvir, em Milão e Roma,
as lições de filósofos epicuristas. Amigo de Horácio, como ele protegido por Mecenas, entrou em contato com o
imperador, de quem recebeu o incentivo para escrever a Eneida.” (WIKIPEDIA, 2009).
21
H o r á c i o 14 e C í c e r o 15, q ue em s u a s biografias relatam sua atração pelos jovens
romanos. (JENCZAK, 2008, p. 28).
Também, “César, o Grande Imperador do Império Romano, era aclamado como
omnium virorum mulier, ominium mulieram virum16, ou seja, mulher de todos os homens e
homem de todas as mulheres, em virtude de seu arrebatado apetite sexual indistinto.”
(TALAVERA, 2004, p. 70, Grifo do autor).
Dessa forma, observa-se que a percepção da homossexualidade para as sociedades
grega e romana possuía aspectos distintos. Ambas aceitavam a prática homoafetiva, no
entanto, para a romana, o ente passivo da relação transmitia a imagem de impotência,
incapacidade política, portanto, somente aqueles que não faziam parte do poder político
romano é que deveriam ser o ente passivo da relação. Já para a sociedade grega, sua prática
era visualizada como a transferência de conhecimento do mais velho para o mais jovem, para
que este obtivesse êxito em sua vida adulta, sem a existência de qualquer preconceito quanto
ao ente passivo da relação.
Além dos gregos e romanos, outras civilizações antigas também exaltavam a prática
da homossexualidade. Conforme afirma Talavera (2004, p. 65) “Arqueólogos, investigando as
civilizações da Suméria, Mesopotâmia e Egito, descobriram evidências de que o amor
homossexual era vital para a integridade do tecido social.”
Também, “Na China e na Índia da Antiguidade, bem como no Império Islâmico, o
amor pelo mesmo sexo era respeitado e honrado.” (TALAVERA, 2004, p. 65).
Já
na
Idade
Média,
“a
homossexualidade
floresceu
nos
r e c ô n d i t o s d o s m o s t e i r o s e d o s a c a m p a m e n t o s m i l i t a r e s , [...] n o
período
14
R e n a s c e n t i s t a 17,
vários
artistas
e
intelectuais,
como
Horácio: “[...] foi um poeta lírico e satírico romano, além de filósofo. É conhecido por ser um dos maiores
poetas da Roma Antiga.” (WIKIPEDIA, 2009).
15
Cícero: “[...] foi um filósofo, orador, escritor, advogado e político romano.” (WIKIPEDIA, 2009).
16
“omnium virorum mulier, ominium mulieram virum”: expressão que significa mulher de todos os homens e
homem de todas as mulheres. (TALAVERA, 2004, p. 70).
17
Renascimento: “[...] termos usados para identificar o período da História da Europa aproximadamente entre
fins do século XIII e meados do século XVII, quando diversas transformações em muitas áreas da vida humana
assinalam o final da Idade Média e o início da Idade Moderna. Apesar destas transformações serem bem
evidentes na cultura, sociedade, economia, política e religião, caracterizando a transição do feudalismo para o
capitalismo e significando uma ruptura com as estruturas medievais, o termo é mais comumente empregado para
descrever seus efeitos nas artes, na filosofia e nas ciências.” (WIKIPEDIA, 2009).
22
L e o n a r d o da Vinci18, Michelângelo19, Caravaggio20, Shakespeare21 e Francis Bacon22,
cultivaram explicitamente paixões [...] homossexuais.” (TALAVERA, 2004, p. 66).
Denota-se, portanto, que a homossexualidade esteve presente em inúmeras
civilizações antigas, possuindo, em cada uma delas, uma interpretação, conforme a cultura
local.
1.3 Homossexualidade e a religião
Como já apontado, a homossexualidade era vista e tratada com naturalidade pelos
povos antigos, entretanto, com o surgimento da Igreja e de seus dogmas, essa prática sexual
passou a ser vista como uma forma de pecado, sofrendo grandes preconceitos.
Conforme afirma Dias (2006, p. 27) “A concepção bíblica busca a preservação do
grupo étnico baseada no Gênesis23 e na história de Adão e Eva24, de que a essência da vida é o
homem, a mulher e sua família.”
18
Leonardo da Vinci: “[...] (15 de abril de 1452 – Cloux, 2 de maio de 1519) uma das figuras mais importantes
do Alto Renascimento, que se destacou como cientista, matemático, engenheiro, inventor, anatomista, pintor,
escultor, arquiteto, botânico, poeta e músico. É ainda conhecido como o precursor da aviação e da balística.
Leonardo frequentemente foi descrito como o arquétipo do homem do Renascimento, alguém cuja curiosidade
insaciável era igualada apenas pela sua capacidade de invenção. É considerado um dos maiores pintores de todos
os tempos, e como possivelmente a pessoa dotada de talentos mais diversos a ter vivido.” (WIKIPEDIA, 2009).
19
Michelângelo: “[...] (Caprese, 6 de Março de 1475 — Roma, 18 de Fevereiro de 1564) foi um pintor, escultor,
poeta e arquiteto renascentista italiano.” (WIKIPEDIA, 2009).
20
Caravaggio: “[...] (Milão, 29 de Setembro de 1571 – Porto Ercole, comuna de Monte Argentario, 18 de Julho
de 1610) foi um pintor Italiano atuante em Roma, Nápoles, Malta e Sicília, entre 1593 e 1610. É normalmente
identificado como um artista Barroco, estilo do qual ele é o primeiro grande representante. Caravaggio era o
nome da aldeia natal de sua família, que ele adotou como nome artístico. (WIKIPEDIA, 2009).
21
Shakespeare: “[...] (baptizado em 26 de Abril de 1564 – 23 de Abril de 1616) foi um poeta e dramaturgo
inglês, tido como o maior escritor do idioma inglês e o mais influente dramaturgo do mundo.” (WIKIPEDIA,
2009).
22
Francis Bacon: “[...] também referido como Bacon de Verulâmio (Londres, 22 de Janeiro de 1561 — Londres,
9 de abril de 1626) foi um político, filósofo e ensaísta inglês, barão de Verulam (ou Verulamo ou ainda
Verulâmio), visconde de Saint Alban. É considerado como o fundador da ciência moderna.” (WIKIPEDIA,
2009).
23
Gênesis: “[...] é o primeiro livro da Bíblia [...]”. “Narra acontecimentos, desde a criação do mundo, na
perspectiva judaica, passando pelos Patriarcas bíblicos, até à fixação deste povo no Egipto, depois da história de
José.” (WIKIPEDIA, 2009).
24
Adão e Eva: “Segundo a Bíblia e o Alcorão, Adão e Eva foram o primeiro casal criado por Deus”.
(WIKIPEDIA, 2009).
23
Nesse mesmo caminhar leciona Silva Junior (2007, p. 59) ao afirmar que “A partir do
início da Era Cristã, com a sacralização da união heterossexual, a preponderante visão
teológica e a influência da lei mosaica25 [...], a homossexualidade passou a sofrer fortes
repressões, intensificando-se inúmeros ‘preconceitos’ contra o desejo homoerótico [...].”
Havia, assim, grande preconceito da religião para com os homossexuais, pois a Igreja
preconizava a preservação da espécie humana, portanto, relações sexuais deveriam ser
praticadas apenas quando destinadas à procriação. Dessa forma, considerando que nas
relações homossexuais não se encontra diversidade sexual, que por sua vez, tornava
impossível a procriação, referidas relações eram vistas como anomalias da natureza, violações
a ordem natural, e por consequência, impossíveis de serem aceitas. (DIAS, 2004, p. 87).
São Tomás de Aquino, filósofo e padre católico, assim pregava “O amor carnal,
enquanto associado ao prazer, é um rival do amor de Deus [...]”, portanto, relações sexuais
somente deveriam ser praticadas para a procriação da espécie humana e no matrimônio, haja
vista este ser “[...] considerado como um remédio que Deus deu ao homem para preservá-lo
da impudicícia e da luxúria.” (DIAS, 2006, p. 28).
A repressão perpetrada pela Igreja à homossexualidade “[...] recrudesceu em 1179,
quando a prática foi convertida em crime pelo Concílio de Latrão26 e os homossexuais
passaram a ser perseguidos pela Inquisição.” (JENCZAK, 2008, p. 34).
As legislações dos séculos XII e XIII, também consideraram a homossexualidade
como crime, sujeitando seus adeptos a determinadas penalidades. Por sua vez, o primeiro
código ocidental, além de considerar sua prática como crime, foi mais rigoroso quanto à
aplicação da pena, pois, segundo referido diploma, a penalidade cabível às práticas sodomitas
era a morte. (DIAS, 2006, p. 28).
Também asseverava a Igreja Católica que “[...] qualquer atitude em descompasso com
a maioria estava em desarmonia com a vontade divina e, por conseqüência, as minorias
deveriam ser castigadas por implícito atentado a Deus.” (DIAS, 2006, p. 28).
25
Lei mosaica: “[...] é composta de todo o código de leis formado por 613 disposições, ordens e proibições. Em
hebraico a Lei é chamada de Torá, que pode significar lei como também instrução ou doutrina. O conteúdo da
Torá são os cinco livros de Moisés, mas o termo Torá é aplicado igualmente ao Antigo Testamento como um
todo.” (WIKIPEDIA, 2009).
26
Concílio de Latrão (1179): “O concílio Latrão III foi o décimo primeiro concílio ecumênico da Igreja
católica.” (WIKIPEDIA, 2009).
24
Assim, “[...] por meio da evangelização se ‘ditava a voz de Deus’, a palavra da Igreja,
por via de conseqüência, acabava sendo a ‘voz do povo’. Essa formula garantia o domínio da
Igreja, assegurando a aceitação de seus dogmas e mandamentos.” (DIAS, 2006, p. 28).
Deste modo, pode-se afirmar que “A hegemonia da religião cristã entre os sistemas de
governo do Ocidente foi a causa maior do sufocamento das liberdades sexuais ao longo de
quase dois milênios.” (JENCZAK, 2008, p. 35).
Todavia, é oportuno ressaltar que a Igreja Católica perde parte de sua supremacia
quando sobrevém a separação entre o Estado e a Igreja, ou seja, “Com o afrouxamento dos
laços entre o Estado e a Igreja, cessou o condicionamento a uma estrita obediência às normas
ditadas pela religião, em que a apenação pelo descumprimento dos dogmas de fé estava
sujeita à ira divina, eterna e implacável.” (DIAS, 2006, p. 29).
Dessa forma, “O declínio da influência da Igreja fez diminuir o sentimento de culpa, e
o prazer sexual deixou de ser criminoso. [...]. Passou a haver uma maior valoração do afeto, e
a orientação sexual começou a se caracterizar como uma opção, e não como um ilícito ou uma
culpa.” (DIAS, 2006, p. 29).
Entretanto, em que pese à decadência do poder da Igreja seus “[...] ditames [...],
permanecem vigentes até hoje, como comprova a encíclica “Fides et Ratio”27 [...], editada
pelo papa João Paulo II. [...] o documento ratifica a postura repressiva da Igreja e reprova
tanto o amor livre como a homossexualidade.” (JENCZAK, 2008, p. 36).
Assim, analisando a evolução da homoafetividade, é possível observar que a religião,
principalmente Católica, foi e continua sendo a grande opositora dessa forma de relação,
relegando, ao extremo, sua prática.
1.4 Homossexualidade e a medicina
Durante muitos anos a homossexualidade foi tratada pela medicina como se doença
fosse, pois não se admitia que um indivíduo pudesse sentir-se atraído por outro do mesmo
27
Fides et Ratio: expressão que significa Fé e Razão. (JENCZAK, 2008, p. 36).
25
sexo.
Entretanto, com a evolução da sociedade e da medicina, foi possível observar que, em
que pese ser uma forma diferente de relação e atração, a homossexualidade não pode ser
definida como uma doença, mas sim, como uma característica particular existente em alguns
indivíduos, isto é, a homossexualidade é apenas um modo de ser e agir diverso do padrão
estabelecido como normal e moral pela sociedade.
1.4.1 Homossexualidade como doença
A sociedade sempre encontrou dificuldade em aceitar o diferente, aquilo que não é
padrão, principalmente no que respeita as diferenças relacionadas à sexualidade humana.
Assim, observa-se que:
[...] há muito, uma preocupação científica em identificar e perquerir as
causas do desejo homossexual, porque, na realidade, esta manifestação da
sexualidade ainda é compreendida de forma marginal e, pois, segregada,
discriminada, por se afastar ‘dos padrões comportamentais estabelecidos
pela sociedade – de acordo com os seus ‘critérios’ de normalidade’”.
(SILVA JUNIOR, 2007, p. 57). (sic.)
Desse modo, em decorrência da incessante busca de uma causa que explicasse os
motivos pelos quais alguns indivíduos sentiam-se atraídos por outros do mesmo sexo, “A
experiência homossexual já foi identificada como uma doença, uma perturbação, uma
maldição.” (DIAS, 2006, p. 33).
Na Idade Média, por exemplo, “[...], em face da influência das concepções religiosas,
a Medicina considerava o “homossexualismo” uma doença, enfermidade que acarretava a
diminuição das faculdades mentais, mal contagioso decorrente de um defeito genético”.
(DIAS, 2006, p. 36). Por isso, durante muitos anos estudou-se, “[...] o sistema central, os
hormônios, o funcionamento do aparelho genital, e nada encontrou de diferente entre homo e
heterossexuais.” (DIAS, 2006, p. 37).
Também se “Tentou mudar o comportamento humano tido como desviante usando os
26
mais diversos métodos, mas todos os resultados foram nulos.” (DIAS, 2006, p. 37).
No entanto, em que pese os mal sucedidos resultados das pesquisas sobre o
comportamento homossexual, a medicina, ainda permaneceu considerando essas relações
como doença, tanto é, que tal prática foi inserida na Classificação Internacional das Doenças –
CID, lista esta, organizada e revisada periodicamente pela Organização Mundial da Saúde.
Assim, inicialmente o homossexualismo foi inserido na CID n. 9, sendo “[...]
classificado como diagnóstico psiquiátrico inserido no capítulo das ‘doenças mentais’, e no
sub-capítulo dos ‘desvios e transtornos sexuais’, sob o n. 302.0.” (TALAVERA, 2004, p. 47).
Já por meados do ano de 1985, quando de uma das revisões periódicas da
Classificação Internacional das Doenças, a Organização Mundial da Saúde, através de uma
circular, manifestou-se acerca da mudança da classificação da homossexualidade.
[...] a OMS publicou uma circular que explicava que o homossexualismo
interrompia as cíclicas considerações que o entabulavam como doença,
sendo que seu local na CID havia sido alterado do capítulo das ‘doenças
mentais’, para o dos ‘sintomas decorrentes de circunstâncias psicossociais’,
ou seja, passou a ser considerado um ‘desajustamento social decorrente de
discriminação religiosa ou sexual’. (TALAVERA, 2004, p. 47).
Desse modo, “O homossexualismo deixou, assim, de ser ‘homossexualismo’ e passou
a ser tratado como o designativo ‘homossexualidade’, pois em medicina o sufixo ‘ismo’ é
designativo de doença, ao passo que o sufixo ‘dade’ significa modo de ser e agir.”
(TALAVERA, 2004, p. 47).
No entanto, alguns autores permanecem afundados em um preconceito sem dimensão,
visto que ainda discorrem da homossexualidade como sendo uma doença, como se observa
das declarações de Delton Croce, que afirma ser a homossexualidade uma:
[...] perversão sexual que atinge os dois sexos; pode ser, portanto, masculino
– quando praticados por homens entre si – e feminino – quando por mulher
com mulher. Homossexual é o que pratica atos libidinosos com indivíduos
do mesmo sexo ou então apenas exibe fantasias eróticas a respeito, e, do
ponto de vista legal, o que perpetrou ato homossexual devidamente
confirmado. (CROCE apud TALAVERA, 2004, p. 48).
Denota-se, portanto, que após um longo período, a medicina aceitou que a
homossexualidade não é uma doença, logo, não necessitando de cura, devendo simplesmente
27
ser vista como uma forma de ser diferente do estereótipo estabelecido pela sociedade.
Todavia, ainda é possível observar um ranço preconceituoso que restou, porém, mas
felizmente, apenas uma pequena e quase insignificante parcela de autores ainda persistem em
considerar a homossexualidade como uma patologia.
1.4.2 Homossexualidade e a psicologia
Por sua vez, na área da psicologia, classificava-se a homossexualidade “[...] como um
distúrbio de identidade, e não como uma doença.” (DIAS, 2004, p. 88).
Essa categorização da homossexualidade apareceu no século V, quando “[...], o
médico romano Caelius Aurelianus28 classificou a passividade masculina e a inversão de
gêneros como perturbação mental.” (DIAS, 2006, p. 38).
Assim, “A partir do final do século XIX, os desvios sexuais passaram a merecer uma
abordagem no campo da psicopatologia.” (DIAS, 2006, p. 38).
Dessa forma, observa-se que, embora não classificada
como doença, a
homossexualidade ainda sofria com o estigma de ser uma perturbação mental. Todavia, apesar
da psicologia considerar a homossexualidade como uma doença mental, Sigmund Freud29,
fundador da Psicanálise, afirmava que “[...] tudo é acaso, não há uma opção, um
planejamento. O pai da Psicanálise não considerava a ‘inversão sexual’ uma perversão,
tampouco uma enfermidade.” (DIAS, 2006, p. 39).
Ademais, em sua obra, Três Ensaios da Teoria Sexual, assim manifestou-se:
[...], propunha que os homossexuais se analisassem para viver melhor. Assim
respondeu Freud à carta da mãe de um homossexual: Entendi, pela sua carta,
que seu filho é homossexual. Estou muito impressionado pelo fato de a
senhora não mencionar este termo nas informações sobre ele. Posso
perguntar-lhe por que o evita? A homossexualidade não traz com certeza
qualquer benefício, mas não é nada que deva ser classificado como doença;
consideramos que seja uma variação do desenvolvimento sexual. (FREUD
apud DIAS, 2006, p. 39).
28
Caelius Aurelianus: “médico romano e escritor sobre temas médicos, de Sicca na Numídia.”
(TRANSLATE.GOOGLE, 2009).
29
Sigmund Freud: “foi um médico neurologista judeu-austríaco, fundador da psicanálise.” (WIKIPEDIA, 2009).
28
Já o psicólogo Roberto Granã acredita ser a homossexualidade “[...] fruto de um
determinismo psíquico primitivo que tem origem nas relações parentais desde a concepção até
os 3 ou 4 anos de idade, quando se constitui o núcleo da identidade sexual na personalidade
do indivíduo, que irá determinar sua orientação sexual.” (DIAS, 2004, p. 88).
Em outras palavras, aludido profissional acredita que “[...], a cultura, e mais
precisamente a linguagem, oferece ao indivíduo, desde os primórdios da sua vida pós-natal,
signos, símbolos e significações que vão lhe servir como referências ambientais constituintes
de sua identidade subjetiva e sexual.” (DIAS, 2006, p. 40).
Henry Ey30, por sua vez, acredita ser a homossexualidade “[...] um desvio do impulso
sexual, adquirido em consequência de um fracasso do aparecimento edipiano, que pode
decorrer de fatores constitucionais, acidentais, pertencer à primeira estrutura familiar ou advir
de características da personalidade dos pais.” (DIAS, 2006, p. 40).
Denota-se, portanto, que embora a psicologia acredite que a homossexualidade não é
uma doença, existe uma grande gama de opiniões acerca de onde provem os instintos sexuais
que levam alguns indivíduos a sentirem-se atraídos por outros do mesmo sexo, isto é, existe
ainda grande divergência acerca dos motivos que desencadeiam a atração homossexual.
Mormente, com o objetivo de por fim ao estigma que cerca as relações entre pessoas
do mesmo sexo, a Associação Americana de Psiquiatria “No ano de 1973, [...] retirou a
homossexualidade da lista de distúrbios mentais [...] sob o fundamento de ser mais o reflexo
das realidades políticas e sociais do que a realidade psicológica”. (DIAS, 2006, p. 39). Ou
seja, referida associação afirma que “[...] a homossexualidade da pessoa não implica que haja
prejuízo em julgamento, estabilidade, segurança ou capacidade social ou vocacional em
geral.” (TALAVERA, 2004, p. 47-48).
Do
mesmo
modo,
“Para
evitar
que
o
preconceito
seja
alimentado ou que se usem práticas terapêuticas para ‘curar’ os
homossexuais, o Conselho Federal de Psicologia, em 23/3/1999,
30
Henry Ey: “[...] (Banyuls CERET 10 de agosto 1900 - Banyuls CERET 8 de novembro de 1977) é um
psiquiatra e psicanalista francês, conhecido por buscar trazer psiquiatria e psicanálise. Sainte muito prolífico em
seus escritos, incluindo um tratado de Psiquiatria (Masson ed. 1980) e seu ensinamento de casos clínicos na
biblioteca do hospital de Paris-Anne, como ele conduz um CHS em Bonneval, de Eure-et -Loir. Sua concepção
da psiquiatria gira em torno da organodynamism.." (TRANSLATE.GOOGLE, 2009).
29
b a i x o u a R1/9931, orientando os profissionais da área sobre como proceder.” (DIAS, 2006,
p. 41).
Assim, considerando todo o exposto, faz-se mister esclarecer que:
Atualmente, as ciências médicas, em especial a área da psicologia, vêem “a
homossexualidade como uma variação natural da expressão humana e
considera os gays indivíduos normais, que se experimentam alguma forma
de sofrimento, é originado pela intolerância e preconceito social
injustificado”. (GIRARDI, 2005, p. 68).
Conclui-se, desta forma, que dentro da própria psicologia existiu grande disparidade
de entendimentos acerca dos processos psicológicos que influenciam as pessoas a praticarem
a homossexualidade, todavia, superada grande parte dessas teorias, é perceptível a
importância concedida pela Associação Americana de Psiquiatria para afastar o estigma de
distúrbio criado ao redor das práticas homoafetivas.
1.5 Homossexualidade no Brasil
Conforme anteriormente comentado, a homossexualidade esteve presente em inúmeras
culturas antigas, bem como, sempre acompanhou a evolução da sociedade. Obviamente, essas
31
RESOLUÇÃO CFP Nº 1/99 DE 23 DE MARÇO DE 1999. "Estabelece normas de atuação para os
psicólogos em relação à questão da orientação sexual".O Conselho Federal de Psicologia no uso de suas
atribuições legais e regimentais, Considerando que o psicólogo é um profissional da Saúde; Considerando que na
prática profissional, independentemente da área em que esteja atuando, o psicólogo é freqüentemente interpelado
por questões ligadas à sexualidade; Considerando que a forma como cada um vive sua sexualidade faz parte da
identidade do sujeito, a qual deve ser compreendida na sua totalidade; Considerando que a homossexualidade
não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão; Considerando que há uma inquietação na sociedade em
torno de práticas sexuais desviantes da norma estabelecida socioculturalmente; Considerando que a Psicologia
pode e deve contribuir com seu conhecimento para o esclarecimento das questões da sexualidade, permitindo a
superação de preconceitos e discriminações. Resolve: Art. 1º - Os psicólogos atuarão segundo os princípios
éticos da profissão, notadamente aqueles que disciplinam a não discriminação e a promoção do bem-estar das
pessoas e da humanidade. Art. 2º - Os psicólogos deverão contribuir, com seu conhecimento, para uma reflexão
sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações e estigmatizações contra aqueles que apresentam
comportamentos ou práticas homoeróticas. Art. 3º - Os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreçam
patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar
homossexuais para tratamentos não solicitados.Parágrafo único - Os psicólogos não colaborarão com eventos e
serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades. Art. 4º - Os psicólogos não se pronunciarão
e nem participarão de pronunciamentos públicos nos meios de comunicação de massa de modo a reforçar os
preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica.
Art. 5º - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação. Art. 6º - Revogam-se todas as disposições em
contrário. (GLSSITE, 2009).
30
relações também marcaram presença no desenrolar da história brasileira, encontrando aqui, do
mesmo modo, aversão a sua prática.
Inicialmente, as relações homossexuais ocorriam entre os índios que aqui habitavam,
sendo considerada uma prática normal, sem indício de qualquer preconceito. Com o passar do
tempo e com o descobrimento do Brasil, os colonos portugueses que se encontravam em
nosso território, também, acederam à prática dessas relações, “[...] sob o pretexto de que ‘infra
equinoxialem nihil pecari32’ ou de que ‘não há pecado abaixo da linha do Equador’.”
(JENCZAK, 2008, p. 31).
Ademais, havia relatos de que “Ao tempo da escravidão, a exploração lasciva dos
escravos jovens de ambos os sexos por parte dos senhores tornou-se corriqueira.”
(JENCZAK, 2008, p. 31).
Por sua vez, a Igreja, na ânsia de acabar com as relações homossexuais, que até então,
devido à cultura indígena, eram livremente praticadas em nosso território, enviou inúmeros
juízes inquisitoriais para que fiscalizassem e cominassem as penas necessárias aos indivíduos
que mantivessem qualquer tipo de relação com outro do mesmo sexo. Todavia, em que pese à
perseguição existente, “O Rio de Janeiro e a Bahia se tornaram notórios centros de
prostituição, infiltrando-se a devassidão até entre os membros do corpo eclesiástico.”
(JENCZAK, 2008, p. 31).
Dessa forma, levando-se em conta que apenas as fiscalizações praticadas pelos juízes
inquisitoriais não eram suficientes na perseguição às práticas homossexuais, foram também
utilizadas inúmeras legislações portuguesas, as quais imputavam as mais diversas sanções às
relações homoafetivas.
Dentre as mais notórias leis portuguesas aqui aplicadas encontram-se as Ordenações
Afonsinas33, criadas em 1446 com base no Direito Canônico, as quais “[...] determinavam a
pena da fogueira para os sodomitas [...]”. (JENCZAK, 2008, p. 31), bem.. como as
32
“infra equinoxialem nihil pecari”: expressão que significa “não há pecado abaixo da linha do Equador.”
(JENCZAK, 2008, p. 31).
33
Ordenações Afonsinas: “[...] são uma colectânea de leis promulgadas, como primeira compilação oficial do
século XV, durante o reinado de Dom Afonso V. As Ordenações encontram-se divididas em cinco livros, talvez
à imitação dos Decretais de Gregório IX. Todos os livros são precedidos de preâmbulo, que no primeiro é mais
extenso que nos restantes, pois lá se narra a história da compilação. O livro II ocupa-se dos bens e privilégios da
igreja, dos direitos régios e sua cobrança, da jurisdição dos donatários, das prerrogativas da nobreza e legislação
"especial" para judeus e mouros. O livro IV trata do direito civil.” (WIKIPEDIA, 2009).
31
Ordenações ..Manuelinas34 de 1552 e as Ordenações Filipinas35 de 1606.
Nessas duas últimas ordenações, “[...] confirma-se a pena de fogueira aos somítigos,
que passam a ser equiparados aos criminosos de lesa-majestade36 e de traição nacional,
ficando, por conseguinte, seus descendentes inábeis e estigmatizados por três gerações
sucessivas [...].” (TALAVERA, 2004, p. 66).
Em outras palavras, tanto nas Ordenações Manuelinas como nas Filipinas, além da
pena da fogueira, também “Foram acrescentadas as penas de perda da fortuna e de degredo, e
as mulheres deveriam trajar máscaras e vestes masculinas em dias não-festivos.” (JENCZAK,
2008, p. 31).
As Ordenações Filipinas permaneceram em vigência no Brasil até meados de 1824,
quando então foi promulgada a Constituição Imperial, que acabou por descriminalizar a
homossexualidade. Contudo, a descriminalização não perdurou por muito tempo, visto que
em 1830, com a promulgação do Código Criminal, a homossexualidade, novamente, foi
enquadrada como crime, isto é, “O Código Criminal de 1830, [...], enquadrou a conduta
homossexual em novos tipos penais, como o da ofensa à moral e aos bons costumes.”
(JENCZAK, 2008, p. 31).
O Código Penal de 1890, por sua vez, manteve o posicionamento do Código de 1830,
todavia, enquadrou as práticas homossexuais também como crime de ultraje ao pudor e
atentado contra a segurança da honra e da honestidade das famílias. Já no que respeita ao
Diploma Penal de 1940, permaneceu sustentando o crime de ultraje ao pudor com relação à
homossexualidade. (JENCZAK, 2008, p. 31).
34
Ordenações Manuelinas: “Com este nome se designa a nova codificação que D. Manuel I promulgou, em
1521, para substituir as Ordenações Afonsinas. [...] constituem já uma actualização das Ordenações Afonsinas,
embora mantendo o plano adaptado, compreendendo, portanto, cinco livros, subdivididos em títulos e
parágrafos. Mas as alterações são importantes, como a supressão das normas revogadas. Quanto à forma, a
principal diferença reside no facto de se apresentarem redigidas em estilo mais conciso e todo o decretório,
sendo só excepcionalmente que aparece o extracto de algumas leis, mas nunca a transcrição literal.”
(WIKIPEDIA, 2009).
35
Ordenações Filipinas: “Esta compilação jurídica resultou da reforma do código manuelino, como
consequência do domínio castelhano, tendo sido mais tarde confirmada por D. João IV. Mais uma vez se fez
sentir a necessidade de novas ordenações que representassem a expressão coordenada do direito vigente. A obra
ficou pronta ainda no tempo de Filipe I, que a sancionou em 1595, mas só foi definitivamente mandada observar,
após a sua impressão em 1603, quando já reinava Filipe II. As Ordenações Filipinas, embora muito alteradas,
constituíram a base do direito português até a promulgação dos sucessivos códigos do século XIX, sendo que
algumas disposições tiveram vigência no Brasil até o advento do Código Civil de 1916.” (WIKIPEDIA, 2009).
36
Crime de Lesa-Majestade: “[...] quer dizer traição cometida contra a pessoa do Rei, ou seu Real Estado, [...].”
(WIKIPEDIA, 2009).
32
No âmbito do poder executivo, também foram instituídas campanhas contra a
proliferação da homossexualidade, visto que “No século XIX, [...] as práticas homossexuais
se tornaram comuns no Rio de Janeiro, especialmente entre empregados e comerciantes
portugueses. Campanhas contra libertinos e homossexuais foram organizadas pelo Estado,
ciente da precariedade sanitária dos núcleos urbanos.” (JENCZAK, 2008, p. 31).
Todavia, apesar das mais variadas perseguições sofridas pelos homossexuais, observase que não foram suficientes para impedir a continuidade dessas práticas, visto que em
meados dos anos 70 ocorreu no Brasil “O grande ‘boom gay’ [...] e seu marco inicial foi uma
exposição de quadros eróticos do pintor Darcy Penteado37.” (JENCZAK, 2008, p. 32).
A partir desse marco histórico que concedeu maior visibilidade aos homossexuais,
inúmeros indivíduos, com grande notoriedade e influência social, passaram a assumir a sua
preferência homossexual, encorajando, dessa forma, vários anônimos a também darem esse
grande passo, rompendo, assim “[...] com a opressão do meio social e familiar, e buscando o
reconhecimento de seus direitos.” (JENCZAK, 2008, p. 32).
Nesse mesmo contexto, é possível observar que “Na segunda metade do século XX, a
abertura homossexual ganhou um grande impulso por meio do teatro, a partir da peça ‘Greta
Garbo, quem diria, acabou no Irajá”, de Fernando Melo38 [...]”. (JENCZAK, 2009, p. 32).
Também, durante esse período, as peças “[...] do polêmico teatrólogo e cronista Nelson
Rodrigues39, [...] ‘Beijo no Asfalto’ (1960) e ‘Toda nudez será castigada’(1966) [...]”,
obtiveram grande destaque, ao passo que oportunizaram inúmeras discussões acerca da
homossexualidade, expondo, dessa maneira, a necessidade de encarar o preconceito existente.
(JENCZAK, 2008, p. 32).
A Revolução de 196440, por seu turno, também exerceu importante papel sob a nova
visão da sociedade brasileira no tocante às relações homoafetivas, tendo em vista que “[...]
37
Darcy Penteado: “foi um desenhista, cenógrafo, autor teatral e pioneiro militante dos movimentos GLS
brasileiro. Participou de inúmeras exposições, ilustrou livros e foi uma figura presente na cena cultural da cidade
de São Paulo entre a década de 1950 e década de 1980, quando faleceu vitimado pela AIDS. Paritcipou
ativamente, durante os anos de repressão da ditadura militar, do jornal O Lampião, ativo na defesa dos direitos
dos homossexuais.” (WIKIPEDIA, 2009).
38
Fernando Melo: (Recife, 1945) é um dramaturgo brasileiro. (WIKIPEDIA, 2009).
39
Nelson Rodrigues: (Recife, 23 de agosto de 1912 – Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 1980) foi um importante dramaturgo, jornalista e escritor brasileiro. (WIKIPEDIA, 2009).
40
Revolução de 1964: O Golpe de 1964, que durante a vigência do ciclo militar no Brasil foi chamado de
Revolução de 1964, submeteu o Brasil a uma ditadura militar alinhada politicamente com os interesses dos
Estados Unidos da América. O ciclo militar durou até 1985, quando, indiretamente, foi eleito o primeiro
presidente civil desde as eleições de 1960, Tancredo Neves. (WIKIPEDIA, 2009).
33
instalou no país um regime militar autoritário e impediu a livre expressão do pensamento,
levou ao exílio muitos artistas e intelectuais – o que acabou por proporcionar-lhes uma visão
cosmopolita sobre vários temas.” (JENCZAK, 2008, p. 32).
Dessa forma, em 1979, quando concedida a anistia aos presos políticos, estes
[...] trouxeram para o Brasil sua experiência em países liberais e lançaram o
movimento gay no país. O movimento se desdobrou em iniciativas que
incluíam desde a publicação de jornais e revistas até a organização da XVIII
Conferência da Internacional Lesbian and Gay Association (ILGA41) e da I
Olimpíada Gay no Brasil, em 1994, no Rio de Janeiro, com grande sucesso
de público. (JENCZAK, 2008, p. 32).
Todavia, não obstante as evoluções apontadas, é possível verificar que as relações
homossexuais no Brasil ainda sofrem inúmeros preconceitos, porquanto “há uma nítida
tentativa de negar a existência dos vínculos afetivos homossexuais, o que gera um sistema de
exclusão permeado de preconceito.” (DIAS, 2002, s.p.)
Essa visão retrograda ainda existente em grande parte da sociedade brasileira acaba
por obstar que se reconheça a homossexualidade como mais uma simples forma de afeto
existente entre alguns indivíduos da sociedade, ficando, portanto, os homossexuais
desprotegidos e à mercê de inúmeras violências e preconceitos, “[...] enquanto aguardam o
reconhecimento legal de seus direitos.” (JENCZAK, 2008, p. 33).
Assim, analisando todo o aspecto histórico da homossexualidade no Brasil, pode-se
afirmar que ainda há um grande caminho a ser percorrido para acabar com os preconceitos,
contudo, alguns passos já foram dados, principalmente ao se reconhecer na Constituição
Federal Brasileira o princípio da não discriminação sexual (artigo 3°, inciso IV, da
Constituição Federal42), porém, ainda há muito que se evoluir para se chegar de fato a uma
sociedade sem preconceitos.
41
ILGA: A Associação Internacional de Gays e Lésbicas, em inglês international Lesbian and Gay Association
(ILGA) é uma federaçao mundial que congrega grupos locais e nacionais dedicados à promoçao e defesa da
igualdade de direitos para lésbicas, gays, bissexuais e transgéneros (LGBT) em todo o mundo. Fundada em
1978, o ILGA reúne entre seus membros mais de 400 organizações, representando, assim, cerca de 90 países,
oriundos de todos os continentes. De pequenas coletividades a grupos nacionais, a ILGA chega a reunir entre
seus membros, até mesmo cidades inteiras. Actualmente, a ILGA é a única federação internacional a reunir
ONGs e entidades sem fins lucrativos que concentra a sua actuação, em nível global, na luta pelo fim da
discriminação por orientaçao sexual. Desde dezembro de 2006 que a ILGA ILGA tem estatuto concultivo
ECOSOC. (WIKIPEDIA, 2009).
42
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV - promover o bem de todos,
sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
34
CAPÍTULO II
2 RECOHECIMETO JURÍDICO DAS UIÕES HOMOAFETIVAS
A família tem sofrido inúmeras transformações no decorrer dos séculos, inclusive, e
principalmente, no que respeita aos vínculos afetivos, visto que, a princípio, a concepção de
família era apenas do ponto de vista econômico e procriativo, passando atualmente, após
inúmeras alterações, a ser analisada pelos vínculos afetivos entre os indivíduos que a
compõem. Todavia, em que pese a grande evolução da sociedade, observa-se que ainda
permanecem alguns resquícios daquela família modelo, formada pelo marido, esposa e sua
prole, encontrando-se, dessa forma, muita dificuldade na aceitação e regulamentação das
relações formadas entre pessoas do mesmo sexo.
Neste segundo capítulo aborda-se sobre o reconhecimento jurídico das uniões
homoafetivas, apresentando inicialmente a evolução histórica da família no mundo e,
posteriormente, a evolução no Brasil. Ainda, será ponderado acerca do reconhecimento das
relações homoafetivas no direito comparado e no direito brasileiro.
Todos os tópicos analisados terão por objetivo fornecer informações, as quais,
ulteriormente, serão empregadas para análise da possibilidade de reconhecimento das uniões
entre pessoas do mesmo sexo pelo sistema brasileiro.
35
2.1 Evolução histórica da família
Nos primeiros tempos da humanidade, a família era predominantemente matriarcal,
visto que a figura paterna era totalmente ignorada, porquanto, os infantes eram considerados
propriedades do grupo, não se conhecendo o papel da figura paterna na origem dos filhos.
Ademais, os homens desconheciam suas habilidades quanto ao uso da força.
A constituição das famílias, conforme aduz Silva Junior (2007, p. 43), “[...] são
detectadas, ao longo da história, em graus de visibilidades variáveis, na medida, por exemplo,
dos valores morais ou religiosos de determinada época e da maior ou menor proteção jurídicoestatal.” Nesse sentido, também ressalta Dias (2007, p. 27) que “vínculos afetivos não são
uma prerrogativa da espécie humana. O acasalamento sempre existiu entre os seres vivos,
seja em decorrência do instinto de perpetuação da espécie, seja pela aversão que todas as
pessoas têm à solidão.”
Com o passar do tempo, a família, marcada principalmente pela presença matriarcal,
tornou-se uma família representada na figura paterna, visto que os homens descobriram o
papel que possuíam na procriação, desenvolveram suas habilidades para caçar e guerrear,
percebendo, dessa forma, que poderiam dominar não só os animais e os povos inimigos, mas
também suas mulheres e filhos. A partir dessas descobertas surge o modelo patriarcal de
família.
No entanto, de acordo com Gomes (1998, p. 39), “A evolução jurídica da família
importa, entre os povos de nossa área cultural, a partir de Roma. O direito romano deu-lhes
estrutura inconfundível, tornando-a unidade jurídica, econômica e religiosa, fundada na
autoridade soberana de um chefe.”
Nesse sentido, a família para os romanos era “o conjunto de pessoas que estavam a sob
a patria potestas43 do ascendente comum vivo mais velho.”, ou seja, “O conceito de família
independia assim da consanguinidade.
43
Patria Potestas: significa o poder do chefe de família (pater famílias) sobre pessoas alieni iuris a ele
submetidas.
36
O pater famílias44 exercia sua autoridade sobre todos os seus descendentes não
emancipados, sobre sua esposa e sobre as mulheres casadas com manus45 com os seus
descendentes.” (WALD, 2004, p. 09).
Em outras palavras, em Roma, a família era estabelecida sob o princípio da autoridade
e abrangia todos que a ela estavam submetidos, visto que:
O pater era, ao mesmo tempo, chefe político, sacerdote e juiz. Comandava,
oficiava o culto dos deuses domésticos [...] e distribuía a justiça. Exercia
sobre os filhos o direito de vida e de morte [...], podia impor-lhes pena
corporal, vendê-los, tirar-lhes a vida. A mulher vivia in loco filiae46,
totalmente subordinada à autoridade marital [...], nunca adquirindo
autonomia, pois que passava da condição de filha à de esposa, sem alteração
na sua capacidade; [...]. (PEREIRA, 2002, p. 18).
Percebe-se, desse modo, que a família era apenas um grupo fundamental para eternizar
o culto familiar, não sendo, portanto, relevante a existência de afeto entre os seus membros.
Logo, “[...] o afeto natural, embora pudesse existir, não era o elo de ligação entre os membros
da família. Nem o nascimento nem a afeição foram fundamento da família romana.”
(VENOSA, 2006, p. 04).
Com o transcorrer do tempo e as necessidades advindas da sociedade, a família
romana evoluiu, limitando o poder e a rigidez à que o paterfamilias estava investido. Essa
limitação ao poder do pater romano ocorreu, principalmente, durante o período de império de
Justiniano. (FUJITA, 2003, p. 03).
Durante esse período, a mulher e os filhos alcançaram maior autonomia, bem como,
substitui-se o até então dominante parentesco agnatício47 pelo cognatício48, isto é, o
44
Pater famílias: “[...] era o mais elevado estatuto familiar na Roma Antiga, sempre uma posição masculina. [...].
O termo pater se refere a um território ou jurisdição governado por um patriarca. O uso do termo no sentido de
orientação masculina da organização social aparece pela primeira vez entre os hebreus no século IV para
qualificar o líder de uma sociedade judaica; o termo seria originário do grego helenístico para denominar um
líder de comunidade.” (WIKIPEDIA, 2010).
45
Manus: palavra que significa o poder do chefe de família sobre sua esposa ou sobre as esposas de seus
descendentes que tenham se casado com manus.
46
In loco filiae: expressão que significa no local da família.
47
Agnatício: derivado da palavra agnação que diz respeito à vinculação das “[...] pessoas que estavam sujeitas ao
mesmo pater, mesmo quando não fossem consanguíneas (filho natural, filho adotivo do mesmo pater, por
exemplo).” (WALD, 2004, p. 10).
48
Cognatício: derivado da palavra cognação que se refere ao “[...] parentesco pelo sangue que existia entre
pessoas que não deviam ser agnadas uma da outra. Assim, por exemplo a mulher casada com manus era cognada
mas não agnada de seu irmão, o mesmo ocorrendo com o filho emancipado em relação àquele que continuasse
sob a patria potestas.” (WALD, 2004, p. 10).
37
parentesco predominante passou a ter como fundamento a vinculação do sangue.
Deixou, também, o pater romano de exercer poder de decidir acerca da vida e morte
dos filhos e da esposa, de administrar os vencimentos e doações percebidos por aqueles, visto
que agora cabia aos filhos administrarem seus próprios pecúlios. Houve a substituição do
casamento com manus, pelo casamento sem manus, e a emancipação dos filhos que agora
conservavam os seus direitos sucessórios. (WALD, 2004, p. 10-11).
Na Idade Média, por sua vez, observa-se que as relações familiares passaram a ser
regidas quase que exclusivamente pelo direito canônico, visto que, do século X ao século XV
o casamento religioso era o único conhecido.
Nesse período, fixou-se a ideia de família no casamento, isto é, a família reconhecida
pela sociedade era somente aquela decorrente dos sagrados laços do matrimônio. O casamento
era vislumbrado, além de um acordo de vontade, também como um sacramento que se
vinculava “[...] sob a máxima de que ‘o que Deus uniu o homem não separe’.” (FUJITA,
2003, p. 03). (sic.).
Nessa sociedade, além de se reconhecer apenas as famílias oriundas dos laços do
matrimônio, vínculo este considerado indissolúvel, discutia-se somente o divórcio advindo
das relações infiéis, porquanto, de acordo com a Igreja, esses casamentos não se revestiam de
caráter sagrado necessário, podendo então, serem dissolvidos.
Não só sob a forte influência exercida pelo cristianismo, a sociedade da Idade Média
também teve grande influxo da cultura germânica, a qual já possuía grande propagação na
Europa, devido às invasões bárbaras na região. Essa influência germânica instituiu na
sociedade da época a ideia do espírito comunitário. (AZEVEDO, 2003, p. 681-682).
Por sua vez, durante o período renascentista houve a retomada do poder, até então
exercido pela Igreja, às mãos do monarca, bem como, a reivindicação por parte do Estado da
competência para o julgamento das questões referentes ao direito de família. (WALD, 2004,
p. 16). Observa-se, desse modo, que nesse período começa a derrocada do cristianismo quanto
ao poder de decidir sobre os assuntos relativos à família, passando o Estado a deter essa
prerrogativa.
O referido fato trouxe algumas modificações ao cenário da sociedade da época, visto
38
que na França, durante a Revolução Francesa49, o Estado instituiu o casamento civil, o qual
passou a ser admitido juntamente com o casamento religioso, único até então aceito.
(FUJITA, 2003, p. 04). Desnecessário mencionar que ao admitir outra forma de união entre os
indivíduos, diversa daquela imposta pela Igreja, o Estado teve que enfrentar inúmeros
obstáculos, porque a Igreja compreendia, aos poucos, que não se encontrava mais no poder de
decidir, isto é, “[...] o poder civil legislou moderadamente no tocante ao direito de família,
embora, pouco a pouco, a competência das autoridades eclesiásticas tivesse sido absorvida
pela autoridade civil, seja como órgão originariamente competente, seja como tribunal [...].”
(WALD, 2004, p. 16).
Com a ocorrência da Revolução Industrial50, a instituição da família também passou
por algumas modificações, porquanto, durante esse período houve grande aumento da
produção das fábricas, pois passaram a produzir a partir da utilização de máquinas,
abandonando, quase que por completo, o trabalho manual. Existiu, portanto, a substituição da
forma artesanal de trabalho, que “[...] exigia a concentração dos trabalhos em torno do chefe
de família, envolvendo sua mulher e seus filhos.”, pela forma de trabalho concentrado, o qual
era desenvolvido nos perímetros urbanos, dentro dos próprios estabelecimentos das fábricas.
(FUJITA, 2003, p. 04).
Vislumbra-se, deste modo, que foi durante o período da Revolução Industrial que
ocorreu a passagem da família, até então comunitária, para a família nuclear ou celular, isto é,
a família formada pelo pai, mãe e sua prole.
Analisando todas as transformações sofridas pela família, desde o momento em que
era comandada diretamente pelas regras do direito canônico, até o período no qual o Estado
passou a protegê-la e regulamentá-la, observa-se que inúmeras transformações ocorreram,
visto que
49
“Revolução Francesa era o nome dado ao conjunto de acontecimentos que, [...], alteraram o quadro político e
social da França. Ela começa com a convocação dos Estados Gerais e a Queda da bastilha e se encerra com o
golpe de estado de 18 de Brumário de Napoleão Bonaparte. Em causa estavam o Antigo Regime [...] e a
autoridade do clero e da nobreza. Foi influenciada pelos ideais do Iluminismo e da Independência Americana
[...].” (WIKIPEDIA, 2010).
50
Revolução Industrial: A Revolução Industrial consistiu em um conjunto de mudanças tecnológicas com
profundo impacto no processo produtivo em nível econômico e social. Iniciada na Inglaterra em meados do
século XVIII, expandiu-se pelo mundo a partir do século XIX. (WIKIPEDIA, 2010).
39
Modernamente, o grupo familiar se reduz numericamente. A necessidade
econômica ou a simples conveniência leva a mulher a exercer atividades fora
do lar, o que enfraquece o dirigismo em seu interior. Problemas
habitacionais e de espaço, e atrações freqüentes exercem nos filhos maior
fascínio do que as reuniões e jogos domésticos do passado. Nos meios
menos favorecido de fortuna, os menores começam muito cedo a trabalhar,
seja em empregos regulares, seja em serviços eventuais e pequenos
expedientes. Desta sorte, diminui necessariamente a coesão familiar. O
menor adquire, muito jovem, maior independência, deixando de se exercer a
influência parental na sua educação. (PEREIRA, 2002, p. 20).
Assim, a família contemporânea, isto é, a família do atual período da história, deve ser
vislumbrada e analisada sob a ótica “[...] das grandes transformações tecnológicas ocorridas
no século XX, da intensificação e da facilidade das comunicações entre os povos, sobre tudo
pela interação cultural e integração econômica via internet, da globalização, da
interdependência entre todos os países.” (FUJITA, 2003, p. 04).
Destarte, analisando detidamente a evolução da família, é possível perceber que esta
entidade encontra-se em constante modificação, visto que evolui juntamente com o homem e
a sociedade, adaptando-se, em cada momento histórico, de acordo com as crenças e
necessidades da coletividade, continuando, desse modo, em constante desenvolvimento.
2.2 Abordagem histórica do instituto da família no Brasil
Conforme analisado, a família encontra-se em constante evolução, desenvolvendo-se
de acordo com as necessidades da sociedade de cada época.
Como não poderia ser diferente, a família no Brasil também passou e passa por
inúmeras transformações, encontrando-se, atualmente, em lugar de destaque, como se observa
no disposto no caput do artigo 22651 da Constituição Federal de 1988.
Inicialmente, a família na sociedade brasileira era considerada como um fato natural,
inexistindo, dessa forma, interesse em regular a sua estrutura.
Essa falta de interesse em legislar sobre a família deve-se ao fato da sociedade da
51
Artigo 226: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.”
40
época possuir uma “[...] concepção tradicional da família, qual seja a formada pela união
matrimonializada de um homem com uma mulher e os descendentes do casal [...] e nos
costumes extremamente machistas da época [...].” (VECCHIATTI, 2008, p. 187).
Corroborando o aludido, observa-se que a primeira Constituição do Brasil, de 1824,
outorgada pelo Imperador Dom Pedro I, não. fez qualquer referência à família ou ao
casamento. Restringiu-se apenas, em seu Capítulo III (arts. 105 a 115) 52, a família imperial e
seu aspecto de dotação. (PEREIRA, 2003, p. 09).
A Constituição de 1891, primeira Constituição da República, referenciou apenas em
um artigo (art. 72, §4°53), sobre o reconhecimento somente do casamento civil, visto que
nesse período ocorreu a separação Igreja/Estado, deixando o catolicismo de ser a religião
oficial da República.
Somente a partir 1916, com a criação do Código Civil54, a família passou a receber
maior atenção legislativa. Não obstante, citado código encontrava-se “[...] ‘mais preocupado
com o círculo social da família do que com os círculos sociais da nação’”. Pois optou por
manter, “[...] num Estado leigo, uma técnica canônica, e, numa sociedade evoluída do século
XX, o privativismo doméstico e o patriarcalismo do direito das Ordenações.” (WALD, 2004,
52
Artigos 105 a 115 da Constituição Federal de 1824: “CAPITULO III. Da Familia Imperial, e sua Dotação. Art.
105. O Herdeiro presumptivo do Imperio terá o Titulo de "Principe Imperial" e o seu Primogenito o de "Principe
do Grão Pará" todos os mais terão o de "Principes". O tratamento do Herdeiro presumptivo será o de "Alteza
Imperial" e o mesmo será o do Principe do Grão Pará: os outros Principes terão o Tratamento de Alteza. Art.
106.0 Herdeiro presumptivo, em completando quatorze annos de idade, prestará nas mãos do Presidente do
Senado, reunidas as duas Camaras, o seguinte Juramento - Juro manter a Religião Catholica Apostolica Romana,
observar a Constituição Politica da Nação Brazileira, e ser obediente ás Leis, e ao Imperador. Art. 107. A
Assembléa Geral, logo que o Imperador succeder no Imperio, lhe assignará, e á Imperatriz Sua Augusta Esposa
uma Dotação correspondente ao decoro de Sua Alta Dignidade.Art. 108. A Dotação assignada ao presente
Imperador, e á Sua Augusta Esposa deverá ser augmentada, visto que as circumstancias actuaes não permittem,
que se fixe desde já uma somma adequada ao decoro de Suas Augustas Pessoas, e Dignidade da Nação. Art. 109.
A Assembléa assignará tambem alimentos ao Principe Imperial, e aos demais Principes, desde que nascerem. Os
alimentos dados aos Principes cessarão sómente, quando elles sahirem para fóra do Imperio. Art. 110. Os
Mestres dos Principes serão da escolha, e nomeação do Imperador, e a Assembléa lhes designará os Ordenados,
que deverão ser pagos pelo Thesouro Nacional. Art. 111. Na primeira Sessão de cada Legislatura, a Camara dos
Deputados exigirá dos Mestres uma conta do estado do adiantamento dos seus Augustos Discipulos. Art. 112.
Quando as Princezas houverem de casar, a Assembléa lhes assignará o seu Dote, e com a entrega delle cessarão
os alimentos. Art. 113. Aos Principes, que se casarem, e forem residir fóra do Imperio, se entregará por uma vez
sómente uma quantia determinada pela Assembléa, com o que cessarão os alimentos, que percebiam. Art. 114. A
Dotação, Alimentos, e Dotes, de que fallam os Artigos antecedentes, serão pagos pelo Thesouro Publico,
entregues a um Mordomo, nomeado pelo Imperador, com quem se poderão tratar as Acções activas e passivas,
concernentes aos interesses da Casa Imperial. Art. 115. Os Palacios, e Terrenos Nacionaes, possuidos
actualmente pelo Senhor D. Pedro I, ficarão sempre pertencendo a Seus Successores; e a Nação cuidará nas
acquisições, e construcções, que julgar convenientes para a decencia, e recreio do Imperador, e sua Familia.”
53
Artigo 72, §4°: “A República só reconhece o casamento civil, cuja sua celebração será gratuita.” (PEREIRA,
2003, p. 09).
54
Código Civil: Lei n° 3.071 de 1° de janeiro de 1916.
41
p. 21).
Observa-se, dessa forma, que no Código Civil de 1916 o homem manteve, com
pequenas limitações, sua natural posição de chefe de família, ao contrário da mulher casada, a
qual foi lançada no rol dos relativamente incapazes, dependendo da autorização do cônjuge
varão, até mesmo para poder desempenhar uma profissão. (WALD, 2004, p. 21).
Aludida legislação, também, preceituava que:
A unidade econômica da família era defendida pela aceitação generalizada
do regime de comunhão universal de bens, exigindo-se a outorga uxória ou a
autorização marital para a venda de bens imóveis, mesmo no regime da
separação O direito sucessório revelava, [...], a preocupação [...] em defender
os interesses do grupo familiar aumentando a legítima55 [...], permitindo que
fosse gravada com cláusula de inalienabilidade e autorizando a substituição
fideicomissória. Por outro lado, a fim de evitar a entrada de estranhos,
dificultava-se a adoção e só se permitia o reconhecimento dos filhos naturais
quando não fossem adulterinos56 nem incestuosos57. (WALD, 2004, p. 2122).
Sobre o tema, esclarece Vecchiatti (2004, p. 187) ao afirmar que:
[...] a família codificada não tinha como ponto de preocupação o bem-estar
de seus componentes: visava apenas garantir que o modelo econômico da
época fosse cada vez mais revigorado, no sentido de que, em uma sociedade
rural, a existência de mão-de-obra numerosa era indispensável para que se
alcançasse uma boa produção.
A visão da família retratada pelo Código Civil de 1916 começou a sofrer alterações a
partir de 1930, quando da criação de algumas legislações, dentre as quais, o Decreto-Lei n.
3.200, de 19-4-1941 que garantia a proteção da família, o Decreto-Lei n. 9.701, de 3-9-1946
que estabelecia as regras sobre a guarda dos filhos menores nos desquites judiciais e o
Decreto-Lei n. 7.485, de 23-4-1945 que regulava sobre a prova do casamento para fins de
previdência social.
Contudo, em que pese às legislações infraconstitucionais existentes que disciplinavam
55
Legítima: “[...] parte necessariamente atribuída aos descendentes ou ascendentes na herança [...].” (WALD,
2004, p. 22).
56
Filhos Adulterinos: “[...] seriam os nascidos de pessoas impedidas de casar em virtude de casamento com
terceiros [...]. A adulterinidade poderia ser unilateral ou bilateral. Seria adulterino a patre se gerado por homem
casado e mulher solteira, viúva ou divorciada, e a matre se fosse a mulher a casada.” (JUS2.UOL, 2010).
57
Filhos incestuosos: “[...] seriam os nascidos de pessoas impedidas de se unirem por matrimônio válido em
razão de haver entre elas parentesco: natural, civil ou afim [...].” (JUS2.UOL, 2010).
42
a família, observa-se que foi somente a partir da Constituição de 1934 que a família passou a
ser protegida constitucionalmente, visto que .foi aludida Constituição .que delineou um
capítulo à família, e, em quatro artigos, (144 a 147)58 estabeleceu as regras do casamento
indissolúvel.
Portanto, conforme afirma Pereira (2003, p. 09), foi a partir da Constituição de 1934
que “[...] seguindo uma tendência internacional e com as modificações sociais as
Constituições passaram a dedicar capítulos à família e a tratá-la separadamente, dando-lhe
maior importância.” (PEREIRA, 2003, p. 09).
As demais Constituições que se seguiram – 1937, em seu artigo 12459; 1946, no artigo
16360; 1967, no artigo 16761; e 1969, no artigo 175, § 1°62 - permaneceram com o mesmo
posicionamento adotado pela Constituição de 1934, isto é, de que o casamento indissolúvel
era a única forma de constituir uma família.
Esse contexto, entretanto, foi modificado em 1977, com a criação da Lei 6.515, a qual
regulamentava as situações de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos
e respectivo processo. Essa legislação foi de extrema importância, porquanto, alterou
essencialmente o sistema do Código Civil na área de família, que se assentava na
indissolubilidade do matrimônio.
58
“Artigos 144 a 147 da Constituição Federal de 1934: Art 144 - A família, constituída pelo casamento
indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado. Parágrafo único - A lei civil determinará os casos de
desquite e de anulação de casamento, havendo sempre recurso ex officio , com efeito suspensivo. Art 145 - A lei
regulará a apresentação pelos nubentes de prova de sanidade física e mental, tendo em atenção as condições
regionais do País. Art 146 - O casamento será civil e gratuita a sua celebração. O casamento perante ministro de
qualquer confissão religiosa, cujo rito não contrarie a ordem pública ou os bons costumes, produzirá, todavia, os
mesmos efeitos que o casamento civil, desde que, perante a autoridade civil, na habilitação dos nubentes, na
verificação dos impedimentos e no processo da oposição sejam observadas as disposições da lei civil e seja ele
inscrito no Registro Civil. O registro será gratuito e obrigatório. A lei estabelecerá penalidades para a
transgressão dos preceitos legais atinentes à celebração do casamento. Parágrafo único - Será também gratuita a
habilitação para o casamento, inclusive os documentos necessários, quando o requisitarem os Juízes Criminais
ou de menores, nos casos de sua competência, em favor de pessoas necessitadas. Art 147 - O reconhecimento
dos filhos naturais será isento de quaisquer selos ou emolumentos, e a herança, que lhes caiba, ficará sujeita, a
impostos iguais aos que recaiam sobre a dos filhos legítimos.”
59
Artigo 124 da Constituição de 1937: “[...]. A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a
proteção especial do Estado. Às famílias numerosas serão atribuídas compensações na proporção de seus
encargos.”
60
Artigo 163 da Constituição de 1946: “[...]. A família é constituída pelo casamento de vinculo indissolúvel e
terá à proteção especial do Estado.”
61
Artigo 167 da Constituição de 1967: “[...]. A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos
Poderes Públicos.”
62
Artigo 175, § 1° da Constituição de 1969: “‘ Art. 175. A família é constituída pelo casamento e terá direito á
proteção dos Poderes Públicos. § 1° O casamento é indissolúvel (modificado pela Emenda Constitucional n.
9/77, que instituiu o divórcio no Brasil).”
43
Em outras palavras: “A instituição do divórcio (EC9/197763 e L. 6.515/1977) acabou
com a indissolubilidade do casamento, eliminando a idéia da família como instituição
sacralizada.” (DIAS, 2007, p. 30).
Todavia, o grande “divisor de águas” na evolução da família no Brasil foi a
Constituição Federal de 1988, a qual abriu e ampliou as formas de constituição de família,
visto que estabeleceu em seu artigo 22664 ser a família a base da sociedade brasileira, bem
como reconheceu outras formas de entidade familiar, além daquela formada pelo casamento.
Segundo as palavras de Dias (2007, p. 30) a Constituição Federal de 1988:
[...], num único dispositivo, espancou séculos de hipocrisia e preconceito.
Instaurou a igualdade entre o homem e a mulher e esgarçou o conceito de
família, passando a proteger igualitariamente todos os seus membros.
Estendeu igual proteção à família constituída pelo casamento, bem como à
união estável entre o homem e a mulher e à comunidade formada por
qualquer dos pais e seus descendentes, que recebeu o nome de família
monoparental. (DIAS, 2007, p. 30).
Nessa esteira, continua Vecchiatti (2004, p. 210) ao afirmar que:
Um grande avanço trazido pela Constituição Federal de 1988 foi o
reconhecimento jurídico-familiar das uniões amorosas, de caráter estável,
formadas por duas pessoas (além da família monoparental). [...]. Assim, a
idéia do casamento civil como indispensável à constituição de uma família
‘legítima’ foi extirpada de nosso ordenamento jurídico com o advento da
Constituição Federal de 1988, uma vez que esta passou a reconhecer a união
estável como entidade familiar.
63
EC9/1977: “Art. 1º O § 1º do artigo 175 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: ‘Art.
175 -. [...] § 1º - O casamento somente poderá ser dissolvido, nos casos expressos em lei, desde que haja prévia
separação judicial por mais de três anos’. Art. 2º A separação, de que trata o § 1º do artigo 175 da Constituição,
poderá ser de fato, devidamente comprovada em Juízo, e pelo prazo de cinco anos, se for anterior à data desta
emenda.”
64
Artigo 226 da Constituição Federal de 1988: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do
Estado. § 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração. § 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos
termos da lei. § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher
como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º - Entende-se, também, como
entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. § 5º - Os direitos e deveres
referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. § 6º - O casamento civil
pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei,
ou comprovada separação de fato por mais de dois anos. § 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa
humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado
propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por
parte de instituições oficiais ou privadas. § 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um
dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.”
44
Observa-se, portanto, que a promulgação da Constituição Federal de 1988 foi de
extrema importância para a família brasileira, visto que ampliou o leque de possibilidades de
reconhecimento das entidades familiares, igualou o homem e a mulher no que respeita os
direito e deveres dentro da família, além de colocar esta como a base da sociedade brasileira.
Todas essas mudanças proporcionadas pela Carta Magna65 de 1988 influenciaram
profundamente na elaboração do Código Civil de 200366, visto que este, concebido anterior à
Lei do Divórcio, precisou de alterações profundas para se adaptar às diretrizes previstas na
Constituição.
Dessa forma, apesar do texto do referido Código não se encontrar com a perfeição
necessária, observa-se que esta legislação também trouxe um pequeno avanço legal para a
família brasileira, porquanto, acabou por “[...] excluir expressões e conceitos que causavam
grande mal-estar e não mais podiam conviver com a nova estrutura jurídica e a moderna
conformação da sociedade. Foram sepultados todos aqueles dispositivos que já eram letra
morta e que retratavam ranços e preconceitos [...].” (DIAS, 2007, p. 32).
Também, de acordo com Dias (2007, p. 32) aludida legislação
Corrigiu alguns equívocos e incorporou orientações pacificadas pela
jurisprudência, como não mais determinar compulsoriamente a exclusão do
sobrenome do marido do nome da mulher. Na legislação pretérita, era
obrigatória a perda do nome quando da conversão de separação em divórcio.
O responsável pela separação não tinha o direito a alimentos, mesmo que
não tivesse meios de sobreviver. Em boa hora o Código baniu a única
hipótese de pena de morte fora das exceções constitucionais, pois assegurou
direito a alimentos mesmo ao cônjuge culpado pela separação.
Todavia, o Código Civil de 2003 deixou de oportunizar melhorias em alguns aspectos
que regem a família, visto que “Não trouxe a guarda compartilhada, não consagrou a posse
de estado de filho, a filiação socioafetiva, nem mesmo normatizou as relações entre pessoas
do mesmo sexo, agora nominadas de uniões homoafetivas.” (DIAS, 2007, p. 32).
Como se observa, a evolução da família brasileira caminha no sentido de fazer
prevalecer em suas relações o afeto sobre o poder e a igualdade sobre a supremacia da
vontade de apenas um de seus membros, deixando, dessa forma, em um passando não tão
65
66
Carta Magna: expressão que faz referência a Constituição Federal da República Federativa do Brasil.
Código Civil de 2003: Lei n° 10406, de 10 de janeiro de 2002.
45
distante, as funções apenas política, religiosa e econômica, nas quais a família se baseava,
para passar a ver nos indivíduos que formam a família, pessoas em busca de afeto, amor e
realizações.
2.3 Possibilidade de reconhecimento das relações homoafetivas no direito comparado e
no Brasil
Antes de adentrarmos no assunto principal deste subitem – possibilidade de
reconhecimento das relações homoafetivas no Brasil - faz-se necessário verificarmos como se
encontra, no direito comparado, a aceitação e reconhecimento das uniões homoafetivas.
2.3.1 Reconhecimento das uniões homoafetivas no direito comparado
É de grande importância analisar como se encontra a evolução, no direito comparado,
do reconhecimento das uniões homoafetivas, com o objetivo de tomar como modelo a
legislação e o procedimentos dos tribunais de outros países, a fim de utilizá-los como fonte de
pesquisa e conhecimento.
Com relação à homoafetividade, observa-se que o direito comparado encontra-se
muito avançado com relação a nossa legislação pátria, porquanto, desde 1984 a Dinamarca já
reconhecia alguns direitos patrimoniais aos homoafetos, passando, em 1989, a ser o primeiro
país a reconhecer essa forma de união. Importante ressaltar que o reconhecimento das
relações homoafetivas foi iniciativa do próprio parlamento dinamarquês ao editar a lei
conhecida como “The Danish Registered Partnership Act67.” (TALAVERA, 2004, p. 98).
A Noruega, em 30 de abril de 1993, seguiu os passos da “vizinha” Dinamarca,
editando a Lei n° 40 que regulamentava o reconhecimento das parcerias entre homossexuais,
bem como direitos e obrigações entre os parceiros e entre estes e a sociedade.
67
The Danish Registered Partnership Act: expressão que significa a parceria dinamarquesa reconhecida em lei.
46
Essa lei foi mais adiante que a lei dinamarquesa, visto que permitiu aos parceiros
homossexuais a partilha da autoridade parental, ou seja, a partilha do pátrio poder ou poder
familiar, direito esse proibido pela lei da Dinamarca. (SPENGLER, 2003, p. 46).
Na Suécia foi aprovado, em 25 de junho de 1994, o “‘partenariat68’ ou ‘parceria
registrada’ [...], embora já em 1987 o Parlamento do país decidisse contrariamente à
discriminação dos homossexuais. A mesma lei fixou alguns impedimentos para o casamento,
sendo válidas, no entanto, as disposições referentes aos direitos patrimoniais.” (JENCZAK,
2008. p. 39). Além das leis já existentes, a Suécia, em 1995, promulgou o Ato de Coabitação,
ato que também outorgou importantes direitos aos homossexuais.
Outros países como, Groenlândia, Islândia e Hungria, também fazem parte da gama de
países europeus que reconhecem as uniões homoafetivas, legislando acerca dos direitos e
deveres dos companheiros homoafetos. (MATOS, 1999, p. 94-95). A Finlândia, por seu turno,
é o único país escandinavo que não aquiesceu com a legislação da união homoafetiva
registrada tendo, somente em 1996, aprovado por seu parlamento, o registro das parcerias
homossexuais. (SPENGLER, 2003, p. 47).
Com uma das legislações mais avançadas do mundo, no aspecto homoafetivo,
encontra-se a Holanda, país que inicialmente aceitava apenas a união civil entre pessoas do
mesmo sexo, contudo, em 12 de setembro de 2000, viu aprovada por seu parlamento, lei que
autorizava os casamentos homossexuais. Assim, com a aprovação dessa lei, a Holanda
tornou-se o primeiro país a equiparar o casamento homossexual ao casamento heterossexual.
A Holanda, a partir da aprovação de projeto de lei apresentado em julho de
1997 para o Parlamento holandês, por seu Ministro da Justiça, permitiu a
união civil entre pessoas do mesmo sexo mediante lei aprovada com início
de vigência em 1° de janeiro de 1998, porém, apenas em 12 de setembro de
2000 foi aprovada, pelo parlamento holandês, lei autorizando o casamento
entre pessoas do mesmo sexo, equiparando-o aos casamentos heterossexuais,
contendo disposições que definem diretrizes sobre divórcio e adoção de
crianças pelo casal. (TALAVERA, 2004, p. 99).
A França foi o primeiro país católico a aceitar legalmente o concubinato entre casais
do mesmo sexo, visto que em 1999 “[...] os parceiros homossexuais recebiam certificado de
vida em comum concedido por muitas prefeituras do país [...]. No entanto, tal documento não
68
Patenariat: Lei de 23 de junho de 1994 que trata sobre as parcerias registradas.
47
possuía valor jurídico.” Em 13 de outubro de 1999 ocorreu uma alteração no código civil
francês, em seu artigo 515 passou a aceitar que duas pessoas do mesmo sexo firmassem
contrato com o objetivo de manter entre si uma vida em comum. (SPENGLER, 2003, p. 47).
Havia, também, projeto de lei em tramitação no parlamento Espanhol que disciplinava
o direito de adoção e reconhecimento das uniões homoafetivas, todavia, o projeto foi rejeitado
pelo parlamento em 1997. Em que pese à Espanha não ter aprovado o projeto de lei que
reconhecia as uniões homossexuais, cerca de trinta cidades espanholas já registram a união
civil entre pessoas do mesmo sexo, como Barcelona, Córdoba, Toledo e outras mais.
(ESPENGLER, 2003, p. 48).
A África do Sul, embora não seja exemplo prático a ser seguido em muitos casos,
encontra-se, em relação à proibição por discriminação sexual, com grande avanço
relativamente a muitos países mais desenvolvidos, pois “A Constituição da África do Sul, de
1996, foi a primeira que expressamente proibiu a discriminação em razão da tendência
sexual”. Os Estados Unidos, por seu turno, encontra-se no grupo de países intermediários em
relação ao reconhecimento das relações homoafetivas, isto é, não aceita qualquer forma de
discriminação com relação aos homossexuais, todavia, não apresenta qualquer iniciativa de
legislar acerca dessas relações, como ocorreu na França, Austrália e em alguns estados
americanos, como Nova Iorque e Nova Jersey. (DIAS, 2004, p. 93).
Não obstante toda a evolução de alguns países com relação à aceitação dos
homossexuais, observa-se que também há países totalmente contrários a qualquer
manifestação homossexual, como a Grécia e a Irlanda, que chegam ao grau de preconceito de
considerar a homossexualidade como um ilícito penal. Além desses países, há também
aqueles de origem mulçumana ou islâmica, que reprimem com a pena de morte essa forma
diversa de amar.
Analisando todas as informações acerca da homossexualidade no direito comparado,
observa-se que a maioria dos países europeus encontra-se há anos luz a nossa frente no que
respeita aos reconhecimentos dos direitos e deveres relacionados às uniões formadas por
pessoas do mesmo sexo, todavia, também é possível perceber que ainda há, nos países mais
tradicionalistas, os quais são minoria, grande dificuldade e preconceito com as relações
homoafetivas. Portanto, conforme inicialmente mencionado, o Brasil deve tomar como
exemplo as legislações e decisões proferidas nesses países mais avançados, no que respeita a
48
homoafetividade, para podermos aperfeiçoar nossas fontes de pesquisas e buscarmos uma
evolução em nosso sistema pátrio.
2.3.2 As relações homoafetivas no Brasil
A legislação brasileira, conforme já mencionado, evoluiu gigantescamente em relação
ao direito de família, todavia, esse progresso não se verificou suficiente, porquanto, constatase que ela ainda deixou de tratar de inúmeros assuntos, os quais permanecem vagando pelo
mundo jurídico à espera de proteção.
Nesse contexto e objeto desse estudo, encontram-se ainda, sem qualquer
regulamentação, as tão discriminadas relações homoafetivas, as quais sofrem inúmeros
preconceitos da sociedade, do judiciário e do legislativo.
Relativamente à sociedade brasileira, observa-se que esta ainda sofre grande influência
da Igreja, e também, possui como imagem da família aquela formada, tão somente pelo
marido, a mulher e sua prole. O judiciário, por sua vez, nega-se, em muitos casos, a admitir
que as ações decorrentes das relações homoafetivas tramitem nas varas da família, sob o
argumento que não há qualquer previsão legal que determine isso. O legislativo, por seu
turno, também permanece inerte na criação de projetos de lei ou então, na aprovação daqueles
já existentes, relegando a um futuro incerto a proteção de inúmeros indivíduos.
Nesse sentido, manifesta-se Dias (2007, p. 182):
Quase que intuitivamente se reconhece como família exclusivamente a
relação interpessoal entre um homem e uma mulher constituída pelos
sagrados laços do matrimônio. É tão arraigada essa idéia que o legislador,
quando trata do casamento, não se refere sequer à diversidade de sexo do
par.
Em que pese o legislador, em muitos casos, sequer manifestar-se acerca da
necessidade de diversidade de sexos, observa-se que também não faz qualquer menção sobre
a existência e possibilidade de reconhecimento das relações homoafetiva, isto é, “A legislação
brasileira nada dispõe acerca da união homoafetiva – não proíbe, mas também não trata
especificamente do tema. Dessa forma, há um vazio legislativo no que concerne à relação
49
homoafetiva entre pessoas brasileiras.” (VECCHIATTI, 2008, p. 181).
Nesse linear é também o parecer de Pereira (2003, p. 36) ao asseverar que “No Brasil,
a lei não toma conhecimento do homossexualismo, não lhe dá aprovação nem punições. Mas,
como na maioria dos Estados ocidentais, a doutrina admite casamento somente entre pessoas
de sexos opostos, ou seja, heterossexual.”
Em relação à relutância da sociedade, do judiciário e do legislativo quanto à
regulamentação e reconhecimento das uniões homoafetivas, observa-se que alguns
legisladores, no intuito de modificar, em parte, essa realidade, formularam projetos de leis
para a uma possível regulamentação das relações homoafetivas. Nesse aspecto pode-se citar
como primeira importante tentativa de criação de uma legislação para as uniões homoafetivas
o projeto de Lei n. 1.151 de 1995, da então, na época, Deputada Federal Marta Suplicy.
(JENCZAK, 2008, p. 59).
Aludido projeto de lei,
[...] disciplinava a chamada ‘união civil’ entre pessoas do mesmo sexo,
fundamentado no princípio constitucional da isonomia, segundo o qual
‘todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no país a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a
propriedade [...]. (JENCZAK, 2008, p. 60).
Bem como, sobre:
[...] direito a sucessão entre os conviventes, direito a benefícios
previdenciários, declaração conjunta de imposto de renda, direito à
nacionalidade em caso de um dos parceiros ser estrangeiro e o outro
brasileiro, bem como possibilidade de análise de renda conjunta para a
compra de imóvel. (SPENGLER, 2003, p. 74).
Houve, porém, em 1996, por parte do deputado Roberto Jefferson, proposta de
algumas mudanças no projeto de lei inicial, no qual se substituía a expressão “união civil”
pelo termo “parceria”, além de impedir a adoção, tutela ou guarda por parceiros
homoafetivos. Esta última alteração recebeu muitas críticas, visto que acabou por suprimir
“[...] a possibilidade de a parceria homossexual adequar-se melhor ao figurino da célula
familiar.” (JENCZAK, 2008, p. 60).
Citado substitutivo, conforme relata Jenczak (2008, p. 60), “Em que pese vários anos
50
de tramitação, [...] ainda não foi apreciado nem ensejou qualquer debate parlamentar. Ele
simplesmente não entra na pauta devido à evidente homofobia reinante no Congresso
Nacional.”
Somente em 2001, aludido projeto de lei conseguiu entrar na pauta de votação da
Câmara dos Deputados, todavia, o que se observou foi a atuação maciça da Igreja Católica
contra sua aprovação, isso fez com que a votação não se realizasse. (JENCZAK, 2008, p. 61).
Dessa forma, tanto o projeto, de Lei 1.151 de 1995 como seu substitutivo, de 1996, ainda
encontram-se esquecidos em alguma das gavetas de nosso sistema legislativo.
Importante ressalta que “Conforme a própria justificativa do Projeto, o propósito não é
dar as parcerias homossexuais status igual ao do casamento, é: conceder amparo às pessoas
que o firmam, priorizando a garantia do direito de cidadania.” (DIAS, 2004, p. 107).
Além do projeto de Lei 1.151, há em tramitação no país a proposta de emenda
constitucional – PEC n° 139/95 - que prevê a mudança nos artigo 3° e 7° da Constituição
Federal, no intuito de “[...] proibir a discriminação por motivo de orientação sexual”. (DIAS,
2004, p. 93), e o Projeto de Lei n° 52/99, que trata acerca do denominado “pacto de
solidariedade”, isto é, o acordo de convívio entre duas pessoas sem qualquer particularização
de gênero. O objetivo do projeto era “[...] proteger o direito à propriedade, à herança e
sucessão, previdenciários e de usufruto [...]”, contudo, conforme já esperado, aludido projeto,
como os demais existentes, não prosperou. (JENCZAK, 2007, p. 61).
Observa-se, portanto, que o Brasil ainda não conta com qualquer regulamentação
sobre as relações entre pessoas do mesmo sexo, somente, detém inúmeros projetos de leis à
espera de votação, deixando, enquanto isso, milhares de casais homoafetivos desprotegidos, à
mercê de uma sociedade preconceituosa.
Com a falta de regulamentação acerca das uniões formadas por pessoas do mesmo
sexo, surgem inúmeras tentativas para solucionar esse vazio legislativo, visto que as relações
homoafetivas não podem ficar desamparadas pela inércia e preconceito do legislador e da
sociedade.
Manifesta-se Dias (2004, p. 53-54):
51
Preconceitos de ordem moral não podem levar à omissão do Estado. Nem a
ausência de leis nem o conservadorismo do Judiciário servem de justificativa
para negar direitos aos vínculos afetivos que não têm diferença de sexo
como pressuposto. É absolutamente discriminatório afastar a possibilidade
de reconhecimento das uniões estáveis homossexuais. São relacionamentos
que surgem de um vínculo afetivo, gerando o enlaçamento de vidas com
desdobramentos de caráter pessoal e patrimonial, estando a reclamar
regramento jurídico.
No intuito de resolver o vazio legislativo no qual as uniões homoafetivas encontramse, utilizam-se os interpretes do direito da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do
direito, visto que a omissão do legislador não pode impedir à concessão de direitos e
cominação de obrigações às uniões entre pessoas do mesmo sexo. (DIAS, 2006, p. 92).
Segundo Dias (2004, p. 93):
O silêncio constitucional e a omissão legiferante não podem levar à negativa
de se extraírem efeitos jurídicos de tais vínculos, devendo o juiz atender à
determinação do artigo 4° da Lei de Introdução ao Código Civil69, e fazer
uso da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do direito. Não há
como fugir da analogia com as demais relações que têm o afeto por causa e,
assim, reconhecer a existência de uma entidade familiar à semelhança do
casamento e da união estável. O óbice constitucional, estabelecendo a
distinção de sexos ao definir a união estável, não impede o uso dessa forma
integrativa de um fato existente e não regulamentado no sistema jurídico.
Assim, em que pese às uniões homoafetivas não estarem regulamentadas em nosso
sistema legislativo, é possível perceber que cumprem inúmeros requisitos, os quais podem
equipará-las às entidades familiares constantes no artigo 226 da Constituição Federal de 1988.
Nesse sentido, Spengler citando Rios (2003, p. 86) aduz que:
a equiparação das uniões homossexuais à união estável, pela via analógica,
implica atribuições de um regime normativo destinado originariamente a
situação diversa, ou seja comunidade formada por um homem e uma mulher.
A semelhança aqui presente, autorizadora da analogia, seria a ausência de
vínculos formais e a presença substancial de uma comunidade de vida
afetiva e sexual duradoura e permanente entre os companheiros do mesmo
sexo, assim como ocorre entre sexos opostos.
Observa-se, portanto, que embora as uniões homoafetivas não possuam a diversidade
69
Artigo 4°: Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os
princípios gerais do direito.
52
de sexo entre os seus parceiros, cumprem outros requisitos necessários, como vida em
comum, coabitação e a formação de laços afetivos, os quais, analogicamente, às equiparam às
uniões estáveis, isto é, as uniões homoafetivas possuem o mais importante de todos os
requisitos, a formação de afeto entre seus parceiros, o que por si só deveria colocá-las como
uma das entidades familiares protegidas por nossa Constituição.
Além do mais, importante ressaltar que a concepção da família evoluiu
gigantescamente com o passar do tempo, visto que hoje se tende a valorizar muito mais o
afeto entre indivíduos que compõem o grupo familiar do que o matrimônio formal, a
procriação ou o estrato social70. A família do século XXI encontra-se firmada “nas relações de
solidariedade e afeto, muito além da mera função de reprodução, sustento e educação dos
filhos. [...] observa-se mais e mais a valorização do direito pessoal de família sobre o direito
patrimonial.” (RIOS, 2001, p. 105).
Denota-se, portanto, que
A atualização do direito de família hoje exigida pela realidade social requer,
além da superação do paradigma da família institucional, o reconhecimento
dos novos valores e das novas formas de convívio constituintes das concretas
formações familiares contemporâneas, que alcançam não só a citada ‘família
fusional’, mas a ‘família pós-moderna.’ (RIOS, 2001, p. 105-106).
Constata-se que com o consequente desenvolvimento da família e de seus indivíduos
devido aos novos valores morais adotados pela sociedade, tanto o direito de família, como os
interpretes do direito como o legislador se vêem obrigados a mudar seus paradigmas com
relação à formação das entidades familiares, passando, aos poucos, a aceitar os novos valores
impostos pela sociedade.
Conforme afirma Silva Junior (2007, p. 83):
O Brasil, não apresentando, por ora, legislação especifica que regulamente a
união homossexual, tem encaminhado, por exemplo, os juízes a
estabelecerem analogia dessa com a união estável, aplicando-lhe as já
mencionadas leis que regem essa modalidade de família – não pelo
desamparo ou omissão dos vínculos familiares homoafetivos frente à Carta
Maior, mas, especificamente, para lhes conferir precisos e justos direitos de
convivência, na resolução dos casos concretos que demandam
posicionamento por parte do Poder Judiciário.
70
Estrato social: Faixa ou camada de população quanto ao nível de renda, educação, etc.
53
De acordo com Dias (2004, p. 54), o legislador também reconheceu como entidade
familiar que necessita da proteção jurídica do Estado a comunidade formada por qualquer dos
pais e seus descendentes, comunidade esta que não necessita do matrimonio nem da
diversidade de sexos entre seus indivíduos. A partir disso, vislumbra-se que nem o
matrimônio nem a capacidade procriativa servem de elementos para identificarem a família,
que atualmente encontra-se alicerçada nas relações advindas do afeto.
Observa-se, portanto, que a família atual deve ser reconhecida pelo afeto, amor e ajuda
mútua entre seus indivíduos, não podendo mais ser estigmatizada naquela figura da família
formada apenas pelo casamento, que requer a diferenciação de sexo entre os seus indivíduos e
a necessidade da existência de prole.
Ademais, a não aceitação das uniões homoafetivas por alguns interpretes do direito,
pelo judiciário, legislativo e por uma parcela da sociedade, gera flagrante ofensa aos
princípios constitucionais, visto que a Constituição Federal de 1988 prevê que o Brasil Estado Democrático de Direito – tem por desígnio garantir a dignidade da pessoa humana
(artigo 1°, inciso III, da Constituição Federal71), sustentando-se nos princípios da igualdade e
liberdade constantes no preâmbulo de nossa Carta Magna, bem como, proibindo a
discriminação e preconceito em razão de origem, raça, sexo ou idade. (DIAS, 2004, p. 45).
Em outras palavras, o não reconhecimento das relações homoafetivas desrespeita o
princípio da dignidade da pessoa humana, o qual “é o mais universal de todos os princípios.
É um macroprincípio do qual se irradiam todos os demais: liberdade, autonomia privada,
cidadania, igualdade e solidariedade, uma coleção de princípios éticos.” (DIAS, 2007, p. 59).
Percebe-se, dessa forma, que a discriminação pela opção sexual e o não
reconhecimento das relações entre pessoas do mesmo sexo, encontra-se em total desacordo
com os princípios previstos na Constituição Federal, vindo assim, a descumprir direitos
inerentes ao ser humano, como o respeito a sua dignidade e poder de escolha.
Guimarães (2003, p. 191) assim se manifesta:
71
Artigo 1°, inciso III: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III a dignidade da pessoa humana.
54
O reconhecimento de efeitos jurídicos às relações homossexuais vem
alicerçado na Constituição Federal, que estabelece entre os direitos
fundamentais a dignidade da pessoa humana, objetivando a construção de
uma sociedade livre e solidaria, erradicando a marginalização e promovendo
o bem de todos, sem preconceito de sexo e quaisquer outras formas de
discriminação com fundamento no princípio da prevalência dos direitos
humanos.
De acordo com Dias (2007, p. 59-60):
Na medida em que a ordem constitucional elevou a dignidade da pessoa
humana a fundamento da ordem jurídica, houve uma opção expressa pela
pessoa, ligando todos os institutos à realização de sua personalidade. Tal
fenômeno provocou a despatrimonialização e a personalização dos
institutos jurídicos, de modo a colocar a pessoa humana no centro protetor
do direito. O princípio da dignidade humana não representa apenas um limite
a atuação do Estado, mas constitui um norte para sua ação positiva. O Estado
não tem apenas o dever de abster-se de praticar atos que atentem conta a
dignidade humana, mas também deve promover essa dignidade através de
condutas ativas, garantindo o mínimo existencial para cada ser humano em
seu território.
Verifica-se, desse modo, que o Estado, ao realizar suas obrigações, deve fazer com
que a pessoa humana esteja em primeiro lugar, valorizando principalmente sua dignidade, o
poder de escolha, a liberdade e igualdade, deixando de praticar determinados atos que não
respeitem a dignidade humana pelo simples fato de que uma parcela da sociedade acha
moralmente correto, isto é, o não reconhecimento das uniões homoafetivas pelo fato da
existência de preconceito por uma parcela da sociedade, incluindo o legislativo e o judiciário,
vai totalmente contra a dignidade humana, porquanto, relega a obtenção de direitos a alguns
indivíduos, porque estes não se enquadrarem no modelo concebido como “normal” pela
sociedade.
Analisando a evolução da família, tanto no mundo como no Brasil, observa-se que
vários conceitos e modelos considerados ideais e corretos por longos períodos de tempo
foram desbancados e desacreditados, pois a família atual evoluiu, deixando de lado o seu
caráter apenas patrimonial, passando a valorizar muito mais os laços efetivos entre seus
indivíduos.
Contudo, toda essa evolução ainda não se verificou suficiente, pois ainda existem
grandes preconceitos a serem derrubados pela sociedade, acabando, de vez, com aquele
modelo de família considerado correto, passando-se a aceitar todas as formas de convivência
55
baseadas no afeto, no amor e na cumplicidade, como entidades familiares.
Também foi possível perceber que as uniões homoafetivas somente não foram
reconhecidas, ainda, como uma forma de entidade familiar, devido ao preconceito existente na
sociedade, porquanto, verificou-se que estas uniões possuem todos os requisitos necessários
ao seu reconhecimento, vivendo os casais homoafetos em condições análogas aos dos
companheiros, os quais, após muitos anos de luta, hoje detêm seus direitos reconhecidos pela
Constituição Federal. Além do mais, o não reconhecimento jurídico das relações entre pessoas
do mesmo sexo encontram-se em direção totalmente oposta à delineada pelos princípios
constitucionais, visto que esses prevêem o total respeito ao ser humano, às suas escolhas, à
opção sexual, à liberdade e igualdade.
Dessa forma, é possível perceber que o que impossibilita o reconhecimento jurídico
das uniões homoafetivas é apenas o preconceito latente da sociedade, porquanto, o sistema
jurídico detém vários meios, os quais, se utilizados sem a carapuça do preconceito, fornecem
totais condições para reconhecer as uniões homoafetivas como uma entidade familiar
protegida por nossa Constituição Federal.
56
CAPÍTULO III
3 EFEITOS PATRIMOIAIS AS DISSOLUÇÕES DAS UIÕES HOMOAFETIVAS
Neste terceiro capítulo são abordados os efeitos jurídicos do casamento na esfera
social, pessoal e patrimonial, dando, todavia, maior ênfase a este último. Também, é analisada
a posição da doutrina acerca dos efeitos patrimoniais nas dissoluções das uniões homoafetivas
e, por fim, a posição adotada pelos tribunais.
O casamento, como será possível analisar, traz inúmeras consequências, não somente
entre as partes, mas também, para toda a sociedade, visto que gera muitos efeitos de ordem
social, pessoal e patrimonial. As uniões homoafetivas, por sua vez, estão ganhando cada vez
mais espaço e visibilidade dentro da sociedade, sendo muitas vezes reconhecidas como
relações equiparadas às uniões estáveis, passando, dessa forma, a produzir os mesmos efeitos
no mundo jurídico. As grandes precursoras desses avanços são a jurisprudência e a doutrina,
que aos poucos vem cobrindo o vazio legislativo quanto à homoafetividade.
Todos os tópicos que serão analisados terão por objetivo fornecer informações, as
quais, posteriormente, serão utilizadas para analisar mais concretamente o fundamento
utilizado para sedimentar o posicionamento legal adotado pelo sistema jurídico brasileiro
relativamente aos efeitos patrimoniais nas relações entre pessoas do mesmo sexo.
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3.1 Efeitos jurídicos do casamento
O casamento não gera apenas a união de vida entre os consortes, gera também
inúmeros efeitos, os quais atingem as mais diversas áreas e pessoas da sociedade, como a
seguir será observado.
Segundo Nader (2009, p. 175) “[...] o casamento é uma entidade familiar, que se
norteia mais pelos costumes e senso moral do que pela cartilha de leis, diferentemente dos
negócios jurídicos em geral, onde as partes se guiam por cláusulas contratuais e estatutos
legais.”
A comunhão de vida deve ser baseada nas relações de afeto entre os consortes,
mesmas relações que serviram para aproximar o casal e originar o matrimônio, visto que a
partir do momento que “[...] nas relações conjugais, a força da lei passa a preponderar e a não
espontaneidade dos sentimentos, o casamento dá sinais de crise, de desagregação, e a
comunhão de amor é substituída por práticas egoístas, pelo individualismo.” (NADER, 2009,
p. 175).
Observa-se, dessa forma, que na relação que une os cônjuges devem prevalecer as
atitudes baseadas no afeto, a voluntariedade das emoções, porquanto, o casamento nada mais
é do que uma comunhão de vida na qual ambos os indivíduos devem se respeitar e querer bem
um ao outro.
Todavia, o casamento não se finda apenas nas relações entre os cônjuges, visto que a
partir do momento que duas pessoas decidem formar uma vida juntos, essa decisão acaba por
gerar inúmeros efeitos, os quais “[...] se projetam no ambiente social, nas relações pessoais e
econômicas dos cônjuges e nas relações pessoais e patrimoniais entre pais e filhos, dando
origem a direitos e deveres que são disciplinados por normas jurídicas. (DINIZ, 2009, p. 128).
Denota-se, assim, que o casamento acaba por gerar vários efeitos, os quais atingem a
sociedade, inúmeras relações pessoais e patrimoniais, necessitando, dessa forma, ser
regulamentado pelo direito.
Antes de ser analisar os efeitos produzidos pelo casamento, importante salientar que,
embora não seja escopo deste trabalho discorrer acerca de todos os efeitos advindos do
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matrimônio, mas tão somente dos efeitos patrimoniais, para melhor compreender as
consequências jurídicas provenientes do casamento, impende registrar que a doutrina
reconhece, essencialmente, três efeitos jurídicos: sociais, pessoais e patrimoniais.
Na análise dos efeitos produzidos a partir do matrimônio será utilizada a divisão
proposta pela Doutrinadora Maria Helena Diniz, visto que se encontra com uma melhor
estrutura para a compreensão do assunto, porém, caso seja necessário a complementação do
assunto por outros autores, estes também serão utilizados.
3.1.1 Efeitos sociais do casamento
De acordo com Diniz (2009, p. 129) os efeitos sociais gerados a partir do casamento
são a formação da família matrimonial (artigo 226, parágrafos 1°72 e 2°73 da Constituição
Federal e artigo 1.51374 do Código Civil), visto que é de livre deliberação do casal o
planejamento familiar (artigo 1.565, parágrafo 275); a criação de vínculos de afinidade entre
cada cônjuge e os parentes do outro (artigo 1.59576, parágrafos 1°77 e 2°78 do Código Civil); a
emancipação do consorte de menor idade (artigo 5°, parágrafo único, inciso II79, do Código
Civil), isto é, o cônjuge que ao casar era menor de idade, com o casamento, torna-se
plenamente capaz para realizar todos os atos da vida civil, e, por fim, a composição do estado
de casado, efeito que identifica o novo casal perante a sociedade, como casados.
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Artigo 226, parágrafo 1°: A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. Parágrafo 1°: O
casamento é civil e gratuita a celebração.
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Artigo 226, parágrafo 2°: O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
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Artigo 1.573: É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida
instituída pela família.
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Artigo 1.565, parágrafo 2°, 2ª parte: Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de
consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família. Parágrafo 2°: O planejamento familiar é de
livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse
direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas.
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Artigo 1.595: Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade.
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Artigo 1.595, parágrafo 1°: O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos
irmãos do cônjuge ou companheiro.
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Artigo 1.595, parágrafo 2°: Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da
união estável.
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Artigo 5°, parágrafo único, inciso II: A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica
habilitada à prática de todos os atos da vida civil. Parágrafo único: Cessará, para os menores, a incapacidade:
pelo casamento.
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3.1.2 Efeitos pessoais do casamento
Os efeitos pessoais do casamento são divididos em direitos e deveres de ambos os
cônjuges, igualdade de direito e deveres entre marido e mulher, e direitos e deveres dos pais
para com os filhos. (DINIZ, 2009, p. 152-153)
Como direitos e deveres de ambos os cônjuges pode-se citar como exemplo a
fidelidade mútua, isto é, a liberdade sexual dos consortes torna-se restrita, devendo haver a
prática de relações sexuais apenas entre marido e mulher; a coabitação, ou seja, a necessidade
dos consortes formarem uma vida juntos sobre o mesmo teto; e, a mútua assistência, o
respeito e a consideração devem ser uma recíproca na união (mudei um pouco, veja se pode
ser assim). (DINIZ, 2009, p. 131-137).
Relativamente à igualdade de direito e deveres entre marido e mulher (artigo 1.51180
do Código Civil e artigo 226, parágrafo 5°81 da Constituição Federal) encontra-se como
exemplo o exercício da direção da sociedade conjugal, na qual cabe a ambos os cônjuges
decidirem sobre os assuntos essenciais relacionados à família; à representação legal da
família, isto é, tanto o marido como a mulher podem representar legalmente a família; à
fixação do domicílio; à proteção do consorte na sua integridade física ou moral; à colaboração
nos encargos; à administração da comunidade doméstica; à adoção, se quiser, dos apelidos do
consorte; ao direito de se opor à fixação ou mudança de domicílio determinada por um deles;
ao direito de exercer livremente qualquer profissão lucrativa; ao direito de praticar qualquer
ato não vedado por lei; ao de litigar em juízo cível ou comercial, salvo se a causa versar sobre
direitos reais imobiliários, bem como velar pela direção moral e material da família. (DINIZ,
2009, p. 152-153)
Observa-se que os direitos e deveres de ambos os cônjuges dizem respeito, em sua
maioria, àquelas decisões relativas ao direcionamento da família, visto que ambos os cônjuges
poderão decidir, conjunta ou separadamente, em pé de igualdade. Com a imposição da
igualdade nas decisões tomadas pelos cônjuges, cai por terra a antiga premissa de obediência
ao poder marital, isto é, obediência às decisões tomadas apenas pelo marido.
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Artigo 1.511: O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres
dos cônjuges.
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Artigo 226, parágrafo 5°: A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. Parágrafo 5°: Os
direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
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Relativamente aos direitos e deveres dos pais para com os filhos (artigos 22782 e 22983
da Constituição Federal e Lei n° 8.069/1990) encontra-se como exemplo os direitos e deveres
ao poder familiar, o de sustentar, guardar e educar os filhos, o de deliberar, ambos os pais, na
separação judicial consensual, a respeito da guarda dos filhos, o de não perder o genitor que
contrai novas núpcias o direito ao poder familiar quanto aos filhos menores do casamento
anterior e o de não poder o pai, na separação de fato, reclamar filho menor que está em poder
da mãe, salvo por motivo grave. (DINIZ, 2009, p. 152-153).
No tocante aos direitos e deveres dos pais para com os filhos, observa-se que os
deveres nada mais são do que imposições dos pais aos filhos para a realização de uma boa
educação. Já no que respeita os direitos, tem-se que são uma maneira de proteção aos filhos
que não podem ficar à mercê da vontade dos pais quando estes não respeitam os direitos
básicos daqueles.
3.1.3 Efeitos patrimoniais
De acordo com Nader (2009, p. 181) “Os recursos financeiros e os bens materiais em
geral são indispensáveis a administração do casamento. Diferentemente dos efeitos pessoais,
os patrimoniais em sua maior parte se compõem de normas dispositivas, que podem ser
substituídas por pacto antenupcial.”
Segundo Diniz (2009, p. 239-246) os efeitos patrimoniais do matrimônio podem ser
divididos em: relações econômicas subordinadas ao regime matrimonial de bens; doações
antenupciais; administração da sociedade conjugal; restrições à liberdade de ação dos
cônjuges para preservar patrimônio familiar; impenhorabilidade do único imóvel residencial
da família; instituição do bem de família; dever recíproco de socorro; direito sucessório do
cônjuge sobrevivente; e relações econômicas entre pais e filhos, na qual ambos os cônjuges
deverão sustentar os filhos até que atinjam a maior idade; aos pais incumbe a prestação de
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Artigo 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão
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Artigo 229: Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever
de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.
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alimentos aos filhos; os pais devem administrar os bens do filho menor, não tendo poder de
disposição, salvo autorização judicial, devendo prestar conta de sua gerencia quando o filho
for emancipado ou atingir a maior idade; o juiz nomeará curador especial para gerir os bens
do filho menor se houver colisão dos interesses dos pais com os filhos; e os pais têm usufruto
dos bens do filho enquanto estiver sob o poder familiar.
Sendo o objeto de estudo do presente trabalho – os efeitos patrimoniais nas
dissoluções das uniões homoafetivas – será esse tópico dotado de maior ênfase para que no
decorrer do trabalho seja possível uma melhor compreensão do assunto.
Quanto às relações econômicas subordinadas ao regime matrimonial de bens, observase que a convivência familiar não provoca apenas a comunhão de vidas entre os indivíduos,
gera também inúmeros efeitos patrimoniais, os quais, muitas vezes, passam a ser regulados
pelo regime de bens adotado pelo casal, ou então, por aquele imposto pelo legislador.
Conforme afirma Venoza (2006, p. 338) o “Regime de bens constitui a modalidade de
sistema jurídico que rege as relações patrimoniais derivadas do casamento. Esse sistema
regula precipuamente a propriedade e a administração dos bens trazidos antes do casamento e
os adquiridos posteriormente pelos cônjuges.”
Denota-se, portanto, ser imprescindível a imposição, pelo legislador, da escolha do
regime de bens a ser adotado, visto que é a partir dessa escolha que se passa a regular a
propriedade dos bens advindos anterior ou posteriormente ao casamento.
A adoção do regime de bens por aqueles que decidem formar uma vida a dois é
remota, visto que no Direito Romano encontrava-se em vigor o princípio da absorção, isto é,
de acordo com esse princípio, o patrimônio da mulher era assimilado pelo marido, o qual se
tornava exclusivo proprietário e administrador. No direito anglo-saxão também prevalecia a
unidade patrimonial entre os esposos; esse regime foi utilizado nos Estados Unidos da
América até meados do XIX, quando foi substituído, devido à emancipação da mulher, pelo
regime de separação de bens. (VENOZA, 2006, p. 338, grifo nosso).
No Brasil, de acordo com Dias (2007, p. 199):
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Quando da edição do Código Civil de 1916, família era exclusivamente a
constituída pelo matrimônio. O casamento era indissolúvel, levando a uma
união plena de vida e de patrimônio. O regime legal era o da comunhão
universal de bens fazendo surgir o que se chama de mancomunhão propriedade a duas mãos -, que gera o condomínio de todos os bens, de
forma igualitária, não importando a origem do patrimônio e a época de sua
aquisição.
Em que pese haver a adoção do regime de comunhão universal como o regime legal, o
legislador, de 1916, estabeleceu em seu artigo 25684, como regra legal, a liberdade de opção
pelos consortes do regime patrimonial (VENOZA, 2006, p. 338). Ademais, indicou quatro
regimes de bens a serem escolhidos pelos nubentes, entre os quais se encontram o da
comunhão universal de bens, comunhão parcial ou limitada, separação de bens e o regime
dotal. (RODRIGUES, 2002, p, 195).
Importante ressaltar que o Código Civil de 1916 estabeleceu que a escolha do regime
de bens fosse imutável, isto é, após a escolha pelos nubentes do regime a ser adotado, este
passava a ser irrevogável (artigo 23085), porquanto, para o legislador de 1916 a imutabilidade
era uma forma de garantia aos próprios cônjuges e aos terceiros interessados. (VENOZA,
2006, p. 339).
Ocorreu, contudo, em 1977, com a criação da Lei do Divórcio – Lei n. 6.515, a
substituição do regime legal adotado pelo Código Civil – regime de comunhão universal de
bens, passando então a ser adotado o regime de comunhão parcial de bens. (DIAS, 2007, p.
199).
Com a criação do Código Civil de 2002, ocorreu a supressão do regime dotal de bens,
a inserção de um novo regime de bens denominado de participação final nos aquestos, bem
como se passou a admitir a alteração do regime de bens escolhidos pelos consortes (artigo
1.639, parágrafo 2°86). Dessa forma, os regimes de bens que se encontram no Código Civil de
2002 são o regime de comunhão parcial de bens (artigos 1.658 a 1.666), regime da comunhão
universal (artigos 1.667 a 1.671), regime de participação final nos aquestos (artigos 1.672 a
1.686) e o regime de separação de bens (artigos 1.687 a 1.688).
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Artigo 256: É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes
aprouver.
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Artigo 230: O regime dos bens entre cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento, e é irrevogável.
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Artigo 1.639, parágrafo 2°: É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido
motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de
terceiros.
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Nesse sentido, observa-se que na atual realidade do Código Civil 2002 tem-se como
regime legal adotado o de comunhão parcial de bens, bem como a possibilidade de alteração
do regime escolhido pelos nubentes, realidade esta totalmente diferente da estabelecida pelo
legislador de 1916.
Com relação às doações antenupciais, observa-se que podem ocorrer de um cônjuge
para outro, mutuamente, ou então por terceiro, podendo ser realizadas através do pacto
antenupcial, por escritura pública, se atinentes a imóveis, desde que não ultrapassem a metade
dos bens do doador, exceto no caso de separação de bens, ou então por instrumento particular,
quando dizem respeito a bens móveis. (DINIZ, 2009, p. 202-203).
Impende salientar que “A eficácia das doações antenupciais subordina-se à realização
de evento futuro e incerto, ou seja, do casamento, que funciona como condição suspensiva,
uma vez que, em não se efetivando, não se tem liberdade alguma, sendo, portanto, negócios
jurídicos condicionais e solenes.” (DINIZ, 2009, p. 203).
Conforme prevê o Código Civil, as doações antenupciais não se revogam por ingratidão (art. 564, inciso IV87), podem ser subordinadas da condição de valerem após a morte do
doador (art. 42688 e 1.65589), bem como independem de expressa cedência do donatário.
Nosso diploma legal refere-se às doações antenupciais, mas também são
lícitas as doações entre consortes, na constância do matrimônio, importando
adiantamento do que lhe couber por herança (CC, arts. 54490 e 1.84591),
salvo: se o regime de bens for o de separação obrigatória; se for de
comunhão universal, por constituírem num único patrimônio os bens do
marido e da mulher (CC, art. 1.829, I92); e se prejudicar a legitima do
herdeiro necessário (CC, arts. 54993, 1.845 e 1.84694).Nula será a doação
entre cônjuges que se encontrem sob o regime de separação de bens
obrigatória, embora essa nulidade não alcance a aquisição de bens com o
dinheiro doado, determinando apenas a reposição desse valor [...]. (DINIZ,
2009, p. 204)
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Artigo 564, inciso IV: Não se revogam por ingratidão: inciso IV: as feitas para determinado casamento.
Artigo 426: Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.
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Artigo 1.655: É nula a convenção ou cláusula dela que contravenha disposição absoluta de lei.
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Artigo 544: A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que
lhes cabe por herança
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Artigo 1.845: São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.
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Artigo 1.829, inciso I: A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: inciso I: I - aos descendentes, em
concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão
universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão
parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
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Artigo 549: Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da
liberalidade, poderia dispor em testamento.
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Artigo 1.846: Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.
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Já no que respeita à administração da sociedade conjugal, tem-se que:
Toda a sociedade requer a administração, a fim de seus objetivos serem
alcançados. A conjugal não foge à regra. Questões do cotidiano e as
relacionadas ao planejamento exigem consenso do casal. O que comprar e
onde comprar, a escolha do imóvel a ser alugado, como aplicar eventual
reserva financeira, a troca do automóvel, estas e tantas outras são
providencias que exigem acordo entre o casal, pois a Lei Civil confia aos
cônjuges as deliberações e iniciativas pertinentes à sociedade (art. 156795).
(NADER, 2009, p. 184).
Denota-se, portanto, que eliminando a regra disposta no Código de 1916, segundo a
qual compete ao chefe de família a administração da sociedade, o legislador deixou aos
cônjuges o poder de gerir, durante o casamento, os bens comuns e alguns bens particulares,
conforme preceitua o artigo 1.64296, inciso II do Código Civil. Importante salientar que na
administração dos bens particulares deve-se levar em conta o regime de bens adotado pelo
casal ou do disposto no pacto antenupcial (artigo 1.567 do Código Civil). (DINIZ, 2009, p.
207).
Poderá, no entanto, apenas um dos cônjuges assumir a direção da sociedade conjugal
quando da ocorrência de alguma das situações dispostas no artigo 1.57097 do Código Civil,
todavia, somente poderá “[...] alienar os imóveis comuns e os móveis e imóveis do outro
mediante autorização especial do juiz, [...].” (DINIZ, 2009, p. 244).
Diferentemente do que ocorria no Código Civil de 1916, no qual a administração da
sociedade conjugal era exercida única e exclusivamente pelo marido, não havendo nenhuma
interferência por parte da mulher, o atual Código desbancou totalmente aludida posição
machista, concedendo à mulher o direito de administrar conjuntamente com o marido a
sociedade conjugal, isto é, igualando o poder de decisão do homem ao da mulher.
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Artigo 1.567: A direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher,
sempre no interesse do casal e dos filhos.
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Artigo 1.642: Qualquer que seja o regime de bens, tanto o marido quanto a mulher podem livremente: I praticar todos os atos de disposição e de administração necessários ao desempenho de sua profissão, com as
limitações estabelecida no inciso I do art. 1.647; II - administrar os bens próprios; III - desobrigar ou reivindicar
os imóveis que tenham sido gravados ou alienados sem o seu consentimento ou sem suprimento judicial; IV demandar a rescisão dos contratos de fiança e doação, ou a invalidação do aval, realizados pelo outro cônjuge
com infração do disposto nos incisos III e IV do art. 1.647; V - reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis,
doados ou transferidos pelo outro cônjuge ao concubino, desde que provado que os bens não foram adquiridos
pelo esforço comum destes, se o casal estiver separado de fato por mais de cinco anos; e VI - praticar todos os
atos que não lhes forem vedados expressamente.
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Artigo 1.570: Se qualquer dos cônjuges estiver em lugar remoto ou não sabido, encarcerado por mais de cento
e oitenta dias, interditado judicialmente ou privado, episodicamente, de consciência, em virtude de enfermidade
ou de acidente, o outro exercerá com exclusividade a direção da família, cabendo-lhe a administração dos bens.
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No que concerne às restrições à liberdade de ação dos cônjuges para preservar o
patrimônio familiar, observa-se que:
Nosso Código Civil estabelece limitações ao poder de administração dos
cônjuges, pois, embora, tenham a direção da sociedade conjugal [...], para
praticar certos atos de conteúdo patrimonial, necessitam de outorga do outro,
sem a qual não se encontrará legitimado para efetivá-los. O objetivo do
nosso diploma legal foi assegurar não só a harmonia e segurança da vida
conjugal, mas também preservar o patrimônio familiar, forçando os
consortes a manter o acervo familiar, porque a renda para manutenção da
família, geralmente, advém desse, e, assim, evita-se a dissipação, garantindo,
consequentemente, uma certa receita. (DINIZ, 2009, p. 210).
Portanto, para qualquer dos cônjuges alienar ou gravar de ônus real qualquer imóvel,
prestar fiança ou aval, fazer doação não remuneratória de bens comuns ou que possam vir a
integrar futura meação, alugar prédio urbano residencial por mais de 10 anos, faz-se
necessário, exceto no regime de separação total de bens, a autorização do outro cônjuge. Isso
é necessário, conforme já comentado, para que o patrimônio do casal não se dissipe pela
vontade única de um dos consortes.
Todavia, o legislador também permitiu que alguns atos patrimoniais possam ser
realizados por um dos cônjuges sem o consentimento ou autorização do outro. Dentre esses
atos pode-se citar a prática de todos os atos de disposição e gerência indispensáveis para o
exercício de sua atividade; a administração de bens próprios por atos de mera administração,
gerindo-os e resguardando-os; a isenção ou reivindicação dos imóveis do casal, quando estes
tiverem sido gravados ou alienados sem a autorização do outro cônjuge; a de propor demanda
para a rescisão dos contratos de fiança e doação não remuneratória nem módica e a
invalidação de aval concedido pelo outro cônjuge com infração ao disposto nos incisos III e
IV do artigo 1.64798 do Código Civil; a reclamação de bens comuns, móveis ou imóveis,
doados ou transferidos pelo outro cônjuge ao concubino, desde que esses bens não tenham
sido adquiridos pelo esforço comum destes, no caso de o casal encontrar-se separado de fato a
mais de cinco anos; a disposição de bens móveis que detiver; e a prática de quaisquer outros
atos não proibidos por lei. (DINIZ, 2009, 218-219).
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Artigo 1.647, inciso III e IV: Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização
do outro, exceto no regime da separação absoluta: inciso III - prestar fiança ou aval; IV - fazer doação, não sendo
remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação.
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Como se observa, o legislador impôs aos cônjuges algumas restrições quando ao
direito de dispor do patrimônio familiar, isso tudo no intuito de proteger a própria família de
possível ruína, por atitudes impensadas e individualistas de um dos consortes. No entanto,
essas restrições não são absolutas, visto que os cônjuges, conforme já relatado, podem praticar
determinados atos sem a necessidade de autorização do outro.
Relativamente à impenhorabilidade do único imóvel residencial da família, verifica-se
que:
A Lei 8.009/90, instituindo o bem de família legal ou involuntário,
estabelece, com intuito de preservar o patrimônio familiar, a
impenhorabilidade não só do único imóvel rural ou urbano da família,
destinado para moradia permanente, excluindo as casas de campo ou de
praia, abrangendo a construção, plantação e benfeitorias, mas também o boxgaragem não matriculado no registro de imóvel (STJ, 4ª Turma, REsp
582.044, Rel. Min. Aldir Passarinho), os equipamentos de uso profissional e
os móveis que o guarnecem, desde que quitados. Tais bens não responderão
por débito civil, comercial, fiscal ou previdenciário contraído pela entidade
familiar. (DINIZ, 2009, p. 220-221),
Conforme afirma Lisboa (2004, p. 150-151), o bem de residência, “[...] se fundamenta
na teoria do patrimônio mínimo e nos princípios constitucionais de proteção da família,
destacando-se a proteção da dignidade da pessoa humana e a busca da erradicação da pobreza
[...].” Denota-se, portanto, que a impenhorabilidade do único imóvel residencial da família
ocorre como forma de preservar a dignidade daqueles que no imóvel residem, impedindo que
ocorra a desestruturação de uma família, bem como, esta seja colocada na rua sem as mínimas
condições de sobrevivência, pela simples execução de alguma dívida.
Mais adiante, Lisboa (2004, p. 150) assevera que:
Contrariamente ao que se sucede com a instituição do bem de família, o bem
de residência prescinde de ato solene de averbação, junto ao registro
imobiliário, desde que a coisa se constitui em objeto impenhorável. A
impenhorabilidade decorre de lei, bastando que estejam presentes os
seguintes requisitos: a) o imóvel residencial, próprio da família constituída
pelo casamento ou pela entidade familiar [...]; b) a dívida posterior à
aquisição do imóvel seja adquirida pelo cônjuge ou filho, que seja
proprietário e nele resida.
Denota-se, assim, que a impenhorabilidade do único imóvel residencial da família não
é absoluta, visto que se faz necessário a presença de determinado requisito, o qual serve como
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uma forma de segurança para terceiros, isto é:
Não poderá ser beneficiado, por esta lei, que visa proteger o patrimônio
familiar, aquele que, sabendo-se insolvente, vier a adquirir de má-fé imóvel
mais valioso para transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da
antiga moradia. Assim, se ocorrer tal fato, o magistrado poderá transferir a
impenhorabilidade para a moradia familiar anterior, ou anular-lhe a venda
liberando a mais valiosa para execução ou concurso de credores [...].
(DINIZ, 2009, p. 251).
O bem de residência poderá também ser penhorado nos casos de dívidas decorrentes
de quaisquer expensas do próprio imóvel; quando houver por parte do dono dívida decorrente
de pensão alimentícia; quando existir hipoteca sobre o bem ou este tiver sido adquirido como
produto de crime ou quando for oferecido como demonstração de solvência em contrato de
fiança advindo de um contrato de locação. (LISBOA, 2004, p. 151).
A impenhorabilidade do único bem imóvel da família pressupõe, portanto, uma forma
de não deixar sem qualquer amparo legal aquela família que possui apenas um bem para
residir e algumas ou inúmeras dívidas, todavia, para a utilização desse instituto é necessário
que se cumpra determinados requisitos, os quais tentam prevenir possíveis fraudes.
Por sua vez, a instituição do bem de família por ato voluntário, também é um dos
efeitos patrimoniais do casamento, que visa “[...] assegurar um lar à família ou meios para o
seu sustento, pondo-a ao abrigo de penhoras por débitos posteriores à instituição, salvo as que
provierem de tributos relativos ao prédio (IPTU ou ITR, p. ex.), ou de despesas condominiais
[...].” (DINIZ, 2009, p. 222).
Dias (2007, p. 521) assim se manifesta:
A instituição do bem de família gera a impenhorabilidade de um bem
determinado, que se transforma em verdadeiro patrimônio, num sentido
protetivo do núcleo familiar. Trata-se de qualidade que se agrega a um bem
imóvel e seus móveis, imunizando-os em relação a credores, como forma de
proteger a família que nele reside.
Como se observa, o bem de família tem por objetivo proteger e assegurar que
determinado bem imóvel, indicado pela família, fique protegido contra possíveis dívidas
adquiridas por esta. Importante destacar que a impenhorabilidade concedida pelo bem de
família não é absoluta, visto que este instituto não protege contra dívidas anteriores à sua
instituição nem dívidas provenientes de tributos ou relativas a despesas com condomínio.
68
O bem de família voluntário deverá ser instituído através de escritura pública ou
testamento, não podendo exceder a um terço do patrimônio líquido daquele que o instituiu.
Conforme dispõe o artigo 1.71199 do Código Civil, poderá ser estabelecido pelo cônjuge, pela
entidade familiar para a respectiva família, bem como em favor de terceiros, este último,
através de testamento. (DIAS, 2007, p. 523-525).
De acordo com Nader (2009, p. 455), o objeto de proteção do bem de família, segundo
o disposto no artigo 1.712100 do Código Civil, incide “[...] sobre a edificação, suas ‘pertenças
e acessórios’, além dos valores mobiliários, cuja renda se destine à conservação do imóvel
urbano ou rural.”
A extinção desse instituto, por sua vez, pode ocorrer por diversas causas, conforme
dispõem Nader (2009, p. 460):
O fato de ocorrer por ato de vontade, mediante alienação do prédio, desde
que acordes os membros da família, ouvido o Ministério Público (art.
1.717101). Mediante ato de penhora e venda judicial, em decorrência de
dívidas de impostos e taxas condominiais incidentes sobre o imóvel, o
benefício pode ser transferido para outra unidade, naturalmente de menor
valor. Repetindo-se o fato, sucessivamente, é possível que se verifique a
extinção do bem de família por falta de objeto.
Imperioso frisar que o bem de família, independentemente da dissolução da sociedade
conjugal ou da morte de um dos cônjuges/companheiros, permanece inalterado, visto que
somente na última hipótese, e caso queira, o cônjuge/companheiro sobrevivo poderá requerer
a extinção do instituto. Ademais, caso ocorra a morte de ambos os pais, o bem de família
estende-se aos filhos até atingirem a maior idade, permanecendo, todavia, ainda que alcançada
a maior idade, nos casos de interdição.
Quanto ao dever recíproco de socorro entre os cônjuges tem-se que “[...] é o que
99
Artigo 1.711: Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar
parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido
existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial
estabelecida em lei especial. Parágrafo único. O terceiro poderá igualmente instituir bem de família por
testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou
da entidade familiar beneficiada
100
Artigo 1.712: O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e
acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja
renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.
101
Artigo 1.717: O prédio e os valores mobiliários, constituídos como bem da família, não podem ter destino
diverso do previsto no art. 1.712 ou serem alienados sem o consentimento dos interessados e seus representantes
legais, ouvido o Ministério Público.
69
incumbe a cada consorte em relação ao outro de ajudá-lo economicamente, ou seja, consiste
na assistência pecuniária de um a outro consorte. Trata-se de uma obrigação de dar,
abrangendo o sustento e outras prestações econômicas, [...].” (DINIZ, 2009, p. 229).
O dever recíproco de socorro abrange a prestação de alimentos e o dever de sustento.
Este último nada mais é do que as contribuições de ambos os cônjuges para com as despesas
da família. No regime de separação de bens, essas contribuições poderão variar de acordo
com os rendimentos e bens que cada cônjuge possuir, exceto, quando houver estipulação em
contrário no pacto antenupcial. (DINIZ, 2009, p. 229).
O dever de prestar alimentos surge quando da ocorrência de dissolução da sociedade
conjugal, ficando assim, o cônjuge com melhores condições, encarregado de prestar alimentos
àquele mais necessitado. Importante mencionar que na fixação dos alimentos, forçoso se faz a
análise da possibilidade do alimentante. (LISBOA, 2004, p. 142).
Dias (2007, p. 464) assim se manifesta acerca do dever de prestar alimentos:
O dever de mútua assistência atribuído aos cônjuges quando do enlace
matrimonial é que da origem a recíproca obrigação alimentar. A
responsabilidade pela subsistência do consorte é um dos efeitos do
casamento e independe da vontade dos noivos. Trata-se de ônus que surge na
solenidade das núpcias, mas sua exigibilidade está condicionada ao término
do casamento. Por isso, o encargo alimentar sempre foi reconhecido como
uma seqüela do dever de assistência que decorre de imposição legal. (sic).
Visualiza-se, portanto, que o dever recíproco de socorro entre os cônjuges é forma de
ajudarem-se durante a união e após o seu término, não permitindo que o encargo de sustentar
a família pertença a apenas uma pessoa, bem como, de não deixar à míngua aquele consorte
menos favorecido quando finda a união. Registra-se quanto ao direito sucessório do cônjuge
sobrevivente que
[...] direitos se ampliaram com a promulgação do Código de 2002. Sob a
vigência do Código de Beviláqua102, independentemente do regime de bens,
o cônjuge não figurava entre os herdeiros necessários, que eram apenas os
ascendentes e os descendentes. Herdava em terceiro lugar, podendo ainda ser
preterido por testamento [...]. (NADER, 2009, p. 194).
Com a promulgação do Código Civil de 2002, o cônjuge sobrevivente “além de ser
102
Código de Beviláqua: expressão que remete ao Código Civil de 1916.
70
herdeiro necessário, concorre na ordem de vocação hereditária, com descendentes e
ascendentes (CC, arts. 1.829103, 1.830104 e 1.845105) e, faltando descendentes e ascendentes,
ser-lhe-á deferida a sucessão”. Mencionada ordem, contudo, pode vir a sofrer alterações
quando presente a hipótese do artigo 5°106, inciso XXXI, da Constituição Federal ou do artigo
10107, parágrafo 1° da Lei de Introdução ao Código Civil. (DINIZ, 2009, p. 232).
O cônjuge sobrevivente, conforme afirma Diniz (2009, p. 233), também possui o
direito real de habitação, independentemente do regime de bens adotado, todavia, se faz
necessário que o imóvel seja o único bem da família a ser inventariado, bem como, seja
destinado à moradia.
Ademais, diferentemente do que era previsto no Código Civil de 1916, o cônjuge
sobrevivente, sob a jurisdição do novo Código Civil, não necessita mais permanecer
eternamente no estado de viuvez para manter o direito real de habitação, visto que este direito
estende-se até a sua morte, independentemente de seu estado civil. Frisam-se aqui os
ensinamentos de Hironaka (2007, p. 100) sobre a sucessão entre os cônjuges e os conviventes:
[...] a sucessão se processa relativamente a uma pessoa que, no momento de
sua morte, era casada ou estava separada de fato a menos de dois anos, casos
em que a sucessão processar-se-á de forma a considerar, primeiramente, o
regime de bens do casamento ora desfeitos por morte. [...] a sucessão se
verifica relativamente a uma pessoa que vivia em união estável, caso que não
será de importância relevante nem a verificação do regime de bens
estabelecido por contrato escrito nem a falta de tal previsão, já que vigora
para relação estável a normativa atinente ao regime de comunhão parcial de
bens [...]. Nessa hipótese o que será considerado no momento da divisão do
monte partível é a forma de aquisição dos bens a serem partilhados.
103
Artigo 1.829: A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o
cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação
obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não
houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge
sobrevivente; III - ao cônjuge sobrevivente.
104
Artigo 1.830: Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do
outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste
caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.
105
Artigo 1.845: São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.
106
Artigo 5°, inciso XXXI: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXI - a sucessão de bens de estrangeiros situados no País
será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais
favorável a lei pessoal do "de cujus”.
107
Artigo 10, parágrafo 1°: A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o
defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens. Parágrafo 1º A sucessão de bens
de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos
brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus.
71
Observa-se, portanto, quanto à sucessão entre os cônjuges e entre os coniventes, que
ocorrem com certas diferenças, visto que para os primeiros será levado em conta o regime de
bens adotado pelo casal, enquanto que no segundo caso, o regime de bens escolhido pelos
conviventes em nada importara, visto que se utiliza o regime de comunhão parcial de bens.
De mais a mais, a sucessão quanto ao cônjuge ocorrerá obedecendo as regras previstas no
artigo 1.829, isto é, o da sucessão legítima, enquanto para aqueles que conviviam em união
estável prevalecerá às regras dispostas no artigo 1.790108 do Código Civil.
Por fim, quanto às relações econômicas entre pais e filhos, observa-se que:
Atualmente, sob o pálio da Constituição da República [...], os direito e
deveres são exercidos em plano de igualdade entre o homem e a mulher,
enquanto o Código Civil, além de garantir idênticos direito e deveres aos
consortes, atribui a ambos o dever de sustento da família e a educação dos
filhos na proporção de seus bens e rendimentos do trabalho,
independentemente do regime patrimonial [...]. (NADER, 2009, p. 350).
De acordo com Diniz (2009, p. 235-236) “É dever da família, da sociedade em geral e
do Poder Público assegurar, com prioridade, todos os direitos fundamentais da criança e do
adolescente à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à cultura, à
profissionalização etc.”. Contudo, conforme prevê o Código Civil em seus artigos 1.634109,
1.566110, inciso IV e 1.568111, o sustento dos filhos é de incumbência que prevalece sobre a
figura dos pais, através de recursos próprios advindos do trabalho e dos rendimentos comuns
do casal, atuando a sociedade, apenas em um plano secundário, quando aqueles deixarem de
cumprir integralmente seus deveres para com os filhos.
108
Artigo 1.790: A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos
onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I - se concorrer com filhos comuns, terá
direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II - se concorrer com descendentes só do
autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III - se concorrer com outros parentes
sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da
herança.
109
Artigo 1.634: Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: dirigir-lhes a criação e educação; tê-los
em sua companhia e guarda; conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; nomear-lhes tutor por
testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o
poder familiar; representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos
atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; exigir
que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.
110
Artigo 1.566: São deveres de ambos os cônjuges: sustento,guarda e educação dos filhos.
111
Artigo 1.568: Os cônjuges são obrigados a concorrer, na proporção de seus bens e dos rendimentos do
trabalho, para o sustento da família e a educação dos filhos, qualquer que seja o regime patrimonial.
72
Conforme afirma Gonçalves (2006, p. 178), o dever de sustentar os filhos ou de gerar
os meios para tanto abrange o fornecimento de “[...] alimentação, vestuário, habitação,
medicamentos e tudo mais que seja necessário a sobrevivência;”, o de proporcionar o mínimo
necessário com relação à educação compreende a disposição de ensino básico e
complementar, considerando sempre as possibilidades sociais e econômicas dos pais, o dever
de guarda, por seu turno, sujeita o detentor a proporcionar a assistência moral, material e
espiritual, podendo, também, se objetar a terceiro, inclusive os pais.
É também dever dos pais, no exercício do poder familiar, gerir os bens pertencentes
aos filhos menores, devendo praticar todos os atos necessários a sua conservação, como “[...]
celebrar contratos de locação, pagar impostos, receber rendimentos, adquirir outros bens,
alienar os móveis e defender judicialmente o patrimônio administrado, não tendo, porém,
qualquer direito à remuneração por esta administração.” Os pais, contudo, não podem praticar
quaisquer atos que venham diminuir ou prejudicar o patrimônio do filho, não podendo assim,
exceto nos casos de extrema necessidade e com autorização judicial, alienar ou gravar com
ônus real os imóveis, ou então contrair dívidas em nome do menor que acabem por superar os
alcances da simples administração. (DINIZ, 2009, p. 236).
A separação judicial dos pais em nada interfere quanto aos direitos e deveres destes
para com os filhos, visto que cada um contribuirá na medida dos seus recursos e
possibilidades. (GONÇALVES, 2006, p. 179).
Após toda a análise dos efeitos patrimoniais produzidos a partir do casamento é
possível verificar que ocorreram grandes mudanças com o a criação do novo Código Civil,
visto que este permitiu um maior entrosamento entre os consortes, atribuindo direito e deveres
recíprocos, sendo que ambos possuem seu papel de importância dentro da entidade familiar.
Também se observou que o casamento não é apenas uma comunhão de vidas entres duas
pessoas, mais sim, um negócio jurídico que produz os mais diversos efeitos no campo social,
pessoal e principalmente patrimonial, portanto, necessário se fez a regulamentação desses
efeitos para, dessa forma, não ocorrer qualquer artimanha entre os próprios cônjuges e com
relação a terceiros.
73
3.2 Efeitos patrimoniais nas uniões homoafetivas de acordo com a doutrina
Antes de adentrarmos no objeto deste tópico, importante ressaltar que, conforme
inúmera vezes já mencionado no decorrer deste trabalho, o tema homoafetividade e uniões
homoafetivas ainda sofrem os mais diversos tipos de preconceito, estando a doutrina há muito
pouco tempo, abrindo espaço para tratar dessa forma de vida e relacionamento, portanto, há
dificuldade em encontrar materiais que tratem profundamente acerca do tema.
Ademais, como será possível observar, a doutrina ainda não se encontra pacificada
acerca do reconhecimento e efeitos das uniões entre pessoas do mesmo sexo, visto que muitos
doutrinadores aceitam a possibilidade das uniões homoafetivas serem equiparadas às uniões
estáveis, enquanto outros afirmam serem as uniões homossexuais, uniões estáveis
inexistentes.
Para Dias (2007, p. 187),
Nem ausência de leis, nem a omissão do Judiciário podem levar à exclusão
da tutela jurídica. Preconceitos de ordem moral não devem servir de
justificativa para alijar direitos. É descabido negar proteção e subtrair
direitos a quem vive fora dos padrões sociais e busca direito não previsto em
norma legal expressa.
Afirma ainda, que é inexequível uma valoração de ordem moral quanto às uniões
homoafetivas, porquanto, a concepção subjetiva de cada um pode ser mutável, além de não
seguir critérios uniformes da opinião pública. Assim, qualquer construção jurídica acerca
desse tema – reconhecimento e efeitos das uniões homoafetivas - não deve ser permeada de
tal subjetivismo, mas sim, “Na medida em que o relacionamento íntimo entre duas pessoas do
mesmo sexo pode ter efeitos jurídicos relevantes, é mais razoável que se faça uma abordagem
jurídica e técnica da questão [...].” (DIAS, 2007, p. 187).
Nesse sentido, também é a opinião de Pereira (2001, p. 147), ao afirmar que:
É preciso que o direito esteja acima dos conceitos estigmatizantes, porque
das relações de afeto, hetero ou homossexuais, decorrem conseqüências
patrimoniais, e não dar a cada um o que é seu foge aos ideais de justiça.
Interessa, ao Direito então, saber se as relações homossexuais duradouras,
contínuas, estáveis e monogâmicas constituem uma união estável nos moldes
da união heterossexual.(sic)
74
Dessa forma, deve-se tentar ao reconhecer as uniões homossexuais, aqueles que ainda
invocam certa resistência, ao menos utilizarem da analogia e aplicar as regras cabíveis ao
direito de família, uma vez que as uniões homoafetivas são baseadas no afeto e passam pelo
mesmo caminho da comunhão de vida e instituem responsabilidades mútuas, como qualquer
outra entidade familiar. (DIAS, 2007, p. 187).
Considerando, portanto, que as uniões homoafetivas geram comunhão de vida e
responsabilidades mútuas entre os seus indivíduos, Dias (2007, p. 187-188) afirma que:
É de reconhecer-se, portanto, que há a modificação do estado civil dos
companheiros, em face das conseqüências de ordem patrimonial que
decorrem da relação. Os bens adquiridos durante o período de convívio
pertencem a ambos, ainda que em nome de um deles. Presume-se o esforço
comum a impor a aplicação do regime da comunhão parcial de bens. Quando
do fim do relacionamento, por morte ou separação, as seqüelas também são
as mesmas. Necessário é encarar a realidade sem preconceitos e aplicar o
regramento legal que regulamenta o casamento e a união estável. O
embaralhamento de vidas leva ao estado condominial do patrimônio, que
necessita ser partilhado sob pena de, por puro preconceito, serem cometidas
enormes injustiças. (sic.)
Tem-se, portanto, que nada mais correto que, se presentes todos os requisitos
necessários à equiparação das uniões homoafetivas às uniões estáveis, seja deferida a partilha
de bens obedecendo ao regime de comunhão parcial, exceto nos casos em que exista contrato
escrito que estipule uma solução diversa daquela acima menciona para os bens adquiridos no
transcorrer da convivência, porquanto, não reconhecer o direito a partilha de bens e a meação
para o companheiro, quando comprovado esforço mútuo para a acumulação do patrimônio,
apenas por ser uma união homossexual, configura enriquecimento ilícito, situação esta
geradora de total repulsa pelo sistema jurídico. (SPENGLER, 2003, p. 108, 110).
No que tange aos direitos sucessórios, observa-se que também ocorrendo à
equiparação das uniões homoafetivas às uniões estáveis, necessário se faz o reconhecimento
do direito do companheiro sobrevivente a participar da sucessão do de cujus112 regulada pelo
artigo 1.790113 do Código Civil, no qual o companheiro concorre com os filhos comuns, com
112
De cujus: expressão em latim que significa morto, falecido, inventariado.
Artigo 1.790: A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos
onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I - se concorrer com filhos comuns, terá
direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II - se concorrer com descendentes só do
autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III - se concorrer com outros parentes
sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da
herança.
113
75
os filhos só do companheiro ou com outros parentes sucessíveis e, na inexistência destes
últimos, acaba por herdar sozinho o patrimônio do falecido, todavia, para que o companheiro
participe da sucessão, é necessário que os bens tenham sido adquiridos de forma onerosa
durante a união estável, visto que se assim não ocorrer, o companheiro não terá qualquer
direito em herdar possível patrimônio adquirido antes da união e deixado pelo de cujus.
(SPENGLER, 2003, p. 113).
Todavia, esta não é a posição adotada por Lisboa (2004, p. 256), visto que para este
autor “O parceiro homossexual não tem direito à sucessão hereditária, senão através de
clausula testamentária.”, porquanto, em sua opinião, as uniões homossexuais não podem ser
comparadas às uniões estáveis, tendo em vista que nestas se presumem a diferença de sexos
entre os parceiros, situação não presente entre os casais homoafetivos. Como se observa, de
acordo com esta posição, o companheiro sobrevivente teria direito a alguns bens do de cujus
apenas quando, for este disposto em testamento, portanto, caso o de cujus não deixasse
qualquer forma de testamento, nada caberia ao companheiro sobrevivente no que respeita ao
direito sucessório.
Quanto ao pagamento de verba alimentar ao companheiro homossexual, vislumbra-se
que, do mesmo modo como os demais efeitos patrimoniais, este também possui direito a
perceber determinada quantia, a qual terá por objetivo prover suas necessidades básicas. Para
que seja possível a determinação para pagamento de verba alimentar, é necessário que seja
verificado o vínculo familiar, a necessidade do alimentando e a possibilidade do alimentante,
pressupostos estes também analisados quando da fixação de alimentos no matrimônio e nas
uniões estáveis. (SPENGLER, 2003, p. 131-132)
Ademais, denota-se que o Código Civil traz claramente em seu texto o dever de
prestar alimentos entre os companheiros, sem, contudo, fazer qualquer advertência quanto à
orientação sexual do casal, não ficando, dessa forma, o dever de prestar alimentos restritos
apenas aos casais heterossexuais. (SPENGLER, 2003, p. 126-127).
Contudo, observa-se, quando Lisboa cita Cahali (2004, p. 256) afirma “[...] que
descabe a concessão de alimentos nas relações homossexuais, pois o reconhecimento de uma
pessoa sustentar a outra do mesmo sexo degradaria o instituto, sendo correto afirmar que o
Projeto de Lei 1.151, [...], não prevê a obrigação de prestar alimentos [...].” Verifica-se
através desse posicionamento o preconceito ainda existente, visto que o maior argumento
76
utilizado para a não aceitação do pagamento das verbas alimentares entre casais homoafetos é
apenas a situação estranha que se procederia em um homem pagar alimentos para outro ou
uma mulher pagar alimentos para outra, isto é, não há qualquer impedimento legal, mas sim,
impedimento quanto à forma de vislumbrar a nova realidade em que o mundo se encontra,
onde preconceitos desse modo já não têm mais lugar.
No que respeita ao direito do(a) companheiro(a) homossexual perceber auxílio
reclusão ou pensão por morte da Previdência Social, observa-se que ainda não há
reconhecimento jurídico formal desse direito como efeito patrimonial, visto que gera efeitos
apenas dentro de sua esfera de abrangência, contudo, neste trabalho será tratado como mais
um dos efeitos patrimoniais dos quais os casais homoafetivos possuem direito.
Verifica-se que foi a partir de uma decisão da justiça gaúcha, na qual se determinou
que “[...] a Previdência Social considere o companheiro ou companheira do mesmo sexo
como dependente preferencial nos casos de pensão e auxílio-reclusão [...]”, que esse direito
passou a ser reconhecido aos homossexuais. Ademais, foi a partir da aludida decisão que foi
editada a Instrução Normativa 25, onde foram determinados e instituídos todos os processos
necessários para a concessão de auxílio reclusão e pensão por morte ao(à) companheiro(a)
homossexual. (SPENGLER, 2003, p. 118).
A Instrução Normativa 25 sofreu alterações com a edição da Instrução Normativa n.
46 e esta, com a edição da Instrução Normativa n. 50, contudo, todas mantiveram o direito do
companheiro homoafetivo permanecer como dependente do outro companheiro nos casos de
concessão de pensão por morte e auxílio reclusão. (SPENGLER, 2003, p. 119).
Importante salientar que as decisões judiciais, tanto a pioneira decisão da justiça
gaúcha como as demais que se seguiram, levaram em apreço para a concessão de direitos
previdenciários aos companheiros homossexuais, a equiparação das uniões homoafetivas às
uniões estáveis.
Para Dias (2004, p. 80-81), foi extremamente importante a decisão que concedeu aos
casais homoafetivos direitos previdenciários, porquanto, para a aludida doutrinadora:
Tal qual a relação heterossexual, a união homossexual estabelece vínculos
em que há comprometimento afetivo. Por isso, deve-se reconhecer a união
estável como um gênero que comporta mais de uma espécie: a união
heterossexual e a união estável homossexual. Ambas fazem jus à mesma
proteção.
77
Nesse mesmo sentido segue é a opinião de Spengler (2003, p. 123), ao afirmar que:
[...] se comprovado relacionamento homossexual estável e duradouro, juste é
a determinação de pensionamento por morte ao companheiro [...], uma vez
que o objetivo maior da norma legal é evitar injustiças e desigualdades,
propiciando vida digna àquele que despendeu anos de sua existência num
relacionamento, independentemente ser ele homo ou heterossexual.
Dessa forma, após a análise de todos os direitos que, aos poucos, estão sendo
reconhecidos pela doutrina aos casais homoafetivos, nada mais correto que a posição de Dias
(2007, p. 188), ao afirmar que as ações relativas às uniões homoafetivas devam tramitar nas
varas da família, onde deve ser garantido ao cônjuge sobrevivente o direito a alimentos, os
direitos sucessórios, a meação e o direito real de habitação. A inventariança, também, deverá
ser deferida ao companheiro do de cujus, evitando-se assim que sejam cometidas enormes
injustiças. (DIAS, 2007, p. 188).
Todavia, o posicionamento aludido não é reconhecido por toda a doutrina, visto que
ainda existe a posição que estigmatiza as relações homossexuais como sociedade de fato, as
quais devem tramitar nas varas cíveis comuns, porquanto, não podem ser reconhecidas como
uniões estáveis, visto que “[...] sempre a Jurisprudência brasileira teve em mira o par
andrógino, o homem e a mulher.” (AZEVEDO, 2003, p. 293).
Ademais, permanece afirmando aludido autor que “Com a Constituição Federal, [...],
ficou bem claro esse posicionamento, de só reconhecer, como entidade familiar, a união
estável entre o homem e a mulher, conforme o claríssimo enunciado do § 3° do seu art. 226.”
(AZEVEDO, 2003, p. 293).
[...] provada a sociedade de fato entre os conviventes do mesmo sexo, com a
aquisição de bens pelo esforço comum dos sócios, está presente o contrato
de sociedade, reconhecido pelo [...] Código Civil, independentemente de
casamento ou união estável. Sim, porque celebram contrato de sociedade as
pessoas que se obrigam, mutuamente, a combinar seus esforços pessoais
e/ou recursos materiais, para a obtenção de fins comuns. Enquanto a união
homossexual não for reconhecida como apta à constituição de família, o que
nos parece prematuro, os parceiros devem acautelar-se com a realização de
contratos escritos, que esclareçam a respeito de seu patrimônio,
principalmente demonstrando os bens que existem, ou venham a existir, em
regime de condomínio, com os percentuais estabelecidos ou não. Se for o
caso, para que não esbarrem suas convenções no direito sucessório de seus
herdeiros, devem realizar testamentos esclarecedores de suas verdadeiras
intenções. Podem, ainda, os parceiros adquirir bens em nome de ambos, o
que importa condomínio, em partes iguais. (AZEVEDO, 2003, p. 297).
78
Vislumbra-se, portanto, que ao reconhecer as uniões homoafetivas como meras
sociedades de fato, leva-se em consideração apenas a parte monetária da relação, não
prestando a mínima atenção aos laços de afeto que unem os casais homoafetivos.
Após a análise deste tópico foi possível perceber que, conforme mencionado
anteriormente, ainda existe divergência quanto aos efeitos patrimoniais produzidos pelas
uniões homoafetivas, visto que muitos autores julgam que estas uniões devem ser equiparadas
às uniões estáveis e, por conseguinte, ter os mesmos efeitos destas e do matrimônio, todavia,
outros autores permanecem afirmando que não há qualquer possibilidade de se reconhecer as
uniões homoafetivas como uniões estáveis, mas apenas como sociedade de fato, visto que as
uniões entre pessoas do mesmo sexo não cumprem um requisito necessário, isto é, a
diversidade de sexo, desta forma, os efeitos produzidos pelas uniões homossexuais seriam
aqueles da dissolução de sociedade qualquer no mundo empresário.
3.3 Posição adotada pelos tribunais acerca dos efeitos patrimoniais nas dissoluções das
uniões homoafetivas
Conforme vislumbrado no tópico anterior, a doutrina ainda não se encontra pacificada
quanto ao reconhecimento das uniões homossexuais como sociedade de fato ou união estável,
bem como quanto aos seus efeitos. A jurisprudência, por seu turno, também não foge a regra,
visto que os tribunais do Brasil vêm decidindo o convívio entre pessoas do mesmo sexo das
mais diversas formas, às vezes reconhecendo as uniões homoafetivas apenas como meras
sociedades de fato e outras, como entidades equiparadas às uniões estáveis.
Segundo Pereira (2001, p. 148-149):
A história jurisprudencial sobre as conseqüências patrimoniais e pessoais nas
relações homossexuais no Brasil é muito recente. Na quase totalidade dos
julgados, mesmo se se trata de uma relação amorosa longa, duradoura e
monogâmica, o referencial teórico tem sido sempre no campo do Direito
Obrigacional. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul foi o primeiro, em
1991, a determinar que os julgamentos do concubinato heterossexual seriam
nas varas de família. Foi também o primeiro do Brasil a considerar as
relações homossexuais com uma certa estabilidade e durabilidade, enfim,
com os mesmos elementos caracterizadores de uma família heterossexual
como união estável.
79
Durante a análise das jurisprudências será possível analisar os fundamentos pelos
quais alguns tribunais remetem as ações relativas a uniões homoafetivas às varas cíveis para
serem tratadas como se sociedades de fato fossem, enquanto outros, às varas da família para
receberem o tratamento igual aos dispensados para as uniões estáveis.
Necessário salientar, antes de adentrarmos na análise das jurisprudências, que
conforme estudado no início deste capítulo, os efeitos patrimoniais decorrentes do casamento
são inúmeros, todavia, considerando que as uniões homoafetivas, há não muito tempo, estão
recebendo respaldo no judiciário, foram encontradas apenas algumas jurisprudências que
tratam em sua maioria acerca da divisão de bens. Portanto, nessa análise jurisprudencial não
será possível a análise relativamente a todos os efeitos patrimoniais, mas tão com relação
àquelas encontrados na jurisprudência.
3.3.1 Análise das jurisprudências
A primeira jurisprudência a ser analisada provém do Tribunal do Estado do Rio
Grande do Sul. Trata-se de uma apelação cível de n. 70005488812114 interpostas por S.T. e
D.A.P., ambas apelantes, onde, não conformadas com a decisão proferida em primeiro grau
que reconheceu a convivência havida entre ambas e determinou a divisão igualitária dos bens
adquiridos durante a relação, apresentaram apelações. D.A.P. arguiu em sede de apelação que
não concorda com a divisão determinada na sentença, porquanto, entende que os bens
adquiridos antes da união não se comunicam, não podendo, dessa forma, fazer parte do rateio.
Alega que não ficou comprovada a fonte de renda da recorrida, enquanto a recorrente
114
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n. 70005488812 da
Sétima Câmara Cível. “Ementa: RELAÇÃO HOMOERÓTICA. UNIÃO ESTÁVEL. APLICAÇÃO DOS
PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE HUMANA E DA IGUALDADE. ANALOGIA.
PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO. VISÃO ABRANGENTE DAS ENTIDADES FAMILIARES. REGRAS
DE INCLUSÃO. PARTILHA DE BENS. REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL. INTELIGÊNCIA DOS
ARTIGOS 1.723, 1.725 E 1.658 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS.
Constitui união estável a relação fática entre duas mulheres, configurada na convivência pública, contínua,
duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir verdadeira família, observados os deveres de lealdade,
respeito e mútua assistência. Superados os preconceitos que afetam ditas realidades, aplicam-se os princípios
constitucionais da dignidade da pessoa, da igualdade, além da analogia e dos princípios gerais do direito, além da
contemporânea modelagem das entidades familiares em sistema aberto argamassado em regras de inclusão.
Assim, definida a natureza do convívio, opera-se a partilha dos bens segundo o regime da comunhão parcial.”
Apelante/Apelada: S.T.. Apelante/Apelada: D.A.P. Relator: Desembargador José Carlos Teixeira Giorgis.
(TJRS.JUS, 2010).
80
demonstrou posição financeira modesta. De outro lado, alega que a meação pretendida por
S.T é muito alta, visto que é mais que o décuplo de seu salário.
Por sua vez, S.T. em sua apelação relata que comprovou a relação afetiva havida entre
as partes, que a sentença de primeiro grau reconheceu a necessidade de demanda cautelar, não
havendo, portanto, impedimento para que ela tome posse dos bens arrolados. Narra que todos
os bens adquiridos durante a união foram através de esforço comum e devem, portanto, ser
partilhados. Pretende a reforma da sentença apenas para ver julgada totalmente procedente a
demanda.
Colocado o processo em votação, o Relator manifestou-se que por todas as provas que
compõem o processo ficou corroborado à existência de união estável entre as apelantes,
afirmando que:
[...] não é desarrazoado, firme nos princípios constitucionais da dignidade da
pessoa humana e da igualdade, considerada a visão unitária e coerente da
Constituição, com o uso da analogia e suporte nos princípios gerais do
direito, ter-se a união homoerótica como forma de união estável, desde que
se divisem, na relação, os pressupostos da notoriedade, da publicidade, da
coabitação, da fidelidade, de sinais explícitos de uma verdadeira comunhão
de afetos.
Com relação à partilha de bens afirmou que tendo sido reconhecida a união estável
vivenciada entre as apeladas, nada mais correto que aplicação do regime de comunhão parcial
de bens para a divisão do patrimônio.
O novo Código Civil (Lei nº 10.406/2002), agora incorporando a união
estável entre seus institutos ARTIGO 1.723), preceitua que nela, salvo
contrato escrito “...Aplica-se às relações patrimoniais, o que couber, o
regime da comunhão parcial de bens.” (artigo 1.725), o que já vinha sendo
iterativamente decidido por esta Corte (por todos, APC nº 70006048110, rel
Desa. Maria Berenice Dias, julgado em 14/05/2003; APC nº 70000276915,
rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, julgado em 17/05/2000; APC nº
70004790309, rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, julgado em 09/10/2002;
APC nº 70004289161, rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves,
julgado em 29/05/2002).
O Revisor, Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, e a Desembargadora, Maria
Berenice Dias, presidente, acompanharam o voto do relator.
Também do Estado do Rio Grande do Sul, a segunda jurisprudência a ser analisada é
81
de n. 70007243140115 e diz respeito ao reconhecimento e partilha de bens de uma união
homoafetiva.
A sentença proferida nos autos de primeiro grau, a qual julgou parcialmente
procedente a ação reconhecendo a existência de sociedade de fato (união estável) entre as
partes, determinando a partilha igualitária de um imóvel e de um automóvel e indeferindo os
demais pedidos constantes na inicial.
Alegou a apelante em seu recurso que a sentença proferida vai contra a legislação e a
jurisprudência dominante. Sustenta que não houve a formação de um entidade familiar entre
as partes, não devendo a pretensão da recorrida receber o amparo do artigo 226 da
Constituição Federal, bem como ser reconhecido como um pedido juridicamente impossível.
Salientou que havendo a admissão da existência de sociedade de fato não há como presumir o
esforço comum, porquanto, não se trata de uma entidade familiar, sendo necessário, portanto,
a prova do capital social que cada sócio contribuiu para a sociedade. Afirma que a divisão do
imóvel, determinada pelo juiz de primeiro grau, se traduz em enriquecimento ilícito,
porquanto o imóvel foi adquirido pela apelante com recursos próprio do FGTS. Afirma que os
frutos civis do trabalho são incomunicáveis. Quanto ao automóvel, alega que não ficou
demonstrada a sua venda, bem como, no bilhete de seguro não havia o nome da apelada,
impossível ocorrer a divisão do bem. Nas contrarrazões, a apelada requereu a improcedência
do recurso.
Em seu voto, o Relator, Desembargador José S. Trindade, manifestou-se pela parcial
procedência do recurso, reconhecendo a união estável entre a apelante e a apelada, assim se
manifestando:
115
RIO GRADE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n. 70007243140 da
Oitava Câmara Cível. “Ementa: RELAÇÃO HOMOSSEXUAL. UIÃO ESTÁVEL. PARTILHA DE
BES. Mantém-se o reconhecimento proferido na sentença da união estável entre as partes, homossexuais, se
extrai da prova contida nos autos, forma cristalina, que entre as litigantes existiu por quase dez anos forte relação
de afeto com sentimentos e envolvimentos emocionais, numa convivência more uxoria, pública e notória, com
comunhão de vida e mútua assistência econômica, sendo a partilha dos bens mera conseqüência. Exclui-se da
partilha, contudo, os valores provenientes do FGTS da ré utilizados para a compra do imóvel, vez que “frutos
civis”, e, portanto, incomunicáveis. Precedentes. Preliminar de não conhecimento do apelo rejeitada. Apelação
parcialmente provida, por maioria. Apelante: M.C. Apelada: D.D.S. Relator: Desembargador José S. Trindade.
(TJRS.JUS, 2010).
82
Ao analisar o que consta do processo e principalmente o conteúdo da petição
inicial, verifica-se que o pedido tem base em forte e clara relação de afeto
entre duas pessoas do mesmo sexo, que teriam convivido por quase dez anos
ininterruptos, publicamente, sem outra união paralela, com mútua
assistência, manutenção e fortalecimento de patrimônio, visando certamente,
criar um núcleo familiar. A se configurar esse quadro, não obstante
respeitáveis os posicionamentos em sentido contrário, entendo perfeitamente
cabível o processamento e o reconhecimento de uma união estável entre
homossexuais.
Aduz que a Constituição Federal traz como um de seus princípios fundamentais a
construção de sociedade livre, justa e solidaria, além da promoção do bem de todos sem
distinção de origem, raça, sexo, cor e idade. Como uma garantia fundamental a igualdade de
todos perante a lei sem distinção de qualquer natureza. Também, que não é necessário esperar
a aprovação do Projeto de Lei n. 1.151 para conhecer a possibilidade de reconhecimento de
união estável homossexual, porquanto, além dos dispositivos constitucionais, a legislação
pátria permite a utilização, pelo juiz, da analogia, os costumes e os princípios gerais do
direito.
Assim, afirma que:
[...] possível o reconhecimento de uma união estável entre homossexuais,
extrai-se da prova contida nos autos, forma cristalina, que entre as litigantes
existiu por quase dez anos forte relação de afeto com sentimentos e
envolvimentos emocionais, numa convivência more uxoria pública e notória,
com comunhão de vida e mútua assistência econômica [...]. Comprovada,
pois, a existência da união estável entre as litigantes, a partilha dos bens
adquiridos no período é mera conseqüência.
Contudo, quanto ao pedido de retirada da partilha de parte do imóvel adquirido pela
apelante com valores provindos de seu FGTS, o relator assim posicionou-se:
Razão assiste à apelante, contudo, quando pretende excluir da partilha a
parte utilizada para a compra do único bem imóvel arrolado, oriunda de
recursos do FGTS dela. Conforme entendimento pacífico deste Tribunal
consubstanciado nos vários precedentes colacionados pela recorrente às fls.
175/176, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço se enquadra na
definição de “frutos civis”, e, por isso, são bens incomunicáveis, inclusive no
regime da comunhão universal de bens previsto para o casamento,
pertencendo com exclusividade ao seu titular, devendo, assim, ficar excluído
da partilha, por aplicação analógica do antigo art. 263, XII do Código Civil
revogado, aplicável ao caso já que extinta a união estável na sua vigência.
83
Foi determinada, também, a retirada do veículo Fusca da partilha, visto que ficou
comprovado nos autos que o aludido automóvel, no decorrer da união, foi trocado por um
Chevette e este repassado à apelada.
Ao final, o relator votou pela rejeição da preliminar de não conhecimento do recurso e
pelo parcial provimento da apelação. A revisora, Desembargadora Catarina Rita Krieger
Martins, acompanhou o voto do relator. O presidente, Desembargador Antonio C. S. Pereira,
discordou do posicionamento adotado pelo relator, visto que afirma que a união entre pessoas
do mesmo sexo não gera uma união estável, mas sim, uma sociedade de fato, em que a
contribuição de cada indivíduo deve ser apurada de acordo com a participação na formação do
patrimônio.
Assim, acordaram os desembargadores da Oitava Câmara Cível do Tribunal do Estado
do Rio Grande do Sul, por unanimidade, rejeitar a preliminar e, por maioria de votos, dar
parcial provimento ao recurso, vencido o voto do Desembargador Presidente.
A terceira jurisprudência a ser analisada diz respeito aos efeitos patrimoniais
decorrente da sucessão, todavia, somente foi possível encontrar uma única ementa de acórdão
sem a possibilidade de acessar sua íntegra. Aludido acórdão diz respeito a embargos
infringentes sob o n. 70003967676116, no qual foi reconhecida a existência de união estável
entre parceiros do mesmo sexo e assegurado ao companheiro sobrevivente a totalidade do
acervo hereditário, sendo afastada a declaração de vacância da herança.
A quarta jurisprudência a ser analisada provém do Tribunal de Justiça do Estado de
Santa Catarina e trata-se de apelação cível sob o n. 2007.036284-6117, na qual a apelante T.A
116
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Embargos Infringentes n.
70003967676 do 4° Grupo Cível. “Ementa: UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. DIREITO SUCESSÓRIO.
ANALOGIA. Incontrovertida a convivência duradoura, pública e contínua entre parceiros do mesmo sexo,
impositivo que seja reconhecida a existência de uma união estável, assegurando ao companheiro sobrevivente a
totalidade do acervo hereditário, afastada a declaração de vacância da herança. A omissão do constituinte e do
legislador em reconhecer efeitos jurídicos às uniões homoafetivas impõe que a Justiça colmate a lacuna legal
fazendo uso da analogia. O elo afetivo que identifica as entidades familiares impõe seja feita analogia com a
união estável, que se encontra devidamente regulamentada”. Embargos infringentes acolhidos por maioria.
Desembargadora: Maria Berenice Dias. (TJRS,JUS, 2010).
117
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelaçao Cível n. 2007.036284-6 da Terceira
Câmara de Direito Civil. Ementa: Direito Civil. Ação Declaratória e Dissolução de Sociedade de Fato e
Meação de Bens. Pretensão inescondível de reconhecimento de união estável. aventada a deserção da apelação.
inocorrência. Assistência judiciária deferida concomitantemente ao recebimento do recurso. preliminar afastada.
relacionamento afetivo entre pessoas do mesmo sexo objetivando o reconhecimento de união estável, bem como
a divisão do patrimônio comum. impossibilidade de acolhimento do primeiro pleito ante a falta de previsão legal
nesse sentido. diversidade de sexos como um dos requisitos essenciais para a caracterização da união estável.
exegese dos artigos 226, § 3º, da cf/88 e 1.723 do código civil. reconhecimento da carência de ação ante a
84
da S., não concordando com a sentença de primeiro grau, a qual julgou improcedente a ação
de dissolução de sociedade de fato movida por esta contra M.V. apresentou apelação
alegando, em síntese, a existência de união homoafetiva entre a apelante e a apelada durante
seis anos e requerendo a divisão de patrimônio comum amealhado durante esse período. A
apelada apresentou contrarrazões de apelação pela manutenção da sentença de primeiro grau.
Em seu voto, o relator, Desembargador Marcus Túlio Sartorato, manifestou-se
alegando que:
[...] a Carta Magna, bem como a legislação infraconstitucional, considera
como família apenas a união nascida entre um homem e uma mulher, não
reconhecendo direitos de natureza familiar aos relacionamentos
eventualmente havido entre pessoas do mesmo sexo. Portanto, não há como
se equiparar a união homoafetiva à união estável.
Ademais, declarou que não há qualquer previsão no ordenamento pátrio acerca das
uniões homoafetivas, sendo, portanto, inviável o seu reconhecimento ante a impossibilidade
do pedido. Citou inúmeros julgados, os quais equiparavam as uniões homoafetivas a
sociedades de fato.
Quanto ao pedido de divisão do patrimônio, afirmou que se trata de ação de cunho
obrigacional, que deve regida pelo direito das obrigações, de acordo com o previsto no artigo
981118 do Código Civil, devendo, dessa forma, ser processada e julgada perante a vara cível
comum.
Em seu voto, o relator negou provimento ao recurso e, de ofício, anulou parcialmente
a sentença para determinar a remessa dos autos a uma vara cível comum, da comarca de
origem, a fim de serem analisadas as questões referentes ao reconhecimento da sociedade de
fato, bem como, a divisão do patrimônio comum. Concordou com o relator o Desembargador
Jaime Luiz Vicari.
O Desembargador Henry Goy Petry Júnior não acompanhou os votos alegando que o
impossibilidade jurídica do pedido. extinção ex officio do processo sem julgamento do mérito em relação a este
pedido. exegese do artigo 267, vi, do cpc. incidência das normas do direito civil comum. equiparação à
sociedade de fato. pedido subsidiário para a divisão do bem comum que conduzem ao reconhecimento da
incompetência absoluta do juízo da vara de família acerca das matérias. sentença anulada. retorno dos autos à
origem para processamento do feito por uma das varas cíveis. recurso desprovido. Apelante:T.A. da S. Apelante:
M.V. Relator: Marcus Tulio Sartorato. (TJSC.JUS, 2010).
118
Artigo 981: Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens
ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.
85
julgamento da ação é de competência da vara da família, visto que:
A definição de família não é e não pode ser estanque. As transformações
políticas, econômicas, culturais e sociais vem ao longo dos tempos
transmudando as relações interpessoais. O conceito de entidade familiar vem
sendo ampliado consideravelmente ao longo dos tempos, para incluir,
inclusive, relacionamentos não advindos do casamento legal, como é a caso
da união estável. A discriminação entre filhos legítimos e ilegítimos restou
afastada pelo legislador. A paternidade socioafeitva é tema relevante nas
ações de investigação de paternidade do vínculo biológico. Enfim, o
delineamento da família contemporânea tem no afeto sua mola propulsora.
Também afirma que:
Numa análise fria do texto da lei, estar-se-ia deixando à margem do conceito
de família, por exemplo, a entidade formada por avô e neto, sogra e nora etc.
Por tal incongruência, é que se defende que a conceituação da família não
deve ficar concentrada na letra da lei, mas agregar fatores sociais, culturais e
econômicos, que são dinâmicos, sempre pautada, repito, no afeto.
Assim, tendo em vista que a definição de família deve evoluir juntamente com a
sociedade, considera que a vara da família é a competente para o julgamento da demanda,
visto que se tem por base uma relação de afeto.
A quinta jurisprudência a ser analisada é do Tribunal de Justiça do Estado de Minas
Gerais e refere-se à apelação de n. 309.092-0119, proposta pelos apelantes/apelados José
Américo Grippi e Espólio de Darci Teixeira Dutra, contra sentença proferida nos autos em
primeiro grau, a qual foi julgada parcialmente procedente declarando dissolvida a sociedade
de fato existente entre o autor e o falecido, para o fim de darem partilhados os bens
amealhados durante a constância da união, excluindo um imóvel adquirido pelo falecido, sob
o argumento que foi comprado no período em que o apelante/apelado e o falecido não se
encontravam mais juntos.
119
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Cível n. 309.092-0 da Terceira
Câmara Civil do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais. Ementa: “AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE
SOCIEDADE DE FATO C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - UNIÃO CIVIL DE PESSOAS DO
MESMO SEXO - CONCORRÊNCIA DE ESFORÇOS E RECURSOS PARA A FORMAÇÃO DO
PATRIMÔNIO - SOCIEDADE DE FATO RECONHECIDA - PARTILHA DE BENS - MEAÇÃO DEFERIDA
- DANO MORAL - RESPONSABILIDADE DO COMUNHEIRO FALECIDO PELA TRANSMISSÃO DO
VÍRUS DA AIDS - INDENIZABILIDADE - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - CRITÉRIO DE FIXAÇÃO CAUSA DE NATUREZA PATRIMONIAL.” Apelante/Apelado: José Américo Grippi. Apelante/Apelado:
Espólio de Darcy Teixeira Dutra. Relatora: Desembargadora Jurema Brasil Marins.
86
A sentença também determinou que o apelante/apelado, Darcy Teixeira Dutra,
recebesse indenização por danos morais em decorrência da contaminação por AIDS.
A relatora, Desembargadora Jurema Marins Brasil, em seu voto, afirmou inicialmente
que:
Registre-se, antes de se adentrar ao mérito da questão substancial, que, em se
cuidando de relacionamento afetivo entre pessoas do mesmo sexo,
impossível é o seu enquadramento como concubinato ou união estável à luz
da legislação brasileira, já que a Constituição Federal, em seu artigo 226,
parágrafo terceiro, refere-se expressamente à união estável como instituto
ocorrente entre um homem e uma mulher, afastando, portanto, a
possibilidade de uma relação homossexual ser inserida nesse texto, o mesmo
acontecendo com as Leis 8.971/94 e 9.278/96, que tangenciam o tema em
tela.
Continuou afirmando que nas Constituições de 1934, 1937, 1946 e 1967, a família era
constituída pelo casamento indissolúvel e estava sob a proteção do Estado. Acerca da
Constituição de 1988 assegurou que:
Embora a Constituição vigente, [...], mostre-se mais liberal na conceituação
de família, referindo-se-lhe como a base da sociedade, com exercício
igualitário dos direitos e deveres entre o homem e a mulher, deixa claro que
a comunidade familiar somente pode ser formada por pessoas de sexos
distintos, afastando, em conseqüência da proteção constitucional, o tipo de
relacionamento entre homossexuais, de que trata a hipótese aqui versada.
Afirmou ainda que:
[...], se por um lado, o direito pátrio não possibilita reconhecer a união entre
pessoas do mesmo sexo, como concubinato ou união estável, a merecer a
proteção do Estado, ao teor do preceito constitucional contido no artigo 226,
parágrafo terceiro, com caráter de entidade familiar, não se olvida, lado
outro, que a referida união possa perfeitamente configurar sociedade de fato,
de natureza civil, ao amparo do disposto no artigo 1.363 do Código Civil em
vigor, segundo o qual "Celebram contrato de sociedade as pessoas, que
mutuamente se obrigam a combinar seus esforços ou recursos para lograr
fins comuns".
Foram analisados os depoimentos que as testemunhas prestaram durante a tramitação
do processo, sendo que a relatoria manifestou-se nos seguintes termos:
87
Constatando-se, [...], a ocorrência da colaboração do autor para a formação
do patrimônio em questão, tanto pela via indireta, ao assumir a
responsabilidade por todos os trabalhos domésticos e administração do lar,
como pela via direta, através de recursos financeiros fornecidos por seus
genitores, é de se reconhecer, ao lado da comprovação de um longo período
de convivência sob o mesmo teto, que entre o autor e o falecido houve, [...],
autêntica comunhão de interesses, formando uma sociedade [...] irregular ou
fática, com todas as conseqüências jurídicas que lhe são inerentes, em
especial o direito à partilha de bens, [...]. Reconhecida a convivência entre os
sócios [...], e, considerando que os bens adquiridos em nome do "de cujus"
provêm da combinação de esforços e recursos fornecidos por ambos, resta
imune de dúvida que a partilha deverá operar-se na ordem de 50% [...] para
cada um, por não se poder precisar qualquer desproporcionalidade entre as
mencionadas participações, [...], equiparando-as, [...], para os efeitos de
partilha.
Assim, pelas provas colhidas nos autos, a relatora do processo posicionou-se pelo
reconhecimento de uma sociedade de fato entre o apelante/apelado e o de cujus, sob o
argumento de que o direito pátrio não possibilita o reconhecimento como entidade familiar
uma relação formada por pessoas do mesmo sexo. Ademais, afirmou que a partilha deve
ocorrer no percentual de cinquenta por cento para cada um (apelante/apelado José Américo e
apelante/apelado Espólio de Darcy Teixeira Dutra), visto comprovados os esforços e recursos
fornecidos por ambos.
Quanto ao dano moral requerido por José Américo, sob o argumento que o falecido
havia lhe passado o vírus da AIDS, a relatora assim manifestou-se:
Evidenciado dos elementos probatórios contidos nestes autos que o autor
encontra-se infectado pelo vírus da AIDS, em decorrência exclusiva do
relacionamento afetivo-sexual travado com o falecido, o que gerou para o
mesmo incontestáveis prejuízos de ordem moral, e inclusive material, com a
manifestação da doença, agravando o seu estado de saúde, tem-se,
inequivocamente, que a MM. Juíza singular agiu, acertadamente, ao
conceder ao requerente a indenização em 100 (cem) salários mínimos,
correspondentes a R$20.000,00, quantia esta que se torna fixa e definitiva,
com a devida correção, a partir da data da publicação deste acórdão,
desassistindo, assim, razão a ambos os apelantes, tanto ao suplicante, ao
buscar a ampliação do valor do ressarcimento, quanto ao Espólio, que deseja
a extinção da aludida verba, esclarecendo-se que o arbitramento em valor
fixo atende a orientação do STJ.
Ao final, a relatora deu parcial provimento ao recurso interposto pelo autor José
Américo, determinando a meação do imóvel localizado na Av. Olavo Bilac, n. 617 e sobre os
móveis e utensílios domésticos que guarnecem a residência, além de determinar o valor dos
88
danos morais em valor fixo.
Como foi possível analisar, dentre as jurisprudências dos tribunais pátrios aqui
relatadas, verifica-se que o tema em questão ainda não se encontra pacificado, pois alguns
tribunais ainda permanecem considerando as uniões entre pessoas do mesmo sexo como
meras sociedades de fato e dirigindo-as ao campo obrigacional, todavia, o Estado do Rio
Grande do Sul, como se observou, começa a mudar essa realidade, passando em muitas de
suas decisões a equiparar as uniões homoafetivas às uniões estáveis e determinar a partilha de
bens de acordo com o regime de comunhão parcial.
Também, com relação aos direitos sucessórios, já ocorreu decisão em que os bens do
de cujus ficaram em sua totalidade com o companheiro homossexual devido à ausência de
descendentes e ascendentes, com esse precedente, cria-se a esperança que a herança deixada
pelo de cujus não seja mais considerada vacante, mas sim, seja deferida ao seu companheiro,
independentemente, da sua escolha sexual.
89
COCLUSÃO
A homoafetividade encontra-se envolta em um círculo de preconceito e discriminação,
visto que para a sociedade torna-se difícil aceitar qualquer forma diferente de ser daquela
considerada ‘normal’. Ademais, a influência que a Igreja, ainda, produz em nossa sociedade é
muito grande, tornando, dessa forma, difícil qualquer tentativa de aceitação da
homossexualidade. Contudo, alguns passos já ocorreram, porquanto, se encontra estabelecido
em nossa Carta Constitucional o princípio da igualdade e o da não discriminação sexual,
porém, ainda há muito que se evoluir para se chegar de fato a uma sociedade sem
preconceitos.
Como o objetivo da pesquisa é demonstrar a possibilidade de se admitir os mesmos
efeitos patrimoniais do casamento e da união estável quando da dissolução de uma relação
homoafetiva, demonstra-se, no decorrer do trabalho, que não há qualquer óbice, além do
preconceito, ao reconhecimento das uniões homoafetivas e, consequentemente, com esse
reconhecimento, a equiparação aos efeitos patrimoniais decorrentes do casamento e da união
estável.
Para responder o problema de pesquisa foi fundamental a análise da trajetória da
homossexualidade, as terminologias utilizadas para denominar as relações entre pessoas do
mesmo sexo, o seu surgimento e consequente evolução, a rejeição e proibição por parte da
Igreja, a inclusão como uma doença que necessitava de cura, bem como o desenvolvimento
dentro do território brasileiro. Denota-se que a homossexualidade ainda encontra inúmeros
preconceitos a serem superados, em virtude de a sociedade persistir em não aceitar o que é
diferente.
Verifica-se, também, a evolução da família desde os primórdios da humanidade até os
90
dias atuais. Observa-se que a família deixou de ser considerada aquela entidade dominada
pela figura masculina, tendo por objetivo apenas o caráter econômico, religioso e político, no
qual a presença do afeto pouca ou quase nenhuma importância possuía. Hoje, a família tem
como principal objetivo o bem estar de seus membros; o afeto impera sobre qualquer outro
sentimento, sendo que sua formação não depende mais exclusivamente da presença do
marido, da esposa e da prole, basta para o reconhecimento de uma entidade familiar, seja ela
formada por tios e sobrinhos, avô e netos, um dos pais e os filhos, a presença de afeto,
estabilidade e ostensibilidade, decaindo, por terra, a obrigação de haver diversidade de sexo e
procriação.
Desse modo, considerando a nova forma de ver a instituição da família, lugar de afeto
e mútua assistência onde os membros têm por objetivo a busca da realização e da felicidade,
não há motivo para o não reconhecimento das uniões homossexuais.
Fazendo uso da analogia, percebe-se que as uniões homoafetivas cumprem todos os
requisitos para se equipararem às uniões estáveis, como a vida em comum, coabitação e a
formação de laços afetivos. A diversidade de sexo, tendo em vista o reconhecimento, no
artigo 226 da Constituição Federal, de outras entidades familiares formadas apenas por um
dos pais com seus filhos, não é mais requisito essencial para o reconhecimento de uma
família, motivo a mais pelo qual se deve haver o reconhecimento das uniões entre pessoas do
mesmo sexo.
Ademais, as uniões homossexuais possuem o maior dos requisitos para o
reconhecimento de uma entidade familiar, isto é, a formação de afeto entre os seus membros,
que por si só deveria colocá-la como uma entidade familiar protegida por nossa Carta Magna,
além do que, os princípios constitucionais dão total suporte ao reconhecimento de aludidas
relações.
Não obstante à grande evolução do instituto da família, com o reconhecimento de
várias entidades familiares em nossa Constituição, o casamento ainda hoje é uma das formas
mais tradicionais de selar o compromisso entre duas pessoas que pretendem formar uma
família. O casamento, por seu turno, traz inúmeros efeitos dentre os quais se podem citar os
de ordem pessoal, social e patrimonial, os quais não atingem somente ambos os cônjuges, mas
sim, toda sociedade.
Destaca-se que no que respeita a doutrina, ainda não há consenso acerca do
91
reconhecimento das uniões homoafetivas com a consequente determinação de seus efeitos,
porquanto, há corrente doutrinária que concorda que as uniões homoafetivas devem ser
equiparadas às uniões estáveis tendo, desta forma, seus efeitos patrimoniais equiparados
aqueles presentes nas uniões estáveis e no casamento.
Todavia, outra linha doutrinária afirma não ser possível o reconhecimento das uniões
homossexuais às uniões estáveis, devendo aquelas serem tratadas como meras sociedades de
fato, tendo seus efeitos patrimoniais regulamentados pelo direito civil comum, isto é, como se
fossem meras sociedades onde cada sócio receberá a porcentagem com que participou da
sociedade.
A jurisprudência, por seu turno, também não se encontra pacificada, visto que muitos
tribunais não aceitam a equiparação das uniões homossexuais às entidades estabelecidas na
Constituição Federal, colocando as uniões formadas por pessoas do mesmo sexo como meras
sociedades de fato, onde as ações tramitam nas varas cíveis comum, bem como, têm seus
efeitos regulados pela parte comercial do direito civil. Verifica-se que em momento algum se
leva em conta o afeto, o amor existente entre os indivíduos e objetivo que leva os indivíduos a
conviverem juntos, apenas se observa a letra nua e crua da lei que, na maioria das vezes, não
evolui juntamente com a sociedade.
As jurisprudências pioneiras quanto ao reconhecimento das uniões homoafetivas, que
reconhecem os efeitos patrimoniais como aqueles que decorrem das uniões estáveis e do
casamento, provêm do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Aludido tribunal,
reconhece as uniões homoafetivas com base nos princípios constitucionais e na analogia,
observando a presença de afeto entre os seus membros, a notoriedade, fidelidade e a
coabitação, isto é, as equiparam às uniões estáveis, afirmando que a diversidade de sexo entre
os parceiros não é um requisito que possa retirar (não validar) as uniões que cumprem todos
os requisitos necessários para o seu reconhecimento, bem como são baseadas no afeto, da
proteção da justiça. Ademais, reconhece a competência das varas da família para julgamento
das ações, bem como os mesmos efeitos patrimoniais decorrentes do casamento e das uniões
estáveis.
Após a realização desta pesquisa, observa-se que o único empecilho para o não
reconhecimento das uniões homoafetivas com a consequente equiparação dos efeitos
patrimoniais produzidos pelo casamento e união estável, é o preconceito e discriminação
92
existente na sociedade, no legislativo e no judiciário, visto que essa forma de relacionamento
possui, como inúmeras e repetidas vezes já mencionado, o mais importante de todos os
requisitos necessários ao seu reconhecimento, isto é, o afeto e o amor entre os parceiros.
Ademais, isso deveria estar mais do claro para os operadores do direito, porquanto, o
direito de família evoluiu tendo por base, atualmente, o afeto entre os indivíduos que
compõem a família e junto com esse desenvolvimento, a sociedade também deveria ter
evoluído, sendo desnecessária qualquer discussão acerca do tema simplesmente pela
igualdade de sexo entre os parceiros.
Tem-se, portanto, que aos poucos as uniões homoafetivas ganharão respeito, bem
como proteção jurídica, como visto nas decisões da justiça gaúcha, todavia, para se chegar a
um perfeito estado de respeito à dignidade da pessoa humana, de não discriminação e livre
poder de escolha, um grande caminho há que ser percorrido, cabendo à sociedade deixar cair
por terra à carapuça do preconceito e discriminação.
93
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99
APÊDICES
100
APÊNDICE A
Atestado de Autenticidade da Monografia
101
UNIVERSIDADE COMUNITÁRIA DA REGIÃO DE CHAPECÓ - UNOCHAPECÓ
ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS E JURÍDICAS
CURSO DE DIREITO
ATESTADO DE AUTETICIDADE DA MOOGRAFIA
Eu, KARINE KLEIMPAUL, estudante do Curso de Direito, código de matricula n.
200510270, declaro ter pleno conhecimento do Regulamento da Monografia, bem como das
regras referentes ao seu desenvolvimento.
Atesto que a presente Monografia é de minha autoria, ciente de que poderei sofrer sanções na
esferas administrativa, civil e penal, caso seja comprovado cópia e/ou aquisição de trabalhos
de terceiros, além do prejuízo de medidas de caráter educacional, como a reprovação no
componente curricular Monografia II, o que impedirá a obtenção do Diploma de Conclusão
do Curso de Graduação.
Chapecó (SC), 17 de maio de 2010.
_________________________________________
Assinatura do(a) Estudante
102
APÊNDICE B
Termo de Solicitação de Banca
103
UNIVERSIDADE COMUNITÁRIA DA REGIÃO DE CHAPECÓ - UNOCHAPECÓ
ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS E JURÍDICAS
CURSO DE DIREITO
TERMO DE SOLICITAÇÃO DE BACA
Encaminho a Coordenação do Núcleo de Monografia o trabalho monográfico de conclusão de
curso da estudante Karine Kleimpaul, cujo título é DISSOLUÇÃO DAS UNIÕES
HOMOAFETIVAS: EFEITOS PATRIMONIAIS, realizado sob minha orientação.
Em relação ao trabalho, considero-o apto a ser submetido à Banca Examinadora, vez que
preenche os requisitos metodológicos e científicos exigidos em trabalhos da espécie.
Para tanto, solicito as providências cabíveis para a realização da defesa regulamentar.
Indica-se como membro convidado da banca examinadora: Kassiana Ventura de Oliveira.
Chapecó (SC), 17 de maio de 2010.
________________________________
Assinatura do(a) Orientador(a)
Download

universidade comunitária da região de chapecó