PARTE I Neurociência Celular Capítulo 3 As Unidades do Sistema Nervoso Forma e Função de Neurônios e Gliócitos Clique nas setas verdes para avançar/voltar ou ESC para retornar ao menu geral O histologista espanhol Santiago Ramón y Cajal foi um dos primeiros a identificar os diferentes tipos de neurônios, utilizando o método desenvolvido por seu contemporâneo Camilo Golgi (1844-1926), e desenhando ele mesmo as células ao microscópio. O desenho em A representa as células nervosas do córtex cerebral de um gato. As células A, B, C, F e G são piramidais de diferentes tamanhos, enquanto E, L e M são estreladas. Os axônios estão assinalados por diminutas letras a, e algumas das camadas corticais estão indicadas pelos números à esquerda. A fotografia em B mostra um neurônio piramidal de rato, corado pelo método de Golgi. Cajal observou e desenhou também os gliócitos. Neste caso, estão representados os astrócitos (C) e os oligodendrócitos (D) do cerebelo. As células B são neurônios (conhecidos como células de Purkinje), com um axônio marcado pela letra a. Outros elementos estão assinalados por letras diferentes. Através dos desenhos de Cajal podemos comparar os cones da retina de um peixe (A), assinalados pela letra a e coloridos em vermelho, com os motoneurônios da medula espinhal de um pinto (B), indicados pelas letras a, também em vermelho. Outros elementos estão assinalados por letras diferentes e representados em preto. No desenho, o dendrito do cone aponta para cima, enquanto o axônio aponta para baixo. Os dendritos dos motoneurônios emergem em todas as direções, e o axônio está assinalado pela letra h. Ao microscópio eletrônico (A), apenas parte do neurônio pode ser vista, porque a ampliação é muito grande e o corte que precisa ser feito é muito fino. A foto mostra um neurônio da retina de um macaco, vendo-se o seu grande núcleo (Nu) e um dendrito (De) emergindo do soma. A membrana plasmática (mp) envolve toda a célula, e sua estrutura trilaminar está representada esquematicamente em B, contendo uma proteína complexa (neste caso, um canal iônico) que flutua no seu interior. Os elementos do citoesqueleto podem ser identificados ao microscópio eletrônico dentro de um axônio cortado transversalmente (A). A sua organização molecular foi decifrada por técnicas bioquímicas (BD). Os microtúbulos são formados por 13 protofilamentos de tubulina formando um cilindro (B). Os neurofilamentos são constituídos por muitas unidades fibrilares mais finas, trançadas entre si (C), e os microfilamentos compõem-se de duas sequências helicoidais de moléculas globulares de actina (D). • A teoria celular de Cajal (II, à direita) contrapunha-se à teoria reticular de Golgi (I, à esquerda). Para Golgi os neurônios eram contínuos, para Cajal eram contíguos. Venceu Cajal, apoiado por evidências de todo tipo, principalmente pelas imagens obtidas ao microscópio eletrônico nos anos 1950. O desenho, feito pelo próprio Cajal, representa a medula espinhal e seus elementos constituintes. Principais abreviaturas: A = eferentes motores; B = aferentes sensoriais. A membrana nuclear é contínua com o sistema de cisternas do neurônio (setas vermelhas em A). As cisternas participam ativamente da síntese de proteínas. Os RNAs mensageiros (mRNA) são sintetizados no núcleo a partir do DNA (B), e exportados ao citoplasma, onde se associam aos ribossomos para formar os polissomos (C). É nestas estruturas que ocorre a síntese das proteínas citoplasmáticas, mitocondriais e vesiculares. A chamada substância de Nissl recebeu esse nome em homenagem ao psiquiatra alemão Franz Nissl (18591919), o primeiro a revelá-la utilizando anilinas. O método de Nissl foi aplicado pelos primeiros histologistas e ainda é rotineiramente utilizado. A célula em A é um neurônio do córtex do coelho, desenhado por Cajal. Os corpúsculos de Nissl estão mostrados no citoplasma. A foto em B mostra um neurônio corado pelo método de Nissl e fotografado ao microscópio óptico. As espinhas dendríticas são diminutas protrusões que emergem dos troncos dendríticos principais (A). A foto A representa uma célula preenchida com um corante fluorescente, vista ao microscópio óptico em baixo aumento. B ilustra uma região ampliada da árvore dendrítica, onde as setas assinalam algumas espinhas. A foto C mostra uma outra célula em grande ampliação, cuja membrana é corada por uma substância fluorescente, e observada ao microscópio confocalG. As espinhas dendríticas são apontadas pelas setas. A foto D mostra um corte ultrafino visto ao microscópio eletrônicoG, ilustrando uma sinapse (seta) de um terminal axônico (Ax) com uma espinha (E). Os microtúbulos são componentes do citoesqueleto do neurônio, que desempenham papel importante no transporte de organelas e substâncias ao longo do axônio, nos dois sentidos: do soma ao terminal (transporte anterógrado), e vice-versa (transporte retrógrado). Na ponta do terminal axônico ocorre a liberação de neuromediadores, por meio de um mecanismo que envolve a reciclagem da membrana. Os componentes necessários para essa reciclagem chegam ao terminal por meio do fluxo anterógrado. O detalhe à esquerda mostra vesículas sendo transportadas ao longo dos microtúbulos pela ação de uma proteína motora associada a eles, a cinesina. Os canais iônicos são proteínas, geralmente formadas por subunidades. Estas, por sua vez, podem ser formadas por motivos moleculares, isto é, sequências proteicas repetitivas. A representa três subunidades do canal de Na+ dependente de voltagem, formadas por motivos repetitivos (em azul e violeta), unidos por sequências da mesma proteína que formam domínios intra e extracelulares. B e C representam a estrutura molecular tridimensional completa do canal de K+, sendo cada subunidade representada por uma cor diferente. B é uma vista lateral, C é uma vista superior, com o íon K+ representado dentro do canal. D é a representação estilizada de um canal, como empregamos neste livro. Os dois compartimentos separados pela membrana plasmática (A) contêm íons hidratados (envoltos por uma nuvem de moléculas de água). Nessa condição (B), os íons interagem com a parte externa da membrana (região hidrofílica), mas não conseguem ultrapassar a parte interna (região hidrofóbica). Os canais iônicos fornecem uma via de passagem seletiva para os íons. Alguns canais como o de Na+ (C) possuem um “filtro molecular seletivo” no seu interior, na verdade um sítio de ligação para o Na+ que permite a sua passagem para o outro lado da membrana. O meio extracelular tem maior concentração de Na+ e Cl–, enquanto o meio intracelular tem maior concentração de K+ e ânions inorgânicos (A–). B. Quando os canais de um íon se abrem, por exemplo os de K+, estes íons deslocam-se movidos pelo seu gradiente químico, e as suas concentrações externa e interna tendem a se igualar. Isso não ocorre, entretanto, porque eles se aglomeram na borda externa da membrana formando uma fina camada positiva (C), o que cria um gradiente elétrico que tende a frear a saída de K+, estabilizando a situação. A. O potencial de repouso existe porque o fluxo de K+ para fora do neurônio é grande, o de Na+ e Cl− para dentro é pequeno, e os ânions orgânicos (A−) permanecem “estacionários”. A esfera maior violeta-clara representa a bomba de Na+/K+. B. Quando um microeletródio está fora do neurônio, ele registra a diferença de potencial entre dois pontos isoelétricos, isto é, zero. C. Quando o eletródio é inserido através da membrana, capta a negatividade da face interna em relação à face externa, registrando uma diferença de potencial negativa. O gráfico mostra o registro de potencial zero antes do eletródio atravessar a membrana (B), o momento do transpasse (seta), e o registro de potencial negativo depois, quando o eletródio já está no interior do neurônio (C). O potencial de ação (PA) pode ser registrado por um microeletródio intracelular, do mesmo modo que o potencial de repouso. Inicialmente (A), aparece apenas o potencial de repouso, como mostra o segmento vermelho no traçado do PA. Quando se abrem os canais de Na+ (azuis), estes cátions difundem-se para o interior do neurônio (seta azul em B), despolarizando a membrana (observe o gráfico correspondente). A seguir (C), abrem-se os canais de K+ (roxos), e estes íons difundem-se para fora do neurônio (seta roxa em C), repolarizando a membrana até mais do que o “necessário”. Para restabelecer o potencial de repouso (D), entra em ação a bomba de Na+/K+ (esfera vermelha), que restaura as concentrações iônicas iniciais. O registro completo do potencial de ação, tal como captado por um microeletródio intracelular, tem a forma mostrada pelos traçados em preto nos gráficos. Qualquer célula, em princípio, pode ser estudada pela técnica de fixação focal de voltagem. Usando uma micropipeta cheia com um fluido condutor, a célula é aderida à ponta de vidro (seta vermelha), e a voltagem na pequena área da membrana plasmática em contato com a micropipeta é mantida constante por uma aparelhagem eletrônica. As correntes iônicas que passam pelos canais, então, podem ser medidas. É possível reconstruir um neurônio completo a partir de cortes histológicos, usando um microscópio computadorizado. Neste exemplo obtido no rato, tratase de um neurônio que projeta seu axônio para o hemisfério oposto através do corpo calosoA. Os cortes histológicos estão representados em cinza, o corpo celular e os dendritos, em vermelho, e o axônio, seus ramos colaterais e arborizações terminais estão representados em azul. A mostra uma vista coronal do axônio, indicada pelo pequeno encéfalo de cima. B mostra uma vista horizontal do mesmo axônio, como indica o pequeno encéfalo de baixo. A propagação do potencial de ação é mais lenta nos axônios amielínicos (em A) do que nos axônios mielínicos (em B). Como se pode ver nas sequências de 1 a 3 em A e B, em cada região onde ocorre um PA (1) as correntes de Na+ através da membrana (setas cinzas) geram correntes locais dentro do axônio (setas pretas) que despolarizam a região vizinha até o limiar, provocando nela também um PA (2 e 3). Atrás da região ativa segue sempre a região de repolarização, onde atuam as correntes transmembranares de K+ (setas violetas em 2 e 3). Nos axônios mielínicos (B) os pontos “vizinhos” são os nodos de Ranvier, que estão separados por uma bainha isolante composta de mielina. Como só os nodos são excitados, tudo se passa como se os Pas “saltassem” de um nodo a outro, resultando em maior velocidade de propagação do impulso. A. Espirais de membrana das células de Schwann em torno do axônio formam a bainha de mielina, identificada em dois axônios cortados transversalmente e visualizados ao microscópio eletrônico de transmissão. Vê-se também o núcleo e o citoplasma de uma célula de Schwann. B. Um corte longitudinal permite identificar o nodo de Ranvier entre as bainhas de duas células de Schwann. C. A utilização de marcadores fluorescentes específicos permite reconhecer uma alta densidade de canais de Na+ no nodo de Ranvier (em branco, no centro da foto). Os astrócitos têm múltiplas funções. Recobrem os vasos sanguíneos, participando da barreira hematoencefálica; envolvem as sinapses com pedículos que participam da reposição de íons e moléculas envolvidos na transmissão sináptica; ancoram-se na camada ependimária dos ventrículos e na pia-máter, participando da troca de moléculas entre o líquido cefalorraquidiano e o tecido nervoso. Outras funções dos astrócitos não estão ilustradas, como a sua capacidade de reação a traumatismos e o seu papel durante o desenvolvimento. Cultura de células de glia radial derivadas de córtex cerebral de camundongos. O tratamento dessas células com o fator de crescimento TGF-β1 (A) ou o contato com neurônios induz sua diferenciação em astrócitos (B). Os gliócitos podem ser identificados pela presença de moléculas específicas que cada tipo expressa, mesmo quando perdem um pouco a forma que apresentam no tecido, ao serem cultivados em laboratório. A foto em A mostra astrócitos cultivados do cérebro de camundongos, com a proteína ácida fibrilar glial (GFAP) marcada em vermelho. Em B um oligodendrócito cultivado em laboratório, com a proteína O4 marcada em verde. O corpo celular está no centro, e à sua volta as membranas que normalmente circundam os axônios para formar a bainha de mielina. A foto em C apresenta microgliócitos de camundongo, também cultivados, com a molécula IB4 marcada em verde. Os núcleos em A e C aparecem em azul. A mostra uma possível sinapse entre um astrócito liberador de glutamato e um neurônio, também no hipocampo. As setas apontam vesículas que presumivelmente contêm o neurotransmissor. B mostra uma possível sinapse (setas) entre um axônio do hipocampo e uma célula glial NG2, marcada com uma reação escura que a identifica. Ao contrário do que se supunha há pouco tempo, os astrócitos participam do processamento da informação transmitida pelas sinapses. A mostra um circuito de retroação inibitória intermediado por um astrócito. A transmissão sináptica de um interneurônio inibitório (verde) para um neurônio piramidal (azul) é reforçada por um astrócito (bege) que libera glutamato (em vermelho) nas proximidades do corpo celular do interneurônio. Desta forma, a inibição do neurônio piramidal fica mais forte. No exemplo em B, os dois neurônios piramidais não estão conectados sinapticamente, mas são interligados por um astrócito, que os ativa sincronicamente liberando glutamato (representado em vermelho). Em C, a ativação da sinapse mostrada em vermelho provoca a síntese de ATP pelo astrócito interposto, que provoca inibição pré-sináptica na fibra vizinha, mostrada em azul.