“Nunca Mais É Sábado” Antologia de Poesia Moçambicana Júlio Conrado unca mais é sábado*, título retirado de um poema de Rui Knopfli, é a primeira tentativa séria para estabalecer um “corpo sistémico” da poesia moçambicana, aglutinando nomes e temas historicamente relevantes, exteriores ao quadro referencial da independência e da luta armada (mas não ao da resistência), que convergiram no amor ao chão pátrio através de uma lírica que, a não ser integrada, deixaria manca a ambicionada representação identitária que, no seu todo, uma antologia como esta tipifica. O livro foi editado em Lisboa em 2004 pela D. Quixote e é seu autor Nelson Saúte, jornalista e poeta moçambicano muito ligado a Portugal desde que, ainda jovem, participou no 1º Congresso de Escritores de Língua Portuguesa, realizado em Lisboa em 1989, aí tendo oportunidade de conviver com nomes grados da literatura de língua portuguesa como David Mourão-Ferreira, Jorge Amado, Luandino Vieira, Lygia Fagundes Telles, Nelida Pinõn, Eugénio Lisboa, Rui Knopfli e tantos outros notáveis da escrita no idioma comum que nessa ocasião memorável marcaram encontro em Portugal. Não é de excluir que a lição de democracia que constituiu então esse Congresso haja influenciado beneficamente o quase adolescente Saúte, incumbido de relatar para um jornal do seu país, então mergulhado numa sangrenta guerra civil, as peripécias do conclave. Em amplo e esclarecedor prefácio o antologiador diz dos pressupostos que presidiram ao seu trabalho de selecção, da metodologia da investigação, dos critérios historicistas: “O autor não quis negligenciar os poetas que tiveram, na sua época, uma importância decisiva, a despeito de não terem prosseguido com a obra, pelo menos no espaço de afirmação da literatura moçambicana. Muitos autores tiveram expre ssão numa determinada época; hoje N n° 25 - décembre 2005 LATITUDES são nomes apagados. Contudo, o antologiador considerou o factor importância histórica nesta sua demanda.” Como outro dos critérios do autor da recolha foi o seu “gosto pessoal” e levando em apreço que José Craveirinha, Rui Knopfli, Noémia de Sousa, Grabato Dias, Luís Carlos Patraquim, Mia Couto, Reinaldo Ferreira, Eduardo White e mais alguns, ocupam no livro espaço leonino, gosto e importância histórica enlaçam-se no que parece constituir um apelo à concórdia de irmãos desavindos ou separados pelas vicissitudes históricas mas ligados, nas suas diferentes perspectivas e opções socio-políticas, pelos laços de devoção à mãeterra. E neste sentido Nunca Mais é Sábado exigiu disponibilidade intelectual, coragem política, intuição apurada do que verdadeiramemte importa na construção da casa abrangente. Nelson Saúte foi capaz de um esforço louvável de aglutinação de “contrários”, indiciador, porventura, dos tempos de abertura que na nação moçambicana actualmente se vivem. Há que saudá-lo por isso. Subsistem, naturalmente, nesta obra, assimetrias qualitativas que o “gosto” não desculpa; a generosidade do antologiador ao não excluir, essa, talvez abone a seu favor. Percebe-se que quis meter toda a gente no mesmo livro, e que, a espaços, a exigência de critério cede ao registo panfletário e às simplificações determinadas por uma visão redutora do mundo ou por realidades de guerras sem quartel a requererem a preponderância da literatura “útil” sobre a literatura... literária. Questões de cuja índole o antologiador, aliás, parece estar bem ciente. Em todo o caso, o saldo é altamente positivo: o leitor português fica com uma noção panorâmica das diversas sensibilidades que podem dar corpo a uma Poesia como factor de unidade nacional e do modo como a sua língua age nesse mesmo espaço de desígnio com eficácia e prestígio. A tarefa meritória a que se entregou Nelson Saúte em busca do modus operandi que tornasse possível o desanuviamento intelectual, eventualmente comprometido por preconceitos raciais ou político-fundamentalistas, é um passo em frente na reinserção de poetas (que mesmo fisicamente longe da pátria nunca deixaram de se sentir moçambicanos) na história literária de um jovem país que não precisa de ostracizar as suas raízes para afirmar em pleno a sua identidade no concerto das nações. Afirmação a que a Poesia, através desta antologia, dá assinalável contributo l * Nunca Mais é Sábado, Antologia de Poesia Moçambicana, Organização e prefácio de Nelson Saúte, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2004. 113