João Jachic e Flávio Lineu Kuzma Poluição do monóxido de carbono em ambiente fechado João Jachic (Ph. D.) Curso de Engenharia Mecânica – Universidade Tuiuti do Paraná Flávio Lineu Kuzma Discente do curso de Engenharia Mecânica – Universidade Tuiuti do Paraná Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 25, FACET 03, p. 19-42, Curitiba, dez. 2001 19 20 Poluição do monóxido de carbono em... Resumo Devido ao aumento da frota de veículos e da área industrial da cidade de Curitiba, ambientalistas vêm alertando autoridades e a população sobre o acúmulo de dióxido de carbono (CO 2) na atmosfera. No entanto o monóxido de carbono (CO) que é extremamente nocivo ao ser humano em proporções muito menores que dióxido de carbono é vagamente lembrado. O monóxido de carbono é um gás proveniente da oxidação incompleta de compostos de carbono quando não há oxigênio (O2) suficiente no ambiente. A emissão de monóxido de carbono é expressiva em motores de automóveis que usam combustível fósseis. Por causa disso, propomos um modelo matemático para determinar o acúmulo de monóxido de carbono causado pelos automóveis em ambiente fechado. Os nossos resultados mostram que haverá acúmulo de monóxido de carbono até o nível considerado letal para o ser humano, enquanto que o decréscimo de oxigênio não é tão preocupante. Palavras-chave: poluição, monóxido de carbono, depleção do oxigênio Abstract Due to the broadening of industrial areas in Curitiba with subsequent increase in the automotive vehicle fleet, many environmentalists keep pressing the governamental authorities and technical population against carbon dioxide air pollution. The fossil fuel burning engines release constantly to the atmosphere huge amounts of CO2 and CO as by products of internal combustion. While CO2 is harmless, except for adding to the green effect, the CO is extremely noxious and lethal to the warm blooded beings like humans. This causes a serious air pollution problem especially in closed environments such as those encountered in garages and parking lots. We proposed a mathematical model to account for CO accumulation as well as to the oxygen depletion in a closed volume in order to simulate the air pollution due to the automobiles in atmosphere of big cities. Results show that CO accumulates in a few minutes to a human life threatening concentration. The oxygen depletion rate is low if compared to that of the CO and it takes several hours to deplete to half the normal fresh air concentration. Key words: pollution, carbon monoxide, oxygen depletion. Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 25, FACET 03, p. 19-42, Curitiba, dez. 2001 João Jachic e Flávio Lineu Kuzma Introdução A atmosfera é uma mistura de gases que cerca qualquer corpo celeste, que tem um campo gravitacional forte o suficiente para impedir que os gases escapem. Os componentes principais da atmosfera da Terra são nitrogênio (78%) e oxigênio (21%). Os demais componentes dos gases atmosféricos abaixo de 1 por cento são argônio (0.9%), gás carbônico (0.03%), quantias variadas de vapor d’água, e traços de: hidrogênio, ozônio, metano, monóxido de carbono, hélio, neônio, criptônio, e xenônio. A mistura atual de gases no ar teve 4,5 bilhões anos de evolução (Ottawey, 1982). No início a atmosfera deve ter consistido só de emanações vulcânicas. Gases que emanam de vulcões hoje, porém, são principalmente uma mistura de vapor d’água, gás carbônico, dióxido de enxofre, e nitrogênio, com quase nenhum oxigênio. Se esta é a mesma mistura que existiu na atmosfera pré-histórica, então vários processos teriam ocorrido para produzir a mistura que nós temos hoje. Um destes processos era a condensação. Como esfriou, muito do vapor d’água vulcânico condensou para encher os oceanos mais tarde. Reações químicas também teriam ocorrido. Alguns gases carbônicos teriam reagido com as pedras da crosta da terra para formar minerais de carbonato, e alguns teriam sido dissolvidos nos oceanos. Depois, a vida primitiva evoluiu nos oceanos e foi capaz de Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 25, FACET 03, p. 19-42, Curitiba, dez. 2001 realizar fotossíntese. Novos organismos marinhos começaram produzir oxigênio. Há aproximadamente 570 milhões de anos, o conteúdo de oxigênio da atmosfera e oceanos ficou alto bastante para permitir vida marinha. Depois, há uns 400 milhões de anos, a atmosfera conteve oxigênio suficiente para a evolução de animais na terra. Pequenas quantidades de gases, como amônia, sulfeto de hidrogênio, óxidos de enxofre e nitrogênio são componentes temporários da atmosfera circunvizinha de vulcões e são facilmente lavadas fora do ar por chuva neve. Óxidos e outros contaminantes emitidos na atmosfera por fábricas e automóveis se tornaram uma preocupação principal, por causarem efeitos danosos na forma de chuva ácida, por exemplo. Além disso, existe uma forte possibilidade de haver um aumento contínuo do gás carbônico e monóxido de carbono na atmosfera, principalmente como resultado da combustão de combustível fóssil durante o último século. Isto vem afetando o clima da terra, devido ao efeito estufa. O monóxido de carbono, em especial, tem despertado a atenção de autoridades devido a acidentes que podem ocorrer em garagens e estacionamentos, principalmente onde há um grande fluxo de veículos, como em shopping centers e supermercados. O monóxido de carbono pode tornar-se um perigo até mesmo dentro de nossa própria residência, devido a instalações 21 22 Poluição do monóxido de carbono em... inadequadas de aquecedores a gás, fogareiros ou lareiras, principalmente durante o inverno, pois esses aquecedores são utilizados com maior freqüência, e geralmente todas as janelas são fechadas impedindo uma troca gasosa com o ambiente. No mundo, a cada dia morrem pessoas asfixiadas pelo monóxido de carbono, por ser inodoro. A pessoa acidentada não percebe que está sendo envenenada, perde a mobilidade até sucumbir morta. Por isso é chamada de “morte branca”. Estas mortes podem ser evitadas com instalações corretas dos aquecedores, melhor informação e divulgação dos perigos causados pelo monóxido de carbono em ambientes fechados. Neste trabalho, procuramos avaliar quantitativamente a poluição causada pela queima de combustíveis fósseis por combustão em motores de automóveis, em um ambiente fechado ou “volume de controle”. Apesar de que durante a combustão dentro do motor do automóvel são emitidos vários gases poluentes, estamos interessados particularmente no monóxido de carbono e suas causas nocivas para o ser humano. Procuraremos determinar a evolução temporal do monóxido de carbono dentro de um volume de controle, por exemplo, uma garagem. Monóxido de carbono O Monóxido de carbono é uma combinação química de carbono e oxigênio. É um gás incolor, inodoro e venenoso para todos animais de sangue quente e para muitas outras formas de vida. Quando inalado, combina com a hemoglobina no sangue, impedindo a absorção de oxigênio resultando em sufocamento. O monóxido de carbono é formado sempre que são queimadas substâncias que contêm carbono com uma provisão insuficiente de oxigênio no ar. Até mesmo quando a quantia de ar é teoricamente suficiente, a reação não é sempre completa, de forma que os gases de combustão contêm um pouco de oxigênio livre e um pouco de monóxido de carbono. Uma reação incompleta é especialmente provável quando a queima é muito rápida, como em um motor de automóvel. Por isso, gases emitidos pelo escapamento de um carro contêm quantidades prejudiciais de monóxido de carbono, em concentrações, às vezes, vários % do total do volume de ar do ambiente, mesmo quando são utilizados dispositivos supressores como conversores catalíticos. Concentrações de um milésimo (1/1000) de 1% de monóxido de carbono no ar já produzem sintomas de envenenamento, e concentrações em torno de 4% são letais em 50% da população exposta por menos de 30 minutos. Monóxido de carbono é um dos principais poluentes em áreas urbanas, mormente se industrializadas. Desta forma, ele é hoje considerado um poluente local muito sério, Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 25, FACET 03, p. 19-42, Curitiba, dez. 2001 23 João Jachic e Flávio Lineu Kuzma que se forma toda vez que o carbono é queimado com insuficiência de O2. Por ser inodoro, monóxido de carbono é um veneno insidioso. Produz sintomas moderados de enxaqueca, náusea, ou cansaço, seguido por inconsciência. Um automóvel com o motor funcionando em uma garagem fechada pode tornar o ar nocivo dentro de alguns minutos, uma vez que expele alta taxa de monóxido de carbono como sub-poluente da combustão incompleta. A exposição desse gás, por certo período de tempo, à concentração de 10 ppm produzirá sinais de envenenamento enquanto que com 100 ppm é letal para 50% da população submetida a tal ambiente. Concentrações muitas vezes maiores do que esta encontram-se freqüentemente em vias públicas, principalmente naquelas onde existem altos edifícios. Os veículos mais modernos não produzem quantidades tão elevadas de CO, principalmente devido ao uso de conversor catalítico, no entanto, a maioria dos veículos pesados de carga, produzem muito CO, especialmente quando estão em marcha lenta. Um carro sem conversor catalítico parado em um semáforo pode emitir localmente até 300 ppm de CO. Bioquímica da poluição do CO É estranho que o contínuo acúmulo de monóxido de carbono, que é extremamente tóxico, na atmosfera, não cause preocupação, enquanto o CO2, que só é Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 25, FACET 03, p. 19-42, Curitiba, dez. 2001 prejudicial em condições muito especiais, preocupe os alarmistas. A preocupação justificada com o gás carbônico se deve ao efeito estufa, uma vez que as absorções das radiações eletromagnéticas são aumentadas com a presença de CO2 na atmosfera. Há, na realidade, um equilíbrio dinâmico do monóxido de carbono na atmosfera terrestre (Marzzoco, 1988). A atmosfera ao nível do solo, recebe cerca de 6.108 toneladas ao ano provenientes de atividades humanas (principalmente o escapamento dos automóveis) e talvez 108 toneladas ao ano proveniente do metabolismo de bactérias e algas, nas camadas superiores dos mares. Por outro lado, muitas bactérias (mas provavelmente nenhuma planta) oxidam o CO (Ottawey, 1982), por meio de oxidase de função mista, enquanto muitas bactérias metanogênicas e redutoras de sulfato são capazes de realizar um processo que pode ser resumido na seguinte equação química: 4CO + 4H2O à 4CO2 + 8H+ + 8e (3.1) O conjunto desses processos é muito mais intenso que a produção na troposfera, a partir da oxidação do metano (1-4 x 109 toneladas ao ano), que é compensado pela oxidação do CO a CO2. Estes dois últimos processos usam radicais livres OH provenientes da foto-decomposição do vapor d’água. Assim, o tem- 24 Poluição do monóxido de carbono em... po de retorno global do monóxido de carbono é menor que um ano. O monóxido de carbono ao ser liberado na atmosfera pode também se oxidar a CO2 pela ação dos raios ultravioletas emitidos pelo sol, expresso pela equação (3.2) abaixo: CO + ½O 2 ¾UV ¾® CO 2 (3.2) Este processo é minimizado pelo fato que o CO se acumula nas camadas inferiores da atmosfera enquanto os raios ultravioletas praticamente só existem nas camadas superiores. Respiração celular As células, como qualquer matéria viva, dependem do recebimento contínuo de oxigênio, usado na oxidação de nutrientes, reações químicas e trocas energéticas. Por outro lado, o CO2 resultante desta oxidação deve ser removido constantemente. Existem sistemas especializados incumbidos desta função nos organismos em que estas trocas não podem ser feitas com eficiência por simples difusão. Este é o caso dos organismos pluricelulares complexos, como os vertebrados, onde este papel é exercido pela hemoglobina presente nas hemácias. O CO2 produzido pelos tecidos é convertido a ácido carbônico, que se ioniza em bicarbonato e H+. O bicarbonato é transportado pelo sangue até os pulmões, onde é eliminado como CO2; os íons de H+ são removidos pela hemoglobina. Esta hemoglobina, além de transportar oxigênio, exerce um poderoso efeito tampão, impedindo que os íons H+ possam alterar o pH do sangue com conseqüências danosas para o organismo. Deste modo, é dada uma grande produção de CO2 pelos tecidos, a hemoglobina restringe as variações de pH a apenas centésimos de unidades, mantendo o sangue e os tecidos em meio notavelmente constante. Uma molécula de hemoglobina totalmente oxigenada contém, quatro moléculas de O2 e é denominada oxi-hemoglobina (HbO2), em contraposição à forma desprovida de oxigênio, chamada desoxi-hemoglobina (Hb). As confor mações assumidas pela molécula de hemoglobina por sucessivas ligações com o oxigênio, têm afinidades crescentes pelo oxigênio, de tal maneira que a ligação da quarta molécula de oxigênio é 300 vezes mais fácil do que a ligação da primeira. Já o monóxido de carbono inibe muitas hemo-enzimas e interfere com o transporte de oxigênio pelo sangue, o que causa envenenamento até a morte. Todos os tecidos são afetados, mas é a insuficiência da função cerebral que é decisiva. O monóxido de carbono se liga à hemoglobina 250 Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 25, FACET 03, p. 19-42, Curitiba, dez. 2001 25 João Jachic e Flávio Lineu Kuzma vezes mais fortemente do que o O2, portanto é capaz de deslocá-lo. As ligações dos dois gases são reversíveis, de modo que o equilíbrio deslocado para Hb-CO, poderá ser invertido se a concentração de O2 nos pulmões for aumentada suficientemente e se o acidentado ainda estiver respirando (Marzzoco, 1988). Produção de gases poluentes O produto desejado de um motor é principalmente a produção de energia mecânica. No entanto, no processo de produção energética, obrigatoriamente, ocorre a geração de produtos de reação que não são economicamente aproveitáveis. Além disso, esses produtos de reação são inibidores da reação em cadeia, portanto devem ser retirados do meio reativo. Essa retirada dos produtos de reação pode ser feita em bateladas ou continuamente. Em geral os produtos de reação possuem componentes indesejáveis porque agridem o meio ambiente e são considerados gases poluentes. Para estimarmos a taxa de consumo de combustível e a subseqüente taxa de geração de gases poluentes, usaremos hipoteticamente uma produção total de 1GW de potência (Jachic, 1998). Essa potência é devida a uma frota média de N automóveis. Se a potência média dos carros for 50HP e o rendimento do ciclo de combustível em torno de 30%, então reTuiuti: Ciência e Cultura, n. 25, FACET 03, p. 19-42, Curitiba, dez. 2001 sulta: N= 10 9 50 ´ 746 ´ 0,3 (5.1) Pelos dados do Detran, o número registrado de carros em Curitiba até junho de 1999 é aproximadamente 700000 unidades, que obviamente, não estão todos em funcionamento ao mesmo tempo. Assim pode-se admitir que a média efetiva de carros operando 24 horas por dia em Curitiba será em torno de 10 e 15% do total registrado. Desta forma, o valor eficaz de N na equação (5.1) será 90 mil, o que representa uma média anual efetiva da frota em operação dos automóveis em Curitiba. Os motores dos automóveis funcionam a combustão interna com combustíveis como gasolina, álcool e diesel. O nosso combustível será simulado por uma mistura hipotética de metano (CH4), eteno (C2H4) e etano (C2H6). A combustão completa de mistura de volumes iguais, nas condições normais de temperatura e pressão (CNTP) de: metano, eteno e etano, produzirá CO2, H2O e calor. Assim, as reações de combustão completa dos gases e suas respectivas entalpias (Jachic, 1998) ÄH em kcal/mol serão: CH4 + 2O2 à 2H2O + CO2 ÄH1=212.8 C2H4 + 3O2 à 2H2O + 2CO2 ÄH2=341,1 C2H6 + 7/2 O2 à 3H2O + 2CO2 ÄH3=372,3 (5.2) 26 Poluição do monóxido de carbono em... Sendo V o volume da mistura dos 3 gases necessária para manter a combustão total operando por 1 ano, então, a massa mi do gás i, de massa molecular Mi, será: mi = M i ´ V 3 ´ VM (5.3) onde VM é o volume molar nas CNTP. Desta forma, o calor Qi gerado pela combustão completa de mi gramas do gás i, será: Qi = mi ´ DH i DH i ´ V = Mi 3 ´ VM (5.4) A soma dos Q dos 3 gases ideais usados fornecem a energia total gerada em 1 ano com potência de 1GW. Levando os valores de Q das equações (5.2) na equação (5.4), determina-se o volume V de consumo anual de gases combustíveis, como sendo 5,47x1011 litros/ ano. Lembrando que o volume molar é 22,4 litros, então a massa anual em gramas de cada um dos gases combustíveis será: m1 = 16 M; m2 = 28 M; m3 = 30 M onde M é: 5,47 ´ 1011 3 ´ 22,4 M= (5.5) Desta forma o consumo total de combustível será 0,6Mt por ano. Pela estequiometria das reações de combustão, e usando os valores das equações (5.5), a massa de CO2 produzida resulta nas seguintes reações (Re): Re 1 ® m CO 2 = 44 ´ m1 16 Re 2 ® m CO 2 = 88 ´ m2 28 Re 3 ® m CO 2 = 88 ´ m3 30 (5.6) Então o total de CO2 gerado anualmente será 1,8Mt. Já que a combustão é sempre incompleta, também serão produzidos em média cerca de 0,06Mt/ano de CO. Se o clima de Curitiba nesta época apresentar algumas inversões térmicas, então o volume atmosférico equivalente para o CO pode ficar reduzido a cerca de 108 m3. Conseqüentemente a concentração de CO pode atingir 6x10-7 kg/m3 de ar. Como a densidade de ar limpo é 1,2kg/m3, tal concentração de CO representa 0,05% e portanto, assustadoramente alta e letal ao ser Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 25, FACET 03, p. 19-42, Curitiba, dez. 2001 João Jachic e Flávio Lineu Kuzma humano. Esse cálculo será refeito no simulador computacional onde poderemos inclusive especular sobre a taxa de poluição em um volume real urbano. Veículo em ambiente fechado Nos meses de inverno, é necessário um certo período de tempo relativamente longo de aquecimento inicial do motor, sendo comum as pessoas manterem seu automóvel com o motor ligado dentro da garagem antes de sair. Se o veículo utilizar álcool como combustível, esse tempo pode ser ainda maior devido a sua baixa compressibilidade e dificuldade de explosão. É também comum as pessoas ignorarem a alta taxa de poluição e os efeitos nocivos dos poluentes emitidos pelo cano de escape quando estão aquecendo o motor nesse pequeno período de tempo. Elas também ignoram que estão dentro de um ambiente fechado ou pouco arejado. A emissão de gases pelo cano de escape no ambiente fechado da garagem fará com que a concentração desses gases aumente exponencialmente com o tempo interferindo na oferta de O2 e conseqüentemente no processo de respiração dos seres vivos. Dentre os gases emitidos o CO é de longe o mais preocupante uma vez que ele compete com o O2 nas reações com a hemoglobina do sangue em um processo bioquímico irreversível. Conseqüentemente a emissão de gases pelo cano de escape no período de aquecimento do automóvel dentro de uma Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 25, FACET 03, p. 19-42, Curitiba, dez. 2001 garagem fechada ou pouco arejada acaba sendo extremamente nocivo para a vida humana, em particular para o motorista e os passageiros de seu automóvel. Dependendo da potência do motor, do volume da garagem, da indisponibilidade de arejamento do ar, do tempo de exposição das pessoas ao ar a cada momento mais poluído, a situação pode se tornar fatal para as pessoas envolvidas. Estamos aqui então delimitando alguns desses vários parâmetros do problema para simular as condições que culminariam com um ambiente extremamente nocivo e até fatal. Já que uma vida humana jamais deve ser inadvertidamente desperdiçada, então o problema de acúmulo do CO é imperativo e premente, porque está ocorrendo a cada momento que um motor à explosão é ligado, e ainda porque a emissão de gases pode atingir a condição de letalidade para o ser humano em tempo muito curto. Vamos supor que as três dimensões da nossa garagem fechada, ou volume de controle são: um comprimento Cgar, uma largura Lgar e uma altura Hgar. Qualquer garagem apresenta aberturas variadas devido a imperfeições na construção ou má conservação. Assim, mesmo que a garagem esteja fechada é muito provável que existam aberturas por onde entra ar fresco de fora para dentro e sai algum ar poluído para fora. Daí a representação de dutos de entrada e saída de ar esboçados na figura 1. Em geral esses dutos são de pe- 27 28 Poluição do monóxido de carbono em... quenos diâmetros e podem numa primeira etapa ser desprezados, mormente se houver aquecimento de ar interno. Já que, devido ao aquecimento, a pressão interna será maior que a externa, isto fará que a entrada de ar fresco ou pouco poluído do lado externo da garagem seja dificultada ou até impedida. Na simulação proposta neste trabalho, os parâmetros do automóvel serão dados de entrada em um programa de computação e poderão ter valores variáveis; e, portanto, aplicáveis a uma grande variedade de veículos. As características de construção e funcionamento do motor podem ser equivalentemente expressas por alguns poucos parâmetros significativos: Pmax = potência máxima em HP. w MoL = rotação do motor em potência mínima (lenta). wMoM= rotação do motor em potência máxima. e Mo = eficiência do ciclo de queima do combustível. f moO2 = fator de concentração de O2 de funcionamento do motor com reação de combustão. t mo = tempo para a concentração de O2 no volume de controle cair para fmoO2 multiplicado por concentração de O2 fresco. Se o motor só funciona com concentração de O2 maiores do que 50% da concentração de ar fresco, por exemplo, então fmoO2 será 0,5. Assim motores a explosão com combustão de gasolina não poderão Figura 1: Esboço de um veículo automotivo dentro de um volume de controle (garagem). ser utilizados em ambientes cuja a concentração de O2 menor do que fmoO2 multiplicado pela concentração normal de O2 fresco. Uma conseqüência disso é que a maioria dos automóveis não pode ser utilizada em regiões montanhosas de altitudes acima de 6.000m onde o ar é muito rarefeito. Potência do veículo Tendo-se em vista o baixo rendimento do ciclo de Carnot para a termodinâmica da reação de combustão, inferimos que o rendimento de motores de combustíveis como a gasolina, diesel e álcool é em torno de 30%. Atualmente, no entanto, muitos avanços surgem a cada novo projeto automobilístico e o rendimento dos motores aumenta significativamente. Por isso, o valor adotado de eMo é específico para cada tipo de motor e combustível simulado e entrado como parâmetro no simulador. Desta forma combustíveis com alta taxa de combustão ou combustíveis de baixa qualidade podem ser diferenciados por valores característicos do e Mo próprio para este tipo de Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 25, FACET 03, p. 19-42, Curitiba, dez. 2001 29 João Jachic e Flávio Lineu Kuzma combustível e para o motor especifico que será usado. A partir dos princípios da física Newtoniana e equações da mecânica sabe-se que a energia cinética é proporcional ao quadrado da velocidade angular enquanto que a potência é proporcional a velocidade linear, infere-se então que a potência é também proporcional à velocidade angular. Conseqüentemente pode-se escrever: P = Pmax w w max w MoL w MoM 1500rpm 4000rpm (6.3) Assim, a potência de 34 HP como resulta da equação (6.3) é a que efetivamente produz a taxa de queima do combustível desse veículo no meio de controle. Como conseqüência disso, a potência decresce com o tempo devido a diminuição da concentração de oxigênio no ambiente fechado. (6.1) Balanço dos gases na combustão onde w é a rotação do motor na potência de operação P e wmax é a rotação do motor na potência máxima Pmax. Se o automóvel de potência nominal PN está sendo aquecido dentro da garagem na rotação lenta ou próxima da lenta igual a wMoL então esse motor estará desenvolvendo uma potência P = PN P = 91HP (6.2) Estamos admitindo que o motor está em lenta dentro da garagem. No caso simulado do Jeep 6 cilindros de potência nominal (PN) de 91 HP e freqüência máxima nominal (wMoM) 4000 rpm, a potência com que este Jeep estaria se aquecendo com o motor na rotação lenta (wMoL) de 1500 rpm será: Embora tenhamos feito um programa de computação com dados genéricos, nesta seção usaremos valores numéricos do Jeep da Willys Overland com motor de 6 cilindros para explicitar as equações de cinética. O combustível simulado pelos gases das reações (5.2) fornece 310kcal/mol em média quando a queima é total. Isto é, fazendo as conversões de HP para Watts, calorias para Joules e usando rendimento médio do motor a explosão em torno de 30%, resulta que 1 mol de gasolina fornece 310 kcal, o que representa uma taxa de consumo de X moles de gasolina por segundo. Explicitando os componentes mínimos de X tem-se : x= Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 25, FACET 03, p. 19-42, Curitiba, dez. 2001 34 ´ 746 @ 0,07 3,1 ´ 105 ´ 4,18 ´ 0,3 (6.4) 30 Poluição do monóxido de carbono em... Pela estequiometria, 3 moles de gasolina mista produzem 2+2+1 moles de CO2 se a queima fosse total. Então pelo resultado da equação (6.4) serão produzidos 0,07 ´ 53 ou seja 0,12 moles de gases. Desse total n1 moles/seg serão de CO2 e n2 moles /seg de CO, já que a combustão é incompleta. Dados experimentais de análise da ORSAT para a descarga de motores a jato revelam que é gerada uma poluição de 12,2% de CO2 e 0,4% de CO na queima do querosene. Em automóveis sem conversor catalítico, a proporção de gases gerados é um pouco menor. Por segurança manteremos a mesma taxa dos dados da ORSAT. Desta forma, usando o resultado da equação (6.4), os valores de n1 para a produção de CO2 e n2 para CO resultam em 0,113 e 0,0037 moles/seg, respectivamente. Como conseqüência disto, no processo de aquecimento, o Jeep estará produzindo a cada segundo 0,0037 moles de CO e 0,113 moles de CO2. Com o decréscimo da oferta de oxigênio o motor terá o rendimento diminuído, resultando em maior produção de monóxido de carbono. Desta forma o gradiente do no total de moles do monóxido de carbono emitidos pelo veículo aumenta com o tempo. Observando a composição molecular da gasolina mista simulada no nosso exemplo, equação (5.2), a estequiometria para o consumo de O2 durante a reação de combustão requer que 2 + 3 + 72 moles de O2 sejam consumidos para a produção de 1+2+2 moles de CO2 + CO. Então para a taxa de produção de 0,12 moles por segundo de CO2 + CO serão consumidos 0,12 ´ 85,5 moles de O 2 por segundo. Para facilidade de utilização generalizada em computadores, representaremos as taxas de produção dos gases CO2 e CO e as taxas de consumo de O2 pelo vetor r de componentes rCO , rCO e rO respectivamente. Desta forma para a aplicação numérica da potência adotada do veículo simulado o vetor r vale: 2 r = (0,113; 0.0037; -0.204) 2 (6.5) onde o sinal negativo se refere à taxa de consumo ou depleção do oxigênio. Concentração de ar no volume de controle A garagem tem volume Vgar determinado pelas três dimensões que serão entradas no código computacional na aplicação geral em questão. Para efeito de cálculo da concentração inicial dos componentes do ar dentro desse volume de controle da garagem, vamos assumir que o ar é um gás ideal e tem concentração considerada padrão de ar limpo. Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 25, FACET 03, p. 19-42, Curitiba, dez. 2001 31 João Jachic e Flávio Lineu Kuzma Designemos por fr o vetor concentração relativa do nitrogênio(N2), oxigênio(O2), gás carbô-nico(CO2) e monóxido de carbono(CO), respectivamente, para o ar puro no tempo zero. Dados de literatura (Enciclopédia Eletrônica Encarta da Microsoft) fornecem: æ 0,1 10 -6 f r = çç 0,7808; 0,2094; ; 100 100 è ö ÷÷ ø (6.6) Assim o mol de ar limpo que tem, supostamente, como componentes só o nitrogênio, o oxigênio, o dióxido de carbono, e o monóxido de carbono vale 25,26g. Como o mol é determinado usando uma média ponderada com as concentrações atuais dos gases, notamos que o mol do ar poluído é ligeiramente maior do que aquele calculado acima. A concentração absoluta dos componentes do ar depende do volume da garagem. A densidade do ar limpo nas CNTP (condições normais de temperatura e pres. são) é Desta forma, a massa e número de moles inicial de ar (t = 0) quando o motor ainda não estiver ligado serão respectivamente: m ar mar = r arVgar ; nar = M ar explicitar numericamente o volume da garagem. Com isso, os valores iniciais de Mar , mar e nar serão: 25g, 65kg e 2565 moles no volume de 54m3 da garagem. Analogamente o vetor Car para a concentração do ar, será: C ar = n ar ´ f (6.8) Com os dados iniciais acima, o valor de Car em moles no volume de controle será: C ar = 2003; 537; 2,6 ;26 ´ 10 -6 (6.9) Portanto, a concentração inicial de CO em partes por milhão (ppm) será: Car = Car (4) ´10 -6 nar (6.10) Numericamente, a equação acima fornece 0,01ppm de CO dentro da garagem antes de ligar o motor do automóvel. É evidente que essa concentração inicial de CO depende do local e nível acima do mar. (6.7) Para facilitar a compreensão, é conveniente Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 25, FACET 03, p. 19-42, Curitiba, dez. 2001 Cinética da combustão Pela hipótese do motor funcionar à potência nominal 32 Poluição do monóxido de carbono em... mas na rotação lenta de 1500rpm, as taxas de produção dos gases para outros valores de ω serão: d nCO2 (t ) rCO2 1500 dt d t nCO2 (t ) rCO2 1 dt tmoCO2 d nCO (t ) rCO 1500 dt d nO 2 (t ) rO2 1500 dt t d nCO (t ) rCO 1 t dt moCO (7.1) Além disso, sabemos que a rotação do motor irá progressivamente diminuir com o tempo devido ao efeito cumulativo da produção de poluição e a rarefação do oxigênio no volume de controle. Por hipótese, o motor parará de funcionar quando a concentração de oxigênio diminuir para fmoO2 da concentração de ar limpo, devido à falha na taxa de combustão interna. Consequentemente haverá um tempo tmoo2 em que ocorrerá a parada do motor quando a concentração do oxigênio cair abaixo do limite mínimo estabelecido acima. Isso quer dizer que a evolução temporal da rotação do motor será: t MoL 1 tmoO 2 especialmente válido para motores em marcha lenta. Desta forma o erro desta hipótese é desprezível. Com isto as equações de cinética dos gases tomarão a forma: d t nO2 (t ) rO 2 1 tmoO dt 2 (7.3) A integração destas equações diferenciais é imediata e portanto explicitemos, por exemplo, o resultado para o CO, que fornece: nCO (t ) nCO (ï) rCOt rCOt 2 2t moO2 (7.4) onde a concentração inicial nCO(0) de monóxido de carbono é dada pela equação (6.9) da seção anterior. As concentrações dos gases acumulados no tempo t são, portanto análogas a equação (7.4) para o monóxido de carbono, integradas das equações (7.3) acima. (7.2) É evidente que estamos supondo que a potência efetiva do motor é proporcional a rotação ω . Isto é Algoritmo de cálculo A evolução temporal das concentrações dos gases para qualquer que sejam os valores de parâmetros de entraTuiuti: Ciência e Cultura, n. 25, FACET 03, p. 19-42, Curitiba, dez. 2001 João Jachic e Flávio Lineu Kuzma da seguem diretamente a equação (7.3). Os cálculos numéricos destas distribuições temporais e das taxas de produção de consumo foram computacionalmente calculadas por uma função que desenvolvemos e programamos no MATLAB com o nome próprio de PoluicaoCOgasDL50 e apresentada no apêndice anexo. Os valores e os dados físicos relativos referentes ao modelo foram introduzidos de maneira generalizada no MATLAB pelo uso de variáveis anexadas como parâmetros da função acima definida. Desta forma usamos os seguintes parâmetros: DimGar, Pmax, wMoL, xMoM, eMo, fCO2, fCO, fmoO2, roAr, faReox e DLCO. As definições desses parâmetros estão explicitadas no apêndice e algumas no texto. Por se tratar de uma evolução temporal a resolução das equações (7.3) e as taxas de produção e consumo da equação (6.5) são feitas na própria função do MATLAB (Hanselman, Littlefield, 1995), sem processo interativo. Resultados numéricos Tendo em vista os dados físicos do motor do veículo e do ambiente da garagem, exemplificamos algumas rodadas de aplicações, chamando o conjunto de parâmetros da função de Dados, explicitado na tabela seguinte. Para iniciar o procedimento de uso do simulador computacional, entra-se no MATLAB e digita-se Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 25, FACET 03, p. 19-42, Curitiba, dez. 2001 diretamente no teclado os nomes dos parâmetros de entrada e o seu respectivo valor numérico para o veículo e a condição que pretendemos simular. Desta forma iniciamos por DimGar=[ 6 3 3] para representar o ambiente fechado de uma garagem com 6 metros de comprimento, 3 metros de largura e 3 metros de altura. Analogamente, digitamos max=91 para introduzir o valor máximo nominal da potência do motor do Jeep de 6 cilindros que estamos simulando. Prosseguimos digitando os nomes e valores de todos os demais parâmetros que integram os dados de entrada do código computacional intitulado no MATLAB de PoluicaoCOGasDL50. Os eventos que pretendemos simular se encaixam em 4 casos distintos que apresentamos resumidamente na Tabela 1 na próxima página, onde omitimos, por simplicidade, as unidades dos parâmetros físicos, todas no sistema internacional (S.I.). exceto pela potência que é entrada em HP (ou CV). Para rodar o programa simulador do caso normal do Jeep, já tendo entrado o conjunto de parâmetros em Dados1, digita-se o nome da nossa função no menu principal do MATLAB. O programa produz um gráfico como o exposto na figura 2 abaixo. Nele observa-se que o tempo para dose letal em 50% da população exposta ocorreria depois de 19,78 minutos, enquanto que o nível de oxigênio ficaria reduzido à metade só após 21,49 horas. Este resultado mostra 33 34 Poluição do monóxido de carbono em... Tabela 1 – Parâmetros de entrada para o simulador computacional PoluicaoCOGasDL50 Dados DimGar Pmax Dados1 Dados2 Dados3 Dados4 10 6 3 91 10 6 3 91 10 6 3 50 4 4 10 10 4.5*10 6 500 wMoL wMoM 350 350 900 900 4500 4500 6000 5000 eMo FCO2 FCO fmoO2 roAr 0.3 0.3 0.4 0.35 0.0369 0.0369 0.0369 0.0369 0.0012 0.0012 0.0012 0.0012 0.5 0.9 0.3 0.5 1.2 1.1 1.2 1.2 1 1 1 10^8 100 90 100 100 Poluição do CO em um ambiente fechado Poluição do CO em um ambiente fechado 3500 1800 1600 3000 Concentrações relativas de CO e O2 Concentrações relativas de CO e O2 faReOx DLCO Dose Letal 50% de CO = 100 ppm 2500 Tempo para dose letal 50% do CO = 19.7813 minutos 2000 Tempo para conc. de O2 cair para 50 % = 21.4929 horas 1500 1000 1400 Dose Letal 50% de CO = 90 ppm 1200 Tempo para dose letal 50% do CO = 16.3724 minutos 1000 Tempo para conc. de O2 cair para 90 % = 3.9404 horas 800 Concentração inicial de Oxigênio = 1641.9734 moles em Vgar 600 400 Concentração inicial de Oxigênio = 1791.2437 moles em Vgar 500 200 0 0 0 2 4 6 8 Tempo (s) 10 12 14 16 x 10 4 Figura 2 – Evolução temporal das concentrações do monóxido de carbono e depleção do oxigênio para os parâmetros de entrada de Dados1 no simulador computacional. 0 0.5 1 1.5 Tempo (s) 2 2.5 3 x 10 4 Figura 3 – Evolução temporal das concentrações do monóxido de carbono e depleção do oxigênio para os parâmetros de entrada de Dados2 no simulador computacional. Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 25, FACET 03, p. 19-42, Curitiba, dez. 2001 35 João Jachic e Flávio Lineu Kuzma 5000 4500 4500 4000 Concentrações relativas de CO e O2 Concentrações relativas de CO e O2 Poluição do CO em um ambiente fechado 5000 3500 Dose Letal 50% de CO = 100 ppm 3000 Tempo para dose letal 50% do CO = 24.8902 minutos 2500 Tempo para conc. de O2 cair para 30 % = 37.8615 horas 2000 Concentração inicial de Oxigênio = 1791.2437 moles em Vgar 1500 Poluição da frota de carros de Curitiba na região central 4000 3500 3000 2500 2000 Dose Letal 50% de CO = 100 ppm 1500 Tempo para dose letal 50% do CO = 56015.966 minutos 1000 1000 500 500 Tempo para conc. de O2 cair para 50 % = 60862.772 horas Concentração inicial de Oxigênio = 497567695961.995 moles em Vgar 0 0 0 0.5 1 1.5 Tempo (s) 2 2.5 3 x 10 5 0 0.5 1 1.5 2 2.5 Tempo (s) 3 3.5 4 4.5 x 10 8 Figura 5 – Poluição de CO devido à frota de Curitiba. Figura 4 – Evolução temporal das concentrações do monóxido de carbono e depleção do oxigênio para os parâmetros de entrada de Dados3 no simulador computacional. que o incauto motorista só sentirá a conseqüência do envenenamento silencioso, desapercebido e fatal do CO, o que é um infortúnio desastroso, visto que se ocorresse primeiro a falta de oxigênio, ele poderia perceber o perigo da poluição muito antes da morte derradeira. Em Dados 2, simulamos o mesmo Jeep porém com uma péssima carburação, que só consegue funcionar adequadamente até uma depleção de no máximo 10% do oxigênio quando comparado com o Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 25, FACET 03, p. 19-42, Curitiba, dez. 2001 normal (fmoO2=90%), tal como ocorreria numa atmosfera rarefeita (densidade média de 1.1 kg/m3). O resultado desta simulação está mostrado na figura 3, segundo a qual o tempo para dose letal em CO ocorrerá no tempo de 16,37 minutos e portanto menor do que aquele simulado por dados1. Mas, devido ao péssimo funcionamento do carburador, este motor só poderia funcionar satisfatoriamente (em lenta) por apenas 3,94 horas, muito menos do que as 21,49 horas do primeiro caso simulado com carburador normal. Já em Dados 3 simulamos um automóvel popular médio de boa eficiência (eMo=40%), baixa potência 36 Poluição do monóxido de carbono em... (50 HP), excelente carburação (fmoO2=0.3) mas cuja rotação lenta está em torno de 900 rpm. Os resultados dessa aplicação estão expostos na figura 4 abaixo, na qual podemos notar que o tempo para ocorrer dose letal em CO aumenta para 24,8 minutos, enquanto que a restrição devida à carência de oxigênio só seria percebida após 37,89 horas, muito superior aos dois primeiros casos simulados. Isto mostra que este veículo moderno (por hipótese, sem conversor catalítico) é econômico e também mais seguro do que os mais antigos quanto a poluição do CO, mesmo quando dentro de um ambiente fechado. Por fim, procuramos extrapolar a problemática da poluição em ambientes fechados, simulando agora a degradação do meio ambiente do centro da cidade de Curitiba na hipótese das autoridades sanitárias não tomarem nenhuma precaução quanto ao acúmulo do CO. Assim, em dados4, estimamos que o tamanho do volume de controle, o centro da cidade, seria 10km de comprimento, 10km de largura por 500m de altura. A altura equivalente foi estimada em função da distribuição exponencial decrescente da atmosfera terrestre, na hipótese de algum tipo de inversão térmica, comum no inverno curitibano. Como exposto anteriormente, o número efetivo de veículos médios ligados 24 horas por dia neste caso seria de, no máximo, 90000. Como a potência média deles é de 50 HP, então o valor da potência total máxima (Pmax) será 4.5*106 HP. Estes valores são entrados na matriz Dados 4 e submetidos ao simulador. O resultado disto está mostrado na figura 5 abaixo. Vemos, pelos valores obtidos neste gráfico, que o centro de Curitiba poderia ter sua atmosfera envenenada letalmente por CO após 56.016 minutos ou 39 dias, se persistisse a inversão térmica durante todo este tempo. Já, a depleção do oxigênio se daria após 6,9 anos. Estes dados, embora simulados por uma extrapolação, mostram que a poluição pelo CO e a correspondente depleção do oxigênio são muito preocupantes e deveriam ser levados em conta para qualquer planejamento futuro de Curitiba, quanto à sua política de tráfego de veículos e transporte de massas dentro da região urbana. Conclusões Os resultados evidenciam que o modelo adotado para simular a produção e o acúmulo de monóxido de carbono, devido aos motores de automóveis, dentro de um ambiente fechado é fisicamente significativo. Os resultados satisfazem adequadamente os dados de ocorrências de envenenamento por CO observados diariamente no mundo moderno. Sabe-se, por exemplo, que a média de tempo até a morte por acidentes ou suicídios nos EUA por CO gerados em garagens fechadas é em torno de 20 minutos. Levando-se em Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 25, FACET 03, p. 19-42, Curitiba, dez. 2001 João Jachic e Flávio Lineu Kuzma conta a potência maior dos carros americanos e ainda o tamanho maior das suas garagens, este tempo, um pouco superior ao encontrado para os nossos casos, é perfeitamente justificável e até corrobora com os nossos cálculos. Os nossos valores foram determinados com rapidez e simplicidade pelo simulador usando o MATLAB. Como conseqüência disto, pode-se inferir que a modelagem física, a metodologia de cálculo e o algoritmo de resolução numérico-computacional são suficientemente adequados e podem ser usados para avaliar outros cenários de produção de poluentes por motores de automóveis. Por fim, julgamos que a geração de CO e a depleção do oxigênio por automóveis em ambientes restritos, não podem ser ignorados por administradores de metrópoles, uma vez que a qualidade e a extensão de vida de seres vivos dependem diretamente do controle efetivo deste problema na sua atmosfera. Trabalho adicional A nossa modelagem supôs que todo o CO gerado estaria se acumulando, com a fonte geradora devido à combustão de gasolina nos automóveis. Pode-se, no entanto, equacionar processos de sumidouros desse gás dentro do volume de controle. Por outro lado, o próprio volume de controle dificilmente será fechado, como assumimos. Isto porque a dinâmica do ar depende explicitamente dos gradientes de potenciais como o térmico e o químico, com fronteiras caoticamente delineadas e em permanente turbulência. Deve-se, portanto estudar a permeabilidade dessas fronteiras para os diferentes tipos de potenciais para melhor avaliar o inventário dos gases poluentes, mormente o CO2 e o CO. Por fim, a cinética da queima de combustível como a gasolina em pistões não é do tipo linear na maioria das variáveis de controle adotado. Agradecimentos Este trabalho é parte de uma pesquisa conjunta do grupo Hunters da UTP, liderados pelo aluno Nelson H. da Silva, e dos alunos do Curso de Férias de Calculo B. O tema dessa pesquisa e o desenvolvimento do algoritmo de cálculo foram objetos de estudos e requisito para aprovação no referido curso. Agradecemos aos alunos deste curso, com destaques para Diogo P. Lacerda, Marilú B.D. Vecchia, André Mancini, Viviane Strapasson, Winston Stelmak e outros pelo trabalho de coleta de informações pertinentes ao tema da poluição e verificações do algoritmo de cálculo numérico. Agradecemos em especial ao Coordenador do Curso de Eng.Mec, Prof. Carlos Borsa, Ph.D. pelo incentivo, direção e apoio amplo e irrestrito ao projeto. Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 25, FACET 03, p. 19-42, Curitiba, dez. 2001 37 38 Poluição do monóxido de carbono em... Referências bibliográficas DETRAN-PR.(1999). Setor de Estatíticas. HANSELMAN, D.; LITTLEFIELD, B. (1995). MATLAB 5 Guia do usuário. São Paulo: Makron Books do Brasil Editora Ltda. JACHIC, J. (1998). Notas de energia nuclear. Curitiba: Convênio Técnico Científico IEN/CNEN – UFPR MARZZOCO, A.; TORRES, B. B. (1988). Bioquímica básica. Editora Guanabara. MICROSOFT. (1999). Enciclopédia eletrônica – Encarta. OTTAWEY, J. H. (1982). Bioquímica da poluição. São Paulo: EDUSP – Ed. da Universidade de São Paulo. Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 25, FACET 03, p. 19-42, Curitiba, dez. 2001 João Jachic e Flávio Lineu Kuzma Apêndice function PoluicaoCOgasDL50(DimGar,Pmax,wMoL,wMoM,eMo,fCO2,fCO,fmoO2,roAr,faReOx,DLCO) % Algoritmo e Programação: Prof. Jachic, Ph.D. - Universidade.Tuiuti do Paraná % Garagem de dimensões: Cgar, Lgar, Hgar % Simulação da cinética do acúmulo de gases de combustão dentro de uma garagem fechada % com um automóvel médio (Jeep 1962 de 6 cilindros com 91 HP) % sendo aquecido com o motor em funcionamento na rotação de 1500 rpm (wMoL) % wMoL=rotação do motor em lenta ; wMoM=Máxima rotação do motor % eMo=eficiência do ciclo de combustível do motor (eMo=30%); % Pmax=potência máxima do motor em HP (1HP=746 Watts; 1CV=745.7 W) % Potência do Jeep Willys Overland do Brasil 6 cilindros Pmax=91 CV; % Potência proporcional a velocidade angular ou rotação do motor, w Cgar=DimGar(1);Lgar=DimGar(2); Hgar=DimGar(3); Pot=745.7*Pmax*wMoL/wMoM; % Uso de gasolina simulada (Jachic, Notas de Energia Nuclear UFPR/CNEN-1998) % C2H6+C2H4+CH4 fornecem (372.3+341.1+212.8) kcal/mol 308700 cal/mol médio NmolsGas=Pot/(308700*4.185*eMo); % No de mols de gasolina mista consumida por segundo % 3 mols de gasolina mista produzem 5 mols de CO2 se a queima for total. % Más a queima é sempre incompleta, mesmo com conversores catalíticos; % fCO2% em CO2 e fCO% em CO (Ex.: Avião a jato produzem fC02=12.2%, fCO=.4%) % Motores à explosão movidos a gasolina devem produzir cerca de 30% menos do que avião % Para o meu Jeep Willys Overland do Brasil: fCO2=0.3*12.2% fCO=0.3*.4% % Se o automóvel tiver conversor catalítico os fatores f diminuem ainda mais NmolsCO2=fCO2*NmolsGas*5/(3*(fCO2+fCO)); NmolsCO=fCO*NmolsGas*5/(3*(fCO2+fCO)); % A reação de combustão ocorre com o consumo de oxigênio; Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 25, FACET 03, p. 19-42, Curitiba, dez. 2001 39 40 Poluição do monóxido de carbono em... % Para cada 5 mols de CO2 produzidos por queima total, são usados 2+3+7/2 mols de O2 NmolsO2=NmolsGas*8.5/5; % T e P internos > T e P externos. Não entra oxigênio na garagem. % A rotação do motor é proporcional à taxa de consumo de O2 e de gasolina. % O motor de Jeep deve parar se a concentração de O2 cair pela metade do valor atmosférico. % Concentração do ar nas CNTP (78.084% de N2; 20.9476% de O2; .1% de CO2; 10^-6% de CO; Vgar=Cgar*Lgar*Hgar; %Supõe-se que pouco ar entra já que a temperatura Tinterna>Texterna mAr=roAr*Vgar; % roAr=densidade do Ar; mAr=massa de Ar na Garagem MoAr=25.26; % g/mol Média ponderada do N2,O2,CO2 e CO com as concentrações na CNTP nArt0=mAr*1000/MoAr; % Número de Mols de Ar no tempo zero (início da operação) ConcN2t0=nArt0*.78084; ConcO2t0=nArt0*.209476; ConcCO2t0=nArt0*.1/100; ConcCOt0=nArt0*.000001/100; % Concentração de CO no Ar natural limpo nas CNTP ConcCOppmt0=ConcCOt0*10^6/nArt0; %Concentração de CO em partes por milhão de Ar limpo %fmoO2=fator de funcionamento do motor com vazão de oxigênio no motor %tmoO2=tempo que demora para a conc.de oxigênio caia para fmoO2 da conc.inicial de O2 %Vamos adotar um fator fmoO2 tal que a rotação do motor vai a zero no tempo tmoO2 tmoO2=2*ConcO2t0*(1-fmoO2)/NmolsO2; %Se a conc. O2 dentro da garagem cair de fmoO2: w=0 %wMo(t)=wMoL*(1-t/tfmO2); % Rotação do motor com o tempo. delt1=120; delt2=tmoO2/500; delt=max(delt1,delt2); tv=0:delt:2*tmoO2; st=size(tv); st2=st(2); for n=1:st2; t=tv(n); if t<=tmoO2 ConcO2(n)=ConcO2t0-NmolsO2*(t-t^2/(2*tmoO2)); ConcCO2(n)=ConcCO2t0+NmolsCO2*(t-t^2/(2*tmoO2)); ConcCO(n)=ConcCOt0+NmolsCO*(t-t^2/(2*tmoO2)); elseif t>tmoO2; t=tmoO2; Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 25, FACET 03, p. 19-42, Curitiba, dez. 2001 João Jachic e Flávio Lineu Kuzma ConcO2(n)=ConcO2t0-NmolsO2*(t-t^2/(2*tmoO2)); ConcCO2(n)=ConcCO2t0+NmolsCO2*(t-t^2/(2*tmoO2)); ConcCO(n)=ConcCOt0+NmolsCO*(t-t^2/(2*tmoO2)); end end for n=1:st2 nAr(n)=ConcO2(n)+ConcCO2(n)+ConcCO(n)+ConcN2t0; ConcCOppm(n)=10^6*ConcCO(n)/nAr(n); end tDLCO=tv(1)+(DLCO-ConcCOppm(1))*(tv(2)-tv(1))/(ConcCOppm(2)-ConcCOppm(1)); plot(tv, ConcCOppm, g’, tv, ConcO2/faReOx, ‘b’) grid title(‘Poluição do CO devido a um Jeep em Garagem’) xlabel(‘Tempo (s)’) ylabel(‘Concentrações relativas de CO e O2’) gtext([‘Dose Letal 50% de CO = ‘, num2str(DLCO),’ ppm’]) gtext([‘Tempo para dose letal 50% do CO = ‘,num2str(tDLCO/60),’ minutos’]) gtext([‘Tempo para conc. de O2 cair para ‘, num2str(fmoO2*100),’ % = ‘,num2str(tmoO2/3600),’ horas’]) gtext([‘Concentração inicial de Oxigênio = ‘, num2str(ConcO2t0),’ moles em Vgar’]) return Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 25, FACET 03, p. 19-42, Curitiba, dez. 2001 41