Bolsista: Beatriz Ferreira Silva; RA: 070248 Orientador: Profª. Drª. Anna Christina Bentes da Silva Local de Execução: Universidade Estadual de Campinas Vigência: 01 de agosto de 2010 a 31 de julho de 2011 REFERENCIAÇÃO E PROGRESSÃO TÓPICA EM UMA ENTREVISTA JORNALÍSTICA 1. Resumo: O presente projeto de pesquisa tem como objetivo analisar as estratégias de referenciação relacionando-as com as estratégias de gerenciamento do tópico mobilizadas pelos sujeitos. O corpus selecionado para análise é a entrevista concedida pelo rapper Mano Brown ao programa de entrevistas Roda Viva, exibido semanalmente na TV Cultura. O trabalho será pautado pela perspectiva textual-interativa, no que diz respeito a suas discussões teóricas acerca da questão da referenciação e do tópico discursivo. Será dado enfoque também à questão da representação do eu social, no auxílio à compreensão da organização da entrevista enquanto evento discursivo. Nossa hipótese é a de que as estratégias de gerenciamento do tópico encontram-se intrinsecamente relacionadas com as estratégias de construção e representação do “eu” social mobilizadas pelos diferentes sujeitos participantes de uma das mais polêmicas entrevistas do Programa Roda Viva. 2. Introdução e justificativa: As entrevistas televisivas caracterizam-se como gênero discursivo em que a estrutura temática, o estilo e a estrutura composicional1 são bastante diversificados. Dessa forma, vê-se que, muitas vezes, vozes sociais bastante díspares encontram-se reunidas sob a configuração desse gênero, o que contribui para que as entrevistas constituam-se como espaços discursivos aonde os isolamentos grupais e sociais sejam momentaneamente dissolvidos. É o que ocorre, por exemplo, na entrevista concedida pelo rapper Mano Brown ao programa Roda Viva, da TV Cultura. 1 A concepção de gênero discursivo indicada aqui tem sua base em: BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. Intrínseca à configuração de tal gênero apresenta-se a noção de interação. Segundo o que afirmam Aquino et. al. (2000), ao longo dos processos interativos, os sujeitos produzem adaptações de seu discurso tendo em vista as necessidades de seu interlocutor. Nas entrevistas televisivas, mais especificamente, se dá oportunidade aos seus participantes de contribuírem, com suas ações lingüístico-discursivas, com o curso da interação. Assim, nas entrevistas de televisão, de acordo com Aquino et. al. (2000), “cada ação de um sujeito deve constituir a premissa das ações realizadas posteriormente pelos demais”. Com isso, instaura-se um processo retroativo, em que a ação de um sujeito participante causa alguma espécie de retorno de outro sujeito participante da interação2. Vemos, portanto, que o discurso produzido sob a configuração do gênero “entrevista” pode ser tido como “um processo interativo fundado na manutenção de acordos a que se chega por meio de negociações” (Cf. Kerbrat-Orecchioni, 1984, apud Aquino et. al. 2000, 69). Com base em Goffman (1967), Aquino et. al. (2000) afirmam que a negociação nas interações é produto de uma divergência, sendo que ao longo da interação a finalidade é a de se chegar a uma forma de acordo – mesmo que esse acordo seja apenas a mera constatação de que se deveria chegar a um acordo, além de reformulações serem constantemente feitas pelos participantes da interação na tentativa de se chegar a um ponto convergente. As negociações, nesse caso, podem ocorrer acerca do conhecimento e das opiniões apresentadas pelos participantes, bem como sobre outros aspectos que dizem respeito à forma ou ao conteúdo da interação (Cf. Aquino et. al., 2000). Sendo assim, no caso das entrevistas televisivas, como as do programa Roda Viva, vemos, por exemplo, uma intensa negociação no que diz respeito aos turnos de fala de entrevistadores e entrevistados, e conseqüentemente, no que diz respeito ao modo como o tópico discursivo é desenvolvido pelos participantes. Marcuschi (2008) atenta para o caráter interativo do tópico discursivo: o autor afirma que o tópico discursivo – sua formulação, constituição – é decorrente de processos 2 No caso de entrevistas televisivas, importa lembrar que tanto o entrevistado como os entrevistadores agem de maneira a adaptarem seu discurso tendo em vista também a audiência do programa (Aquino, et. al., 1998). Devemos lembrar que a influência produzida pela audiência pode determinar alguns aspectos das entrevistas de televisão, pois neste caso o evento discursivo é desenvolvido em função do espectador. Também é em função da audiência que, afirmam Aquino et. al., os indivíduos buscam construir uma boa imagem de si mesmos, bem como cumprir os direitos e deveres que seu papel na interação estipula. de interação e negociação. Sendo assim, tem-se que em qualquer interação verbal entre indivíduos, sujeito algum pode ter convicção de conduzir um tópico por sua própria conta, pois sempre há que se levar em conta a participação do outro para que o falante concretize seu projeto de dizer. Nas palavras de Marcuschi (2008, p. 135) sobre a interatividade intrínseca ao conceito de tópico, “ele é desenvolvido interativamente [...] pode ser introduzido, desenvolvido, retirado, reintroduzido, recliclado ou abortado; ele é dinâmico e não estático”. Além disso, cabe acrescentar que na tentativa de concretizar um projeto de dizer que seja coerente com a auto-imagem que pretende mostrar, os indivíduos participantes adotam estratégias de manutenção e também de abandono dos tópicos, o que faz com que a negociação nas entrevistas se dê em torno não só do próprio tópico, mas também em torno das estratégias de referenciação mobilizadas para a manutenção ou abandono de um tópico. A referenciação baseia-se em processos de categorização e recategorização dos objetos de discurso, bem como na negociação destes ao longo das situações interativas. Marcuschi (2008) postula a ligação existente entre progressão referencial e progressão tópica, afirmando que o desenvolvimento do tópico é proporcionado pela continuidade referencial. O presente trabalho parte de tal relação postulada pelo autor e pretende analisar uma entrevista que consideramos – segundo as perspectivas teóricas brevemente apresentadas até aqui – relevante, por seu forte caráter interativo e negociativo, qual seja, a entrevista com o rapper Mano Brown no programa Roda Viva, da TV Cultura. Além disso, consideramos que Mano Brown caracteriza-se como sujeito altamente representativo de seu grupo social – já que é, seguramente, o maior expoente do rap no Brasil3. É importante lembrar que o estudo do conceito de tópico parece contar com poucos trabalhos que o articulem à questão da negociação dos objetos de discurso. Além disso, acredita-se que o tema do trabalho proposto tem sua relevância indicada por Marcuschi (2008), quando o autor atenta para o fato de que a relação entre tópico e referenciação ainda não é suficientemente contemplada por estudos textuais, apesar da relevância desses dois aspectos. Nas palavras do autor (2008, p. 139), 3 A escolha da entrevista selecionada justifica-se também com o fato de o presente trabalho estar ligado ao projeto de pesquisa “’É nóis na fita’: a formação de registros e a elaboração de estilos no campo da cultura popular urbana paulista” (FAPESP , Proc. No. 2009/08369-8), desenvolvido pela Profª. Drª. Anna Christina Bentes da Silva, na UNICAMP. “Hoje se admite que a questão referencial é central tanto na produção textual como na compreensão. E esse continua um capítulo dos menos desenvolvidos, sendo que mantém relação com várias outras questões como a continuidade tópica e o problema da coerência textual, incidindo ainda sobre a atividade inferencial.” 3. Objetivos: 3.1 Gerais: • Analisar as relações entre as estratégias de referenciação e de gerenciamento do tópico discursivo em uma entrevista com o rapper Mano Brown no programa Roda Viva. 3.2 Específicos: • Descrever como os processos de (re)categorização dos objetos de discurso influem no gerenciamento do tópico, seja para a manutenção ou para o abandono deste, ao longo da entrevista com o rapper Mano Brown realizada no programa Roda Viva; • Descrever as principais estratégias de gerenciamento do tópico, efetuadas pelos participantes da entrevista selecionada; • Relacionar as estratégias de gestão do tópico com as principais estratégias que são mobilizadas pelos sujeitos participantes da entrevista para a representação e construção de um “eu” social. 4. Metas Semestrais: 4.1. Primeiro semestre: a) Levantamento bibliográfico e elaboração de resenhas; b) Transcrição da fala dos participantes da entrevista em análise; c) Elaboração de uma breve descrição sobre cada um dos participantes da entrevista selecionada; d) Elaboração da análise sobre a estrutura de participação do evento; e) Elaboração do relatório parcial. 4.2. Segundo semestre: a) Transcrição da fala dos participantes da entrevista em análise; b) Descrição dos principais processos de (re)categorização dos objetos-de- discurso e de gerenciamento do tópico efetuados pelos participantes na entrevista selecionada; c) Elaboração de uma análise sobre as estratégias de referenciação e de gerenciamento do tópico na entrevista selecionada; d) Elaboração do relatório final. 5. Métodos: Em termos da metodologia a ser utilizada, em primeiro lugar, esta contará com as discussões teóricas de uma perspectiva sociocognitivista para o tratamento da linguagem. Dessa forma, as estratégias de referenciação serão tratadas em termos da (re)categorização dos objetos de discurso. Com isso, faz-se necessário salientar o que diz Mondada (apud Penhavel, 2006): ao tratar de objetos de discurso, estamos tratando de referentes que são elaborados durante a dinâmica discursiva, de modo que os objetos de discurso são inteiramente construídos lingüisticamente, e não apenas lingüisticamente codificados. É também por seu caráter não estático que os objetos de discurso podem ser reconstruídos, modificados, (re)negociados4 ao longo dos contextos discursivo-interacionais (Koch , 2008). Os processos de (re)categorização dos objetos de discurso serão analisados em sua relação com as estratégias de manutenção do tópico discursivo 5 efetuadas pelos participantes da entrevista selecionada. Jubran (2006) caracteriza o tópico discursivo como sendo “uma categoria analítica abstrata”, “um processo constitutivo do texto”. Segundo ela, o conceito de tópico se define por ser “um conjunto de referentes explícitos ou inferíveis concernentes entre si e em relevância num determinado ponto da mensagem” (Jubran, Urbano et. al., 1992, apud Jubran, 2006). 4 Nas palavras de Koch (2008): “os objetos de discurso são dinâmicos, isto é, uma vez introduzidos, vão sendo modificados, desativados, reativados, recategorizados, de modo a construir-se ou reconstruir-se o sentido no curso da progressão textual." 5 Ao conceito de tópico discursivo estão atreladas duas propriedades chave, de acordo com Jubran. São elas: centração – a propriedade definidora, segundo a autora – e organicidade. A propriedade de centração abriga três outros aspectos: (i) a concernência, que designa a integração e a interdependência de elementos textuais obtidas através de processos referenciais; (ii) a relevância: determina que os elementos textuais constituintes do tópico são elementos que se sobressaem, isto é, “são projetados como focais” e (iii) a pontualização: determina que podem ser encontrados em algum ponto do texto os elementos textuais referentes ao tópico. Quanto à propriedade tópica de organicidade, esta se refere às relações hierárquicas entre tópicos, bem como às articulações, resultantes das adjacências e interposições tópicas ao longo do discurso – trata-se, portanto, das relações de interdependência entre tópicos. A entrevista selecionada para compor o corpus se trata da entrevista concedida pelo rapper Mano Brown ao programa Roda Viva, da TV Cultura, com duração de aproximadamente 85 minutos. Mano Brown é vocalista - e também um dos compositores do Racionais Mc's, o grupo de rap – formado em 1988 na periferia de São Paulo - que ganhou maior projeção no cenário musical nacional, tendo vendido mais de 1 milhão de cópias de seus CDs. O Roda Viva é um tradicional programa de entrevistas da televisão brasileira, exibido pela TV Cultura desde 1986, cujos convidados se posicionam ao redor de jornalistas e outros convidados, que geralmente são especialistas na área de atuação do convidado ou mesmo profissionais da mesma área. Para a análise do corpus procederemos à transcrição da entrevista selecionada, de acordo com o sistema de notação utilizado pelo Grupo de Pesquisa COGITES 6, instituído para tratar de dados da língua falada à luz de aspectos textuais-conversacionais. Serão analisadas as estratégias de referenciação – em termos da idéia de (re)categorização dos objetos de discurso – mobilizadas pelo entrevistado e pelos entrevistadores a fim de descrever o efeito das principais estratégias de referenciação para o gerenciamento do tópico. Será feita também uma breve descrição de cada indivíduo participante da entrevista, levando em conta a questão da construção e representação do “eu” social, segundo uma perspectiva sociolingüística. Dessa forma, será constatada e analisada a existência ou inexistência de uma relação entre as estratégias de referenciação e do gerenciamento do tópico e as estratégias mobilizadas para a representação de um “eu” social, na entrevista selecionada. Cabe acrescentar, por fim, alguns aspectos importantes que Aquino et. al. (2000, p. 70), retrataram acerca do programa de entrevistas Roda Viva. Abaixo, encontra-se reproduzido o trecho em questão: Importa salientar a configuração espacial desse programa em que os entrevistadores se encontram reunidos atrás de uma espécie de balcão, que lembra um júri, formando um círculo, no centro do qual está o entrevistado sentado numa cadeira giratória, que permite sua movimentação para poder olhar de frente e se envolver com quem lhe dirige a palavra. [...] A preferência do programa Roda Viva é por manter um tom mais formal e, até certo ponto, inquisitorial às entrevistas veiculadas, em que personalidades da política brasileira sejam o alvo. 6 COGITES - “Cognição, Interação e Significação”. Grupo de pesquisa coordenado pela Profª Drª. Edwiges Morato, da Univerdade Estadual de Campinas (UNICAMP). 6. Plano de trabalho: Abaixo, encontra-se um cronograma das atividades propostas para o trabalho. Atividades 1 - Pesquisa e revisão bibliográfica. 2 - Transcrição das falas dos participantes da entrevista. 3 – Descrição sobre cada participante do evento. 4 – Análise sobre organização/estrutura de participação do evento. 5 - Elaboração do relatório parcial. 6 – Descrição das estratégias de referenciação e gerenciamento tópico dos participantes. 7 – Elaboração do relatório final. Ago Set Out Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun 7. Referências bibliográficas: AQUINO, Z; FÁVERO, L; ANDRADE, M. Papéis discursivos e estratégias de polidez nas entrevistas de televisão. Revista Veredas, v. 4, n. 1, 2000. Disponível em: <http://www.ufjf.br/revistaveredas/edicoes-anteriores/volume-4-%E2%80%93-n%C2%B01-%E2%80%93-2000/>. Data de acesso: 27/03/2010. CONTE, Marie-Elisabeth. Encapsulamento anafórico. In: Referenciação. Orgs: CAVALCANTE, Mônica Magalhães; RODRIGUES, Bernadete Biasi; CIULLA, Alena. São Paulo: Contexto, 2003. p. ? JUBRAN, Clélia Cândida Abreu. Revisitando a noção de tópico discursivo. 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