______________________________________________________TPC: uma aventura educativa à procura do tesouro
TPC: uma aventura educativa à procura do tesouro
Por Elizabeth Gomes Teixeira
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1- INTRODUÇÃO
Neste pequeno trabalho pretendo perspectivar a importância dos trabalhos de casa
(TPC) em relação ao sucesso escolar dos alunos. Para tal, recorri à leitura de alguns
artigos de jornal, revista e internet, para além de algumas fontes bibliográficas.
Tento, numa primeira parte, analisar as funções ou objectivos dos TPCs em
detrimento das necessidades educativas dos alunos, perspectivando as diferentes
posições entre os professores, pais e alunos. Recorri a um questionário de resposta
aberta dirigido a alunos do 10º ano de escolaridade, tentando chegar a algumas
observações ou conclusões empíricas.
Numa segunda parte, procuro estabelecer uma relação entre ambiente familiar,
desigualdades sócio-culturais e sucesso educativo, partindo da atribuição dos TPCs aos
alunos como centro produtor do mesmo.
Finalmente, procuro numa terceira e última parte retirar conclusões contributivas
para o desenvolvimento de práticas profissionais docentes e de gestores ou
administradores escolares.
Não é objectivo deste trabalho esgotar o tema proposto, mas tentarei sucintamente
responder às seguintes questões levantadas:
•
Será que os TPCs podem, afinal, contribuir para o insucesso escolar?
•
Será que há mais vida para além da escola?
•
Seria bom acabar de vez com os TPCs?
•
Que implicações têm os TPCs em termos de aprendizagem e sucesso?
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2- DESENVOLVIMENTO
A escola enquanto estabelecimento de ensino possui uma função principal de
instruir ou transmitir saberes. Contudo, ao longo dos tempos, a escola tem desenvolvido
um papel social importante no que se refere às suas funções. Devido a um conjunto de
fenómenos socioculturais e político-económicos, a escola passou a ser um eixo de
ligação entre os vários sectores da sociedade. Numa sociedade cada vez mais
competitiva, em mudança e pluralista, a democracia educacional tornou-se uma
realidade constante e a própria Lei de Bases do Sistema Educativo Português em vigor
(LBSE 46/86) foi elaborada nesse sentido, conferindo à escola funções que outrora
seriam impensáveis. Com o aumento dos conteúdos curriculares e uma carga horária
semanal insuficiente para a leccionação dos mesmos, o recurso pedagógico mais
utilizado pelos docentes é a atribuição de trabalhos de casa (TPCs).
Uma grande parte dos TPCs actualmente é uma actividade complementar àquela
desenvolvida na aula e que não foi possível completar ou acabar. Contudo, os TPCs
poderão ser um elemento pedagógico valioso no que se refere à formação pessoal e
individual do aluno e não devem resumir-se a “mais do mesmo”, mas promover práticas
que, de forma articulada, contribuirão para uma estratégia de aprendizagem1 adequada.
Isto é, promover a responsabilidade, organização, gestão de tempo, hábitos e técnicas de
estudo2, atitudes de solidariedade e partilha, para além de sentimentos de auto-estima,
segurança e auto-suficiência.
Por um lado, os professores não dispensam a marcação e realização de TPCs
porque acham fundamental para o desenvolvimento de mapas conceptuais3 e estratégias
de metacognição4 dos alunos; por outro, os pais alegam à necessidade de haver TPCs
porque têm determinadas funções5, entre as quais, pedagógicas (preparam os filhos para
uma sociedade e vida competitiva), formativas (existe uma partilha entre pais e filhos
1
Entende-se por “conjunto de acções ordenadas direccionadas para conseguir objectivos específicos de
aprendizagem” __ In Enciclopédia Geral da Educação (p.332)
2
Entende-se por procurar informação, selecção, ordenação e apresentação de determinada maneira, passando por
técnicas de sublinhar, sumariar, resumir, esquematizar, parafrasear, memorizar, etc. __cf. Didacta Enciclopédia
temática Ilustrada. Volume: Estudar e Aprender
3
Entende-se por “representação hierárquica das relações entre conceitos relativos a uma área de conhecimento
concreto” __ In Enciclopédia Geral da Educação (p.332)
4
Entende-se por “conhecimento e controlo que as pessoas têm sobre o próprio pensamento e sobre as actividades de
aprendizagem. Inclui «saber o que se sabe» e as estratégias apropriadas para atingir o conhecimento” __ In
Enciclopédia Geral da Educação (p.332)
5
Na opinião de Paulo Lopes, investigador na área das Ciências da Educação _ In
www.snesup.pt/debate/actualidade/trabalhos_de_casa.htm
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quando há uma inter-ajuda e apoio, relevando valores morais e de educação familiar) e
ocupacionais (enquanto os filhos estão ocupados com a realização dos TPCs, os pais
terão mais tempo livre para eles próprios e menos preocupações educativas com os
filhos, evitando por vezes tensões e mal-estar entre eles); finalmente, os alunos, os
principais actores têm uma opinião mista em relação àquelas apresentadas
anteriormente. Senão vejamos.
Com base num questionário de resposta aberta realizada a uma turma de 10º ano
de escolaridade sobre esta temática (cf. Questionário em anexo)6, a maioria acha que os
professores mandam fazer TPCs para aplicarem conhecimentos adquiridos na aula,
reverem a matéria leccionada e estudarem (70% dos alunos). 75% dos alunos acham que
o próprio aproveitamento escolar7 será influenciado por fazerem TPCs, justificando que
estes desenvolvem a capacidade de aplicação de conhecimentos (32% dos alunos) e
exercitam a matéria dada (7% dos alunos), para além de servir como instrumento de
revisão da matéria leccionada (7%), facilitar a aquisição de saberes (15%) e contribuir
para o desenvolvimento intelectual (15%). Os restantes alunos (24%) acham que a
realização dos TPCs não influencia o seu aproveitamento porque cada aluno possui o
próprio método de estudo, o que nos leva a deduzir que o aluno estudará mesmo sem ter
TPCs para fazer (7%), outros acham que estarem atentos às aulas será o suficiente
(10%) e outros justificam ainda (7%) que a realização de TPCs não interfere na
atribuição da classificação final à respectiva disciplina. Numa outra questão colocada no
questionário para enumerarem “prós e contras” na realização diária de TPCs, os alunos
apresentaram mais vantagens do que desvantagens. Entre os “prós” apresentados os
quatro mais focados foram os seguintes: os TPCs contribuem para um melhor
aproveitamento, aplicação e aquisição de conhecimentos, “treino diário da matéria”
__que no meu ponto de vista pode significar o mesmo que o anterior ou então
memorizar exercícios e respostas “tipo”__ e “revisão da matéria”. Relativamente aos
“contras” enumerados, sobressaem dois: os TPCs retiram tempo, não permitindo os
alunos realizarem outras actividades e muitas vezes há um excesso de atribuição de
TPCs__ não podemos esquecer que alguns alunos já chegam tarde a casa devido aos
6
Questionário realizado às turmas do 10º ano de uma Escola Secundária de um meio rural. Alunos maioritariamente
de 15 anos de idade e provenientes de classe social baixa. 45% dos alunos vivem somente com os pais, 20% vivem
com pais e 1 irmão ou irmã (prefazendo 4 pessoas no agregado familiar) e 35% vivem num agregado familiar entre 5
a 7 pessoas.
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Definição dada também em nota de rodapé no próprio questionário: conseguir adquiri e aplicar conhecimentos de
forma adequada, permitindo uma maior participação na sala de aula e melhores resultados nos instrumentos de
avaliação usados pelos professores.
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horários de transporte e ainda têm que participar nas tarefas domésticas. Finalmente, a
última pergunta do questionário procura sintetizar as opiniões dos alunos e 94% dos
alunos inquiridos são da opinião que se deve fazer TPCs; 50% acham que estes devem
ser diários e os outros 50% acham que não; curiosamente, todos os alunos não são da
opinião que “os TPCs devem ser obrigatórios a todas as disciplinas”; e, 75% dos alunos
concordam que “os TPCs devem ser ‘doseados’ de forma crescente em quantidade e
tempo”.
Podemos de forma empírica concluir que, uma maioria dos alunos identificam os
TPCs como uma actividade positiva, com uma função essencialmente pedagógica. No
entanto, retiram muito tempo às suas vidas pessoais, transformando os TPCs em tarefas
desmotivadoras e por vezes cansativas e desgastantes devido à quantidade dos mesmos.8
Sabemos que a construção do próprio conhecimento é realizado através de
estratégias de aprendizagem autónoma que poderão ser activadas e desenvolvidas com a
atribuição de determinados TPCs. Isto leva-nos a reflectir sobre a tipologia dos mesmos
e o ambiente em que são realizados. O ponto fulcral para o desenvolvimento afectivo do
aluno é o ambiente familiar que projectar-se-á no seu carácter, hábitos de estudo e
trabalho, organização, prioridades, gestão de tempo e sentido de responsabilidade. A
coerência com que a família apresenta as suas atitudes reflectir-se-ão no grau de
motivação e interesse do aluno pelo estudo. Por um lado, aquelas famílias de baixa
instrução escolar provavelmente não valorizam o esforço extra-escolar que o aluno faz,
nem lhe proporciona um local adequado para estudar ou realizar os seus TPCs ou
simplesmente não compreendem as necessidades educativas do aluno em casa e por isso
este acaba por se desmotivar pelo estudo e escola. Por outro lado, aquelas famílias com
alguma formação académica pressionam os filhos a estudarem mais, querem ver bons
resultados, e por vezes questionam os métodos de ensino (que leva ao aluno a sentir-se
confuso). Esses mesmos pais ou famílias recorrem frequentemente a centros de
explicações para os filhos, descurando, por vezes, outros interesses que eles possam ter
ou então, são eles mesmos que fazem os TPCs, contribuindo para um atrofiamento das
capacidades autónomas dos filhos, incentivando-os à mentira e fraude.
O local de estudo deve ser adequado para que a predisposição para o trabalho e
para a concentração seja fornecida. Acessos fáceis a fontes de consulta (dicionários,
enciclopédias, computador, internet, etc.) e desenvolvimento de técnicas e hábitos de
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“Formato XXL dos trabalhos de casa” na opinião do Dr. Eduardo Sá, psicólogo e professor Universitário In “Mais
trabalho não! Obrigado”, Notícias Magazine (14 de Novembro de 2004)
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estudo (seleccionar, analisar informação, etc.) devem ser uma preocupação conjunta
entre a escola e a família, procurando, desta forma, haver equidade social. Contudo, as
desigualdades socioculturais são reproduzidas de forma directa e indirecta nas escolas,
resultado dos processos externos e que estão por detrás dos alunos e que estes
transportam para o seio da escola e sala de aula.9 O sucesso ou insucesso escolar muitas
vezes pode estar dependente da realização dos TPCs, mas muitas vezes é reflexo das
estratégias de aprendizagem dos alunos que foram mais ou menos desenvolvidas em
contexto extracurricular, subjacente a um ambiente familiar. A racionalização de tempo
por parte do aluno, coadjuvado com uma alimentação equilibrada, descanso suficiente,
local de estudo, e outros factores internos e externos10 ao processo educativo, são
condicionantes para a aprendizagem do aluno e consequente nível de sucesso.
3- CONCLUSÃO
Ultimamente, o sistema educativo tem tentado colmatar o insucesso escolar
através da possibilidade das escolas promoverem Salas de Estudo Orientado e Apoio
Pedagógico Acrescido. No meu ponto de vista, as estratégias de aprendizagem
necessárias para a motivação e interesse do aluno pela escola e para a aquisição e
consolidação dos conhecimentos passará pela disciplina de Estudo Acompanhado,
complementada com o Projecto Curricular de Turma. Conjuntamente e de forma
articulada, a variedade e a quantidade dos TPCs poderiam ser regulados através destes
suportes curriculares. Todavia, dependeriam sempre de uma gestão articulada entre
recursos (humanos e físicos).
A “qualidade de escola” que tanto se fala ultimamente, não se pode basear nos
conceitos de eficácia e eficiência que são transmitidos através dos rankings dos meios
de comunicação social, visto não haver transparência suficiente nem nos rankings, nem
na qualidade que se tenta medir. Os resultados dos alunos são fruto do seu próprio
9
Na opinião de Ana Benavente et al (1992, p 173), “As práticas sociais que na escola se verificam, bem como os
seus resultados (sucesso ou insucesso escolar das crianças de meios populares, por exemplo), são práticas
interactivas e resultados dessas interacções”.
10
Cf. “Sabatina Guia de Formação Escolar – Guia de Estudos” (p.36) no qual existe um quadro ilustrativo dos
factores internos e externos relativamente a esta temática. Os factores internos apresentados no mesmo são os
seguintes: elementos intelectuais (inteligência, memória, aptidões e personalidade), elementos motivadores (atitudes,
interesses, níveis de aspiração), elementos metodológicos (hábitos de estudo, organização, planificação do tempo) e
elementos físicos (saúde, alimentação, descanso, fadiga). Os factores externos apresentados são: ambiente familiar
(estabilidade emocional, comunicação, local de estudo, materiais de estudo), ambiente escolar (organização da escola,
professores, colegas, grupos) e ambiente social (amigos, formas de lazer, equipamento, participação).
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esforço e dos professores da escola que frequentam, mas também e muitas vezes da
intervenção de um ensino paralelo extra-escola que os rankings nunca mencionam.
Enquanto professora do Ensino Secundário, será pertinente reflectir sobre as
práticas pedagógicas em geral e a atribuição de TPCs em específico no que concerne a
esta “aventura educativa à procura do tesouro” que é o sucesso escolar. A qualidade e a
quantidade de TPCs atribuídos aos alunos (que por vezes até se pratica TPCs
diferenciados para alunos com determinadas dificuldades ou características de
aprendizagem específicas) de forma equilibrada e regulada deve ser um processo
crescente e contínuo e sempre articulado ou ordenado entre os diversos docentes da
turma. Os espaços, as infra-estruturas e os recursos humanos que a escola dispõe
devem ser optimizados de forma coordenada, evitando que os alunos sejam
sobrecarregados de trabalhos, impossibilitando-os de terem tempo para si mesmos e
“quality time” com as suas famílias e amigos.
Um asfixiar de tarefas e actividades no sentido de desenvolver capacidades e
competências dos alunos, preparando-os para os desafios de uma sociedade competitiva,
por vezes podem contra-arrestar e ter repercussões negativas, levando ao atrofiamento
dos alunos, desgaste psicológico, indiferença e apatia pelo processo educativo. Os
TPCs são necessários mas não serão sempre essenciais para o desenvolvimento do perfil
do aluno ideal e idealizado pelo sistema educativo e programas curriculares e que a
escola pretende moldar.
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BIBLIOGRAFIA
SÁ, Eduardo (2004). Mais trabalho não! Obrigado, In Notícias Magazine 14 Nov. 2004
BASTO, Fernando (2004). Greve contra os trabalhos para casa, In Jornal de Notícias
Sábado, 20 de Novembro de 2004
GONÇALVES, Paulo Frederico F. (2005). Escola e TPC, In A Página da Educação
Janeiro 2005
LOPES, Paulo (2004). Trabalhos de casa: bem ou mal? E necessário? In
www.snesup.pt/debate/actualidade/trabalhos_de_casa.htm
RODRIGUES, Fernando Carvalho (Dir.Editorial,1998). Didacta – Enciclopédia
Temática Ilustrada. Volume Estudar e Aprender, F.G.P.Editores, Lda. (Cacém)
REIS, António (Dir.Editorial,1998). Sabatina – Guia de Formação Escolar. Volume
Guia de Estudos, Marina Editores, Lda. (Setúbal)
MATOS, Joel, A (Dir.Editorial,1998). Enciclopédia Geral da Educação. Volume 2,
Oceano Grupo Editorial. (Lisboa)
BENAVENTE, Ana, da COSTA, António F., MACHADO, Fernando L., NEVES,
Manuela C. (1992). Do outro Lado da Escola, 3ª Edição, Editorial Teorema
(Lisboa)
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--------------------ANEXOS----------QUESTIONÁRIO
Este questionário é anónimo e faz parte de um trabalho académico para a Universidade do
Minho no âmbito da disciplina de Sociologia da Educação. Obrigado pela tua colaboração.
IDENTIFICAÇÃO:
Idade: _____
Sexo: Masc.
Fem.
Ano de Escolaridade: ____
Profissão do pai: ______________________________________________________________
Profissão da mãe: _____________________________________________________________
Com quem vives? _____________________________________________________________
Trabalhos para Casa (TPC):
Responde às seguintes perguntas de forma clara.
1- Porque é que achas que os teus professores mandam fazer TPCs? ________________
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2- Achas que o teu aproveitamento escolar* será influenciado se fizeres ou não TPCs? Justifica a
tua opinião.
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3- Enumera prós e contras em realizar TPCs diariamente.
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4- Responde SIM ou NÃO às seguintes afirmações:
a) Deve-se fazer TPCs. ____________ b) Deve-se fazer TPCs todos os dias. _______
c) Os TPCs devem ser obrigatórios a todas as disciplinas. _________
d) Os TPCs devem ser “doseados” de forma crescente em quantidade e tempo. _______
*
“aproveitamento escolar” = conseguir adquirir e aplicar conhecimentos de forma adequada,
permitindo uma maior participação na sala de aula e melhores resultados nos instrumentos de
avaliação usados pelos professores.
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