AS ESCOLAS PRIMÁRIAS RURAIS DA COLÔNIA HANSA: SANTA CATARINA (1897-1930) Ademir Valdir dos Santos – UFSC – [email protected] Palavras-chave: ensino primário; escola alemã; Santa Catarina. Nos últimos quinze anos tenho me dedicado a investigar aspectos históricos da institucionalização de escolas primárias em Santa Catarina que ocorreu a partir da segunda metade do século XIX. E busco chamar a atenção para o fato de que a criação de escolas de ensinar crianças no território barriga-verde pode ser vista como fenômeno carregado de particularidades. Decorrem questionamentos que diversas vezes tenho ouvido em congressos nacionais e internacionais ou no diálogo com outros pesquisadores da história da educação brasileira: por quê? A que se devem esses aspectos particulares que teriam concorrido para a configuração de um cenário próprio do ensino primário em Santa Catarina? Quais os motivos que fizeram surgir nessa região do Brasil um conjunto de instituições educacionais – notadamente escolas de primeiras letras, de instrução elementar, primárias ou de ensinar a ler, escrever e contar - com uma organização diferente das demais escolas brasileiras que surgiram no mesmo período? Este trabalho tem como objetivo geral auxiliar na construção de respostas a tais questionamentos. Obviamente, não pretende oferecer todas as respostas. Sabemos que as operações históricas não podem ser descritas em sua totalidade, que é impossível dar conta da descrição e análise de todos os aspectos do real e que o objeto de análise é marcado pela forma com que o vemos! Como lembra Viñao (2008, p. 15): “Tudo depende, pois, da posição que adota aquele que olha. O lugar de onde se olha condiciona não somente o que se vê, mas também como se vê e o que se vê.” Um dos pontos de partida para a elaboração responsiva é a exploração das relações entre educação e imigração. Aliás, este foi o exercício que realizei quando da construção de minha dissertação de mestrado. Era um exercício de menor fôlego, próprio dos primeiros passos de quem se embrenha na pesquisa, mas mantenho esse alicerce epistemológico ao longo desses anos de investigação. Detenho-me, agora, neste argumento. A saída de um grupamento humano de algum lugar geográfico e sua instalação em outro diverso daquele original certamente que transforma os sujeitos: sua formação como ser histórico-social e as experiências de vida por que passam, individual e coletivamente, são “transplantadas” num terreno de novas relações espaciais e temporais. E, ainda me valendo desta metáfora, lembro que as mudas que têm raízes fincadas em novo solo podem vingar e perpetuar suas características primordiais ou, dependendo de condições externas diversas daquelas com que estavam habituadas, desenvolver-se iniciando um ciclo de transformações. Elas podem também morrer, sufocadas pelas condições adversas e diante das quais as raízes não encontraram condições de vida. Os contingentes de famílias que viviam na Europa e que constituíram as diversas levas de imigrantes que chegaram ao sul brasileiro devido a uma política de movimentação de pessoas entre o velho continente e o nosso país lançada e intensificada desde o novecentos, trouxeram consigo uma variedade de elementos culturais: língua ou dialetos próprios, forma de convívio familiar, práticas de organização e participação em instituições sociais de fundo político, religioso, de cuidado com a saúde, de associação para o desporto, o lazer e a cultura e modos de ver e sentir o trabalho e as suas componentes éticas e técnicas. No caso dos chamados “alemães”: uma língua estratificada entre alto e baixo alemão e expressa em dialetos diferentes que denunciavam uma origem não apenas geográfica mas também social; relações de parentela que sobrevalorizavam a consanguinidade e tinham formas próprias de conceber a herança; história de participação na sociedade e na composição e gestão do Estado, em movimentos sociais e em guerras; religiões protestantes; concepção de hospital e de atividades médicas e de cura; práticas de caça, tiro ao alvo, de bolão e de ginástica; representação de escola, de sua organização e finalidade social; conhecimentos musicais, de canto e dança; atitude diante do trabalho com fundamento ético católico ou protestante, ao lado de um domínio de profissões e de ferramentas próprio do estágio de desenvolvimento das relações de produção de suas regiões de origem. Sabemos que os elementos citados compõem a humanidade e as condições de humanização e hominização. Mas como historiador da educação, destaco a escola como objeto de estudo. E indo direto ao ponto: de que tipo de escola os imigrantes alemães tinham representação? Bem, sem a pretensão de esgotar este ponto, lembro apenas das várias ideias pedagógicas, da criação e das práticas sociais de funcionamento e manutenção da escola defendidas por Martinho Lutero, Comênio, Ranke, Froebel e Kerschensteiner, por exemplo. Destaco como exemplo clássico os ideais do reformador Lutero, que no século XVI produziu uma veemente defesa da criação e manutenção de escolas como papel do Estado e apregoou o dever dos pais de enviar as crianças para estudar. Diante de tais fundamentos, é possível inferir que, no século XIX, a sociedade teuta já compreendia a escola primária como instituição necessária a ordem social e mesmo essencial à formação humana. Mas no Brasil, quando por aqui aportaram os imigrantes, que escola havia? Como sumariza Werebe (1995, p. 382): “Resumindo, podemos dizer que a República veio encontrar o país, no terreno educacional, com uma rede escolar primária bastante precária, com um corpo docente predominantemente leigo e incapaz.” Uma vez chegados, os imigrantes depararam-se com a ausência de iniciativas estatais de oferta de escola. E como imediata resposta à necessidade de escola para seus filhos empreenderam na direção de criar e manter escolas próprias. Existiam necessidades para tanto: tirar as crianças da ignorância, prepará-las para a vida em ambiente diverso e possibilitar que fossem estabelecidos vínculos com os demais habitantes. Para a significativa parcela de imigrantes luteranos, era vital o aprendizado da leitura e da escrita para que surgisse e fosse nutrido um sujeito de fé, obediente a Deus mas também cônscio de seus deveres e direitos como cidadão. Do acima descrito, que teve como base a relação entre a imigração e a educação, derivo outros aspectos que mobilizo. Ou seja, fatores como a língua, a religião, o associativismo e a organização do trabalho nas comunidades de imigrantes podem auxiliar na construção dos argumentos em torno do complexo quadro histórico em tela no que diz respeito à instituição de um “sistema” de escolas nas áreas brasileiras meridionais de imigração alemã. Diante do considerável número e da diversidade de experiências de criação de escolas neste cenário, esta comunicação analisa as iniciativas de fundação de escolas primárias e seu posterior funcionamento numa colônia em Santa Catarina, fundada em 1897. Naquele momento, a Companhia Colonizadora Hanseática (Hanseatischen Kolonisations- Gessellschaft), empresa sediada em Hamburgo, negociou a concessão de 650 000 hectares de terra situados no território norte-nordeste catarinense, dando origem à Colônia Hansa (Kolonie Hansa). Apresento dados da criação, funcionamento e transformação de algumas das primeiras escolas dessa região, tomando-as como exemplo da institucionalização das chamadas “escolas alemãs” (deutschen Schulen). O ano de 1930 é dado como balizador do âmbito cronológico porque a chamada Era Vargas ali tem início e os anos sob Getúlio, notadamente até o fim do Estado Novo, marcam um período de outras e novas transformações nas escolas nascidas do empreendimento dos imigrantes que solicitam pesquisas adicionais. Uso um corpus documental que compreende relatórios localizados no Arquivo Estadual de Hamburgo (Staatsarchiv Hamburg), elaborados por diretores que atuaram como representantes locais da Companhia Colonizadora Hanseática na Colônia Hansa. Integram e dialogam com aquelas fontes documentação do Arquivo Histórico Municipal Eugênio Victor Schmöckel, do Arquivo Público do Estado de Santa Catarina e de arquivo privado. Para este estudo utilizado dados da legislação, relatórios, ofícios, atas, termos de visita de inspeção, livros didáticos e cadernos escolares. A estrutura do texto agrega três momentos. O primeiro inicia com uma breve apresentação da Colônia Hansa e parte imediatamente para a descrição de aspectos da criação e modos de organização didático-pedagógica de escolas primárias que ali foram criadas. Um segundo momento traz como que um mergulho na internalidade dos trabalhos escolares, a princípio privilegiando aproximadamente uma década de funcionamento escolar; a seguir privilegio o âmbito cronológico que vai até 1930 e focalizo o impacto das empreitadas de nacionalização nas instituições. Por fim, sistematizo algumas considerações sobre as escolas que surgiram em Hansa e evidencio elementos do movimento histórico de sua institucionalização. A Colônia Hansa compreendia quatro regiões distintas: Itajaí Hercílio (ou Itajahy Hercílio, que incluía Hammonia e Neu-Bremen), Itapocu (incluindo o distrito Humboldt), Sertão de São Bento e Piraí (Pirahy) (Die Kolonie Hansa..., 1911, p.3-4). Considerados os municípios hoje existentes, compreendia trechos de terra que hoje pertencem ao território onde se encontram espalhados os municípios de Itajaí, Blumenau, Joinville, Jaraguá do Sul, Guaramirim, Corupá, Schröeder, São Bento do Sul, Rio do Sul e Ibirama. A colônia foi destinada sobretudo à imigração alemã, sendo que nos primeiros cinco anos chegaram às terras loteadas e reservadas à ocupação 2 085 pessoas (Prospekt, 1902). Consideradas as razões do movimento colonizador, a escola pode ser entendida como instituição necessária ao progresso do empreendimento comercial. Mas, simultaneamente, atendia à necessidade de escola para os filhos dos imigrantes, que tinha raízes culturais no continente europeu e que foi trazida em sua bagagem cultural. Por isso, observo que as escolas criadas neste contexto histórico representaram um investimento de caráter comercial feito mediante a subvenção financeira por parte da companhia colonizadora. Os balanços de gastos e investimentos colônias apresentam rubricas de subvenção para as escolas da colônia (Subvention für Schulen). O relatório anual de 1901, por exemplo, traz gastos de 440 mil réis nesta rubrica. Os relatórios narram o papel da Companhia Colonizadora Hanseática na subvenção financeira das escolas, embora a edificação de prédios próprios para o ensino tivesse sido gradual. Por exemplo, na estrada Paulo a sociedade escolar foi fundada em novembro de 1903 e as aulas foram ministradas em casas particulares até setembro de 1904, quando foi inaugurado o prédio escolar; as aulas da escola da estrada Isabel aconteciam numa choupana, embora houvessem sido destinados quatrocentos mil-réis para uma construção que em 1904 ainda não estava pronta, porque o dinheiro era insuficiente (Bericht der Kolonie-Direktion Hammonia..., 1905, p. 21-2). E este apoio vinha somar à iniciativa das famílias nas comunidades. Assim, verifico que em 1904, ou seja, após seis anos da fundação, já havia quatro escolas no distrito Humboldt: na “cidade” (Stadtplatz), na estrada Isabel (Isabella-Strasse), na estrada Paulo (Paul-Strasse) e na estrada Bonpland e Humboldt (Bonpland und Humboldt Strasse). Em Itajaí-Hercílio já funcionavam cinco escolas: Hammonia, Sellin, Rafael, NeuBremen e Neu-Zürich. Havia uma no distrito de São Bento e outra no Piraí (Bericht der Kolonie-Direktion Hammonia..., 1905, p. 13). Quanto a sua origem, algumas das escolas foram fundadas por associações ou sociedades escolares particulares (Schulverein ou Schulgemeinde), que tinham como membros as famílias locais, outras estavam vinculadas à igreja evangélica, com destaque para a de confissão luterana. Mas como os relatórios nos permitem afirmar, essas escolas comunitárias também receberam apoio financeiro da Companhia Colonizadora Hanseática. As escolas eram chamadas de “simultâneas” (Simultan-Schulen), pois as aulas eram num único espaço e havia uma ou duas classes, por sua vez divididas em até quatro seções. Diferente do que ocorria no restante do país e mesmo em algumas nações europeias no mesmo período, essas “escolas alemãs”, como então se autodenominaram, atendiam ambos os sexos. A escola de Hammonia, que começou a funcionar em 1902, contava com duas classes e, por isso, era atendida por dois professores. Sua associação escolar também era a maior do distrito a que pertencia, sendo que o número de membros da sociedade escolar era de 25. Quanto ao número de alunos e professores, o relatório anual de Itajaí-Hercílio apresenta, para suas cinco escolas, um total de 86 estudantes atendidos por seis professores (Jahresbericht 1904..., 1905, p.16). O número de crianças atendidas variava entre os vários pontos da área predominantemente rural da colônia. No distrito de Hansa, que estava a uma distância aproximada de 130 quilômetros de Hammonia, no mesmo ano de 1904 se lê que a escola da Estrada Isabel era frequentada por 16 alunos, a escola da estrada Paulo tinha 12 estudantes e a unidade escolar da estrada Bonpland e Humboldt atendia 18 crianças (Auszug..., 1905, p. 212). Penso ser pertinente a afirmação de que o número de alunos nas escolas fundadas era considerável se levarmos em conta as estatísticas de chegada de imigrantes. Segundo dados da Companhia, em 1898 vieram 103 pessoas; em 1899, outras 331; em 1900, chegaram mais 278 imigrantes; em 1901, registraram-se 428 chegados; em 1902, houve um incremento relevante, sendo contabilizados 945 imigrantes (Prospekt, 1902, p.1). Se buscarmos estabelecer uma proporção entre o total da população local, o número de escolas criadas e a quantidade de crianças que as frequentavam após os seis primeiros anos desde a fundação da colônia, vemos que ela é significativa, sobretudo se comparada ao atendimento em escola elementar pública existente em outras partes do Brasil à época! Deste modo, a escola se configurava como instituição intimamente imiscuída à vida cotidiana. Esse dado pode ser reforçado se acrescento a importância da filiação de várias famílias à religião luterana, pois em algumas áreas o percentual de imigrantes protestantes foi maior do que o de católicos. E para os seguidores de Lutero, havia a necessidade de ensinar desde cedo a leitura e a escrita para as crianças, pois elas precisavam sozinhas conhecer o conteúdo da Bíblia e participar dos ritos comunitários. Apresento dados constantes no relatório de 1904 quanto ao pertencimento religioso dos alunos que frequentavam as cinco escolas de Itajaí-Hercílio: de um total de 86 crianças, 68 eram evangélicas luteranas e 18 católicas (Bericht der Kolonie-Direktion Hammonia..., 1905, p. 10). A íntima associação entre a escola (educação) e a igreja (religião) foi um dado característico de algumas comunidades. Nessas, a entidade responsável pela fundação da escola foi a comunidade evangélica. Esse tipo de colaboração possibilitou, em alguns casos, que os primeiros pastores que chegaram, além de comandar os trabalhos religiosos viessem a atuar como professores, uma vez que eram mais instruídos. A partir de agora evidencio aspectos da internalidade dos trabalhos educacionais, em alguns relatórios apresentadas sob redação do próprio professor responsável pela escola. Notadamente as fontes primárias localizadas no Arquivo do Estado de Hamburgo, no norte alemão, trazem elementos da organização dos tempos e espaços escolares, dados sobre o currículo e a atividade docente e discente, inclusive a descrição de aspectos metodológicos. Eis um dado inédito e que confere riqueza a tais fontes redigidas há mais de 100 anos! Seu texto permite compreender a natureza das práticas educativas historicamente elaborada nessas primeiras escolas, convidando-nos a “penetrar” na sala de aula, num passeio que pode unir dados de imaginação mas também proporcionar uma visualizações da realidade à época. Isso se deve ao fato de que o relato é subscrito pelos próprios professores. Recontam sobre sua prática em tom quase coloquial e isto foi transcrito para os relatórios oficiais dos diretores locais da Colônia Hansa. Inicialmente, trato do que foi descrito em Auszug aus den Schulberichten im Bezirk Itapocú pro 1904, ou seja, num extrato de relatório sobre a atividade escolar no distrito de Itapocu (Auszug..., 1905). Este documento permite conhecer como se organizava a semana letiva ao trazer uma tabela mostrando a distribuição das lições em todas as manhãs na escola primária da área central de Humboldt. A escola do Stadplatz Humboldt funcionava desde abril de 1899 e atendia 25 crianças, sob a regência do professor Paul Behrens. As aulas aconteciam de segunda a sábado, no horário entre oito e 12 horas, para duas classes. Foram detalhados os respectivos conteúdos, com base nos quais podemos estabelecer uma correspond6encia com o que chamamos de matérias ou disciplinas em linguagem contemporânea: Religião, Cálculo, Leitura, Ditado, Escrita, Redação, História Mundial, Português, História Natural, Canto, Trabalho Manual e Geografia. Ressalto, inicialmente, a existência de uma matéria destinada ao ensino da Língua Portuguesa, que aparece em dois horários durante a semana. Tal fato traz à tona a polêmica quanto a não utilização ou mesmo desprezo de nosso idioma nas escolas alemãs, apontado em alguns estudos como característica deste tipo de instituição. Aspecto esse que seria posteriormente atacado pelas políticas educacionais de fundo nacionalista ao longo das primeiras décadas do século XX, sobretudo no Estado Novo. Se as aulas eram ministradas na língua alemã, determinando esse dado típico das deutschen Schulen, o arranjo de disciplinas dessa antiga escola de um núcleo colonial chama a atenção para o fato de que também existiram instituições onde a necessidade de conhecer a língua nacional foi levada em conta desde o princípio! Ou seja, nessas escolas os professores e os alunos falavam o alemão, idioma que também era objeto da aprendizagem da escrita e leitura. Mas o ensino de Português atendia às necessidades da vida diária. Quanto à eventual obrigatoriedade de existir na época legislação que obrigasse o ensino da língua nacional nas escolas primárias, acreditamos que devido ao isolamento geográfico das colônias dificilmente tal determinação teria sido o fator que levou à inserção do Português entre as disciplinas estudadas. O Cálculo era a atividade mais frequente, aparecendo em 10 horários da semana. É perceptível, ainda, a valorização da leitura, que estava programada para seis momentos semanais. A Escrita (em alemão) era focalizada quatro vezes. Os Ditados e o Canto, que também podem ser vistos como estratégias didáticas vinculadas à aprendizagem da língua alemã, aconteciam duas vezes por semana. A História Natural (equivalente às atuais aulas de Ciências) aparecia duas vezes, enquanto a História Mundial era oferecida somente a cada terça-feira, por uma hora. O Trabalho Manual era uma atividade escolar realizada nas quartasfeiras e sábados. A qualidade das atividades propostas nesse currículo evidencia a ausência de tratamento da história brasileira. Se o disposto nos permite inferir sobre as aulas naqueles tempos, analiso agora aspectos dos procedimentos docentes descritos num relatório de autoria do professor Moritz Haselhorst, da escola da estrada Isabel. O mestre deixou claro que o ensino era em língua alemã e essa era o objeto da aprendizagem da leitura e da escrita. O relato detalha sua atuação em cada seção de uma turma de 16 crianças. Na primeira seção ele lia trechos sobre a Geografia da América do Sul e brasileira. Outros textos, que o professor chamou de leituras leves, eram utilizados para os ditados. E ele usava um livro de leitura, uma Gramática e a escrita de cartas para fixar os conteúdos. Nas práticas da leitura, realizadas todas as manhãs, o professor lia por primeiro e depois exigia a leitura de uma a uma das crianças. Ao final liam em uníssono. Nas lições de Cálculo da primeira seção se praticavam as quatro operações e contas com frações decimais. Quanto à Geografia, o professor explicou que era uma disciplina a que ainda não se destinava atenção especial neste estágio da escolarização. Na segunda seção ele lia trechos tidos como fáceis e os empregava nos ditados. Depois, escrevia perguntas na lousa maior (equivalente ao quadro-negro) e os alunos anotavam nas lousas individuais (de mão), sendo que deveriam responder às questões por escrito, mantendo os livros fechados. A Gramática era estudada tomando-se frase por frase. O cálculo utilizando as quatro operações continuava sendo treinado. Nesse estágio, segundo o professor Moritz, a maioria das crianças já escrevia com o lápis de lousa e com tinta. E era exigida uma escrita bonita, ou seja, se faziam exercícios de caligrafia. Na terceira seção tinham a ajuda de uma cartilha e deviam praticar a leitura, a escrita e o cálculo. Nas horas de Canto se entoavam canções populares alemãs. Em Religião, o professor lia primeiro e depois todos repetiam em conjunto. Estudavam os Dez Mandamentos e outros trechos da Sagrada Escritura, que liam em coro e depois deviam anotar em um pequeno caderno. A história bíblica começava com a origem da vida. Já na descrição que o professor Richard Schulze, da estrada Paulo, fez para o relatório de sua escola, apresentou como matérias estudadas Religião, Escrita, Cálculo, Leitura, Canto e Geografia e a língua da terra brasileira (brasilischen Landesprache). Novamente, o relato da atividade docente chamou a atenção para a preocupação com a aprendizagem do português. Outro aspecto diferente na organização curricular dessa escola era a exigência da escrita em latim ao lado daquela em alemão. Nesse caso, primeiro as crianças copiavam em suas lousas individuais e, depois de consideradas aptas, passavam a escrever sobre papel. Tanto na primeira como na segunda seção os alunos treinavam a leitura com o auxílio de um livro específico para esta finalidade. No Cálculo se exigia toda espécie de contas. Segundo o mestre, as lições de Geografia eram dadas com dificuldade, pois não havia globo ou Atlas. Nessa escola, que atendia a 17 alunos, havia um professor auxiliar. Diversos relatórios trazem o mesmo detalhamento das atividades em cada escola, nas classes e seções que as subdividiam. No relatório da direção do distrito de Hamônia, de 1904, encontramos minuciosa descrição das matérias tratadas e sua distribuição curricular nas escolas daquela região. A Leitura, item considerado essencial, estava presente nas quatro seções. O objeto estudado era a língua alemã, mas na segunda e terceira seções também se aprendia o latim. A aprendizagem da leitura era feita com a utilização de cartilhas e textos de cartas. Os alunos deviam ler em voz alta, o que era bastante cobrado. Na disciplina de Escrita se aprendia a língua alemã. Um das estratégias metodológicas comuns era que as crianças redigissem pequenas cartas, individualmente. Assim, aprenderiam a elaborar pequenas frases. Há várias referências à silabação como recurso metodológico associado à aprendizagem pretendida. Mas não bastava apenas escrever de modo correto: era preciso escrever bonito, ou seja, apresentar uma bela grafia – a caligrafia (Schönschreinben)! Mesmo havendo a Leitura e a Escrita, existia a disciplina de Ensino da Língua alemã (Sprachlehre) para todos os alunos das quatro seções. Nessa lição, no primeiro ano o professor devia seguir as instruções da cartilha. Na segunda seção, se explicava o singular e o plural dos termos, exigindo cópias e leitura. Já os alunos da terceira seção aprendiam a diferenciar o gênero, a divisão silábica, a entonação na leitura (sílabas fortes e fracas) e a conjugação verbal. Havia exercícios linguísticos. Foram citadas leituras infantis que tinham títulos como Cão e Gato, O Sapo, O Preguiçoso e O Semeador. No último ano, o Ensino da Língua estava associado à disciplina de Português (Portugiesisch), o que evidencia a preocupação com sua utilização cotidiana na formação infantil. Estudavam-se princípios de gramática e sintaxe da língua alemã, com as conjugações verbais considerando os tempos e as pessoas. Também se usava a poesia como recurso didático. As leituras eram mais complexas e estabeleciam relações com conhecimentos gerais, como indica o título O Leão de Florença. O canto era praticado nas três seções superiores, compreendendo tanto canções populares como da liturgia religiosa. Cantar ajudava na aprendizagem idiomática, mas também servia para inculcar valores culturais. O Cálculo era estudado em todas as seções, assim como as aulas de Religião. Curiosamente, na primeira seção o ensino religioso aparecia como uma disciplina de Orações ou Preces (Gebet. Os estudos de ciências eram feitos com a utilização do atlas zoológico Leutemanns. A História Natural (Naturgeschichte) era componente curricular apenas do terceiro e quarto anos, em que se estudavam os três reinos. Curiosamente, mesclavam-se conteúdos tipicamente brasileiros. O professor dizia que se listavam os exemplares exclusivos da fauna e flora do Brasil, como as aves (Kolibri, referindo-se ao beija-flor ou Jakutinga, para o jacu) e outros animais (Mico, para essa espécie de pequenos macacos). Ainda eram estudados animais domésticos como o cavalo e o cachorro. Espécimes vegetais importantes na vida rural, como o milho, também constavam das lições. A Ginástica (Turnen) estava entre as disciplinas apenas para a última seção. No relatório se explica que os alunos faziam exercícios ocasionalmente. Outra disciplina particular citada é a História Nacional (Heimatkunde), no terceiro ano, abordando a própria localidade onde se situava a escola, o Vale do Itajaí (Das Tal des Itajahy). Isso mostra que, em diversos casos, as escolas alemãs focalizavam aspectos da realidade brasileira, ou seja, não eram desvalorizadas tais questões como apregoou o ideário nacionalista das primeiras décadas do século XX. Assim, na quarta seção havia a disciplina de História abordando a descoberta do Brasil e a constituição da própria colônia. O mesmo acontecia com a Geografia (Erdkunde) que abordava aspectos do Vale do Itajaí, do estado de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande, ao lado de conteúdos mais abrangentes como as diversas partes do mundo, os oceanos, as Américas do Sul e do Norte e a Europa. Um dado curioso dos relatórios diz respeito à organização do ano escolar. Este fato, sobre o qual as pesquisas ainda não haviam chamado a atenção, talvez possa ser explicado como uma contingência do ambiente rural. Ou seja, condicionado às necessidades de trabalho agrícola e sua sazonalidade, pois as crianças precisavam trabalhar na lavoura junto de seus pais e, em períodos de atividade intensa, se ausentavam das aulas porque a prioridade era o trabalho, a sobrevivência familiar nas ainda inóspitas colônias. Segundo o texto assinado pelo diretor Morsch havia uma organização trimestral do período de atividade nas escolas. O ano escolar começava em sete de janeiro, sendo que o primeiro trimestre ia até 11 de março. Então, havia um período de férias que se estendia até sete de maio. Começava aí o segundo trimestre, de oito de maio até 28 de agosto, que tinha interrupções entre os dias 1º. e 15 de agosto, para um balanço de férias e entre 29 de agosto até 12 de setembro. O terceiro trimestre iniciava em 13 de setembro e acabava em 23 de dezembro, marcando o fim do ano escolar. As férias natalinas aconteciam, portanto, de 24 de dezembro até três de janeiro (Berich der Kolonie-Direktion Hammonia..., 1905, p.18). Também é interessante observar que havia uma preocupação pedagógica da direção da colônia com o funcionamento das instituições escolares, evidenciando que abrir e manter escolas em benefício local era escopo tanto da Companhia Colonizadora quanto dos próprios colonos. Por isso, logo foi criada uma associação vinculada à colonizadora, a Schulverband Hansa, bem como foi nomeado um inspetor (Schulinspektor), o Dr. Aldinger, que também atuou como professor numa escola do distrito de Itajaí-Hercílio que atendia 32 crianças (ibidem, p. 10). Observadas algumas das componentes das atividades didáticas e pedagógicas para essas escolas alemãs que caracterizaram a prática educativa até aproximadamente 1910, podemos perceber as especificidades do rol de disciplinas e dos seus conteúdos, o que atribuímos à formação e ao modo de atuar de cada professor, o qual colocava em ação suas habilidades e conhecimentos pessoais, às vezes particularizando a natureza da ação educativa em cada instituição. Contudo, notadamente a partir da segunda década do século XX, várias iniciativas nacionalistas começaram a surgir pelo Brasil. Essas campanhas de nacionalização foram tomando corpo apoiadas por medidas legais que diversos estados editaram, bem como por legislação de cunho federal exarada. A campanha de nacionalização através da educação escolar foi uma das marcas de projetos de governo para a educação. Exaltou-se uma forma de nacionalismo em função da qual as práticas educativas nas escolas teriam um papel essencial: fazer das crianças e jovens os autênticos brasileiros necessários à nação em construção! Nesse contexto, as medidas legais emanadas foram carregadas com novas prescrições para a gestão e as práticas pedagógicas, tendo por objetivo transformar as instituições escolares em polos cultivadores e irradiantes do ideário nacionalista. As escolas foram escolhidas como locais vitais para a execução desse projeto por meio da criação de um modelo de infância e juventude que engendraria, no futuro, o trabalhador e patriota devotado! Para tanto, as providências formativas visaram reorientar os aspectos didáticos e pedagógicos, desde a gestão das escolas até a efetivação de um currículo visto como adequado. Dentro do contexto cultural que envolvia as comunidades de imigrantes e suas instituições escolares como alvos do nacionalismo, destacamos a língua como aspecto de análise. Isto porque dentre as medidas de controle implementadas, a proibição da utilização e do ensino do idioma alemão nas escolas, com a obrigatoriedade de uso da língua portuguesa possivelmente tenha sido aquela de maior impacto pedagógico. Conseguir o abandono da fala alemã e a aprendizagem da língua portuguesa foram tidos como fundamentais para que o projeto ideológico nacionalista atingisse suas pretensões. A língua falada e escrita tinha de ser aquela da Pátria brasileira e somente com a extinção dos elementos étnicos estrangeiros – dentre os quais a língua é um pilar – haveria como fazer das crianças potenciais cidadãos e valorosos patriotas. Este recurso estratégico que devia ser utilizado pelos professores no conjunto dos processos pedagógicos. Mas as imposições da legislação educacional nacionalista foram difíceis de serem cumpridas nas escolas alemãs e teuto-brasileiras de Santa Catarina. Como lembra Luna: Logo em outubro de 1917, a Lei Estadual no. 1.187 tornou obrigatórios o ensino preliminar a crianças de 6 a 15 anos e a inclusão das disciplinas Linguagem, História e Geografia do Brasil, Cantos e Hinos Patrióticos, todas em língua portuguesa. Essa lei, bem como as outras do período, abordavam as escolas particulares das zonas de imigração como escolas estrangeiras, desconsiderando o fato de que essas tinham como clientela crianças nascidas no Brasil, que eram, portanto, brasileiras. (LUNA, 2000, p.42). Outra peça da legislação que pode ser citada é o decreto no. 1 944, de 27 de fevereiro de 1926, o Programma de ensino das escolas isoladas das zonas coloniaes. Com tal providência, o governo catarinense pretendia atender às orientações de uso da escola como veículo nacionalista idealizadas por Orestes Guimarães, um professor que entre 1911 e 1931 foi responsável direto por um Programa que visava atacar os “problemas de ensino” local, reformulando o sistema educacional com o combate ao analfabetismo e buscando solucionar a questão de assimilação dos grupos imigrantes. Desenvolveu ações tanto de cunho político como determinando orientações didático-pedagógicas para adoção em sala de aula. O texto do Decreto no. 1 944 explicita os propósitos de utilização da língua pela proposta nacionalista que se construía: ...considerando que o programma vigente nas escolas isoladas, no presupposto de que os alumnos aos quaes deve ser ministrado conhecem a lingua vernácula, attendeu só ao problema de desanalphabetização; considerando que, nas zonas coloniaes, grande numero de crianças fala mal ou mesmo desconhece a língua nacional, o que torna inadequado o mesmo programma; considerando que, para as escolas dessas zonas, se torna necessária a organização de um programma que, sem augmento do estagio escolar, attenda aos problemas de desanalphabetização e do ensino da língua portuguesa; (SANTA CATARINA, 1926, p.3). As práticas pedagógicas previstas para o ensino da língua atingiam os três anos da educação elementar. Orientados pelo documento original, apresentamos as orientações do Programa de Ensino de 1926 e extratos de conteúdo dos cadernos que as atendem. Para o 1 o. ano, a ênfase devia ser na leitura, na linguagem oral e na linguagem escrita, além dos cantos. Nas recomendações para a leitura, no item da fase preparatória, está escrito o que o professor deveria fazer com os alunos: 1o. – Leitura diária, no quadro negro, de nomes de objetos conhecidos dos alumnos. 2o. – Verificado que os alunos conhecem, com segurança, os nomes apresentados no quadro negro, far-se-á a traducção dos mesmos. Ex.: casa – Haus; chapéu – Hut; copo – Glass; boneca – Puppe, etc. 3o. – Decomposição oral dos vocábulos em syllabas, de forma que o ouvido dos alumnos se familiarize com os elementos componentes das palavras estudadas. Ex.: casa (cá-sa); copo (co-po), chapéo – (cha-péo); boneca (bo-né-ca). CATARINA, 1926, p.8). ((SANTA A existência deste tipo de material didático ratifica a necessidade que havia de ensinar a língua portuguesa aos alunos da época, imprimindo o bilinguismo nas rotinas das escolas alemãs e teuto-brasileiras. Até o momento de exigência de utilização exclusiva da língua portuguesa nas escolas, a comunicação oral e escrita eram realizadas no idioma alemão, até mesmo porque esse era utilizado no seio das famílias e na maioria das relações sociais. Embora o método tradicional para o ensino de línguas fosse empregado, o programa de ensino enfatizava que a linguagem oral era essencial: ADVERTENCIA – É esta, por certo, a mais importante disciplina das escolas das zonas coloniaes, em que, geralmente, as crianças pouco ouvem a língua vernácula, ou mesmo nem a ouvem. Os professores não devem, pois, poupar esforços em prol do ensino desta disciplina, certos de que ella constituirá, assim ministrada, o meio mais seguro para o aproveitamento geral dos alumnos nas demais matérias. Haverá aulas diárias de 40 minutos (vide horário). As aulas desta disciplina serão extensivas a todos os alumnos (1o., 2o. e 3o. anno): o professor, porém, dirigir-se-á, de preferência, aos alumnos mais atrasados na língua vernácula ((SANTA CATARINA, 1926, p. 10). Luna (2000, pp. 45-48) assinala que documentos pesquisados datados de 1918 e 1926 mostram a preocupação com metodologias específicas para o ensino do português feito por professor bilíngue, onde se elaboraram estratégias de ensino recomendadas para a língua portuguesa, o que também foi vislumbrado com um aumento da carga horária dessa disciplina. Especificamente: Os programas são organizados por ano escolar e por habilidades lingüísticas, no caso leitura e linguagem oral e escrita. Para leitura, ele sugere atividades que se fundamentam, segundo ele, numa visão eclética, situada entre a corrente tradicional de alfabetização pelo método sintético e a então recente corrente baseada no método analítico. Nesse sentido, Orestes Guimarães sugere, para os primeiros anos, a estratégia de apresentação, no quadro negro, de palavras isoladas, seguidas de repetição e tradução para a retenção do significado. Após os exercícios de tradução, as instruções são no sentido de decomposição das palavras em sílabas, com ênfase na exatidão da pronuncia das mesmas. (LUNA, 2000, p. 45-46). As determinações do programa de ensino para o 2o e 3 o anos enfatizavam a Leitura, a linguagem oral, a linguagem escrita e os cantos – tudo isso mais relacionado à aprendizagem pelos alunos do português; mas se trabalhava ainda a aritmética e a geografia. No 3 o. ano o currículo proposto era acrescentado por História do Brasil, Educação Moral e Cívica, Higiene, Ginástica e, especificamente para a seção feminina, recomendava-se os Trabalhos Domésticos. Destacamos um dos itens propostos no programa para a disciplina de Educação Moral e Cívica, que se refere à Pátria, recomendando abordar os seguintes tópicos: 3o. – Pátria. Não é o lugar do nascimento, é o país. O sentimento de Pátria não é vão, exemplos. O Brasil, a sua grandeza territorial, o aumento progressivo da sua população, a benignidade da sua natureza, a sua língua, costumes e tradições. 4o. – Descrição do pavilhão nacional. Deveres para com o mesmo. 5o. – Respeito ás nações estrangeiras. 6o. – Deveres e direitos dos cidadãos brasileiros. 7o. – Os poderes federais, estaduais e municipais. 8o. – A importância do voto. A necessidade de todos os cidadãos alistarem-se e votarem (SANTA CATARINA, 1926, p. 24). Havia uma preocupação formal com que os imigrantes e seus descendentes aprendessem o português, mas sobretudo deveriam aprender e incutir atitudes e valores de veneração à Pátria brasileira. A escrita escolar era um modo de mostrar tais intenções ideológicas que se buscava inocular nas classes infantis. Considerações finais A análise dos relatórios de direção da Companhia Colonizadora Hanseática revela o conteúdo das atividades pedagógicas em escolas primárias rurais situadas na colônia Hansa, fundada em Santa Catarina no final do século XIX. A abertura de escolas próprias para o atendimento dos filhos de imigrantes alemães, com a edificação de prédios e o desenvolvimento de um currículo diferenciado, significou a inserção de novos elementos culturais formativos no Sul do Brasil. Embasamos nossos argumentos sobre a peculiaridade dessas instituições escolares sulinas por meio da análise do conteúdo de relatórios de diretores da colônia. A análise dos relatos sobre as práticas educativas nessas escolas primárias rurais caracteriza as escolas alemãs com base na natureza das propostas de ensino elementar que ali foram desenvolvidas. Implantadas em uma área de colonização catarinense ocupada por imigrantes alemães a partir de 1897, sob a tutela do empreendimento comercial alemão, nessas escolas foi historicamente elaborada uma atividade educativa cujas peculiaridades eram o ensino em língua estrangeira e uma proposta curricular centralizada na aprendizagem da língua e da cultura alemãs por meio das disciplinas de Leitura, Escrita, Poesia, Canto, Religião e até mesmo Latim. Porém, constatamos que havia outros elementos curriculares que abordavam aspectos nacionais, brasileiros, como o Português e a História Nacional. O Cálculo também era tido como uma matéria essencial na instrução elementar das crianças nessas instituições. Consideradas as práticas educativas que aquelas escolas primárias rurais das zonas de imigração alemã catarinenses abrigaram, pode-se ratificar que, pelo menos em seus primeiros anos de funcionamento, essas instituições mantiveram aspectos didáticos e pedagógicos que as caracterizam como típicas expressões do fenômeno das escolas alemãs - deutsche schulen – , num momento histórico particular do desenvolvimento da educação brasileira. Nessas colônias de imigrantes, pela ausência de instituições públicas, as escolas alemãs atenderam à finalidade social específica de fornecer instrução primária, embasadas por um conjunto de práticas educativas que mesclaram aspectos culturais estrangeiros àqueles do contexto brasileiro de então (Cf. SANTOS, 2012). A análise de amostras da legislação da época mostra a intenção de se atendesse às orientações do programa escolar oficial, de intuito nacionalizador. As escolas dos imigrantes alemães foram alvo das propostas, sendo vistas como local de formação da brasilidade. Professores e alunos foram obrigados a abandonarem o uso da língua alemã e aprenderem o português. Constituiu-se um período de práticas pedagógicas orientadas pelo bilinguismo, orientando a comunicação oral e os registros escritos, com a finalidade de que as crianças aprendessem a língua portuguesa, cujo uso foi imposto como expressão da condição de patriota, de membro da nação, de bom brasileiro! A legislação educacional do período tinha o objetivo consensual de orientar a ação. O Brasil foi apresentado como o centro maior da atenção da moral e da ação, sendo que todos deveriam ver-se como brasileiros, cujo amor à Pátria deveria ser registrado desde a infância. Aprender uma nova língua significou reproduzir, na escrita, as mesmas frases de conteúdo ideologicamente manipulador. Os textos escolares foram uma das formas eleitas para a demonstração do respeito e da obediência à nação, no ideal de que a educação escolar servisse para a formação de um novo brasileiro. Dado o período histórico em evidência, indica-se que consideradas suas origens e transformações por que passaram, tais escolas tiveram um papel fundamental na constituição do ensino em Santa Catarina e matizaram profundamente a instituição do sistema educacional. Referências Bibliográficas LUNA, J. M. F.. O Português na Escola alemã de Blumenau: da formação à extinção de uma prática. Itajaí: Editora da Univali; Blumenau:Edifurb, 2000. SANTOS, A. V. Educação e colonização no Brasil: as escolas étnicas alemãs. Cadernos de Pesquisa. V. 42, n. 146, ago. 2012, p.538-561. VIÑAO, A. Os cadernos escolares como fonte histórica: aspectos metodológicos e historiográficos. In: MIGNOT, A. C. V.(Org.) Cadernos à vista: escola, memória e cultura escrita. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2008, p.15-33. WEREBE, M.J.G. A educação. In: HOLANDA, S.B. História geral da civilização brasileira. 5.ed. t. 2, v.4 1995, p. 366-383. Fontes documentais AUSZUG aus den Schulberichten im Bezirt Itapocú pro 1904. Hammonia, 1905. BERICHT der Kolonie-Direktion Hammonia über das Jahr 1904. Hammonia, 1905. DIE KOLONIE “HANSA” – Berich der koloniedirektors J. Deeke in Hammonia. Hammonia, 1911. ESTADO DE SANTA CATARINA. Programma de ensino das escolas isoladas das zonas coloniaes approvado pelo Decreto no. 1944, de 27 de fevereiro de 1926. Florianópolis: Imprensa Official, 1926. JAHRESBERICHT für die fünfte ordentliche General-Versammlung der Hanseatischen Kolonisations-Gesellschaft m.b.H. das Jahr 1901 betreffend. Hamburg, [s.d] PROSPEKT. Hamburg, 1902. JAHRESBERICHT 1904 über die 5 Hansaschulen des Bezirks Hercilio, erstattet von Schulinspektor Dr. Aldinger. Hammonia, 1905. PROSPEKT der Hanseatischen Kolonisations-Gesellschaft – Ansiedelung im Staate Santa Catharina, Südbrasilien, Kolonie “Hansa”. Hamburg. [s.d]. STAATSARCHIV HAMBURG. 26/04 Ab/von: 1.3 2004, M1 139B ¼ - Hanseatischen Kolonisation Gesellschaft.