Pormenorizando a polêmica do “mensalão” e a Constituição Federal.
Devido às diversas dúvidas dos alunos sobre o tema, que com certeza será explorado
nos concursos vindouros, este artigo tem o intuito de detalhar um pouco melhor o
tema da cassação dos mandatos na decisão proferida na AP 470 (mensalão).
Para entender o caso, primeiramente é necessário que o leitor tenha o conhecimento
de alguns dispositivos constitucionais sobre os quais pairam a polêmica:
1º Dispositivo: suspensão dos direitos políticos por quem sofre condenação
criminal em sentença transitada em julgado:
Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão
só se dará nos casos de:
(...)
III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus
efeitos;
Como ensina Alexandre de Moraes1, grifos nossos, “Todos os sentenciados que
sofrerem condenação criminal com trânsito em julgado estarão com seus direitos
políticos supensos até que ocorra a extinção da punibilidade, como conseqüência
automática e inafastável da sentença condenatória. A duração dessa
suspensão cessa com a (...) extinção da punibilidade, seja pelo cumprimento
da pena, seja por qualquer outras das espécies revistas no Código Penal,
independentemente de reabilitação ou de prova de reparação de danos (Súmula 9 do
TSE: "A suspensão de direitos políticos decorrente de condenação criminal transitada
em julgado cessa com o cumprimento ou a extinção da pena, independendo de
reabilitação ou de prova de reparação dos danos")”.
2º Dispositivo: formas de perda do mandato pelo parlamentar federal:
Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;
II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro
parlamentar;
1
Trabalho disponível em http://webserver.mp.ac.gov.br/wp-content/files/Condenacao-Criminal-e-Suspensao-dosDireitos-Politicos.pdf
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III - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte
das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por
esta autorizada;
IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;
V - quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta
Constituição;
VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em
julgado.
§ 1º - É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos
no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do
Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas.
§ 2º - Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será
decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por
voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva
Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional,
assegurada ampla defesa.
§ 3º - Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela
Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de
seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional,
assegurada ampla defesa.
(...)
Percebemos então uma nítida separação entre os casos de perda, existiriam 3 casos
onde a perda seria meramente “declarada” pela Casa, outros 3 casos em que a Casa
emitiria um juízo de perda ou não do mandato. Isso “era” sempre da seguinte forma:
Hipóteses de mera declaração:
III - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte
das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por
esta autorizada;
IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;
V - quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta
Constituição;
Hipóteses em que caberia decidir sobre perder ou não o cargo:
I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;
II - cujo procedimento
parlamentar;
for
declarado
incompatível
com
o
decoro
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VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em
julgado.
Em regra, todos aqueles que são condenados criminalmente em sentença que
transitou em julgado, devem perder os seus cargos (vereadores, deputados estaduais,
prefeitos...), isso é decorrência direta da ausência dos direitos políticos.
Exceção se faz (ou fazia?) somente aos parlamentares federais, devido a este
dispositivo expresso na Constituição de que “caberá à respectiva casa DECIDIR sobre
a perda, no caso da sentença condenação criminal em sentença transitada em
julgado”.
Novamente, Alexandre de Moraes defende que, ainda que tivessem os direitos
políticos suspensos pela sentença criminal, a casa poderia sim mantê-los no cargo,
hipótese em que “não perderão automaticamente o mandato, mas não poderão
disputar novas eleições enquanto durarem os efeitos da decisão
condenatória2”.
Isso ocorre através de uma interpretação sistemática da Constituição. Há uma regra
específica para parlamentares federais e, havendo regra específica, esta iria
prevalecer sobre a “regra geral”. O comentado “princípio da especificidade”.
Essa posição que é defendida pela sólida doutrina já era a do próprio STF, que decidiu
no RE 179.502-6/SP (grifo nosso): "Assim sendo, tem-se que, por esse critério da
especialidade - sem retirar a eficácia de qualquer das normas em choque, o que só
se faz em último caso, pelo princípio dominante no direito moderno, de que se deve
dar a máxima eficácia possível às normas constitucionais -, o problema se resolve
excepcionando-se da abrangência da generalidade do artigo 15, III, os
parlamentares referidos no artigo 55, para os quais, enquanto no exercício
do mandato, a condenação criminal por si só, e ainda quando transitada em
julgado, não implica a suspensão dos direitos políticos, só ocorrendo tal se a
perda do mandato vier a
ser decretada pela Casa a que ele pertencer".
É justamente essa a posição que o Supremo modificou... O motivo para tal
modificação foram os mais variados. Destacamos dois desses votos:
1O ministro Celso de Mello votou no sentido de que a perda do mandato é
consequência direta e imediata da suspensão de direitos políticos por
condenação criminal transitada em julgado, devendo a Câmara dos Deputados
meramente declarar a perda.
2
Idem ao anterior
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2O ministro Gilmar Mendes defendeu que nos casos de condenação criminal
por improbidade administrativa e de crimes em que for aplicada a pena
privativa de liberdade por tempo superior a 4 anos, o Judiciário deverá
apoiar-se no art. 92 do Código Penal, que diz:
Art. 92 - São também efeitos da condenação:
I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou
superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou
violação de dever para com a Administração Pública;
b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo
superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.
E segundo o Ministro trata-se de hipótese específica devido à “natureza do delito”.
Assim disse: “Esse entendimento não esvazia o conteúdo normativo do art. 55, VI, e §
2º, da Constituição Federal, uma vez que, nas demais hipóteses de condenação
criminal, a perda do mandato dependerá de decisão da Casa legislativa a que
pertencer o congressista, tal como nos crimes de menor potencial ofensivo”.
Por fim, destaca-se que no julgamento:
1) por unanimidade, ficaram suspensos os direitos políticos de todos os condenados,
nos termos do art. 15, inciso III, da Constituição Federal;
2) Quanto aos réus João Paulo Cunha, Valdemar Costa Neto e Pedro Henry Neto, o
Tribunal, por maioria, decretou a perda do mandato eletivo, aplicando-se a esta
decisão o art. 55, inciso VI, e § 3º da Constituição Federal.
Conclusão:
O STF modificou o seu entendimento quanto ao assunto de perda do mandato de
parlamentar federal condenado criminalmente.
Antes, entendia que, devido ao princípio da especificidade, deveria ser dada ao
Legislativo a última palavra sobre a perda do cargo.
Agora entende que, pela natureza dos crimes cometidos (contra a
administração pública e punido com mais de 4 anos de reclusão) e como
conseqüência da perda dos direitos políticos, não se deve dar esta
oportunidade de juízo à Casa Legislativa, a qual deverá meramente declarar a
perda.
Ratificando que isso não vale para toda e qualquer condenação criminal de
parlamentar, mas somente para os casos específicos expostos, até porque o
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julgamento da AP 481, inclusive citado pelo Supremo no processo, foi asseverado o
direito da Casa Legislativa decidir sobre a perda, já que o delito não era contra a
administração pública nem punível com pena superior a 4 anos de reclusão, vejamos:
“Por outro lado, reputou que as premissas firmadas no julgamento da AP 481/PA (DJe
de 29.6.2012) não seriam aplicáveis ao presente feito, haja vista que naquela
oportunidade o parlamentar fora condenado a pena inferior a 4 anos de reclusão pela
prática de esterilização cirúrgica irregular (Lei 9.263/96, art. 15) e não perpetrara o
delito na vigência do mandato eletivo”.
Espero que tenhamos pacificado o assunto.
Um abraço a todos, sucesso e bons estudos.
Vítor Cruz
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