A DESCOBERTA DA INSULINA E O PÂNCREAS ENDÓCRINO Ferreira Filho, M. A.* Em 1869, Paul Langherhans, um estudante de medicina alemão, observou que o pâncreas continha duas categorias distintas de células – as células acinares, que secretam enzimas digestivas, e as células agrupadas em ilhas ou ilhotas, às quais atribuiu uma segunda função. A evidência direta dessa função veio em 1889, quando Minkowski e Von Mering demonstraram que cães pancreatectomizados exibiam todos os sintomas do diabetes severo: açúcar elevado no sangue, glicosúria e, finalmente, morte envolvendo cetose e coma em 2 ou 3 semanas. (NOBELPRIZE, 2009; BRUNTON; LAZO; PARKER, 2006). Nas duas primeiras décadas do século XX, numerosas tentativas foram feitas para extrair a substância pancreática responsável pela regulação da glicemia. Alguns pesquisadores (Scott, em 1911, e Nicolas Paulesco, entre 1916 e 1920) conseguiram produzir extratos de pâncreas que foram, muitas vezes, bem sucedidos na redução do açúcar no sangue e da glicosúria em animais de laboratório, no entanto foram incapazes de remover as impurezas e prevenir as reações tóxicas geradas por tais extratos (ROSENFELD, 2002). A grande repercussão sobre o assunto veio logo em seguida, em 1921, quando Frederick G. Banting, um jovem cirurgião canadense, juntamente com Charles Best, um estudante do quarto ano de medicina, obtiveram um extrato pancreático bovino que diminuiu a hiperglicemia e glicosúria em cães diabéticos pancreatectomizados. Nas palavras de Best, “a administração de uma única grande dose desse material muitas vezes mudou o estado semi-comatoso e apático de um cão diabético em um brilhante animal ativo”. John J. R. Macleod, médico e professor na Universidade de Toronto, Canadá, permitiu o acesso de Banting a seu laboratório e forneceu-lhe aconselhamentos sobre seus experimentos (BEST, 1962). Banting e Best suspeitavam que o princípio antidiabético do pâncreas era destruído por enzimas digestivas no tecido acinar durante a extração da glândula. Por isso, procuraram superar o problema ao ligar os ductos pancreáticos e esperar a degeneração das células acinares a fim de obter a secreção interna das células das ilhotas livres da ação destrutiva da tripsina e de outras enzimas pancreáticas. Entretanto, logo descobriram que não havia nenhuma vantagem real para tal processo trabalhoso e, pouco tempo depois, começaram a usar o álcool para auxiliar na extração do componente ativo de seu extrato pancreático (BANTING; BEST, 2010; ROSENFELD, 2002). O primeiro paciente a receber o extrato ativo preparado por Banting e Best foi Leonard Thompson, um paciente de 14 anos de idade. Thompson chegou ao Hospital Geral de Toronto com um nível glicêmico em torno de 500mg/dL, apesar de rígido controle da sua dieta (450 kcal/dia). Sua glicemia caiu, mas ele desenvolveu uma grave reação tóxica e abscessos nos locais da injeção (BRUNTON; LAZO; PARKER, 2006; BLISS, 1993). No final de 1921, Macleod convidou James B. Collip, um experiente químico canadense, a trabalhar na purificação do extrato, de forma que este pudesse ser usado em testes envolvendo seres humanos. Collip introduziu várias modificações e começou a usar coelhos normais para testar o extrato pancreático, observando que o mesmo foi eficaz na redução da glicemia. Leonard Thompson foi readmitido ao hospital e recebeu a nova preparação de Collip, agora chamada de insulina, obtendo notável diminuição da glicemia, sem efeitos tóxicos. (ROTH et al., 2012; STRAKOSCH, 2004; HELLER; KOZLOVSKI; KURTZHALS, 2007). O Prêmio Nobel de fisiologia e medicina foi atribuído rapidamente a Banting e Macleod em 1923, sob muita discussão quanto ao seu mérito. Banting dividiu a sua quota do prêmio com Charles Best e Macleod fez o mesmo com Collip (NOBELPRIZE, 2009). -----------------------------------------------------------------* Moisés Alves Ferreira Filho Universidade Federal do Piauí, Centro de Ciências da Saúde, Departamento de Biofísica e Fisiologia. Campus Universitário Ministro Petrônio Portella Ininga 64049-550 - Teresina, PI - Brasil [email protected] REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BANTING, F. G.; BEST, C. H. The Discovery and Preparation of Insulin (History of Medicine). Univ Toronto Med J, v. 87, n. 3, p. 187-189, 2010. BEST, C. H. The Internal Secretion of the Pancreas. Canad Med Ass J, v. 87, p. 1046-1051, 1962. BLISS, M. Rewriting Medical History: Charles Best and the Banting and Best myth. J Hist Med Allied Sci, v. 48, p. 253-274, 1993. DAVIS, S. N. Insulina, Agentes Hipoglicemiantes Orais e a Farmacologia do Pâncreas Endócrino. In: BRUNTON, L. L.; LAZO, J. S.; PARKER, K. L. Goodman & Gilman: as bases farmacológicas da terapêutica. 11. ed. Rio de Janeiro: McGraw-Hill Interamericana, 2006. cap. 60. p. 1459-1488. HELLER, S.; KOZLOVSKI, P.; KURTZHALS, P. Insulin’s 85th anniversary - an enduring medical miracle. Diabetes Res Clin Pract, v. 78, p. 149-158, 2007. NOBELPRIZE. The Discovery of Insulin. Feb 2009. Nobelprize.org. - The Official Web Site of The Nobel Prize. Disponível em: <http://www.nobelprize.org/educational/medicine/ insulin/discovery-insulin.html>. Acesso em: 07 ago. 2012. ROSENFELD, L. Insulin: discovery and controversy (History). Clinical Chemistry, v. 48, n. 12, p. 2270-2288, 2002. ROTH, J.; QURESHI, S.; WHITFORD, I.; VRANIC, M.; KAHN, C. R.; FANTUS, I. G.; DIRKS, J. H. Insulin’s Discovery: new insights on its ninetieth birthday. Diabetes Metab Res Rev, v.28, p. 293-304, 2012. STRAKOSCH, C. The discovery of insulin. In: University Endocrine Department. Greenslopes Private Hospital: Brisbane, 2004. Disponível em: < http://www.historicgreenslopes. com/documents/Booklet_The%20Discovery%20of%20Insulin%2006.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2012.