GT04 - Direitos Econômicos, Sociais e Políticas Públicas de
Direitos Humanos
DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA:
GARANTIA?
1
Francisco das Chagas Alves do NASCIMENTO (autor)
– Estudante de Direito da FIBRA
– Prof. Adjunto do Instituto de Ciências da Saúde – UFPA
[email protected]
2
Réia Sílvia LEMOS (co-autora)
– Profª. Associado do Instituto de Ciências Biológicas – UFPA
[email protected]
RESUMO
Na atual sociedade técnico-científica, com conhecimento e tecnologia de produção
de alimentos para garantir acesso a alimentos em quantidade e qualidade
suficientes, pode-se garantir o direito humano a uma alimentação adequada. A
Declaração dos Direitos Humanos no art. 25, § 1º, estabelece que “Toda pessoa
tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e
bem estar, inclusive alimentação,...”, ratificado no Pacto dos Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, cujo art. 11 expressa que "os Estados partes do presente pacto
reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e
para sua família, inclusive, alimentação,...” Apesar de garantido em tratados
internacionais a Carta Magna não explicita tal direito.
Palavras-chave: Alimentação adequada, Garantia, Leis.
1. O DIREITO À ALIMENTAÇÃO
O Bicho
Vi ontem um bicho
Na imundice do pátio
Catando comida entre os detritos
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
Juca Varella – Folha Imagem
Rio, 27 de dezembro de 1947.
Manuel Bandeira. Estrela da Vida Inteira. 20ª ed.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
O princípio da vida na terra está no fato de os seres vivos terem acesso a alimentos
para manter suas funções fisiológicas, propiciar crescimento, desenvolvimento,
reprodução e perpetuação da espécie. O Homo sapiens desde seus primórdios vem
lutando e conseguindo perpetuar sua espécie, no entanto, seu direito básico à vida tem
sido negligenciado por todos os governos, aos quais foram submetidos. Na atualidade
vive-se em uma sociedade técnico-científica onde se tem o conhecimento e tecnologia de
produção de alimentos para garantir acesso a alimentos de qualidade e em quantidade
suficiente a toda espécie humana, permitindo que milhões de pessoas no mundo passem
de uma condição de subsistência para viver dignamente o direito humano a uma
alimentação adequada.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948), no artigo 25, item 1,
estabelece que “Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e
a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados
médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de
desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de
subsistência fora de seu controle”. Os dispositivos não se caracterizam como uma
obrigação jurídica para os seus Estados partes, uma vez que foi decisão tomada na
forma de resolução (REBOUÇAS NETO & SOUZA MENEZES, 2000).
Este direito foi ratificado no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais (ONU, 1966), que no artigo 11, in verbis, dispõe:
1.
Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de
toda pessoa a nível de vida adequado para si próprio e sua família,
inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como
a uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados Partes
tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse
direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da
cooperação internacional fundada no livre consentimento.
2.
Os Estados Partes do presente pacto, reconhecendo o direito
fundamental de toda pessoa de estar protegida contra a fome, adotarão,
individualmente e mediante cooperação internacional, as medidas,
inclusive programas concretos, que se façam necessárias para:
a)
melhorar os métodos de produção, conservação e distribuição de
gêneros alimentícios pela plena utilização dos conhecimentos
técnicos e científicos, pela difusão de princípios de educação
nutricional e pelo aperfeiçoamento ou reforma dos regimes
agrários, de maneira que se assegurem a exploração e a
utilização mais eficazes dos recursos naturais;
b)
Assegurar uma repartição eqüitativa dos recursos alimentícios
mundiais em relação às necessidades, levando-se em conta os
problemas tanto dos países importadores quanto dos
exportadores de gêneros alimentícios.
2. DIREITOS HUMANOS E DIREITO INTERNACIONAL
Somente a partir da instituição da Organização das Nações Unidas (ONU), quando
da assinatura da ‘Carta de São Francisco’, em 26/06/1945, é que foi conferir aos direitos
humanos um status constitucional no ordenamento do direito, pois antes da criação da
ONU não se assegurava a existência de um Direito Internacional Público preocupado
com tema dos direitos humanos (REBOUÇAS NETO & SOUZA MENEZES, 2000).
A comunidade internacional, em função das barbaridades cometidas no período da
Segunda Grande Guerra Mundial reconheceu e legitimou a proteção dos direitos
humanos, que se tornou uma preocupação internacional, transcendendo o reservado
domínio do Estado (PIOVESAN, 2009), na consolidação do Direito Internacional dos
Direitos
Humanos,
num
processo
de
humanização
do
direito
internacional
contemporâneo e internacionalização dos direitos humanos (BUERGENTHAL, 1988).
Os direitos enumerados na ‘Declaração dos Direitos Humanos’ são considerados
de duas espécies (direitos civis e políticos) e, geralmente, considerados como direitos de
primeira geração aqueles que reafirmam que a liberdade em oposição à ação do Estado,
que é obrigado a se abster de atos que possam representar a violação de tais direitos; os
direitos econômicos, sociais e culturais são reconhecidos como direitos de segunda
geração; e, outros, tidos como direitos de terceira geração, que asseguram ao homem
um ambiente sadio, a paz, o desenvolvimento e os bens que constituem o patrimônio
comum da humanidade (REBOUÇAS NETO & SOUZA MENEZES, 2000). Na visão de
Trindade (2009), a noção simplista, sem fundamentação jurídica das historicamente
denominadas ‘gerações de direitos’ presta um desserviço à sociedade por propor uma
abordagem atomizada ou fragmentada dos direitos humanos; além do que, em nossa
opinião
os
direitos
humanos
permeiam-se
pluridirecionalmente,
ratificando
e
consolidando a fundamental concepção de justiciabilidade e indivisibilidade destes.
3. DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO
O Direito Humano à alimentação é um direito inalienável e que em toda história da
humanidade tem sido convenientemente ignorado pela maioria dos líderes mundiais,
cabendo aqui mencionar o chamamento, o alerta a este bem que é ter direito a vida, onde
Roosevelt em 1944, no seu discurso State Bill of Union - “Economic Bill of Rights” (EIDE,
1998), assim se expressou:
“We have come to the clear realization of the fact that true individual
freedom cannot exist without economic security and independence.
Necessitous men are not free men. People who are hungry and out of
jobs are the stuff of which dictatorships are made.”
Daí que, com a ‘Carta Geral das Nações Unidas’ (ONU, 1945) começou a se
expressar um instrumento jurídico internacional sobre os direitos do homem e as
liberdades fundamentais, mas nada foi expresso quanto ao direito fundamental de acesso
a uma alimentação adequada, embora fomente este direito em seus artigos 55 e 56:
Artigo 55. Com o fim de criar condições de estabilidade e bem-estar,
necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações,
baseadas no respeito do princípio da igualdade de direitos e da
autodeterminação dos povos, as Nações Unidas promoverão:
a)
A elevação dos níveis de vida, o pleno emprego e condições de
progresso e desenvolvimento econômico e social;
b)
A solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, de
saúde e conexos, bem como a cooperação internacional, de caráter
cultural e educacional;
c)
...
Artigo 56. Para a realização dos objetivos enumerados no artigo 55,
todos os membros da Organização se comprometem a agir em
cooperação com esta, em conjunto ou separadamente.
Com a ‘Declaração Universal dos Direitos Humanos’ (ONU, 1948), o direito humano
à alimentação adequada foi estatuído de forma inespecífica (PAPISCA & MASCIA, 2004)
porque visa simplesmente ‘garantir’ que o homem estivesse livre de fome como expresso
no seu artigo 25, além de outros direitos econômicos e sociais, a garantia à alimentação;
além de outros dispositivos que de maneira indireta estão ligados à alimentação (artigos
3, 22, 28 e 29).
Art. 25. 1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de
assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação,
vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais
indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença,
invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de
subsistência fora de seu controle.
O direito humano a uma alimentação adequada foi ratificados em inúmeros
instrumentos como na ‘Declaração Universal sobre a Erradicação da Fome e
Desnutrição’ (1974); pela ‘Declaração dos Direitos dos Portadores de Deficiências
Físicas’ (1975); na “Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação
contra Mulheres” (1979); na ‘Declaração do Direito ao Desenvolvimento’ (1986); na
‘Declaração dos Direitos da Criança’ (1959) e na “Convenção dos Direitos da Criança
(1989)”; na “Conferência Mundial de Alimentação” (1974); na ‘Declaração de Princípios e
Programa de Ação da Conferência Mundial sobre a Reforma Agrária e Desenvolvimento
Rural’ (1979); na “Cúpula Mundial da Criança’ (1990); “Conferência Internacional sobre
Nutrição” (1992); na ‘Declaração e Programa de Ação da Conferência Mundial de Direitos
Humanos de Viena’ (1993); na ‘Declaração e Programa de Ação da Cúpula Mundial para
o Desenvolvimento Social de Copenhague’ (1995); “Conferência de Pequim sobre a
Mulher” (1995) e na ‘Declaração de Roma sobre a Segurança Alimentar’ e o ‘Plano de
Ação da Cúpula Mundial de Alimentação’ (1996), dentre outros (VALENTE, 2002).
4. O PACTO DOS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS
Os direitos econômicos, sociais e culturais estão constituídos por três componentes
interconectados por um processo maior, que tem como cerne dos direitos sociais o que é
expresso no artigo 25 da Declaração Universal e ratificado no artigo 11 do pacto (EIDE,
1998). Dessa forma fica estabelecida a concepção geral de uma alimentação adequada,
na qual diversos fatores são fundamentais como: a oferta adequada de alimentos, neste
contexto tem-se os tipos de alimentos comumente disponíveis, ou seja, nas diferentes
esferas de uma nação; devem ser culturalmente adequado; a oferta disponível deve ser
suficiente para atender as necessidades energéticas e de nutrientes; garantia de
alimentos de qualidade e que atendam as necessidades psicológicas e que finalmente
que os alimentos preencham sua finalidade que é de alimentação e nutrição.
O objetivo do ‘Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais, Políticos e Culturais’ foi o de
incorporar os dispositivos da ‘Declaração Universal de Direitos Humanos’ sob a forma de
preceitos juridicamente vinculantes (PIOVESAN, 2009). Neste sentido, talvez seja o pacto
a ferramenta mais importante no que concerne à ‘garantia’ ao direito à alimentação. Na
opinião de Lima Junior (2001), o Pacto deve ter a seguinte interpretação: “dar passos
para a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais”. Nos termos do Pacto, não
significa deixar sua realização ao Deus dará, mas reflete um princípio geral do Direito
Internacional que requer dos Estados a ação necessária à execução das normas
internacionais assinadas livremente. Neste sentido, a definição de um núcleo
fundamental de direitos humanos econômicos, sociais e culturais deve ser encarada
dentro de uma idéia extensiva de ‘progressividade’, não como uma forma de limitar a
identificação ou reconhecimento de novos direitos humanos econômicos, sociais e
culturais, como acontece em relação aos direitos humanos civis e políticos.
O documento das Nações Unidas que trata do direito a uma alimentação adequada,
sob a ótica do Pacto, o Comitê do Conselho Econômico e Social (ONU, 1999) resume e
ressalta na parte da ‘introdução e premissas básicas’ o seguinte, in verbis:
1. O direito a uma alimentação adequada está reconhecido em diversos
instrumentos do direito internacional. O Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais, Políticos e Culturais trata do direito a uma
alimentação adequada mais extensamente que qualquer outro
instrumento internacional. No parágrafo 1 do artigo 11 do Pacto, os
Estados Partes reconhecem ‘o direito de toda pessoa a um nível de vida
adequado para si e sua família, incluso a alimentação, vestimenta e
moradia adequadas e a uma melhora contínua das condições de
existência’. No parágrafo 2 do artigo 11 reconhecem que possivelmente
deverão adotar medidas mais imediatas e urgentes para garantir ‘o
direito fundamental de toda pessoa a estar protegida conta a fome’ e a
desnutrição. O direito a uma alimentação adequada é de importância
fundamental para o usufruto de todos os direitos. Esse direito se aplica
às todas pessoas: a frase do parágrafo 1 do artigo 11 ‘para si e sua
família’ não estabelece nenhuma limitação enquanto a aplicabilidade
deste direito aos indivíduos ou aos lares dirigidos por uma mulher.
Nessa sessão o Comitê afirma que o direito à alimentação adequada está
inseparavelmente vinculado ao da dignidade da pessoa humana, sendo indispensável
que ela desfrute de outros direitos humanos consagrados; que esse direito é inseparável
da justiça social, uma vez que requer que se adotem políticas econômicas, ambientais e
sociais adequadas e orientadas para a erradicação da pobreza, tanto em níveis nacionais
quanto internacional, uma vez que as raízes do problema da fome e da desnutrição não
estão na falta de alimentos, mas na falta de acesso aos alimentos disponíveis, pela
grande maioria da população. O Comitê observa que, apesar dos problemas da fome e
desnutrição serem agudos em países em desenvolvimento, a desnutrição, a subnutrição
e outros problemas relativos ao direitos à alimentação adequada estão presentes em
países economicamente desenvolvidos.
São conceitos importantes na definição dos direitos humanos à alimentação
adequada (ONU, 1999):
- Adequação: é determinada, em boa medida, pelas condições sociais,
econômicas, culturais, climáticas, ecológicas e de outros tipos,
imperante no momento.
- Sustentabilidade: vinculado ao conceito de alimentação adequada ou
segurança alimentar, uma vez que estabelece a disponibilidade e
a possibilidade de acesso aos alimentos pelas gerações presentes
e futuras.
- Necessidades alimentares: é o regime alimentar que combina
produtos nutritivos para o crescimento físico e mental,
desenvolvimento, manutenção e atividade física, suficiente para
satisfazer as necessidades fisiológicas humanas em todas as
etapas do ciclo vital, segundo sexo e ocupação.
- Substâncias nocivas: os alimentos devem estar isentos de
contaminação por adulteração, má higiene ambiental,
manipulação incorreta nas distintas etapas da cadeia alimentar;
além de se determinar, evitar ou destruir as toxinas naturalmente
produzidas.
- Aceitabilidade: os alimentos devem ser aceitos para uma cultura ou
consumidores determinados; ou seja, valores não relacionados à
nutrição, mas que se associam aos alimentos.
- Disponibilidade: possibilidade de um indivíduo de se alimentar
diretamente explorando uma terra produtiva e outras fontes
naturais de alimentos ou os sistemas de distribuição, elaboração e
comercialização.
- Acessibilidade: ‘econômica’, no que se refere aos custos financeiros
pessoais ou familiares associados com a aquisição dos alimentos
necessários ao regime alimentar adequado; daí que os grupos
socialmente vulneráveis como as pessoas sem terra e outros
segmentos empobrecidos da população requerem atenção de
programas especiais; ‘física’, deve ser disponibilizada aos
indivíduos fisicamente vulneráveis (lactantes, crianças pequenas,
pessoas de idade, incapacitados físicos, doentes, pessoas com
problemas médicos persistentes, como os doentes mentais). Estar
atento às pessoas que vivem em áreas propensas aos desastres
e aos grupos menos favorecidos (p.ex. povos indígenas, com
acesso à terra ameaçado).
5. DIREITO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA E O ESTADO
Em 1974 foi realizada a “1ª Conferência Mundial sobre Alimentação”, em Roma,
ocasião em que os Estados Partes assumiram o compromisso com o problema global de
produção e consumo de alimentos, pretendendo erradicar a fome, a insegurança
alimentar e a desnutrição em ‘uma década’; defendendo o “direito inalienável de todo
homem, mulher ou criança estar livre do risco da fome e da desnutrição para o
desenvolvimento de suas faculdades físicas e mentais” (FAS, 1995).
A FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação),
mesmo antes do início da “Conferência Mundial sobre Alimentação” de 1996, em Roma,
criou o ‘Programa Especial para a Segurança Alimentar’ (PESA), direcionado para os
‘“Países com Baixo Ingresso e Déficit Alimentar’ (PBIDA), que ocupa um lugar central em
suas atividades (FAO, 1999). Na “2ª Conferência Mundial sobre Alimentação” os Estados
Partes aprovaram sete compromissos na ‘Declaração de Roma sobre a Segurança
Alimentar’ e um ‘Plano de Ação para a erradicação da fome e redução do número de
desnutridos à metade até ano de 2015. São os seguintes, os compromissos assumidos
pelos participantes da cúpula, para atingir um objetivo comum: segurança alimentar em
nível individual, familiar, nacional, regional e mundial (USP, 2009).
Compromisso primeiro: Garantiremos um ambiente político, social e
econômico propício, destinado a criar as melhores condições para
erradicar a pobreza e para uma paz duradoura, baseada numa
participação plena e igualitária de homens e mulheres, que favoreça
ao máximo a realização de uma segurança alimentar sustentável
para todos.
Compromisso segundo: Implementaremos políticas que tenham como
objetivo erradicar a pobreza e a desigualdade e melhorar o acesso
físico e econômico de todos, a todo momento, a alimentos suficientes
e, nutricionalmente adequados e seguros, e sua utilização efetiva.
Compromisso terceiro: Prosseguiremos na adoção de políticas e práticas
participativas e sustentáveis de desenvolvimento alimentar, agrícola,
da pesca, florestal e rural, em zonas de alto e baixo potencial, as quais
sejam fundamentais para assegurar uma adequada e segura provisão
de alimentos tanto a nível familiar, como nacional, regional e global, e
também para combater as pragas, a seca e a desertificação, tendo em
conta o caráter multifuncional da agricultura.
Compromisso quarto: Esforçar-nos-emos em assegurar que os e as
políticas de comercio de alimentos e de comercio em geral contribuam
a fomentar a segurança alimentar para todos, através de um sistema
comercial mundial justo e orientado ao mercado.
Compromisso quinto: Empenhar-nos-emos a prevenir e estar preparados
a enfrentar as catástrofes naturais e emergências de origem humana e
atende, às necessidades urgentes de alimentos de caráter transitório,
de modo a encorajar a recuperação, reabilitação, desenvolvimento e
capacidade de satisfazer necessidades futuras.
Compromisso sexto: Promoveremos uma distribuição e uma ótima
utilização de investimentos públicos e privados para promover os
recursos humanos, os sistemas alimentares, agrícolas, pesqueiros e
florestais sustentáveis e o desenvolvimento rural em áreas de alto e
baixo potencial.
Compromisso sétimo: Executaremos, monitoraremos, e daremos
prosseguimento a este Plano de ação, a todos os níveis, em
cooperação com a comunidade internacional.
Nesse evento ficou destacada a grande participação das organizações da
sociedade civil; bem como, em sua conseqüência, a criação em 1997 da “União
Interparlamentar” comprometendo-se com a FAO e com os objetivos da conferência. No
mesmo ano, em Brasília uma reunião regional de redes sobre segurança alimentar na
América Latina e Caribe; bem como a criação do “Fórum Mundial Sobre Segurança
Alimentar e Nutricional Sustentável”, dentre outras ações da sociedade civil (FAO, 1999).
Na “Conferência Mundial sobre Alimentação – 5 anos depois: Aliança Internacional
contra a Fome”, em Roma, o Papa João Paulo II (2002) na mensagem de abertura fala
que a fome e a desnutrição não são fenômenos meramente naturais ou de natureza
estrutural, afetando somente determinadas áreas geográficas, mas função de fenômenos
complexos; inclusive, decorrentes da ausência da cultura de solidariedade, visto serem
as relações internacionais baseadas no pragmatismo desprovido de fundamentos éticos
e morais, dificultando os objetivos estabelecidos de serem alcançados.
Os Estados Partes precisam cumprir certas obrigações que podem ser classificadas
em três níveis, para garantir o direito humano a uma alimentação adequada: respeitar,
proteger e realizar, de forma que a obrigação de realizar está imbricada com aquelas de
facilitar e de fazer efetivamente (ONU, 1999). Ou seja, ‘respeitar’ o acesso à alimentação
adequada; ao ‘proteger’ devem se assegurar de que as empresas ou particulares não
impeçam o acesso à alimentação adequada; e, ao ‘realizar’ (facilitar), o Estado Parte
deve procurar desenvolver atividades que fortaleçam o aceso e a utilização pela
população dos recursos e meios de vida, incluindo a segurança alimentar. Se acontecer
de um indivíduo ou grupo ser incapaz de ter acesso, por razões que não lhes dizem
respeitos, o Estado tem a obrigação de realizar (fazer efetivo) diretamente esse direito;
inclusive, àquelas vítimas de catástrofes naturais ou de outra ordem.
Dados de 2001-2003 indicam que havia cerca de 854 milhões de pessoas
subnutridas em escala mundial, 820 milhões nos países em desenvolvimento, 25 milhões
nos países em transição e 9 milhões nos países industrializados (SKOET & STAMOULIS,
2006). Estimativas da FAO (2009) indicam que a produção mundial de alimentos tem que
ter um crescimento da ordem de 75% durante os próximos 30 anos para que se garanta a
oferta suficiente de alimentos à população mundial que crescerá em torno de 8.300
milhões de pessoas até o ano 2025.
As Organizações Não Governamentais – ONG (2008), enquanto movimentos
sociais e organizações da sociedade civil, no ano de 2008 em Genebra, redigiram e
assinaram uma declaração conjunta na qual registram que a crise mundial demonstra
que o mercado global dominante não garantirá nem a segurança alimentar nem o direito
à alimentação; reclamam de um sistema de produção alimentar baseado nos princípios
da soberania alimentar e dos direitos humanos, em especial à alimentação adequada e o
acesso aos recursos produtivos como à terra, à água, às sementes e outros. Reivindicam
que os Estados Partes reafirmem seus compromissos de cumprir a ‘Declaração Universal
dos Direitos Humanos’ e o ‘Direito Internacional de Direitos Humanos’, impondo a
regularização do processo de expansão da liberação agrocomercial, respeitando,
protegendo e garantindo os direitos das pessoas, em especial o de alimentar-se, com
acesso aos recursos produtivos como marco da soberania alimentar; que sejam
implementadas medidas de apoio a(o)s camponeses e à produção sustentável de
alimentos em nível global, agroecologicamente diversificada; que a FAO defina como um
dos seus objetivos estratégicos a promoção e a proteção ao direito humano à
alimentação e, que seja assegurado que as reservas internacionais de alimentos sejam
garantidas com base nas necessidades esperadas e não dependam do preço de
mercado; dentre outras reivindicações.
A ‘Declaração da Conferência de Alto Nível sobre a Segurança Alimentar Mundial’,
realizada em 2008, em Roma, reconheceu a necessidade de se tomar urgentes e
coordenadas medidas de combate à repercussão negativa do aumento do preço dos
alimentos sobre países e populações vulneráveis do mundo, estimulando iniciativas
governamentais nacionais a curto, médio e longo prazo, com o apoio da comunidade
internacional; e, reforça a necessidade de maiores investimentos públicos e privados no
estímulo à agricultura, ao agronegócio e ao desenvolvimento rural (ONU, 2008).
Graziano da Silva (2009) falando sobre a “Reunião de Alto Nível sobre Segurança
Alimentar para Todos”, realizada em Madri em janeiro de 2009, sob o contexto da crise
financeira internacional desde 2005, manifesta que a reunião devolveu a esperança aos
quase um bilhão de pessoas que vivem com fome no mundo. O autor considera que o
retrocesso no combate à fome impõe uma nova ordem agrícola mundial para se fazer
frente à situação da insegurança alimentar, estimando que se deva investir cerca de 30
bilhões nas infra-estruturas rurais nos países menos desenvolvidos.
6. O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA NA LEGISLAÇÂO
BRASILEIRA
A Carta Magna Brasileira (BRASIL, 2008) no caput do artigo 5º emana a
inviolabilidade do direito à vida; no caput do artigo 6º, entre os direitos sociais está
assegurado a “a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados”; no artigo 7°, inciso IV estabelece um “ salário mínimo, fixado em lei,
nacionalmente unificado, capaz de atender as suas necessidades vitais e às de sua
família como moradia, alimentação...”, implicitamente, tais artigos asseguram o direito à
alimentação. Piovesan (2009) defende que a Constituição de 1988, no § 2º, do artigo 5º,
recepciona os tratados internacionais de direitos humanos com status constitucional,
dando o caráter de exigibilidade destes mecanismos assinados pelo Brasil.
Em 2006, sob a orientação das diretrizes internacionais é aprovada a Lei Orgânica
de Segurança Alimentar e Nutricional – LOSAN (Lei nº 11.346, de 15/09/2006) que institui
o ‘Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional’ – SISAN, consignando no
artigo 2º que a alimentação adequada é um “direito fundamental do ser humano, inerente
à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na
Constituição Federal, devendo o poder público adotar as políticas e ações que se façam
necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e nutricional da população”
(BRASIL, 2006).
Apesar de garantido com um direito social (art. 6º - CF), no sentido de que seja
garantido positivamente o Direito Humano à Alimentação, o ‘Conselho Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional’ – CONSEA vem desenvolvendo, de forma
contundente, a campanha ‘Alimentação: direito de todos’ visando sensibilizar o
Legislativo brasileiro a aprovar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC nº 047/2003),
como forma de fortalecer o processo de institucionalização do Sistema Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional e o conjunto de políticas públicas em andamento e,
desse modo, evitar retrocessos.
7. CONDIÇÕES DE VIDA E SAÚDE DA POPULAÇÃO BRASILEIRA
(PESQUISA DO PNAD- IBGE 2004)
Dados do IBGE (2009), na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, indicam
que grande parte da população brasileira vive em estado de miséria absoluta; se não
vive, sobrevive, sendo usurpado na sua dignidade humana. Segundo a pesquisa
realizada em 2004, em 65,2% dos cerca de 52 milhões de domicílios particulares
residiam pessoas em situação de Segurança Alimentar (SA). Em 34,8% dos domicílios
em situação de insegurança alimentar (IA), residiam 72 milhões de pessoas vivendo em
unidades domiciliares nas quais a condição de IA leve, moderada ou grave estava
presente. Foram de 12,3% e 6,5%, respectivamente, os percentuais de domicílios onde
residiam pessoas com insegurança alimentar moderada e grave. Os classificados como
IA grave, a restrição alimentar era de tal magnitude que cerca de 14 milhões de pessoas
conviveram com a experiência de passar fome, com freqüência que pode ter sido ‘em
quase todos os dias’, ‘em alguns dias’ ou ‘em um ou dois dias’, nos 90 dias que
antecederam à data da entrevista, relacionada à falta de recursos dos moradores para a
aquisição de alimentos. A IA moderada significou limitação de acesso quantitativo aos
alimentos, com ou sem o convívio com situação de fome, em 18,8% dos domicílios, nos
quais viviam 39,5 milhões de pessoas.
No meio rural estava aconteceu a maior prevalência domiciliar de IA moderada ou
grave: 17% e 9%, respectivamente; enquanto que na área urbana 11,4 % e 6% dos
domicílios estavam em condição de IA moderada e grave, respectivamente. Cerca de 9,5
milhões de pessoas moradoras em áreas rurais viviam em domicílios com restrição
quantitativa de alimentos, ou seja, em IA moderada ou grave, e 3,4 milhões delas
conviveram com a experiência de fome, nos 90 dias prévios à data da entrevista. Os
números em área urbana foram de cerca de 30 milhões e 10 milhões, respectivamente.
Quanto à prevalência de insegurança alimentar, em termos qualitativos e
quantitativos tem-se que no Norte e Nordeste era de cerca de 50% dos domicílios, com
restrição quantitativa grave de alimentos (IA grave) ocorria em 10,9% e 12,4% dos
domicílios, respectivamente, para as regiões. Essa prevalência no Norte e Nordeste foi
de 3,1 e 3,6 vezes maior que a do sul. Das quase 14 milhões de pessoas moradoras em
domicílios brasileiros em condição de IA grave, cerca de 7 milhões ou 52% residiam no
Nordeste, região que concentrava 28% da população do Brasil.
A desigualdade regional também é confirmada quando analisada a situação de
residência da população, se urbana ou rural. No Norte e Nordeste a insegurança
alimentar grave apresentou proporções mais elevadas na área rural; no Sul, Sudeste e
Centro-Oeste ocorre de modo inverso, com a insegurança grave em maiores proporções
nas áreas urbanas. A população rural do Nordeste com IA grave era de 17,1%, e de
13,2% na área urbana; a região Norte apresentou menor diferença entre esses
percentuais: 14,4% na área rural e 12,7% na urbana. Nessa região a IA grave variou de
3,9% em Rondônia a 15,8% em Roraima, com valores intermediários no Tocantins (7,9%)
e Amazonas (9,4%). Nas Regiões Norte e Nordeste cerca de 17% das crianças com
menos de 5 anos de idade viviam em condição de insegurança alimentar grave, ou seja,
com a fome, ‘em quase todo dia’, ‘em alguns dias’ ou ‘em um ou dois dias’, nos 90 dias
anteriores à realização da entrevista; as pessoas com idade de 65 anos ou mais nessa
condição foi de quase a metade, perto de 9%, nas duas regiões.
No que se refere à relação segurança alimentar e sexo da pessoa de referência,
composição e número de moradores do domicílio, há prevalência de insegurança
moderada ou grave maior em domicílios cuja pessoa de referência era do sexo feminino,
sendo mais expressiva nos domicílios cuja composição incluía menores de 18 anos. A
prevalência de segurança alimentar foi de 60,6% quando a pessoa de referência era do
sexo masculino e de 49% quando do sexo feminino. As diferenças de prevalências
observadas em separado, segundo o sexo da pessoa de referência e o número de
moradores no domicílio resistiram ao analisar simultaneamente ambas as variáveis.
A cor ou a raça da população quando associada à segurança alimentar nos
domicílios indica que 11,5% da população negra ou parda viviam em situação de
insegurança alimentar grave, sendo esta de 4,1% entre os brancos. A população com
garantia de acesso aos alimentos em termos qualitativos e quantitativos que vivia em
domicílios em condição de SA era de 71,9% entre os brancos e de 47,7% entre os negros
ou pardos, sendo maiores proporções de IA grave nas regiões Norte e Nordeste do país.
Relacionando-se a renda e a condição de IA grave, 28,6% da população residente
no Brasil possuíam rendimento domiciliar mensal inferior a R$ 65,00 (sessenta e cinco
reais per capita); ou seja, até ¼ do salário mínimo per capita. Na região Norte, entre os
2,3 milhões de pessoas com rendimento domiciliar per capita de até ¼ do salário mínimo
ou sem rendimento domiciliar, cerca de 800 mil (34,5%) viviam em IA grave. Desses, a
transferência de renda de programas sociais do governo foi observada em 8 milhões de
domicílios, com algum morador recebendo dinheiro procedente de programa social do
governo: na região Norte eram 6.5% e na região Nordeste, 22,7%.
Em todas as Grandes Regiões do país a prevalência de IA em todos os níveis é
maior entre os domicílios em que algum morador era beneficiário de programa social. A
IA leve apresenta maiores diferenças entre beneficiários e não-beneficiários na região Sul
(24,5% versus 11,1%) e na região Sudeste (28,4% versus 13,6%) e menor na Nordeste
(23,5% versus 17,6%). A prevalência de IA moderada foi maior entre os domicílios que
recebiam transferência de renda de programa social do governo, sendo neste caso as
diferenças maiores nas regiões Norte (28,1% versus 14,6%) e Nordeste (30,7% versus
17,2%) e menor na região Centro-Oeste (19,2% versus 8,7%). Embora a prevalência de
IA grave em domicílios em que algum morador era beneficiário seja mais elevada nas
regiões Norte e Nordeste (19,0% e 18,4% respectivamente), a diferença entre essas
prevalências em domicílios em que pelo menos um morador recebia transferência de
renda de programas sociais do governo e as prevalências nos domicílios que nenhum
morador recebia benefício foram significativas: as primeiras são maiores que o triplo das
últimas nas regiões Sudeste e Sul; são 2,5 vezes maior na região do Centro-Oeste e
próximas do dobro nas regiões Norte e Nordeste.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo que foi exposto, no contexto internacional, ainda falta muito para que os
Estados assumam de fato a preocupação com a segurança alimentar, pois muito do que
tem sido feito é resultante do esforço concentrado da organização da sociedade civil.
Localmente, fica patente a fragilidade do Estado brasileiro na garantia da plenitude dos
direitos econômicos, sociais e culturais, uma vez que no Brasil a depauperação das
condições de vida de grande parte da população brasileira é tangível, pois esta se vê
obrigada a subsistir com uma renda per capita insuficiente e obrigada a esperar por
políticas assistencialistas quase inexeqüíveis, pois não atinge aos necessitados
igualmente, ou buscar seu direito à vida tendo que garimpar o seu alimento no lixo, por
um instinto animalesco de perpetuar a espécie e assim não perecer.
9. BIBLIOGRAFIA
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