Francisco José Marques Filho
Reavivar a fé e reacender a caridade
Atualização do carisma palotino em tempo de
Mobilidade Religiosa
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
DEPARTAMENTO DE TEOLOGIA
Programa de Pós-graduação em Teologia
Rio de Janeiro
Dezembro de 2008
Francisco José Marques Filho
Reavivar a fé e reacender a caridade
Atualização do carisma palotino em tempo de
Mobilidade Religiosa
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação
em Teologia do Centro de Teologia e Ciências Humanas
da PUC-Rio como requesito parcial para obtenção do título
de mestre em Teologia.
Orientador: Prof°. Dr°. Paulo Fernando Carneiro de Andrade
Rio de Janeiro,
Dezembro de 2008
Francisco José Marques Filho
Francisco José Marques Filho
Reavivar a fé e reacender a caridade
Atualização do carisma palotino em tempo de
Mobilidade Religiosa
Dissertação apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pósgraduação em Teologia do Centro de Teologia e Ciências
Humanas da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão
Examinadora abaixo assinada.
Prof°. Dr°. Paulo Fernando Carneiro de Andrade
Orientador
Departamento de Teologia – PUC-Rio
Prof.a Jenura Clothilde Boff
Departamento de Teologia – PUC-Rio
Pe. Gilson José Macedo da Silveira
Vicariato Suburbano
Prof. Paulo Fernando Carneiro de Andrade
Coordenador Setorial de Pós-Graduação e Pesquisa do Centro
de Teologia e Ciências Humanas –PUC-Rio
Rio de Janeiro, 22 de dezembro de 2008
Todos os direitos reservados. É proibida a
reprodução total ou parcial do trabalho em
autorização da universidade, do autor e do
orientador.
Francisco José Marques Filho
Concluiu o Bacharelado em Teologia pela
Faculdade do Mosteiro de São Bento do Rio de
Janeiro em 2003. É coordenador do curso de pósgraduação em História da Igreja da Faculdade do
Mosteiro de São Bento e professor de Teologia,
desde 2008.
Ficha Catalográfica
Marques Filho, Francisco José
Reavivar a fé e reacender a caridade : atualização
do carisma palotino em tempo de mobilidade religiosa
/ Francisco José Marques Filho ; orientador: Paulo
Fernando Carneiro Andrade. – 2008.
158 f. ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Teologia)–Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2008.
Inclui bibliografia
1. Teologia – Teses. 2. Mobilidade
Emigração religiosa. 4. Vicente Pallotti.
palotino. 6. Apostolado católico. 7.
cooperação. I. Andrade, Paulo Fernando
Pontifícia Universidade Católica do Rio
Departamento de Teologia. III. Título.
religiosa. 3.
5. Carisma
Cultura da
Carneiro. II.
de Janeiro.
CDD 200
Com todo carinho a minha comunidade religiosa palotina e aos meus pais Francisco e
Zulmira pelo apoio e confiança
Agradecimentos
A Deus, fonte de todo o apostolado.
Aos meus pais que sempre me apoiaram e sem este apoio não seria possível
concluir este trabalho.
Ao meu orientador, Profo. Paulo Fernando Carneiro de Andrade. Sua atenção
e percepção foram imprescindíveis para a realização deste trabalho.
Meus sinceros agradecimentos a todo o corpo docente do Departamento de
Teologia da PUC-Rio. Ao amigos da Universidade que sempre incentivaram o
desenvolvimento da pesquisa.
À PUC-Rio e a CAPES, pelos auxílios concedidos, sem os quais este trabalho
não poderia ter sido realizado.
A todos os amigos e amigas que incentivaram, lutaram comigo para o término
deste trabalho. Obrigado por tudo.
De modo especial à comunidade São Roque de Vila Valqueire com quem
convivi os dois primeiros anos de estudo. Agradeço por terem rezado e investido na
minha formação.
À casa de formação onde atualmente trabalho, agradeço pela paciência e
incentivo do desenvolvimento desta pesquisa.
Àqueles e àquelas que durante toda a pesquisa foram apoio para não
desanimar, mas me estimularam a continuar o ardor trabalho dissertativo.
Resumo
Marques Filho, Francisco José. Reavivar a fé e reacender a caridade:
atualização do carisma palotino em tempos de mobilidade religiosa. Rio de
Janeiro, 2008, 158p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Teologia,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Este trabalho é uma proposta de reflexão acerca da mobilidade religiosa e da
necessária abertura para um engajamento efetivo dos leigos, em especial destacando a
contribuição do carisma palotino. Sem pretender exaurir o tema, buscou-se,
inicialmente, analisar as pesquisas CERIS/2004 e CENSO/1991 e 2000 acerca das
mudanças religiosas da população brasileira. Posteriormente, apresentando uma breve
biografia de Vicente Pallotti, procurou demonstrar sua contribuição, avançada para o
seu tempo, no campo da Cultura da Cooperação, que objetiva uma maior participação
da comunidade na vida da Igreja. Este religioso, com suas intuições, procurou a
inclusão do laicato na vida eclesial, reavivando a fé e reacendendo a caridade. Por
fim, desenvolvendo a questão da Cooperação, este trabalho buscou mostrar que os
atuais documentos elaborados pelo Magistério da Igreja procuram uma maior
integração ad extra, deixando o envolvimento dos leigos ad intra, velado. Com esta
posição, a hierarquia tutela os leigos, deixando-os passivos perante as decisões da
própria Igreja. Isto gera uma não-identificação com a Igreja, de maneira efetiva, não
se sentindo, o leigo, sujeito ativo da mesma, contribuindo, assim, para a sua
emigração silenciosa. Este tema é um campo aberto a discussões acirradas, em
especial dentro da própria Igreja. Outrossim, é certo que ainda urge por debates e
pesquisas, propondo-se este estudo a trazer à lume alguns pontos nodais, uma breve
apresentação do carisma palotino, estimulando o engajamento de toda a comunidade
eclesial no reavivar da fé católica participativa.
Palavras-chave
Mobilidade religiosa, emigração religiosa, Vicente Pallotti, carisma
palotino, apostolado católico, Cultura da Cooperação.
Abstract
Marques Filho, Francisco José. Revive the faith and rekindle the love:
update of charisma Palotine in times of religious mobility. 2008, 158p. MSc
Dissertation – Departamento de Teologia, Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro.
This work is a proposal of reflection concerning a crime still without
penalty: the mobbing in job environments. Initially, it was proposed an analysis of its
social context and employment relationship. It was looked to carry through a
boarding of its consequences and gravity when done under hierarchy relations and
subordination, that by itself already weaks the person. The necessity of healthful job
environment already comes being argued has times. However, the concern with the
mental health of the workers is sufficiently recent. In order to keep the coherence of
the research, it was analyzed the legal goods directly affected by the behavior, as well
as a possible criminal boarding in order not to oppose the modern trend of the
minimum state intervention (mainly criminal) in the human being relationships. Thus,
through the exposition of concrete cases and projects of law already in elaboration, it
was faced the question of the vulgarization of the behavior, duly warned to reach the
current vulgarization of the pain and suffering. In this direction, it was questioned in
what level of moral attack it could be considered crime. It is certain that the subject
still needs very debate and research, but also it is a picture of an unhappy reality of
many citizens. Despite personal opinions and politics, that would be limited to try to
explain the sprouting or aggravation of the siege, it was intended to demonstrate the
gravity of the subject, that urges for regulations short-term and consistent changes
long-term, based on effective laws and operating public agencies.
Keywords
Religious mobility, religious emigration, Vincent Pallotti, Charisma
Palotino, Catholic apostolate, culture of cooperation.
Sumário
1. Introdução
12
2. Apresentação das Pesquisas sobre Mobilidade Religiosa
18
2.1. Estudo Comparativo das Pesquisas
20
2.2. A Circularidade dos Fiéis
23
2.3.Uma Análise do Crescimento dos Sem-religião (as motivações)
25
2.3.1. A Desinstitucionalização Religiosa
27
2.4.Uma Análise do Crescimento dos Evangélicos Pentecostais
30
2.4.1. A Mobilidade Subjetiva
32
2.5. A Complexidade do Campo Religioso Católico
38
2.5.1. O Fenômeno da Pentecostalização Católica
41
2.5.2.O Hiato entre a Fé e o Compromisso Comunitário-Social
43
2.6. As Malhas do Catolicismo
46
2.6.1. Catolicismo Santorial
47
2.6.2. Catolicismo Oficial
49
2.6.3. Catolicismo de Reafiliados
51
2.6.4. Catolicismo Midiático
54
3. A Visão eclesial de Vicente Pallotti e seu Contexto Histórico
58
3.1. Vicente Luiz Francisco Pallotti: seu tempo, sua vida e sua
vocação
59
3.1.1. A Igreja e a Sociedade Moderna
64
3.1.2. A reação da Igreja foi firmar-se na autoridade
67
3.2. Vicente Pallotti, homem emergente em uma nova eclesiologia
71
3.2.1.Pallotti: fruto dessa herança cultural-religiosa
72
3.2.2. Apostolado Universal, ‘a grande novidade’
75
3.2.3. Apostolado Católico, um conceito conflitivo
78
3.3. O Leigo, o grande excluído
81
3.3.1. A eclesiologia do apostolado universal
84
3.3.2. Igreja missionária porque povo sacerdotal
86
3.4. A União do Apostolado Católico
88
3.4.1. A inspiração histórica
89
3.4.2. Fundação, natureza e finalidade
91
3.4.3. União do Apostolado Católico conceito analógico
94
4. As Contribuições da União do Apostolado Católico à Igreja em
Tempos de Mobilidade Religiosa
99
4.1.Por uma Cultura de Cooperação na Visão de Vicente Pallotti
99
4.1.1. Pontos Fundamentais da Doutrina da Cultura de Cooperação
104
4.1.2.Três Pessoas: uma Cooperação
107
4.1.3. Exemplo do Sacro Ternário
111
4.2. A União do Apostolado Católico Precursora de uma Cultura da
Cooperação
116
4.2.1.O Ministério Batismal dos Leigos
118
4.2.2. O Apostolado e Ministérios dos Leigos
120
4.3. Mobilidade Religiosa Católica: Emigração Silenciosa de Fiéis
124
4.3.1. Acolher e ensinar a cooperar em um ambiente urbano
127
4.3.2. Engajar e Edificar
130
4.3.3. Do Encontro a Cooperação
133
4.3.4. A cooperação do leigo no meio urbano
135
4.3.5. Instâncias de participação dos fiéis na vida da Igreja
138
4.3.6. O Ideal de uma Cultura de Cooperação para a Ação
Missionária da Igreja em Tempos de Mobilidade Religiosa
140
5. Conclusão
143
6. Referência bibliográficas
147
6.1. Obras de Vicente Pallotti
147
6.2. Obras sobre Vicente Pallotti
147
6.3. Demais obras
149
6.4. Demais referências
157
O novo século exige que nós estejamos
comprometidos, mais do que nunca, com a
valorização e o desenvolvimento das
iniciativas e meios que farão de nossas
casas laboratórios da cooperação.
Stanislaw Stawicki, Prefácio do seu livro:
Cooperação, paixão de uma vida. Kigali, 04
de março de 2007.
1.
Introdução
O presente estudo procura trazer à discussão teológica o tema da mobilidade
religiosa, suas conseqüências – como a evasão de crentes católicos – e a contribuição
do carisma palotino com uma proposta de modificação de tal realidade.
Para falar sobre a mobilidade religiosa, é necessário, inicialmente, apresentar os
dados do Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (CERIS), atendendo
aos anseios da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que encomendou
à CERIS uma pesquisa sobre o “trânsito religioso” no Brasil em 2003, de cujo
resultado foi apresentado em 2004. Estimulados por outra pesquisa, do CENSO 2000
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que revelou uma grande
mudança no mapa religioso do Brasil com o declínio do número de católicos, os
senhores bispos encomendaram a pesquisa à CERIS para apurar as motivações e a
lógica subjacente ao fenômeno da migração dos seus fiéis. Com isso, a pesquisa do
CERIS/2004, coletou dados de 23 capitais brasileiras e de 27 municípios de
diferentes dimensões.
A pesquisa do CENSO 2000 revelou uma grande mudança no mapa religioso
brasileiro: muitos brasileiros haviam mudado de religião e as comunidades neopentecostais, sobretudo, mostravam um forte crescimento. Ademais, o número dos
que se declararam sem religião teve um substancial crescimento (comparando com a
pesquisa do CENSO/1991).
Constatou-se, assim, que a Igreja Católica, em 10 anos, havia perdido quase
10% de seus fiéis, sendo certo que o catolicismo não só perdeu adeptos: em
proporção menor, também os recebeu.
Mas, o que leva as pessoas a mudarem de religião? Quais são as motivações
mais freqüentes?
A mobilidade religiosa é um fato concreto que a pesquisa CERIS/2004
comprovou, o qual merece uma profunda análise teológica e pastoral. Dentre os
dados apresentados, é possível verificar que o Brasil vive um pluralismo religioso e
um processo acelerado de desfiliação católica. A referida pesquisa aponta para o fato
de aproximadamente 23,5% da população brasileira ter migrado para outra religião
pelo menos alguma vez na sua vida. Isso significa que cerca de um entre cada quatro
brasileiros declaram já ter mudado de religião ao menos uma vez, quando não mais de
uma vez. Com a observação desses dados, compreende-se um processo crescente de
desinstituciolização religiosa.
A iniciativa da CNBB, em realizar esta pesquisa por meio do CERIS, permitiu a
produção de dados inéditos sobre o fenômeno da mobilidade, que recorrentemente
tem inspirado estudos, estimulando o desenvolvimento e aprofundamento da presente
pesquisa. Com o fito de apresentar as motivações, objetiva ainda oferecer, para a
Igreja Católica, uma contribuição do carisma palotino para esta realidade.
Aprofundando o tema sobre a mobilidade religiosa no Brasil, emerge, da
pesquisa, um outro dado: a fluidez da adesão ou de uma menor radicalização no
momento da vinculação institucional. Há uma certa tendência ao desaparecimento do
fenômeno de conversão com destaque para a subjetividade como o principal elemento
motivador da atitude de trânsito dos fiéis. As conversões são, hoje, um fenômeno de
massa. Milhões de pessoas em todo o mundo “mudam de religião” sem maiores
rupturas aparentes em sua identidade biográfica. O pluralismo e o relativismo
reinantes favorecem estas migrações, sendo certo que existem conversões que nascem
de um longo e complexo trabalho de câmbio e reconstrução no nível das atitudes,
afetando toda a personalidade, reorientando os valores e sentidos de vida da pessoa e
alterando sua inserção na sociedade.
A circulação de pessoas não apenas entre os pentecostalismos ou diferentes
Igrejas pentecostais, mas entre Igrejas históricas e minoritárias, é confirmada nessa
pesquisa e promove não necessariamente um desaparecimento da noção de
conversão, mas um remodelamento desta.
Juan Martin Velasco, afirma: “Um fato social incontestável proveniente de
tudo que foi afirmado acima é a metamorfose do sagrado”. E argumenta: “a tradição
cristã ocidental está fadada a esta metamorfose onde se constata: a queda da prática
regular das religiões tradicionais, a adoção de práticas oriundas de outras tradições
espirituais, o surgimento e o avanço de novos movimentos religiosos e, ao mesmo
tempo, da indiferença religiosa.” 1
Nessa fluidez de adesão, o fator religioso passa ao segundo plano, deixando o
antropocentrismo em primeiro. A religião deixa de ser normativa, reduzindo-a a um
fato privado ou mesmo meramente íntimo e subjetivo.
A grande mudança observada nas duas últimas décadas é fruto da conquista da
“autonomia do indivíduo”, na qual este, modernamente, considera a sua identidade
como questão ímpar de construção do próprio sentido.
É esse individualismo uma chave importante para entender o comportamento
religioso de hoje. O que parece acontecer é que, de um lado, as instituições religiosas
perdem força como instituições, e, de outro, elas são mais ou menos aceitas conforme
elas respondam e satisfaçam as necessidades e desejos imediatos das pessoas. Isso
tem transformado muitas formas religiosas em “mercado da fé”, adotando os recursos
da propaganda e do “marketing”. Desta maneira, a religião desempenha outro papel
social, já não mais de referência do absoluto, mas de satisfação de expectativas dos
indivíduos. E aqui, novamente destaca-se o antropocentrismo no campo religioso,
sobre as perspectivas comunitárias e sociais.
Devido à variedade de dados que a pesquisa sobre a mobilidade religiosa
apresenta, em um primeiro capítulo, serão contemplados os dados que ela expõe: o
crescimento da desinstitucionalização e do pentecostalização no Brasil. Com isto,
será possível verificar o trânsito religioso sem nenhum drama de consciência, pois a
autonomia do indivíduo neste século XXI favorece a sua circularidade, em busca de
algo que não “encontrou” na sua religião anterior. Para tanto, serão apresentadas a
pesquisa, propriamente dita, com as suas implicações, passando-se à análise das
motivações dos classificados sem religião.
Nesse contexto, a Igreja, como instituição, passa por um processo de
esvaziamento, e muitos de seus ex-fiéis adotam a opção “crer sem pertencer à
instituição religiosa”. Poderíamos pensar que os sem religião seriam pessoas
arreligiosas, mas não é bem assim, como será abordado. Ademais, será possível
1
Cf. VELASCO, Juan Martín, “Metamorfosis de lo sagrado e fututo do cristianismo”. Cuadernos aqui
y ahora 37. Santander: Sal Terrae, 1999, p. 10.
constatar
que
observa-se
no
processo
no
Brasil
um
fenômeno
de
desinstitucionalização nos indivíduos, que não é necessariamente contínuo ou
progressivo, tampouco definitivo.
Tendo estudado as motivações dos sem religião, será focalizado um outro dado
da pesquisa: o crescimento dos evangélicos pentecostais. Eles representam uma
massa populacional de 17% no Brasil, sendo certo que um dos grandes fatores desse
crescimento está no fato da massificação dos meios de comunicação, amplamente
utilizados por este modelo religioso.
A proposta pentecostal está em consonância com os ideais do homem do século
XXI, em especial com a sua autonomia. Para o indivíduo desse século, o
pentecostalismo possui maior poder de atração em função da simplicidade de suas
propostas religiosas. Não há elaborações teológicas e não há rituais metódicos. Eles
são relativamente novos na sociedade brasileira (chegam ao Brasil na primeira década
do último século recém findado) e produziram uma religião mais leve ou minimalista,
conjugando de forma orquestral fé, emoção, acolhimento e espaço coletivo atraente.
Além disso, adaptam-se rapidamente às demandas dos fiéis.
Posteriormente, ainda no primeiro capítulo, vamos nos deparar com a realidade
da complexidade do campo religioso católico, que convive com uma grande
diversidade, pois a pluralidade católica é um traço constitutivo na sua configuração
brasileira. Não existe uma homogeneidade católica, havendo “malhas” no catolicismo
e uma crescente pentecostalização católica.
O segundo momento do trabalho, destinar-se-á a um estudo sobre a vida e a
obra de Vicente Pallotti, um sacerdote romano que, no seu tempo, conviveu com as
conseqüências da Revolução Francesa, buscando responder às necessidade da Igreja
de seu tempo.
O sacerdote, de forma avançada para a sua época, a União do Apostolado
Católico, que buscava reunir a todos (bispos, padres, religiosos, religiosas, leigos)
para o apostolado, formando uma Cultura de Cooperação. Nesta, todos operariam
juntos na edificação do Reino de Deus.
O pensamento de comunhão de Pallotti não foi bem compreendido no seu
tempo, destacando-se que a eclesiologia pré-concíliar não admitia a participação ativa
do laicato no apostolado, função da hierarquia. Perrone, teólogo do século XIX,
confirma essa idéia: para ele a Igreja é a Mestra e os fiéis recebem dela o
ensinamento no qual deve ser submetidos. Logo não há nenhuma participação ativa
dos leigos nas decisões “ad extra” e nem “ad intra”.
A União do Apostolado Católico foi vista como um ato revolucionário pela
autoridade eclesiástica que temia um levante dos leigos contra os clérigos. Por causa
de uma visão centralizadora de Igreja e do apostolado, Vicente Pallotti e a sua
fundação sofreram sanções. Mas a utopia cristã de Pallotti era de uma Igreja aberta ao
Espírito e movida à cooperação dentre todos.
Pallotti foi o um grande operário na vinha do Senhor para que o apostolado
fosse assumido por todos os que crêem em Cristo. Mas o seu ideal e o seu empenho
em favor do apostolado de todos os cristãos somente após mais de cem anos tornouse valor para a toda a Igreja. É verdade que, já antes do Vaticano II, os fiéis leigos
foram convidados a trabalhar na Igreja e no mundo. Através da Ação Católica, as
autoridades eclesiásticas lançaram e promoveram a idéia de que os fiéis leigos podem
participar no apostolado da hierarquia. Mas o engajamento apostólico dos leigos foi
intensificado pela falta de ministros consagrados. Os leigos foram vistos como a
prolongação da mão dos sacerdotes e bispos.
Pallotti dizia que todos podem e até devem participar no ministério de Jesus
Cristo. A participação apostólica dos fiéis leigos não está ligada aos presbíteros e
bispos. Os fiéis leigos são chamados ao apostolado, porque são filhos de Deus e
irmãos de Jesus Cristo.
Enfim, depois de conhecer a vida e obra de Vicente Pallotti e principalmente a
sua Fundação, caberá finalizar com a contribuição desta fundação à Igreja nesse
tempo de mobilidade religiosa, o que será feito no Capítulo 3. Pretende-se, assim,
demonstrar que os leigos, em especial depois do Concílio Vaticano II, tornaram-se
participantes da ação evangelizadora da Igreja. Em suma, podem realizar o
apostolado em colaboração com a hierarquia. Desta feita, afirma-se que a obra de
Pallotti chegou ao seu cume, pois se desenvolveu em documentos posteriores, o
protagonismo do leigo.
Na Conferência do Episcopado Latino Americano e Caribenho de Santo
Domingo se repete cinco vezes que os fiéis devem ser protagonistas na nova
evangelização no continente.
Esse protagonismo deverá ser exercido nos vários ministérios incentivados aos
fiéis pela Igreja. No documento, encontramos uma página especial (n.101) dedicada a
estes ministérios conferidos aos fiéis leigos.
Ainda no terceiro capítulo, será desenvolvida a contribuição do carisma
palotino para a realidade que a pesquisa do CERIS/2004 apresentou sobre a migração
dos fiéis para outras denominações religiosas ou a desinstitucionalização religiosa, os
quais aconteceram pelo fato de esses fiéis não serem considerados verdadeiros
protagonistas da evangelização.
Por não se sentirem sujeitos ativos no apostolado, os leigos abandonam a sua
Igreja e vão a busca daquela que os reconhecem como tal, que viabilizam a eles
tomarem parte nas decisões de sua Igreja.
A Cultura de Cooperação que propomos à Igreja quer eliminar qualquer
dicotomia hierarquia-leigo, para que, operando juntos, o leigo deste século XXI seja
considerado autônomo também dentro da Igreja e coopere na sua ação missionária.
Vemos nessa Cultura de Cooperação o reconhecimento de cada membro como
sujeito e membro do mesmo povo de Deus. Como membros do povo de Deus,
chamados a agir a partir de seus carismas específicos, mas com o mesmo objetivo: a
instauração deste Reino que inicia no já da história e no ainda não da eternidade.
A decisão de falar sobre a mobilidade religiosa e a contribuição do carisma
palotino para a Igreja está inserida no atual contexto de mudança de paradigma, de
um tempo de cristandade para uma era pós-cristã, onde o atual modelo eclesiológicoditocômico não corresponde e está destinado a extinção.
No amadurecer do Concílio Vaticano II é possível verificar o despertar em
nossa Igreja de diversos carismas, não somente o palotino, que caminham nesta
direção de cooperação, por uma Cultura de Cooperação e integração “ad intra
eclesiae” em tempo de mobilidade religiosa.
2.
Apresentação das Pesquisas sobre Mobilidade Religiosa
O Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (CERIS), a pedido da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) desenvolveu uma
pesquisa
sobre o “trânsito religioso” em nosso país. Esta tinha como objetivo mapear os
motivos e características da mudança de religião na população adulta brasileira
(maior de 17 anos de idade) considerando que o universo religioso brasileiro vem
mudando gradativamente nas últimas décadas.
Durante o ano de 2004 foram coletados todos os dados referentes a esta
pesquisa. Ao todo, foram considerados na tabulação 2.870 questionários referentes a
23 capitais brasileiras e 27 municípios2.
Nesta pesquisa pode-se constatar que o campo religioso passa por uma
transição e torna-se cada vez mais plural. O sociólogo Luiz Alberto Gómez de Souza,
que na época era o diretor executivo do CERIS, analisando outra pesquisa realizada
no ano de 2002 pelo mesmo Centro, na qual se procurava delinear
algumas
tendências do modo de ser católico hoje, afirmava:
É possível que estejamos no meio de uma ‘crise secular’ de transição para outra época.
Velhas certezas e hábitos se dissolvem, novas experimentações chegam titubeantes e
inseguras3.
Em consonância com este pensamento, a própria Igreja reconhece que está
vivendo em um tempo de mudanças. A V Conferência Latino-Americana e Caribenha
2
Os municípios que participaram da pesquisa foram: Canudos do Vale (RS), Mato Verde (MG),
Duque de Caxias (RJ), Rio de Janeiro (RJ), Niterói (RJ), Curitiba (PR), Salvador (BA), Goiânia (GO),
São Paulo (SP), Fortaleza (CE), Viana (ES), Guarulhos (SP), Presidente Tancredo Neves (BA), Boa
Vista (RR), Guarujá do Sul (SC), Porto Alegre (RS), Pedra Azul (MG), Balneário Pinhal (RS), Brasília
(DF), Campo Grande (MS), Correia Pinto (SC), São Geraldo da Piedade (MG), Macapá (AP), Rio
Grande (RS), Florianópolis (SC), Recife (PE), Limeira (SP), Vila Maria (RS), Pontes Gestal (SP),
Gentil (RS), Aracruz (ES), Tamboril (CE), Maceió (AL), Santa Helena Goiás (GO), Canhotinho (PE),
Cuiabá (MT), Natal (RN), Pedra Lavrada (PB), Belém (PA), Três Arroios (RS), Loreto (MA), Teresina
(PI), João Pessoa (PB), Rio Branco (AC), Januária (MG), Palmas (TO), Imperatriz (MA), Manaus
(AM), Paiva (MG), Belo Horizonte (MG).
3
SOUZA, Luiz Alberto Gomes de. Catolicismo em tempos de transição. In: Coleção CERIS.
Desafios do Catolicismo na cidade – Pesquisa em regiões metropolitanas brasileiras: São Paulo:
Paulus, 2002.
(que aconteceu em Aparecida, em 2007), em seu documento final reconheceu esta
realidade que o sociólogo apresentou. Assim diz o documento:
Vivemos uma mudança de época cujo nível mais profundo é o cultural. Dissolve-se a
concepção integral do ser humano, sua relação com o mundo e com Deus; “aqui está
precisamente o grande erro das tendências dominantes do último século [...] Que
excluem Deus de seu horizonte, falsificam o conceito da realidade e só podem terminar
em caminhos equivocados e com receitas destrutivas. Surge hoje, com grande força,
uma sobrevalorização da subjetividade individual. Independentemente de sua forma, a
liberdade e a dignidade da pessoa são reconhecidas. O individualismo enfraquece os
vínculos comunitários e propõe uma radical transformação do tempo e do espaço,
dando um papel primordial à imaginação. Os fenômenos sociais, econômicos e
tecnológicos estão na base da profunda vivência do tempo, ao que se concebe fixado
no próprio presente, trazendo concepções de inconsistência e instabilidade. Deixa-se de
lado a preocupação pelo bem comum para dar lugar à realização imediata dos desejos
dos indivíduos, à criação de novos e, muitas vezes, arbitrários direitos individuais, aos
4
problemas da sexualidade, da família, das enfermidades e da morte .
Este parágrafo resume a realidade não somente da América Latina e Caribe,
mas de grande parte da humanidade, já que vivemos em um mundo plural. A
“mudança de época” é tão acelerada que todos, pessoas e instituições, precisam se
atualizar, reavaliando suas posições. Este momento histórico é de decisões que
marcarão a direção por vários séculos.
Na realidade, estamos diante de uma situação nova, na qual os modelos
anteriores já não se aplicam. O sistema político não funciona. O mesmo ocorre com a
educação e a organização da saúde. A vida econômica entrou em uma fase de
transição, de cujo fim ninguém conhece. O trabalho está em plena mutação. E no que
tange à religião e à religiosidade, há uma verdadeira mudança no Continente LatinoAmericano e Caribenho. O Documento de Aparecida não trata da mobilidade
religiosa como tal, mas constata aquilo que os dados da pesquisa do CERIS realizou,
ou seja, uma supervalorização da subjetividade individual. Quanto à religião, que
passa a ser uma opção pessoal e não uma tradição familiar, como anteriormente
4
V CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO AMERICANO E DO CARIBE.
Documento de Aparecida, CNBB, São Paulo, N 44. A partir de agora em diante será abreviado para
DA.
encarada. “Deixa-se de lado a preocupação pelo bem comum para dar lugar à
realização imediata dos desejos dos indivíduos”5.
Pode-se afirmar que esta pesquisa do CERIS é pioneira, pois ainda não se
tinha produzido dados em nível nacional que expressassem a realidade religiosa
brasileira e auxiliassem na compreensão dos processos motivadores desta ação. E é
por isso que, neste trabalho, ainda vamos cruzar os dados das pesquisas do CENSO
2000, CERIS 2002 e 2004, sendo esta última a base de todo o estudo , pois assim
pode-se melhor apresentar a situação do trânsito religioso brasileiro.
2.1
Estudo Comparativo das Pesquisas
Estudos datados do fim dos anos 1990 a respeito da conjuntura religiosa atual
sublinhavam que a situação da Igreja Católica na América Latina deixou de ser
hegemônica e passou a contemplar o confronto com um universo religioso que cresce
exponencialmente6 e com uma tendência de fragmentação religiosa.
Especificamente no Brasil, se tem visto um declínio relativo de pessoas que se
declaram católicas e um crescimento de evangélicos de cunho pentecostal e
neopentecostal. Pode-se perceber no gráfico abaixo justamente alguns números. Em
1991 haviam 83,3% de católicos e 9% de evangélicos na sociedade brasileira. No
censo de 2000, a proporção de católicos caiu até aos 73,8% enquanto que os
evangélicos totalizavam 15,4%. E no campo protestante, os que mais crescem são os
evangélicos neopentecostais.
5
Idem, 44.
BASTIAN, Jean Pierre. La mutación religiosa de América Latina – para uma sociologia del
cambio social em la modernidad periférica. México: Fundo de Cultura Econômica, 1997.
6
Distribuição da população por Religião
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
83,3
73,8
1991
2000
9
Católicos
15,4
Evangélicos
4,8 7,3
2,5 3,4
Sem Religião
Outras
Fonte: CENSO DEMOGRÁFICO 2000
Também chama a atenção, não somente a queda do número dos católicos e o
crescimento dos evangélicos, mas o crescimento dos sem-religião. O último CENSO
2000 identificou ainda um processo de desinstitucionalização 7, ao constatar que os
que se declararam sem-religião saltaram de 4,7% em 1991 para 7,4% em 20008,
dados que serão aprofundados no próximo subcapítulo.
Tabela 1: Tempo Que Está na Religião
Tempo que está na religião
População
%
Há menos de 1 ano
2497845
2,1
Há menos de 4 anos
8234517
7,0
Há menos de 7 anos
6013719
5,1
Há menos de 10 anos
2970262
2,5
Há 10 anos ou mais
7938566
6,7
Desde que nasceu (não mudou)
80494778
68,3
Sem informação
9633166
8,2
Total
117782854
100
Fonte: CERIS – Mobilidade Religiosa no Brasil – 2004
Examinando a tabela acima, que apresenta o resultado da pesquisa do
CERIS/2004 e que tentou conhecer a própria mobilidade no Brasil, constatou-se que
7
Termo que demonstrar o abandono da Instituição. Não quer nenhum vínculo.
Cf. MARTINS, Andréa Damacena. Crenças e motivações religiosas. In: Coleção CERIS. Desafios
do Catolicismo na cidade – Pesquisa em regiões metropolitanas brasileiras. São Paulo: Paulus, 2002,
p.61.
8
aproximadamente 24% da população já mudou de religião em algum momento de
suas vidas, 68,3% nunca o fizeram e 8,2% não ofereceram informações a respeito.
Impressiona este trânsito de fiéis, pois apresenta que o sentido de pertença é fluido.
Observe-se, ainda, que essa mobilidade ocorre nas diversas faixas etárias. Os
adultos na faixa dos 36-45 anos (26,3%) e dos 46 – 55 anos (27%). Este último grupo
compõe a faixa etária que mais transitou nas religiões, como apresenta a tabela
abaixo.
Tabela 2: Classes de Idade segundo mudança de religião
CLASSES DE IDADE
Não mudou
Mudou
SI
18-25 anos
72,1
17,2
10,7
26-35 anos
59,1
25,8
15,1
36-45 anos
67,5
26,3
6,2
46-55 anos
70,9
27,0
2,1
56-65 anos
78,5
19,9
1,6
66-79 anos
71,0
25,5
3,5
80 ou mais anos
85,8
12,2
2,0
TOTAL
68,3
23,5
8,2
Fonte: CERIS – Mobilidade Religiosa no Brasil – 2004
Segundo esta pesquisa, o trânsito religioso, em relação ao estado civil, ocorre
em maior proporção entre as pessoas divorciadas (52,2%) ou separadas judicialmente
(35,5%). O fato dos divorciados e separados serem os que mais transitam entre as
religiões, pode indicar que algumas delas funcionam como espaço de acolhida em
situações de crise afetiva e sentimental9. Ressalte-se que o trânsito nestes casos não
ocorre por alguma discordância eventual da doutrina.
A maior mobilidade ocorre entre os informantes de religiões com a presença
minoritária no Brasil. Entre aqueles que a pesquisa irá chamar de “outras religiões”,
89,3% já transitaram, seguido dos evangélicos pentecostais, dos quais 84,6% dos
informantes já transitaram. Na classificação “outras religiões” se encontram budistas,
9
O que mais se observa nas motivações para o trânsito nestes casos são de ordem afetivo-sentimental.
Busca-se no ingresso do novo grêmio religioso um amparo, uma acolhida que lhe dê forças para
superarem os momentos difíceis.
espiritualistas, mórmons etc. Os evangélicos de cunho histórico apresentam uma alta
mobilidade, totalizando 77,2% deste grupo.
Fica claro na pesquisa que os evangélicos pentecostais são os que mais recebem
fiéis das diversas instituições religiosas. Sendo assim, 58,9% que se declaravam antes
católicos, hoje congregam na Igreja pentecostal. Metade dos que pertenceram
anteriormente a alguma Igreja protestante histórica 50,7% atualmente compõem o
grupo de evangélicos pentecostais. Os fiéis que antes pertenciam a uma religião
indeterminada demonstraram tendência de adesão a uma Igreja evangélica
pentecostal. Até mesmo para os sem-religião a Igreja evangélica pentecostal se torna
mais atrativa, já que 33,2% dos informantes que antes eram deste grupo sem religião,
atualmente migraram para a denominação pentecostal. Assim se constata que a Igreja
evangélica pentecostal é a maior receptadora de fiéis. Isto não significa que não haja
mobilidade para outras religiões, mas acontece em proporções menores.
2.2
A Circularidade dos Fiéis
Sobre a circularidade dos fiéis, constatou-se que é uma realidade intensa. As
pessoas questionadas, que já transitaram, chegaram a mudar de religião até seis vezes,
sendo que a concentração da maioria que transita é de até 3 (três) vezes. Chama
atenção, entretanto, a alta proporção de entrevistados que não informaram o número
de vezes que já transitaram. Esta atitude pode revelar que “perderam a conta” do
quanto transitaram pelas diversas religiões, já que a pergunta era dirigida apenas aos
que fizeram a mobilidade religiosa10, como apresenta o gráfico abaixo.
10
Assim, entre os católicos, 44% não informaram quantas vezes mudaram; entre os evangélicos
históricos, 17% entre os pentecostais, 13,3%. O grupo “outras religiões”, 23,9% não forneceram
informações a respeito e dentre aqueles que pertencem a uma religião indeterminada, 27,2% não
responderam sobre o número de vezes que mudaram de religião.
Tabela 3: Número de vezes que mudou de religião
Número
De vezes
Católica
Religião
Atual
Evangélico
Evangélico
Outras
Religião
Sem
Histórico
Pentecostal
Religiões
Indeterminad
Informação
a
1
48,8
68,7
81,1
69,4
69,6
0,0
2
7,2
14,1
2,0
4,9
0,0
0,0
3
0,0
0,0
1,0
1,8
3,2
0,0
4
0,0
0,2
0,1
0,0
0,0
0,0
5
0,0
0,0
2,1
0,0
0,0
0,0
6 ou mais
0,0
0,0
0,3
0,0
0,0
0,0
Sem
44,0
17,0
13,3
23,9
27,2
100,0
informação
Fonte: CERIS – Mobilidade Religiosa no Brasil - 2004
Essa circularidade dos fiéis evoca imediatamente a noção, de uma fluidez na
adesão. Antes desta pesquisa o CERIS realizou uma outra pesquisa no ano de 2002,
onde buscou apresentar os desafios do catolicismo nas principais regiões
metropolitanas brasileiras. Publicou os resultados dessa pesquisa que contemplou seis
estados brasileiros11. Naquela ocasião se verificou que, independente dos indivíduos
afirmarem pertencer ao catolicismo, suas práticas e crenças individuais, bem como
sua assiduidade à instituição, carregavam uma certa fluidez e podiam expressar
discrepâncias com a doutrina oficial, confirmando pesquisa de 2004.
O sociólogo Benedetti, discorrendo sobre o tema da fluidez de adesão defende
uma certa tendência ao desaparecimento do fenômeno da conversão definitiva com
destaque para a subjetividade como o principal elemento motivador da atitude de
“peregrinação” dos fiéis ou para a migração religiosa.12
A circularidade dos fiéis apresenta uma realidade de fácil desfiliação religiosa,
onde se migra de denominações religiosas, sem culpa, para afiliarem-se a outras. É
11
Seis regiões metropolitanas do Brasil: Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e
Porto Alegre. Nesta pesquisa ao todo foram entrevistados 5.218 pessoas com 18 anos ou mais de idade.
Coleção CERIS, Desafios do Catolicismo na cidade – Pesquisa em regiões metropolitanas brasileiras,
Paulus,2002.
12
BENEDETTI, Luiz Roberto. Pentecostalismo, Comunidades Eclesiais de base e Renovação
Carismática – Cadernos CERIS, nº 2. Petrópolis: Vozes, 2001.
um novo modo de conversão que acontece não mediante a uma reflexão doutrinal,
mas subjetiva, que não cria sentido de pertença definitiva no fiel, como se pensava
antes. Em tempos de mobilidade o fiel vive as suas escolhas, não preocupando em
pertencer única e exclusivamente à uma Igreja. O fato está no contexto de uma
sociedade pluralista como a do Brasil, onde se apresenta um verdadeiro mosaico
religioso. Aqui, o fiel migrará para a denominação que mais o satisfaz não tanto para
a vida toda, mas para o momento da escolha, como bem recorda Joel Amado:
“Quando outras necessidades surgirem, nova escolha poderá ser feita”.13
A socióloga Daniele Hervieu Léger 14, estudando o novo perfil do crente em
tempo de mobilidade, desenvolveu um estudo enfocando que se observa hoje uma
verdadeira mutação dos fiéis de um estado de praticante regular para uma espécie de
peregrino. Em sua definição, o praticante regular é aquele que se adequa ao ritmo de
vida, às indicações culturais e morais fixadas pela religião. Contrariamente do
peregrino, que se caracteriza pela sua fluidez dos itinerários religiosos individuais e
pela livre e temporária agremiação.
A mesma socióloga apresenta o praticante regular como aquele de uma época
onde a instituição religiosa possuía uma influência na sociedade, onde tudo estava
vinculado à Igreja. É a figura de um mundo estável. Por outro lado, o peregrino
representa um mundo fragmentado, instável, transitório e de profundas mudanças.
Neste caso há uma desfiliação institucional que já não influencia tanto a sociedade.
2.3
Uma Análise do Crescimento dos Sem-religião (as motivações)
Com a chegada dos “missionários reais”15 em março de 1549, no local onde se
ergueria a cidade de Salvador, na Bahia, iniciou-se oficialmente o processo de
evangelização católica em terras de Santa Cruz, que perdurou até o ano de 189116.
13
AMADO, J.P., Mudar de Religião faz bem? In: FERNANDES, Sílvia Regina Alves. (org.).
Mudança de Religião no Brasil. Edição CERIS, Salesiana, 2005, p. 140.
14
HERVIEU-LÉGER, Daniele. O Peregrino e o Convertido – A Religião em Movimento. Lisboa:
Gradiva, 2005, pp. 91-143.
15
Os chamados “missionários reais”, são os jesuítas, que vieram com uma finalidade explicitamente
missionária, a convite do rei Dom João III (1521-1557). Cf. MATOS, Henrique Cristiano José, Nossa
Com a promulgação da Constituição de 1891, o Estado tornou-se laico.
Contudo perdurou a sensação incutida no imaginário popular de que ser brasileiro é o
mesmo que ser católico. Ainda cem anos mais tarde, esta realidade vem sendo
transformada. Corroborando-se com a tese mencionada, constatou-se na última
pesquisa do CENSO 2000 um processo de desinstitucionalização, ao identificar que
aqueles que se declaram sem religião, saltam de 4,7% em 1991 para 7,4% em 2000.
A pesquisa CERIS/2004 sobre a mobilidade religiosa apresentou o mesmo
número aproximadamente são: 7,8% da população brasileira os que se consideram
sem-religião. Desses, 80,1% já participaram de alguma religião. Somente 17,7% se
consideram desde sempre, sem religião. Quando foram questionados sobre qual tipo
de religião que já tinha freqüentado, 60,5% responderam que freqüentavam a Igreja
Católica. Mas o percentual dos que migraram diretamente da Igreja Católica para a
situação de sem-religião é de 42,1%. Logo, isso significa que estas pessoas
transitaram por outras denominações religiosas antes de assumirem a condição de
sem-religião.
A socióloga Sílvia Regina Alves Fernandes, aprofundando este tema, chama a
atenção para dois aspectos fundamentais: o primeiro é de que “os indivíduos sem
religião no país não se constituem exclusivamente como arreligiosos; o segundo, que
a desinstitucionalização pode ser confirmada como um processo latente entre esses
indivíduos, mas não necessariamente contínuo e progressivo ou definitivo”17.
A novidade que se apresenta nesta coleta de dados sobre os que estão na
condição dos sem-religião, consiste no fato de que há uma existência de modos
diferentes e por vezes paradoxais de construção dessa identidade. Constata-se em
nosso povo um drama de pertença. Durante um tempo, os auto-identificados sem
religião pertenciam a uma denominação religiosa, atualmente não mais. Mas esse
processo não se apresenta como irreversível na pesquisa. Deste modo, os que se
declaram sem-religião não permanecerão nesse estado para sempre. É um estado, que
História: 500 anos de presença da Igreja Católica no Brasil/ Henrique Cristiano José Matos. – São
Paulo: Paulinas, 2001.p.88.
16
A Constituição Brasileira de 1824 declara o Estado confessional. Só poderia existir a religião
Católica. Com a Constituição de 1891, o Estado passa a ser laico.
17
FERNANDES, Sílvia Regina Alves. “Sem-religião: a identidade pela falta?” In ALVES
FERNANDES, Sílvia Regina.(org). Mudança de Religião no Brasil Coleção CERIS, Salesiana, 2005,
p. 107.
como qualquer outro nos tempos atuais, tem sim o seu caráter transitório. O brasileiro
possui uma profunda alma religiosa, a população tem sede de Deus, mas está
desorientada na sua busca espiritual.
Percebe-se que este aumento dos sem-religião não significa uma secularização
em terras latino-americanas, mas uma crescente religiosidade cética. O que se
apresenta é mais uma descrença às instituições religiosas do que à religião em si.
2.3.1
A Desinstitucionalização Religiosa
Esta desinstitucionalização é bem clara quando 41,4% de pessoas sem religião
justificaram a própria condição optando pela afirmativa: “porque possui uma
religiosidade própria sem vínculo com a Igreja”. Torna-se claro que a maioria dos
sem religião, ainda possui um senso religioso, como foi afirmado antes. E mais clara
se torna esta realidade quando somente 0,5% dos indivíduos declararam não acreditar
em Deus.
A pesquisa apresenta um dado que nos chama a atenção: a maioria dos que se
declaram sem religião vieram diretamente da Igreja Católica (42,1%). Este dado é
relevante para uma reflexão, pois mesmo sendo o Brasil de maioria católica, percebese gradativamente a perda dos fiéis, seja para o grupo dos evangélicos pentecostais,
seja para os sem religião. Mas por que as pessoas que outrora eram católicas
atualmente se declaram sem religião? E por que quando “despertam para a fé”
buscam, na sua maioria, as Igrejas pentecostais, segundo apresenta a pesquisa do
CERIS/2004?
Não é fácil responder a estas perguntas, até porque vivemos em um tempo de
mudanças, no qual a religião não possui a mesma influência ou importância na
sociedade, quando comparada há tempos atrás. Na tentativa de responder a esses
questionamentos, percebe-se que os que antes se declaravam católicos, hoje se autodeclaram sem religião “estariam experimentando um tipo de vivência religiosa que se
caracteriza por escolha pessoal, pelo afastamento da instituição religiosa, ainda que
esse afastamento não ocorra de modo radical”18, como afirma Sílvia Fernandes.
Nesse caso de desinstitucionalização religiosa, a pesquisa apresenta que os fiéis
que migram da Igreja Católica para o grupo dos sem-religião, não deixam de ser
religiosos, não significa ruptura com o sagrado, mas um novo jeito de ser e de lidar
com a experiência religiosa. Percebe-se também que a doutrina católica não foi
internalizada em suas vidas, facilitando a desinstitucionalização sem nenhum drama
de consciência, pois o vínculo, na sua maioria das vezes, apresentava-se como um
caráter cultural, logo não havia uma identificação plena com a instituição.
A identidade religiosa dos sem religião passa a ser construída pelo que não se é,
ou pela falta de algo que daria o sentido de pertença. A tendência religiosa mais
presente entre eles é o da religiosidade própria. Não há necessidade de mediações
para entrar em contato com o Divino.
Assim o fato de os sem religião optarem na sua maioria pela vertente
pentecostal, quando se “convertem”, poderá estar no fato de que essa corrente
religiosa privilegia a experiência sensorial, emotiva da religião e menos a reflexão, o
estudo e o conhecimento teórico das idéias que lhe informam ideologicamente.
Um dos grandes fatos é a mentalidade individualista que provém na escolha da
nova agremiação da qual fará parte. Assim aderindo a uma Igreja, tende a escolher
crenças, ritos e normas que lhe agradam subjetivamente. Ou, ainda, procura construir,
em uma espécie de mosaico, sua religião pessoal com fragmentos de doutrinas e
práticas de várias religiões.
Para alguns autores, como David Lyon19, vivemos em um tempo - que pode-se
chamar de pós-modernidade - que se configura em um antropocentrismo exacerbado,
onde o indivíduo vive segundo os seus desejos, segundo a sua subjetividade.
Desenvolve-se assim a religiosidade do eu.
A busca de uma forma de religiosidade intimista, voltada para as satisfações
imediatas dos gostos pessoais e dos impulsos emocionais 20 (não tem sentido a frase).
Assim, o que não é agradável à pessoa é descartado, ou busca-se em outra
18
FERNANDES, Op.cit., p. 110.
LYON, David. Pós-modernidade. São Paulo: Paulus, 1998, pp. 13-34.
20
Cf. GONZÁLEZ FAUS, J. I., Desafios da pós-modernidade. São Paulo: Paulinas, 1996, pp. 25-31.
19
denominação o que é do seu gosto: não há um desejo de se afirmar em uma própria
religiosidade. Há um processo de desvinculamento de qualquer instituição religiosa,
somando-se assim ao grupo dos chamados sem-religião.
As pesquisas somente constatam que estamos vivendo em um tempo de
transição, trazido pela pós-modernidade. Outro fruto deste tempo é o consumismo
crescente que influencia a religião: o consumismo dita a maioria das normas e dos
comportamentos. Para o sociólogo David Lyon, o consumismo é uma cultura, que por
sua vez, desperta para o imediatismo e o descartável. Os indivíduos querem o
imediato, porém com a mesma rapidez deixam de querer. Portanto, nada de
compromissos definitivos, duradouros. Tudo é transitório, passageiro, provisório. As
decisões não são de forma alguma fruto de amadurecimento, da reflexão, do pensar.
Os indivíduos obedecem às exigências emocionais e dos desejos surgidos no
momento vivido.
De sua parte, a pastoral tradicional não tem, para os que se declaram sem
religião, respostas para seus anseios. A ação pastoral muitas vezes reage com pouco
diálogo. Esta falta de diálogo gera um mal estar. Em uma sociedade plural como a
nossa o diálogo é de suma importância. Entre as normas que encontram dificuldade
de serem compreendidas são: a comunhão para os divorciados, a participação mais
ativa dos leigos na própria Igreja, assumindo os seus ministérios e tantos outros
assuntos que não são tratados.
Dentro desta cultura consumista e econômica algumas Igrejas Pentecostais
aparecem como um grande refúgio, pois ali os indivíduos se sentem importantes e
valorizados. Podem participar de suas assembléias sem nenhum problema, não há
diferença se é casado ou divorciado. Todos são “irmãos” na fé. O caráter emocional,
em uma cultura do prazer, favorece o sentido de pertença, pois lá se sente bem.
De acordo com os dados da pesquisa conclui-se que o crescimento dos sem
religião questiona a Igreja Católica na sua metodologia de evangelizar e demonstra
que os métodos utilizados não respondem à realidade. Compete à Igreja então,
abandonar qualquer tipo de pastoral de manutenção e ir para águas mais profundas,
reacendendo a sua vida missionária.
A pesquisa demonstra que a desinstitucionalização está em gradual ascensão,
fazendo com que o fenômeno religioso passe a se orientar no futuro por princípios
pessoais.
Pode-se levar em conta uma outra hipótese que é a insegurança das pessoas do
mundo atual, conduzindo-as a se entrincheirar em entidades e identidades fechadas,
fazendo com que a religião se transforme em um campo de batalha.
2.4
Uma Análise do Crescimento dos Evangélicos Pentecostais
Desde de a década de 1990, o Brasil vê crescer o número de evangélicos
pentecostais ano a ano. Este crescimento não pára. Segundo a pesquisa do
CERIS/2004, a mudança de religião no país constitui uma prática de 24% da
população. Esta migração vai em direção, na sua maioria, para a religião evangélica
pentecostal.
Os evangélicos representam hoje 17% da massa populacional do Brasil,
segundo dados do IBGE. Mas, por que se dá este crescimento? Para a cientista social
Sandra Duarte, um dos fatores para o avanço da fé evangélica é a mídia. “A mídia,
principalmente entre os neopentecostais, contribui muito. Eles fazem uma espécie de
‘marketing religioso’21. Através da mídia o pensamento evangélico pentecostal chega
mais rápido a todos os lugares do Brasil. Chega aonde o padre, o religioso ou
religiosa, o leigo católico tem dificuldade de chegar e evangelizar. Os meios de
comunicação se tornaram para os evangélicos pentecostais um grande instrumento de
arrebanhamento22.
21
ALVES DE BRITO, Rafael e CAETANO, Leandro de. Brasil do futuro: 50% de Evangélico.
Revista Digital Outras Palavras. Disponível em http//
www2.metodista.br/outraspalavras/feevangelica.htm > Acessado no dia 12.11.2007.
22
A jornalista e coordenadora do Curso de Comunicação Social da Cândido Mendes, realizando uma
palestra sobre Mídia e Religião para o XXV Congresso Anual em Ciência da Comunicação em
Salvador/Bahia no ano de 2002, afirmava que a Igreja Católica não sabe lidar ainda com a TV, e que
os fiéis mudaram de religião aderindo a fé evangélica pentecostal porque “assistiram aos programas da
tv. Ou seja, o televangelismo tem um papel fundamental. As emissoras têm que dar certo, para levarem
futuros adeptos para à Igreja. Enfim, talvez seja por isso que os evangélicos...façam uma tv para
telespectadores e não para fiéis, ao contrário dos católicos que ainda teimam em levar a Igreja para
dentro da tv” (ROCHA, Penha. Mídia e Religião – Canal Século 21 e Rede Família. Disponível em
http// www.compos.org.br > Acessado em 12.11.2007.
Mas será somente a mídia que alimenta este crescimento do ramo evangélico
pentecostal? A resposta é: não. Como foi apresentado anteriormente, a realidade
vivenciada hoje, a da pós-modernidade, traz consigo bastante material que favorece
esse crescimento. Um outro dado importante que a pesquisa traz em consonância com
a pós-modernidade é o desejo de se sentir bem, o desejo de felicidade. Esse desejo foi
destacado pelos entrevistados quando questionados sobre os principais motivos pelos
quais escolheram a religião atual. O quadro abaixo destaca bem isso:
Principais motivos pelos quais escolheu a religião atual
Religião Ind.
22,2
Outras
Religiões
30,1
9
Evang.
Pentecostal
53,9
Porque aproxima você de Deus
12,4
Evang.
Histórico
12,5
Católica
11,6
0
10
31,3
Porque nela você se sente bem
20,2
33,8
20
30
40
50
60
Fonte: CERIS Mobilidade Religiosa 2004
Examinando o gráfico acima, independente da religião, a maioria optou pela
motivação “Porque nela você se sente bem” como um meio de engajamento na sua
nova ou não religião. O fator existencial, como afirma Paulo Fernando Andrade é o
traço marcante para a mobilidade. O indivíduo está mais propenso a permanecer em
uma religião não por convicções doutrinais ou por tradição, mas “a partir de uma
experiência pessoal de bem-estar, acolhida e proximidade existencial com o
Transcendente”23. Por isso, o ramo evangélico pentecostal se torna mais atrativo, pois
desenvolve bem este lado existencial e subjetivo.
O crescimento da Igreja evangélica pentecostal se expõe também em grande
parte devido à insuficiente formação religiosa e doutrinal do fiel católico, à ausência
23
ANDRADE, Paulo Fernando Carneiro. Perspectivas Teológico-Pastorais sobre a pesquisa
CERIS/CNBB: mobilidade religiosa no Brasil. In Mudança de Religião no Brasil – Desvendando
sentidos e motivações. São Paulo: Ed. Palavra e Prece, 2005, p. 125.
de senso crítico e a certo anti-intelectualismo, que propiciam livre curso às emoções
em matéria de religião e, ainda, à secularização, que tem invadido alguns setores do
catolicismo, deixando o povo de Deus sequioso por um atendimento mais religioso e
sacro.
É à luz dessas ponderações que se deve considerar especialmente a muito
comentada Igreja Universal do Reino de Deus. Para o catolicismo, o fenômeno
pentecostal protestante é um sinal evidente da urgência de uma sólida catequese,
afirma Dom Estevão T. Bettencourt OSB24.
2.4.1
A Mobilidade Subjetiva
O filósofo Gilles Lipovetsky afirma que o homem pós-moderno vive “a época
da mobilidade subjetiva” 25. O homem, explica Lipovetsky, vive hoje em um sistema
que ele denomina à la carte, onde cada um se serve daquilo que lhe faz bem. Esse seu
pensamento vem somar ao resultado desta pesquisa e ajuda a entender este fenômeno.
Para Lipovetsky, o homem pós-moderno vive uma mobilidade subjetiva. Ele
afirma: “essa mobilidade e essa autonomia têm um custo, freqüentemente, elevado,
pois são acompanhadas por um crescimento inquietante da ansiedade, da depressão,
de perturbações psicopatológicas comportamentais diversas.” 26
O homem deste século vive em uma constante busca de algo que lhe preencha,
lhe dê prazer, não que tudo seja reduzido ao hedonismo, mas a uma busca de sentido
e que muitas vezes, a Igreja Católica não consegue responder, ou preencher. Não
serão dogmas ou sentimentos de superioridade que preenchersão o vácuo que o
homem se encontra hoje. Pois ele, homem pós-moderno, não está mais preso a
tradições: ele pode optar! Ele é mais questionador, mais ativo. A fé para este homem,
24
Cf. BETTNCOURT, Estevão Tavares OSB. Crenças, Religiões, Igrejas: quem são?, São Paulo: O
Mensageiro de Santo Antonio , 1989-1995. pp.47-48.
25
Gilles Lipovetsky (1944-), considerado um dos mais importantes sociólogos franceses da atualidade,
assim como o mais importante filósofo do chamado “pós-modernismo”, há muito tempo vem
refletindo sobre as transformações das sociedade individualistas contemporâneas. Seu nome está
associado à exloração da noção de “indivíduo como átomo irredutível da era democrática”. Ele é
professor de Filosofia na Universidade de Grenoble (França).
26
LIPOVETSKY, G., Metamorfose da cultura liberal. Porto Alegre: Sulina, 2003, p. 21.
não basta ser transmitida pela família ou pelos seus responsáveis, mas tem que partir
da sua própria experiência e adesão.
A religião que mais favorece esta dimensão da experiência espiritual é a
evangélica-pentecostal. Seguindo este pensamento pós-moderno, a pesquisa confirma
o desejo do homem de experimentar o “sagrado”, quando se constata a Igreja
Evangélica Pentecostal ser a maior receptora de fiéis como se pode observar nos
gráficos abaixo:
Figura 1: Mobilidade Religiosa – Religião anterior Católica
13,8%
Evangélico
Histórico
Evangélico
Pentecostal
58,9%
CATÓLICA
16, 3%
Outras Relig.
10,9%
Religião Ind.
Sem inf.
0,1%
Figura 2: Mobilidade religiosa – anterior grupo dos Sem-religião
11,8%
Evangélico
Histórico
Evangélico
Pentecostal
33,2%
Sem Religião
Outras
Religiões
Religião
Indefinida
23,1%
15,8%
16,1%
Religião
Católica
A mobilidade acontece em todas as religiões. Mas fica bem claro que a Igreja
Evangélica Pentecostal arregimenta mais adeptos para seus templos. Esta religião se
apresenta diferente da religião católica. A Igreja evangélica pentecostal não precisa
de mediações. O caráter leigo do pentecostalismo permite ao fiel entrar em contato
com Deus sem depender da mediação eclesiástica. O indivíduo não precisa de
doutrinas, ele tem liberdade para falar com o “seu” Deus. Ele se sente livre para
experimentar o “sagrado”.
Seguindo os dados desta pesquisa CERIS/2004 relacionando-os aos da pesquisa
da Fundação Getúlio Vargas27, chegaremos a conclusões parecidas. Segundo Marcelo
Neri, o declínio católico ocorreu devido a
certa inércia da Igreja Romana no
atendimento às necessidades das mulheres e dos desempregados.
Na opinião do sociólogo Alexandre Brasil Fonseca, a explicação é
relativamente simples: os evangélicos pentecostais têm cumprido o seu papel ao levar
a Boa Nova aos carentes. O sociólogo Fonseca28 chega a afirmar que: “É um mérito
das Igrejas evangélicas pentecostais. Elas estão presentes onde os pobres estão”.
A cada dois dias, pelo menos um novo templo pentecostal ou neopentecostal é
aberto na cidade de São Paulo. A conclusão é de um estudo feito com base no
cruzamento de dados das Secretarias de Finanças de Habitação do Município,
publicado recentemente pelo Jornal Folha de São Paulo. Essa estatística, no entanto,
não levou em conta as Igrejas que funcionam sem autorização da Prefeitura em
garagens, salões de festas ou casas particulares. “Boa parte dos pastores não constrói
Igrejas. Eles abrem as congregações em salões ou outros lugares que comportem a
multidão”, disse à Revista Graça a jornalista Daniela Tófoli, autora do levantamento e
da compilação dos dados publicados em janeiro pela Folha de S. Paulo 29.
A atual situação sócio-econômica da América Latina, e principalmente do
Brasil, gera uma “neurose de angústia”30, como Freud já apresentava. É a proliferação
da depressão, que é uma condição radical do desalento, e que surge quando o sujeito
perde qualquer possibilidade de vir a ter um projeto próprio. As compulsões à
comida, ao consumo, ao sexo, às drogas, são formas com que o sujeito tenta colocar
27
A Fundação Getúlio Vargas (FGV) realizou um estudo intitulado Retratos das Religiões no Brasil,
no qual analisou dentre outros grupos, os evangélicos pentecostais.
28
Entrevista concedida à Revista Graça Ano 5 N 71, p. 26.
29
Reportagem na Revista Graça, Ano 6 N 81, p. 52.
30
A Neurose de Angústia foi descrita por Freud em 1895. Esta Neurose, teria sua etiologia na má ou
não utilização da energia da libido, que assim se transformaria em angústia, seja de forma direta ou
seja como conseqüência da falência dos mecanismos de defesa do aparelho psíquico.
alguma coisa no lugar vazio que não suporta31. Este indivíduo pós-moderno vive a
busca acelerada de bem-estar. E produz no mesmo ritmo esta “neurose de angústia”.
É aqui que entram as “soluções mágicas” das pregações oportunistas dos líderes
sectários. A exploração dos sofrimentos alheios é uma das causas principais do
crescimento das seitas. E com isso, responde-se a boa participação dos adeptos em
suas Igrejas. Segundo a pesquisa do CERIS/2004, dentre os pesquisados, 95,6% do
total de evangélicos pentecostais participam freqüentemente dos seus cultos. É uma
porcentagem expressiva. Mas questionadora ao mesmo tempo: a freqüência a Igreja
não será devido a uma busca das suas necessidades? Ou é motivada por uma
verdadeira conversão de vida?
Vejamos no gráfico abaixo a participação dos fiéis na religião atual.
Religião Atual
participa
Não participa
Sem informação
Católica
80,3
13,7
5,9
Evangélico Histórico
93,2
6,8
0,0
Evangélico Pentecostal
95,6
4,4
0,0
Outras Religiões
82,8
13,8
3,4
Religião Indeterminada
93,3
4,9
1,8
Sem Religião/Ateu
0,0
0,0
100,0
Sem Informação
84,8
6,9
8,3
TOTAL
77,2
10,8
12,0
Fonte: CERIS – Mobilidade Religiosa no Brasil 2004.
Os especialistas são unânimes ao associar os momentos de dificuldade ao
aumento da necessidade religiosa. E é justamente oferecendo solução para qualquer
tipo de crise, que as Igrejas evangélicas pentecostais atraem fiéis de todas as idades e
classes sociais. Por isso quando ocorre qualquer conversão deve-se questionar qual o
intuito do indivíduo que busca a Deus: se o indivíduo buscou a Deus
despretensiosamente ou fê-lo para que Ele resolvesse seus problemas?
31
Jornal Valor, 26 de novembro de 2006. p. 16.
“Eles prometem resolver problemas cotidianos, desde unha encravada até
desavenças conjugais”, afirma o sociólogo Ricardo Mariano, autor do livro
“Neopentecostais: Sociologia do Novo Pentecostalismo no Brasil”32. O grande
atrativo das soluções propostas por essas Igrejas é o fato de apresentarem
características mágicas, pela via do milagre e da intervenção divina. “Ao abandonar
esse tipo de resposta e adotar um discurso mais secular, a Igreja Católica acabou
perdendo
muito
fiéis”,
conclui
o
sociólogo.
A solução dos sofrimentos é de caráter imediatista. O “show” de testemunhas de que
afirmam milagres estimula a prática de uma religião comercial e uma fé mercantilista.
Diz o antropólogo e pesquisador do Instituto de Estudos da Religião (ISER),
Flávio Conrado: “boa parte das pessoas que freqüentam os cultos da Igreja Universal
do Reino de Deus, são “clientes” no sentido de que buscam algum ‘bem’ no ‘mercado
religioso’. A pobreza e a miséria são vistas como males causados por forças
diabólicas que devem ser exorcizadas da mente e do corpo, a fim de se ganhar a
bênção de Deus através da fé”, declara Flávio Conrado33.
A base das “soluções mágicas”, do mercado religioso, do pragmatismo
empresarial da fé, do paraíso terrestre e do “transcendental”, está no pagamento dos
dízimos, nas doações e nas ofertas de sacrifícios. Tudo isso está no contexto da
Teologia da Prosperidade.
A difusão do pensamento da Teologia da Prosperidade está em consonância
com o pensamento atual. O homem contemporâneo resolve os seus problemas sem
esforço, sem disciplina. Ele busca nas Igrejas evangélicas pentecostais a solução dos
seus males, já que a promessa de resolver seus problemas se dará imediatamente
através de suas orações.
Esta religiosidade vem ao encontro do homem pós-moderno que busca uma
religiosidade pragmática, emocional, independente de qualquer instituição, sem
nenhuma mediação. Este homem se apresenta como um verdadeiro homo consumans
que busca uma religiosidade fast-food. Aquilo que Rubem Amorese afirma sobre a
religiosidade do eu:
32
MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: Sociologia do Novo Pentecostalismo no Brasil. São
Paulo: Loyola, 1999, p. 35
33
Nossa História, dezembro, 2006. p. 33.
A fé deixou de ser uma dependência do caráter de Deus e passou a ser um poder
dirigido a Deus. As orações passaram a ser decretações do que Deus tem que fazer. A
submissão inverteu-se: é a de Deus ao que ele já prometeu e não de mim à vontade
D´Ele. O dar deixou de ser um sinal de despojamento econômico e sim um
investimento para se receber cem vezes mais34.
A visão de troca é constante nesse tipo de religiosidade que almeja para a terra
todas as maravilhas que o catolicismo e o pentecostalismo tradicional, imaginavam
para o céu. Esse antropocentrismo é manifestado no pensamento de que
os
indivíduos foram criados para serem “cabeça e não cauda”. O “eu” deste homem está
obcecado pelos seus problemas íntimos e pelo seu mal-estar. Ele (o homem) quer
vencer na vida a todo custo, principalmente com o auxílio celeste.
A doutrina que emerge da Teologia da Prosperidade, exclui claramente a cruz,
exclui qualquer tipo de sofrimento humano, pois esse é oriundo de ações demoníacas.
Os textos bíblicos são usados de modo mágico, como se fossem amuletos ou talismãs,
como se tivesse um poder imanente e intrínseco. Porém, não existe seguimento de
Cristo sem a cruz. O próprio Cristo deixa transparecer que para chegar à glória, o
homem deve beber de seu Cálice.
O seguimento de Cristo baseado na Teologia da Prosperidade é duvidoso, pois
as motivações que se apresentam não são de um seguimento de cruz, de libertação,
mas de buscar aquilo que Cristo pode me satisfazer. O professor de sociologia da
religião da USP, Antonio Flávio Pierucci, em entrevista a uma revista de pesquisa,
discorrendo sobre o assunto citado, questiona as conversões provenientes de uma
Teologia da Prosperidade. Para ele, a conversão surge em situações-limite. “Ninguém
está muito preocupado com a salvação da alma. As pessoas querem primeiro salvar a
pele”, conclui o sociólogo35.
As três décadas de estagnação da economia brasileira, aliadas ao modelo urbano
perverso – que segrega nas áreas distantes os mais carentes – produziram nos últimos
anos um fenômeno recorrente em todas as principais capitais brasileiras: a formação
de anéis evangélicos nas periferias, onde se concentram, sobretudo os fiéis
pentecostais, em número crescente.
34
AMORESE, Rubem, A Igreja Evangélica na virada do Milênio: A Missão da Igreja num País
em Crise. Brasília: Comunicarte & AEVB, 1995, p. 88.
35
Galileu, julho, 2002. p. 23.
Nas áreas centrais mais abastadas permanece, predominante, a população
católica que, no entanto, tem diminuído sistematicamente em todas as principais
capitais: em 13 das 19 metrópoles estudadas, esse declínio ultrapassou os 10 pontos
percentuais, entre os censos de 1991 e 2000.
Estes são alguns dos principais dados da pesquisa “Religião e Sociedade em
Capitais Brasileiras”, realizada pelos professores César Romero Jacob e Dora
Rodrigues Hess, da PUC–RIO, em associação com os especialistas franceses Phillipe
Waniez e Violette Brustlein.
Na maior parte, os migrantes, deslocados dos seus ambientes originais, sem a
assistência do Estado e com a quase inexistência de igrejas católicas nos lugares mais
distantes, só encontram nas pequenas igrejas pentecostais uma rede mínima de
proteção e solidariedade.
Os pesquisadores responsáveis pelo estudo, na parte final do trabalho,
observaram que a estrutura da Igreja Católica tem se mostrado insuficiente para
acompanhar o intenso crescimento da população nas áreas mais afastadas dos grandes
centros. Assim, não seriam os fiéis que estariam abandonando a Igreja, mas, de certa
forma, sendo abandonados36.
2.5
A Complexidade do Campo Religioso Católico
Um outro dado que emerge da pesquisa do CERIS/2004 é a grande
complexidade do catolicismo brasileiro. Trata-se de um campo religioso
caracterizado por grande diversidade. A pluralidade é um traço constitutivo de sua
configuração no Brasil. Na lúcida visão de Pierre Sanchis, o modo como se
36
firma a
Cf. ROMERO, César Jacob. et HESS, Dora Rodrigues. Atlas da Filiação Religiosa e Indicadores
Sociais no Brasil. São Paulo: Loyola, 2003, pp 39-44.
identidade católica no país envolve “mecanismos de fagocitose” bem peculiares, que
traduzem uma roupagem singularmente plural: “há religiões demais nesta religião”37.
Chama a atenção como a religião católica no Brasil tem uma a capacidade de
adaptação e ajustamento às novas situações: “quando observada de perto, vemos
como ela se abre e se permite diversificar, de modo a oferecer, em seu interior, quase
todos os estilos de crença e de prática da fé existentes também fora do catolicismo”38.
Os diversos Censos realizados no Brasil e a pesquisa CERIS/2004 constatam
uma certa plasticidade religiosa. E também da realidade cada vez mais presente do
trânsito religioso de uma dupla (ou tripla) pertença religiosa. Pois constata-se não
somente a dupla ou tripla pertença, mas um certo ar transitório na identificação da
religião atual, seja ela católica ou não.
No caso do catolicismo, constata-se que os dados relativos da pesquisa
CERIS/2004, quanto à participação dos entrevistados na religião atual, nos induz a
acreditar que aqueles que se dizem “praticantes” são a maioria. Considerando
primeiramente os indivíduos que não transitaram por outras religiões, antes de
aderirem à atual, percebemos que 80% do total de católicos afirmaram participar de
sua religião. No caso daqueles que transitaram por outras religiões até se
incorporarem ao catolicismo, o índice sobe para 89%. É possível que a mobilidade
para aqueles que migram de outras religiões para o catolicismo signifique uma
postura mais ativa do fiel diante da religião, procurando-a mais do que aqueles que
“já nasceram” nela, com um lugar garantido dentro da comunidade.
No caso dos “novos católicos”, comenta Marcelo Gruman, parece haver a
necessidade de “expressar, objetivamente, o pertencimento ao grupo através do
comparecimento a cultos e celebrações, de modo a legitimar, perante os outros
membros, seu direito a pertencer ao grupo que escolheu voluntariamente” 39. É uma
identidade mais praticante.
37
SANCHIS, Pierre., Introdução, in SANCHIS, Pierre (org.). Catolicismo: Modernidade e Tradição.
São Paulo: Loyola, 1992, p. 33.
38
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Fronteira da Fé – Alguns Sistemas de Sentido, Crenças e
Religiões no Brasil de Hoje. In: Estudos Avançados, v. 18, 2004, n.52.
39
GRUMAN, Marcelo. Vínculos e formas de participação na religião. In: Mudança de Religião no
Brasil – Desvendando sentidos e motivações. São Paulo: Ed. Palavra e Prece, 2005, p. 100.
Na pesquisa, percebe-se claramente que a declaração de participação não
implica um grau de assiduidade tão alto, esse é um dado importante que deve ser
explicado. Nos dados relativos à freqüência na religião atual, os católicos sobressaem,
diante das outras denominações religiosas, quando se trata de ocasiões especiais e
festas religiosas. No entanto, a maioria está dividida entre os que comparecem à
Igreja ao menos uma vez por mês e ao menos uma vez por semana (22,9% para as
duas alternativas), enquanto apenas 10,4% deles declaram participar de atividades
duas ou mais vezes por semana. Por outro lado, os evangélicos, das duas correntes,
apresentam graus de assiduidade bem mais alto que os católicos: 54,8% dos
históricos e 68% dos pentecostais freqüentam no mínimo duas vezes por semana.
Seriam, por isso, mais “engajados” que os católicos, o que não significa,
necessariamente, mais religiosos ou mais comprometidos com a Instituição.
No caso do catolicismo constata-se que o número de praticantes, ao contrário
da tradição protestante, é reduzido se comparado com a grande massa dos católicos,
que mantêm “frouxos vínculos nominais” com sua tradição religiosa. Na visão de
Carlos Brandão, ao contrário do fiel protestante, que “precisa ser para participar”, o
fiel católico pode muito bem “participar sem ser”, ou participar a seu modo em um
quadro amplo e plural de maneiras de exercer sua vinculação 40.
A plasticidade dos modos de ser católico no Brasil é expressão de uma
genuinidade brasileira, caracterizada pela grande ampliação das possibilidades de
comunicação com o sagrado ou com o “outro mundo”. O que para o protestante
tradicional ou católico praticante seria expressão de pernicioso sincretismo ou
superstição, para boa parte dos fiéis significa um modo de alargar as “possibilidades
de proteção”41. É como expressa o personagem de Guimarães Rosa, no livro “Grande
Sertão: Veredas”:
40
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Ser Católico: Dimensões Brasileiras. Um estudo sobre a
atribuição da Religião. In: FERNANDES, Rubem César et alii, Brasil & EUA. Religião e Identidade
Nacional, Rio de Janeiro, Graal, 1988, p. 50.
41
MATTA, Roberto da. O que faz o Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1986, p. 115
Muita religião, seu moço! Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas.
Bebo água de todo rio… Uma só, para mim é pouca, talvez não me chegue […]. Tudo
me quieta, me suspende. Qualquer sombrinha me refresca42.
Observando esta realidade, a pesquisa apresenta um dado novo diante de toda
esta complexidade. A novidade que a pesquisa do CERIS/2004 sobre a Mobilidade
Religiosa, trouxe foi
a constatação da desinstitucionalização religiosa do povo
brasileiro, o declínio expressivo do catolicismo, que vem perdendo fiéis 1% ao ano,
pentecostalização da Igreja e uma espiritualidade cética nos fiéis. Com estes dados é
necessário analisar as conseqüências de tal declínio, não por questões quantitativas,
mas para uma revisão de todo trabalho pastoral.
Considerando os dados contemplados nos subcapítulos anteriores, faz-se
necessário um maior enfoque na pentecostalização da Igreja e no hiato entre a fé e a
vida dos fiéis, ou melhor, na dicotomia de vida dos crentes católicos.
2.5.1
O Fenômeno da Pentecostalização Católica
Um fato social incontestável dos países ocidentais de tradição cristã,
principalmente os países da América Latina, é a crise representada pela metamorfose
do sagrado. E um dos fatos desta mudança está na pentecostalização.
Os dados da pesquisa nos apresentam o surgimento de um novo modo de crer,
pertencer e mesmo de se converter. Vivemos em um tempo de mudança de paradigma
e da forma de manifestação da fé. Joel Amado, que investiga este processo de
pentecostalização que a religião vem passando, expõe:
por pentecostalização, não se deve entender apenas a passagem para esta ou aquela
denominação de natureza pentecostal, fato que também acontece, mas também o
assumir do jeito pentecostal, que vai se inserindo nas diversas denominações e até
mesmo entre os sem-religião. Trata-se, portanto, de uma religiosidade de vertente
(neo) pentecostal, que se vai concretizando em diversas denominações. O primeiro
fato que permite o levantamento desta hipótese refere-se ao trânsito religioso entre as
denominações de cunho pentecostal. Embora o protestantismo histórico também
experimente as dinâmicas da mobilidade, é o campo pentecostal que chama a atenção,
42
GUIMARÃES ROSA, João. Grande Sertão: Veredas, 14. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1980,
p. 15.
pois a mobilidade entre as denominações pentecostais também ocorre. Este segundo
modo de pentecostalização liga-se ao mencionado assumir o jeito pentecostal que se
vai manifestando nas diversas denominações tanto nas protestantes históricas quanto
na católica. Nesta última, vale destacar que o fenômeno da pentecostalização não se
encontra mais restrito à Renovação Carismática Católica. Ele se manifesta até mesmo
em quem se diz avesso exatamente a este movimento.43(Grifo nosso)
Está ocorrendo uma transformação da hegemonia católica para a hegemonia
pentecostal e não apenas protestante, mas também católica. Com isso, pode-se falar
em pentecostalização da religião no Brasil? A resposta a este questionamento tende a
ser positiva pois, em tempo de mobilidades, este fenômeno é o que mais atrai fiéis
brasileiros. Seguindo o estudo de Joel Portella sobre o tema, percebe-se como ele se
caracteriza.
Um ato individual. Mais do que ingressar numa sociedade que segue uma religião
hegemônica, trata-se de explicitar ao máximo a experiência da escolha, uma
experiência que ninguém mais pode fazer a não ser o próprio indivíduo. Estamos,
assim, diante de aguda afirmação da individualidade sobre qualquer proposta de
natureza mais objetivante, institucional.
Uma experiência livre de regras exteriores, uma experiência do momento, do deixar
acontecer. O que dita a experiência pentecostal não é a regra pré-estabelecida, nas
quais pessoas e grupos devem se encaixar. No caso do pentecostalismo, a única regra é
exatamente o fluir e o fruir.
Interatividade. À diferença de outras expressões religiosas em que a distinção em atuar
e assistir é mais nítida. Todos participam.
Novidade. Exatamente em virtude da ausência de grandes regras acerca de ritos e
passos a serem observados, um culto ou um momento de oração onde se segue o estilo
pentecostal permite que o diferente surja com maior densidade. O risco da rotina é
amenizado.
Glossolalia, curas, milagres e exorcismos, que apontam para a imediatez da eficácia do
agir divino. O sobrenatural não está longe, na eternidade. Ao contrário, está próximo,
atua e dá respostas para o concreto da vida, marcado por sofrimentos, dores, doenças,
pobreza e desesperança. Não é Deus para a vida eterna. É para o aqui e agora.
O emocional, livre das amarras de um racionalismo exagerado que tende a predominar
na ação pastoral de religiões hegemônicas, onde o seguir tal religião é
socioculturalmente lógico.
A redução ou mesmo a ausência de mediações para o contato com Deus, em oposição
às normas e burocracias das instituições religiosas. A palavra é livre, aberta a todos. A
escolha dos textos bíblicos e dos cantos é igualmente deixada ao acontecer do
momento. O condutor da celebração vai somente estabelecendo conexão entre o que
espontaneamente vai surgindo.
Num tempo em que todas as explicações não satisfazem, o fundamentalismo bíblico e
existencial fornece referências num contexto de constantes mudanças e explicações.
43
AMADO, J.P., op. cit. p. 141.
A satisfação ao final dos cultos, em oposição ao vazio deixado pelo ritualismo e pelo
racionalismo. Em tempos de resultados imediatos, a satisfação, mesmo que somente
em nível de catarse, é supervalorizada, tornando mais atrativas as propostas religiosas
com banda larga para contato com o sobrenatural. Conexões discadas implicam troca
de provedor.44
Para o homem pós-moderno este tipo de religiosidade favorece o seu
individualismo. Com este fenômeno percebe-se um deslocamento da experiência
religiosa para o indivíduo, sem mediação das instituições, dentro da lógica da
valorização da subjetividade. Há valorização de uma religiosidade sem vínculos com
igrejas. Um desafio para a Igreja Católica.
Essa atual conjectura obriga a própria Igreja a rever toda a sua atuação
teológico-pastoral, visto que não deve mais desenvolver uma pastoral de manutenção,
mas realizar aquilo que a Conferência de Aparecida buscou resgatar: uma pastoral de
missão, partindo de uma conversão pastoral45.
Diante deste desafio, a Igreja do séc. XXI, a exemplo da Igreja Apostólica e
com o auxílio do Espírito Santo, precisa responder à pluralidade do mundo no qual
está inserida. É a Igreja que vai ao encontro do Cristo na pessoa do outro.
Os dados da pesquisa do CERIS/2004 confirmam que o Brasil deste novo
século se apresenta com uma diversidade religiosa intensa. Vislumbra-se então uma
nova perspectiva pastoral inculturada e dialógica para toda a Igreja brasileira: uma
Igreja que valoriza a estrutura ministerial, reconhecendo a responsabilidade de todos.
2.5.2
O Hiato entre a Fé e o Compromisso Comunitário-Social
Com o desenvolvimento da pesquisa constata-se além do fenômeno da
pentecostalização, um outro grande desafio que é o hiato entre fé e o compromisso
social dos fiéis. A própria CNBB em um dos seus Documentos afirma:
44
AMADO, J.P., op. cit. P. 137.
A V Conferência do Episcopado Latino Americano e Caribenho, em Aparecida, através do texto
conclusivo inovou em apresentar nos pontos 365-372, uma verdadeira conversão pastoral de toda a
Igreja para responder a realidade. É uma ruptura com o pensamento de pastoral de manutenção e podese afirmar o “sepultamento”, de um pensamento de Cristandade. Assim valoriza-se a missão, a Igreja
do Ir e não a Igreja que Espera.
45
Embora a maioria da população brasileira se apresente como cristã, sua prática social
está impregnada de elementos que muitas vezes negam e excluem os valores
evangélicos. 46
A dicotomia teologia-prática pastoral é um dado de grande relevância, pois a
Igreja Católica propõe uma evangelização até o cerne da vida dos fiéis. Contudo, o
que se percebe é uma evangelização sem profundidade. Não são poucas as pessoas
que pedem os sacramentos da Igreja, mas não pertencem a nenhuma comunidade
cristã. O aspecto existencial tem falado mais alto em nosso tempo, confirmando o
pensamento que emerge desta pesquisa: uma supervalorização da subjetividade.
Sendo assim, surge um verdadeiro mosaico de informações sobre questões de
fé, confirmando este subjetivismo e produzindo também um relativismo que
obscurecem os verdadeiros valores do Evangelho. Neste contexto, a falta de rumos
claros leva, com freqüência, muitas pessoas e famílias a abandonar a vida eclesial, o
compromisso social e “buscar respostas ‘milagrosas’ para suas necessidades
imediatas em práticas supersticiosas ou mágicas”47 .
O sentido de pertença é tênue. Enquanto a Igreja estiver oferecendo aquilo que
o homo consumans necessita, ele será parte dela. Quando não, fluirá para uma
denominação religiosa que possa suprir aquilo que deseja.
Em tempos de mobilidade, o fiel não busca mais pertencer a uma instituição ou
religião. Ele procura optar, escolher, em meio ao pluralismo crescente, o que mais
“fala ao seu coração”, o que mais satisfaz naquele momento, o imediato. Não se
assume compromisso duradouro, pois quando outras necessidades surgirem, nova
escolha poderá ser feita48.
Enfim, analisando todo este hiato, nos reportamos para o Evangelho na
perícope das tentações de Jesus no deserto e podemos comparar os tempos atuais com
esta passagem49.
46
CNBB, DIRETÓRIO DA PASTORAL FAMILIAR, No. 79, Paulinas, São Paulo, 2006, No. 27.
Idem.
48
Cf. PORTELLA, Joel Amado. Mudar de religião faz bem? – Algumas reflexões pastorais a
respeito da mobilidade religiosa no Brasil. In: Mudança de Religião no Brasil – Desvendando
sentidos e motivações. São Paulo: Ed. Palavra e Prece, 2005, pp.131-158.
49
Mt 4, 1-11.
47
A primeira tentação que Jesus sofre consiste em usar tudo para o próprio
proveito. A maior tentação atualmente é o consumismo; utiliza-se até mesmo do
sagrado para fins próprios. A Religião, outrora normativa, agora começa a ser fonte
de prazer, de gozo, não soa mais como uma mudança da realidade da vida ou da
sociedade. Tudo deve trazer vantagens, até mesmo a fé ou a oração. Tudo é medido
pelo grau de utilidade e saciedade. Desaprendemos a tratar o sagrado como uma
coisa que é intocável, que se subtrai à nossa avidez. O demônio quer que Jesus abuse
de sua condição de filho de Deus, para satisfazer todas as suas necessidades. Mas ser
filho de Deus significa mais do que saciar a fome e a sede. Jesus lembra ao tentador a
palavra da Escritura em que se diz que o homem vive de toda palavra “que sai da
boca de Deus”50.
Essa primeira tentação contribui para a reflexão teológica sobre a pessoa e a
doutrina de Jesus Cristo, favorecendo um discernimento sobre a singularidade e a
universalidade Dele diante da mobilidade religiosa.
A segunda tentação está relacionada à apropriação de Deus para aumentar a
auto-estima. O grande risco dessa tentação é o uso impróprio que se faz das palavras
bíblicas. O demônio tenta Jesus citando as palavras do salmo em que se afirma que
Deus ordenou a seus anjos que o carregassem nas mãos. Pode-se aproveitar de Deus
para ganhar a estima dos homens. Neste caso, coloca-se o próprio ego no lugar
devido a Deus. Abusando daquilo que é sagrado, acaba-se destruindo o que há de
mais precioso no ser humano: a sua imagem e semelhança do Criador.
A terceira tentação é o poder. O demônio mostra a Jesus todos os reinos do
mundo, prometendo transformá-lo no senhor do mundo inteiro, desde que caia de
joelhos para adorá-lo. O ser humano aumentaria o seu poder devotando-se ao
demônio. Mas essa devoção tem o seu preço. O homem perde a sua liberdade e,
muitas vezes, até mesmo a sua capacidade de amar.
Essa é a maior tentação que se pode encontrar. Jesus renuncia a todo poder e
toda força: à violência dos homens, ele reage com não-violência, comprovando assim
a sua condição de filho de Deus. Esta tentação do poder, ainda hoje fascina muitos
homens e mulheres, principalmente o poder de ser o dono de si mesmo.
50
Mt 4,4.
Freqüentemente, essas tentações afastam o ser humano do projeto do Reino de
Deus. É um grande desafio para a Igreja Católica apresentar o projeto do Reino sem
nenhuma deturpação, mas para isso caberá a ela atualizar seus métodos de
evangelização, flexibilizando sua estrutura eclesiástica, descentralizando o poder,
trabalhar com a escassez de sacerdotes e sua prática pastoral limitada por “excessiva
concentração de responsabilidades nos sacerdotes”.
Em contraste, as Igrejas Evangélicas Pentecostais tratam de responder com
métodos próprios à demanda religiosa dos setores marginalizados. Estes encontram
nelas um espaço de vida comunitária e fraterna, um lugar onde se celebra a fé com
emotividade e sensitividade.
A perda da influência da Igreja Católica no país constitui uma preocupação
derivada da fluidez de pertença que a pesquisa CERIS/2004 demonstrou. Ao longo
dos anos a religião Católica perdeu esfera de influência na vida dos seus fiéis. Isso se
apresenta no “hiato” entre doutrina e conduta que sempre existiu, mas em tempos de
mobilidade isto tem acontecido de forma mais clara e expressiva.
2.6
As Malhas do Catolicismo
Não é possível situar o catolicismo brasileiro em um quadro de homogeneidade.
Na verdade, existem muitos “estilos culturais” de ‘ser católico’. Na verdade esses
estilos, como bem apresenta Faustino Teixeira, fortaleceram em muito uma dicotomia
de vida dos fiéis. Teixeira, em um dos seus artigos, classifica o catolicismo em
malhas diversificadas51 - ou se poderia mesmo falar em catolicismos.
Teixeira classificou o catolicismo em quatro grupos: um catolicismo santorial,
um catolicismo oficial, um catolicismo dos “reafiliados” e um catolicismo midiático.
Não se pode falar de realidades estanques e cristalizadas, mas inserem-se em um
51
TEIXEIRA, Faustino. Faces do catolicismo brasileiro contemporâneo. Disponível em http//
www.usp.br/revistausp/67/02-faustino.pdf. Acessado em 22.05.2006.
quadro geral marcado por relações de comunicação, de proximidades, tensões e
distanciamentos52.
2.6.1
Catolicismo Santorial
Segundo Faustino Teixeira, o catolicismo santorial53, utilizando uma expressão
de Cândido Procópio Camargo, é uma das formas mais tradicionais de catolicismo
presentes no Brasil desde o período da colonização. Tem como característica o culto
ao santos. Foi esse culto que marcou a peculiar dinâmica religiosa brasileira, de
caráter predominantemente leigo, seja nos oratórios, confrarias e irmandades, capelas
de beira de estrada e santuários. Nesse tipo de catolicismo, o povo católico leigo se
organiza para expressar sua devoção, centrada nesse culto dos santos, nas procissões,
nas romarias, promessas e ex-votos. Esse tipo de catolicismo que uma quadrinha
popular assim descreve: “muito santo, pouco padre; muita reza, pouca missa”54.
O que faz do leigo um agente religioso no catolicismo popular é sua qualificação
pessoal. Desde que tenha conhecimento e competência para o exercício de sua função
religiosa, pode executá-la. Como o devoto não precisa de licença do clero para cultuar
seu santo, assim o “rezador” ou a “rezadora” não necessita de um cargo eclesiástico
oficial para dirigir a oração!55.
Esse catolicismo das devoções populares mantinha uma relativa autonomia com
respeito ao catolicismo institucional. Não havia uma oposição ao clero, mas se
dispensava a presença de representantes oficiais da Igreja. É um catolicismo que
“quase chega a constituir-se um pára-sistema religioso setorialmente autônomo frente
a uma Igreja de que ele sempre se reconhece parte”56.
52
Idem.
Essa forma de vivência da fé católica no Brasil Colônia traz como interessante característica o fato
de ser administrada de modo especial pelos leigos, que trazem de Portugal seus santos e práticas
devotas e continuam na Colônia as devoções de tradição familiar.
54
BINGEMER, Maria Clara. Caminhos da Igreja e perspectivas de evangelização na construção
do Brasil. Palestra na 38ª. Assembléia da CNBB, Porto Seguro-BA, abr. 2000.
55
Idem.
56
Idem.
53
Os santos sempre ocuparam um lugar de destaque na vida do povo,
manifestando a presença de um “poder” especial e sobre-humano, que penetra nos
diversos espaços de vida e favorece, em uma estreita aproximação e familiaridade
com seus devotos, a proteção diante das incertezas da vida:
Os santos penetram na vida dos que os veneram, misturando-se com seus problemas,
suas necessidades mais urgentes, nos negócios, na vida familiar, nos casamentos, nos
amores. E tudo isto, sem cerimônia, sem se precisar de apresentação, sem intermediário. Tudo se passa entre o santo e seu devoto. Uma certa intimidade até, sem
implicar desrespeito, mas intimidade que chega até mesmo à imposição de certas
punições, como santo de cabeça para baixo, santo fora de sua capela, santo voltado
para as paredes57.
O fato de a Região Nordeste do Brasil despontar no Censo de 2000 como a
mais católica revela algo da força e presença da tradição do catolicismo santorial. Importantes estudos na área de antropologia mostraram com vigor a coerência, complexidade e diversidade desse catolicismo, que não pode ser apressadamente identificado
como um aglomerado de superstições ou crendices. E, além do mais, vem animado
por impressionante poder de penetração e reprodução nos meios populares 58.
No caso específico do Nordeste, há sem dúvida o influxo da presença de figuras
do clero popular, como padre Cícero e frei Damião. Mas o que é importante sublinhar
aqui é a força e o enraizamento de uma “teia de símbolos e valores católicos
tradicionais” em determinadas regiões que tem exercido, na prática, uma forte
resistência à penetração de outras experiências religiosas, em particular das tradições
pentecostais59.
57
ROLIM CARTAXO, Francisco. Condicionamentos Sociais do Catolicismo Popular. In: Revista
Eclesiástica Brasileira, v. 36, n. 141, 1976, p. 159. Ver ainda: FERNANDES CÉSAR, Rubem, Pouco
Padre, Pouca Missa e Muita Festa.Cf. Disponível em
http://www.ccre.gov.br/adbrasil/itamaraty/web/port/artecult/religico/apresent/.htm. Acessado em
01/06/2008.
58
Cf, BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Memória do Sagrado, op. cit. p. 32.
59
Cf, BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Crenças e Identidade. Campo Religioso e Mudança Cultural.
In: Pierre Sanchis, Catolicismo: Unidade Religiosa e Pluralismo Cultural. São Paulo: Loyola, 1992,
p. 51.
2.6.2
Catolicismo Oficial
O catolicismo oficial, como outras instituições religiosas tradicionais, encontrase em um momento de crise e declínio. É algo que se relaciona com a progressiva
afirmação de uma “sociedade pós-tradicional”, que coloca em questão a forma usual
de preservação da tradição e exige processos criativos de sua reinvenção e inserção
no tempo. Há, hoje em dia, nas instituições tradicionais, uma “desregulação”
identitária e uma grande dificuldade de transmissão regular dos valores religiosos de
uma geração para outra. Deixa-se de assegurar a afirmação de uma memória coletiva,
o que ocorria de forma garantida nas sociedades tradicionais 60. Instaura-se, assim,
uma crise na “construção individual da continuidade crente”. Uma crise que se traduz
pelo progressivo enfraquecimento da figura do praticante regular, em geral associada
a comunidades de sentido fortemente constituídas, em favor da irrupção da figura do
peregrino, que traz consigo as marcas da mobilidade construída a partir de experiências pessoais61. Como mostrou Antônio Flávio Pierucci:
[…] nas sociedades pós-tradicionais, et pour cause, decaem as filiações tradicionais.
Nelas os indivíduos tendem a se desencaixar de seus antigos laços, por mais
confortáveis que antes pudessem parecer. Desencadeia-se nelas um processo de
desfiliação em que as pertenças sociais e culturais dos indivíduos, inclusive as
religiosas, tornam-se opcionais e, mais que isso, revisáveis, e os vínculos, quase só
experimentais, de baixa consistência. Sofrem fatalmente com isso, as religiões
tradicionais62.
Os últimos censos e a pesquisa CERIS/2004 realizados no Brasil revelam
claramente esse enfraquecimento ou mesmo declínio da figura do praticante católico.
60
AMADO, J.P. Mudar de Religião faz bem? In: ALVES FERNANDES, Sílvia Regina. (org.).
Mudança de Religião no Brasil. São Paulo: Palavra e Prece, 2005, p. 140.
61
Ibidem, pp. 141-142.
62
PIERUCCI, Antônio Flávio. Bye Bye, Brasil – O Declínio das Religiões Tradicionais no Censo
2000. In: Estudos Avançados, v.8, 2004, p.59.
Fala-se hoje no catolicismo como “doador universal”, na medida em que “tornou-se o
principal celeiro no qual outros credos arregimentam adeptos”63.
Há uma grande preocupação com o êxodo de fiéis para outras confissões
religiosas, em particular as denominações pentecostais, mas também com o
desligamento de muitos jovens, que no último censo ampliaram as fileiras dos “sem
religião”64.
No catolicismo oficial, há baterias que buscam incentivar uma presença pública
mais definida da Igreja Católica na sociedade, com o incentivo de projetos pastorais
mais voltados para o social, como o Grito dos Excluídos, o Multirão Nacional contra
a Fome e a Exclusão, o Plebiscito da Dívida Externa e demais iniciativas relacionadas
às Pastorais Sociais e à Campanha da Fraternidade. Mas não há dúvida de que essa
presença no espaço público é distinta daquela exercida nos anos 70 e 80, quando a
Igreja oficial e a CNBB em particular evidenciaram o rosto de uma igreja
comprometida com o povo e os pobres. Essa situação foi se modificando medida em
que o processo de restauração, de centralização e uniformidade, foi se afirmando em
âmbito mais geral, provocando crescentes dificuldades, incompreensões e barreiras na
atuação crítica da Igreja Católica no Brasil. Hoje, como avalia Brenda Carranza,
predomina no catolicismo oficial certa sensação de instabilidade, debatendo-se:
[…] com as conseqüências dos modelos geográficos de paróquias, os quais se tornaram
obsoletos, se comparados à mobilidade que as afinidades eletivas dos fiéis produzem,
pois na procura de experiências religiosas e participação sacramental os paroquianos se
tornam desterritorializados. Às vezes atônito com os dados estatísticos da evidente
migração religiosa, e às vezes animado com o arrebanhamento de fiéis em encontros
multitudinários, o bloco institucional sofre as pressões da reinstitucionalização
romanizada presente em suas fileiras, sejam padres ou bispos, sejam leigos ou
religiosos. No centro da avenida esse catolicismo avança no ritmo: dois pra frente, um
pra trás65.
63
MORREIRA, Paula & ALMEIDA, Ronaldo. O Campo Religioso Brasileiro no limiar do Século.
Problemas e Perspectativas. In: RATTNER, Henrique, Brasil no Limiar do Século XXI, São Paulo:
Fapesp/Edusc, 2000, p. 330.
64
Cf. NOVAES, Regina. Os Jovens Sem Religião: Ventos Secularizantes, ‘Espírito da Época’ e
Novos Sicretismos. In: Estudos Avançados, v.18, n. 52, 2004, pp 321-323.
65
CARRANZA, Brenda. Continuum Criativo: o Catolicismo Midiático. São Paulo: Loyola, 2005,
p. 8.
2.6.3
Catolicismo de Reafiliados
Seguindo a pista aberta por Danièle Hervieu-Léger66, a situação de mobilidade,
típica de uma modernidade religiosa tecida pelas experiências pessoais, favorece a
emergência de uma outra figura na paisagem das religiões, que é a do convertido.
Trata-se de uma figura que se encaixa bem para exemplificar a afirmação identitária
presente em algumas experiências religiosas em curso no Brasil, como a Renovação
Carismática Católica (RCC) e as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).
A conversão vem aqui entendida não como mudança de religião ou inserção
religiosa de pessoas que jamais pertenceram a qualquer outra tradição, mas de
“refiliação” religiosa. É uma experiência que envolve pessoas que descobrem ou redescobrem uma identidade religiosa até então vivenciada superficialmente, e que
traduz a entrada num “‘regime forte’ de intensidade religiosa”. Na nova experiência
comunitária, podem reorganizar sua vida e encontrar o necessário apoio emocional67.
A RCC é um bom exemplo desse catolicismo de reafiliados. É um movimento
fundado na pertença por opção e que promove uma “re-adesão” aos valores
tradicionais do catolicismo, daí sua busca de sintonia com a Igreja oficial. Mas em
função de sua peculiaridade, como muitos autores têm hoje sublinhado, ela exerce um
“papel ambivalente” no interior da Igreja Católica. De um lado, insere-se numa
estratégia de clara afirmação identitária e de zelo pela doutrina católica tradicional; de
outro, favorece uma dinâmica espiritual que acaba incidindo em uma perspectiva de
auto-nomização e transversalidade com respeito ao catolicismo oficial68. Em razão
dessa ambivalência, a instituição oficial católica oscila entre o incentivo e o temor. A
RCC é vista positivamente como um instrumento importante na reaproximação dos
fiéis, mas simultaneamente torna-se motivo de controvérsia em razão de sua dinâmica
autonomista, que pode significar uma ameaça ao modelo vigente de catolicismo
oficial.
66
Cf, HERVIEU-LÉGER, Daniele. Op. cit. pp. 33-40.
TEIXEIRA, Faustino. Op. cit. p 6
68
STEIL, Carlos. Aparições Marianas Contemporâneas e Carismatismo Católico. In: SANCHIS,
Pierre (org.) Fiéis e Cidadãos, op. cit., p.19.
67
Vários autores têm chamado a atenção para a diversidade interna da Renovação
Carismática no Brasil. Segundo Cecília Mariz,
[…] por mais que a liderança do movimento tente ao máximo homogeneizá-los, os
grupos de oração da RCC, e até mesmo as lideranças clericais, podem ser bastante
distintos entre si. A experiência de contato do leigo com o sagrado, que é central para a
RCC, desempenha papel importante na produção da autonomia e da diversidade de
discursos e práticas69 .
Há razões plausíveis para identificar a RCC como um movimento que demarca
o campo identitário e define uma adesão exclusiva. Muitos são os exemplos que vão
nessa direção. Mas é também verdade que a dinâmica em curso vai desvelando novas
perspectivas, sobretudo em razão dos desdobramentos de sua experimentação
religiosa, que enfatiza o contato direto e íntimo com Deus. É a tradicional tensão
entre carisma e processo de institucionalização 70.
Alguns trabalhos etnográficos têm hoje apontado, de forma surpreendente,
experiências pontuais de grupos ou membros da RCC que transitam por outras
tradições religiosas ou acessam fragmentos de outras tradições, recompondo o seu
mapa religioso. Verificam-se influxos da tradição evangélica pentecostal (o incentivo
aos dons espirituais, a glossolalia, a cura e o exorcismo), da tradição espírita 71 (a
crença na reencarnação) e dos circuitos neo-esotérios, ligados à Nova Era, bem como
traços do catolicismo popular tradicional (culto aos santos e aparições marianas)72.
O antropólogo Carlos Steil aventou essa possibilidade de “tradições religiosas
assumirem configurações que as permitem conviver, na periferia de seus dogmas,
com crenças e rituais que não se adeqüam ao seu regime religioso, criando zonas de
fuga da ortodoxia em relação aos significados no interior da própria tradição”73.
Outro exemplo de catolicismo de reafiliados é o das CEBs.
69
MARIZ, Cecília, op. cit. p.6.
OLIVEIRA, Eliane, O Mergulho no Espírito, op.cit. pp. 85-86.
71
Diversos autores tem sublinhado o fenômeno da impregnação espírita na sociedade brasileira, e as
pesquisas vêm confirmando esse fato, por exemplo, na constatação da crença na reencarnação por
parte de católicos praticantes. (Cf. SANCHIS, Pierre, O Repto Pentecostal à Cultura Católicobrasileira”, op. cit., p. 37.
72
STEIL, Carlos. Renovação Carismática Católica: Porta de Entrada ou de Saída do
Catolicismo? In: Religião e Sociedade, v. 24, n.1, 2004, pp.28-31.
73
STEIL, Carlos. CEBs e Catolicismo Popular. In: BOFF, Clodovis et alii, As Comunidade de Base
em Questão, São Paulo, Paulinas, 1997, p. 91.
70
É uma experiência que traduz para seus participantes uma mudança
significativa no campo do exercício religioso. Pode-se falar com pertinência de
conversão, como mudança acentuada na maneira pessoal e coletiva de se viver a
experiência da própria religião. O caso das CEBs evidencia a trajetória de indivíduos
que se reafiliam a uma mesma tradição, que redescobrem uma nova identidade
religiosa, até então mantida formalmente. A inserção nas CEBs provoca em âmbito
vital uma reorganização ética e espiritual. Os participantes das comunidades passam a
compartilhar uma nova identidade (fala-se em “novo jeito de ser Igreja”)74,
reorganizam seu “aparelho de conversa” sob novas bases e estabelecem uma nova
relação com o sagrado, que implica agora a centralidade da conscientização, um novo
compromisso ético e político e a ênfase na participação em lutas populares.
Com base nos dados de pesquisas realizadas pelo Iser/Assessoria nas décadas
de 80 e 90, Carlos Steil mostrou que as CEBs inserem-se num projeto eclesial
tipicamente moderno. Essas comunidades eclesiais
[…] se instituem no meio popular como um espaço social produtor de uma nova
inteligibilidade da experiência religiosa. Uma experiência que ganha plausibilidade na
medida em que consegue inscrever as práticas sociais e políticas no âmbito religioso,
de forma que a consciência apareça como acesso privilegiado ao sagrado75.
Em razão dessa “modernidade sistêmica”, presente nas CEBs, ocorreram
tensões e embates com o catolicismo popular, seja mediante a assunção de uma
linguagem racionalizadora que descarta a linguagem popular tradicional, seja na
instrumentalização da religião popular, valorizada unicamente como espaço para o
exercício da conscientização. Isso ocorreu sobretudo no momento mais inicial da
experiência das CEBs. Posteriormente, aproximações mais salutares foram
realizadas76.
As CEBs viveram o seu momento de maior efervescência nas décadas de 70 e
80, envolvendo distintas formas de pertencimento. A partir do final dos anos 80, com
os novos ventos da conjuntura eclesiástica internacional, elas encontram inúmeras
74
TEIXEIRA, Faustino. A Espiritualidade nas CEBs, In: op.cit, pp. 208-209.
STEIL, Carlos. CEBs e Catolicismo Popular , op. cit. p. 92.
76
BOFF, Clodovis. CEBs: a que Ponto Estão e para Onde Vão? In BOFF, Clodovis op. cit, p. 285.
75
resistências e mesmo impedimentos para a continuidade de sua afirmação criadora.
Mas sobrevivem à crise e ampliam o campo de seu interesse para novos desafios,
como os da cultura, etnia, gênero, subjetividade, ecologia, espiritualidade,
ecumenismo e diálogo inter-religioso.
Na visão de Luiz Alberto Gómez de Souza, seria simplificador concluir de
forma apressada, como tendem a fazer hoje certos analistas, que o momento atual
marca a vitalidade de novos movimentos eclesiais, em particular da RCC e as Novas
Comunidades, e o recuo das CEBs. Em sua visão, “se o movimento carismático
aumenta, isso não indica que as pastorais sociais e as CEBs declinem”77.
Os três últimos intereclesiais de CEBs, ocorridos em São Luís (1997), Ilhéus
(2000) e Ipatinga (2005), assim como o próximo que será realizado em Porto Velho
(2009) também deve fazer, apontam a vitalidade da experiência, ainda que com novas
nuances, e a presença cada dia mais renovada de uma sensibilidade ecumênica e
inter-religiosa78.
2.6.4
Catolicismo Midiático
Um importante fenômeno emergente no campo religioso brasileiro é o do
catolicismo midiático79, que se encontra relacionado com a diversificação da
experiência da Renovação Carismática Católica. Essa nova malha católica envolve
“diversas práticas e grupos religiosos que podem ser aglutinados sob o imenso
guarda-chuva chamado Renovação Carismática Católica que, junto a outros setores
eclesiásticos, implementaram um outro jeito de ser Igreja” 80. É sobretudo em razão de
sua presença nos meios de comunicação de massa que a RCC marcou uma nova
atuação pública na sociedade brasileira. Esses meios de comunicação foram também
77
SOUZA, Luiz Alberto. As Várias Faces da Igreja Católica. In: Estudos Avançados, v. 18, n. 52,
2004, p.87.
78
Cf. LESBAUPIN, Ivo et alii, As CEBs Hoje. Síntese de uma Pesquisa em Minas Gerais e Rio de
Janeiro. Rio/São Leopoldo, Iser-Assessoria/Cebi, 2004, pp.8-12.
79
Trata-se de uma expressão utilizada pela socióloga Brenda Carranza.
80
CARRANZA, Brenda, op. cit, p. 9.
os instrumentos privilegiados que ela encontrou para fazer frente ao progressivo
processo de “destradicionalização” em curso na sociedade brasileira e apostar na
reinstitucionalização católica.
Um dos grandes destaques desse catolicismo midiático é o padre Marcelo
Rossi, que teve sua rápida ascensão na mídia no final de 1998. Sua presença tem sido
constante nos diversos meios de comunicação social e, em particular, na Rádio Globo
e no Sistema Globo de Televisão. Além de fazer grande sucesso na rádio e TV, é
também fenômeno discográfico, com importantes registros na vendagem de CDs
voltados para a evangelização católica, bem como um fenômeno cinematográfico e
também editorial81.
Mas o catolicismo midiático conta também com outros personagens, como o
Padre Jonas Abib, Padre Antônio Maria, Padre Joãozinho e Padre Jorjão. Há que
ressaltar no quadro desse novo catolicismo a afirmação de novas redes de televisão
voltadas para a evangelização, como a Canção Nova, a Rede Vida e a Século XXI.
Merece destaque a Canção Nova, que foi adquirida pelos membros da
comunidade de vida Canção Nova82 em 1980, inaugurando em 1989 a primeira
transmissora de televisão. Nasceu como um canal privilegiado para a missão
evangelizadora e mantém ainda hoje esta função primordial, mas em uma linha
marcada por forte tom apologético.
Percebe-se que a pesquisa do CERIS/2004, em conjunto com as pesquisas do
CENSO e da Fundação Getúlio Vargas contribuíram com seus dados para interpelar a
teologia sobre a situação da mobilidade religiosa brasileira, que passa por um
paradoxo: um processo de desisntitucionalização e um processo de pentecostalização.
Caberá a Teologia Católica aprofundar a realidade da questão levantada no
início deste trabalho: a diversidade religiosa no Brasil. Um olhar exclusivo para a
declaração de crença dos entrevistados nas pesquisas mostram uma
81
realidade
bem
Ibidem, Catolicismo em Movimento, in Religião & Sociedade, v. 24, n.1, 2004, pp.126-129.
As Novas Comunidades, seja de vida ou de alinça relacionam-se com a RCC mas não fazem parte da
estrutura da RCC, ou seja, não são componentes que constituem a base ou a estrutura organizacional
do movimento, como seriam os grupos de oração e outros órgãos de direção do movimento. Entre as
Novas Comunidades podem ser citadas a Canção Nova (a mais antiga, sendo a primeira Comunidade
criada em 1978 na cidade de Queluz, São Paulo) a Comunidade Shalom (fundada em 1982, no estado
do Ceará) e tantas outras.
82
diferente da que se podia imaginar. Na pesquisa CERIS/2004, pode-se destacar a
imagem de vários estilos de catolicismo, como foi apresentado, e várias modalidade,
tais como: o católico nominal e o verdadeiro, o praticante e o não praticante, o
engajado e o que vai à missa83.
Observou-se que os sem-religião, em ascensão no Brasil, na sua maioria ainda
têm algum vínculo com o sagrado e não possuem nenhum drama de consciência em
se autodeclarar não pertencente a nenhuma instituição religiosa.
Para os pentecostais evangélicos e católicos surge um grande questionamento
sobre a autenticidade de sua conversão, que poderá ser classificada como uma
“refiliação” religiosa.
Urge na sociedade brasileira uma reavivar da fé e um reacender da caridade em
todos, principalmente nos católicos. Assim, para contribuir aos anseios da Igreja
Católica brasileira, em tempo de mobilidade religiosa, o carisma palotino quer
colaborar na conscientização do laicato sobre a sua missão.
Chama a atenção a perda dos fiéis, o desenraizamento e a figura do consumidor
da fé. Este último transita pelas diversas religiões, nada rejeitando. O grande desafio
para as Igrejas diante deste consumidor da fé é apresentar um cristianismo como
opção de vida, fruto de uma verdadeira metanóia. , Em tempo de um pluralismo
religioso, a iniciação sócio-cultural não entrega às Igrejas cristãos relativamente
assumidos, por isso a contribuição do carisma palotino visa despertar nesses fiéis a
sua responsabilidade de cooperar na salvação do próximo.
Despertar nos cristãos “passivos” a sua ação apostólica, pois vivendo um
cristianismo de identidade plástica, serão conduzidos a práticas religiosas sem
profundidade,
na realidade buscando uma religiosidade intimista, na busca da
realização de seus
prazeres,
alimentando uma falsa imagem de Deus. Faz-se
necessária uma Cultura de Cooperação, na qual todos se sintam responsáveis pela
Igreja, na qual os leigos não se sintam “auxiliares da hierarquia”, mas parte efetiva
da comunhão da Igreja.
83
GRUMAN, Marcelo, op. cit. p. 99.
A própria Igreja reconhece esta necessidade quando afirma que a “missão
evangelizadora da Igreja é realizada por todo o povo de Deus, com sua variedade de
vocações e ministérios”84.
Estes, cooperando uns com os outros, devem buscar a
valorização de cada ser humano, chamado pelo seu batismo a cooperar na salvação do
outros85.
84
CNBB, Missão e Ministérios dos Cristãos Leigos e Leigas, Doc. 62. São Paulo: Paulinas, 1999,
p.97.
85
A Cultura de cooperação será ampliada, mas não exaustivamente abordada no terceiro capítulo deste
estudo.
3.
A Visão eclesial de Vicente Pallotti e seu Contexto Histórico
Partindo da análise da pesquisa sobre a Mobilidade Religiosa no Brasil, cabe
neste segundo capítulo dar mais um passo na proposta deste trabalho, onde diante dos
desafios que emergem da pesquisa, torna-se interessante passar a apresentar a pessoa
de Vicente Luiz Francisco Pallotti, mais conhecido como Vicente Pallotti, sua obra e
toda a sua contribuição para a Igreja do seu tempo e atualizar a sua contribuição para
as questões atuais. Mas por que estudar a sua pessoa e obra? Será que sua teologia
tem algo a dizer à realidade da Mobilidade Religiosa?
Em um primeiro momento pode-se pensar que não, pois Vicente Pallotti viveu
em uma outra época da história, mas aprofundando seus escritos percebe-se que sua
obra contribuiu para o seu tempo e contribui para os tempos atuais. Nesta pesquisa
teológica não caberá apresentar uma biografia de Vicente Pallotti, mas sua
contribuição à Igreja do seu tempo e a atualização do seu carisma para a realidade da
Mobilidade Religiosa.
Para entender sua novidade eclesial necessita-se percorrer, primeiramente, a sua
identidade, a estrada deste passado próximo e ver de perto a dialética entre a Igreja e
a sociedade liberal e Igreja tradicional. Situação bem parecida, levando em conta as
devidas proporções, do tempo atual. Por isso, nas próximas páginas serão
apresentadas sua vida e obra, a mentalidade apologética vinda do Tridentinismo e do
centralismo Ultramontano que, como herança, perpassam as suas idéias eclesiais.
No desenrolar deste trabalho irá aparecer à alegria da novidade, os seus
fundamentos, a repercussão positiva desta idéia, as dificuldades, os campos da missão
e a busca da grande unidade. O dinamismo da fé e da caridade e as idéias de salvação
são chaves hermenêuticas que perpassam constantemente a sua eclesiologia. O
carisma e a profecia que brotam dessa iniciativa eclesiológica nos interrogam sobre
aquilo que herdamos hoje, não sobre a viabilidade do apostolado para todos, mas
sobre a unidade do apostolado de todos dentro da Igreja.
Este homem, do século XIX, com sua força interior,
já anunciava
profeticamente o século XX. Um homem que soube analisar os ‘sinais dos tempos’ de
sua época, sendo aberto às moções do Espírito, antecipou em cem anos o Concílio
Vaticano II, com as suas idéias e o seu carisma.
Reavivar a fé e reacender a caridade: eis o carisma da União do Apostolado
Católico. Carisma este que, em tempos de Mobilidade Religiosa no Brasil, pode
contribuir para um impulso missionário em todo Povo de Deus, sejam eles Bispos,
padres, religiosos, religiosas, leigos ou leigas.
3.1.
Vicente Luiz Francisco Pallotti: seu tempo, sua vida e sua vocação
Uma definição sobre a pessoa de Vicente Pallotti encontra-se no Preâmbulo da
Lei da Sociedade do Apostolado Católico que diz:
Em cada época, Deus dota homens e mulheres com carismas do Espírito Santo, para a
continuação da missão salvífica de Cristo, para o bem dos homens e edificação da
Igreja.
São Vicente Pallotti (1795-1850) pertence ao número daqueles que, na primeira
metade do século XIX, Deus enriqueceu com seus dons e inspirações, a fim de que
fossem de auxílio à Igreja no cumprimento de sua missão.
Diante do agravamento dos problemas de fé enfrentados pela Igreja naquele tempo, e
diante da multiplicação de suas tarefas na difusão do Evangelho em terras de missão,
ele percebeu a urgência de reavivar a fé e de reacender a caridade entre os católicos e
de levar todos os homens à unidade da fé em Cristo.
Para tal fim julgou indispensável garantir a colaboração de todos os membros da
Igreja, quer do clero quer do laicato, e unir os esforços de todos para promover mais
eficazmente sua missão apostólica.
Ele, em verdade, estava convencido de que todos os membros do povo de Deus são
chamados ao apostolado, como dever decorrente do preceito da caridade – o maior
mandamento do Senhor – que move a todos a cuidar da salvação do próximo como da
própria.
Ele sabia, ademais, que as iniciativas individuais teriam maior eficácia, se unidas e
dirigidas a um fim comum. Por isso fundou a União do Apostolado Católico e confioulhe a tarefa de despertar em todos os católicos uma profunda consciência da própria
vocação ao apostolado e de reavivar neles a caridade para leva-los à plena atuação.86
86
LEIS DA SOCIEDADE DO APOSTOLADO CATÓLICO. Preâmbulo, Santa Maria, Pallotti, p. 1314.
Com este preâmbulo, pode-se apreender, em uma visão geral, todo o
desenvolvimento da Obra de Vicente Pallotti. Cabe ainda esmiuçar alguns dados
bibliográficos necessários para o bom andamento deste trabalho.
Vicente Luis Francisco Pallotti nasceu em Roma, no dia 21 de abril de 1795.
Era filho de Pedro Paulo Pallotti e de Maria Madalena De Rossi. Realizou seus
estudos primários na escola São Pantaleão e os secundários no Colégio Romano.
Doutorou-se em Filosofia e Teologia na Universidade Sapienza. Foi ordenado
sacerdote na Basílica São João de Latrão, no dia 16 de maio de 1818. Como sacerdote
desenvolveu suas atividades apostólicas em Roma e arredores.
No dia 04 de abril de 1835, fundou a União do Apostolado Católico e nos anos
sucessivos constituiu a comunidade dos Sacerdotes e dos Irmãos do Apostolado
Católico (Palotinos) e a comunidade das Irmãs do Apostolado Católico (Palotinas).
Morreu no dia 22 de janeiro de 1850. Foi canonizado no dia 20 de janeiro de 1963,
durante o Concílio Vaticano II.87
Um homem nunca pertence exclusivamente a sua época, e esse é bem o caso de
Vicente Pallotti. Ele escapa também em parte das mentalidades de uma época
histórica, tornando-se um tipo de “contemporâneo do futuro”. Ele o é não somente
porque ultrapassou seu tempo, como é normal ouvir sobre os fundadores, mas porque
foi plenamente homem de seu tempo e, consciente de compor somente uma “Obra
inacabada”88, envolveu todos seus discípulos para perseguir a realização de sua
fundação.
Com efeito, no seu testamento espiritual “Nella mia morte”89, Pallotti implora:
Rogo, agora e sempre, e entendo continuar a rogar também depois de minha morte, que
se aproxima sempre mais, à vossa caridade e ao zelo religioso, ó padres e irmãos
caríssimos em Nosso Senhor Jesus Cristo crucificado, que vos empenheis tanto pela
definitiva instituição e pela mais rápida e profícua propagação da pia Sociedade, como
87
Cf. AMOROSO, Francesco. São Vicente Pallotti Romano, Santa Maria:Biblos, 2006, pp.21-30.
Pode-se dizer que a União do Apostolado Católico, a sinfonia inacabada de Vicente Pallotti, como
aquela de seu contemporâneo Franz Schubert (1797-1829), comporta somente dois movimentos:
allegro moderato e andante com moto. Ela espera ainda, de cada geração palotina, o terceiro
movimento que faz parte de qualquer sinfonia: o allegro vivace! Tomanos emprestada a expressão de
Pe. Henri HOSER que fez uma conferência em Nairobi em 1995: “União do Apostolado Católico, a
sinfonia inacabada de S. Vicente Pallotti”, in LÔNDERO, Ângelo (org.). Horizontes Palotinos. Santa
Maria: Biblos, 2002, p. 383-391.
89
Cf. OO CC III, 23-33.
88
se vós tivésseis sido escolhidos por Nosso Senhor Jesus Cristo para serdes seus
fundadores, propagadores e mantenedores nesta terra e válidos intercessores, quando a
divina misericórdia vos colocar no reino eterno da glória. E fazei por interessar-vos por
ela o quanto possível, o quanto se interessaram todos os santos fundadores e
fundadoras da fundação, propagação e manutenção dos seus respectivos diferentes
institutos90.
Eis porque o Papa Pio XII, dirigindo-se ao Reitor Geral dos palotinos antes da
beatificação de Vicente Pallotti, escreveu: “Ele vos deixou em herança não somente o
que já tinha empreendido com sucesso, mas também o que ele sonhava” 91.
O seu ideal era o Apostolado Universal, visão ainda desconhecida em seu
tempo, na qual
as tarefas apostólicas eram reservadas apenas aos sacerdotes,
religiosos ou aos bispos. Em vez disso, Vicente Pallotti intuía que todos os batizados
– sacerdotes, religiosos e religiosas e leigos em geral, pessoas de todas as camadas
sociais e idades – participassem do papel missionário da Igreja, de maneira viva.
Principalmente os leigos.
O Papa Paulo VI durante suas férias de verão de 196392, por ocasião do tríduo
em honra ao novo santo Vicente Pallotti, realizou uma visita ao Catedral de Frascati,
onde presidiu a celebração eucarística e proferiu uma homilia destacando as
iniciativas de Pallotti.
Todos vós sabeis o motivo da minha presença no meio de vós. Estou aqui para honrar
um Santo que Frascati pode inscrever entre os seus cidadãos honorários: São Vicente
Pallotti [...] ele foi um precursor: ele antecipou de quase um século a descoberta. A
90
OO CC III, 28-29. BAYER, Bruno e ZWEIFEL, Joseph. (org.). Documentos da Fundação. Santa
Maria, p. 260.
91
Il Beato Vincenzo Pallotti e la sua Opera. Número único da Província Regina degli Apostoli,
Roma, 1950. in STAWICKI, Stanislaw, A cooperação, paixão de uma vida, Biblos, Santa Maria, 2007,
p. 66.
92
Durante as férias de verão daquele ano, Paulo VI achava-se em Castel Gandolfo, lugar de veraneio
dos papas. No dia 1o. de setembro, ele quis ir até a vizinha cidade de Frascati, para venerar o corpo de
São Vicente Pallotti, exposto na Catedral. O corpo tinha sido levado de Roma a Frascati e colocado à
veneração dos fiéis daquela cidade porque Pallotti esteve sempre muito ligado à mesma. Ali passara,
muitas vezes, suas férias de verão, na casa de sua tia, onde tinha celebrado sua primeira missa e
pregado também muitas missões populares. Para honrar o novo santo, foi organizado um tríduo na
Catedral. No último dia do mesmo, que era domingo, apareceu Paulo VI. Durante a celebração
eucarística, por ele presidida, pronunciou uma importante homilia na qual destacou o profetismo e o
pioneirismo de Pallotti. Tal homilia reveste-se de particular importância, pois foi pronunciada entre a
primeira e a segunda sessão do Vaticano II. Aborda muitos pontos importantes a respeito do
apostolado leigo, inseridos, posteriormente, nos documentos conciliares que tratam dos leigos. Lumen
Gentium foi publicada em 21 de novembro de 1964 e Apostolicam Actuositatem em 18 de novembro
de 1965.
descoberta que, também no mundo dos leigos, existe uma grande capacidade de bem,
este mundo antes era passivo, sonolento, tímido e incapaz de expressar-se. É preciso
dizer que este Santo, ao percutir esta consciência do laicato, fez brotar energias novas,
deu ao laicato consciência de suas possibilidades de bem e enriqueceu a comunidade
cristã de uma quantidade de vocações. Não só aceitação passiva e tranqüila da fé, mas
profissão ativa e militante desta mesma fé.
O nosso Santo, e é o lado genial da sua visão espiritual e social, viu que o leigo pode
tornar-se elemento ativo. É um dos argumentos mais repetidos e mais desenvolvido
desde que a Ação Católica, desde que o vitalismo espiritual, comunicado também aos
leigos dos nossos dias, se tornou uma lição comum da nossa história religiosa. Mas,
como dizia, ainda não é suficientemente pregada e nem é suficientemente
compreendida.
Os leigos devem elevar-se a esta consciência, que é dada, como sabeis, não somente
pela necessidade de alongar os braços, eu diria, do sacerdote que não chega mais a
todos os ambientes e já não dá conta de todas as tarefas. Ela provém de algo mais
profundo e de mais essencial, isto é, do fato que também o leigo é cristão. Ela nasce do
interior da sua consciência. Ele diz: “se eu sou cristão, devo professar esta minha graça
e esta minha vocação. Se sou cristão, não devo ser um elemento negativo e passivo e
neutro e, talvez, oposto à onda de espírito que o cristianismo põe nas almas. Devo
também eu imergir-me e, diria, ser quase arrastado pela circulação da graça. Devo
tornar-me também eu, leigo, capaz, se não puder fazer outra coisa, de aderir, de ajudar,
de fazer eco...93.
Um dos grandes benefícios que Pallotti trouxe para a Igreja universal foi
despertar para a consciência do laicato. Vicente Pallotti percebeu, em primeiro lugar,
o vazio, o vácuo moral e espiritual do seu tempo e intuiu que é preciso despertar a
sociedade cristã para a sua missão, onde todos somos responsáveis.
Em tempos de Mobilidade Religiosa brasileira, esta consciência que o laicato
deve ter de sua responsabilidade deve ser despertado em todos os membros da Igreja,
sejam eles bispos, padres, religiosos, religiosas , leigos e leigas.
O Concílio Vaticano II, através do Decreto “Apostolicam actuositatem”,
afirmou um século depois de Pallotti sobre o agir pastoral dos leigos, sobre sua
vocação para fermento de transformação do mundo, sobre sua participação na
comunidade local. Destaca-se a responsabilidade específica dos leigos:
O Santo Concílio, desejando tornar mais intensa a atividade apostólica do povo de
Deus, volta-se de maneira solícita aos cristãos leigos, cuja responsabilidade, específica
e absolutamente necessária, na missão da Igreja, já lembrou em outros documentos.
Pois o apostolado dos leigos, decorrente de sua vocação cristã, nunca pode faltar à
93
PAULO
VI
PP.
Homilia
na
Catedral
de
Frascati.
Disponível
em
http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/homilies/1963/documents/hf_pvi_hom_19630901_it.html.
Acessado em 12 de dezembro de 2007.
Igreja. As Sagradas Escrituras provam abundantemente quão espontânea e fecunda foi
esta atividade nos primeiros tempos da Igreja.94
A novidade trazida por Pallotti está na maneira de conceber e exercer a ação
apostólica, pois dentro de uma Igreja totalmente dominada pela hierarquia, em que os
leigos não tinham espaço e nem participação ativa, ele insistiu em que todos,
independentemente do seu estado, da sua condição ou do seu lugar na Igreja, são
chamados a participar ativamente da ação apostólica. E isto pelo fato de serem
criados à imagem e semelhança de Deus.
Vicente Pallotti nunca teve a intenção de elaborar, de forma sistemática, uma
doutrina teológica sobre o apostolado universal. Mesmo assim, encontram-se, nos
seus escritos, muitos elementos e princípios que, organicamente unidos, podem
constituir uma base segura de doutrina sobre o apostolado.
Para afirmar e defender que todos os cristãos podem e devem participar da
missão salvadora de Cristo, isto é, do apostolado de Jesus Cristo, Pallotti não partiu
dos sacramentos do batismo e da crisma, como o fez, mais de um século depois, o
Concílio Vaticano II, especialmente no Decreto sobre o “Apostolado dos Leigos”, e
como o fizeram os posteriores documentos ligados ao tema.
Pallotti não parte de um princípio sacramental, mas de um princípio
“ontológico”, isto é, do princípio de que “todas as criaturas vivas, presentes e futuras,
atuais ou possíveis devem tributar a Deus todo louvor e glória, existente ou
possível”95. Isto é, defende o fato de que todo o ser humano, por ser imagem e
semelhança de Deus, já participa desta missão. Está na sua essência glorificar a Deus
pelos seus atos. Assim, para Pallotti, o ser do homem já fundamenta a sua
participação no apostolado de Jesus Cristo.
Além desse princípio, Pallotti coloca outros que fundamentam a sua concepção
de apostolado: o preceito da caridade que o Senhor deu a todos, pois por amor, o
homem deve buscar a salvação do próximo como também a sua; o dever que todos
têm de imitar Jesus Cristo, o Apóstolo do Pai. A imitação de Jesus Cristo para Pallotti
significava cooperar com Deus para a salvação da humanidade.
94
CONCÍLIO VATICANO II. Decreto Apostolicam actuositatem. Petrópolis:Vozes, 1968, No. 1.
HETTENKOFFER, Giovanni (Ed.). Propositi ed aspirazioni del Vincenzo Pallotti. Roma: San
Salvatore in Onda, 1922, p.31.
95
Com efeito, nas Meditações de cada dia, Ele afirma que “entre todas as divinas
perfeições que Deus comunica às suas criaturas, a mais divina é o dom de cooperar na
salvação das Almas”96. E o exemplo de Maria, Rainha dos Apóstolos que, não sendo
apóstola, desempenhou muito bem o seu papel na História da Salvação.
Enfim, Vicente Pallotti era profundamente convicto de que todos são chamados
a participar nesta missão e por isso, em 1835, fundou a União do Apostolado Católico
para reavivar a fé e reacender a caridade dos fiéis. Assim, enfrentou muitos desafios,
os quais serão adiante comentados.
3.1.1.
A Igreja e a Sociedade Moderna
Para compreender a eclesiologia de Vicente Pallotti, se faz necessário ter
presente à dialética existente entre a sociedade liberal burguesa e a Igreja. São essas
duas grandes forças que se medem entre si: uma é a sociedade liberal que, com os
seus princípios e forma de vida, penetra a consciência moderna como se fosse o seu
campo natural; a outra é a Igreja oficial que, por sua vez, procura responder aos
problemas da época com a bandeira da restauração.
A modernidade busca as suas raízes no Renascimento, na Reforma Protestante,
no Iluminismo 97, “especialmente em Emanuel Kant, que se empenhou decididamente
pela autonomia da razão, contra tudo o que não fosse estritamente racional98. Mas foi
96
OO CC XI, 256.
O Iluminismo ou Ilustração, uma das marcas importantes do séc. XVIII que traduzia-se como o
Século das Luzes, via nas “Luzes” o poder da razão humana de interpretar e reorganizar o mundo. O
otimismo com respeito à razão já era prenunciado desde o Renascimento, contra o teocentrismo
medieval e o princípio da autoridade. No séc. XVII o racionalismo e a revolução científica acentuaram
essa tendência, de modo que no Século das Luzes o indivíduo se descobre confiante, como artífice do
futuro, e não mais se contenta em contemplar a harmonia da natureza, mas quer conhecê-la para
domina-la. Era uma natureza dessacralizada, desvinculada da religião, que reaparecia em todos os
campos de discussão no século XVIII. Na moral se buscavam formas laicas, que permitissem a
naturalização do comportamento humano, a espontaneidade do sentimento e a importância das paixões
como vivificadoras do mundo moral. Na religião, o deísmo é uma espécie de “religião natural” em que
não haveria lugar para os dogmas e fanatismos. Os filósofos deístas não aceitavam a revelação divina
nem rituais de culto, admitindo que Deus era apenas o Primeiro Motor, o Criador do Universo. A
Revolução Francesa, em 1789, reflete essas idéias e as legitima quando propõe-se a combater a
privilégios hereditários e defender os princípios de “igualdade, liberdade e fraternidade” de uma
França desigual.
98
FORTE, B. Teologia della storia. Milano: Paoline, 1989, pp. 290-292.
97
em G. F. Hegel que a modernidade elaborou “um sistema totalitário, idealista, uma
visão global do mundo e da história onde tudo deveria ser otimisticamente,
perfeitamente, enquadrado... as ciências positivas..., fundamentadas no seu a priori
racional (a hipótese), representam o triunfo da racionalidade” 99.
O homem moderno proclama a sua maioridade começa a confiar nas suas
capacidades, a criar e a recriar o artístico, o econômico, o político e novos horizontes
humanísticos; sente-se dono do seu entendimento e dos seus projetos; pela sua ‘razão
adulta’ crer poder abraçar toda a realidade, o próprio homem, o mundo e a história.
Nessa plenitude do racional, o absolutamente outro não encontra mais o seu lugar no
meio dos homens e do cosmo. Endeusando a natureza com a autonomia da razão,
pretende ultrapassar a própria história, ser fim em si mesmo e “medida e árbitro de
todas as coisas”100. O homem enciclopedista busca os direitos da razão “através de
uma crítica implacável às opiniões feitas, às autoridades sagradas, à ‘superstição
religiosa’, à Bíblia, a toda crença sobrenatural” 101; rejeita os princípios perenes102, a
dependência religiosa, o domínio teocrático; “aborrece o dogmatismo religioso que,
segundo ele, é responsável por excessos, abusos e crimes”103.
O século XIX caminha sob o signo da modernidade, cujo fruto amadurecido é a
secularização104. Vive-se o século áureo do laical, isto é, do homem que quer libertarse das estruturas monárquicas e religiosas, do clerical105. A sociedade laical quer
caminhar com os próprios pés, resolver seus problemas sem qualquer interferência da
sociedade religiosa, que, até pouco, tentou “dar sentido ao conjunto da vida, mas
sozinha”106. O racionalismo laical é responsável pelos novos humanismos, pela
99
Idem.
O lema do “Século das Luzes” é este: ‘Sapere aude’, tenha coragem de usar o teu próprio
entendimento (Kant 1784); Cf. CONGAR, Y. Église Catholique et France moderne. Paris: Hachette,
1978, pp-27-28.
101
CONGAR, Y. Op. Cit., p. 26.
102
KEHL, M. La Chiesa. Milano: San Paolo, 1995, p.159-160.
103
CONGAR, Y. Op. Cit., p. 28.
104
Secularização é o “resultado lógico das idéias iluministas que, a partir de 1750, se desenvolveram
na França com Voltaire, Rousseau, Diderot, com os Enciclopedistas e filósofos racionalistas”. Todos
esses mentores basearam-se no direito natural, na igualdade para todos; Cf. LORTZ, J. Storia della
Chiesa. Milano: Il Saggiatore, 1989, p. 125.
105
Cf. CONGAR, Y. Entretiens d’ automne. Paris: du Cert, 1987, pp. 37-38.
106
CONGAR, Y. Op. cit., p. 35.
100
mudança de valores, pela passagem da heteronomia para a autonomia, do
teocentrismo para o antropocentrismo.
Diante deste novo modelo de sociedade,
o poder sacerdotal caiu
vertiginosamente e parece não encontrar mais sentido e nem identidade. A Igreja, que
até então se chamava mãe e mestra dos povos, depositária e distribuidora dos bens
divinos, orientadora das consciências, agora é suplantada por um antropocentrismo
subjetivista que gera em si mesmo o individualismo, origem do homem pragmático e
utilitarista107; é suplantada pelo Estado, que se identifica com a nação. É ao “Estado
nacionalista, organizado, eficaz, cada vez mais onipresente...”108 que toda a
sociedade, inclusive a Igreja, deve submissão e servilismo.
Na época de Pallotti, a Igreja não tinha tomado suficiente consciência da
importância dos acontecimentos históricos, das mudanças radicais da sociedade, de
seus problemas, valores e propostas. Ela custou a acreditar que a sociedade era outra,
não mais vinculada ao mundo da fé, aos princípios religiosos perenes, nem
dependentes das estruturas hierárquicas. Era muito difícil para a Igreja entender a
nova fisionomia do homem, marcada pelo racionalismo liberal e pelo materialismo
econômico e social.
Por isso, bem mais fácil foi assumir atitudes de ‘cidade sitiada’, isto é, deixar-se
invadir por um total pessimismo e desapontamento perante o mundo, defender-se e
contra-atacar. Ver-se atacada em diversas frentes, tanto “nas suas posses, direitos e
poder temporal, como em sua fé, em seus princípios perenes..., parece uma
“maldição”, no dizer de Gregório XVI..., uma conspiração de ímpios e malvados, que
querem perder e destruir a Igreja e o nosso total desaparecimento”109.
“Experimentamos uma espécie de terror, diz Pio IX, ao contemplarmos as condições
funestas da humanidade”110.
107
“Helvetius, Holbach e Benthan secularizam a moral e criam uma ciência dos costumes, baseada no
interesse do indivíduo e na utilidade social”; Cf. LEFEBVRE, G. A Revolução Francesa. São Paulo:
IBRASA, 1966, p.70.
108
COMBLIN, J. A Revolução Francesa – Revolução Burguesa. In: Concilium 221 (1989) 1, p. 65.
109
GREGÓRIO XVI. Mirari vos (08-05-1844). In: Tutte lê encicliche dei Sommi Pontefici, vol. I.
Milano: dall´Oglio, 1959, p. 186-188..
110
PIO IX. Qui pluribus, (09-11-1846). In: Tutte lê encicliche dei Sommi Pontefici Milano:
dall´Oglio, 1959, p. 217-229.
Contudo, apesar de todo essa situação, naquela mesma época, alguns homens
da Igreja tentaram dialogar com a sociedade liberal. Afinal, nem tudo estava perdido,
nem tudo era ‘ímpio’, nem tudo era “contra o edifício da fé católica, contra o reino da
são doutrina”111. Na história, no mundo dos homens, continuava-se a ser criativo e
fecundo. Aparece um fervilhar de idéias e movimentos, de criações culturais e
científicas, de valores notoriamente democráticos, humanos e também cristãos. Há
valores ‘leigos’ que vêm do Evangelho.
Então, por quê os medos, os ressentimentos ou os fechamentos da parte da
Igreja hierárquica, “quando seus fiéis estabeleciam um vaivém entre ela e as correntes
do mundo”112? Muitos, inclusive Pallotti, são apontados por Congar como homens
preocupados com a transformação cristã da sociedade, homens incluídos entre os
criadores de cultura, de saber, de iniciativas sociais; encontramos homens que
dialogavam com a ciência, com a política federativa italiana113; há homens como
Schleiermacher, protestante, pai do romantismo cristão, que tenta dar uma resposta ao
moralismo racionalista Kantiano e, “valorizando o sentimento desprezado por Kant,
funda uma religião, não sob o império da moral, mas na dependência de Deus”114. A
própria Revolução Francesa, no pensar de Paulo VI, “debateu-se, muitas vezes, por
valores cristãos” e democráticos, como a liberdade humana, a igualdade e
fraternidade115.
3.1.2
A reação da Igreja foi firmar-se na autoridade
Assoberbada com a complexidade do Estado Pontifício, com as controvérsias
sobre a infabilidade e a soberania pontifícias, a hierarquia da Igreja parece ter
percebido que a modernidade surgiu, entre outras fontes, como reação a uma
111
Idem.
CONGAR, Y. Op. cit., p.33.
113
Como Newman, Von Ketteler, Kolping, Lacordaire, Duchesne e Ozanan; A. Rosmini são todos
interessados na unificação italiana; Cf. JEDIN, H. Storia della Chiesa, vol. VIII/2. Milano: jaca Book,
1985, p. 64-84.
114
MARTINA, G. La Chiesa, nell´està dell’assolutismo, Del liberalismo Del totalitarismo. Brescia:
Morcelliana, 1970, p.638.
115
PAULO VI. Alocução (01-09-1963). In: Documentation catholique, 60 (1963), p. 3-5.
112
estruturação religiosa monopolista; não percebeu que o mundo até podia sentir
necessidade da sua presença, mas jamais a aceitaria como sua competidora e rival116.
Por isso, Congar é do parecer que a Igreja entro nos tempos modernos
demasiadamente apoiada na herança do passado, demasiadamente preocupada com os
referenciais de cristandade, isto é, com o poder sacerdotal117, tornando-se inflexível.
A virada histórica abalou os alicerces de sua soberania teocrática, perdendo ela a sua
hegemonia perante o homem e a sociedade ocidental. E no momento em que o tapete
do poder religioso-temporal estava sendo tirado debaixo dos seus pés, como única
saída plausível, a Igreja romana achou por bem firmar-se na autoridade, respondendo
ao mundo moderno com a bandeira da Restauração118.
O Ultramontanismo 119, “L´orientamento oltra i monti verso Roma”, é o nome de
batismo do maior movimento restauracionista do século XIX, nascido de católicos
franceses e alemães, cujos protagonistas foram de Jseph de Maistre, Louis de Bonald,
Felicite de Lamennais, Ludwig Von Haller 120. O Ultramontanismo é um sistema
religiosos-político eminentemente carismático e proselitista, com grande penetração
nas diversas camadas sociais e religiosas, principalmente no mundo laical-intelectual
europeu. Esses homens sonhavam com uma nova era, com um novo modelo de
civilização mundial, com um poder político religioso para transformar o continente
europeu secularizado e laicizado numa sociedade cristã. Para concretizar esse projeto
idealizaram uma restauração audaciosa e eficiente, uma nova teocracia medieval,
segundo o modelo Gregório VII. O Papa era visto como um soberano político para
toda a Europa cristã e um soberano espiritual e infalível para a Igreja universal121.
116
Cf. CONGAR, Y. op. cit, p. 21.
Cf. CONGAR, Y. op. cit, p.30.
118
Por “Restauração” entende-se a conquista, no campo religioso e político, dos sistemas do passado.
“É a luta da velha monarquia e da religião contra as idéias revolucionárias de liberdade e
nacionalismos de estilo Bonaperte que predominam, principalmente, nos anos 1815-1840...”; Cf.
Enciclopédia Italiana. Roma: Treccani, vol. XXIX. 1949, p.126-127.
119
Ultramontanismo: “L´orientamento oltra i monti verso Roma”, movimento centralista e curialista
papal, que envolve a liderança católica, principalmente da França, Alemanha, Itália, e que visa a
transformar o continente europeu laicizado em uma nova cristandade segundo o modelo Gregório VII;
Cf. AA. VV. Storia Ecumênica della Chiesa, vol. III. Torino: Queriniana, 1981, p. 385.
120
BONALD, L. de (1754-1840) “tinha um único objetivo: destruir a obra do séc. XVIII e restaurar a
crença na monarquia, que é de direito divino, e a obediência social no catolicismo”; Cf. CONGAR, Y.
L´Ecclésiologie du haut Moyen Age. Paris, 1968, p. 81.
121
Cf. HERNANDEZ, F. M. La Iglesia em la historia. Madrid: Benzal, 1990, pp. 162-164, 187-201;
LORTZ, J. op. cit., vol. II pp. 403-405.
117
“Trata-se essencialmente de uma restauração do catolicismo, identificado com uma
autoridade e, praticamente, com a autoridade do Papa”122.
Nesta neo-cristandade piramidal, o ponto determinante da sociedade européia é,
mais uma vez, o mundo da fé nas mãos da autoridade religiosa, um novo império
religioso-político, plenamente independente e determinado. A autoridade soberana e
infalível do Papa “é norma para o julgamento individual em relação à fé’, como
também é o eixo determinante da vida social. A soberania papal, neste projeto, está
no cume da pirâmide por ser ela que dá sentido a todos os segmentos da vida religiosa
e social123. A soberania e a autoridade do Papa são vistas pelos ultramontanos como
fundamento de unidade e de fé124. Diante desta fascinante proposta, o
“Ultramontanismo foi, sistematicamente, encorajado por Roma, principalmente pelos
Papa Gregório XVI e Pio IX”125.
A Igreja passa pela tentação do poder. No momento em que o poder político
temporal lhe parecia escapar das mãos, a Igreja toma consciência das suas forças
internas. É através da Neo-Escolástica, “a outra restauração teológica, restauração
esta no sentido mais forte da palavra”126 que a Igreja confirma a centralização. É por
este centralismo e globalização sem precedentes que o Ultramontanismo se
internacionaliza127. Roma torna-se luz, ponto de referência para todas as Igrejas
particulares, para todos os seminários e centros teológicos do mundo. De Roma se
projeta uma única formação teológica, disciplinar, litúrgica. Neste expansionismo
romano, assumem primazia nas escolas teológicas as disciplinas canônicas e
apologéticas128 que não passam de apologias à Sé Romana e ao papado, uma
verdadeira hierarcologia129. Com o Ultramontanismo, principalmente através do seu
principal protagonista J. De Maistre, “começa a corrida de uma teoria da autoridade e,
122
CONGAR, Y. Op. cit., p.415.
CONGAR, Y. Op. cit., p.416.
124
ANTON, A. El mistério de la Iglesia, vol.II. Madrid: BAC, 1986, p. 128.
125
AA. VV. Storia ecumênica della Chiesa, vol. III. Brescia: Queriniana, 1981, p.151.
126
CONGAR, Y. Y. Op. cit., pp.425-429.
127
AA. VV. Storia ecumênica della Chiesa, vol. III. Brescia: Queriniana, 1981, p.173ss.
128
Contudo, a neo-escolástica se apresenta com a sua pobreza e paradoxos. Logo, de primeira vista,
deparamos com a falta de atenção ao estudo da história; Cf. ANTON, A. Op. cit., vol II, p. 151..
129
“A eclesiologia dos manuais, segundo Congar, se contentou em ser uma exposição, mais ou menos
apologética e polêmica, das estruturas constitucionais da Igreja, dominada pela tese do primado papal;
com isso, praticamente não passa de uma hierarcologia”; Cf. CONGAR, Y. L´Ecclesiologie..., p. 113.
123
concretamente,
da autoridade
monárquica
do
Papa,
vazia de
verdadeira
eclesiologia”130.
O século XIX, passa na história como um século cheio de paradoxos, percebe-se
iniciativas promissoras para a Igreja, como o dinamismo missionário 131, novas
fundações religiosas, masculinas e femininas. Contudo os tratados eclesiológicos são
empobrecidos132.
No dizer de Bruno Forte, “a característica dominante na Idade Moderna foi a
negação do mundo laical. E a Igreja, “fechada à ‘laicidade’..., torna-se,
inevitavelmente, em sua expressão interior, clerical”133. Concretamente, a Igreja de
Roma não vê com bons olhos os movimentos puramente laicais, como as
Conferências Vicentinas de Frederico Ozanam e outros movimentos apostólicos
leigos, que se desenvolvem ao seu redor. Como ‘cidade sitiada’ a hierarquia da Igreja
não percebe a perda de credibilidade, não percebe os anseios de uma sociedade
sufocada pelo conflito; não percebe o grito que vem dos empobrecidos da classe
operária134.
Esta insensibilidade acontece também no interior de sua própria casa, a nível
eclesiológico. A romanização é um sistema unívoco que absorve todas as iniciativas
dentro da Igreja. Para salvar a unidade centralista, tende a nivelar todas as correntes
eclesiológicas renovadoras, todas as novas propostas eclesiais que vinham de Oxford,
de Tubinga, de Rovereto, de San Salvatore in Onda e que brotaram de homens
carismáticos como Rosmini (Rovereto), Newman (Oxford), Mohler (Tubinga),
Pallotti (San Salvatore in Onda). Parece que a nenhum desses homens que
defenderam o ‘homem cristão’, é dado ser criativo e original. Impõe-se a todos um
único modelo de Igreja, o da autoridade.
Segundo Acerbi, há duas grandes tendências que acompanham os homens da
Igreja no correr do século XIX: a tendência “dominada pela idéia de Igreja
comunidade de amor” e a tendência “dominada pela idéia de autoridade, sobretudo,
130
CONGAR, Y. Op. cit., p. 414.
Cf. CONGAR, Y. Op. cit., pp.30-31.
132
Cf. ALBERIGO, G. L´Ecclesiologia dal Vaticano I al Vaticano II. Brescia: La Scuola, 1973,
p.41.
133
FORTE, B. Op. cit., p.338.
134
Cf. CONGAR, Y. Op. cit., p. 30-34.
131
na sua máxima forma institucional, o Papa”135. Mas ele observa que a estrutura, a
instituição, por ser de ordem externa, freqüentemente se impõe mais. O poder da
autoridade continua sendo na Igreja a grande tentação que dificulta o diálogo,
principalmente em tempo de Mobilidade Religiosa é castástrofego para a
evangelização. Porém, ninguém pode esquecer que no final da vida seremos julgados
pelo amor, pois toda autoridade deve estar subordinada à ordem da caridade, supremo
valor na Igreja136
3.2
Vicente Pallotti, homem emergente em uma nova eclesiologia
Contudo, a nossa curiosidade é saber como emerge Pallotti em meio a esta
dialética mundo-Igreja, o que ele faz com este patrimônio cultural-religioso conflitivo
e autoritário? Antes de mais nada, não deparamos com um Pallotti alienado ou cego
diante das situações históricas que pertubam a Igreja, no correr do século XIX; mas
caminha com ela; com ela assume seus limites e dificuldades internas como: a
resistência vinda das ideologias modernas e liberais que penetram na comunidade
eclesial e envolvem, principalmente, a juventude clerical e religiosa. Pallotti caminha
com a sua Igreja, sabendo do seu confronto inevitável, com as forças externas, sendo
o seu maior adversário a moderna sociedade revolucionária-racionalista, com os seus
princípios liberais e democráticos, filhos legítimos da Revolução Francesa.
Porém, não podemos negar a sua fragilidade. Estamos diante de um homem que
foi suscetível a uma formação segundo os moldes tradicionais e canonistas137,
sensível, - por quê não? -, às marcas ideológicas que fervilhavam ao seu redor.
135
ACERBI, A. Due ecclesiologie. Bologna: Dehoniane, 1975, pp. 22-23.
“Pertencer à Igreja, não deve ser vista pela ótica do poder, da dignidade, da hierarquia, mas sim pela
intensidade e pureza do nosso coração, com a nossa união com Jesus Cristo, no Espírito Santo... A
participação no Corpo Místico de Cristo acontece segundo o desejo de amar e servir a Deus”; Cf.
PHILIPON, M. La Chies adi Dio tra gli uomini. Milano: Âncora, pp.98-99.
137
Notória, na sua formação, é a influência dos canonistas romanos Muzzarelli e Devoti, Cappellari,
homens carregados de um tridentismo sem precedentes; cf. CONGAR, Y. Op. cit., p. 105; ANTON, A.
Op. cit., p. 208-209.
136
Se dissermos que ele também bebeu dessa água e carrega consigo os sinais da história
do seu século, não estamos fazendo nenhuma fantasia.
Lendo atentamente os seus escritos, percebemos paradoxos na sua visão
eclesiológica; nos encontramos, muitas vezes, no limiar entre o velho e o novo, entre
o carisma e o cultural tradicional-integrista. Concretamente, vemos Pallotti dentro
daquelas duas fisionomias de Igreja no século XIX, apontadas por Acerbi: uma,
preocupada com a estrutura, com a autoridade da Igreja, com o seu poder central; a
outra, a Igreja do amor, criativa, uma e apostólica 138.
3.2.1
Pallotti: fruto dessa herança cultural-religiosa
Apesar das suas grandes idéias serem outras, Pallotti pensa como bom
ultramontano: vê no Papa o centro de todo o poder político e religioso; ele é o “sumo
apostolizante”139 e sob a sua proteção deve estar toda iniciativa apostólica. Ele não
fica indiferente diante da “Questão Romana”140, assumindo posição favorável ao
Estado Pontifício; manifesta-se contra a República de Mazzini e deseja que “o Papa
possa assumir sua soberania perante todos os súbditos”141; suspira pelo dia da grande
unidade, isto é, a conversão de todos os hereges e infiéis, formando com a Igreja
Católica um único rebanho, governado por um único pastor em todo o mundo, o
vigário de Cristo na terra. Por isto, na sua formação apologético-tridentina e
belarminiana de Igreja, “os homens devem formar, na dependência de um só pastor,
um só rebanho, na profissão da mesma fé e na submissão à mesma autoridade
espiritual”142.
138
ACERBI, A. Due ecclesiologie. Bologna: Dehoniane, 1975, pp. 22-23.
Cf. OO CC III, 185. Quanto aos bispos eles também são colunas da Igreja, aqueles que “governam
os povos”, que regem a Igreja universal e que edificam o corpo de Cristo, mas sempre como
colaboradores do Pontífice, na sua dependência, sendo dele seus coadjutores.
140
Pallotti diverge de V. Gioberti e G. Ventura; cf. AMOROSO, F., San Vincenzo Pallotti Romano.
Roma, 1962, p. 418-419. Pallotti não era irredentista (movimento italiano de reivindicação, depois de
1870, dos territórios que tinham permanecido como possessões austríacas).
141
PALLOTTI, V., Lettere e Brandi di Lettere. Roma, 1930, lett.n. 1583.
142
“A única e verdadeira Igreja é a comunidade de homens reunidos pela profissão da mesma fé cristã
e consorciados na comunhão dos mesmos sacramentos, sob o governo dos legítimos pastores e
especialmente do único vigário de Cristo na terra, o romano pontífice; cf. BELARMINO, R. De
139
Como conseqüência da romanização Pallotti é um eclesiocêntrico. A Igreja
Católica assume importância absoluta, sendo ela a única arca da salvação 143. Propagar
a fé entre o mundo infiel, segundo ele, é propagar Jesus Cristo, o Reino e converter
todos para a Igreja Católica144. Quando lamenta a proliferação das seitas, a
divulgação das bíblias protestantes, não difere dos apologetas do tempo nas investidas
anti-reformistas.
Nessa batalha apologética anti-protestante, parece não escapar ninguém no
tempo de Pallotti. O próprio Johann Adam Mőhler, o eclesiólogo de Tubinga, tornase confiável no ambiente eclesiológico do século XIX pela sua Simbólica, obra
fortemente apologética anti-protestante. Assim acontece com Perrone, da Escola
Romana, para não enumerar outros. Perrone escreveu o seu ‘Apostolado Católico’
(1862), em dois volumes, sendo o segundo intitulado L’Apostolato Cattolico e il
proselitismo protestante. Nesta obra identifica o apostolado católico com a Igreja
Católica. “Esta, segundo ele, é simplesmente a continuadora da Igreja primitiva, a
única fundada por Cristo”145.
Entretanto, apesar deste lado Ultramontano, nos dispomos a ver o outro lado da
fisionomia de Vicente Pallotti. Porque homem livre diante de postos e dignidades
eclesiásticas e por causa do seu carisma e profecia, consegue pensar fora do esquema
vigente, consegue ver, com tranqüilidade e realismo, não somente os males do mundo
e da sociedade, os problemas e as lacunas que atingiam o clero de sua Igreja local,
mas consegue apresentar à Igreja a novidade do apostolado universal.
Antes de qualquer análise de conjuntura da sua comunidade local, para Vicente
Pallotti Roma apresenta a imagem do verdadeiro pastor na pessoa de Jesus Cristo,
modelo de toda ação apostólico-missionária146. Na sua carta ao episcopado italiano147,
deseja que bispos e fiéis sejam ‘vinhas florescentes em Cristo”148. Tanto o Papa, que
é o supremo pastor, como os bispos devem ouvir o grito do seu povo, sentir as suas
controversiis, Tom. 2, libr. 3; cf. DULLES, A. A Igreja e seus modelos. São Paulo: Paulinas, 1978, p.
12.
143
OO CC III, 230.
144
Cf. OO CC IV, 139-140.
145
Cf. PERRONE, G. L´Apostolato Cattolico e il Proselitismo protestante. Genova: Giuseppe Rossi
Editore, 1862, p. 61-62.
146
Cf. OO CC I, 106-107.
147
Cf. OO CC I, 69-70.
148
Ibidem, p. 79.
necessidades, entrar em sua defesa, procurar as ovelhas dispersas e levá-las para a sua
casa. É importante ter pés, mente, coração para evangelizar, para nutrir, nas
“pastagens vivas da salvação”, o rebanho de Cristo149.
Por outro lado, no mesmo gesto de homem livre, ele denuncia os pastores
insensíveis às necessidades de seu povo; surdos e inativos favorecem o esfriamento
de muitas comunidades cristãs150. Detesta, da mesma forma, a corrupção de prelados,
‘porporati’, isto é, vestidos de púrpura, mais preocupados com a riqueza, distinções e
altos postos, do que serem guias de seu povo 151; aponta uma Igreja hierárquica cheia
de mal-entendidos: pessoas que se movem dentro de interesses nem sempre
verdadeiros152. Pallotti lamenta os abusos de poder sobre o corpo real e sobre o corpo
místico de Cristo153; a divisão entre o clero secular e regular 154; o distanciamento
entre clérigos e leigos, aliás, agrande ferida também apontada por Antônio Rosmini;
lamenta, acima de tudo, a atitude carreirista dentro da Igreja. Como o Estado
Pontifício nesta época estava clericalizado na maioria absoluta das suas funções,
percebe-se que o maior interesse dos clérigos não era ser a imagem do Cristo pastor
para o seu povo, mas galgar os postos mais altos dentro do funcionalismo estatal.
Carreirismo clerical, espírito de domínio, segundo Vicente Pallotti, não edifica, mas
destrói a obra de Deus155.
Porém, para este homem de horizontes largos, era preciso sanar as feridas da
sua Igreja. Mas isto não acontece com meias medidas e muito menos com a ação de
pessoas isoladas. Ninguém pode ser samaritano sozinho 156. O seu grande desejo é
renovar a Igreja, mas como? Imagina que podia ser através de um concílio
ecumênico. Como, porém, um concílio ecumênico não lhe parecia fácil, a renovação
poderia acontecer através de uma instituição de apostolado universal. Esta idéia lhe
soou revolucionário e original157.
149
Ibid., p. 69.
OO CC I, 75.
151
Pallotti traça a imagem do bispo ideal; cf. OO CC XI, II, 572.
152
OO CC III, 23-24.
153
OO CC XII, 55-56.
154
Cf. OO CC I, 106.
155
Cf. OO CC I, 107.
156
Cf. OO CC I, 76.
157
Cf. OO CC I, 77-80.
150
3.2.2
Apostolado Universal, ‘a grande novidade’
‘Apostolado para todos’ é idéia incomum que vai se afirmando em Vicente
Pallotti numa sucessão de acontecimentos. Nos seus encontros com um grupo de
amigos leigos (1834), as suas preocupações e envolvimento são de ordem
missionária158. Porém, o marco histórico aconteceu a nove de janeiro de 1835. depois
de uma celebração eucarística, ele mesmo conta, lhe brota, como dom gratuito, a
original inspiração159.
Crendo firmemente que “a vocação para o apostolado é anterior a toda outra
vocação”160 no mesmo ano, em 1835, Vicente Pallotti lança, para o grande público,
um manuscrito, intitulado “Appello a chiunque” 161 ou, como se diz, ‘Apelo ao povo’,
para ele, a manifestação clara do desígnio de Deus; “uma inspiração..., ‘un prodígio
nuovo di misericorida’”162; é um grito surpreendente, uma verdadeira convocação de
todos para uma evangelização universal163. Esta idéia do apostolado universal, a partir
1835, vai repercutindo nos ouvidos da cúria romana, divulga-se nos ambientes
clericais e em algum círculo laical. A idéia é clara: “apostolado católico, isto é,
universal porque envolve todas as classes de pessoas de qualquer estado, grau e
condição, a fim de se ocuparem energicamente nas obras de caridade e zelo” 164. É
uma insistência na sensibilidade universal dirigida a todas as pessoas que estão
“cheias do Espírito de Cristo, as quais são chamadas a pregar o santo
Evangelho...”165.
Para entender este “Novum”, a universalidade apostólica dentro da Igreja, não
se cansa de nomear homens e mulheres de todos os estados e profissões, dos menores
aos maiores, dos ignorantes aos mais sábios, dos plebeus aos mais nobres, dos mais
pobres aos mais ricos, dos leigos e leigas à mais alta esfera clerical; todos na Igreja
158
Cf. OO CC III, 24.
Cf. OO CC X, I, 211.
160
BAYER, Bruno e ZWEIFEL, Joseph. (org.). Documentos da Fundação, Santa Maria:
Pallotti,1996, pp. 29-30.
161
OO CC IV, 119.
162
OO CC X, I, 210-212.
163
OO CC IV, 260.
164
OO CC III, 5.
165
Vicente Pallotti carta a Mons. Agostinho Wunder, 29 de agosto de 1835; OO CC III, 6.
159
são chamados à unidade do apostolado universal166, todos enviados ao campo da
messe, para serem Igreja missionária167.
Vicente Pallotti parece surpreender-se diante de tão grandioso projeto
apostólico. Freqüentemente consola-se e se alegra por conceber tamanha obra dentro
da Igreja. Consola-se na sua humildade, no seu nada; alegra-se no tudo que vem do
Pai. O ‘apelo’ constitui para Pallotti um privilégio imensamente grande. Sente-se feliz
por ter sido escolhido para formar e criar na Igreja de Deus a obra do Apostolado
Católico168. Por isso, convida a todos para serem “qual trombeta evangélica, que
chama a todos, que convida a todos, que desperta o zelo e a caridade de todos os
fiéis”169 a fim de se disporem ao serviço de tão alta empresa evangélica.
Na proclamação desta jornada apostólica, nada parecia tão fácil. De imediato,
recebe das autoridades eclesiásticas a aprovação. Contudo, ao seu redor, aparecem
alguns mal-entendidos. Aberto aos sinais dos tempos e para melhor sentir a vontade
de Deus, divulga entre cardeais, teólogos, superiores religiosos e párocos, um
opúsculo, manuscrito querigmático, no qual tenta apresentar uma síntese de sua visão
de apostolado dentro da Igreja. Foi grande a surpresa, quando, da maioria das pessoas
interpeladas, recebe confirmação, apreço e apoio por esta idéia surpreendente170.
Algumas das respostas carregam nas dificuldades que a Igreja estava
enfrentando então. Diversas pessoas consultadas falam de tempos difíceis e
calamitosos, ‘luttuosi tempi’; tempos de trevas, onde o ‘demônio e os maus’
intensificam a sua astúcia; assim, esse grandioso projeto do Apostolado Católico,
com os seus meios adequados, vem resolver as urgentes necessidades; será um
contrapeso à “indiferença que tanto domina em nossos dias e virá também desfazer as
trevas que ofuscam a face do universo”171. Outras respostas manifestam alegria, como
166
Cf. OO CC VII, 3; III, 145.
RUBIN, D. São Vicente Pallotti e seu carisma. In Informações Palotinas. Jun (1992), p. 50.
168
Cf. OO CC X, I, 211.
169
OO CC I, 4-5.
170
As respostas ao “Opúsculo” encontram-se no Arquivo Geral da Sociedade do Apostolado Católico
(AGSAC).
171
Car. Falzacappa, Vescovo di Albano, dal Palazzo Odescalchi questo di 19. Aprile 1837 (AGSAC).
167
e até ‘lacrime di tenerezza’. Por ser um belo projeto em si mesmo, oportuno e de fácil
execução, alguns pedem a sua imediata publicação 172.
É verdade que algum teólogo e cardeal adverte Pallotti sobre a necessidade de
maior centralismo. Porque, referindo-se a uma obra de tal envergadura, ‘Apostolado
Católico’, onde todos os cristãos são envolvidos na missão da Igreja, o importante é
manter a absoluta dependência do Sumo Pontífice e da “Propaganda Fide”, porque,
tanto a missão como o apostolado católico foram confiados unicamente ao supremo
hierarca, o Papa. Para outros, o fim dessa ‘novella società Secolare dell’Apostolato
Cattolico’ é apologético; é um projeto oportuno para a propagação da religião de
Jesus Cristo, único meio de salvação que vem dissipar as trevas do paganismo e
salvar aqueles que estão envoltos na sombra da morte, os cristãos separados da Igreja
Católica.
O opúsculo parece ir ao encontro de um pensamento latente: a universalidade do
apostolado, idéia simpática, que está dentro do óbvio para uns; afinal, o apostolado é
a preocupação de Cristo e dos Apóstolos; “o apostolado estará sempre no meio de
vós”173; mas, para outros, esta visão apostólica, neste momento, é original e desperta
o espírito dos primeiros fiéis174. Além do mais, a universalidade, o “abraçar toda a
classe de pessoas é qualquer coisa de portentoso e divino” 175. Algumas respostas
vêem no opúsculo a imagem de Igreja carismática, com a variedade de ofícios176.
Enfim, as cartas revelam apreço e admiração pelo autor do opúsculo, “imagem
sábia e divinamente inspirada”177. Pallotti, inspirando um projeto tão universal e
dinâmico dentro da Igreja, no qual ninguém se sente excluído, nem grego, nem judeu,
mas todos, mediante os meios possíveis, podem reavivar a fé e reacender a
caridade178, é visto como homem profético.
172
“Vedo la cosa non solo bella in se stessa ma ridotta a stato di facilíssima esecuzione” (L. Togno,
Prefetto Generale dei Ministri degl´infermi, Roma, 28 settembre 1836). In: AGSAC, Roma.
173
Cf. CALVI, T, lettere 2. 10. 1837. In AGSAC, Roma.
174
Apostolado Católico ‘com espírito novo, semelhante ao espírito dos primeiros fiéis que ‘eram um
só coração e uma só alma’ (Pacifico Cesarini, preposito dell’Oratorio di San Filippe Néri di Roma,
Chiesa Nuova, 3 ottobre 1836). In: AGSAC, Roma.
175
É “um novo ‘tratto’ portentoso da divina providência” (Card. Polidori, lettera 1837). In: AGSAC,
Roma.
176
G.M. da Alessandria, 7 novembe 1836. In: AGSAC, Roma; Cf. PIZZOLATTO, V., A Igreja – Na
perspectiva do século XIX e no profetismo de Vicente Pallotti, Santa Maria: Pallotti, 2003, p. 100.
177
Idem.
178
Cf. G. Righetti, teólogo. In: AGSAC, Roma.
3.2.3
Apostolado Católico, um conceito conflitivo
Grande parte dos interpelados pelo opúsculo, se perguntavam por que um
projeto de tal envergadura necessitava de confirmação da opinião pública:
admiravam-se do porquê das dificuldades, quando ele vinha ao encontro do óbvio
evangélico, das urgentes necessidades, quando era providencial e oportuno. Pallotti
também tinha certeza de que a sua inspiração vinha do alto e de que era obra do amor
misericordioso de Deus. Tinha certeza de que esse projeto já estava aprovado pelas
autoridades competentes: pelo Cardeal Odescalchi e até por Gregório XVI179.
Contudo, surgiram no horizonte algumas nuvens escuras. Pallotti entendeu que
faltou seriedade, no mínimo profundidade, na aprovação de sua obra. “Graças a falsas
idéias que o demônio não deixa de acalentar na mente de alguns..., a Pia Sociedade
foi gravemente combatida e chegou ao ponto de ostentar sinais de morte”180. A idéia
da universalidade, da catolicidade do apostolado não era bem compreendida e aceita.
Era uma concepção que, na idéia de Congar, estava no exílio, ou no ostracismo ou
num gueto, fora da ‘cidade sitiada’, mas que, também parecia ser Igreja 181.
Pallotti não pensou em movimento laical e nem em promover exclusivamente
os leigos. Contudo, foi a sua abertura apostólica na direção do povo de Deus,
necessariamente incluindo os leigos, que desencadeou as mais sérias dificuldades. O
“Apelo ao Povo realizado em 1835, convite feito ao grande público” 182, visando a
integração de todos na grande jornada evangelizadora, sacudiu as bases da hierarquia
e muitas mentes ficaram perturbadas. Se Pallotti foi reticentes e combativo diante das
inovações políticas revolucionárias e democráticas, agora, porém, lançando no mundo
o seu apelo missionário para uma evangelização universal, mostra-se um inovador
destemido. Nessa época, conceber uma tal imagem de Igreja era uma verdadeira
revolução copernicana183.
179
Cf. OO CC III, 23-24.
OO CC III, 24.
181
Cf. CONGAR, Y. Op. cit, p. 30.
182
OO CC IV, 119.
183
RUBIN, A. Vicente Pallotti. Precursor, Modelo e Protetor da Ação Católica. In: REB, vol. 9,
fasc. 1, mar. (1949), pp.49-68.
180
As dificuldades, porém, não provinham unicamente da esfera administrativa e
disciplinar da cúria romana, mas eram, antes de mais nada, uma questão eclesial
teológica. Nos meados do século XIX, corria o pensamento do teólogo Perrone,
catedrático de dogmática no Colégio Romano, sobre o apostolado católico 184.
Enquanto Pallotti pensava que evangelizar, dom dado a todo povo fiel185, era o mais
alto valor eclesial, a mais excelente das obras, o mais divino dos dons, porque por ele
nos tornamos os mais perfeitos imitadores de Cristo186, na visão de Giovanni Perrone,
o pensamento era bem outro.
Para G. Perrone fazer apostolado era competência exclusiva dos Apóstolos e
dos seus legítimos sucessores; fazer apostolado compete à hierarquia, aquela que
constitui um só corpo junto ao supremo pastor, na pessoa de Pedro. O Papa é o
grande apostolizante. Quem pode “apascentar os meus cordeiros, as minhas
ovelhas”187 senão aquele que “constitui a forma perpétua de governo supremo e
monárquico...”, isto é, o Papa?188. “Assim, quem não receber, mediata ou
imediatamente, de Pedro ou de seus sucessores o “mandato para evangelizar as
nações está fora do Apostolado Católico”189. Para Perrone a “Igreja mesma constitui
este apostolado do qual foi encarregada por Aquele que a instituiu” 190.
Todavia, Pallotti, apesar de não ser um grande luzeiro nas ciências teológicas,
no dizer de um dos seus estudiosos191, diante das interpretações unilaterais referentes
ao apostolado católico, julga oportuno, em bem da Igreja, entrar em defesa do
pluralismo apostólico. Partindo de provas bíblicas (Jo 20, 21; Eclo 17,12), tenta
demonstrar que o apostolado não é nenhuma realidade monolítica na Igreja, mas tão
ampla e universal quantos são os chamados à seara do Senhor192. Para alargar o
184
PERRONE, G. L´Apostolato Cattolico e il Proselitismo Protestante, vol. I. Genova: G. Grossi,
1862, p. 15. Esta obra foi publicada em 1862 em dois volumes, doze anos após a morte de Pallotti.
185
OO CC IV, 135, 144.
186
OO CC XI, I, 256-258.
187
Cf. Jo 1, 15-17.
188
PERRONE, G. Op. cit. p. 42, 45.
189
Ibid., p. 46, 48.
190
Ibid., p. 69.
191
Cf. FALLER, A. Storia Del Tomismo. In: Doctor Communis, 3, settembre-dicembre (1984), p.
262-267.
192
OO CC IV, 260. Esta universalidade Pallotti a busca principalmente na celebração da vocação
cristã: “A Igreja, com a celebração da Epifania, nos recorda a primeira manifestação de N. S. Jesus
horizonte, apela para a analogia do apostolado. Apostolado Católico é um título
análogo, isto é, a ação evangelizadora na Igreja acontece em todos os seus membros,
mas diversamente entre eles, de acordo “com o estado, a condição social e a posição
de cada um”193. Vai dizer que um é o apostolado de Cristo, outro é o de Pedro ou dos
‘Doze’; um é o apostolado do bispo, do padre, e outro é o apostolado dos não
ordenados. E, se na Igreja de Cristo o Papa é o supremo e universal ‘apostolizante’ e
o bispo o é na sua diocese, é porque existem modos diferentes de ser apóstolo. Por
este argumento afirma que todos, a seu modo, “em proporção de sua condição e
estado, são chamados apóstolos”194. Esta é também a opinião de Giuseppe M. di
Alessandria, Superior geral dos Frades Menores Observantes que, inspirado no
opúsculo de Pallotti, opina:
Na Igreja nem todos se ocupam do mesmo posto. Mas todos têm o lugar dado pela
providência divina, segundo a medida dos talentos e a vocação de cada um; porque
nem todos nela são apóstolos... Mas todos devem preocupar-se do seu florescimento,
prosperidade... Todos os membros que compõem a Igreja, embora de diferentes estados
e ofícios, pela pregação, oração e esmola, promovam maior zelo e fervor195.
Pallotti, apoiando-se mais uma vez em textos bíblicos (Lc 6, 12-16; At 1, 26; Jo
4), volta a insistir na distinção entre jurisdição eclesiástica e apostolado 196: “A idéia
de apostolado e o nome de apóstolo... não é algo que não se possa distinguir da
jurisdição eclesiástica e do sagrado ministério de consagrar e absolver. Mas sob o
nome de apóstolo se inclui também todo aquele que não é sacerdote...”197. O
apostolado não se submete ao sacerdócio hierárquico, sendo o apostolado realidade
bem mais ampla que a idéia jurídica de hierarquia. “O apostolado universal se ordena
para Deus, para Cristo198. Por isto, ele não confunde os ministérios dos ordenados
com a idoneidade apostólica. Existe uma fundamental distinção entre apostolado e
Cristo ao povo gentio, do qual descendemos e estamos representados pelos Magos” (OO CC VI, I,
160).
193
OO CC III, 5.
194
OO CC III, 140.
195
G. M. da Alessandria, 7 novembre 1836. In: AGSAC, Roma.
196
OO CC V, 236.
197
OO CC III, 140.
198
CONGAR, Y. Os leigos na Igreja. São Paulo: Herder, pp. 180-181.
hierarquia, apostolado e cargos eclesiásticos entre ‘sacerdócio comum’ e ‘função
ministeriall’199.
A Sagrada Escritura não limita a missão de evangelizar a ninguém200. Na
opinião atual, “se a Igreja não se sentisse operosa em todos os seus membros, estaria
sofrendo uma espécie de mutilação... Em todo o crente que manifesta que Jesus é o
Senhor se realiza a missão da Igreja”201. A Lumen Gentium, ao afirmar que “Cristo, o
grande profeta, cumpre o seu ofício profético, não só por meio da hierarquia, que
ensina em nome e com o poder (de Cristo), mas também por meio dos leigos...”202,
solidariza-se com o pensamento de Pallotti203.
Como modelo de apostolado laical sem fronteiras, Pallotti apresenta Maria,
aquela pessoa que embora não fosse ‘sacerdotisa e Apóstolo’, se empenhou nas obras
de caridade e de zelo com tal perfeição e plenitude que mereceu ser glorificada acima
dos próprios Apóstolos204. Assim que a Igreja, não por mero título de honra, mas com
plena razão e merecimento, a saúda, não com o título de Rainha dos sacerdotes, dos
bispos ou dos Sumos Pontífices, mas com o augusto título de Rainha dos
Apóstolos205. Por isto, a exemplo de Maria, todos os que se empenham na propagação
da fé podem ter o mérito do apostolado 206.
3.3
O Leigo, o grande excluído
É através da dimensão do apostolado universal que Pallotti descobre a
importância e a missão do leigo dentro da Igreja, visão bem distinta do seu
contemporâneo e catedrático Perrone que vê os leigos, apenas, como objeto da ação
apostólica207, como elemento passivo da evangelização. Pio X, mais tarde, em poucas
199
OO CC III, 140.
Cf. OO CC VII, 7-8.
201
DIANICH, S. Chiesa in Missione. Milano: Paoline, 1985, p. 261-262.
202
LG, 35.
203
Também os leigos são constituídos apóstolos do reino (cf. LG 36); Cf. CONGAR, Y. La tradizione
e la vita della Chiesa. Roma: Paoline, 1983, p. 70.
204
Cf. OO CC V, I, 9.
205
Cf. OO CC VII, 7-8.
206
Cf. OO CC III, 188.
207
Cf. ANTON, A. Op. cit., pp.280-281.
200
palavras, sintetiza o pensamento eclesiológico do século XIX, sobre o binômio
cleriacal-laical, afirmando que é “doutrina funesta” considerar os leigos sujeito da
missão, porque o apostolado é exclusivo dos doze, do Papa e dos bispos a ele unidos.
“Somente na hierarquia residem o direito e a autoridade necessários para promover e
dirigir todos os membros na direção do fim da Sociedade. Quantos à multidão, não
tem outro direito do que deixar-se conduzir e docilmente seguir os seus pastores”208.
Congar observa que, pelos anos 1930, a Igreja, ainda, se apresentava como uma
sociedade organizada, constituída pelo exercício de poderes de que eram investidos
Papa, bispos e sacerdotes. A eclesiologia consistia, nada mais, nada menos, que num
tratado de direito público. “Eu, para caracterizar (esse período) criei a palavra
‘hierarcologia’ que prevaleceu na polemica anti-conciliarista, anti-protestante, na
restauração de Gregório XVI, de Pio IX e nos manuais modernos de apologética”209.
Contudo, é neste período (1925-1960) que acontece, segundo Congar, os “belos
anos da ação católica, onde existia uma consciência de dar testemunho do Evangelho,
originária da teologia do Corpo Místico”210.
Porém, na própria ação católica, tudo depende, ainda, de um mandato jurídico: a
ação católica é instrumento nas mãos da hierarquia, um simples prolongamento de
seus braços. Na Igreja Católica, a missão apostólica desce da hierarquia para os fiéis.
Dizendo isso Pio XII é fiel a sua definição de Igreja que é belarminiana: os leigos
podem participar da missão da Igreja somente por conscessão, mediante uma missão
canônica, como auxiliares211.
Na teologia do apostolado universal de Pallotti, a primeira coisa que sobressai é
o rompimento da barreira do puramente clerical. Ele fala de uma vocação universal
ao apostolado, isto é, abre o horizonte do obreiro da evangelização. Todos podem ser
mensageiros da boa notícia, a fortiori o leigo. No leigo ele vê beleza e competência.
208
PIO X. Encíclica Vehementer; (01-02-1905); Cf. AAS (1906), p. 39.
CONGAR, Y. Os leigos na Igreja. São Paulo: Herder, pp. 180.
210
Os anos fortes da Ação Católica, 1935-1939; Cf. Ibid., p. 13.
211
Alocução de Pio XII no Congresso Mundial sobre o apostolado dos leigos (14-10-1952) e
aloucução para os chefes dos escoteiros católicos (05-06-1952). O episcopado francês suspendeu
definitivamente este conceito (mandato) somente em 1975.; Cf. RIGAL, J. Lê Mystére de L´Église.
Paris: du Cerf, 1992, pp. 152-153. “Na Ação Católica, dirigida, controlada, mandada pelos bispos, o
apostolado dos leigos é visto como colaboração no trabalho da hierarquia. Uma tal expressão leva a
pensar que somente os bispos são Igreja”, GUILMONT, P. Fin d´une Église Cléricale? Paris: du Cerf,
1969, p. 253.
209
Neste horizonte, é Paulo VI que nos aponta a grande intuição de Pallotti ao ter levado
o laicato como vocação adulta. Ele não viu no leigo qualquer coisa de menoridade,
mas um sujeito habilitado para a ação apostólica, com tarefa eminente evangelizadora
missionária. Ele descobriu no leigo energias novas e a capacidade de fazer o bem212.
Todavia, o leigo visto por Pallotti não é uma personagem isolada ou uma classe
esquecida e que agora, de qualquer jeito, deve recuperar o tempo perdido, o seus
direitos ou o seu espaço dentro da Igreja. Não era também sua intenção desenvolver
diretamente uma eclesiologia de modelo laical. Ele não é por uma ‘laicologia’, um
tipo de dualismo de funções que ainda hoje paira em alguns documentos conciliares e
em alguma literatura pós-conciliar, algo que destoa na Igreja-Povo de Deus213. Neste
dualismo pastoral a tendência é restringir o clero à sacristia, ao sacral e sacramental e
o leigo ao agir no mundo como seu habitat natural. Apesar do Sínodo de 1974 ter
rompido o binômio entre pessoas “espirituais” e pessoas “comprometidas” com o
“Século”214, ainda persiste hoje a divisão dos campos da missão 215, quando, na
verdade, o leigo se define na Igreja por uma qualidade como dada a todo o povo de
Deus e pelo seu serviço de evangelização no mundo e na Igreja.
Para Pallotti é inconcebível uma Igreja segregada, uma sociedade desigual, feita
de puros clérigos ou só de leigos. “Pallotti não se ocupou simplesmente do apostolado
dos leigos, como se tem dito em demasiada freqüência. Mas se interessou pelo
apostolado católico, isto é, universal”216; interessou-se por uma grande unidade
apostólica, a união de todas as forças evangelizadoras. No pensar de Paredes, Pallotti
na sua “concepção de totalidade”, parece intuir pelo Espírito, num único carisma
212
Cf. ACTA, SAC, vol. V, p. 370-378; São Vicente Pallotti visto por Paulo VI. In: informações
Palotinas, dez. (1994), pp. 95-103.
213
“o que a alma é no corpo, isto sejam no mundo os cristãos”(LG 38); Cf. ANTON, A. Op. cit., p.
1026.
214
Cf. COLOMBO, G. La teologia Del Laicato: bilancio di uma vicenda storica. In: AA. VV. I laici
nella Chiesa. Torino: ELLE DI CI, 1986, pp. 22-23. Segundo Colombo, a “Relatio finalis” do Sínodo
de 74, não defende uma tarefa à parte dos leigos na Igreja, como defende o Concílio na Lumen
Gentium (35-36). Esta abertura foi confirmada em Evangelii Nuntiandi (70). Mas o “dever da
evangelização é de todos os cristãos”. Cf. COLOMBO, G. Op. cit., p. 23.
215
A índole laical do leigo e a missão do presbítero na Igreja voltou à tona na Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil (CNBB) em Itaici (1998).
216
RUBIM. A. Nuestro apostolado en la pastoral de América Latina. In: Informações Palotinas,
set. (1983),p. 39.
apostólico-missionário, todos os ministérios eclesiais de vida laical-religiosa e
presbiteral217.
O Apelo ao povo fica como advertência a toda a separação entre o homem
clerical e o homem laical; busca-se uma identidade comum, onde não se acentuam
primeiramente as diferenças entre carismas e funções. Pallotti chega à raiz do
“novum”, quando descobre que a evangelização e suas exigências são,
primordialmente, para todos os cristãos.
3.3.1
A eclesiologia do apostolado universal
Pelo caminho do apostolado universal Pallotti nos manifesta uma nova visão de
Igreja, na qual temos uma comum responsabilidade e que após o Vaticano II se
chamou de Povo de Deus. Ele crê firmemente que esta original inspiração vem em
benefício da Igreja218. A sua originalidade foi simplesmente evidenciar o obvio da
eclesiologia do apostolado e da missão, pois é na unidade apostólica que leigos,
religiosos e hierarquia formam a Igreja, a “vinha florescente em Cristo”219. E para
afirmar a nossa identidade como Igreja-Povo cristão, Pallotti parece tormar dois
caminhos:
Primeiramente, porque chamados pelo impulso do amor a uma evangelização
universal, temos o direito de pertencer ao povo sacerdotal. A ligação do apostolado
universal ao sacerdócio comum, tem referencias claras em Pallotti:
Apostolado católico (é entendido) naquele sentido amplo que Pedro chama de
sacerdócio o ofício de todos os fiéis 220; isto é, o apostolado é um novo sacerdócio. A
Lumen Gentium caminha com este pensamento de Pallotti quando afirma que a todos
217
PAREDES, J. C.R.G. Parábola de unidad, carisma y mission n ela Iglesia. Conferência
pronunciada na XVII Assembléia Geral da Sociedade do Apostolado Católico (SAC), Roma, 14 de
setembro de 1992.
218
OO CC X, 212.
219
OO CC I, 79.
220
RUBIM, A. Princípios fundamentais. Conferência pronunciada na XV Assembléia Geral da
Sociedade do Apostolado Católico (SAC), Roma, 1963.
aqueles que estão ligados à vida e à missão de Cristo lhes é concedido também ter
parte no seu “ofício sacerdotal”221.
Outra referência, a mais evidente, acontece no verso da medalha: Pelo fato de
sermos constituídos povo sacerdotal, torna-se, segundo Pallotti, o fundamento de todo
o apostolado.
Como idéia fontal e elemento fortemente eclesial, ele tenta evidenciar a vocação
universal de todo o cristão. Neste sentido, assume muita importância, na sua pastoral,
a celebração do “Oitavário da “Epifania do Senhor”. Nesta festa na figura dos Reis
magos, vê, como um marco histórico, a primeira manifestação daquilo que é comum
a todos nós e que nos dá direito de chamar a Deus de Pai222. A Epifania “é o princípio
daquela misericórdia pela qual não somos mais estrangeiros e nem filhos da ira, mas
temos a liberdade de chamar a Deus de nosso Pai, o qual nos deu a vida em
Cristo”223. Esta celebração deseja como que representar a nossa história para
demonstrar aquilo que éramos e aquilo que fomos feitos. Aquilo que éramos e o
nosso vazio, o nosso nada. Éramos das nações, dispersos, sem nome, sem qualquer
perspectiva. Mas eis que, quando tudo parecia trevas, aparece a Estrela: “Deus quer
derramar a sua luz sobre os habitantes da terra da morte, Deus quer se encontrar com
aqueles que o não procuravam”224. Pallotti busca a intenção primeira da Igreja ao
celebrar o Oitavário da Epifania, que não é um simples memorial do primeiro
chamado dos gentios à fé225, mas uma oportunidade para uma tomada de consciência
de nossa origem, pois descendemos desse povo gentio 226. Éramos estrangeiros, mas
agora, concretamente, tivemos, pelo batismo, uma concepção e nascimento espiritual;
pelo batismo fomos constituído em Jerusalém Celeste227.
221
LG, 34.
Cf. OO CC V, 161.
223
OO CC VI, 160.
224
OO CC VI, 156.
225
OO CC I, 338-339.
226
OO CC VI, 160.
227
OO CC XII, 302-303.
222
3.3.2
Igreja missionária porque povo sacerdotal
Aos poucos, no horizonte de Pallotti, surge uma imagem sacerdotal e
cristológica de Igreja. Cristo, o Redentor da humanidade, o prometido, o esperado, o
preanunciado, o eterno e universal pontífice que se fez, por nosso amor, sacerdote e
vítima, “é o nosso primogênito e irmão”228. Nesta mesma perspectiva Pallotti
interpreta o “consummatum est”, as últimas palavras de Cristo (Jo 19, 28). No “tudo
está consumado” está a síntese, o desenbocar de todas as profecias, “o
estabelecimento do novo sacerdócio”229, o “sacerdócio eterno, e “universal” de
Cristo, como que a mim foi confiado”, em benefício da Igreja e dos homens230.
Por estes dois textos somos levados a entender, primeiramente, a nossa
fraternidade em Cristo, por ser ele “nosso irmão primogênito”. E, se somos da sua
raça, somos também com ele ofertantes e sacerdotais. Esta realidade crísticasacerdotal não se atribui simplesmente ao presbítero, ao homem ordenado, mas,
também ao fiel.
Porém, Pallotti não foi a única voz que ecoou nas dobras do século XIX: não foi
o único a manifestar esta novidade eclesial; mas faz parte do coro daqueles homens
como Mőhler, Newman, Rosmini, que tiveram a coragem de exercer o seu profetismo
e manifestar seu carisma na Igreja do seu século e que, com Pallotti, intuíram uma
Igreja interior, pneumatológica e sacerdotal231.
Hoje parece não constituir maior novidade quando a Lumen Gentium fala
claramente da “comum dignidade dentro da Igreja, da participação no múnus
228
OO CC XI, 55.
OO CC XII, 512.
230
OO CC X, 152.
231
Solidários, analogicamente, com essa visão sacerdotal de Igreja, são os coetâneos de Pallotti, como
A. Mőller que, partindo de 1Pd 2,9, reconhece a índole sacerdotal da comunidade cristã, a qual,
assegurada por tal dom, torna-se comunidade de celebrantes. Ele fala do sacerdócio comum dos fiéis:
“Todos aqueles que foram ungidos com o santo óleo tornaram-se sacerdotes”. MŐLLER, A. L´Unitá
nella Chiesa...., pp. 237-239.; Como Newmam que parte do “sensus fidelium” para chegar à realidade
“ôntica” de todo o povo cristão, da qual procede sua índole profética, sacerdotal e real: “a seu modo, os
leigos participam, com a hierarquia, do ofício de Cristo”. CONGAR, Y.Église Catholique..., pp. 437438.; Cf. TILLARD, J. M. Chiesa di Chiese.., PP. 131-132. Assim, Rosmini fala de um estado cristão
que é “quase o primeiro grau do sacerdócio”, ROSMINI, A. Delle cinque piaghe della Chiesa.
Brescia: Morcelliana, p. 80.
229
sacerdotal, profético e real de Cristo”232 e que “antes de qualquer distinção, de
qualquer ofício ou ministério no seio da Igreja, somos aquela seguridade, graça e
salvação que fala Agostinho no seu sermão”; não constitui novidade nos afirmar
como “povo de sacerdotes para Deus”, no dizer do Apocalipse (Ap 1,6); não constitui
novidade a redescoberta da realidade comum e universal de Povo de Deus, anteposta
ao ministério e à função na Igreja233; não constitui novidade dizer que o sacerdócio
comum não se caracteriza por sua relação ao submissão ao sacerdócio hierárquico;
mas se ordena a Deus, é oferta suprema da vida. Há um sacerdócio de vida e de graça
em Cristo, pelo Espírito Santo234.
Bruno Forte, refletindo sobre a Igreja primitiva, nos abre um caminho para a
laicidade da Igreja, isto é, para a identidade comum do povo de Deus235. Na sua visão,
“Laikós”, “como aparece nos primeiros séculos, designava uma realidade interna ao
povo de Deus, positivamente caracterizada pela riqueza de sua condição batimal. O
ser do leigo se ilumina na riqueza da consagração batismal, na livre iniciativa do
Espírito. O único Espírito suscita a diversidade de carismas e ministérios. A unção
batismal, o ontológico da graça, faz brotar o dever de ser cristão, a sua missão na
Igreja e no mundo”236 .
Porém, imaginamos a coragem e o dom carismático de Pallotti, quando, em
meados do século XIX, tenta fundamentar o seu apostolado universal não sobre
valores meramente jurídicos, mas sobre a visão petrina (1Pd 2,9), isto é, sobre o povo
sacerdotal, um valor ontológico inerente a todo o fiel. Assim, partindo deste
fundamento comum, pode afirmar, com toda a autoridade, que o apostolado universal
232
LG 32. COLOMBO, G. Op. cit., p. 11-13. “Cristo, o grande profeta..., cumpre o seu ofício
profético, não só por meio da hierarquia, que ensina em nome de Cristo e com o seu poder, mas
também por meio dos leigos... Os leigos tornam-se arautos da fé...” (LG 35). “O Senhor deseja
estender o seu reino também por meio dos leigos” (LG 36).
233
“Atemoriza-me o que sou para vós; consola-me o que sou convosco. Pois para vós sou bispo,
convosco sou cristão. Aquilo é um dever, isto é, uma graça. O primeiro é um perigo, o segundo
salvação”. (LG 32).
234
Cf. CONGAR, Y. Op. Cit , p. 180.
235
Por Laicidade pode-se tomar diversas direções, como entender a autonomia das coisas terrenas de
que fala a Apostolicam Actuositatem ou entrarmos na mentalidade laical no sentido de não-cristão que
compreende o homem ou a sociedade puramente secularista e anti-religiosa. “Leigo”, depois da
Revolução Francesa, acentuadamente, no séc. XIX, passou a significar, na linguagem extra eclesial,
não-religioso.; Cf. SCOPPOLA,P –GRIBOMONT, J. Laicismo. IN: DIP. V. Roma: Paoline, 1978,
pp.399-421.; BOFF, C. A dimensão da laicidade da vida Religiosa. In: REB, set(1994), p. 550, nota
6.
236
FORTE, B. Laicato. Op. cit., pp. 333-345; Cf. LG 31.
é um direito que assiste a todo o cristão. Pallotti “não podia ter sido mais explícito e,
ao mesmo tempo, tão corajoso para aquela época em que a idéia do sacerdócio
comum dos fiéis soava como heresia”237.
É sob esta visão sacerdotal de povo cristão e no “ministério do amor infinito,
revelado por Cristo, que temos nas mãos a chave para compreender Pallotti e seu
carisma particular”238.
3.4
A União do Apostolado Católico
Vicente Pallotti insiste não unicamente na universalidade do apostolado, mas na
unidade apostólica; e lhe vem em mente sempre o seu grande ideal: “a recondução de
todos os homens à unidade do mesmo rebanho sob um único pastor. Essa unidade
será o fruto da propagação da fé e do aumento da caridade” 239. Ele não confunde
unidade com uniformidade; reconhece o pluralismo missionário e as diversas formas
de evangelização dentro da Igreja. Partindo desse pluralismo de dons, de carismas e,
principalmente, de fundações, pensa em pontos referenciais, em organismos de
unidade. Na comunidade clerical e religiosa de Roma percebeu que havia muita
evasão de forças provocadas por fortes divisões entre clérigos e religiosos e por um
distanciamento incomparável entre hierarquia e leigos. Observa quantos agem
isoladamente e convence-se que é preciso unir. Unir-se na variedade de meios e
formas apostólicas. Mas unir-se essencialmente na caridade. A “caridade..., de muitos
corações, forma um só”240. “A unidade na caridade, uma ação em conjunto, é
exigência da comunidade evangelizadora. Ele admite o valor da ação individual na
ordem do apostolado. Porém, como que antepondo a Lumen Gentium : “Aprouve a
Deus santificar e salvar os homens, não individualmente... mas formando com eles
um povo...”241, reconhece, partindo da experiência, que o espírito comunitário exige
237
RUBIM. A. Nuestro apostolado en la pastoral de América Latina. In: Informações Palotinas,
set. (1983),p. 91.
238
MÜNZ, L. Sociedade do Apostolado Católico. In: Informações Palotinas, abril (1983), pp. 5-6.
239
OO CC III, 174.
240
“La carità... Che di più cuori ne forma uno solo” (cf. OO CC III, 174)
241
LG, 9.
uma ação em conjunto242 e uma grande adaptação. “Tornei-me tudo para todos, diz
Paulo, a fim de salvar alguns a qualquer custo”243. “Ordinariamente, o bem que se faz
isoladamente é escasso, incerto e de pouca duração... Ao contrário, para obter a
abundância, certeza e durabilidade das obras, requer-se a reunião dos indivíduos e a
concentração de forças... Porque os esforços generosos dos indivíduos não fazem
acontecer nada de grande, tanto na ordem moral, como religiosa, senão quando são
reunidos e ordenados a um corpo comum... É muito importante reunir essa massa dos
cristãos”244. Por isso, a jornada apostólica, para ele, é um mutirão, é um unir forças.
Mas o que fazer? Unir como? Para apressar a unidade evangelizadora dentro da
Igreja ele pensa na convocação de um concílio ecumênico. Mas percebe que nas
circunstâncias atuais em que se vive, essa idéia parece prematura e hipotética. Então,
por que não pensar no desenvolvimento de um organismo apostólico dentro da Igreja
para melhor agilizar a unidade e a eficácia pastoral entre clero e leigos, entre padres
diocesanos e religiosos?
3.4.1
A inspiração histórica
Vicente Pallotti teve certeza moral de que Deus queria uma fundação de caráter
unitário, um organismo moral dentro da Igreja para unir as obras evangelizadoras
existentes, uma sociedade apostólica que a batiza com o nome de União do
Apostolado Católico245. Ele foi um daqueles que não extinguiram o Espírito. Homem
sensível aos tempos novos246, exorta os ‘verdadeiros católicos’ a cooperarem nos
desígnios da Divina Misericórdia “que parece preparar, em silêncio, os meios de uma
grande difusão evangélica”247. Ele fala claramente do dom conquistado por Cristo, de
um carisma que recebeu a fim de fundar uma organização. Esta organização, segundo
242
Cf. OO CC V, I, 228.
1Cor 9, 22.
244
OO CC V, I, 228; Cf. BAYER, Bruno e ZWEIFEL, Joseph. (org.). Documentos da Fundação,
Santa Maria: Pallotti,1996, pp. 153-154.
245
Cf. OO CC III, pp. 31-32.
246
Cf. Is 44, 3.
247
Os verdadeiros católicos devem “cooperar com os desígnios da Divina Misericórdia, que parece
preparar, em silêncio, os meios de uma grande difusão do Santo Evangelho e da conversão do mundo”
(OO CC IV, 143).
243
ele próprio diz no seu testamento espiritual, “teve começo em 1834, em caráter
privado e entre poucos”248. Todavia, a grande inspiração foi na manhã de 9 de janeiro
de 1835, depois da missa e de fortes momentos de contemplação. Nesse dia, acredita
ter intuído, para toda a Igreja, o homem missionário e apostólico. Ele pessoalmente
conta como foi essa grande inspiração.
Deus meu..., vós me concedeis..., na vossa infinita misericórdia..., poder promover,
instituir, propagar, aperfeiçoar, perpetuar, pelo menos a nível de aspiração muito viva:
1. uma pia instituição de apostolado universal entre todos os católicos, para propagar a
fé e a religião de Jesus Cristo entre todos os infiéis e não católicos; 2. outro apostolado
oculto para reavivar, conservar e aumentar a fé entre os católicos; 3. uma instituição de
caridade universal, para o exercício de todas as obras de misericórdia espiritual e
corporal, a fim de que, da maneira possível, vós sejais conhecido no homem, já que vós
sois caridade infinita249.
Estes foram os três elementos fortes de sua fundação: uma obra missionária
universal; um movimento de renovação espiritual e apostólica de toda a comunidade
cristã; uma instituição de caridade para satisfazer todas as necessidades sociais da
população.
Pallotti, homem atento aos sinais dos tempos, levou muito a sério a inspiração
de 1835. Essa data permanece como um marco histórico, núcleo central de sua
fundação. Por isso, nesse mesmo ano, ele e seus companheiros de apostolado, “alguns
sacerdotes romanos e diversos leigos seculares[...], têm o plano de associar-se,
mediante vínculo de competitiva caridade cristã, para a busca da multiplicação dos
meios espirituais e temporais capazes de promover a propagação da fé. Unidos, eles
desejam ver apressado aquele momento ansiado por todos os bons e predito por Jesus
Cristo, momento em que haverá um só rebanho e um só pastor”250.
Nesse histórico, ficam claros os objetivos centrais da fundação: uma associação
de caráter apostólico, colocada sob a proteção da Rainha dos Apóstolos e que, pelos
vínculos da caridade, visa, através de todos os meios possíveis, a propagação da fé
entre os infiéis e a revitalização das comunidades cristãs251. Parece que Pallotti quer
apressar de todos os modos essa era da unidade. Assim como a vinda de Cristo foi
248
Cf. OO CC III, p. 24. BAYER, Bruno e ZWEIFEL, Joseph. (org.). Op. cit, p. 257.
OO CC X, 198-199; BAYER, Bruno e ZWEIFEL, Joseph. (org.). Op. cit, pp. 36-37.
250
OO CC IV, 1-3;Cf. BAYER, Bruno e ZWEIFEL, Joseph. (org.). Op. cit, p. 39.
251
Cf. OO CC IV, 8-9. Cf. BAYER, Bruno e ZWEIFEL, Joseph. (org.). Op. cit, p. 46-47.
249
acelerada pelas orações das pessoas justas: Patriarcas, Profetas e Maria Santíssima,
assim hoje deve ser acelerada por todos os meios possíveis a era da unidade. E o meio
mais fundamental para apressar a unidade é a evangelização: reavivar a fé e reacender
a caridade. Aqui estaria o centro da finalidade de sua fundação. Esse também parece
ser o fim da Igreja: “Ide e fazei todas as nações se tornarem discípulas...”252.
Paredes admira em Pallotti “a grande intuição: conceber de forma unitária, a
Missão da Igreja; unitária a partir dos agentes da missão, do seu serviço missionário.
Mais tarde o Concílio Vaticano II fez sua essa mesma inquietude”253. “Há na Igreja a
diversidade de ministérios, mas a unidade da missão”254. A União do Apostolado
Católico, no pensar de Paredes, “pretende ser, na Igreja, uma parábola permanente
desse axioma... Tenta dizer que é possível levar adiante a unidade da missão, embora
os ministérios e formas de vida sejam diferentes na Igreja” 255.
3.4.2
Fundação, natureza e finalidade
Pallotti conta que, lendo na vida da Beatíssima Virgem como os Apóstolos,
após a vinda do Espírito Santo, partiram para pregar o Evangelho nas diversas partes
do mundo, aconteceu que Cristo pôs na sua mente a idéia da verdadeira natureza e
das atividades da Pia Sociedade, com seu objetivo geral de aumentar, defender a
propagar a piedade e a fé católica256.
Então, desejoso que os verdadeiros católicos cooperem nos planos da Divina
Misericórdia, funda, em Roma, uma ‘pia sociedade secular de fiéis’, isto é, uma
associação apostólica constituída pela variedade dos membros do povo de Deus. O
que significa? Em 1835, ao fundar a União do Apostolado Católico, ele não cogitou
fundar uma ordem religiosa, masculina e feminina ou uma congregação meramente
clerical. Queria uma associação que, independentemente de qualquer obrigação
252
Mt 28,19.
PAREDES, J.C.R.G. Parábola de unidad, carisma y mision em la Iglesia. In: Apostolato Universale.
Roma: Citta Nuova, 2001, pp 60-67.
254
AA, 2.
255
PAREDES, J.C.R.G. Op. Cit. P. 68.
256
Cf. OO CC III, 27.
253
especial, movida só por espírito de zelo e de caridade, trabalhe, por todos os meios
disponíveis, para a manutenção da piedade e a propagação da fé católica 257. Portanto,
“a União é um corpo moral, um organismo de caráter apostólico, uma comunidade de
fiéis composta de padres diocesanos, religiosos, religiosas, leigos, leigas de qualquer
ordem, estado e condição, que tem por finalidade mover e unir todas as forças
apostólicas na Igreja de Jesus Cristo”258. Nessa sociedade apostólica não existem
excluídos. Todos podem e devem concorrer nos empreendimentos do Apostolado
Católico259.
Esta associação é também uma organização que envolve uma direção, uma parte
dirigente que não é vista por Pallotti como um todo isolado, algo independente ou
superior, mas forma com a União, uma única fraternidade espiritual. Concretamente,
ele, em 1835, convida eclesiásticos e leigos para formar a parte dirigente260. Quase
dois anos depois, sentiu necessidade de um segundo centro coordenador mais seguro
e estável. Pensou num grupo de sacerdotes, de irmãos e irmãs que dedicasse tempo
integral para unir e animar, não diretamente o Apostolado Católico, “mas esta pia
Sociedade de caráter secular de fiéis”261. Chamou esta parte dirigente de
Congregação. Esclarecendo, no entanto, que não se pode confundir a parte pelo todo.
O grupo de dirigentes não tem sentido em si mesmo a não ser estar em função de uma
associação. É a União do Apostolado Católico que está para animar todas as obras
dentro da Igreja e não a Congregação 262 ou o grupo de dirigentes.
A intenção de Pallotti, na fundação da União, “não era tanto de criar uma nova
instituição na Igreja de Deus, mas reavivar as que já existiam” 263. A ela compete
“promover a multiplicação dos meios espirituais e temporais necessários e oportunos
para reavivar a fé e reacender a caridade entre os católicos e propagá-los em todos os
recantos do mundo, a fim de que mais depressa venha formar-se um só rebanho,
apascentado por um só pastor”264. E para chegar a isso com mais eficácia propôs
257
Cf. BAYER, Bruno e ZWEIFEL, Joseph. (org.). Op. cit., p. 157.
BAYER, Bruno e ZWEIFEL, Joseph. (org.). Op. cit., p. 84.
259
Cf. OO CC IV, 5, 119-121.
260
Cf, OO CC V, I, 47.
261
BAYER, Bruno e ZWEIFEL, Joseph. (org.). Op. cit., p. 340.
262
BAYER, Bruno e ZWEIFEL, Joseph. (org.). Op. cit., p. 85.
263
Cf. BAYER, Bruno e ZWEIFEL, Joseph. (org.). Op. cit., p. 45.
264
OO CC IV, 8-9; Cf. BAYER, Bruno e ZWEIFEL, Joseph. (org.). Op. cit., p. 46-47.
258
“demolir todo muro de separação entre clero secular e regular e animar um e outro,
mediante o sagrado vínculo de competitiva caridade e zelo, bem como empenhar
ambos, sempre mais, nas obras do santo ministério evangélico, de forma atualizada,
generosa e verdadeiramente humilde, para a maior glória de Deus e para a salvação
eterna das almas”265.
Portanto, um dos principais objetivos na mente de Pallotti ao fundar a União é
promover, despertar, movimentar, unir o apostolado quer dos indivíduos, quer das
outras associações, dentro da Igreja. Segundo ele, esta pia União
“diz-se do Apostolado Católico, não porque presuma ter em si o Apostolado Católico,
não porque presuma ter em si o Apostolado Católico, mas para que venha tornar-se,
para sempre, na Igreja de Jesus Cristo como um clarim do Evangelho, que a todos
chame, que a todos convoque, que em todos os fiéis, de todo o estado, posição e
condição, desperte o zelo e a caridade, a fim de que todos, humildemente, respeitem e
venerem o apostolado católico instituído por Cristo em sua Igreja”266.
A União foi fundada para estimular todos os fiéis à santificação e, como
objetivo último, para proclamar a maior glória a Deus e a salvação dos homens.
Perante esses motivos, Pallotti acredita na importância da pia União do Apostolado
Católico. Ele a vê como um milagre, “um troféu da Misericórdia Divina” 267. “Que
objetivos, que projetos, mais nobres, mais sublimes, mais santos e, ao mesmo tempo,
tão piedosos, tão cheios de caridade e tão dignos de um coração cristão”268 esses de
pertencer à União do Apostolado Católico? E pergunta-se:
“quem não se sentiria honrado em fazer parte de uma tão santa instituição? Se a
conversão de um pecador desperta o júbilo e a alegria de todos os espíritos bemaventurados, que espetáculo não será, então, ver uma multidão de cristãos, reunidos
pelo vínculo de zelo, empenhados em tornar Deus conhecido em todo o mundo,
empenhados a salvar milhões de pessoas? Ingressar nessa associação é sinal de alegria
e de festa”269.
265
OO CC III, 2; Cf. BAYER, Bruno e ZWEIFEL, Joseph. (org.). Op. cit., p. 39.
OO CC I, 4-5; Cf. BAYER, Bruno e ZWEIFEL, Joseph. (org.). Op. cit., p. 202-203.
267
OO CC X, 308.
268
Idem.
269
OO CC IV, 413-414.
266
Mas, a União não é qualquer associação ao lado de tantas outras, não é um
movimento, algo que se caracteriza por uma espiritualidade uniforme 270; não é uma
forma de Ação Católica. O apostolado da Ação Católica dependia de uma delegação,
de um mandato por parte da hierarquia e desenvolvia o apostolado da mesma; não é
nenhuma ordem terceira cujos membros estão atrelados ao espírito da ordem
primeira, isto é, em nosso caso, aos palotinos, privando as pessoas individualmente de
participarem da espiritualidade fundamental de toda a obra de Pallotti; não é qualquer
instituto religioso: os padres, irmãos e irmãs não formam sozinhos a União 271. Assim
nos fala o Capítulo Geral de 68/69:
“a Sociedade do Apostolado Católico não se considera como algo isolado, mas, pelo
contrário, como inserida no todo da fundação de Pallotti. A Sociedade dos padres e
irmãos palotinos é parte integrante da União do Apostolado Católico e somente pode
cumprir a sua missão apostólica na União. Sem ela os palotinos não realizam sua
missão e nem alcançam sua plena identidade”272.
Por isto, de maior importância não é o elemento puramente palotino, nem
propriamente a pessoa de Pallotti, mas a sua fundação. O carisma está na União do
Apostolado Católico, sociedade feita de pessoas de qualquer estado ou condição.
Nesta universalidade dizemos que a obra de Pallotti não é movimento ou ordem
religiosa. Mas, se apresenta como um organismo vivo, em que todas as partes são
importantes na promoção das obras de apostolado. É justa a preocupação de tornar
conhecida a figura e pessoa de Pallotti. Mas muito mais justa é a divulgação de sua
obra. Se ela não for conhecida, priva-se a Igreja do dinamismo de uma fundação
importantíssima para os tempos de hoje.
3.4.3
União do Apostolado Católico conceito analógico
Falar de apostolado católico no século XIX era temeridade. Tratava-se de
conceito unívoco, algo ligado à estrutura hierárquica. Pallotti não pensou em
270
Cf. Estatuto Geral da UAC, Introdução Histórica, n.3, parágrafo 1 e 3.
Cf. BAYER, Bruno e ZWEIFEL, Joseph. (org.). Documentos da Fundação. Op. cit., p. 26.
272
CAPÍTULO GERAL (XII) Extraordinário 68/69, nn.1-4, 202-204, in SOCHA, H., Introdução ao
Estatuto da União do Apostolado Católico, 2.
271
movimento laical diretamente. Mas foi essa abertura apostólica na direção de todos,
incluídos os leigos, que lhe trouxe sérios dissabores. Se os homens da Ação Católica,
Pio XI e Pio XII, pensavam que o apostolado estava ligado à hierarquia, como
imaginar diferente nos tempos de Gregório XVI e de Pio IX? Os leigos, nem como
prolongamento dos seus braços, podiam sonhar numa ação apostólica. Falar de
apostolado católico até esse momento era o mesmo que dizer ‘apostolado
hierárquico’, algo que pertencia à estrutura essencial da Igreja.
Mas, então, como este romano pode pensar de modo diferente? Essa virada,
como que copernicana de Igreja, faz surgir nuvens tempestuosas no horizonte e
Pallotti vê-se em situação difícil. Do lado da Cúria romana, foi acusado de diversas
coisas ligadas à sua fundação: primeiramente, querer usurpar uma função que
pertence puramente à Igreja. Fazer apostolado é da competência exclusiva da
hierarquia e nunca de qualquer associação particular. Em segundo lugar, é apontado
de querer uma Igreja dentro da Igreja. Esta última acusação pode ser até verdadeira se
entendida como que uma refundação de Igreja, isto é, acender a vida e a
espiritualidade da Igreja, das comunidades cristãs, renovando a fé e reacendendo a
caridade273.
Pallotti, mediante essas dificuldades e mesmo por necessidade interna da sua
obra, parte para um aprofundamento da noção de apostolado. “Suas idéias teológicas
orientavam-se sobretudo em duas direções: na direção das autoridades hierárquicas,
frente às quais era preciso aclarar e defender seus pontos de vista, seu carisma; e na
direção de todos os cristãos, para mostrar-lhes o direito e o dever do apostolado,
exaltando-lhe a beleza e o mérito”274.
Primeiramente esclarece que não pretende ser o fundador do apostolado
católico, mas da União do Apostolado Católico. Esta associação quer apenas colocarse a serviço do apostolado na Igreja. “Nós não somos o apostolado católico, como os
Jesuítas não são Jesus, mas a companhia de Jesus” 275. Sabe-se que o apostolado
católico, fundado por Cristo, é de toda a Igreja. Porém, nada impede que uma
associação ou a União venha a tornar-se na Igreja de Jesus Cristo, uma voz que
273
Cf. RUBIN, A. Horizontes Palotinos. Santa Maria: Biblos, 2002,p. 83.
Idem.
275
Idem.
274
convide, desperte e conclame a todos276. O que há de estranho nisso, se todo o cristão
está chamado, pelo impulso que lhe vem da ordem do amor criacional e crístico e por
sua própria vocação, a esta tarefa apostólica? Assim esta associação vai dedicar-se,
consagrar-se expressamente ao serviço do apostolado católico, isto é, a reavivar e a
reacender a caridade em todo o mundo 277.
Partindo da teologia bíblica (Jo 20,21; Eclo 17,12), Pallotti confirma o
apostolado universal e a pluralidade dos agentes apostólicos que são tantos quantos
são os chamados para a seara do Senhor278. Através da visão analógica279, defende a
hierarquia do apostolado: um é o apostolado de Cristo, o apóstolo do Pai, outro é o
apostolado dos seus enviados, os Doze. “Assim, o que Pedro faz como vigário de
Jesus Cristo é o apostolado de Pedro; e o que faz o sumo pontífice como legítimo
sucessor de Pedro é o apostolado do chefe visível da Igreja” 280. Juridicamente atribui
a culminância do apostolado ao romano pontífice sobre toda a Igreja e aos bispos nas
suas dioceses281. Porém, não se pode confundir apostolado católico com conceitos
unívocos, nem “com aquela suprema missão que existe na Igreja, a suprema missão
do Papa”282. A Sagrada Escritura não limita a ninguém a missão de evangelizar283.
Cristo a dá a quem lhe apraz. E nenhum indivíduo ou organização tem o dom
exclusivo do apostolado. Salvas as diferenças, toda a Igreja é apostólica. Por isso, a
União é uma das entidades apostólicas que se dispõe a ajudar a Igreja e ao “sumo
pontífice nos grandes empreendimentos evangélicos”284.
Pallotti, olhando para a fundação, parece surpreender-se diante de tão grandioso
projeto eclesial e apostólico. Projeto esse que quer cooperar com a salvação do
próximo. Utilizar todos os meios possíveis e remover todos os obstáculos para melhor
276
Cf. BAYER, Bruno e ZWEIFEL, Joseph. (org.). Op. cit., p. 202.
Cf. BAYER, Bruno e ZWEIFEL, Joseph. (org.). Op. cit., p. 84.
278
Cf. OO CC IV, 260. Esta universalidade Pallotti a busca principalmente na celebração da vocação
cristã. “A Igreja, com a celebração da Epifania, nos recorda a primeira manifestação de Nosso Senhor
Jesus Cristo ao povo gentio, do qual descendemos e estamos representados pelos Magos” (OO CC VI,
I, 160).
279
Cf. OO CC VII, 6.
280
OO CC III, 140.
281
Cf. OO CC III, 185.
282
OO CC VII, 6-7.
283
Cf. OO CC, 7-8.
284
OO CC III, 186.
277
agilizar a salvação. O bom católico deve saber que o dom mais precioso, nobre, santo
e divino é aquele que nos torna cooperadores na salvação 285.
A força que movia seu projeto de evangelização era a salvação universal e a
glória a Deus. “Deus quer que o homem coopere quanto possa na sua salvação, para
que, desta forma, este mesmo homem, valendo-se livremente de todos os dons
recebidos, torna-se mais semelhante a ele, Autor da natureza e da graça”286. Mas não
queria ser o único na realização desse grandioso projeto. Perguntava-se admirado
como podia haver gente, dentro do catolicismo, sem nenhuma preocupação com a
salvação do seu próximo. Como é possível que pessoas, tendo um pouco de amor e de
fé, não busquem todos os meios que sugira a caridade cristã, não disponham de todos
os bens e riquezas, de todas as suas capacidades naturais e sobrenaturais para a
salvação própria e do próximo, como fins queridos por Deus, como recordação e
imposição do Espírito Santo. “Ajuda o teu próximo segundo a tua possibilidade” 287. É
dever de cada um empenhar-se pela salvação dos amigos, domésticos, familiares;
buscar os companheiros nos rincões, nas vilas, nas cidades, nas praças 288.
Pallotti vê na União do Apostolado Católico um instrumento onde todos possam
cooperar pela salvação da humanidade. Não basta ‘fazer’, mesmo que todos fizessem
o que devessem e pudessem. Mais urgente, segundo Vicente, era o ‘como fazer’. E
esse ‘como palotino’ é fazer juntos. Defendendo com veemência a União do
Apostolado Católico, ele se fundamenta em experiências comuns, já feitas, que
confirmavam a eficácia e fecundidade dessa cooperação289. A cooperação é o ‘como’
do apostolado universal.
Por fim, concluímos que, o nosso trabalho neste capítulo não demonstrou o
todo da fundamentação e reflexão teológica Obra de Vicente Pallotti, a União do
Apostolado Católico. No entanto, como o nosso objetivo era apenas elucidar alguns
pontos mais importantes de sua obra. Mesmo assim, acreditamos que com esta
explanação tenhamos conseguido esclarecer o conteúdo de sua obra, pois estes
285
“Não é possível que se perca quem cooperou à salvação dos outros... quem concorre na propagação
e manutenção das obras da salvação são recompensados por Deus”. (OO CC IV, 133)
286
OO CC IV, 307.
287
Eclo 29,20. Cf. OO CC IV, 310-311.
288
Cf. OO CC IV, 225-226.
289
Nos escritos de defesa, Pallotti cita vários empreendimentos que os membros da pia Sociedade já
realizaram juntos. OO CC V, 137-144.
resultados se tornam fundamentais para o próximo passo do trabalho: As
contribuições da União do Apostolado Católico à Igreja em tempos de Mobilidade
Religiosa.
4.
As Contribuições da União do Apostolado Católico à Igreja
em Tempos de Mobilidade Religiosa
A partir da análise das realidades que a Igreja Católica Brasileira vem
observando nesses tempos de mudança ou, como bem afirma o Documento de
Aparecida, uma mudança de época290, urge serem observados os sinais dos tempos
para discernir como poderemos contribuir para que o Evangelho de Jesus Cristo seja
propagado com todo zelo apostólico a nós confiados.
Tendo como incentivador a pessoa de Vicente Pallotti, que no seu tempo
buscou reavivar este espírito apostólico em todos os cristãos, urge contar com a sua
inspiração para oferecer a Igreja aquilo que o Espírito suscitou nele: a cooperação.
Pallotti, ao fundar a União do Apostolado Católico, nada mais queria do que
houvesse um grande espírito de cooperação entre todos. Pode-se afirmar que a sua
intuição nada mais era do que formar entre todos uma verdadeira Cultura de
Cooperação. E esta Cultura de Cooperação deverá ser entre todos os homens de boa
vontade e principalmente entre todos os batizados.
Esta Cultura de Cooperação será a resposta que a União do Apostolado
Católico quer dar aos anseios da Igreja Católica Brasileira diante dos grandes desafios
que este tempo de mobilidade religiosa vem trazendo.
4.1
Por uma Cultura de Cooperação na Visão de Vicente Pallotti
Nota-se, como já abordado anteriormente, que a eclesiologia do tempo de
Pallotti foi decididamente apologética, clerical e contra-reformista. Ela se
concentrava sobretudo no elemento hierárquico em reação aos protestantes que o
290
DA, 44.
negligenciavam291. Os leigos não passavam de receptores passivos dos dons da
salvação. O apostolado era o privilégio dos Doze e somente o papa e os bispos eram
responsáveis por ele. Em outras palavras: diante das crescentes reivindicações da
humanidade moderna, a Igreja ainda não estava pronta para se abrir à renovação do
mundo. Essa situação histórica impediu igualmente o desenvolvimento da União do
Apostolado Católico e não lhe permitiu uma evolução normal segundo o pensamento
e a visão de seu fundador.
Apesar disso, como já vimos, a pia União e seu programa foram aprovados pela
autoridade da Igreja. Muitos julgaram o programa da União utópico e pretensioso. Ele
contradizia em muitos pontos a eclesiologia da época. De fato, com o nome
Apostolado Católico, Pallotti não entendia unicamente a hierarquia da Igreja, mas
todos os fiéis.
Pallotti ao fundar a União do Apostolado Católico, não buscava exclusivamente
promover o apostolado dos leigos, e sim a cooperação de todos, principalmente entre
os batizados. Ele buscava a supressão das fronteiras entre o clero e laicato, entre clero
secular e religioso. Ele queria assim exprimir a identidade da Igreja como uma
totalidade de fiéis em Cristo292.
As conseqüências dessa lógica foram tais que a atividade pública da União foi
dificultada pelas autoridades da Igreja. Pallotti mesmo foi obrigado a atenuar, em
seus escritos, a idéia da União do Apostolado Católico. Não lhe foi permitido nem
mesmo mencionar o nome de sua fundação nas publicações293. Apesar disso, Pallotti
não se resignou. Com discernimento e inteligência, ele desfez as “idéias falseadas que
o demônio não deixa de suscitar em algumas mentes quando quer impedir as obras de
Deus”294. Ele continuou a lutar pela cooperação na Igreja, desenvolvendo a sua
291
Cf. CONGAR, Yves. Jalons pour une théologie du laicat, Unam Sanctam, n 23, Cerf, Paris,
1953, p.64-79; FORTE, Bruno. Teologia della Storia, Milano: Ed. Paoline, 1990.
292
A contraposição clero-laicato não correspondia à visão eclesiológica de Pallotti. No pedido dirigido
ao Papa Gregório XVI, os membros da nascente União, clérigos e leigos reunidos, se definiam como
“os irmãos da pia União denominada Apostolado Católico” (OO CC IV, 8 [BAYER, Bruno e
ZWEIFEL, Joseph (org.), Documentos da Fundação, Santa Maria: Pallotti, 1996, p. 46]. Eles têm
consciência de se comprometer todos juntos e sob o mesmo título diante de Deus e das autoridades da
Igreja.
293
Nos convites para o Oitavário da Epifania, assinados, à pedido de Pallotti, pelo Cardeal vigário do
Papa, cuida para não utilizar o nome Apostolado Católico. Falava somente da Pia Sociedade ou da Pia
União.
294
OO CC III, 24. BAYER, Bruno e ZWEIFEL, Joseph (org.), Op. cit., p. 257.
doutrina, propondo-lhe modelos e exemplos bem concretos e inventando formas
novas e inéditas de cooperação.
A Cultura de Cooperação é como um conjunto polifônico, o qual procurar
casar várias melodias, que se desenvolvem independentemente, mas dentro da mesma
tonalidade, uma pluralidade de sons. Cada um no seu estado de vida pode e deve
assumir o seu empenho apostólico. Assim, a Cultura de Cooperação poderá favorecer
um despertar do zelo apostólico em cada cristão, ajudando a própria Igreja a retornar
as suas fontes, na qual todos se empenhavam na difusão do Evangelho de Cristo. A
Cultura de Cooperação gera uma comunhão de todos os membros da Igreja.
O Papa Bento XVI, em sua homilia em visita a Gênova, afirmou
categoricamente que
em uma sociedade que se encontre entre a globalização e o individualismo, a Igreja
está chamada a oferecer o testemunho de ‘Koinonia’, da comunhão. Esta realidade não
vem ‘de baixo’, mas é um mistério que tem, por assim dizer, ‘as raízes no céu’:
precisamente em Deus uno e trino.295
Discursando para mais de 100 mil pessoas, o Papa confirmou que a Igreja é
chamada a oferecer esse testemunho de comunhão, fomentando a cooperação para
que a ação evangelizadora seja eficaz.
Em uma sociedade que vive uma nova relação com o espaço, o tempo e o
indivíduo, assistimos também às mudanças do conceito de cooperação. Assim, na
vida política, econômica, social, cultural, eclesial e familiar, toma-se consciência que
a cooperação não é somente uma ajuda no desenvolvimento, uma tomada de
conhecimento ou um pacto. Hoje não é mais suficiente estar junto, ter relações
corretas ou realizar algum projeto comum. Esse fenômeno que tem tomado forma,
por exemplo, na União Européia, na Unidade Africana, no Mercosul e no Conselho
Nacional de Igrejas Cristã (CONIC), exige, na atualidade, algo a mais do que uma
simples solidariedade ou permuta: está em busca de uma alma296.
295
BENTO
XVI
PP.,
Homilia
em
Gênova.
Disponível
em
<http//
www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/homilies/2008/.../hf_benxvi_hom20080518genovapo.html>
296
Trata-se de uma alusão à palavra usada em um discurso de Jacques Delors, antigo presidente da
comissão européia, pronunciado no dia 06 de fevereiro de 1992: “É necessário dar uma alma à Europa
(...). Se, nos próximos dez anos, não conseguirmos dar uma alma, uma espiritualidade, um significado
No mundo palotino concebido, desde a sua fundação, como União do
Apostolado Católico, o desejo de uma maior comunhão se faz sentir cada vez mais
fortemente. É nesse contexto que os discípulos de Pallotti tomam consciência da
importância que tem para o Fundador o conceito de cooperação e principalmente para
o contexto brasileiro, e de poder contribuir na evangelização deste povo que sai de
suas igrejas em busca do imediato, que outrora era um praticante regular que
lentamente vai se tornando um peregrino, culminando um consumidor da fé.
A realidade que a pesquisa do CERIS nos apresenta, são os fiéis que buscam
uma fé de curto-prazo297. O sociólogo Zygmunt Bauman falando sobre o a fluidez das
relações humanas afirma, que a nossa sociedade que é globalizada, busca os prazeres
imediatos, busca as satisfações instantâneas:
E assim é numa cultura consumista como a nossa, que favorece o produto pronto para
uso imediato, o prazer passageiro, a satisfação instantânea, resultados que não exijam
esforços prolongados298.
A globalização vem afetando a todos os campos da vida humana, inclusive o
religioso. Para a Igreja Católica, cresce o desafio de evangelizar o seu próprio
rebanho diante desta realidade tão fluida. Mas não se deve temer. A questão é
enfrentar os percalços dos tempos atuais e buscar criar uma verdadeira cultura de
cooperação entre todos os fiéis, em conjunto com bispos, padres, religiosos e
religiosas.
Essa cultura de cooperação poderá ajudar os anseios da Igreja Católica
Brasileira. Se faz necessário uma boa compreensão da proposta. Para isso devemos
recorrer aos fundamentos dados por Vicente Pallotti para tal cooperação.
Nos escritos de Vicente Pallotti não se encontra a palavra “colaboração” e sim
“cooperação”. Por quê? A pesquisa nos sugere seguir a pista lingüística. Com efeito,
à Europa, teremos, então, perdido a partida”. Citado por DALOZ, Lucien, “L’Europa peut-elle se faire
sans dimension spirituelle”, in Etudes, n 3913, septembre, 1999, p. 215.
297
BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro:
Zahar, 2004, p. 19.
298
Ibid, p. 21.
folheando os dicionários da época de Pallotti299, se encontram facilmente as palavras
“cooperação”, “cooperar”, mas com uma acepção diferente da atual. De fato, as duas
expressões possuem sua raiz na língua latina: colaborar vem de cum laborare, o que
significa “trabalhar juntos”, e cooperar vem de cum operari, “operar juntos”. É
preciso acrescentar que as palavras “cooperar” e “cooperação” se revestem, na
linguagem do séc. XIX italiano, de um significado profundamente teológico e
espiritual. Assim, por exemplo, se lê no dicionário Manuzzi:
Se é verdade que as duas coisas te podem conduzir à perfeição, fiar-te em tua
cooperação como se tudo dependesse dela. Pelo contrário, põe tua confiança na graça
de Deus que Deus quer sempre te conceder 300.
Parece, portanto, que seja essa a dinâmica da palavra “cooperação” que Vicente
tinha em mente quando convidava todos os cristãos a cooperarem com Deus e com os
outros.
Estudando a variedade com a qual Pallotti aborda esse conceito e
permanecendo, ao mesmo tempo, em nosso registro musical, pode-se dizer que a
cooperação é um conjunto polifônico cuja noção de “dom” se torna o tema recorrente
e que unifica toda a “partitura”.
Com efeito, a cooperação para Pallotti não é somente uma estratégia pastoral da
Igreja, uma série de preces a serem recitadas preces a serem recitadas, algumas
estruturas para a favorecer. Ela é, antes de tudo, uma arte e um dom. Essa consciência
de que a cooperação é, sobretudo, um dom permite a Pallotti criar e inovar na Igreja
“sem desafinar”. Como já afirmamos, a expressão “o dom de Deus por excelência”
está sempre associada à palavra “cooperação”. Pallotti retorna a elas freqüentemente
como a um leitmotiv, obedecendo às exortações de Paulo: “Não descuides do dom da
graça que há em ti”301; “eu te exorto a reavivar o dom de Deus que há em ti” 302.
299
Cf. MANUZZI, Giuseppe. In: Vocabolario della lingua italiana, Firenze, 1833; CARRERE, Luigi e
FORTUNATO, Federici. In: Dizionario della lingua italiana, Padova. 1827.
300
MANUZZI, Giuseppe. In: Vocabolario della lingua italiana, p. 803.
301
1Tm 4,14.
302
2Tm 1,6.
4.1.1
Pontos Fundamentais da Doutrina da Cultura de Cooperação
Citamos em seguida algumas passagens fundamentais de Pallotti que resumem
sua doutrina sobre a cooperação. O primeiro texto é o “Apelo de Maio” (1835):
Deus não criou os homens no tempo, senão para conduzi-los, felizes, à eternidade. Seu
desejo é de vê-los todos salvos, todos iluminados pela luz de sua divina verdade [...]. S.
Dionisio Areopagita diz que a obra, a mais santa, a mais nobre, a mais augusta, a mais
divina entre todas as obras divinas, nobres, augustas e santas, é a de cooperar com o
desígnio misericordioso de Deus na salvação dos homens, O pontífice S. Gregório
acrescenta que não há sacrifício mais aceito a Deus onipotente quanto o do coração
penetrado pelo zelo da salvação das almas. E, finalmente, S. João Crisóstomo afirma
que tal obra é a mais cara ao coração de Deus e a que desperta toda a sua ternura,
porque abrange toda a sua solicitude. Por isso o Salvador do mundo disse: Eu conheço
o Pai e dou a vida pelas ovelhas303.
É evidente que Pallotti fazia um apelo à cooperação de todos os cristãos, pois,
segundo ele, a maior graça de Deus feita ao homem é o chamado à cooperação em
sua própria salvação e a de todos os homens. Essa idéia aparece ainda mais
explicitamente em outro apelo dirigido a “Todo que se interessa pela propagação da
Fé católica”. Vicente pedia: “O bom Católico reflita que entre todas as divinas
perfeições, que o Altíssimo comunica às suas criaturas, a mais divina é aquela com a
qual torna o homem seu cooperador na salvação das Almas” 304. Por que considera
Pallotti a cooperação o mais divino de todos os dons? O terceiro texto nos fornece
uma resposta para essa questão.
Trata-se de uma série de meditações cotidianas reunidas em um opúsculo, de
cujo objetivo consiste em “envolver todos na busca da maior glória de Deus, da
própria e alheia eterna salvação”305. Na meditação para o quarto dia, Vicente Pallotti
303
OO CC V, 124-126. BAYER, Bruno e ZWEIFEL, Joseph. (org.), Op. Cit., p. 57-58. Pallotti precisa
a proveniência de todas essas citações escrevendo ao lado em latim: Deus vult omnes homines, salvos
fieri ad agnitionem veritatis venire (1Tm 2,4); Omnium divinarum divinissima exstat perfectio
cooperari Domino in salute animarum ad suum Creatorem. A citação de Dionísio é muito sugestiva do
ponto de vista teológico e espiritual, mas não cremos que sua influência sobre Pallotti tenha sido direta
e imediata, devida a um estudo pessoal da obra citada. Pelo contrário, trata-se de uma influência
indireta, visto que Vicente não cita outra passagem do Areopagita.
304
OO CC III, 403. Cf. III, 322-323.
305
Cf. OO CC XI, 233-260. O opúsculo não tem um título preciso. Podemos chama-lo Meditações
sobre o dom da cooperação”. São as mais belas páginas sobre esse tema.
expôs as razões pelas quais todo o cristão deveria considerar o dom da cooperação
como o mais divino de todos os dons. Eis alguns extratos.
Considera, Alma minha, que o dom de cooperar na salvação das Almas é uma das
perfeições que Deus comunica às suas criaturas, mas entre todos os seus dons é o mais
divino, ou seja, o maior. Isso por muitas razões306.
Pallotti falava de “muitas razões”, mas só apontava três:
A primeira razão é que aqueles que aproveitam de tal dom especialmente para o bem
das almas mais desprovidas dos meios para conhecer Deus, Jesus Cristo e a sua
Religião são os mais perfeitos imitadores de Jesus Cristo [...]. Ao menos com a Oração
humilde, confiante e perseverante, suplica tu ao Pai celeste para que te conceda o dom
de concorrer [...] para a salvação das almas especialmente com as obras dirigidas à
propagação da Santa Fé para imitar mais de perto Jesus Cristo307.
Pallotti continua com a segunda razão:
Considera, alma minha, que o dom de cooperar na salvação das almas é o mais divino
de todos porque aquele que tira proveito dele com mérito aperfeiçoa em si a imagem da
Santíssima Trindade308,
Ou seja, se torna mais semelhante a Deus: “Recorda, alma minha, que Deus te
criou à sua imagem e semelhança. Reflete que Deus é caridade por essência”309. Por
fim, Pallotti convida a refletir sobre a terceira razão:
Considera, alma minha, que o dom mais divino de todos os dons é o de cooperar na
salvação das Almas não somente porque nos torna mais semelhantes a Jesus Cristo, a
Deus Pai e ao Espírito Santo na sua imagem, mas também porque nos torna mais
semelhantes a ele na glória 310.
Cooperando, nos tornamos não somente semelhantes à Santíssima Trindade
“aqui e agora”, mas também na glória por toda a eternidade 311.
306
OO CC XI, 256.
OO CC XI, 265-257.
308
OO CC XI, 257.
309
OO CC XI, 257.
310
OO CC XI, 258-259.
311
Cf. Ib.
307
Mister enfocar que, no “Livro da Sabedoria312 está escrito que os que se
esforçarem por tornar a Deus conhecido, por levar a crê-lo, servi- lo, amá-lo e
glorificá-lo, só por isso, ganharão penhor seguro de salvação eterna das próprias
almas. “Ah! não é possível se condene aquele que contribuiu para salvar os
outros!”313.
O fruto da leitura do presente [opúsculo] seja o de engajar-vos na Obra do Apostolado
Católico e o de empenhar-vos inteiramente, de toda maneira possível, sempre com os
meios todos sugeridos pela caridade cristã, na busca da propagação da santa fé em todo
o mundo. Esta caridade deverá ser a verdadeira, a que revista aquelas notas próprias —
essenciais, naturais—que lhe dá o apóstolo São Paulo. Desta forma, não só sereis vós
os mais diligentes cooperadores de Deus na salvação das almas, mas, ao mesmo tempo,
os mais eficientes em impetrar a infalível realização predita por Nosso Senhor Jesus
Cristo: “Haverá um só rebanho e um só pastor314.
Assim, o conceito de cooperação em Pallotti é extremamente complexo. Além
disso, é surpreendente a variedade de abordagem desse conceito. Ao ler as Obras
Completas, encontram-se mais de trezentas ocorrências desse conceito em contextos
muito variados315. Seguindo a sugestão de Séamus Freeman, resumimos em três
fundamentais: a cooperação dos homens com Deus, a cooperação dos homens entre si
em Deus e a cooperação em todos os campos apostólicos possíveis316.
Pallotti não era um utópico ingênuo que idealizava a cooperação minimizando a
sua dimensão histórica. De fato, suas convicções a respeito da “santa cooperação”
não dissimulam os riscos de um conceito idealista. Sua cooperação não é
desencarnada. Sabe que o caminho para ela passa pelo combate. Para cooperar
verdadeiramente para a glória de Deus e para a salvação dos homens, é preciso que o
312
Cf. Sb 24,31.
OO CC IV, 133.
314
Jo 10,16. OO CC IV, 303-304.
315
Pallotti usa, em seus escritos, três diferentes expressões: cooperar, concorrer e trabalhar juntos.
Pecorrendo os escritos de Pallotti, pudemos formar doze dossiês. 1. As diversas facetas de cooperação
(gratuita, constante, eficaz, corajosa, eterna, enérgica, livre, modesta, voluntária, etc. 2. A cooperação
como dom, graça e perfeição. 3. Os diferentes lugares de cooperação (obras de caridade, missões,
etc.).4. A cooperação de todos, com todos os meios necessários e oportunos. 5. Oração e cooperação.
6. A formação para a cooperação. 7. Cooperação e vida comunitária. 8. O aprendizado da cooperação.
9. A cooperação na União do Apostolado Católico. 10. Modelos de cooperação ( a Santíssima
Trindade, Jesus, Espírito Santo, Maria, José, Apóstolos, Santa Família de Nazaré). 11. Cooperar para
responder às necessidades da Igreja e da humanidade. 12.A cooperação para maus objetivos.
316
FREEMAN, Séamus, The culture of collaboration from the time of St. Vincent Pallotti, in
Apostolato Universale, n.8, p.65-66.
313
peregrino se engaje no combate. Pallotti insiste, portanto, na cooperação constante317,
corajosa318, perseverante319, fervente e zelosa320. A cooperação comporta também
provas e sofrimentos. Ela é colocada freqüentemente à prova. Eis porque ela requer
do homem certo consentimento ao sofrimento321. Ela comporta igualmente a
existência de zonas de sombra e de resistência por parte do homem. Por isso Pallotti
renuncia ao mito de eficácia perfeita. Sabe que o homem é capaz de “cooperar” para
objetivos maus322.
Mas os escritos de Pallotti não expõem somente a doutrina sobre a cooperação.
Para suscitar em todos os cristãos a vontade de cooperar nas obras e nos objetivos da
pia Sociedade, ele apresenta igualmente vários modelos e exemplos de cooperação.
4.1.2
Três Pessoas: uma Cooperação
Em momento anterior, sublinhamos a dinâmica trinitária da eclesiologia
palotina. Ora, a eclesiologia trinitária tem seu fundamento mais radical nas próprias
“relações divinas”, como observa Pe. Rigal. Nenhuma pessoa divina existe sem sua
relação às outras duas, ou seja, a relação é constitutiva da identidade da pessoa
divina323.
Se Deus é relação, é preciso que ele viva em eterna comunicação, que seja
cooperação. Essa foi a certeza íntima e firme de Vicente Pallotti. Ele estava
convencido de que no próprio Deus Uno, se encontra o mistério da cooperação, que o
mesmo Deus deseja comunicar às suas criaturas. Com efeito, falando da cooperação
com Deus e entre os membros da Igreja, Pallotti faz esta observação sublime:
317
Cf. OO CC I, 2-7; 99; V, 37-308; VII 39.
Cf. OO CC I, 15; 111.
319
Cf. OO CC I, 94.
320
Cf. OO CC I,111; V, 111.
321
Cf. OO CC I, 227.
322
Cf. OO CC XII, p. 420-421.
323
Cf. RIGAL, Jean. Op. Cit. p.67.
318
Considera, minha alma, que o dom de cooperar na salvação das almas é o mais divino
de todos, porque aquele que o aproveita com mérito aperfeiçoa em si a imagem da
Santíssima Trindade, ou seja, se torna mais semelhante a Deus324.
Pode-se dizer que a teologia trinitária constitui a base da eclesiologia palotina, e
significa, em prática, que, segundo Pallotti, a Igreja não é primariamente composta
por estruturas, mas por pessoas unidas na fé e no amor fraterno. A Igreja nasce e
subsiste pelo fato de que o Senhor se comunica aos homens, que ele entra em
cooperação com eles e os conduz assim a uma cooperação entre eles. Por isso, para
Pallotti, a Igreja é uma rede de cooperação. Com efeito, apresentando a União do
Apostolado Católico, uma Igreja em miniatura, Vicente escreveu:
A Sociedade do Apostolado Católico, fazendo-se serva de todos e prestando serviço a
todos, tem como objetivo reunir todos os homens entre si e com Deus de maneira que,
na unidade da fé e da caridade cristã, se tornem todos irmãos muito amados e dignos
filhos da Caridade por Essência325.
É evidente que Vicente não procura reagrupar “todos os homens” por simples
motivo de afinidade em vista de uma maior eficácia apostólica 326. Ele o faz porque
Deus Uno e Trino é relacional. Com efeito, independentemente de todas as
circunstâncias particulares da época, Pallotti não somente luta por uma cooperação
rigorosa e intensa, mas também descobre significados profundamente teológicos. Para
ele, a cooperação não é apenas uma solução ou uma “estratégia pastoral”, por mais
eficaz que seja, mas é, antes de tudo, uma arte de bem viver a Igreja e um modo de
ser Igreja. Vicente foi muito além do seu tempo e espaço, tocando, por assim dizer, a
dimensão escatológica da cooperação. Ele exortava:
Considera, alma minha, que o mais divino de todos é o de cooperar na salvação das
Almas não somente porque nos torna mais semelhantes a Jesus Cristo, ao próprio Deus
324
OO CC XI, 257
OO CC V, 156-157.
326
É verdade que, convidando os batizados – leigos, padres e consagrados – para trabalhar juntos
Pallotti insistia, muitas vezes, sobre a eficácia. Em OO CC IV, 304, escreve: “Desta forma, não só
sereis vós os mais diligentes cooperadores de Deus na salvação das almas, mas, ao mesmo tempo, os
mais eficientes em impetrar a infalível realização predita por Nosso Senhor Jesus Cristo: ‘Haverá um
só rebanho e um só pastor’ (Jo 10, 16)”. Mas Vicente não insiste na cooperação unicamente por causa
da eficácia apostólica. Ele dá significados mais profundos para isso.
325
Pai, Filho e Espírito Santo na sua imagem, mas também porque nos torna mais
semelhantes a eles na sua glória327.
Essas considerações sublimes constituem o fundamento do conceito palotino de
cooperação. No mesmo texto, Pallotti se sente seduzido pela e surpreso com essa
graça, como se observa:
Oh! Aqui, minha alma, deves ficar arrebatada, muito suavemente, pelas invenções
amorosas do Pai, que te criou, do Filho, que te redimiu, do Espírito Santo, que te
santificou; pois hoje te convidaram a considerar um tema tão sublime328, a fim de que,
apaixonada intensamente pelo dom de cooperar na salvação das almas, te disponhas a
recebê-lo com toda a plenitude para dele tirares proveito segundo os desejos da sua
amorosa misericórdia 329.
A cooperação assume uma amplidão ilimitada, já que o seu fundamento se
encontra no próprio Deus Uno e Trino. Ela não concerne somente aos homens entre
si. Ela é um trabalho dos homens em Deus. Parece-nos que é nesse aspecto que se
situa a originalidade radial da cooperação na Igreja segundo Pallotti. Ela se liga à fé
teologal, uma vez que Deus, em sua natureza, é cooperação e princípio dela entre os
homens.
A cooperação não tem sua fonte nem seu termo no homem. Sua fonte é a
comunicação recíproca do Pai e Filho no Espírito Santo. O seu termo está para além
da história na plena “participação da glória de Deus por toda a eternidade” 330. De
fato, Vicente declara querer “cooperar na obra de tanto mérito para sempre até
mesmo depois de minha morte”331. Em sua oração, Pallotti manifesta a Deus que
deseja
cooperar plena, eficaz e eternamente em todas as Empresas da vossa maior Glória e da
Salvação das Almas, e de cooperar com tanta plenitude como se, desde toda a
Eternidade e por toda a Eternidade, tivesse cooperado e cooperasse em todas as
Empresas evangélicas passadas, presentes, futuras e possíveis que tivessem sido e
327
OO CC XI, 258-259.
Muitas vezes, Pallotti designa a cooperação como “dom mais sublime”. Cf. OO CC II, 16; IV, 124125; V, 55; 290; XI, 256.
329
OO CC XI, 259.
330
OO CC XI, 259.
331
OO CC V, 210-211.
328
seriam necessária para impedir todos os pecados, até os mais leves, e para salvar todas
as Almas332.
Para concluir este ponto, recordemos o que Pallotti disse a respeito da
cooperação para a salvação das almas, partindo de cada uma das pessoas divinas333.
Primeiramente, Vicente precisava que o homem que se engaja na aventura da
cooperação se torna o mais perfeito imitador de Jesus Cristo, que veio à Terra
justamente para cumprir a obra da redenção da humanidade. E ele propõe ao fiel:
“Pede ao Pai celeste que te conceda o dom de concorrer, em todos os modos
possíveis, na salvação das almas [...] para imitar mais de perto Jesus Cristo”334.
Em segundo lugar, Pallotti fala do Pai que é, para ele, um “enlouquecido de
amor e de misericórdia”335. Uma vez que o homem foi criado à imagem e semelhança
de Deus, cooperando na salvação das almas e, especialmente, na propagação da Santa
Fé, ele reflete Deus “caridade por essência”. Mais, ele pode até mesmo chegar a
refletir, da maneira mais perfeita, Deus Amor e Misericórdia infinita336.
Enfim, Pallotti recordava que a cooperação na salvação das almas é “o mais
divino de todos os dons” porque ela torna o homem mais semelhante ao Espírito
Santo que, sendo “eterna comunicação”, subsiste na comunicação recíproca que une
Pai e Filho no amor. Ele é o “ponto de união” entre Pai e Filho 337. Como bem
mostrou Michel Rondet: “Assim a unidade divina não é um dado estatístico, mas um
movimento incessante de encontro, de diálogo e de partilha” 338. Entendemos, ainda,
acrescentar a cooperação.
4.1.3
Exemplo do Sacro Ternário
332
OO CC X, 280.
Cf. OO CC XI, 256-259.
334
OO CC XI, 257-258
335
OO CC X, 235.
336
Cf. OO CC XI, 257-258.
337
Cf. OO CC XI, 259.
338
RONDET, Michel. Ecouter les mots de Dieu. Les chemins de l´aventure spirituelle: Bayard,
2001, p. 241-242.
333
A Família de Nazaré foi muitas vezes chamada por Pallotti de “Sacro
Ternário”339. Ele a apresentava antes de tudo como um exemplo de cooperação
caridosa e harmoniosa. Ele exortava:
Como na Santa família da Casa de Nazaré, as obras da fé e da religião se sucediam às
obras laboriosas de Carpinteiro e de outras necessárias à vida, de modo que estava
longe dela a mínima ociosidade e resplendia o mais perfeito cumprimento de toda
operação, assim nos Santos Retiros da Congregação deve ser repelida a mínima
ociosidade [...]. Recordando aquela concórdia e aquela caridade perfeita que
resplendiam na Casa de Nazaré, todos serão solícitos em realizar rapidamente as obras
do próprio ofício para ter o mérito da caritativa cooperação que, com humildade e
caridade, prestarão aos seus Irmãos nos respectivos ofícios”340.
Comentando os relatos da infância, sobretudo Lc 2,52, Pallotti escreve:
A casa de Nazaré, onde morava o Sagrado Ternário, Jesus, sua Mãe Imaculada e seu
Pai putativo S. José, há de ter-se por modelo das casas, ou seja, dos Santíssimos
Retiros da nossa mínima Congregação341.
De fato, Nazaré, para Pallotti, foi onde os homens vivem e trabalham. Por isso,
ele queria que essa casa servisse de “fio condutor” para todas as comunidades da sua
pia Sociedade. Desejava, sobretudo, que fosse o modelo e exemplo de cooperação
bem sucedida.
Duas características dessa cooperação nos parecem importantes no contexto do
Santo Ternário. Elas tocam duas cordas muito sensíveis da vida comunitária, ou seja,
da obediência e da missão assinalada pelos superiores. Pallotti explicava,
primeiramente que, para cooperar é preciso aprender a viver “no espírito de
obediência e de submissão não somente em relação aos Superiores, aos inferiores e
iguais da Congregação, mas também em relação aos externos de qualquer grau,
estado e condição”342. E acrescentava: “E isso para cooperar mais eficazmente nas
Empresas da maior glória de Deus e da salvação das Almas” 343.
339
Cf. OO CC VII, 111; III, 73.
OO CC II, 148-149.
341
OO CC VII, 111.
342
OO CC III, 72.
343
OO CC III, 72.
340
É sobretudo Jesus de Nazaré, submisso e obediente a sua Mãe e a José, seu pai
adotivo344, que foi apresentado por Pallotti como modelo de obediência. Vicente
insistia, sem ambigüidades:
Nosso Senhor Jesus Cristo, independente por essência, se fez, para a glória do Pai
celeste e para a salvação das almas, dependente, em Nazaré, do carpinteiro S. José, e
de sua humilde esposa Maria Santíssima. Assim todos, seja qual for o grau de nobreza,
de excelência, seja qual for o estado ou condição, ao desempenharem a própria
atividade pessoal, nos empreendimentos da pia Sociedade, para imitarem Jesus Cristo
em tudo, terão por questão de honra agir com espírito de total respeito, dependência e
obediência, qualquer que seja a pessoa qualificada como Reitor, Diretor,
Coordenador345.
Mas Pallotti foi ainda mais longe. Ele explicou que o Sacro Ternário nos ensina
também a obediência mútua: “Todos, no modo de governar, farão por que, no próprio
ofício, cada qual trate a todos não como senhor aos servos, mas como último dos
servos ao próprio senhor”346. Pallotti exigia, assim, não somente a obediência aos
superiores, quem quer que exerça essa função, mas também a reciprocidade, a escuta
mútua de todos e de cada qual, superior ou inferior, padre ou leigo, homem ou
mulher. Em poucas palavras: ele defendia, para a cooperação, não somente o trabalho
“para” ou “com”, mas também a reciprocidade347.
Essa maneira de viver a obediência na Igreja e na comunidade permitiu
certamente o alargamento da visão, com a introdução de uma dinâmica de
deslocamentos necessários para operar na busca de respostas que respeitem as
diferentes abordagens e que, conseqüentemente, podem ser levados em conjunto.
O “trabalhar juntos” não é mais o projeto dos superiores, de um padre ou de um
leigo; não é mais uma obra individual, e sim de uma comunidade que se torna
verdadeira família, aquela de Nazaré. Pois Nazaré é sempre o lugar onde os homens
buscam viver e trabalhar unidos. Eis uma das chaves da cooperação bem sucedida.
344
Cf. Lc 2, 51.
OO CC I, 108.
346
OO CC I, 107.
347
Ib. No cap. XXI de sua principal obra, Pia Societá dell’Apostolato Cattolico, Pallotti fala da
cooperação uma dezenas de vezes. O desenvolvimento do capítulo, que tem apenas 6 páginas, é
organizado em torno do espírito que deve animar todos os que cooperam e gostariam de cooperar nas
tarefas e objetivos da pia Sociedade. Cf. OO CC I, 105-111.
345
Trata-se de sair do espírito de domínio e do face-a-face para voltar os olhos a Jesus e
aos outros, todos os outros.
Se todos respondem verdadeiramente ao apelo que Jesus e os outros lhes
dirigem, a unidade e a cooperação se tornam possíveis. Pois a cooperação não é
primeiramente uma preocupação de vencer, mas um desejo de cumprir uma missão
juntos.
Uma segunda característica da cooperação toca uma outra corda sensível da
vida comunitária: a da missão confiada. Segundo Pallotti, para favorecer a
cooperação de todos,
o reitor deve se ocupar [...], segundo a sua arte e perícia, daquelas outras obras, que
sabe serem verdadeiramente necessárias e daquelas para as quais se reconhece
capacitado, ou deve ajudar outros irmãos que, sozinhos, não podem rapidamente
executar, como deveriam, todas as obras do seu ofício348.
É curioso ler esse texto em Pallotti, uma vez que, de um lado, ele insiste muito
na obediência exata e integral, pronta e mesmo cega349 e, de outro, cede aos gostos e
às preferências da cada um. Por quê? Porque se trata de “cooperar nas empresas da
pia Sociedade por pura caridade, sem interesse e ambição”350.
De fato, parece-nos que Pallotti queria dizer simplesmente que, para incentivar
a criatividade, a iniciativa, o zelo apostólico e o envolvimento de todos, é preciso
estar atentos às qualidades e talentos dos outros, caso contrário não seria possível a
cooperação na comunidade. Em vez de favorecê-la, ela será impedida; corre-se o
risco de “fomentar em alguns a preguiça, a tardança e a ociosidade” 351.
Decididamente, no Sacro Ternário, Pallotti nós dá um exemplo e modelo
perfeito da santa cooperação. Ele exclamou:
E que necessidade tínhamos nós de tais lições e destes exemplos todos! [...] Quem não
vê, então, a necessidade de imitar os exemplos que o mesmo Deus feito homem, com
amor infinito, quis nos dar? E quem, à vista disso, poderá recusar-se de imitá-lo a ele, à
348
OO CC II, 149.
Cf. OO CC, III, 71-72.
350
OO CC I, 106.
351
OO CC II, 149.
349
sua Mãe Santíssima e ao seu Pai putativo José, os quais melhor que todos partilharam
recíprocos exemplos?352.
Mas Pallotti não é um ingênuo, sabe que esses modelos não são suficientes353.
Ele busca então convencer os seus de que é necessário “crescer também na ciência
dos Santos e na graça”354.
Finalmente notamos que, como no caso da Santa Trindade, também no Sacro
Ternário, Pallotti dirige sua atenção para cada uma das pessoas que a compõe. O
exemplo eminente da cooperação é evidentemente o de Jesus, o cooperador do Pai
por excelência, que veio ao mundo para cumprir a obra da redenção. Pallotti
sublinhou muitas vezes que o homem que entra na dinâmica da cooperação persegue
a missão de Cristo355. Um outro modelo de cooperação na salvação das almas é José.
Colocando as palavras nos lábios de Maria, Pallotti exorta:
Tendes o Exemplo disso de meu Esposo, José, que, mesmo sendo carpinteiro de
profissão, no seu Estado e Condição, em meio a dificuldades, sofrimentos, pobreza e
perseguições, fez quanto pôde para cooperar na redenção das Almas 356.
Mas o exemplo que Pallotti mais cita é Maria, Rainha dos Apóstolos357:
E, com efeito, no que lhe foi possível, ela cooperou quanto pôde, em sua condição e
circunstâncias, na propagação da santa fé, sem pregar. E porque, isto fazendo, portouse com tal perfeição, que, de muito, superou os apóstolos358.
Pallotti faz Maria convidar os cristãos à cooperação:
Portanto, ó Filhos, se Deus vos fez poderosos na Terra, usai de tal poder para a
propagação da Santa Fé, para conservá-la e reavivá-la entre os Católicos. Sois Nobres?
Usai a vossa nobreza para a propagação da Fé. Sois Doutos? Com a doutrina esforçaivos, quanto possível, em fazer conhecidos o Pai, o Filho e o Espírito Santo, os
Mistérios da Redenção e a Lei Santíssima do Evangelho. Sois Ricos de bens terrenos?
352
OO CC VII, 112.
OO CC VII, 112.
354
OO CC VII, 113.
355
OO CC II, 4; III, 139; 177-178; MOCCIA, Francesco (org.). Vincenzo Pallotti. Lettere latine, p.
266.
356
OO CC IV, 338.
357
Cf. OO CC I, 7; 99; III, 98; 145; 156-157; IV 337-338; 477.
358
OO CC III, 145.
353
Usai-os para multiplicar, quanto possível, os meios oportunos para a propagação da
Santa Fé, uma vez que, de todas as perfeições Divinas, a mais Divina é o ser
Cooperadores de Deus na salvação das Almas, como assim advertiu o meu devoto
Dionisio Areopagita359.
Terminamos este ponto com um extrato da oração que Pallotti compôs para
pedir a Maria, Rainha dos Apóstolos, o dom de cooperar na propagação da fé 360.
Peço-vos, ó Imaculada Mãe de Deus, Rainha dos Apóstolos, que vos digneis unir-vos a
um vosso indigníssimo a todos os Anjos e Arcângelos, a todos os Santos e do Paraíso
para agradecer a Santíssima Trindade por me ter concedido o dom da Santa Fé. Eu me
alegro, pois, ó minha querida Mãe Maria, quando, com Santa Igreja, coluna da
Verdade, vos saúdo com o augustíssimo título de Rainha dos Apóstolos porque me
desperta sentimentos de complacência por vós e de coragem em mim. Eu vos peço,
portanto, com afeto de Mãe desde sempre experimentado por mim, que vos unais a
mim, miserável, e a toda a Corte celeste para oferecer, agora e sempre, a cada pequeno
momento, o Sangue preciosíssimo do vosso divino Filho Jesus, os seus méritos de
valor infinito e os da Igreja, sua esposa, passados, presentes e futuros para adquirir o
mérito do Apostolado, para obter para mim e para todos, agora e sempre, o dom de
empregar tudo principalmente para a propagação da Santa Fé em todo o Mundo a fim
de que mais rapidamente chegue o momento predito pelo vosso divino Filho Jesus,
momento desejado por Vós e por todo o Paraíso, temido por todo o inferno, porque se
verá sempre, até o fim do Mundo, um só Rebanho apascentado por um só Pastor.
Assim seja361.
4.2
359
OO CC IV, 335. Na margem da folha, Pallotti cita: “Omnium Divinarum, divinissima extat
perfectio Dei Cooperatores esse in Salutem Animarum, ad Suum Creatorem”. Cf. Dionísio
Areopagita, La Hiérarchie céleste, “Sources Chrétiennes”, Cerf, 1958, p. 90. Os exemplos de
cooperação não param por aqui. Pallotti continua, através de Maria, em OO CC IV, 338: “Finalmente
recordai o exemplo dos Apóstolos, dos Mártires, dos Profetas, Sacerdotes, Levitas e de inumeráveis e
fervorosos seguidores do meu Filho, de todos os Graus, Estados e Condições, Soberanos e Súditos,
Nobres e Plebeus, Ricos e Pobres, Doutos e Ignorantes, que, em todos os modos possíveis, se
dignaram infatigavelmente trabalhar pela Salvação das almas redimidas com o Sangue de meu Filho
Jesus”.
360
Cf. OO CC XI, 85.
361
OO CC XI, 85-87.
A União do Apostolado Católico Precursora de uma Cultura da
Cooperação
A realidade do trânsito religioso no Brasil, que já acontece há alguns anos, teve
seu processo acelerado nos últimos 30 anos. E a Igreja Católica que outrora pensava
que todos os seus fiéis, por serem batizados, já tinham consciência da fé, com esta
nova realidade de mobilidade religiosa, começou e repensar esta situação.
É bem verdade que esta mudança de época tem influenciado muito a sociedade.
Os valores já não são os mesmos que a alguns anos atrás. A religião passou a ser uma
questão de opção pessoal e não mais sócio-cultural. Por isso urge para a Igreja
Católica promover uma Cultura de Cooperação onde todos fiéis se sintam
responsáveis pela evangelização.
A União do Apostolado Católico não é uma organização nova. Como já foi
visto, sua fundação data dos idos de 1835. Naquele ano, Vicente Pallotti já via
claramente a necessidade de a Igreja se voltar para si e verificar como andavam seus
trabalhos de missão e suas atividades apostólicas. Também, ele levou a comunidade
eclesial a avaliar a estrutura na qual se edificava, e propôs não uma mudança, o que é
impossível, pois esta estrutura é vital362, mas uma abertura e uma inclusão da grande
maioria cristã, o laicato, nas frentes evangelizadoras.
Resgatando o valor do batismo e sua particular necessidade para o cristão, ele
lançou sementes daquela noção do sacerdócio comum dos fiéis, que mais tarde, no
Concílio Vaticano II, foi tão amplamente estudado e definido.
Mesmo apenas em sementes, a Água Viva do Espírito fez germinar, ainda no
tempo da sua Fundação, uma plena consciência desta responsabilidade batismal.
Nascia, portanto, no centro do Cristianismo, uma corrente teológica e espiritual
totalmente nova. É certo que esta novidade não era nenhum patrimônio
exclusivamente palotino, pois outros, em diversos lugares da Europa principalmente,
sentiram-se inspirados pelo mesmo Espírito. Mas a presença de Pallotti no coração da
Igreja, não era em vão.
362
Cf. RATZINGER, Joseph. Os Movimentos Eclesiais e sua Colocação Teológica. In: Communio
159 (1998), p. 65-83.
Na realidade a originalidade de Pallotti reside no fato de estabelecer um ponto
de união entre o mundo dos leigos e dos eclesiásticos, e articular, na mesma
fundação, a unidade apostólica do ministério ordenado, da vida consagrada e dos fiéis
leigos363.
A Cultura de Cooperação é o verdadeiro motor de sua intuição profética a
respeito da União do Apostolado Católico. Em seus escritos, o fundador afirma que
esta Cultura é o mais divino de todos os dons. Explica ele: “Dentre todas as
perfeições divinas, a mais divina é sermos cooperadores de Deus na salvação das
almas”364.
Tal cooperação, no entender de Pallotti, não deve ser somente voluntária ou
passiva, mas integral. A colaboração deve ser desde o começo: juntos, desde os
primeiros passos e decisões, para evangelizar. Deve haver a cooperação desde o
começo entre o Senhor e Seu povo, entre as pastorais e os movimentos paroquais,
entre o clero e o laicato.
Para que haja esta Cultura de Cooperação, vale a pena incentivar os ministérios
laicos. Assim como bem foi resgatado pelo Concílio Vaticano II. Yves Congar
falando dos ministérios diz: “os ministérios não criam a comunidade desde fora ou
desde cima, mas, suscitados por Deus, são funções no interior de um povo”365, de
uma comunidade ou de um corpo, e qualificam-se ontologicamente como serviço e
missão. Congar insiste no campo da missão laical. O espaço missionário para o
cristão leigo agir especificamente é o intra-mundano e temporal.
4.2.1
O Ministério Batismal dos Leigos
363
Para situar a originalidade dessa iniciativa no conjunto da Igreja, pode-se consultar uma excelente
conferência de José Cristo Rei GARCIA PAREDES, Parábola di unità, carisma e missione nella
Chiesa, in ACTA-SAC, Vol. XV, 1990-1992, p. 475-513.
364
OO CC IV, 477.
365
CONGAR, Yves. Ministeri e Comunione ecclesiale. Bologna:Edizione Dehoniane, 1973, p. 12.
O Concílio Vaticano II promulgou um decreto sobre o Apostolado dos Leigos,
no qual expõe a vocação dos leigos para o apostolado, as finalidades que eles devem
ter, os diferentes campos desse apostolado, suas modalidades, especialmente quando
se trata de apostolado organizado, sua ligação com a hierarquia e com o ministério
ordenado e, enfim, a formação que ele requer.
Os fundamentos desse apostolado se situam nos sacramentos da iniciação cristã,
que delega os fiéis de Cristo ao apostolado. Por isso a palavra-chave que recapitula
todo esse dado eclesial é apostolado batismal.
Desde o final do séc. XIX iniciou-se uma consciência do papel que os leigos
deviam desempenhar no apostolado da Igreja. Com o Concílio, esta consciência se
fortaleceu e tornou-se oficial.
Faz-se necessário definir o leigo, definição esta dada pelo próprio Concílio no
documento Lumen Gentium:
Por leigos, entendem-se aqui todos os fiéis, fora os membros da ordem sagrada e do
estado religioso reconhecido pela Igreja – fiéis que, incorporados a Cristo pelo
batismo, são constituídos como Povo de Deus e participantes, à sua maneira, da função
sacerdotal, profética e real de Cristo, exercem, no que lhes compete, a missão de todo o
povo cristão na Igreja e no mundo.
O caráter secular é próprio e particular dos leigos. [...] Pertence aos leigos, por sua
vocação, como gestores das coisas temporais e como ordenadores delas segundo Deus,
procurar o Reino de Deus. Eles vivem no século, isto é, em todos e cada um dos
empregos e trabalhos do mundo e nas condições normais da vida familiar e social, as
quais formam como que o tecido de sua existência366.
Karl Rahner vê os leigos como membros do Corpo Místico, possuem um poder
que lhes é próprio, uma certa autonomia. Eles não são meros participantes ou
colaboradores. O seu apostolado baseia-se não sobre a dependência do olhar da
hierarquia, mas sobre o batismo e a confirmação 367. Ainda segundo o Pe. Antoniazzi,
“o leigo é, antes de tudo, um cristão, um batizado, incorporado em Cristo e na Igreja,
participante ativo na sua missão; nisso, ele é igual a todos na Igreja”368. Esta
366
LG, 31.
Cf. RAHNER, Karl. L´Apostolat de laics, NRT, 78, jan. (1956), 7, 8, in GUILMOT, P., Fin d´une
Église Cléricale? Paris: Cerf, 1956.
368
ANTONIAZZI, Alberto, O que é o Leigo. In: CNBB. Os Leigos na Igreja e no Mundo. p. 33.
367
autonomia ao qual Rahner apresenta foi confirmada por Tertuliano quando ele diz:
“Onde estão três fiéis está uma Igreja, ainda que sejam leigos” 369.
A definição da Lumen Gentium apresenta o caráter secular dos leigos, pois este
é o que vive no século, no mundo profano. O leigo pertence ao povo, à massa. O
primeiro emprego do termo “leigo” se encontra em Clemente de Roma, que chama à
boa ordem na Igreja, dando o exemplo do povo da antiga aliança. Ele distingue as
funções dos sacerdotes das dos levitas e conclui: “Aquele que é leigo está ligado
pelos preceitos dos leigos”370. Como sublinhou Faivre, o mais importante “não é que
Clemente mencionou o leigo abaixo da hierarquia, mas que não deixou de mencionálo”371. É esse segundo traço que o Concílio retoma, ao falar de “seu caráter secular” e
de sua vocação para ‘gerir as coisas temporais”.
Retendo os dois traços, podemos concluir que o leigo é uma pessoa consagrada
por seu batismo e destinado a viver no mundo não consagrado, para fazer vir a ele o
Reino de Deus e para santificá-lo.
O serviço dos leigos no mundo não é um serviço secular, é um serviço salvífico, o
qual, por isso, é eclesial. [...] É assim que o serviço secular dos leigos participa do
caráter sacramental da Igreja, a qual, como sacramento universal da salvação, é o Povo
messiânico372.
Os leigos cooperam na salvação do gênero humano e, como bem intuiu o
Episcopado Latino Americano e Caribenho, eles são os protagonistas da Nova
Evangelização373. E manifestaram uma preocupação: a falta de consciência dos
cristãos de que são Igreja e como tais, co-responsáveis pela missão374.
Essa falta de consciência de ser Igreja tem levados muitos católicos a migrarem
para outras denominações religiosas, pois na falta de identificação, na falta de uma
verdadeira cooperação, eles não se sentem valorizados pela Igreja católica e são
369
TERTULIANO, Exhortation à la chasteté 7, 3; SC 319, in SESBOUÉ, Bernard, Não tenham medo
– Os ministérios na Igreja de Hoje, São Paulo : Paulus, p. 116.
370
CLEMENTE DE ROMA, Épître aux Corinthiens 40, 5 In op. cit. p. 117.
371
FAIVRE, A. Lês laics aux origines de l´Église, Centurion, Paris, 1984, p. 34.
372
KASPER, Walter. L´heure dês laics, in Christus 145 (1990), p. 25.
373
Cf. CELAM, Santo Domingo – conclusões. Op. cit. n.97.
374
Ibidem, n. 96.
valorizados principalmente pelas Igrejas evangélicas, onde lá, assumem vários
“ministérios”.
Se faz necessário fomentar uma maior abertura aos ministérios na Igreja
Católica. Fomentar a preparação dos leigos para que, em um encontro pessoal com
Jesus Cristo, possam assumir, com o apoio da hierarquia, o seu protagonismo. Esse
protagonismo é fundamental, não porque são eles que podem penetrar no tecido
humano das várias esferas da sociedade moderna (econômica, política, científica e
técnica, cultural, meios de comunicação) mas, sobretudo, porque por força da graça
batismal estão plenamente habilitados ao exercício da fé na vida. A necessidade de
que todos os fiéis compartilhem de tal responsabilidade não é apenas questão de
eficácia apostólica, mas um dever-direito, fundado sobre a dignidade batismal375.
Hoje, o ardor missionário dos leigos, entre eles os jovens, precisa ser
despertado e orientado, de forma especial, para os novos campos ou âmbitos da
missão. A eles compete dar resposta evangélica atual e pertinente aos novos desafios
da cultura tecno-científica, da política, da economia, da cultura, da educação e dos
meios de comunicação social.
Nesse tempo de mobilidade religiosa, a presença de leigos, verdadeiramente
convertidos, à doutrina cristã, em cooperação com os seus pastores, poderá produzir
grande fruto de promoção humana para o bem comum, algo tão difícil, devido ao
individualismo crescente.
4.2.2
O Apostolado e Ministérios dos Leigos
Inicialmente, faz-se necessário trazer a distinção entre apostolado e ministério.
O apostolado é uma noção mais global do que a de ministério. O ministério é uma
determinação particular que o apostolado pode assumir em alguns casos376.
375
Cf. JOÃO PAULO II PP. A missão do Redentor: Encíclica Redemptoris Missio – sobre a
validade permanente do mandato missionário. São Paulo: Paulinas, 1990, n. 71.
376
Cf. SESBOUÉ, Bernard, op. cit. p. 118.
Em primeiro lugar apresenta-se o apostolado. O decreto do Vaticano II377
mostra que a vocação dos leigos para o apostolado se inscreve na missão de toda a
Igreja. Como seu fundamento ele menciona não só o batismo e a confirmação, mas
ainda a eucaristia, que alimenta a caridade, alma do apostolado. Os dons do Espírito
Santo e os diversos carismas são, assim, a fonte de um testemunho evangélico e de
inúmeros serviços mútuos na comunidade cristã como de serviços na sociedade. Esse
apostolado é, em primeiro lugar, o do contágio da fé, muito bem descrito por
Hammann, falando do começo do cristianismo:
A ação missionária, sem mandato particular, só pelo dinamismo da fé batismal, partia
habitualmente de cristãos comuns. Encontramos sacerdotes, mas os leigos são a
maioria. O cristianismo se difundia na rede da família, do trabalho e dos meios
freqüentados. Pregação modesta, feita não à luz do dia, publicamente nas praças e nos
mercados, mas sem ruído, ao ouvido, com palavras trocadas em voz baixa, à sombra do
lar doméstico378.
O cristão deve prolongar, por seu testemunho, o contágio único exercido por
Cristo. Esse apostolado passa pelo testemunho da vida e da palavra, segundo os
carismas de cada um. Porque “o verdadeiro apóstolo procura as ocasiões de anunciar
Cristo pela Palavra”379. “Os fiéis leigos, precisamente por serem membros da Igreja,
têm a vocação e a missão de anunciar o Evangelho”380.
Os leigos, diz-nos o Concílio, tornados participantes da função sacerdotal, profética e
real de Cristo, assumem, na Igreja e no mundo, sua parte naquilo que é a missão de
todo o povo de Deus. Exercem concretamente seu apostolado, despendendo-se pela
evangelização e pela santificação dos homens; a mesma coisa se dá quando se
esforçam para introduzir na ordem temporal o espírito evangélico e quando trabalham
para seu progresso, de tal modo que, nesse domínio, sua ação dê mais claramente
testemunho de Cristo e sirva à salvação dos homens. Sendo próprio do estado dos
leigos viver no meio do mundo e das coisas profanas, eles são chamados por Deus para
exercerem seu apostolado no mundo à maneira de fermento, por causa do vigor de seu
espírito cristão381.
377
CONCÍLIO VATICANO II, Decreto Apostolicam Actuositatem, n. 1.
HAMMANN, A. A vida cotidiana dos primeiros cristãos. São Paulo: Paulus, pp. 95-97.
379
AA, 6.
380
CHRISTIFIDELES LAICI, n. 33.
381
AA, 2.
378
Já no século II, a epístola “A Diogneto” dizia: “O que é a alma para o corpo os
cristãos o são para o mundo”382. João Paulo II retoma as imagens evangélicas do sal,
da luz e do fermento na massa383. Ele lhes acrescenta a idéia muito judiciosa,
expressa pela primeira vez por Paulo VI, na evangelização da cultura e das culturas.
Essa responsabilidade apostólica do leigo é a fonte de autênticos ministérios.
Do mesmo modo que há uma missão e uma sacramentalidade de toda a Igreja, podese dizer que há também uma ministerialidade global da Igreja como corpo, e um
ministério da Igreja, de reconciliação da humanidade com Deus e com ela mesma.
Esse ministério fundamental se exprime e se distribui em ministérios particulares: de
um lado, no ministério ordenado; de outro, nos ministérios dos leigos.
No decreto sobre o Apostolado dos Leigos encontramos esse vocabulário: “Há,
na Igreja, diversidade de ministérios, mas unidade de missão”384. Um texto do decreto
sobre a atividade missionária da Igreja é ainda mais preciso:
Para a implantação da Igreja e o desenvolvimento da comunidade cristã são
necessários vários ministérios, os quais, suscitados pelo chamado divino no seio da
assembléia dos fiéis, devem ser encorajados e respeitados por todos com muita
solicitude: entre eles estão as funções dos sacerdotes, dos diáconos e dos catequistas e
a ação católica 385.
Paulo VI retomou esse vocabulário em seu Motu próprio, intitulado
precisamente “Ministeria quaedam”, de 1972: “As funções que até o presente eram
chamadas ‘ordens menores’ deverão, daqui em diante, ser chamadas ‘ministérios’” 386.
O Papa criou assim, ao lado dos “ministérios ordenados”, uma categoria nova
de “ministérios instituídos”, que podem ser conferidos às pessoas que não se
preparam para o presbiterado. Esse reconhecimento importante se limita, contudo, ao
ministério do leitor e ao do acólito, embora o texto preveja que as conferências
episcopais possam pedir a instituição de outros ministérios, como de catequista, de
382
A Diogneto VI, 1; SC 33. Acesso
Cf. CHRISTIFIDELES LAICI, n.15.
384
AA, 2.
385
Ad Gentes, 15.
386
PAULO VI PP. Motu próprio. Ministéria Quaedam. Disponível em http//
www.vatican.va/holy_father/paul_vi/motu.../hf_p-vi_motuproprio_19720815ministeriaquaedam.html
383
exorcista e outros387. Qualquer que tenha sido a aplicação, sem dúvida decepcionante,
dessas disposições, deve-se reter que existem na Igreja outros ministérios autênticos,
além do ministério ordenado. Este não engloba a totalidade da realidade ministerial
na Igreja.
Paulo VI exprimiu mais tarde a mesma convicção, em uma passagem
importante da “Evangelii nuntiandi”. A perspectiva é mais ampla, o vocabulário é o
dos “ministérios não-ordenados” e os exemplos dados são mais numerosos e mais
importantes:
É certo que, ao lado dos ministérios ordenados, graças aos quais alguns são colocados
entre os pastores e se consagram de maneira particular ao serviço da comunidade, a
Igreja reconhece o lugar de ministérios não-ordenados, mas aptos para exercerem um
serviço especial da Igreja.
Um olhar sobre as origens da Igreja é muito esclarecedor e permite tirar benefício de
uma antiga experiência em matéria de minstérios, experiência tanto mais válida quanto
permitiu à Igreja consolidar-se, crescer e estender-se. Essa atenção às fontes deve,
todavia, ser completada por outra: a atenção às necessidades atuais da humanidade e da
Igreja. [...]
Esses ministérios, novos na aparência, mas muito ligados a experiências vividas pela
Igreja ao longo de sua existência – por exemplo, os de catequistas, de animadores da
oração e do canto, dos cristãos dedicados ao serviço da Palavra de Deus ou à
assistência aos irmãos necessitados, enfim, os dos dirigentes de pequenas
comunidades, dos responsáveis por movimentos apostólicos e de outros responsáveis -,
são preciosos para a implantação, a vida e o crescimento da Igreja e para sua
capacidade de irradiar-se em torno de si e para os que estão longe388.
O Papa enumera, como fez o Concílio Vaticano II, mas em uma lista mais
longa, uma série de ministérios leigos exercidos no âmbito da comunidade cristã.
Dois deles parecem já mais próximos do ministério pastoral: o do serviço da palavra e
o dos dirigentes de pequenas comunidades. Mas, em seu pensamento, trata-se apenas
de colaborações que não vão além dos ministérios de batizados.
Esse termo foi amplamente retomado por João Paulo II, em sua exortação póssinodal “Christifideles laici”, onde o Papa tem em vista os desafios missionários do
mundo moderno, desafios que exigem uma tomada de posição de todos os cristãos.
387
388
Idem
PAULO VI PP. Evangelii nuntiandi, n. 73.
Diz o Papa: “temos, pois, de encarar de frente este nosso mundo, com os seus valares
e problemas, as suas ânsias e esperanças.”389.
Nenhum cristão pode ser excluído ou se auto-excluir da responsabilidade de
construir um mundo mais próximo daquele querido por Deus. Esta participação dos
fiéis leigos na vida da Igreja dá-se de muitas formas: uma delas é através de
ministérios específicos à sua condição de vida390, afirma o Papa.
Cabe ressaltar que nem todo carisma pessoal, nem todo serviço prestado, nem
todo testemunho são necessariamente ministério. Yves Congar indicou alguns
critérios para isso: serviços precisos, serviços de importância vital, tendo uma
verdadeira responsabilidade, reconhecidos pela Igreja local e com certa duração391. É
necessário, com efeito, que se trate de uma função suficiente reconhecível e estável.
Segundo os casos, esses ministérios poderão ser “instituídos”, como os que
foram estabelecidos por Paulo VI como substitutos das antigas ordens menores ou
confiados pelo bispo, quando se trata de uma responsabilidade oficial, ou
simplesmente reconhecidos, porque eles podem também ser assumidos por iniciativas
dos leigos.
Todos têm o direito e o dever de exercer seus dons na Igreja e no mundo
segundo a liberdade dos filhos de Deus. O apostolado dos leigos é orientado de
maneira privilegiada à presença da Igreja no mundo (“ad extra”). Esse apostolado
tem por objetivo a renovação cristã de tudo o que compõe a ordem temporal.
4.3
Mobilidade Religiosa Católica: Emigração Silenciosa de Fiéis
Depois de aprofundarmos, nos capítulos anteriores, a questão da Mobilidade
Religiosa Brasileira, a eclesiologia de Vicente Pallotti e sua contribuição para a Igreja
com a União do Apostolado Católico, que busca desenvolver uma Cultura de
Cooperação. Neste último subcapítulo, propomos apresentar a atualização do carisma
palotino para esse tempo de emigração silenciosa de fiéis.
389
JOÃO PAULO II PP. Exortação apostólica pós-sinodal Christifideles Laici. Op. cit. n. 3.
Cf. Ibidem, n. 3.
391
CONGAR, Yves. In: Tous responsables dans l´Église? Op. cit. pp.59-60.
390
O evento histórico Concílio Vaticano II, conseguiu quebrar os muros de uma
Igreja fechada e orientada para dentro de si mesma. Uma Igreja Ultramontana que
esqueceu-se da dimensão de ser comunidade de iguais392, povo de Deus.
O Papa Gregório XVI, papa do século XIX, via uma Igreja de desiguais,
clérigos e leigos. Estes estão para obedecer aos clérigos393. Dando continuidade a
este pensamento, o Papa Pio XII, através da Encíclica Mystici corporis, publicada no
dia 29 de junho de 1943, afirmou que a Igreja é o corpo místico de Cristo394 e que
somente a partir da doutrina do corpo místico de Cristo podemos compreendê-la395.
Este corpo é orgânico e hierárquico,396 e os leigos são os auxiliares da hierarquia para
sua própria santificação397.
Já durante o Concílio Vaticano II, o Papa Paulo VI escreveu sua primeira
encíclica, a Ecclesiam suam. Ele iniciou esta encíclica afirmando seu caráter
dialógico398 e sua intenção de aprofundar a consciência da Igreja,399 bem como a
necessidade que a Igreja tem de refletir sobre si mesma400. Mas, apesar do Concílio
Vaticano II (não nos seus documentos pós-conciliares, mas no seu imaginário
eclesial), através da Lumen Gentium, ter revelado a natureza íntima da Igreja,
enquanto povo de Deus e valorizando o seu aspecto ministerial, o pensamento do
Papa Gregório XVI ainda é vigente na Igreja contemporânea.
O Concílio Vaticano II formulou o desafio de que a Igreja deve ficar atenta aos
Sinais dos Tempos401. E, como se observou, os padres conciliares retomam a idéia de
Igreja Povo de Deus, onde cada membro dessa Igreja tem o seu lugar e pode exercer
seus dons para o crescimento do Reino. Tendo a capacidade de cooperar para a maior
glória de Deus e para a salvação das almas.
392
Cf. 1Cor 12.
Cf. CONGAR, Y. Lê Concile Vatican II. Paris: Beauchesne, 1984, 12.
394
Cf. PIO XII. Encíclica Mystici corporis Christi. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1960. p. 60.
395
Cf. Ibidem, 10.
396
Cf. Ibidem, 14.
397
Cf. Ibidem, 15.
398
PAULO VI. Encíclica Ecclesiam suam. In: COSTA, Lourença (org.). Documentos de PauloVI.
São Paulo: Paulinas, 1997. 1.
399
Ibidem, 3.
400
Ibidem, 7.
401
Cf. Gaudim et Spes 4, 11; Apostolicam Actuositatem,14.
393
Esta novidade animou a muitos e as idéias de Vicente Pallotti foram levadas a
termo. Mas não totalmente. Valorizou-se a atuação do leigo ad extra, em sua missão
no mundo, mantendo limitada sua atuação ad intra, sua colaboração nas decisões
pastorais.
Na Constituição pastoral Gaudim et spes fruto desse Concílio, vê-se o leigo
nessa perspectiva. O documento procura mostrar de forma mais específica as
condições da presença do leigo enquanto Igreja no mundo, quais são as implicações
desta presença, bem como as conseqüências deste fato.
Os leigos, que devem participar ativamente em toda a vida da Igreja, estão obrigados
não somente a impregnar o mundo de espírito cristão, mas também são chamados a
serem testemunhas de Cristo em tudo, no meio da comunidade humana 402.
Como conseqüência disso, o leigo tem deveres a cumprir enquanto testemunha
do evangelho. Mas o que se tem observado é a confecção, após o Concílio, de vários
documentos sobre os leigos e até sobre o seu protagonismo 403. Na prática, esses
documentos não foram levados ao seu pleno cumprimento, talvez devido a uma
sombra de um imaginário de que o leigo ainda não teria condições de contribuir mais
eficazmente nas decisões pastorais.
Os leigos de uma certa forma sempre contribuíram com a Igreja. Na
participação dos sacramentos, nas confrarias, nas associações e atualmente nas
pastorais e movimentos; porém mesmo nestas atuações sofrem limitações. Neste
novo tempo, onde sua autonomia é valorizada, os leigos buscam que se amplie a sua
cooperação na vida missionária e evangelizadora da Igreja.
As pesquisas do CERIS/2004 e CENSO 2000, detectaram que o catolicismo
vem perdendo adeptos e se tornou o “doador universal” para todas as outras religiões
subjacentes no Brasil. Quais seriam de fato as motivações para tal fato? Por que a
Igreja, promovendo o protagonismo dos fiéis leigos, vê a cada dia a emigração
silenciosa dos seus membros? Será que o protagonismo dos fiéis leigos acontece de
fato? E o que tem isso haver com o trânsito religioso? Será que com uma Cultura de
402
403
GS, 43.
Como bem desenvolve o Documento de Santo Domingo nos parágrafos 59, 60, 97 98, 99 e 254.
Cooperação se poderá ajudar a Igreja diante desse desafio? Perguntas sobre
perguntas.
4.3.1
Acolher e ensinar a cooperar em um ambiente urbano
Constatou-se na última pesquisa do CERIS/2004, a diminuição de católicos em
todo o Brasil, o crescimento dos pentecostais e a ascensão dos sem religião. Como
conseqüência dessa pesquisa, observa-se o crescimento de dois fenômenos de grande
relevância: a pentecostalização e a desintitucionalização religiosa no Brasil.
Com esses dados, o presente estudo busca respostas para auxiliar a Igreja
Católica brasileira a lidar com esses fenômenos crescentes. Diante de tantos
questionamentos, duas perguntas são o cerne de nosso estudo: de que forma a Igreja
poderá vencer a emigração de seus fiéis e será que a razão do afastamento de tantos
fiéis não está no sistema verticalizado que a Igreja continua desempenhando?
Chega-se a um momento crucial, no qual a própria Igreja, como Instituição, se
torna objeto de avaliação sobre o modo como vem tratando seus fiéis. Através deste
estudo procuraremos contribuir com a Igreja Católica em uma auto-análise sobre as
suas estruturas que, na prática, estão contribuindo para a emigração dos seus fiéis,
apresentando um possível caminho para desacelerar a saída dos mesmos.
A sociedade urbana se tornou o novo ambiente de vida para a maior parte de
povo brasileiro. Segundo as pesquisas, 60% da população mora na área urbana 404.
Todos esses indivíduos vivem marcados pelo ritmo desse ambiente. São homens e
mulheres que buscam na cidade urbana sua autonomia. E percebe-se a cada dia que
essas pessoas se especializam em suas áreas de atuação, buscando a sua qualificação.
Quanto mais se especializam, mais se tornam independentes e livres para
expressarem suas opiniões.
A situação hoje, não é mais a mesma dos séculos anteriores, nos quais só uma
parte do clero tinha formação e conhecimento aprofundado da fé. Percebe-se que o
404
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, Rumo ao Novo Milênio – Projeto de
Evangelização da Igreja no Brasil em preparação ao grande jubileu do ano 2000. Doc. 56. São Paulo:
Paulinas, parágrafos 46, 47, 48.
desejo de participação e inclusão próprio da cultura urbana inquieta os fiéis católicos
diante das limitações encontradas na vida prática das comunidades eclesiais.
Os habitantes das grandes metrópoles de hoje constatam, pelo contrário, que
são esses leigos na sua maioria que sabem. Eles não se consideram mais ovelhas
passivas e obedientes, eles querem ser considerados verdadeiramente como
protagonistas dentro de uma Igreja em missão.
Mas, não sendo ovelhas e também não querendo as ser, rejeitam uma
mentalidade que os quer manter naquele nível, mesmo quando envolvidas questões
religiosas e muito mais quando a discussão gira em torno de política populacional,
ética profissional ou família.
Os leigos das grandes cidades e também das pequenas405 são protagonistas em
vários campos de suas vidas, seja no social, profissional, técnico etc. Todavia, quando
ingressam em alguma comunidade eclesial, de modo particular católica, se vêem
limitados pela própria comunidade quando na atividade concreta de evangelização.
Não valorizado, este fiel busca outro grêmio religioso que o valorize, em geral.
Constata-se que dentro das comunidades eclesiais, há uma dificuldade de
abertura ao novo, de tratar as pessoas como pessoas, com seus dons e qualidades,
defeitos e acertos. Para superar esta situação, que na prática só contribui para a
emigração dos fiéis, a Igreja deve mostrar o amor incondicional e ilimitado de Deus
para com cada um de seus filhos406. É acolher para evangelizar.
Isso deve ser realizado a partir da pastoral da ‘acolhida’, que de fato está
tornando-se uma preocupação efetiva e positiva em muitas comunidades. Quando
essa pastoral é levada a sério, proporciona mudanças na catequese e em toda a
pastoral sacramental, levando em consideração a diversidade de crenças e atitudes
entre os próprios católicos, deixando de fazer as mesmas exigências a todos, sem
distinção, nos ‘cursos’ ou encontros de preparação para o batismo, eucaristia, crisma
e matrimônio.
405
Pois hoje não se nota tantas diferenças entre as realidades urbanas e rurais, porque os meios
comunicação (TV, rádio, e principalmente a internet), encurtaram as suas distancias e diferenças.
406
CENTRO DE ESTATÍSTICA RELIGIOSA E INVESTIGAÇÕES SOCIAIS. Desafios do
catolicismo na cidade. São Paulo: Paulus, 2002, p. 203.
Independente da participação efetiva dos leigos, o atendimento deveria ser
diferenciado, possivelmente personalizado. Não se trata de instaurar simplesmente
um ‘atendimento personalizado’ (como aquele que bancos e empresas modernas
reservam aos clientes, sobretudo aos privilegiados, aos mais ricos), mas repensar a
vivência da fé cristã assumindo a experiência pessoal como fundamental407.
Para um povo que busca na religião o caminho da realização pessoal, da saúde
corporal e espiritual da descoberta do sentido e do gosto de viver, a proposta religiosa
cristã é propícia, pois valoriza a pessoa e se funda essencialmente na revelação do
amor de Deus para com toda criatura humana.
Portanto, o evangelizador deve ter consciência de que, mesmo em se tratando da ‘Boa
Nova’, não pode impor, nem receberá audiência fácil, mas deverá esforçar-se para
persuadir o ouvinte pelo testemunho de vida e por uma argumentação sincera e
rigorosa, que estimule no interlocutor a busca da verdade, respeitando, porém, sua
liberdade de escolha408.
Percebe-se claramente que o fiel católico não quer mais ser considerado como
uma ovelha que deve seguir o seu pastor com passividade em obediência e sem
diálogo. O homem pós-moderno não quer mais atuar como súdito que se curva diante
de uma autoridade religiosa: ele quer estar junto desta autoridade em atitude de
cooperação. O leigo quer “operar junto” com a hierarquia, para a edificação do Reino.
Seguindo este raciocínio, Comblin afirma:
ao sistema verticalista, autoritário, convencional que as massas ignorantes aceitam
porque constitui para elas um refúgio e um apoio, mas que as pessoas que buscam a
liberdade rejeitam. Até hoje esse fenômeno continua a ocorrer. Alfabetizar é preparar a
saída da Igreja e a entrada em Igrejas pentecostais ou movimentos sociais
independentes da Igreja. Quando os jovens ingressam no ensino médio, perdem a fé na
Igreja católica 409.
A visão de Comblin corresponde com a pesquisa do CERIS/2004, a mudança
de religião também apresenta comportamento diferente quando analisada segundo a
407
Cf, idem.
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretrizes gerais da ação
evangelizadora da Igreja no Brasil. São Paulo: Paulinas, 2005, 98.
409
COMBLIN, José. O Povo de Deus. São Paulo: Paulus, 2002, p.60.
408
escolaridade dos indivíduos. Estimou-se em 37,4% a proporção de pessoas com
ensino superior completo que mudaram de religião, proporção bem superior à média.
Observando a tabela a seguir pode-se aproximadamente considerar que, quanto
maior o nível de escolaridade, mais elevado será o índice de mobilidade. Apenas o
superior incompleto não apresenta proporção maior que a média geral.
Tabela 4: Escolaridade
ESCOLARIDADE
NÃO MUDOU
MUDOU
SI
Não sabe ler nem escrever
71,7
24,4
3,9
Primário Incompleto
72,0
19,8
8,2
Primário Completo
77,4
19,3
3,3
Ginasial Incompleto
69,9
12,9
17,2
Ginasial Completo
61,8
32,8
5,4
2º. Grau/Colegial Incompleto
60,2
28,7
11,1
2º. Grau/Colegial Completo
66,1
28,5
5,4
Superior Incompleto
74,2
15,2
10,6
Superior Completo
50,3
37,4
12,3
Sem informação
72,9
18,0
9,1
TOTAL
68,3
23,5
8,2
Fonte: CERIS – Mobilidade Religiosa no Brasil – 2004.
4.3.2
Engajar e Edificar
A pós-modernidade se apresenta impregnada de paradoxos por lado de um
espírito de autonomia e de autoconfiança; mas, ao mesmo tempo por inseguranças e
dúvidas profundas410. Ela é também marcada por um vazio desesperado de sentido e
por tentativas frenéticas de substituir o vácuo espiritual por substitutos artificiais. O
410
LYON, David. Pós-modernidade. São Paulo: Paulus, 1998, p. 10-30.
“Documento de Puebla” relembra essa situação de vazio que o homem
contemporâneo vive e exorta a Igreja Católica e se ater a essa situação.
Se a Igreja não reinterpretar a religião do povo latino-americano, dar-se-á um vazio
que será ocupado pelas seitas, pelos messianismos políticos secularizados, pelo
consumismo que produz tédio e a indiferença ou o pansexualismo pagão. Novamente a
Igreja enfrenta o problema: o que não é assumido em Cristo, não é redimido e se
constitui em ídolo novo com malícia antiga411
Em nossa época, alguns estudos dizem que as nossas Igrejas estão cheias de
peregrinos. É o nômade. Joel Portela, falando sobre o assunto, apresenta um estudo
que compara este peregrino a um pirata:
navega, pega o que quer de cada porto e volta para o mar. O fascínio do pirata não está
no que lhe contam os outros navegadores, mas na possibilidade de, ele mesmo,
encontrar o tesouro, recolher e continuar navegando. Por isso, uma Igreja urgentemente
navegando com os piratas, uma Igreja em ininterrupto estado de missão412.
Apresenta-se um grande desafio para a Igreja Católica. Não adianta somente
acolher e integrar o crente na comunidade: é preciso preencher o vazio que faz este
crente ser um pirata, pois busca o preenchimento em várias denominações cristãs, em
várias filosofias esotéricas.
Para preencher este vazio, a realidade contemporânea, incita a Igreja a um
dinamismo no seu desenvolvimento, de modo particular na metrópole onde se
apresenta fortemente o pirata. Tal dinamismo possui características, como o
atendimento personalizado, pois as pessoas buscam em primeiro lugar o encontro
pessoal, o relacionamento solidário e fraterno, a acolhida. O encontro é o primeiro
dom ou carisma que o Espírito Santo concede às pessoas e é Ele, o Espírito Santo, o
protagonista da missão, aquele que chega primeiro 413.
Nas cidades urbanas brasileiras o fiel deixa progressivamente de procurar a
Igreja Católica por ser uma religião de sua família e da tradição cultural. Por isso,
compete a própria Igreja através da hierarquia em cooperação com os leigos a irem ao
411
Puebla 469.
AMADO, Joel., Algumas observações a respeito da pastoral urbana. Disponível em
http//www.cnbbne2.org.br/itaici/Pastoral%20Urbana.doc. Acessado em 01.10.2008.
413
Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, Op. cit., 99.
412
encontro dos católicos afastados, dos sem religião e evangelizá-los e não mais esperálos que venham.
Um fato de grande relevância é que o Brasil foi se tornando católico desde o
seu descobrimento e de fato se tornou a maior nação católica do planeta, mas
constata-se que ainda carece de uma evangelização adeqüada. Devido a esta
evangelização precária, responde hoje, em grande parte, pela diminuição dos
católicos registrada nos sucessivos recenseamentos. A sociedade pluralista privou-os
do respaldo social de sua fé e a oferta generosa de crenças levou-os a emigrarem para
outras comunidades cristãs, onde alguns conseguem pela primeira vez uma
experiência salvífica com Jesus Cristo e conseguem preencher o seu vazio. Muitos
fiéis vêem a Igreja católica como uma instituição autoritária, moralista e com um
discurso que não os ajuda muito a preencher este vazio 414.
Padre Mário de França Miranda afirma que seria injusto atribuir somente à
Igreja a dificuldade da permanência dos fiéis nos seus bancos, mas a própria
sociedade pluralista favorece essa emigração. As rápidas transformações tornam
inócuas, inadequadas e ineficazes muitas referências vitais do passado, questionando
assim o valor das tradições responsáveis pela vida social e pelas identidades
individuais. Aqui se percebe bem este processo de desinstitucionalização.
Nos últimos séculos passamos de uma cultura cosmocêntrica para outra
antropocêntrica, que enfatiza a subjetividade, a liberdade e o direito do indivíduo,
oferecendo espaço para que cada um construa sua própria biografia e siga seu próprio
itinerário existencial. Nada é aceito sem mais por vir apoiado na tradição ou na
autoridade, como se deu no passado. Essa situação impõe ao indivíduo o ônus da
escolha, que a sociedade tradicional lhe poupava, mas também lhe oferece a chance de
opções mais conscientes e autênticas, ainda que mais lentas e complexas quando
comparadas com as do passado. A emergência da subjetividade tal como constatamos
hoje desregula o consagrado sistema de transmissão dos saberes, dos valores, das
práticas sociais e dos sentimentos, gerando um mal-estar coletivo e patente no difícil
relacionamento com as gerações mais jovens. Naturalmente as instituições sociais
sofrem a mesma crise, sem que a Igreja constitua uma exceção415.
Hoje, a idéia que as instituições transmitem já não é bem aceita, mas o que
importa é escolher, e no campo da fé, aquela que mais agrada as necessidades do fiel.
414
Cf. FRANÇA MIRANDA, Mário. A Igreja numa sociedade fragmentada. São Paulo: Loyola, 2006,
p. 195.
415
Ibidem, p. 196.
O imperativo cultural predominante em nossos dias é a busca da realização pessoal.
Cada um se acha no direito de viver a seu modo, procurando o que lhe parece
construir felicidade, que lhe preencha, seja do ponto de vista afetivo, material
comportamental e até religioso.
Na cristandade, a mensagem cristã era imposta às pessoas, juntamente com os
demais componentes do horizonte cultural. Atualmente, esse procedimento resulta
estéril e desperta animosidade por parte de nossos contemporâneos.
A tarefa da Igreja, além de ir ao encontro do fiel, de acolhê-lo, deveria ser
apresentar a mensagem cristã implícita no evento Jesus Cristo como uma modalidade
de realização da própria liberdade416; pois a generosa oferta de fontes de sentido na
atual sociedade e a liberdade usufruída por cada um para assumir o que quer faz com
que o imperativo da escolha se torne uma necessidade em nossos dias. A fé cristã,
assumida como uma possível modalidade de vida, parte de dentro da pessoa,
considerando a instituição em um segundo momento, e se comprova e fortalece na
própria caminhada. Desse modo, poderá conseguir um encontro pessoal com Jesus
Cristo preenchendo todo o seu vazio.
Assim, o fiel deste tempo de mobilidade religiosa poderá cooperar na salvação
de outros, visto que ele já experimentou na sua vida. Não será apenas um
sentimentalismo, mas algo concreto que se torna um paradigma em sua vida.
4.3.3
Do Encontro a Cooperação
O acolhimento da fé e seu assentimento são necessários para a concretização de
uma cultura de cooperação. Sem essas duas etapas, a cooperação será estéril, ou seja,
não chegará as profundezas das consciências. Este acolhimento da fé deve se realizar
de dentro para fora, ele deve partir de experiências pessoais e ir se manifestando em
suas múltiplas dimensões e exigências no decorrer de um processo, o qual pressupõe
tempo e paciência. Assim vai se formando uma verdadeira identidade cristã e esta
416
Ibidem, p. 202.
implica “numa ruptura com a vida passada, realizada, sobretudo, pela integração
progressiva e consciente numa comunidade cristã”417.
Participando ativamente em uma comunidade eclesial, que acolhe, anuncia e
conduz o fiel a um encontro com Jesus Cristo, fazendo deste encontro a realização da
própria liberdade, o fiel poderá cooperar de forma consciente nas decisões pastorais
da Igreja. Sem estes pressupostos, realmente torna-se dificultosa uma maior
participação deste fiel em algumas decisões da própria Igreja.
Vale a pena lembrar que as pessoas hoje não mais aceitam um discurso pronto o
qual devam acolher, nem uma norma imposta de cima à qual devam se submeter.
Nossos contemporâneos aspiram ao diálogo, à liberdade de pensar, à autonomia do
agir, ao direito da consciência moral e, à cooperação.
A dificuldade encontrada por este fiel é a sua participação mais efetiva na sua
comunidade eclesial. Há uma forte tendência de manter uma mentalidade préconciliar nas relações entre os pastores e fiéis. Por isso, em um tempo de mudança,
essa forma de “ser Igreja” está fadada a desaparecer. A Igreja precisa se abrir para
conhecer e compreender a nova situação do mundo.
Por isso, a hierarquia deve conhecer os anseios que brotam de uma cultura
urbana. O leigo proveniente dessa cultura desenvolve uma autonomia e quer ser
respeitado nessa sua autonomia. Cabe à Igreja hierárquica conhecer as suas angústias,
os seus desejos e as suas frustrações e ajudá-lo nessa atitude. Dom Cláudio Hummes,
pregando para os bispos do Brasil, exortou aos eclesiásticos a seguir nesta linha de
pensamento quando disse:
É a comunidade toda que deve organizar-se para ir em missão, sair em busca de quem
está longe de Jesus Cristo. Urge transformar nossas comunidades em comunidades
missionárias, chamando leigos e leigas, formando-os para a missão e enviando-os com
coragem e ânimo, dando-lhes uma adequada autonomia de trabalho, pois são adultos
na fé e receberam o Espírito Santo para a missão, nos sacramentos do batismo e da
crisma418.
417
Ibidem, p. 207.
HUMMES, Cláudio. Discípulos e missionários de Jesus Cristo – Ser cristão no mundo atual.
São Paulo: Paulus, 2006, p.37.
418
A comunidade eclesial é uma comunidade de fé, de opção pessoal e de
compromisso com a existência de Jesus Cristo. Essa fé leva ao testemunho (martyria)
nas palavras e na vida, se concretiza no serviço ao próximo (diakonia) e se expressa e
realiza no culto (leiturgia). Dom Cláudio apresentou aos senhores bispos que a
comunidade deve aproveitar esses leigos comprometidos com esta tríplice
participação, para formá-los em verdadeiros discípulos e missionários cooperadores
na edificação do Reino419.
4.3.4
A cooperação do leigo no meio urbano
Um dos fenômenos mais marcantes de nossa sociedade é a urbanização com
todas as suas características, tais como a anonimidade da cidade que se revela uma
proteção para a esfera pessoal, sem a obrigação de convenções sociais, o indivíduo
ganha um espaço novo e mais amplo de liberdade para o desenvolvimento de sua
personalidade
Fica claro que esse anonimato, que significa uma liberdade, também exige do
homem um grau mais alto de responsabilidade, pois essas estruturas do anonimato
pode transformar-se em deprimente solidão420.
O homem urbano vive de suas escolhas também no campo religioso. A pesquisa
do CERIS/2004 deixa isso bem claro. Se a religião não está correspondendo aos seus
desejos, ou se a religião não responde aos seus questionamentos, o homem migra em
direção daquela que lhe possa ajudar. Tal homem não mais se deixa guiar como uma
ovelha passiva, torna-se crítico, talvez considerado rebelde, e com certeza, inovador e
questionador.
O leigo do século XXI, exige mais. Hoje, devido a sua autonomia na vida
social, ele almeja ser um interlocutor respeitado na Igreja para que, com a sua
formação, possa auxiliar na evangelização e não somente atuar como um coordenador
de festas para arrecadar fundos para a comunidade. Ele almeja mais. Ele quer ser um
419
420
Cf. Ibidem, p. 38.
Cf. Idem.
cooperador ativo nas atividades pastorais. E isso não tem acontecido, levando muitos
a migrarem. Nesse momento, trata-se daqueles leigos que são conscientes de sua fé,
mas devido o seu engajamento, sua autonomia, buscam ajudar a Igreja de uma forma
diferente daquelas que a própria estrutura de pensamento permite.
A problemática contemporânea nas situações práticas na vida das comunidades
é uma busca de uma pastoral de manutenção, onde não se promove a
responsabilidade. Nestes casos, se mantém uma pastoral que, na realidade, não
promove a autonomia das pessoas ou que promove esta autonomia só em certos
setores restritos ou que tenta manter um estado de submissão. Com tal atitude, não se
consegue evangelizar o homem do século XXI.
Uma verdadeira evangelização em tempos de mobilidade religiosa deverá
promover um renovado compromisso do leigo urbano, com a vida eclesial, pois o
mesmo rejeita instintivamente uma religião que o quer manter em uma situação de
dependência. Este homem rejeita qualquer atitude que o prive da sua pretensa
liberdade que é entendida por descompromisso.
Quando o homem urbano suspeita de qualquer tentativa que o querem tutelar,
ele reage, não se submete. E o que acontece? Na sua maioria, como não se sente
sujeito dentro da comunidade eclesial, a sua reação será de abandono da religião. Eis
aqui aquilo que Renold Blank chama de “emigração silenciosa”. Um fenômeno tão
acentuado dentro do contexto eclesial urbano e de trânsito religioso.
As pessoas migram para outras religiões ou abandonam suas práticas religiosas
e assumem, sem nenhum drama de consciência, pertencer a um outro grupo religioso
ou afirma pertencer aos chamados sem religião, porque tem a impressão de serem
tuteladas ou tratadas como vassalos. Assim, perdemos milhares e milhares de
pessoas. A juventude vai embora,
e em várias celebrações religiosas encontram-se cada vez mais somente pessoas acima
de 50 anos. Se isso, porém, acontece, corremos o risco de tornar-nos uma instituição
longe de suas bases. E a base, por sua vez, se afastaria cada vez mais da instituição421.
421
BLANK, Renold. Op. cit. p. 25.
Como conseqüência disso, as pessoas buscam novas respostas em outros
ambientes, sejam eles religiosos ou não. A juventude, de modo especial, por seu
espírito crítico, ainda se interessa por religião, mas rejeita em grande escala as antigas
instituições religiosas, principalmente por não terem espaços nessas instituições e por
se sentirem tuteladas. Responder a esta problemática de maneira aberta e dinâmica
parece ser um dos mais importantes desafios para a pastoral urbana de hoje e do
futuro. O próprio modelo de Cristo deve ajudar a responde a este desafio; sendo
Deus, não buscou tutelar ninguém, mas servir.
A Igreja deve relembrar a passagem do lava-pés, onde o próprio Mestre ensina
que aquele que segui-lo deve ser servo, estar junto e operar junto. Ter uma atitude de
humildade ajudará muito a Igreja na evangelização da juventude, do homem
contemporâneo, pois com esta atitude ela reconhecerá a individualidade de cada
pessoa com as suas riquezas e limites cooperando na obra de salvação.
Diante de tais exigências pode se pensar que isso não aconteça, mas é essencial
apresentar que essas atitudes já estão sendo praticadas e vividas em várias paróquias e
comunidades. A própria União do Apostolado Católico busca responder a esse anseio
de uma autêntica vivência eclesial, pautada na comunhão dos diversos ministérios.
Dentro do seu estatuto, observa-se que a União do Apostolado Católico quer
despertar em todos a sua consciência ao apostolado, mas não somente nos
documentos e estatutos. Ela busca esta cooperação na prática, por meio dos Conselho
locais, onde cada um dos membros com os seus dons e vocação específica, busca
desenvolver de modo eficaz o apostolado. A União do Apostolado Católico torna-se,
para os tempos atuais uma alternativa de evangelização.
A missão da União do Apostolado Católico é despertar a fé e a consciência da vocação
ao apostolado e reacender a caridade em todos os membros do Povo de Deus, para que
se unam no empenho de propagar a caridade, a fim de que haja, quanto antes, um só
rebanho sob um só Pastor422. Por isso, a União, em comunhão com os Pastores
competentes, promove a participação entre todos os fiéis na abertura de novas formas
de evangelização423.
422
423
Cf. Jo 10,16.
Estatuto da UAC, n 12.
4.3.5
Instâncias de participação dos fiéis na vida da Igreja
Na Constituição Lumen Gentium, nos números 30 a 38, os padres conciliares
formularam uma nova visão de Igreja. Dentro dela, se abriu espaço para estruturas
novas que correspondiam aos sinais de novos tempos. O que mais se destacava era a
comunhão e participação de todos os membros da Igreja.
pelo batismo, (os fiéis) foram incorporados a Cristo, constituídos em Povo de Deus e a
seu modo feitos partícipes do múnus sacerdotal, profético e régio de Cristo, pelo que
exercem sua parte na missão de todo o povo cristão na Igreja e no mundo.424
O Concílio baseia a sua concepção de uma Igreja do futuro na vocação de todos
os cristãos. A diversificação não se faz a partir de uma questão de “ordenação”, mas a
partir dos vários carismas, tendo todos o mesmo objetivo: servir ao Reino de Deus.
A linha do Concílio é bem clara, o serviço no amor ao Reino de Deus deve ser
o estímulo de todos em cooperação, trabalhando para a edificação desse Reino. “A
comunidade do povo de Deus tem prioridade sobre a estrutura jurídica e
hierárquica.”425
Dentro do Código de Direito Canônico encontra-se, de forma jurídica, as
formas de participação dos leigos na vida da Igreja. Percebe-se assim a grande
contribuição que os mesmos podem dar, com a autorização da própria Igreja, nas
decisões pastorais.
Os leigos podem cooperar com o exercício do poder de regime. 426 Podem,
também, ser convocados a participar de concílios particulares com voto consultivo 427
e de sínodos diocesanos,428 se forem eleitos pelo conselho de pastoral ou
convocados.429
424
LG 31.
AGUIRRE, Luis Perrez. A Igreja em crise. São Paulo: Ática, 1996, p. 49.
426
Cf. CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO, Cân. 129 § 1-2.
427
Cf. Ibidem, Cân. 443.
428
Cf. Ibidem, Cân. 460.
429
Cf. Ibidem, Cân. 463 § 1-2.
425
Temos também os conselhos diocesanos, em especial o conselho de assuntos
econômicos e o conselho de pastoral430. Em todas as dioceses, deve haver o conselho
de assuntos econômicos com a presença de ao menos três fiéis peritos em economia e
direito civil. 431 O conselho pastoral deve contar também com a presença de fiéis que
estejam em comunhão com a Igreja e, principalmente, leigos designados de acordo
com o modo indicado pelo bispo diocesano, levando em conta as diversas regiões da
diocese, as condições sociais, as profissões, as diferentes formas de apostolado e as
associações que estão presentes na diocese.432
Nas paróquias, os leigos também são chamados, de acordo com o direito, a
participar da missão da Igreja433. Esta participação acontece principalmente a partir
do conselho de pastoral e do conselho econômico. Caso haja conselho paroquial de
pastoral434, pois este é facultativo, os leigos devem ajudar a promover a ação
pastoral. 435 O conselho econômico é obrigatório e, nele, os fiéis escolhidos, de acordo
com as normas do direito e as prescritas pelo Bispo diocesano, devem ajudar o pároco
na adminsitração dos bens da paróquia. 436
Enfim, cada vez mais a atuação dos leigos vem se tornando um imperativo para
o trabalho pastoral, principalmente quando se leva em conta os diferentes campos de
atuação que estão surgindo tanto na sociedade como no próprio interior da Igreja.
430
O Conselho diocesano de pastoral surgiu das decisões do decreto conciliar Christus Dominus (N°
27) e do “motu próprio” Ecclesiae sanctae (I, 16-17; II, 4 e 20). Este conselho enquadra-se na cúria
diocesana, com o fim de “estudar tudo o referente ao trabalho pastoral e tirar as conclusões práticas,
com o objetivo de promover a conformidade da vida e dos atos do povo de Deus com o Evangelho”
(Ecclesiae sanctae 16). O Conselho de pastoral é recomendado, embora com todo o encarecimento.
Este conselho se funda teoloógicamente na unidade do povo de Deus, em virtude do batismo. O
Conselho Pastoral é um organismo técnico-consultivo cuja atividade se limita ao trabalho pastoral. (Cf.
FLORISTÁN, C. Conselho Pastoral in FLORISTÁN, C. e TAMAYO, J.J. Dicionário de Pastoral.
Porto: Editorial Perpétuo Socorro, 1990, p. 119-120.
431
Cf. Ibidem, Cân. 492 § 1.
432
Cf. Ibidem, Cân. 512 § 1-2.
433
Cf. Ibidem, Cân. 519.
434
O Conselho pastoral paroquial é um grupo de cristãos, eleitos em representação da comunidade
paroquial para ajudarem o pároco, como co-responsáveis, no ministério paroquial. Geralmente trata-se
de homens e mulheres engajados que se reúnem periodicamente para analisar os assuntos da paróquia,
fomenta a participação de todos os paroquianos e executar o projeto pastoral. É um órgão permanente,
representativo, consultivo, de estudo e de ajuda ao pároco e à comunidade. As funções principais são:
conhecer a realidade que deve ser evangelizada; programar a ação pastoral; rever o que foi programado
e realizado.
435
Cf. Ibidem, Cân. 536 § 1.
436
Cf. Ibidem, Cân. 537.
A cooperação dos leigos nas decisões pastorais, não é simplesmente um meio
para diminuir as responsabilidades das instâncias superiores da hierarquia e não é
também uma ‘clericalização do leigo’, mas, sim, promover o ‘operar juntos’ que pode
trazer muitos benefícios para toda a comunidade eclesial.
Os leigos querem participar das decisões da Igreja porque desejam sentir-se
Igreja e buscam uma justa autonomia na comunhão e na co-responsabilidade da
missão. Por isso desejam colaborar nos conselhos de pastoral e procuram organizar os
conselhos de leigos nas esferas nacional, regional e diocesana 437. Os leigos não
devem ajudar somente nas execuções relativas à vida da Igreja e sua ação pastoral,
mas também no seu planejamento e nas suas decisões. Este é um dos desejos do
Concílio Vaticano II e da Conferência de Puebla quando apresentam a proposta do
conselho de pastoral e sugerem que as decisões não sejam simplesmente as da
maioria, mas sim as de consenso e, exceto em casos de problemas mais sérios que
exijam maior reflexão ou consultas a instâncias maiores, a hierarquia deve procurar
assumir essas decisões.438
4.3.6
O Ideal de uma Cultura de Cooperação para a Ação Missionária da
Igreja em Tempos de Mobilidade Religiosa
A Igreja está no caminho, e este caminho é marcado pela presença do Espírito
Santo. Tal presença incentiva para transformações profundas e radicais. Para que
estas sejam realizadas, precisa-se ter coragem e criatividade. Coragem para superar
antigos parâmetros de pensar e agir e experimentar.
Por isso, promover uma cultura de cooperação é promover a substituição da
dicotomia clero-leigo pela preocupação em que cada um, conforme o seu carisma,
pode colaborar para o Reino de Deus. Não se trata de opor o povo à hierarquia, mas
de colocar a hierarquia no seu lugar que é dentro do povo439.
437
Cf. CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, Missão e ministérios dos cristãos
leigos e leigas. Doc. 62. São Paulo: Paulinas, p. 143.
438
Cf. Ibidem, n. 122.
439
Cf. COMBLIM, José, Op. cit. p. 387.
Formar comunhão para gerar cooperação, esse era o desejo de Vicente Pallotti
ao fundar a União do Apostolado Católico. Assim, unindo forças, esse desejo é
alcançado, pois é preciso multiplicar os instrumentos e as pessoas para reavivar a fé e
reacender a caridade nas comunidades cristãs, conclamando a todos para juntos
assumirmos a missão.
Como vemos definido em seu Estatuto Geral440, a UAC,
Dom do Espírito Santo, é uma comunhão (communio) de pessoas e comunidades que,
segundo o carisma de São Vicente Pallotti, promovem a co-responsabilidade de todos
os batizados para reavivar a fé e reacender a caridade na Igreja e no mundo e levar
todos à unidade em Cristo.441
Seus membros, pessoas de múltiplas formas de vocações pessoais e diversas
modalidade de vida, empenho e serviço são unificados pelo carisma de fundação e
pelo seu mesmo espírito e mesma missão.
Os que se agregam em tal União procuram desenvolver esta cultura de
cooperação, pois procuram promover a práxis da comunhão e participação conforme
os seus carismas especiais, pondo-os a serviço de todos.
A União do Apostolado Católico sendo uma associação espiritual e apostólica
aberta a todos os membros do Povo de Deus, isto é, os leigos, os religiosos e
religiosas, os clérigos, propõe-se evidentemente não a uniformizar seus carismas, mas
emergi-los, para, que cada um reavive e zele pela vivência de seu carisma, para a
infinita glória de Deus, a salvação das almas e a destruição do pecado.442
Tal cooperação, no entender de Pallotti, não deve ser somente voluntária ou
passiva, mas integral. A cooperação acontece quando clero e laicato operam juntos,
desde os primeiros passos e decisões.
A formação para a cooperação não é uma tarefa fácil, mas deve ser iniciada,
mesmo que no mundo esteja crescendo o individualismo. Neste processo de
cooperação deve-se por “ênfase na vocação específica de cada pessoa e na abertura a
440
Cf. UNIÃO DO APOSTOLADO CATÓLICO, op. cit, nº 1.
Idem.
442
São Vicente Pallotti constantemente se referia a estas máximas, como uma oração. Faziam-nas
sempre em latim. Em suas cartas abreviava-se desta forma: AIDG – Ad Infinitam Dei Gloriam; ASA
– Ad Salvandas Animas; ADP – Ad Destruendum Pecatum.
441
todas e a cada uma das necessidades”443. Deve-se ter algo para oferecer e ao mesmo
tempo, ter abertura para aprender e dialogar entre os membros do laicato e a
hierarquia.
Freeman explica que o diálogo é o coração da cooperação e acompanha todas as
suas formas envolvendo escuta e resposta, compreensão recíproca e prontidão para
perguntar e ser perguntado. Ele deve ser acessível a todos, levando a uma confiança
entre as partes. Estas devem estar prontas a esclarecer seu viver, suas idéias e seu agir
e até mudá-las, se necessário.
No diálogo, continua Freeman, todos devem deixar-se guiar pela caridade
autêntica e pela verdade na busca de um compromisso mútuo, pois somos todos
parceiros de caminhada. Segundo ele, esta caridade leva ao conhecimento uns dos
outros e faz buscar autênticos terrenos comuns. Nesta busca, ao se deparar com as
diferenças elas não devem ser escondidas ou ignoradas, mas confrontadas à luz de
tudo o que se tem em comum. 444
A fundação de Vicente Pallotti, a União do Apostolado Católico, não quer ser,
como ele mesmo defendeu, uma nova organização, um novo mandamento ou
comunidade no seio da Igreja. Seu objetivo é unir as forças apostólicas como uma
rede invisível ou um fio de nylon que une as pérolas de um colar, pois o conjunto
literário sobre a co-responsabilidade entre leigos e clérigos já está pronto. É preciso
ter audácia para levar a frente, colocando em prática esse trabalho de cooperação.
Esse pensamento palotino é uma novidade na Igreja, pois procurando se
estruturar em conselhos e grupos, a União do Apostolado Católico busca dar
condições humanas e espirituais para a realização de cada carisma pessoal e
comunitário. Assim, unindo forças para o Apostolado Católico, favorece que cada
membro da Igreja Católica se sinta sujeito, com sua autonomia, engajado em uma
Igreja aberta às realidades do séc. XXI. Ao invés de tutela, colaboração. Ao invés de
obediência passiva, cooperação responsável.
443
FREEMAN, S. A União do Apostolado Católico, um novo Pentecostes, um sinal de esperança
para a Igreja do Terceiro Milênio. In: LÔNDERO, Ângelo. Horizontes Palotinos. Santa Maria:
Pallotti, 2002, p. 473.
444
Cf. Idem.
Conclusão
A mobilidade religiosa, em especial no que toca à evasão silenciosa de crentes
católicos, é um tema atual e relevante, que urge análise teológica e pastoral
profundas.
Através de um estudo aprofundado sobre a mobilidade religiosa brasileira e a
contribuição da fundação de Vicente Pallotti para a Igreja contemporânea, objetivou,
este estudo, coadunar dados concretos da realidade pátria às inúmeras possibilidades
religiosas abraçadas pelo país.
Embora enfocado, principalmente, na mobilidade religiosa e na promoção de
uma Cultura de Cooperação, esta investigação, apresentada de maneira sistemática,
mostrou-se relevante e pertinente, pois trouxe elementos teológicos que são
indispensáveis para um pensar e para um agir da teologia contemporânea.
Foi possível perceber, também que, a influência que a temática da mobilidade
religiosa suscita na atualidade traz grandes questionamentos à teologia católica e a
sua pastoral.
Deste modo, compreendemos que esta pesquisa permanece ainda aberta a novos
estudos e, diante desta possibilidade, abre-se a perspectivas mais atuais. Toda a
reflexão teológica tem a capacidade de contemplar a totalidade da verdade revelada.
Toda a reflexão teológica que venha a surgir está inserida em um determinado
contexto histórico e cultural e, em virtude disso, ela sempre procurará fomentar
discussões na procura de respostas para os problemas de seu tempo.
Por certo, quando resolvemos propor para esta dissertação um tema pertinente
como a mobilidade religiosa e a promoção de uma cultura de cooperação, sabíamos
da complexidade que o envolve. Isto ocorre em primeiro lugar pela complexidade do
campo religioso brasileiro e em segundo lugar pela forte dicotomia existente entre
clero e leigos. A complexidade do tema, não foi motivo de esmorecimento, mas de
coragem para contribuir para a reflexão teológica sobre esta realidade contemporânea.
O motivo que levou-nos a escolha da pesquisa do CERIS/2004 como nosso Sit
in Leben, está no fato dela questionar a prática pastoral tradicional da Igreja e as
compreensões que, até então, se têm a respeito do carisma, visando uma contribuição
através do carisma palotino de promover uma cultura de cooperação. A minuciosa
tabulação dos resultados revelou quadros surpreendentes, que interessam a teólogos,
sociólogos, antropólogos e pastoralistas.
A Cultura de Cooperação quer contribuir para o pensamento da Igreja, que
neste novo milênio tem a santa ambição de se tornar a “casa e escola de comunhão”,
usando as palavras de João Paulo II no documento “Novo millennio ineunte” (n 50).
A pertinência da mensagem palotina consiste primeiramente em chamar a atenção
para a urgência de fazer desaparecer, neste novo milênio, a dicotomia estrutural nela
contida e convocar os leigos para o seu protagonismo ad intra eclesiae.
A cooperação pode ser uma nova “imaginação da caridade”, novamente
parafraseando João Paulo II em “Novo millennio ineunte” (n 50), vivida na e para a
Igreja. Isto está correto quando Vicente Pallotti chama todos os membros da Igreja a
sustentar a cooperação, fala das “invenções” e das “empresas amorosas de Deus”445.
Neste contexto, a “imaginação da caridade” significava abertura e criatividade. Pelas
suas iniciativas inovadoras, Pallotti desejava alargar o espaço da Igreja, ultrapassar as
fronteiras e arriscar “algo a mais”.
Hoje, muitos fatores internos e externos (a diminuição das vocações
sacerdotais, a mobilidade religiosa e o fenômeno da globalização, por exemplo).
incitam a Igreja a coordenar seus esforços no campo da evangelização, da formação
para esta cooperação. Nesses fatores podemos descobrir o convite do Espírito Santo a
uma cooperação sempre mais intensa. Faz-se necessário abrir-se esperança para o
futuro: somos chamados a “trabalhar juntos”.
A cooperação, nos termos que compreende o carisma palotino, propõe a
simultaneidade do caráter ad extra e do ad intra da Igreja. É uma novidade que
apresenta a cooperação como elemento hermenêutico de toda a teologia. É o todo da
reflexão teológica, da práxis sob um novo enfoque: a cooperação. Portanto,
fundamentar e refletir a cooperação na teologia de Vicente Pallotti é, com certeza,
encontrar-se com ela. Falar de cooperação na sua teologia é falar de uma eclesiologia
do Vaticano II levado a termo.
445
Cf. OO CC XI, 259.
Confirmamos então que, a cooperação é uma temática trabalhada nesta
dissertação de uma maneira a ser provocativa. Entendemos assim – provocativa porque quer ser um questionar a toda a Igreja sobre a formar de se refletir a
eclesiologia e a sua pastoral. A cooperação não se encerra em utopias e ideologias,
mas destina-se a prática, em vista a realidade da mobilidade religiosa brasileira.
A realidade religiosa no Brasil é complexa. Não existe uma homogeneidade de
crença. No próprio catolicismo, a religião predominante, subsistem vários
“catolicismos”. No protestantismo, a cada dia vemos surgir novas denominações de
cunho predominantemente (neo) pentecostal.
A tendência individualista alastrou-se, também no campo religioso,
favorecendo o indivíduo a construir a sua própria identidade, podendo assumir sem
nenhuma restrição a sua condição de sem religião.
A apresentação inicial do estudo CERIS/2004, acrescido de algumas
contribuições das pesquisas relativas ao mesmo assunto, se fez necessária para uma
melhor contextualização do tema proposto. Para tanto, foram elencados dados
referentes à pesquisa, como: distribuição da população por religião, tempo que está na
religião, classes de idade segundo mudança de religião, a circularidade de fiéis, a
desinstitucionalização religiosa, o crescimento dos evangélicos pentecostais, a
mobilidade subjetiva, as motivações do crescimento dos sem religião e a
complexidade do campo religioso católico.
Em um primeiro momento, esta análise demonstra um povo religioso, mas,
posteriormente, esta religiosidade nos questiona: que tipo de religiosidade tem o
brasileiro? A resposta vem da própria pesquisa: uma religiosidade sincrética, em
trânsito, sob os signos da mobilidade religiosa.
Acostumamo-nos a ver a sociedade brasileira dotada de imensa variedade de
práticas e denominações religiosas. Compreendemos este país como um lócus de
múltiplas possibilidades e de escolhas variadas por parte do fiel, mas também um
“prato cheio” para os estudiosos. Muitas vezes atribuída pelo senso comum à
formação pluri-étnica da nossa sociedade e à nossa cordialidade, essa convivência
com diferentes religiões, salvo exceções, sempre foi vista como um aspecto positivo
da capacidade brasileira de colocar em um mesmo caldeirão os mais díspares
ingredientes.
Diante do leque religioso ampliado aos leigos, estes procuram, sempre, a
religião que melhor lhes acolhe e lhes permite figurar como sujeitos ativos e
participantes.
O carisma palotino, amparado pela Cultura da Cooperação, propõe medidas de
participação ativa da comunidade como um todo na vida eclesial, reconhecendo os
leigos como parte do corpo da Igreja e resgatando o laicato emigrante através da
viabilização de seu engajamento no corpo da Igreja. Urge, à hierarquia da Igreja,
observar esta necessidade de abertura ad intra à participação leiga, a qual demonstra
ser reavivadora da fé católica na sociedade brasileira.
Conclusão
A mobilidade religiosa, em especial no que toca à evasão silenciosa de crentes
católicos, é um tema atual e relevante, que urge análise teológica e pastoral
profundas.
Através de um estudo aprofundado sobre a mobilidade religiosa brasileira e a
contribuição da fundação de Vicente Pallotti para a Igreja contemporânea, objetivou,
este estudo, coadunar dados concretos da realidade pátria às inúmeras possibilidades
religiosas abraçadas pelo país.
Embora enfocado, principalmente, na mobilidade religiosa e na promoção de
uma Cultura de Cooperação, esta investigação, apresentada de maneira sistemática,
mostrou-se relevante e pertinente, pois trouxe elementos teológicos que são
indispensáveis para um pensar e para um agir da teologia contemporânea.
Foi possível perceber, também que, a influência que a temática da mobilidade
religiosa suscita na atualidade traz grandes questionamentos à teologia católica e a
sua pastoral.
Deste modo, compreendemos que esta pesquisa permanece ainda aberta a novos
estudos e, diante desta possibilidade, abre-se a perspectivas mais atuais. Toda a
reflexão teológica tem a capacidade de contemplar a totalidade da verdade revelada.
Toda a reflexão teológica que venha a surgir está inserida em um determinado
contexto histórico e cultural e, em virtude disso, ela sempre procurará fomentar
discussões na procura de respostas para os problemas de seu tempo.
Por certo, quando resolvemos propor para esta dissertação um tema pertinente
como a mobilidade religiosa e a promoção de uma cultura de cooperação, sabíamos
da complexidade que o envolve. Isto ocorre em primeiro lugar pela complexidade do
campo religioso brasileiro e em segundo lugar pela forte dicotomia existente entre
clero e leigos. A complexidade do tema, não foi motivo de esmorecimento, mas de
coragem para contribuir para a reflexão teológica sobre esta realidade contemporânea.
O motivo que levou-nos a escolha da pesquisa do CERIS/2004 como nosso Sit
in Leben, está no fato dela questionar a prática pastoral tradicional da Igreja e as
compreensões que, até então, se têm a respeito do carisma, visando uma contribuição
através do carisma palotino de promover uma cultura de cooperação. A minuciosa
tabulação dos resultados revelou quadros surpreendentes, que interessam a teólogos,
sociólogos, antropólogos e pastoralistas.
A Cultura de Cooperação quer contribuir para o pensamento da Igreja, que
neste novo milênio tem a santa ambição de se tornar a “casa e escola de comunhão”,
usando as palavras de João Paulo II no documento “Novo millennio ineunte” (n 50).
A pertinência da mensagem palotina consiste primeiramente em chamar a atenção
para a urgência de fazer desaparecer, neste novo milênio, a dicotomia estrutural nela
contida e convocar os leigos para o seu protagonismo ad intra eclesiae.
A cooperação pode ser uma nova “imaginação da caridade”, novamente
parafraseando João Paulo II em “Novo millennio ineunte” (n 50), vivida na e para a
Igreja. Isto está correto quando Vicente Pallotti chama todos os membros da Igreja a
sustentar a cooperação, fala das “invenções” e das “empresas amorosas de Deus”446.
Neste contexto, a “imaginação da caridade” significava abertura e criatividade. Pelas
suas iniciativas inovadoras, Pallotti desejava alargar o espaço da Igreja, ultrapassar as
fronteiras e arriscar “algo a mais”.
Hoje, muitos fatores internos e externos (a diminuição das vocações
sacerdotais, a mobilidade religiosa e o fenômeno da globalização, por exemplo).
incitam a Igreja a coordenar seus esforços no campo da evangelização, da formação
para esta cooperação. Nesses fatores podemos descobrir o convite do Espírito Santo a
uma cooperação sempre mais intensa. Faz-se necessário abrir-se esperança para o
futuro: somos chamados a “trabalhar juntos”.
A cooperação, nos termos que compreende o carisma palotino, propõe a
simultaneidade do caráter ad extra e do ad intra da Igreja. É uma novidade que
apresenta a cooperação como elemento hermenêutico de toda a teologia. É o todo da
reflexão teológica, da práxis sob um novo enfoque: a cooperação. Portanto,
fundamentar e refletir a cooperação na teologia de Vicente Pallotti é, com certeza,
encontrar-se com ela. Falar de cooperação na sua teologia é falar de uma eclesiologia
do Vaticano II levado a termo.
446
Cf. OO CC XI, 259.
Confirmamos então que, a cooperação é uma temática trabalhada nesta
dissertação de uma maneira a ser provocativa. Entendemos assim – provocativa porque quer ser um questionar a toda a Igreja sobre a formar de se refletir a
eclesiologia e a sua pastoral. A cooperação não se encerra em utopias e ideologias,
mas destina-se a prática, em vista a realidade da mobilidade religiosa brasileira.
A realidade religiosa no Brasil é complexa. Não existe uma homogeneidade de
crença. No próprio catolicismo, a religião predominante, subsistem vários
“catolicismos”. No protestantismo, a cada dia vemos surgir novas denominações de
cunho predominantemente (neo) pentecostal.
A tendência individualista alastrou-se, também no campo religioso,
favorecendo o indivíduo a construir a sua própria identidade, podendo assumir sem
nenhuma restrição a sua condição de sem religião.
A apresentação inicial do estudo CERIS/2004, acrescido de algumas
contribuições das pesquisas relativas ao mesmo assunto, se fez necessária para uma
melhor contextualização do tema proposto. Para tanto, foram elencados dados
referentes à pesquisa, como: distribuição da população por religião, tempo que está na
religião, classes de idade segundo mudança de religião, a circularidade de fiéis, a
desinstitucionalização religiosa, o crescimento dos evangélicos pentecostais, a
mobilidade subjetiva, as motivações do crescimento dos sem religião e a
complexidade do campo religioso católico.
Em um primeiro momento, esta análise demonstra um povo religioso, mas,
posteriormente, esta religiosidade nos questiona: que tipo de religiosidade tem o
brasileiro? A resposta vem da própria pesquisa: uma religiosidade sincrética, em
trânsito, sob os signos da mobilidade religiosa.
Acostumamo-nos a ver a sociedade brasileira dotada de imensa variedade de
práticas e denominações religiosas. Compreendemos este país como um lócus de
múltiplas possibilidades e de escolhas variadas por parte do fiel, mas também um
“prato cheio” para os estudiosos. Muitas vezes atribuída pelo senso comum à
formação pluri-étnica da nossa sociedade e à nossa cordialidade, essa convivência
com diferentes religiões, salvo exceções, sempre foi vista como um aspecto positivo
da capacidade brasileira de colocar em um mesmo caldeirão os mais díspares
ingredientes.
Diante do leque religioso ampliado aos leigos, estes procuram, sempre, a
religião que melhor lhes acolhe e lhes permite figurar como sujeitos ativos e
participantes.
O carisma palotino, amparado pela Cultura da Cooperação, propõe medidas de
participação ativa da comunidade como um todo na vida eclesial, reconhecendo os
leigos como parte do corpo da Igreja e resgatando o laicato emigrante através da
viabilização de seu engajamento no corpo da Igreja. Urge, à hierarquia da Igreja,
observar esta necessidade de abertura ad intra à participação leiga, a qual demonstra
ser reavivadora da fé católica na sociedade brasileira.
6
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Francisco José Marques Filho Reavivar a fé e reacender a caridade